Projeto Mestres do Brasil: suas memórias, saberes e histórias
Entrevista de Mônica Maria Ferreira da Costa
Entrevistada por Morgana Marcelle e Winnie Shoy
Rio de Janeiro, 27/09/2008
Realização Instituto Museu da Pessoa
Entrevista nº OFMB_HV031
Transcrito por Paula Leal
Revisado por Ligia Furlan
P/1 – Oi Mônica, queria começar pedindo para você falar seu nome completo, o local e a data do seu nascimento.
R – Mônica Maria Ferreira da Costa. Local, Rio de Janeiro, nasci no Rio em 11 de Abril de 1967.
P/1 – Mônica, diz pra gente o nome dos seus pais.
R – Meu pai é Maurício da Costa e minha mãe é Maria de Lourdes Ferreira da Costa.
P/1 – E o que eles faziam ou fazem ainda?
R – Minha mãe era professora e meu pai fez ciências contábeis, trabalha com consultoria e coisas assim.
P/1 – E eles são daqui do Rio mesmo?
R – São do Rio.
P/1 – E a sua infância você passou onde?
R – Passei... Nasci no subúrbio, em Jacarepaguá, e morei até, sei lá, acho que até os 32 anos na mesma rua. Mudei de casa, mas na mesma rua. Aí saí para os Estados Unidos, fiquei um ano fora, voltei, e me mudei logo depois pra Zona Sul, onde estou até hoje.
P/1 – E essa casa lá em Jacarepaguá, conta um pouco pra gente como é que era.
R – Pois é, eu nasci em apartamento, não me lembro, porque eu mudei ainda bebê, acho, para a casa. É, morava numa casa mais ou menos pequena, mas tinha um quintal enorme que era muito agradável, assim, com milhões de frutas, coisa que a gente não tem mais hoje, né. Mangueira, abacateiro, as coisas mais exóticas no mundo, assim, e passei a vida mesmo brincando em quintal. Brincava em rua, andava de bicicleta em rua, essas coisas que não se faz hoje, que a garotada da Zona Sul hoje não tem mais o prazer de fazer, vão direto para o videogame, etecetera.
P/1 – E você tem irmãos?
R – Tenho um irmão mais velho.
P/1 – E aí, essas brincadeiras eram com seu irmão, com gente da rua?
R – É,...
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Entrevista de Mônica Maria Ferreira da Costa
Entrevistada por Morgana Marcelle e Winnie Shoy
Rio de Janeiro, 27/09/2008
Realização Instituto Museu da Pessoa
Entrevista nº OFMB_HV031
Transcrito por Paula Leal
Revisado por Ligia Furlan
P/1 – Oi Mônica, queria começar pedindo para você falar seu nome completo, o local e a data do seu nascimento.
R – Mônica Maria Ferreira da Costa. Local, Rio de Janeiro, nasci no Rio em 11 de Abril de 1967.
P/1 – Mônica, diz pra gente o nome dos seus pais.
R – Meu pai é Maurício da Costa e minha mãe é Maria de Lourdes Ferreira da Costa.
P/1 – E o que eles faziam ou fazem ainda?
R – Minha mãe era professora e meu pai fez ciências contábeis, trabalha com consultoria e coisas assim.
P/1 – E eles são daqui do Rio mesmo?
R – São do Rio.
P/1 – E a sua infância você passou onde?
R – Passei... Nasci no subúrbio, em Jacarepaguá, e morei até, sei lá, acho que até os 32 anos na mesma rua. Mudei de casa, mas na mesma rua. Aí saí para os Estados Unidos, fiquei um ano fora, voltei, e me mudei logo depois pra Zona Sul, onde estou até hoje.
P/1 – E essa casa lá em Jacarepaguá, conta um pouco pra gente como é que era.
R – Pois é, eu nasci em apartamento, não me lembro, porque eu mudei ainda bebê, acho, para a casa. É, morava numa casa mais ou menos pequena, mas tinha um quintal enorme que era muito agradável, assim, com milhões de frutas, coisa que a gente não tem mais hoje, né. Mangueira, abacateiro, as coisas mais exóticas no mundo, assim, e passei a vida mesmo brincando em quintal. Brincava em rua, andava de bicicleta em rua, essas coisas que não se faz hoje, que a garotada da Zona Sul hoje não tem mais o prazer de fazer, vão direto para o videogame, etecetera.
P/1 – E você tem irmãos?
R – Tenho um irmão mais velho.
P/1 – E aí, essas brincadeiras eram com seu irmão, com gente da rua?
R – É, com meu irmão. Gente da rua não, mas colegas da proximidade, assim. Na época a rua era tranquila, era bem coisa de subúrbio mesmo, agradável e tal, então era andar de bicicleta na rua, ajudar pai e mãe a fazer compras e brincar no quintal. Montava cabana de índio no quintal e essas coisas, subia em árvore (risos).
P/1 – E tinha alguma dessas brincadeiras que era a sua preferida?
R – É, na verdade eu, criança, não brincava muito de boneca, e gostava de inventar história (risos). Eu lembro que meu irmão tinha um conjuntinho de bonecos da Disney e a gente gostava de fazer paraquedas pra botar nos bonequinhos, soltar, e os bonequinhos descerem de paraquedas, então eu inventava mil histórias com eles, assim, com os bonequinhos. Botava em árvore e me imaginava na floresta... E hoje eu sou montanhista, não sei se tem alguma coisa a ver (risos), mas eu adoro mato, aí gostava de inventar histórias com os bonequinhos e esse tipo de coisa. Nunca fui muito de boneca, assim.
P/1 – E aí você morou nessa casa lá em Jacarepaguá até quando?
R – É, morei nessa casa pequena durante um bom tempo. Essa casa, depois, quando eu tinha uns 14 anos, meu pai construiu uma casa ao lado, e aí perdi o “super terreno”. Construiu uma casa maior e tal, porque eu e meu irmão estávamos, enfim, já adolescentes, e aí construiu uma casa maior, onde meus pais moram até hoje. Morei lá até sair pra fazer Pós-Doc [Pós Doutorado] fora, quando fui para os Estados Unidos e deixei a casa.
P/1 – E o que você falou que tinha muitas árvores frutíferas na sua casa e... Qual é uma comida, assim, que tem gosto de infância?
R – Comida? Isso é difícil, porque quando criança eu não comia nada. Hoje eu sou, assim... Como desesperadamente (risos), mas de criança eu não comia muito. Comia, sei lá, carne moída, macarrão... Aliás, isso eu como até hoje, ovo... A gente, quando viajava, minha mãe ia pra cozinha fazer comida pra mim, porque eu era absolutamente chata para comer, e hoje eu... Quer dizer, continuo um pouco chata, mas como mais coisas e como muito, muito. Eu era muito magrinha quando era criança.
P/1 – Você falou aí que quando vocês viajavam... Vocês faziam muitas viagens em família quando vocês eram crianças?
R – Fazia! Assim, aquelas viagenzinhas para perto, Petrópolis, Teresópolis, que hoje não é mais viagem, mas que antigamente era; enfim, demora a viagem de carro em fusquinha. A gente gostava de ir para o hotel fazenda, esse tipo de coisa, hoje em dia você vai pra Teresópolis, vai e volta em um dia, mas antigamente era realmente uma viagem, e aí a gente gostava de fazer esse tipo de coisa.
P/1 – E os seus avós, você tinha convivência com eles, assim, quando você era criança?
R – Tive bastante, principalmente com meus avós maternos. Meu avô era meu ídolo, assim, minha referência. Meu avô materno, que faleceu muito cedo, eu tinha sete anos, e os quatro... Não, desculpe, três, eram portugueses. Os dois avós paternos eram portugueses, meu avô materno português, e minha avó materna era baiana. Convivi muito com meus avós, principalmente os maternos. Com os paternos menos, mas convivi bastante também. Agora, os maternos estavam sempre lá na casa deles. Minha avó era cega, completamente cega, e aí, criança, eu costumava escrever as cartinhas dela, porque ela gostava muito de programas de rádio, a diversão dela era programa de rádio, e ela vivia mandando cartinha de concursos e esse tipo de coisa, aí os netos que escreviam. Meu irmão teve o tempo dele, aí quando eu comecei a aprender a escrever, me botavam para escrever as cartinhas, e como não veio nenhum irmão depois, eu passei a ser cargo vitalício, assim, e aí essa experiência com minha avó era muito legal, porque ela, apesar da cegueira, era muito alegre, muitíssimo, curtia muito a vida. Então acho que isso foi uma coisa que marcou, assim, a minha vida, a referência da avó alegre com problema de saúde, etecetera.
P/1 – E você falou que seus outros avós eram portugueses. Você sabe por que a família veio para o Brasil?
R – Por que a família veio pro Brasil? Acho que porque todo português vinha para o Brasil tentar uma vida melhor. Meus avós paternos se conheceram aqui, os maternos obviamente também, porque meu avô era português e minha avó baiana, e vieram, assim, para tentar a vida. Vieram jovens, meu avô carregava gelo e minha avó era babá, aí se conheceram aqui, montaram a vida. Naquela época as pessoas simples conseguiam ascender na vida, hoje é mais complicado. E aí, tanto meus avós paternos quanto maternos conseguiram formar todos os filhos, ter casa, ter casinhas para alugar, e essas coisas. E meu avô materno, como todo bom português... Aliás, os dois, os dois eram quitandeiros (risos), os dois se tornaram, evoluíram e se tornaram quitandeiros.
P/1 – E era lá em Jacarepaguá mesmo, a quitanda deles?
R – É, na verdade a última quitandinha... O outro já era melhor de vida, tinha um armazém grande, até na hora que começaram os supermercados. Todo mundo meio que começou assim, tinha armazém... E meu avô teve a oportunidade de começar, não quis porque não queria se envolver em dívidas.
P/1 – E como é que era sua participação, assim, nessas quitandas e no armazém, você chegava a ir lá?
R – Ah, claro, nossa, ajudava, adorava ficar. Me lembro mais da quitanda do meu avô paterno, porque como a do avô materno era um armazém maior, e tal, acho que não tinha muito espaço para criança. Meu avô paterno, eu adorava ficar na quitanda vendendo.
P/1 – Tem alguma história bacana dessa época?
R – Não me lembro. Na verdade, meu ex-marido diz que eu não lembro nem o que eu comi no almoço (risos), então histórias, assim, específicas, eu não me lembro não. Só lembro que era muito agradável ficar na quitanda, acho que dá um ar importante, assim, você criança já fazer comércio e esse tipo de coisa.
P/1 – E Mônica, conta pra mim como é que foi que você começou a estudar.
R – Comecei a estudar? Bom, minha mãe era professora de uma escola municipal, e acho que mesmo antes de entrar para escola, eu já devia frequentar escola com ela. E eu era absolutamente CDF [Crânio de Ferro – estudiosa] , quer dizer, não era CDF porque naquele tempo as crianças não estudavam. Hoje eu fico, assim, abismada como as crianças estudam tanto e sabem tão pouco (risos). A gente frequentava escola e isso era tudo, e eu era, sempre fui super boa aluna. Assim, tinha orgulho que eu fui porta-bandeira na minha escola, isso era... Na época a gente tinha mais civismo, eu acho. Toda segunda-feira se cantava o hino, então essa coisa de ser porta-bandeira era, em geral, o melhor aluno da escola que era escolhido e tal, e eu tinha, assim, absoluto orgulho de fazer aquilo, eu chorava quando ouvia o hino. E aí estudei até a quarta série na escola da minha mãe, fui aluna da minha mãe inclusive, depois fui pra colégio particular e estudei em colégio Marista, na Usina, e formação cristã. Hoje eu não tenho absolutamente nenhuma ligação com a religião, muito pelo contrário, tenho resistência. Depois fui pra PUC [Pontifícia Universidade Católica]. Não, no segundo grau, hoje ensino médio, eu fiz Colégio Impacto, que era um colégio basicamente pra treinar você para fazer vestibular, depois fui pra PUC, aí fiquei na PUC basicamente até hoje, com algumas interrupções, mas basicamente até hoje.
P/1 – Mas lá nessa primeira escola que era a escola da sua mãe, como é que era a escola? Conta um pouco pra gente. Era perto da sua casa?
R – A escola? Era perto da minha casa, chamava escola Pio X, é, eu lembro que eu adorava minha professora do jardim de infância. Eu era uma menina muito tímida, extremamente tímida e extremamente organizada, eu costumo dizer que eu nasci velha e depois eu fui me tornando jovem (risos), porque eu era super, super certinha. Os alunos problemas eram botados do meu lado, porque eu sequer olhava para o lado, então não tinha chances de conversar. Enfim, sempre fui boa aluna, e qualquer cargo de responsabilidade era passado para mim, e fui até a quarta série assim, daí eu ser a porta-bandeira, completamente organizada, não perdia nada. Hoje eu perco tudo, não consigo cumprir horários, sou absolutamente esculhambada com tudo, mas quando criança eu era muito organizadinha, e a escola era muito legal, assim, era uma escola pública, mas nos padrões de sei lá a quanto tempo atrás, que eram muito bons. Era uma escola de excelente formação, boa experiência.
P/1 – E essa coisa de você ser porta-bandeira, em que ocasiões isso acontecia? Desfile da escola, como é que era?
R – Em eventos, é, qualquer evento tinha um grupinho lá, tinha um grupinho de alunos, e a porta-bandeira era quem normalmente segurava a bandeira, e a gente hasteava a bandeira em qualquer evento que tivesse de solenidade, qualquer coisa assim.
P/1 – E vocês iam a eventos, assim, fora da escola, apresentar ou alguma coisa?
R – Não, acho que não, que eu me lembre, não. Eventos na escola mesmo, receber alguma visita, alguma coisa, alguma solenidade, data cívica, coisa assim.
P/1 - Você lembra de alguma viagem que você tenha feito com colegas, com a escola?
R – Com a escola? Certamente fiz, mas eu não me lembro não. Se fiz, fiz para perto, não era comum você ir viajar, ainda mais em escola pública, não era muito comum você... Acho que os colégios promovem mais isso hoje, eu não me lembro de ter feito nada para muito longe assim, não. Certamente devo ter feito, mas mais por perto mesmo.
P/1 – E o uniforme, como é que era?
R – Ah, então, o uniforme, pois é, hoje dá uma dó quando eu vejo as crianças no Rio de Janeiro. Não existe mais uniforme, os meninos andam que nem uns farrapos. Não, o uniforme era aquela sainha pregueada, toda arrumadinha, meia três-quartos, camisa super bem passada, com emblema, e os meninos todos andavam impecáveis, os meninos que não tinha eventualmente condições de comprar uniforme, a instituição ajudava. Existia a Instituição Caixa Escolar, quem podia contribuir, a escola fazia uma caixinha e ajudava a comprar material, uniforme, etc. Então todo mundo andava, assim, alinhado.
P/1 – E aí, como é que foi, depois você mudou dessa escola para outra?
R – Então, depois eu passei para uma escola particular, que era o Colégio Marista São José. É, assim, eu era absolutamente apaixonada pelo meu colégio, um colégio... Pois é, esse colégio tem uma história triste, porque eu soube a pouco tempo que ele está para se mudar da Usina, onde é o colégio, para a Barra, porque ele acabou ficando numa área circulada, com favela em todo o entorno, então já botaram vidros com anti-balas (blindados?), e acho que agora vai mudar pra Barra. O colégio era belíssimo, porque era um prédio muito antigo, aqueles prédios tradicionais, com um pátio enorme no meio. O colégio circundava um pátio e atrás do colégio a gente tinha acesso à montanha também, então de vez em quando, na educação física, a gente ia passear ali. Era raro, eu me lembro de ter feito isso uma ou duas vezes, mas era muito bonito, muito bonito. Imagino que hoje esteja tudo cercado, esteja fechado. Voltei no colégio algumas vezes depois, porque realmente era a minha paixão, e aí, isso até... Foram só três anos, quinta, sexta e sétima, e depois continuei no mesmo colégio. Mas quando você chegava na oitava série, mudava de sede, ia para uma rua chamado Barão de Mesquita, num prédio muito bonito também, mas não assim, nesse reduto de paz, montanha, de mato. E aí depois saí, depois da oitava série saí. Detestei ter saído, fui pra um colégio chamado Impacto, na época, que acabou, lá em Jacarepaguá mesmo. Meus pais me tiraram, porque como era na Tijuca e a gente morava em Jacarepaguá naquela época, transporte era mais difícil, então tinha a parte social, que eu nunca podia ir à festa e nada do gênero porque era tudo muito longe. Aí fui para Jacarepaguá, mas eu detestava o colégio (risos).
P/1 – Mas nessa época você ia para esse Colégio Marista que era longe, como é que você ia?
R – É, no início, na quinta série, eu ia, minha mãe tinha uma colega de escola, professora também, que também tinha os filhos lá, então elas... A gente revezava, os pais revezavam, tanto para levar, quanto para buscar. Só que isso foi só um ano, porque os meninos todos eram mais velhos que eu, e meu irmão também mais velho. Meu irmão estudava no mesmo colégio, e eles passaram pra série que eu falei que era debaixo, e estudavam a tarde. Eu continuei nessa, na Usina, e aí eu passei, meu pai me levava, mas aí eu passei a voltar sozinha. O que eu acho que também... Pegava três ônibus, com 12 anos pegava três ônibus para voltar para casa, que também acho que foi uma experiência muito boa pra mim, assim, pra amadurecer, pra começar, enfim, começar a gerir minha própria vida, ter algum trabalho. Acho que a garotada hoje tem tudo muito na mão, e aí eu já pegava três ônibus, levava mais de uma hora para voltar pra casa, foi uma experiência bastante legal.
P/1 – Passou algumas situações inusitadas nessas voltas pra casa, nas três conduções?
R – Não, nessas não. Essa, apesar das três conduções, era tranquilo, mas quando eu passei para a oitava série e meu irmão também já tinha saído do colégio, eu não tinha mais essa mordomia de pai e mãe pegando ou levando, então eu ia com meu irmão de ônibus, ele ia pra outro colégio, mas também na Tijuca, eu ia com ele de ônibus e voltava sozinha. E voltava num ônibus que eu dormia em pé, assim, porque não tinha o menor problema, se eu dormisse eu não cairia, eu não podia tirar o pé do chão porque se eu tirasse, não voltava o pé pro chão (risos). Acho que essas coisas todas, meu irmão sempre teve mais mordomia, porque como ele era mais velho, acho que, não sei, acho que teve algumas regalias e ficou mais bobão (risos), então eu tive que me virar desde cedo com algumas coisas, e acho que eu fiquei mais esperta, foi bom pra mim.
P/2 – E fora da escola, assim, na cidade, o que você gostava de fazer?
R – Fora da escola? Pois é, fazia muito a minha parte social, nessa época eu era muito prejudicada por conta disso, porque os amigos moravam e estudavam... Eu morava em Jacarepaguá, e meus amigos eram da Tijuca, então essa coisa de ir pra casa do colega, de tarde, de ir à festinha, não existia, porque era tudo muito longe. E eu comecei a ter isso a partir do científico só, mas também sempre estudei demais (risos). Mas na minha oitava série eu também não tinha muito tempo, porque eu fazia piano, fazia natação, curso de inglês e estudava de tarde, então o tempo estava todo tomado. Ainda inventaram de eu fazer nado sincronizado, ou alguma coisa do gênero, mas eu fugi (risos).
P/1 – Não gostava?
R – Não, não cheguei nem a ir, porque eu teria que ir pro Flamengo pra treinar. Eu fazia natação em Jacarepaguá e tinha uma professora que era do Flamengo que dizia que eu tinha muito boa flutuação, aí quis me levar pra lá. Só que morando em Jacarepaguá, com tantas atividades, ia ficar... Meus pais não iam fazer outra coisa na vida, senão me levarem.
P/2 – Você falou que não tinha muita convivência com os amigos da escola, mas não tinha os amigos perto de casa?
R – Não, tinha as primas, que talvez morassem na mesma rua, é. Não sei se na época a gente tinha muito contato, porque a família sempre foi meio de briga, assim, sabe, então a gente se afastava pelas brigas da família, mas as minhas primas moravam na mesma rua, e se não fosse em momento de briga, as primas estavam em contato. E tinha amigo, tenho amiga, hoje já não mais. Tive uma amiga que perdurou por muito tempo, assim, mesmo pós-escola, que foi a ___________, a amiga de primário, perdurou, por muito tempo eu tinha contato com ela.
P/1 – E aí lá nesse Colégio Impacto?
R – Ai, esse Colégio Impacto era um horror (risos), porque eu tive uma formação muito rigorosa e tal, sempre foi a harmonia perfeita, e no Colégio Impacto foi um choque muito grande pra mim. Acho que acabou sendo bom, eu estava entrando na adolescência, mas o Colégio era assim: os inspetores, ao invés de tomarem conta para os alunos não fazerem besteira, eles tomavam conta dos professores para não verem, para os professores não verem os alunos fazendo besteira, então as pessoas fumavam maconha no colégio... E assim, pra mim era meio chocante, pra educação que eu tinha tido. E os professores, no geral, eram muito ruins. Mas aí eu fiquei dois anos em Jacarepaguá, depois eu, querendo estudar muito... Porque eu queria ser primeiro lugar (risos), pretensiosa, fui, e aí na época meu irmão fazia, não sei se ele já estava na universidade, mas ele fez uma turma especial nesse colégio que chamava turma IME-ITA, que preparava pro IME [Instituto de Matemática e Estatística da Universidade de São Paulo] e pro ITA [Instituto Tecnológico de Aeronáutica], essas duas universidades, e ele ficava o dia inteiro no colégio, e eu achava o máximo aquilo, porque eu realmente sempre fui muito exigente comigo mesmo, com relação a vida profissional, vida acadêmica e profissional. Então eu queria porque queria fazer a tal da turma IME-ITA, como meu irmão tinha feito, apesar de eu obviamente não poder entrar nem pro IME e nem pro ITA, já que as universidades eram só... Na época só permitiam a entrada de homens né, mas eu queria fazer a tal turma para me sair muito bem no vestibular, e minha mãe não deixou, porque meu irmão não se adaptou ao colégio, teve meio que... Começou a dar sintomas de depressão, assim, aí minha mãe não deixou eu ir para a tal da turma IME-ITA, mas de qualquer maneira fui pro Impacto, da Tijuca. Essa coisa que eu odiava era o Impacto de Jacarepaguá, fui pro Impacto, da Tijuca, onde eu comecei pegando leve, assim, estudando só à tarde. E esse colégio também foi outra coisa marcante da minha vida, esse colégio era muito... Eles eram business, os caras queriam ter os primeiros lugares – não sei se isso acontece até hoje no segundo grau –, eles queriam ter os primeiros lugares em vestibular, então era uma lavagem cerebral, e isso era, sei lá, tinha 15 anos. E eu logo de início me destaquei no colégio, aí me cooptaram pra uma turma especial. Não era IME-ITA, mas chamava “turma escola naval”, e dentro da turma escola naval, também me destaquei, então comecei a ficar no colégio de 7 e 40 da manhã às 8 e 40 da noite (risos), fazendo dia de semana, de sábado eu ficava, sei lá, da uma às seis da tarde, e de domingo eu fazia prova, todo domingo, das sete ao meio-dia. Mas eu adorava, porque tinha que estudar. Eu adorava o colégio, e com 15 anos você ganha status, você se sente muito importante, e como as pessoas no colégio faziam isso, eles pegavam, nas provas de domingo, de sete ao meio-dia, antes da prova tinha o diretor do colégio que entrava na sala e fazia um discurso enorme, assim: “Porque vocês não vão gostar de ser segundo lugar no coração de ninguém...”, esculhambava os meninos (risos) e exaltava os bons, e eu estava sempre no meio. Isso gerava... Os outros meninos tinham uma certa deferência em tudo, e eu me sentia super importante. Quando eu fui fazer vestibular, me tiraram da sala para tirar foto porque eu era uma potencial primeiro lugar, então aquilo pra mim era o máximo, e quando eu entrei na universidade, entrei na primeira turma, a PUC diferenciava a primeira turma do resto. Os professores eram especiais, os testes eram especiais, as provas eram especiais, só que eu estava no meio de gênios, assim. Tinha gente muito boa ali, e eu era só uma aluna normal, que gostava de estudar. Quer dizer, nem gostava de estudar, eu gostava de ter bom rendimento. Hoje eu gosto de estudar, na época eu não gostava, eu estudava porque eu queria ser boa, e aí me deparei com os meninos que eram ótimos e eu me senti... Se eu não era a melhor, eu não era nada, então o início da faculdade, para mim, foi muito difícil por conta disso. Me achei, assim, um lixo dos lixos, apesar de eu estar na primeira turma. Eu era muito exigente, e isso também foi muito bom para eu começar a cair na real, porque eu fui muito endeusada quando menina por professores, com diferença dos alunos, e isso foi bom para eu cair na real: “Olha, tem muita gente melhor do que eu.”. E aí eu tive uma crise inicial enorme, e ainda entrei para fazer um curso... Para fazer matemática, sou Matemática, o curso era muito, muito, muito difícil, e eu tive uma crise inicial: “Ah, não é isso que eu quero da vida.”. Resolvi, depois de estar na faculdade, fazer teste vocacional, e o teste vocacional infelizmente deu matemática, informática, e comunicação social em terceiro lugar. Eu, assim, conversei com meus pais, mas eles não tinham estrutura, não tinham visão da vida acadêmica. Minha mãe é professora primária, meu pai fez qualquer faculdade e começou a trabalhar, a academia para eles nunca foi importante, então eles não tinham estrutura para me ajudar. Eu coloquei a questão que estava tudo muito difícil e senti que os meus pais não tinham estrutura para me ajudar naquele momento. Outra experiência boa também foi que eu falei: “Caramba, estou sozinha, eu tenho que decidir.” – sei lá, aos 17 anos – “Eu tenho que dar um rumo na minha vida.”, e me dei seis meses, falei: “Se eu tiver um bom rendimento, eu continuo, se não, eu paro.” Acabei tendo bom rendimento e prêmio na faculdade (risos), CDF sempre. E eu falei: “Beleza, vou continuar.”. Continuei, enfim, a faculdade nunca se tornou fácil, eu estudava todas as horas da minha vida que eu estivesse acordada, eu estava estudando, mesmo as dormindo também, mas foi uma decisão assim: “Se eu quiser me formar eu vou ter que passar por isso.” E eu passei. Lembro que eu deitava pra dormir e eu sempre estava com algum teorema que eu tinha de demonstrar, aí eu ia dormir com um bloquinho do lado. Começava a pensar no teorema, acordava no meio da noite com alguma ideia de resolver o problema e tinha que escrever, porque senão de manhã eu teria esquecido. Eu escrevia e de manhã estava a solução. Eu estudava mesmo dormindo. Mas aí, quando eu me formei, me senti assim, poderosíssima. Se eu tinha vencido aquilo, eu podia vencer qualquer coisa.
P/1 – Mas Mônica, por que se deu essa escolha pela matemática?
R – Pois é, me enganaram (risos). Porque matemática até o segundo grau é uma coisa, na faculdade é completamente diferente, e eu acho que até a escolha se deu porque matemática pra mim não era... Era a coisa mais fácil que tinha, era meio brincadeira. Eu não estudava, eu assistia aula, fazia os exercícios e pronto, então era a coisa que me dava menos trabalho (risos), e acho que talvez eu tenha escolhido um pouco por isso, assim, pelos motivos completamente errados. Só que a graduação em matemática é completamente diferente, e aí vieram todas as dúvidas e tal. Mas eu realmente não poderia ser outra coisa, eu sou completamente matemática.
P/1 – Você entrou na universidade ainda bem jovem, né? Como é que era, você estudava o tempo inteiro, e aí como é que era a Mônica fora da universidade?
R – Não tinha, não tinha, meus cinco anos, a Mônica fora da universidade. Todo mundo começou a falar em mestrado, doutorado, e mestrado e doutorado foram absolutamente festas, tudo que eu não fiz durante a graduação eu fiz durante o mestrado e o doutorado, e era, pra mim era realmente, talvez até por isso eu decidi fazer carreira acadêmica, seguir. Entrei como professora porque mestrado e doutorado para mim era brincadeira diante do que eu tinha passado na graduação, era brincadeira, e aí eu tinha tempo pra tudo. Almoçava todos os dias com meus amigos, festa, enfim, fazia milhões de coisas. Comecei a namorar, porque até então eu não tinha tempo (risos), e é isso.
P/1 – E aí essas festas que você ia eram na universidade, conta um pouco como é que era.
R – É, pois é, essa parte é importante porque eu falei que meu teste vocacional deu matemática, informática e comunicação social, né? Eu acho que na minha vida as coisas sempre acontecem... Parece que o roteiro foi escrito por alguém, as coisas sempre acontecem muito casadas, mas meio que por acaso. Então eu fiz graduação na matemática, aí quando eu saí eu não sabia o que ia fazer da vida, resolvi... Na época era o boom da informática no país, todo mundo que queria ganhar dinheiro fazia a profissão do momento e ia para informática, e informática era muito casada com matemática, em algumas universidades até era junto. Eu não fiz, fiz matemática absolutamente pura, nada aplicado, não sei para que serve (risos), sei, brincadeira, sei mas não tinha qualquer vínculo com o mundo real, com qualquer aplicação, e quando eu terminei eu sabia que não queria fazer mestrado em matemática, mas não sabia o que ia fazer da vida, porque matemática, em geral, o cara que faz matemática segue carreira acadêmica. E eu fui fazer um curso de análise de sistemas na própria PUC. Eu emendei direto, fiz um curso noturno e comecei a brincar, a trabalhar com meu pai, assim, mas meio de brincadeira, não tinha salário, para aprender. Comecei a aprender a programar e tal, e aí eu fazia esse curso noturno, nesse curso eu tive uma... Na época estava estourando a coisa de computação gráfica também, tinha o Hans Donner, que fazia sucesso na Globo, que estava muito em evidência, e eu tive, no curso de análise de sistemas, uma disciplina que era justamente computação gráfica, e minha professora era aluna de mestrado na PUC. E eu gostava muito da cadeira, que para mim também era meio brincadeira fazer bonequinho mexer e tal, então resolvi. Conversei com ela e antes mesmo de terminar o curso eu apliquei para o mestrado, resolvi fazer mestrado, mas em informática. Passei pro mestrado, fui aceita e ainda levei as duas coisas ao mesmo tempo, porque eu ainda não tinha terminado o curso de análise de sistemas e comecei o mestrado na informática, na PUC, em computação gráfica. Segui mestrado, doutorado, etc., mas em informática, não na matemática.
P/1 – Mas e a diversão dessa época, como é que era?
R – Ah, a diversão nessa época era com os amigos de faculdade e de mestrado, aí eu já conhecia a pessoa com quem... Foi quase meu marido, digo, foi marido, mas meio informal, porque eu sou meio claustrofóbica com essas coisas (risos). Então a gente namorou, ficamos juntos oito anos, nunca chegamos a morar juntos, ficamos juntos oito anos e aí a diversão era com o pessoal de mestrado. Era festa, era tudo que as pessoas normais fazem, ____________, enfim.
P/2 – E quando foi que você começou a gostar de montanhismo?
R – Ih, pois é, aí... Bom, fiz mestrado, doutorado, saí do doutorado, como era tudo muito agradável, eu adorava o ambiente da PUC. Meus amigos do mestrado e doutorado são meus amigos até hoje, é muito legal, porque todo mundo casou, teve filhos, os filhos já estão grandes, mas a gente mantém contato até hoje. Depois eu separei do meu marido, sei lá o que, “namorido”, mas a gente também tem contato até hoje, e aí fiz mestrado e doutorado, e durante o mestrado e o doutorado o meu sonho era ser professora da PUC, e eu, assim, meio sem noção, não passava pela minha cabeça que eu não fosse ser professora do Departamento de Informática da PUC. Aí meu orientador de vez em quando falava: “Não, Mônica, olha, cuidado, porque depende de vaga.”. Ele me alertava meio que para eu não me decepcionar, mas eu ia ser professora da PUC. Quando eu terminei o doutorado, fiquei um ano como professora visitante na UERJ [Universidade do Estado do Rio de Janeiro], aí saiu uma professora do Departamento de Informática e abriu uma vaga, aí houve um concurso. O concurso foi muito sofrido, mas eu fui selecionada e me tornei professora da PUC. Como eu tinha feito mestrado e doutorado na própria PUC, graduação, pós-graduação, mestrado e doutorado, tudo na PUC, isso é um perfil que eles chamam de perfil endêmico, que não é um perfil legal para o pesquisador, então eles quiseram que eu fosse fazer pós-doc, a universidade exigiu, eu seria contratada, mas desde que eu me comprometesse a fazer o pós-doc fora. Eu resolvi, fiquei seis meses na PUC me preparando para o pós-doc, apliquei, saí, fiquei um ano na Filadélfia. Na época meu namorado não foi – namorado, marido, sei lá o que –, na época a gente já namorava há sete anos eu acho, eu fiquei um ano fora, ele foi várias vezes me visitar. Quando eu voltei, 48 horas depois eu terminei, e eu digo que eu zerei a minha vida toda, porque quando eu fui para o pós-doc, quando eu estava lá, com um mês eu já tinha decidido que eu não queria carreira acadêmica (risos), aos 32 anos. Depois de preparar toda a vida pra aquilo, eu decidi que eu não queria carreira acadêmica, que eu na verdade gostava mais do ambiente do que, talvez, do foco. Eu estava sentindo falta, justamente... Hoje eu gosto muito de ler, eu estava sentindo muita falta de ler coisas em áreas diversas. Eu me decepcionei um pouco com a carreira acadêmica, porque os egos são gigantescos e, na minha ingenuidade de mestrado e doutorado, eu imaginava que as pessoas faziam tudo pela ciência, e isso não era verdade. Quando eu me tornei professora, a primeira reunião que eu tive, vi quase duas professoras se estapeando no meio de uma reunião, e aquilo me decepcionou um pouco, não era aquilo que eu queria, eu realmente queria trabalhar pela ciência e tal. Quando eu saí, que fui tirada do ambiente da PUC, de amizade e de cooperação, quando eu fiquei fora, que ficou só a essência do trabalho, que seria o meu trabalho mesmo, eu falei: “Não, não quero fazer isso. Eu quero ler outras coisas.”, e eu era muito exigente comigo, e a carreira acadêmica escraviza muito, você tem que... Tinha professores que dormiam três horas por noite, que acordavam cinco horas da manhã para estudar, e eu queria começar a ler outras coisas, eu falei: “Não, decidi. Não é isso que eu quero.”. Aí meu orientador ficou desesperado, eu escrevi para ele aqui no Brasil e ele falou: “Não Mônica, é porque você está com saudade, não pode ser isso.” – porque todo mundo me via como pesquisadora –, eu falei: “Não quero.”, e quando eu decido, não tem jeito. Eu lembro que ele foi pra Europa para um congresso, e ele acabou quebrando a passagem para passar na Filadélfia e conversar comigo. Ele pediu: “Não, quando você voltar pro Brasil fica seis meses na PUC, vê se é isso mesmo que você quer, se não for, você sai.”, e eu já tinha colocado na cabeça que eu não queria. Voltei. Foram os meus piores seis meses na minha vida profissional, porque realmente eu não queria. Pedi demissão da PUC... Assim, não tinha muito dinheiro junto porque eu sempre fui bolsista, até então, aos 32 anos, eu nunca tinha trabalhado de verdade. Então eu comecei a trabalhar na PUC e desisti, porque não era aquilo que eu queria, então sempre como bolsista, quando eu viajei também não tinha salário, eu fui com bolsa do CNPq [Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico], voltei e pedi demissão, e todo mundo: “Mônica, você é louca?”. Eu não tinha como me empregar, eu não tinha como ir para o mercado, porque a área em que eu trabalhava era muito, era realmente... Não tem aplicação direta, e principalmente aqui no Brasil, mas mesmo assim eu me demiti. Terminei com o namorado, me demiti e... Só que eu tinha uma sociedade com ele, com o meu ex, ele tinha uma empresa e eu era sócia, apesar de não trabalhar na empresa, eu terminei com ele, mas fui, realmente fui trabalhar com ele, como sócia dele, seis meses depois de eu ter voltado. Tinha terminado, seis meses depois eu fui lidar com ele diariamente. A gente ficou embolado algum tempo ainda, e na empresa eu tive tempo de, assim... A gente inventava o que fazer. Na verdade eram dois loucos que montaram uma empresa sem foco, sem grana, sem saber o que a gente ia fazer, a gente ia (NAVE?)gando, assim, o que aparecia a gente ia fazendo, e fomos tocando. Fizemos coisas muito legais e tudo, mas em determinado momento a empresa não deu certo, sei lá, em um ano ou dois a gente fechou. Mas esse período da empresa, como eu tinha um relacionamento muito bom com meu ex, na época meu sócio, eu comecei a fazer milhões de coisas. Aí comecei a caminhar por montanhas – tudo pra chegar no montanhismo –, comecei a caminhar, voei de parapente, fiquei amiga do piloto de parapente, aí comecei a voar com frequência, ia todo final de semana para Pedra Bonita, voasse eu ou não, eu ia para Pedra Bonita. Participei de campeonato, fiz loucuras, voei com gente que eu nunca tinha visto na vida, com um cara que quase tinha sofrido um acidente no dia anterior, eu chegava e ia. Aí comecei a voar muito e frequentar Pedra Bonita, não sei se vocês conhecem. Em determinado réveillon, decidi passar o réveillon no clube da Pedra Bonita, com alguns amigos com quem eu caminhava, e essa experiência da minha vida, para eu contar isso demoraria muito, mas foi muito legal, e aí quando a gente estava... A gente foi um pouco receoso, porque Rio de Janeiro é perigoso, a gente... Pode ser perigoso ficar lá em cima, sozinho. Tinha outros malucos passando o réveillon também no clube da Pedra Bonita, aí, entre esses malucos, passou uma pessoa por mim, por nós, e ele não estava... Eu cheguei na Pedra e ele não estava, e de repente ele apareceu, mas não vindo da trilha, vindo de dentro da pedra. Eu falei: “Gente, de onde surgiu essa criatura? Esse homem estava escondido, vai assaltar a gente”, aí ele passou muito decidido e eu fiquei com medo. Ele foi embora, foi pra trilha, eu falei: “Beleza, vou me livrar dessa pessoa.”...
P/1 – Gerar expectativas e mudar, assim, é muito bom, né?
R – É, e o pior é a resistência dos outros, quando eu falei que ia sair. Já está gravando?
P/1 – Já. Aí continua contando a história lá do réveillon (risos).
R – Aí cheguei, o carinha estava saindo da pedra, e eu fiquei tranquila, porque ele estava indo embora. De repente ele voltou, eu falei: “Agora eu estou lascada, realmente ele vai assaltar a gente”, e voltou com uma mochila. Quando ele passou por nós – é, nós éramos quatro; eu, uma amiga e dois amigos –, aí eu ouvi alguém falar: “João”, João era um amigo que estava com a gente, aí eu falei: “Nossa, as pessoas se conhecem, que coincidência. Na Pedra Bonita, dia 31 de dezembro, tem pouquíssimas pessoas aqui em cima e tem duas pessoas que se conhecem”, então a gente descobriu que na verdade esse cara estava na pedra porque ele tinha escalado a pedra, por isso ele não veio da trilha, e eu nem sabia que se escalava no Rio de Janeiro. A gente acabou passando o réveillon juntos, ele estava com uma moça também, e ficamos os quatro, mais esses dois, e tem muitas histórias a respeito disso depois, também (risos). Ele começou a contar as histórias, que ele era presidente, na época, de um clube de montanhismo, e eu já fazia trilha aqui no Rio e estava atrás de comprar um livro que chama “Trilha do Rio”, que está esgotado, sempre esteve esgotado, e eu queria fazer, mas eu não conhecia os lugares. E ele começou a contar as histórias do clube, os passeios que eles faziam, e eu fiquei super interessada. No final de semana seguinte ele ligou para o grupo que estava lá em cima e a gente fez uma caminhada na Pedra Bonita. Não a caminhada normal, uma caminhada que chama Pedra Bonita via Grotão, que tem... A gente chama isso de “escalaminhada”, é caminhada, mas trepando em pedra e tal. E eu adorei aquilo. Aí fiquei de olho, prestando atenção no site do clube, quando eu vi que tinha uma coisa legal, eu liguei para essa pessoa e fiz uma caminhada com eles no Parque Nacional da Serra dos Órgãos, e entrei no clube, e já entrei fazendo mil coisas. Já entrei fazendo, ajudando o clube, acabei me envolvendo com essa pessoa depois, depois a gente rompeu. Ele estava, e ele tinha me falado que o sonho dele era escrever um livro de montanhismo, e eu fiquei atrás, sabia que ele não escreveria sem ajuda, aí fiquei atrás, acabei escrevendo o livro de montanhismo com ele (risos), isso tudo na empresa, a empresa me permitia ter essa flexibilidade e fazer esse monte de coisas, assim. Aí escrevemos o livro de montanhismo, a gente acabou se envolvendo, e tal, depois separou. Hoje a gente é brigado... Mas aí comecei a fazer montanhismo, comecei a escalar. A minha ideia não era escalar, era fazer só a caminhada, mas aí comecei a escalar, adorei, sou apaixonada. Depois comecei a fazer cicloturismo também, costumo pedalar, fazer passeio de bicicleta também, foi assim. Daqui a pouco... O meu ex, com quem eu tenho muito contato até hoje, diz que daqui a pouco eu vou largar tudo e vou começar a fazer motociclismo, que ele ainda vai me ver de capa preta montada numa garupa de motocicleta fazendo alguma coisa diferente (risos), porque eu gosto de experimentar coisas.
P/2 – Conta pra gente uma trilha bonita que você fez aqui no Rio, como é que foi.
R – Ah, gente, uma trilha bonita aqui no Rio? A minha paixão aqui no Rio é a Serra dos Órgãos, que é em Teresópolis. Ai, nossa, eu já fiz coisas inesquecíveis, e eu gosto de escrever sobre essas coisas, então quando eu estava no clube eu escrevi uns relatos, as pessoas gostavam porque “Nossa, eu fiz a mesma coisa, mas eu não via essas coisas.”, porque eu sou meio piegas para escrever sobre as coisas de montanhismo, então a minha paixão é Serra dos Órgãos. Há pouco tempo eu escalei o Dedo de Deus, que é assim, como escalada não é nada de muito desafiador, mas qualquer escalada em serra pra mim exige muito, porque a escalada em serra é muito bruta. Porque aqui no Rio a gente escala muito na Urca, e a Urca é meio só pra treinar, porque é bem fácil. Quando você vai pra serra, pra mim, mulher, meio magrinha, a escalada é mais bruta. Você agarra em pedra e se esgueira, e tem uma coisa que chama chaminé, que é você... Você vai com as costas encostadas numa parede, com a perna na outra e vai subindo, se arrastando, e o Dedo tem isso tudo e tem o charme de você chegar no ________ do Dedo de Deus. Eu tive a sorte de chegar num dia que quase não tinha ninguém, éramos eu e um amigo meu numa cordada e mais duas outras pessoas numa outra cordada, um dia maravilhoso, foi absolutamente perfeito. Ah, e outras coisas, a minha primeira travessia de Petrópolis – Teresópolis, que eu fiz em dois dias, fiz recém entrada no clube, e as pessoas não queriam me deixar ir, porque é muita responsabilidade você fazer montanha sem as pessoas te conhecerem. Você pode ter um problema qualquer e tal, e aquilo, dependendo do que você esteja fazendo, não tem escape. Você entrou, tem que ir até o fim, e a Petro-Terê é mais ou menos assim, não em escape, tem que ir até o fim. Subindo e descendo montanha, tem gente que diz que são 32 quilômetros, outras pessoas dizem que são 42 quilômetros, mas enfim, com uma mochila de mais de 10 quilos nas costas... Nossa, aquilo foi, pra mim, uma experiência, foi maravilhoso. E a gente acampou, foram dois dias e a gente acampou. Uma noite, acordei com tudo congelado em volta, a gente acampou num lugar que era muito frio: barraca congelada, o chão cheio de gelo... E eu tenho trauma de perder as extremidades, porque quando eu fui para os Estados Unidos, era inverno lá, e as pessoas diziam para mim: “Cuidado com o frio, aquece muito a mão porque senão você perde as extremidades”, é um exagero, porque na Filadélfia, que é onde eu estava, não acontece isso, mas eu tenho essa coisa de ficar com medo da ponta do dedo congelar e eu perder a ponta do dedo. Isso acontece em alta montanha, mas nesse dia na Petro-Terê eu acordei com tudo congelado e comecei a não sentir as mãos, e uma dor, assim, horrível. Aí a gente acendeu um foguinho lá pra aquecer a mão, e tal, mas tudo é muito desafiador quando você não está acostumada, né. Depois para mim, assim, agora eu estou acostumada, mas quando você não está acostumada... E eu tenho problema nos joelhos, na época eu só tinha em um, agora eu já tenho nos dois (risos). Eu fico o tempo todo tensa por causa do joelho, porque se meu joelho doesse, eu acabava com o passeio de todo mundo, e já tinham ficado falando isso pra mim muito tempo antes: “Olha, o joelho, se você tem problema no joelho, não vai”, e eu fui. Eu levei bastão de caminhada, só que como eu não senti nada no joelho, emprestei um, e no final tinha uma amiga minha com dor no joelho, eu peguei e emprestei o segundo, exatamente no momento que eu começava uma descida de quatro ou cinco horas, assim, dez minutos depois meu joelho estava doendo, e aí foi assim, uma tortura enorme. Meu joelho doía demais, e eu não queria pegar o bastão de volta porque da outra menina também estava doendo muito, e a descida foi interminável. Eu lembro que a gente demorou tanto que umas pessoas desceram, largaram as mochilas, voltaram e pegaram, e tiraram a minha mochila e dessa outra menina que teve problema. Quando a gente termina, tem uma casinha e um portãozinho, ver aquele portãozinho pra mim foi tudo de muito bom, enfim, inesquecível. Dois meses depois eu estava fazendo outra travessia igual (risos), com os joelhos que não estavam doendo mais. Hoje eu prefiro fazer em um dia só, porque você não leva peso e tal. Mas é sempre muito bonito, muito bonito, é uma visão, assim, majestosa, realmente muito bonito.
P/2 – Deve ter sido meio desafiador, assim, você praticava esporte antes, pra ter um físico pra chegar nisso? Porque precisa de toda uma...
R – Pois é, não, eu sempre fui muito preocupada com isso, sempre fiz ginástica. Na época de faculdade fazia quando Deus queria, assim, ia um dia e faltava três, não levava muito a sério, mas depois comecei a levar mais a sério, e aí, quando eu entrei no montanhismo, as pessoas falavam: “Não, não tem nada a ver o condicionamento físico (que?) você ganha em ginástica, musculação e montanha”, mas eu particularmente não tive problemas não. Tem gente que realmente tem problema; eu, particularmente, entrei meio que... Eu gostava mesmo era o desafio, até hoje eu gosto do desafio. Agora eu quero fazer uma montanha na Serra dos Órgãos que chama Agulha do Diabo, que é, assim, você olha pra ela... Engraçado que todos os nomes são assim né, Dedo de Deus, Dedo de Nossa Senhora, Santo Antônio, São João, São Pedro, é tudo nome religioso, e essa montanha especial é a Agulha do Diabo, e em frente tem uma que chama Almirante do Inferno. Até Almirante do Inferno eu já fui, porque é só caminhada, Agulha do Diabo eu, assim... Você olha aquilo e quer muito fazer, uma ponta absolutamente... A montanha tem até certa personalidade, ela é soberba, sabe, ela é absolutamente desafiadora, e eu fiquei assistindo uns amigos escalarem, eu fiquei no Almirante do Inferno, que é em frente, fiquei assistindo uns amigos escalaram a Agulha do Diabo, e quero muito fazer. Até pela história da conquista, quando é a primeira vez que a pessoa chega ao cume, a conquista levou anos, assim, a história é muito legal. Um cara que acho que até depois ficou meio maluco, mas levou dois anos, dois anos ou mais para conquistar a montanha, e tinha uma relação meio, assim, como se a montanha fosse feminina, sabe, em determinado... Quando chegou na base falou “Tu serás minha”. Tem um pedaço da conquista que ele esquece de se encordoar, e ele vai sem proteção nenhuma, e no final escorrega, começa a escorregar e se agarra num musgo, o cara vai, assim, loucura total, sabe. Hoje em dia eu digo que qualquer pessoa escala, porque a técnica evoluiu muito, técnica e tecnologia, então você tem muito equipamento, você vai com segurança total, mas, apesar de eu já ter perdido duas pessoas assim, uma amiga e uma conhecida, se você não errar, morrer por equipamento é muito difícil. Em geral as pessoas morrem porque erram mesmo, e então hoje em dia qualquer um escala, mas na época se escalava com corda de sisal, pesadíssima, com Kichute. Hoje você tem a sapatilha que é mágica, assim, realmente gruda na pedra, mas na época não, tinha que ser muito macho mesmo. Inclusive as mulheres, tinham algumas mulheres que faziam e isso me provoca, assim, profunda admiração por essas pessoas, porque tinha que ser meio doido (risos).
P/2 – E os seus pais, assim, seus amigos, acharam estranho sua entrada nos esportes radicais?
R – Pois é, as pessoas dizem que não tem nada de radical não, se você faz com responsabilidade (risos). Quer dizer, mas tem sim, enfim; não, meus pais não têm muito o que fazer, eu gosto e eles... Minha mãe fica preocupada e tal, de vez em quando liga para saber se eu estou viva. Final de semana, assim, geral, domingo, segunda, ela liga para saber, porque sabe que no final de semana eu ficava fazendo alguma coisa. Agora tenho feito até menos, porque estou muito ocupada na escola, mas não sei... Então o meu irmão que costuma dizer que eu sou meio maluquinha, mas aceitam.
P/2 – E como é que foi depois que você saiu dessa empresa?
R – Então, a empresa, na verdade a empresa foi um pouco absorvida pelo laboratório do meu orientador na PUC, e a gente começou a fazer projetos via laboratório da PUC, e inclusive o NAVE vem daí. A empresa foi absorvida, eu e meu sócio, a gente trabalha junto até hoje, o ex na verdade é coordenador do projeto, o NAVE, com relação à parte de multimídia, e aí a gente começou a fazer alguns projetos pelo laboratório. Surgiu o projeto do NAVE, que a gente foi compreendendo, assim, em tempo de execução, conforme a coisa ia acontecendo, a gente ia compreendendo a dimensão da coisa, porque é muito nova, e eu estou envolvida nisso desde janeiro. Ele entrou um pouco antes, já projetando, pensando no curso, eu comecei em janeiro. E é um desafio, a gente foi entendendo o que era enquanto as coisas foram acontecendo. A escola foi inaugurada recentemente, e eu acabei me dedicando exclusivamente, hoje eu estou quase que exclusivamente dedicada à escola, mas pela PUC, porque o contrato é da Oi Futuro pela PUC, laboratório desse meu orientador do mestrado e doutorado.
P/2 – Conta pra gente um pouquinho, então, o que vocês faziam na empresa antes; qual é o foco – apesar de você falar que não tem um foco –, vocês trabalhavam com...
R – É, não, a gente foi ganhando foco. O que a gente fazia, a empresa começou de verdade quando surgiu uma coisa chamada CD extra, que era CD de áudio com faixa de multimídia, então você bota o CD no computador, roda um programinha, bota no aparelho de som, no player, toca as músicas, e o que é esse programinha? É, sei lá, um release do artista, um vídeo do artista, uma coisa multimídia, uma brincadeira e tal. E aí, quando isso começou aqui no Brasil, ninguém fazia, aí a nossa empresa começou a fazer, e o meu... Na época eu nem trabalhava na empresa, meu sócio tinha um outro sócio, e eles apostaram que isso ia... Todos os discos iam começar a sair com multimídia. Isso eles que faziam, a gente também não sabia como fazer, a descobrimos fazendo, assim, e aí começamos a fazer isso. Só que isso não teve o boom, não aconteceu, e como a gente trabalhava com mídia, digitalizando o áudio, vídeo, foto, pra colocar nos CDs, em geral os CDs eram isso né, sei lá, a gente fez Marisa Monte, fez Rita Lee, fez um monte de coisa legal, fez Rappa... Em geral é isso, tinha um vídeo do artista, tinha umas fotos e tinha depoimento, e a gente trabalhava digitalizando, então a gente foi ganhando experiência na área de digitalização de mídias. A gente começou a procurar possíveis clientes nessa área, começamos a ter contato com a Biblioteca Nacional, começamos a dar consultoria para a Biblioteca Nacional, foi se embrenhando por essa área, sempre aprendendo fazendo né, mas a coisa da academia te dá muita segurança para fazer isso. Eu nunca fiz nada, eu nunca trabalhei em alguma coisa que eu soubesse a priori, eu sempre descubro fazendo, e a gente começou a trabalhar com a Biblioteca Nacional. Depois veio um grande projeto com o Arquivo Nacional, porque a gente desenvolveu o sistema deles de gerência de acervo em todo o sistema, e durante algum tempo a gente ganhou dinheiro nesse projeto, só que o projeto foi mal dimensionado. A gente queria fazer um orçamento antes de entrar no projeto, só que eles não tinham tempo, e eles não queriam que fizesse isso. Eles disseram que tinham seis meses, e a gente entrou e fez o projeto, só que em seis meses era impossível desenvolver o que eles queriam, então a gente acabou. E o projeto tinha um determinado valor, então a gente ganhou aquele valor para trabalhar durante seis meses, só que o projeto acabou se estendendo por dois ou três anos, e foi até isso que meio que levou a empresa para baixo, porque a gente tinha que cumprir com o compromisso, mas continuou pagando para trabalhar para entregar o serviço, né. Mas aí a gente ganhou experiência nessa área de acervo, de mídia, de multimídia, e em determinado momento a gente fez um projeto muito legal também, com patrocínio da Finep [Financiadora de Estudos e Projetos] para segmentação automática de vídeo, pra gerência de acervo de vídeo. Em geral esses acervos de produtores, etc. não são bem documentados, não é anotado, então a gente fez um sisteminha baseado em coisas estrangeiras. A gente propôs um projeto à Finep, junto com a PUC, junto com esse meu orientador, para desenvolver um sistema de segmentação de vídeo. O que é isso? O software automaticamente detecta corte, detecta transições e mostra as transições para você, e você vai indexando, botando palavras chaves... Isso também foi muito legal, porque a gente também não sabia fazer o filé mignon da coisa, que era desenvolver esse algoritmo, a gente ia comprar fora. Quando a gente escreveu o projeto, a ideia era comprar numa empresa australiana, e aí, quando a gente foi implementar e comprar a coisa, essa empresa exigia um contrato draconiano, assim, ela tinha que autorizar você usando a biblioteca dela e você tinha que pagar royalties anuais altíssimos, então a gente simplesmente não ia poder levar o projeto adiante. Ou a gente desenvolvia o nosso, ou não levava o projeto adiante, aí sempre na ingenuidade: “Ah, vamos desenvolver que isso aí não é muito difícil não” (risos), e começamos a desenvolver. O projeto teve uma aluna de mestrado da PUC e acabou ficando muito legal. Essa menina apresentou trabalho na China, a Google se interessou e ela não quis ir para o Google, só que a gente não conseguiu... Fechou o produto, só que a gente nunca conseguiu vender. A gente se diverte fazendo as coisas (risos), mas não vende, não conseguimos vender, assim, é uma lástima. A gente ainda tem esperança de vender para alguém que reimplemente e torne uma coisa comercial, porque a gente tem muito orgulho, assim, foi uma coisa muito legal, que gerou um trabalho legal de mestrado e tudo. Depois teve um outro trabalho que se seguiu a esse, mas na parte de áudio. E é isso, e daí a coisa da multimídia, e daí eu estar na escola como coordenadora do curso de multimídia.
P/2 – O laboratório vocês fazem parte, digamos assim, diretamente do laboratório da PUC, que fez a ligação com a Oi Futuro?
R – É, eu não sei quem fez, porque a Oi Futuro chegou, a gente... Na verdade eu não sei se a Oi Futuro chegou ao Bruno, que é o meu orientador de mestrado e doutorado, que é o diretor do laboratório, ou se foi ao Hélio, que é o meu ex-sócio – eu não sei muito bem o que ele é (risos) – e, enfim, mas se fez o contato, não sei a qual dos dois, para a gente coordenar um dos cursos. Originalmente acho que nem era de multimídia. Aí assim, a várias mãos o curso foi sendo, a gente foi tendo uma compreensão do que deveria ser. Se pensou nesse técnico de multimídia e foi o que a gente organizou, montou, e está implementando agora, está rolando.
P/1 – Vocês oferecem curso para os professores?
R – Não, para os meninos. São três técnicos, e o objetivo do curso é reproduzir a cadeia de produção na área de produção digital, de conteúdo digital, então tem um técnico em roteiro, um técnico em multimídia, que é onde você prepara áudio, vídeo, animações, você faz animações. Eu trabalhei com animações no mestrado e doutorado, prepara animação e tal, e o terceiro técnico é o técnico em animação, que é onde você realmente congrega aquelas coisas num aplicativo final, seja para jogos, para TV digital, o que quer que seja.
P/2 – Mônica, o que te cativou a entrar nesse novo desafio?
R – Na escola? Pois é, não foi pelos motivos... Assim, não foi exatamente pelos motivos pelos quais eu sou apaixonada pelo projeto hoje. Eu gosto muito da área de multimídia, mas não pensei da coisa do contato com os meninos, e eu coordenaria o curso tecnicamente e montaria o curso, coordenaria o curso tecnicamente. Ficaria responsável pela contratação de professores, pelo jeitão das disciplinas. E aí, em determinado momento, como a coisa foi toda acontecendo muito assim: “A gente precisa de um coordenador pedagógico”, só que a gente ainda não estava recebendo pelo projeto por questões burocráticas de contrato PUC – Oi Futuro, e eu não tinha como pegar, contratar uma pessoa e botar naquele momento para ser coordenador pedagógico. Eu falei: “Tem que ser eu, eu vou.”. Eles ficaram meio assim “Mas você vai ser a coordenadora pedagógica?”, eu falei: “Vou”. Aí comecei a frequentar as reuniões e a atuar como coordenadora pedagógica, e deu super certo, eu adoro o que eu faço. E não era para eu dar aula, esse ano a gente tem duas disciplinas acontecendo. Uma pessoa eu arrumei, era uma amiga pessoal minha e se revelou também como professora, e a outra eu contratei uma pessoa que não deu certo, não tinha tempo hábil para arrumar outra pessoa e eu falei “Vou dar aula”. Comecei a dar aulas e, nossa, sou apaixonada pelos meninos, adoro dar aula, e a parte de coordenação pedagógica também está sendo muito legal, completamente envolvida com a escola. E aí aquela história, quando eu fiz o teste vocacional deu matemática, informática e comunicação social, né. Não é exatamente comunicação social, mas é trabalhar com gente. Na verdade eu estava sentindo muita falta de trabalhar com gente, porque eu sempre trabalhei com tecnologia, desenvolvendo tecnologia. Trabalhava com animação comportamental e há pouco tempo eu estava meio que ajudando a orientar uma tese em animação de faces, isso tudo sendo patrocinado pelo governo brasileiro, e aquilo começou a me dar uma agonia... Eu falei assim: “Gente, mas essas coisas, o que a sociedade leva disso, assim, em termos imediatos?”. Pesquisa é absolutamente importante, mas eu queria ver a coisa sendo aplicada imediatamente, eu estava sentindo muita falta de trabalhar com gente, aí em determinado momento eu surtei e falei que ia para o Médicos sem Fronteiras (risos). Aí virei para o meu sócio e falei: “Vou pro médico sem fronteira.” e ele: “Mas Moniquinha, você não é médica”, eu falei: “Eu devo ser necessária pra alguma coisa”. Entrei no site do médico sem fronteiras e comecei a procurar alguma coisa que eu pudesse fazer (risos), mas não achei nada, nada que eu pudesse fazer no médico sem fronteiras, eu não servia para o médico sem fronteiras. Fiquei decepcionada, mas querendo muito trabalhar com gente. Quando surgiu a coisa da escola, eu, imediatamente, não vi essa possibilidade de trabalhar com gente, mas foi o que aconteceu. E trabalhar com os meninos é, assim, um presente pra mim, porque eles ainda estão na idade... Na PUC eu dava aula para ensino superior, mas na graduação é diferente, os meninos já chegam prontos, assim, você dá aula para adulto, eles não são muito permeáveis; no ensino médio eles ainda ouvem o que você fala, ainda escutam, e você se sente mesmo fazendo diferença na vida daquelas pessoas. E a tecnologia voltou a fazer sentido pra mim, porque é tecnologia pra gente, e isso tudo, essa coisa de gente, tudo meio ligado com as minhas experiências no montanhismo. Porque eu acabei tendo um problema no clube, porque eu sempre me envolvo muito com as pessoas e quero ajudar, e faço qualquer coisa para ajudar, e sou meio ingênua com algumas coisas. Por isso sempre evitei ir para o mundo corporativo, porque eu não me adaptaria de forma alguma. Se você está no mundo corporativo, tem que estar preparado para algumas coisas, para perder sua ingenuidade, e eu faço questão de me manter meio criança, assim, com relação a essas coisas, não perder a ingenuidade, acreditar nas pessoas. E tinha tido uma experiência assim, no clube, de briga e tal, e estava me questionando com a coisa de que tecnologia, as pessoas parecem que, ao invés de aproximar, estão se afastando. Você antigamente sentava com a família para ver televisão, você, mal ou bem, tinha diálogo, hoje em dia você tem seu headfone, você não ouve ninguém em volta. Televisão? Você hoje tem o celular, tem em qualquer lugar. E eu comecei a ler ficção científica, eu sempre gostei, quer dizer, “sempre” não, depois que eu larguei o pós-doc eu comecei a ler coisas em áreas diversas, e mais recentemente comecei a ler ficção científica, e Asimov, Admirável Mundo Novo e essas coisas, assim, figuram um futuro meio... Onde as pessoas perderam o lado humano. Aliás, vários contos futuristas mostram o mundo avançado, uma sociedade perfeita, você tendo perdido seu lado humano, uma sociedade puramente tecnológica, e isso me incomoda profundamente. Eu estava agoniada: “Não, como é que eu faço para parar essa coisa?”. E aí eu estava querendo escrever um texto pelo menos para organizar as minhas ideias, aí quando eu li Admirável Mundo Novo, eu não precisava escrever nada, estava tudo ali, e foi quando apareceu a escola, e a proposta da escola é justamente essa, trabalhar os meninos em várias dimensões, trabalhar valores nos meninos, não só a parte acadêmica, mas também os valores e, enfim, é a oportunidade que eu tenho de talvez influenciar um pouquinho.
P/2 – Me conta uma coisa. Você falou que nas reuniões vocês pensam juntos as questões, até a primeira reunião de coordenação pedagógica. É muito diferente daquela reunião que para você não foi tão boa, na universidade, dos professores?
R – É, são situações distintas, porque eu, na universidade, também entrei com, sei lá, 30, 31 anos, por aí, talvez 29, 30 anos, entrei num departamento onde as pessoas que estão ali são dinossauros da informática no Brasil. Hoje o Departamento de Informática da PUC tem muita gente jovem, mas na época era eu no meio daqueles dinossauros, que eu sempre tinha visto como meus professores, então eu entrei numa posição assim: “Caramba, e agora, eu tenho que chegar e falar alto com essas pessoas também”, então era uma posição muito desconfortável para mim. Eu não cheguei a ter muito isso, foram, acho que, sei lá, duas ou três reuniões do Departamento. Foram muitas, mas eu não me sentia de igual para igual com aquelas pessoas ainda, e acho que todo o meu percurso, as minhas experiências pessoais, a experiência na empresa, sempre fazendo o que eu não sabia, me deu muita segurança profissional, então eu cheguei na escola já com outro status, e aí é muito diferente sim, pela minha segurança profissional, pelo projeto que é para ser um projeto integrado. Enfim, tenho contato com outras áreas, com os professores do ensino básico, e isso está sendo muito enriquecedor para mim, contato com gente. Na empresa eu ficava... Era muito eu e meu sócio, e tínhamos funcionários, mas a troca, a gente ficava um pouco isolado. Na escola a troca é muito grande, muito positiva.
P/2 – No curso que vocês estão planejando e que já tem duas disciplinas, como é que vocês pensam ele? Assim, qual é a ponte, justamente, de se pensar o aluno, pensando a tecnologia de forma mais crítica?
R – Então, o curso, na verdade, tudo está acontecendo em tempo de execução né, a gente está aprendendo o que é o curso fazendo, então a gente está num período... Esse ano estamos tendo capacitações nas áreas diversas, que são os pilares da escola, que são educação interdimensional, que é essa coisa de você trabalhar todas as dimensões no menino, e ensino médio integrado, que é a coisa da tecnologia mesmo. Então a gente está tendo reuniões com pessoas dessas diversas áreas que vêm apresentar esses conceitos pra gente, para que a gente possa formar uma massa crítica de conhecimento e a partir dali fazer pesquisa, desenvolver metodologia e fazer uma escola realmente diferenciada, e diferenciada em que? Diferenciada nesse ponto, em várias coisas; primeiro, você não tem o técnico em paralelo ao ensino médio, ele realmente é integrado, você quer ensinar criando situações reais onde você tenha que aplicar conhecimentos de matemática, de física, de química, de informática, resolvendo problemas. Porque o que aconteceu é que, sei lá, a partir do século XVIII e XIX, o conhecimento ficou todo compartimentado, não sei, enfim, segmentado, e a gente seguiu, o menino hoje não ___________: “matemática é isso, português é isso, história é aquilo”, e não tem uma visão mais holística do conhecimento. Então, o que a escola pretende é dar essa visão holística do conhecimento para os meninos. Além disso, não só a coisa acadêmica de criar conhecimento holístico, mas também trabalhar os meninos de forma holística, meninos que tem a relação com eles próprios, a relação com a sociedade, a relação com o trabalho, é, enfim, preparar esses meninos para vida em sociedade, para administrarem suas próprias vidas, para administrarem relação com empresas, com o seu trabalho. E a ideia é que eles possam sair já aptos para entrar no mercado de trabalho, mas também sem perder a perspectiva da universidade, porque os cursos técnicos até aqui tinham tendência a fazer isso né, o cara vai sair técnico e acabou. A ideia é que ele possa trabalhar, já entrar no mercado de trabalho. A gente chama isso de arcos ocupacionais, você dá uma ideia da área, ele já pode começar a trabalhar, mas sem perder a perspectiva da universidade. E é isso.
P/2 – E você lembra como foi o seu primeiro dia de aula no NAVE?
R – Pois é, o meu primeiro dia de aula eu tinha um pouco de medo dos meninos. Eu já estava acostumada a dar aula, porque eu dei aula em universidade, mas é adolescente, as pessoas pintam os adolescentes como monstrinhos, então o a minha preocupação é até onde eu posso ir sem que eu gere uma ruptura com os meninos. Você tem que disciplinar, mas tem que ter um jogo de cintura, porque se o cara te banca, mas eles não são, assim, absoluto, eles são cavalheiros e damas, não existe nenhum embate com os meninos. Eles testam, claro, testam, no início foi assim... Algum dia eu vou escrever a respeito, porque colocaram um monte de meninos vindos de colégios diversos, arrancados no meio do ano das suas respectivas escolas e seus respectivos amigos, e talvez até das suas respectivas famílias, porque eles não ficavam o dia inteiro no colégio, e agora eles ficam o dia inteiro, então é ali onde estão passando a maior parte da vida deles. Juntaram essa galera toda no mesmo lugar, os profissionais também, vindos de lugares diversos, com experiências diversas, e botaram aquilo no mesmo prédio, um prédio fechado, porque a obra está acontecendo e a gente não pode circular pela parte externa. A gente fica ali todas as horas do dia, e tinha que funcionar, tinha que começar a acontecer. No início foi meio conturbado, mas a gente começou no finalzinho de maio, tem pouco tempo funcionando e as coisas estão funcionando. Já tem... A gente já tem vínculo afetivo com os meninos e eles com a gente, os cursos já estão fluindo com normalidade, a gente já tem um dia organizado. E aí o medo que eu tinha dos meninos, deles, da coisa da resistência deles, porque acho que realmente acontece em outro tipo de escola né, e em escola em áreas mais carentes, em comunidades, você às vezes está dando aula para um assassino, para um traficante, e isso não acontece no NAVE, os meninos são realmente muito doces, se você souber lidar o retorno é maravilhoso. Chega, dá abraço, dá beijo, e é muito bom, muito, muito, muito bom.
P/2 – Mônica, conta pra gente um dia seu lá no NAVE. Como é que faz, acordou, tomou um café, saiu de casa...
R – Pois é, acordei, fiz ginástica (risos), tomei café... O horário nunca é certo, porque eu sou uma pessoa tumultuada. Ao contrário do que eu era quando criança, hoje eu não consigo cumprir horário, ter rotina, isso pra mim é importante, rotina acaba comigo, não tenho rotina, então cada dia eu vou numa hora, mas tento chegar todo dia entre 10 e 11 horas. Chego no NAVE e todo dia eu me programo para fazer uma coisa e eu faço outras completamente diferente, porque a escola suga muito; é o menino chegando para tirar dúvidas, é alguém pedindo para ajudar em alguma coisa no laboratório, é alguém tendo alguma ideia de fazer um trabalho com os meninos e: “Ah, o que você acha disso? Será que dá pra gente fazer junto?”. E aí chego e quando eu dou aula, aí eu realmente tenho que chegar muito cedo, porque eu dou aula às sete da manhã e, enfim, eu saio de lá, tem um amigo meu que diz que quando a gente gosta do que faz, é como se a gente estivesse em férias permanente. Eu saio da escola feliz da vida, não trabalhei, pra mim não é trabalho, realmente é diversão. E é legal o contato com os meninos durante a refeição do almoço, eles almoçam na escola e eu também e a gente pode sentar junto com os professores, ou pode sentar com os alunos e conversar. Eles já se sentem à vontade também para conversar, e isso tudo é muito enriquecedor, acho que para ambos os lados.
P/1 – E Mônica, você estava falando da formação holística das crianças. Apesar do pouco tempo da escola, você já consegue perceber resultados em mudança de atitudes deles?
R – Mudança de atitude, de comportamento... Total, total. Eles começaram, tudo era problema. No almoço a mesa ficava cheia de coisas, de comida, e eles encaravam muito. Assim, quando a gente começou era meio... Eles viam estranho, e eles testaram muito, eles próprios estão mais bonitos, alguém estava me dizendo outro dia que eles próprios estão mais bonitos, porque eles realmente tinham uma cara de resistência, assim: “Essa pessoa aí”, e a gente acho que também, um pouco, como eu falei, eu também tinha medo deles. Hoje, nas aulas, eu não preciso ficar com cara feia para intimidá-los, e eles também não precisam ficar com cara feia para me intimidar, as coisas transcorrem, assim, de forma suave, a gente brinca, ri. Agora, com relação à parte acadêmica, propriamente dita, esses meninos estão... Até apliquei prova para eles, e aí eles foram muito mal na prova, porque esses meninos, como acho que muita gente nunca chega ao final da universidade, eles estão acostumados a aprender procedimentos e agir mecanicamente. Eles procuram um padrão: “Qual é o procedimento que eu aplico pra fazer isso aqui?”, e eu pelo menos não ensino procedimentos, eu falo que eles têm que pensar, e esse salto do menino romper com procurar e encaixar qual é a fórmula, eles ficam: “Mas professora, então tem que dividir por tanto e multiplicar por tanto?”, eu falei: “Sei lá, você tem que pensar. Não sei o que você vai fazer, você pensa” (risos). Mas essa coisa de romper com a coisa de executar os procedimentos e partir pra pensar e criar mecanismos mentais de abstrair coisas, demora um tempo, então eu estou... Essa noite eu passei boa parte dela pensando em formas de fazer os meninos, assim, de rapidamente conseguir desenvolver neles capacidade de abstração, que eles não têm muito ainda, mas é um desafio também. Ao contrário de outras pessoas, algumas pessoas: “Ah não, eles estão muito vagabundos, eles não estudam”, realmente eu acho que tem meninos que não têm o hábito de estudar, porque eles vieram da aprovação imediata nas escolas municipais né, e isso não criou o hábito nos meninos de se preocupar com êxito. Então realmente acho que tem muitos que não têm o hábito de estudar, mas por conta desse passado deles, e talvez porque eles não sintam a coisa muito envolvente, então eu acho que a responsabilidade é muito da gente mesmo. Eu me sinto muito responsável por... Não acho que é o menino que não esteja interessado, se acontecer, acho que eu não estou me tornando interessante para ele, então o meu papel é descobrir formas de me tornar interessante para ele, e aí usar os recursos, usar tecnologia para fazer isso. Antes de vir pra cá eu estava bolando coisas em flash para ensinar memória de computador para eles. Desenhei gavetas, gaveta abrindo e fechando para conseguir fazê-los entender o que é uma memória de computador. Acho que esse é o nosso papel, senão a gente vai estar replicando o que se faz.
P/2 – Estou pensando que...
R – Pode?
P/1 – Pode.
R – Não, então, veio um professor diretor de uma escola do Brooklin, Nova Iorque. Essa escola faz parte de um projeto maior chamado __________, se eu não me engano é ______________________, alguma coisa do gênero, e esse rapaz montou essa escola numa vizinhança extremamente hostil, perigosa, onde as pessoas se matam no meio da rua. Ele montou essa escola nesse padrão desse projeto __________ e ele trabalha... A escola dele funciona num prédio, no último andar de um prédio, e embaixo funcionam outras escolas, escolas normais, assim, escolas seguindo os padrões normais de escola pública, e a dele é uma escola pública, mas com incentivo da iniciativa privada. Eles têm... Vinte por cento da verba vem da iniciativa privada, então eles têm total autonomia para fazer o que eles quiserem na escola, e aí eles trabalham com motivação dos alunos, porque aqueles meninos estão em uma vizinhança que eles... Uma das opções talvez... A grande opção para eles é ser bandido, é, enfim, eles não têm... E o trabalho com os meninos é justamente trabalhar a perspectiva deles de entrarem para a universidade. Quando eles entram, eles já botam um arquinho para eles, tem uns quadros pelas paredes: “Olha, aqui, nesse ano, você está entrando para a universidade”, então eles dão motivação o tempo todo para os alunos, estabelecem metas para eles, para eles se manterem motivados, e o resultado é muito bonito. E ele apresentou isso pra gente, inclusive uma das turmas do NAVE estava... A turma mais bagunceira, que na época estava dando problemas, assistiu a palestra, e foi muito legal, porque eles reclamam de ficar o dia todo na escola, aí o cara fez a palestra muito voltada para eles, falou: “Vocês acham muito? Vocês estudam das sete às cinco, vocês acham muito?”, “Ah, achamos”, “Pois é, os meus meninos também estudam das sete às cinco. Vocês estudam sábado?”, e eles: “Não”, “Os meus meninos estudam sábado. Vocês estudam no verão?”, “Não”, “Os meus meninos estudam no verão”. E o trabalho deles é muito bonito, e dentre uma das coisas que eles fazem com os meninos é pegar os melhores e fazer uma viagem, uma vez por ano, com periodicidade, e levar os meninos para fazer alguma coisa. Esse ano, inclusive, eles vêm para Salvador para conhecer a capoeira em Salvador, porque eles têm capoeira na escola lá, porque esse diretor era capoeirista, e uma das coisas que eles fizeram foi levar os meninos para um parque de montanha, um parque não sei se nacional, estadual, um parque americano, e aí eu já estava querendo fazer alguma coisa diferente com eles. Motivada por essa escola, resolvi levá-los para Pedra Bonita, mas os professores de educação física tinham dito que eles eram um pouco preguiçosos, então eu cheguei em sala e falei: “Pessoal, olha, eu estou querendo levar vocês pra...”, mostrei uma foto, botei uma foto no quadro: “Sabe onde é isso?”, “Não”, aí eles começam, já com a foto eles ficaram muito excitados. Eu falei: “Então, estou querendo levar vocês, aqui é uma foto de Cum, e estou querendo levar vocês aqui, mas a logística vai ser um pouco complicada, então eu quero ter uma noção de quantos querem ir". Porque a ideia é chamar montanhistas para acompanhar os meninos, alguém torce o pé e tal, tem que ter uma pessoa que conheça para fazer um resgate”, para orientar os meninos quanto à postura na trilha, coisas de impacto ambiental e tudo, a gente quer que eles plantem uma mudinha lá em cima também, e aí a ideia é chamar montanhistas para acompanharem a gente. Aí eu expliquei isso para eles, falei: “Vou passar uma lista então, agora, e vocês escrevam, quem estiver afim de ir escreva o nome. Não é nenhum compromisso, só para ter uma noção”. E a lista, assim, demorou muito pra voltar para as minhas mãos. Eu estou percebendo que está demorando muito e falei: “Gente, o que está acontecendo? Cadê a lista?”, “Ô professora, é porque todo mundo quer ir”. Todos estavam assinando a lista (risos), e nas quatro turmas foi a mesma coisa, então, exceto uns dois, três alunos que não querem, outro não pode porque trabalha e tal, basicamente toda a escola quer ir, são 172 meninos, 173 meninos. E também não quero levá-los separados, porque eles, antes de entrarem para a escola, tiveram um período de convivência promovido pelo Oi Futuro para eles não... Justamente para amenizar um pouco aquela quebra de terem sido tirados de escolas diferentes, e ninguém se conhecer. Eles passaram um período juntos, todo mundo, sem turma, então os vínculos de amizades deles não se restringem às turmas, eles têm vínculos de amizades entre turmas, então não quero separá-los, aí eu estou com um problema enorme (risos). Eu já falei com... Alguns topam, quinta-feira mesmo eu falei com uma pessoa: “Não, não pode porque é muito impacto”. Eu vou ter que comprar briga, porque realmente é muito impacto, mas a gente quer separar os meninos em grupinhos de dez, cada grupo ir com um professor e com um montanhista, e até lá eu vou ter que catequizar esses meninos a se comportarem muito bem (risos) e arcar com as consequências depois, porque assim, os montanhistas às vezes são muito chatos (risos), e existe uma lista de montanhismo onde os egos, assim, afloram de forma ridícula. Eu sei que depois que acontecesse, se alguém souber – e vão saber –, inclusive vou falar com o Presidente da Federação aqui do Rio, que é uma pessoa que eu conheço e tal, avisar que eu vou fazer, e eu sei que vai ter gente implicando. Mas é uma vez só, os meninos vão plantar coisa lá em cima... A trilha é bastante aberta, não tem nada de varar mato, então eu não acredito que vá ser nenhum problema. O mais difícil talvez seja controlar os meninos, 150, 170 meninos, lá em cima no cume (risos), e agora eles estão excitadíssimos, todo dia eles perguntam: “Professora, o passeio vai ser sábado? Quando é o passeio?”. Eu tenho que dar um jeito de resolver o problema, mas a Luzia também já está, vai tentar arrumar ônibus pra eles, porque até o transporte até lá é complicado, né. A Luzia vai tentar arrumar ônibus para eles e tal, espero que eu consiga fazer.
P/2 – Mônica, você falou que quando começou a ler os livros de ficção científica, você ficou meio preocupada porque todo final do livro era, né, aquela coisa, tecnologia meio que ficava deixando na solidão. Assim, e como é que você pensa isso com os seus alunos, que estão ali num espaço cheio de tecnologia, mas que às vezes não têm um computador em casa, o acesso a isso?
R – É, na verdade acho que a maioria deles, muitos deles têm, mais do que a gente imaginava. E uma das melhores alunas do colégio, por exemplo, não tem. Mas ela é uma menina muito altiva, assim, eu tenho grande admiração, porque ela mora na Favela da Maré, às vezes ela falta à aula porque não pode sair da comunidade por causa de problema de violência, e a menina tem o plano de vida dela traçado. Ela quer terminar a escola, quer fazer faculdade, quer trabalhar, quer comprar uma casa para mãe dela. E ela, assim, não tem computador, ela tem que trabalhar em lan house. Na lan house ela não consegue espetar o pen drive, nem CD, nem nada, então a gente às vezes passa material para eles por e-mail. Ela, por exemplo, para a prova que eles fizeram recentemente, eu passei tudo por e-mail, ela não teve como imprimir e aí veio a mim. Eu peguei e imprimi, dei as coisas pra ela. Então quando tem uns casos assim, a gente tenta ajudar, a própria ideia é que eles não tenham trabalho para casa e que a vida acadêmica deles seja toda focada na escola. Então eles têm tempos de estudo, a ideia é usar os equipamentos do colégio também para fazer os trabalhos e tal, porque até já ficam dez horas lá, se eles forem levar coisas pra casa... Eventualmente tem situações, aí a gente tenta ajudar de alguma forma, mas isso foi um problema bem menor do que eu imaginei que pudesse ser, porque surpreendentemente grande parte deles –não sei se a maioria, mas imagino até que a maioria deles – tenha computador em casa, inclusive essa menina está para comprar também, então acho que isso não é grande problema.
P/2 – E quais são as expectativas da Mônica para esse trabalho no NAVE?
R – As expectativas da Mônica com o trabalho no NAVE, acho que é consolidar, assim, na verdade quando você falou que eu, assim, que eu comecei a ver algumas coisas em função de ficção, não, foi ao contrário, eu comecei a ler livros de ficção pra entender o que as pessoas pensavam, porque eu já estava, é, achando coisas muito estranhas, assim. Por exemplo, alguns anos atrás, sei lá, uns dois anos atrás eu li uma matéria de um lançamento, uma coisa chamada “Hug shirt”, “camisa do abraço”. Você tem uma camisa que tem uns sensores e aí você, via celular com Bluetooth, consegue mandar um abraço para alguém, e alguém se sente abraçado com aquilo. Isso, para mim, essa invenção ganhou um prêmio de melhor – numa revista de tecnologia –, melhor invento do ano tal, e isso pra mim é absolutamente doentio. Bom, se você está distante, que você tenha saudades... Se você está perto, vai e abrace, e eu vejo essas coisas, é, às vezes eu vejo os meninos, não só os meninos, infelizmente, mesmo a minha geração, usando tecnologia como muleta para algumas dificuldades. Até que a gente tinha um álcool, o cara quer se soltar numa festa, bebe, o mais tímido bebe mais e, assim, eu, como sempre fui uma pessoa... Sempre não, agora menos, mas eu era uma menina doentiamente tímida, eu era muito tímida, e eu nunca precisei de muleta nenhuma para vencer isso, foi um grande desafio na minha adolescência vencer a timidez. Até hoje eu sou uma pessoa tímida, mas eu consigo lidar perfeitamente com isso, e eu vejo as pessoas tomando atalhos. Então hoje o cara prefere mandar um torpedo do que pegar um telefone e ligar e falar com a pessoa, falar então, olho no olho. Acho que as pessoas, enfim, estão sem perceber. E eu ainda tenho a referência das gerações passadas, essa garotada não tem a referência, relacionamento se tornou o Orkut. Eu acho que isso é saudável, mas se você perder a outra coisa de perspectiva, se você perder a outra coisa no seu dia-a-dia, eu acho isso um pouco doentio, e eu tenho restrições. Tecnologia acho que é uma coisa muito boa, mas não para servir de muleta, para servir de ponte para você vencer algumas coisas. Alguma pessoas até acham que: “Não, o Orkut dá chances aos tímidos de se relacionarem”, mas caramba, não vai crescer mais se ele vencer aquilo? Eu, assim, eu ter vencido a minha timidez, para mim foi uma das coisas que me fez me sentir poderosa, eu consigo vencer desafios. E, outro dia, uma coisa que também... Um ambiente virtual com barquinho e dois remos, que na verdade são dispositivos ___________, que são dispositivos que tem retorno de pressão e tal, e eles passam aquele retorno pra sua mão, então você está num ambiente completamente virtual, onde está sendo projetado um ambiente de mar, e você está ali pra remar. Se isso for usado para treinamento, para o cara que tem que treinar porque vai pra uma competição e está sem condições de ir para o mar, ótimo, maravilha, mas se isso for usado pro cara que como o artigo falava: “Ah, para quem tem medo de mar, pode ter a experiência de remar agora, dentro de uma sala”. Caramba, se tem medo de mar vai jogar peteca, ou então se quer remar, vence o medo. Eu tenho medo de escalar, não é de graça, todo mundo tem, mas faz parte de você entrar na brincadeira, você vencer os desafios da brincadeira. E aí quando a tecnologia... Enfim, quando a tecnologia vem como muleta pra você vencer algumas coisas, eu acho doentio. Eu tento, no meu dia-a-dia, mandar essas mensagens para os meninos: “Olha, o Orkut é muito legal, mas o contato olho-a-olho, você não conhece uma pessoa pelo que ela diz ali, no quem sou eu, ou pelas comunidades que ela escolhe”, as pessoas ali são completamente... Elas escrevem o que elas querem. Aliás, essa própria experiência aqui, tem uma coisa em física que chama princípio da incerteza, que é, no mundo do subatômico... O mundo é não-determinista, o que é isso? Você não pode prever o que vai acontecer, o caminho que o elétron vai tomar, e o próprio ato da observação, muda a realidade. Então provavelmente eu sou diferente aqui do que se eu estivesse conversando com vocês numa mesa de bar e ali no Orkut as pessoas simulam o que elas querem ser, enfim, não é de verdade, e tudo bem, é muito bom, mas vamos usar com cuidado. Vamos usar sem perder a perspectiva do real de fato, porque senão a coisa acho que começa a ficar meio esquisita, a gente começa a perder o humano. É o que eu falo: é difícil você pedir desculpas, é difícil você dizer para alguém que você gosta daquela pessoa, principalmente para um adolescente. O cara que está começando a namorar, é complicado, é complicado levar um fora e levar um fora por torpedo é bastante mais fácil, levar um fora no Orkut é muito mais fácil, mas talvez o fora que ele leva vá servir para vida profissional dele, de enfrentar um desafio que pode dar errado, ou vai servir para, sei lá, pra enfrentar situações em famílias complicadas, e tem que se lançar às coisas, e é isso. Eu tenho medo que a... Eu espero que a escola... Se a gente não conseguir passar essa visão crítica para os meninos, a gente vai ter fracassado. Não é uma escola de tecnologia por tecnologia, é tecnologia como uma parte do ser maior que é humano, que tem sentimento, que olha no olho, que, enfim, que chora. É isso, essa é minha grande expectativa do NAVE. Como eu disse, as coisas parecem que são roteirizadas, porque justamente quando eu estava com todas essas angústias, surgiu a oportunidade de trabalhar com gente e com tecnologia, que é o que eu sempre fiz na vida, e botando as duas coisas em perspectiva.
P/2 – Bacana. E falando um pouco mais sobre a entrevista e o posicionamento que você fala, Orkut ou câmera, um depoimento de história de vida. O que você achou de dar essa entrevista pra gente, esse depoimento?
R – Ah, achei bastante legal, me senti a vontade. Não falei das coisas difíceis, obviamente vocês não sabem tudo sobre a minha vida (risos), falei das coisas fáceis, mas acho que falei até de coisas que eventualmente podem ser importantes para alguém que ouça. Acho que é esse... Quando eu vim pra cá... Porque eu detesto exposição, eu não gosto, eu costumo falar que eu detesto holofotes, pois é, eu gosto de fazer as coisas no meu canto. Já gostei muito de reconhecimento quando eu estava na carreira acadêmica, acho que seguir carreira acadêmica foi um jeito de eu ter reconhecimento e num determinado momento você ganha segurança e acha que é quando começa a ficar legal, você não se importa mais com reconhecimento, você quer fazer o que você gosta e pronto, que se dane o reconhecimento. Acho que foi nesse momento que eu chutei o balde e larguei a carreira acadêmica, não era mais importante para mim ganhar prêmio e ser reconhecida, enfim. E então eu detesto holofotes, eu pensei muito se eu viria para cá, porque eu não gosto, eu me exponho muito, assim, com as pessoas com quem eu lido, porque eu acho que qualquer relacionamento só vale quando é de verdade, quando é você, e até apanho um bocado por causa disso, porque eu sou sempre muito transparente, mas esse tipo de exposição eu não gosto. Mas quando eu vim para cá, vim com essa perspectiva, “talvez eu possa ter alguma coisa que seja, importante de alguém ouvir”, e é isso.
P/2 – Se for pensar nesse novo modelo que vocês estão criando de escola, a equipe toda que está se formando, é um momento interessante de você estar realmente contando um pouco da sua história, né, da sua experiência.
R – Pois é, agora é legal vocês fazerem de novo daqui a três anos para ver no que deu, e fazer com os meninos (risos), talvez os meninos contem melhor sobre a gente do que a gente mesmo.
P/1 – Mônica, tem mais alguma coisa que você queira contar que de repente a gente não perguntou?
R – Ah, eu falei que eu sou tímida, se vocês não estimularem eu não conto (risos). Não, acho que é isso.
P/1 – Então eu queria agradecer a sua participação.
R – Agradeço a vocês também.
P/2 – Muito obrigada.
R – Obrigada a vocês.
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