Memória Companhia Vale do Rio Doce
Depoimento de Fausto Alberto Lyra de Aguiar
Entrevistado por Rosana Miziara e Fabrício Teixeira
Rio de Janeiro, 29/08/2000
Realização: Museu da Pessoa
Entrevista CVRD_HV054
Transcrito por Cristina Eira Velha
Revisado por Genivaldo Cavalcanti Filho
P/1 - Fausto, vamos começar perguntando seu nome completo, local e data de nascimento.
R - Meu nome é Fausto Lyra de Aguiar. Eu nasci em Vitória, no Espírito Santo, em quatorze de maio de 39, no tempo do começo da guerra. Quando eu era menino, lá se tinha problema de blackout. Todo mundo ficava meio assustado em casa quando chegava de noite.
P/1 - Seus pais são de Vitória?
R - Meus pais são de Vitória também, se bem que meu pai depois adotou a cidade de Campinho, Domingos Martins, como praticamente é a cidade dele. Então eu, no final, sou meio... Na minha infância, eu passava meio em Vitória, meio em Campinho.
Campinho é aquela área de alemão. Ainda quando eu era menino, uns 70%, 80% das palavras que falavam na rua era alemão. Mas como a Alemanha tinha perdido a guerra, o que aconteceu é que não era chique falava alemão. Eu tinha uma facilidade muito grande para língua e praticamente nunca estudei língua nenhuma, menos alemão. E alemão eu nunca consegui falar, um pouco por causa desse bloqueio e um pouco porque quando a gente ia para a Alemanha, e ia muito, a tendência de todo mundo com quem eu tentava falar alemão era falar comigo em inglês, porque nessa época o inglês já estava dominando a Alemanha bastante, então havia uma inibição forte também para falar alemão. Mas foi esse o problema do alemão, principalmente.
P/1 - E um pouco a origem da sua família? Seus avós têm alguma ascendência estrangeira ou é brasileira?
R - Não, eu só tenho uma bisavó alemã. O resto tudo é descendente de português, até onde se sabe. Mas a família é perdida no tempo, não tem uma árvore genealógica muito clara. A pessoa que conhecia bem a...
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Depoimento de Fausto Alberto Lyra de Aguiar
Entrevistado por Rosana Miziara e Fabrício Teixeira
Rio de Janeiro, 29/08/2000
Realização: Museu da Pessoa
Entrevista CVRD_HV054
Transcrito por Cristina Eira Velha
Revisado por Genivaldo Cavalcanti Filho
P/1 - Fausto, vamos começar perguntando seu nome completo, local e data de nascimento.
R - Meu nome é Fausto Lyra de Aguiar. Eu nasci em Vitória, no Espírito Santo, em quatorze de maio de 39, no tempo do começo da guerra. Quando eu era menino, lá se tinha problema de blackout. Todo mundo ficava meio assustado em casa quando chegava de noite.
P/1 - Seus pais são de Vitória?
R - Meus pais são de Vitória também, se bem que meu pai depois adotou a cidade de Campinho, Domingos Martins, como praticamente é a cidade dele. Então eu, no final, sou meio... Na minha infância, eu passava meio em Vitória, meio em Campinho.
Campinho é aquela área de alemão. Ainda quando eu era menino, uns 70%, 80% das palavras que falavam na rua era alemão. Mas como a Alemanha tinha perdido a guerra, o que aconteceu é que não era chique falava alemão. Eu tinha uma facilidade muito grande para língua e praticamente nunca estudei língua nenhuma, menos alemão. E alemão eu nunca consegui falar, um pouco por causa desse bloqueio e um pouco porque quando a gente ia para a Alemanha, e ia muito, a tendência de todo mundo com quem eu tentava falar alemão era falar comigo em inglês, porque nessa época o inglês já estava dominando a Alemanha bastante, então havia uma inibição forte também para falar alemão. Mas foi esse o problema do alemão, principalmente.
P/1 - E um pouco a origem da sua família? Seus avós têm alguma ascendência estrangeira ou é brasileira?
R - Não, eu só tenho uma bisavó alemã. O resto tudo é descendente de português, até onde se sabe. Mas a família é perdida no tempo, não tem uma árvore genealógica muito clara. A pessoa que conhecia bem a família era a mãe do meu pai, mas quando ela morreu ficou tudo obscuro. Nunca foi feito um estudo direito, mas todos os nomes quase que eu sei são nomes portugueses.
P/1 - E as atividades dos seus avós?
R - O meu avô materno era dono de armazém. Oscar Lyra, ele era uma pessoa... Era um homem muito bonito. Ele tinha olhos verdes, era famoso pelos olhos. Meu filho caçula parece com ele, inclusive. A minha avó, a Edith, era dona de casa, pura e simplesmente. O pai do meu pai era médico, Eurico de Aguiar, e a minha avó - a avó de quem eu falo sempre, eu vou sempre me referir a ela, praticamente foi quem me criou -, a mãe do meu pai, também era doméstica e gostava de fazer bolo, doce. Então, apesar de muito gordo, eu tenho um problema terrível com bolo. Só de ver falar em bolo, eu já começo a me sentir mal. (risos) Tinha um cheiro, aquele cheiro daquele glacê, aquela coisa dentro de casa, terrível. Eu tenho problema com dois cheiros: um é esse negócio de bolo, o outro é galinha cozida. Quando eu quebrei o joelho - tirei a rótula quando tinha quinze anos -, meus pais estavam fora, todo mundo estava fora. Eu fiquei no hospital assim, meio perdido, e só levavam todo dia aquela galinha cozida, com cheiro daquela gordura amarela, então eu tenho pavor de comida de galinha. (risos)
P/1 - E seus pais, o que faziam?
R - Meu pai era advogado; morreu agora esse ano, com 86 anos. E foi um camarada importante no Espírito Santo. Ele foi deputado, foi presidente da Assembleia, foi deputado federal, foi senador. No tempo do Juscelino Kubitschek ele foi líder da maioria, uma coisa dessas, na Câmara. Depois ele perdeu uma eleição, aí saiu fora do sistema. Então, o orgulho dele ficou... No fim da vida, ele estava muito abalado que não davam mais bola para ele direito. É o problema do aposentado também, você fica meio fora de circuito. Mas ele sentia muito isso.
P/1- A história da galinha é engraçada, né? _______________________________
R - Esse negócio da galinha foi trágico.
P/2 - O senhor ficou quanto tempo internado?
R - Eu devo ter ficado uns dez dias, mas foi o suficiente.
(PAUSA)
P/1 - Você estava falando do senador Lyra, seu avô.
R - Não. Meu pai não é Lyra. Oscar Lyra é o avô materno. Você está falando do Oscar Lyra?
P/1 - Eu confundi.
R - Meu pai é Jefferson de Aguiar.
P/1 - Jefferson de Aguiar. Você estava contando um pouco de seu pai, superconhecido...
R - Pois é. Ele foi um homem muito importante e saiu de cena muito cedo. Para ele, isso foi um pouco difícil. Ele saiu de cena quando? Em 70, antes de 70, eu acho. Ele era um leão danado, gostava de estar muito bem atuante, então foi difícil para ele.
P/2 - O senhor acompanhou a trajetória política do seu pai?
R - Muito mal. Eu saí de casa muito cedo. Saí de casa com dezessete anos, eu fui estudar no ITA [Instituto Tecnológico de Aeronáutica], em São José dos Campos. E depois fui para a Petrobrás, trabalhar em Mato Grosso do Sul, na Bahia; praticamente nunca mais voltei para casa.
P/1 - Você se lembra como era a sua casa de infância?
R - Minha casa de infância, quando eu nasci… Eu nasci do lado da Catedral em Vitória, mas eu não tenho recordação desse tempo. E o meu avô paterno, pai do meu pai, morreu nessa época de tuberculose. Ele era médico, mas pegou tuberculose tratando de alguém e morreu nessa época. Aí eles mudaram para uma casa na Praia Comprida, na Rua Eurico de Aguiar hoje, que é o nome dele, do meu avô, mas naquele tempo chamava Rua da Árvore, porque tinha uma árvore, tinha um jequitibá imenso nessa rua. E ela ficava... Saía daí, entrava num areal, entrava na praia. Quer dizer, a minha infância foi praticamente dentro da água, no mar, pescando, fazendo qualquer coisa. Aprendi a nadar muito cedo. Passei a vida sendo um bicho mais ou menos aquático. (risos)
Eu tinha também uma característica, porque em Vitória nessa época tinha uma influência inglesa grande, por causa da Bonde Ancher, então na frente da minha casa tinha uma quadra de tênis. Na verdade, o primeiro esporte que eu tive foi tênis, foi o primeiro esporte que eu me interessei. Eu estava vendo o Guga ali, eu sempre estive pensando nisso - quer dizer, eu tive que parar de jogar tênis quando eu tirei a rótula porque aí não dava, você tende a luxar. A rótula serve para... Ela guia o quadríceps, esse músculo grande aqui. Sem rótula, ele fica solto, então ele tende a luxar, cair para fora aqui, é um negócio horroroso. Aquele tempo só tinha quadra de saibro, então [era] impossível de fazer.
Eu fiz de tudo quanto é esporte. Apesar de sempre ter sido muito bom, eu... Só não fiz mesmo coisas que escorregavam: esqui, qualquer tipo de esqui, e tive que largar o tênis no saibro. O resto passei a vida fazendo; mesmo tendo o acidente, mesmo com problema, eu fiz tudo.
P/1 - E você tem mais irmãos?
R - Tenho, somos cinco irmãos. Três homens e duas mulheres. Tenho um outro irmão engenheiro, tenho um irmão médico e uma das minhas irmãs nunca chegou a se formar. A outra se formou em Direito, mas a única atividade profissional que ela teve foi criar cachorro, de verdade. Nunca exerceu Direito. Mas ela teve uma criação de cachorro até boa, bonita, em Brasília uma época.
P/2 - Moravam todos juntos na mesma casa?
R - É. Até os dezessete anos morou-se junto, a menos que eu tendia a morar com a minha avó. Mas eram duas casas, na verdade, uma em cima da outra. Então, eu morava com a minha avó em cima e os meus irmãos embaixo.
P/1 - Como era a convivência em casa? Quem exercia a autoridade, seu pai, sua mãe?
R - Era meu pai, né? E como eu não gostava da autoridade do meu pai, então a minha avó era o meu refúgio. Mamãe sempre mandou muito por baixo do pano. Então... (risos) [Era] muito difícil você saber quando é que ela estava mandando ou não.
P/1 - E vocês tiveram algum tipo de educação religiosa?
R - Eu fui educado jesuíta, praticamente. Quer dizer, o meu... Em Vitória, eu estudava, desde o... O colégio primário eu fiz em um colégio bem simples de uma pessoa, de uma moça, [se] chamava Escola Sofia Miller. Era um colégio particular pequeno de uma senhora. Depois eu fui fazer admissão ao ginásio, que chamava naquela época, eu fui para o Colégio Salesiano já. Era um colégio de padres salesianos. Fiquei lá até o fim do ginásio.
E o científico… Meu pai tinha mudado para o Rio, ele tinha virado deputado federal; eu fui estudar no Santo Inácio. Aliás, foi um choque cultural tremendo porque o estudo no Espírito Santo nessa época era muito, muito fraco. Eu tirava dez em todas as matérias, mas não sabia nada. Quando eu cheguei, [na] primeira aula que eu fui assistir no Santo Inácio, entrou um professor, falou, falou, falou, foi embora - eu não sabia do que se tratava. Entrou outro, falou, falou, falou - eu não sabia do que ele estava falando, do que era o negócio. Aí eu entrei em pânico. Peguei um primo nosso que era mais inteligente, que morava no Rio, e comecei a ter umas aulas com ele. Então, acabou o curso direitinho, tal, com boa nota, boa classificação, mas foi uma coisa dramática; o susto que eu tive foi uma coisa inimaginável.
Fiz exame para o ITA, aí já foi golpe do meu pai. Eu não queria ir, eu estava numa boa no Rio, no terceiro científico; eu tinha emagrecido muito, não sei como. Eu parti de 110 [quilos], eu devo ter acabado em uns 75, oitenta. Foi a época que eu fiquei mais magro em toda a minha vida. E eu [ia] todo dia no Bob's, foi quando começou o Bob's. Eu comia no Bob's adoidado e emagrecia. Parecia que cachorro-quente emagrecia, eu não entendi o que aconteceu.
Tinha uma boate chamada Black Horse também. E eu tinha uma turma no Castelinho, o Castelinho na época era chique.
P/1 - Deixe eu só entender uma coisa: você morava em Vitória e depois você mudou para o Rio?
R - É. Em 55 eu mudei para o Rio.
P/1 - Você veio para estudar?
R - É, na verdade eu vim porque meu pai virou deputado federal.
P/2 - Pelo Rio de Janeiro?
R - É, exatamente. E coincidentemente mudou meu nível cultural completamente, porque eu passei de uma escola absolutamente idiota para a melhor escola do Brasil assim, de um dia para o outro, magicamente. Quer dizer, tipo milagre.
P/1 - Em que escola que você veio estudar?
R - Eu fui para o Santo Inácio.
P/1 - Para o Santo Inácio?
R - Que na época era o melhor colégio que existia. Tinha... Era chique mesmo. Eles catavam as melhores famílias e tinha títulos disso, daquilo e daquilo outro. E era a técnica, vamos dizer assim, jesuíta de dominação.
Inclusive, eu tive um problema sério com a religião quando mudei para o Santo Inácio porque os salesianos eram mais liberais. O jesuíta me apresentou um catolicismo completamente rígido, quase que brutal, aí eu parti para a oposição completa. Eu fazia aquelas perguntas tipo: "Padre, Deus existe?" "Existe." "Como é que você pode provar?" "Ah, porque ele faz tudo, ele é assim, assado. Ele é capaz disso, capaz daquilo, capaz daquilo outro e tal. Pode fazer tudo." "Pode fazer tudo? Então ele pode fazer a pedra maior que pode ali?" "Pode." "Uma pedra tão grande que ele não pode levantar?" Quer dizer, esse tipo de conversa absurda. Aí me botaram para fora. Mas na outra aula eu arrumava outra provocação.
Chegou num ponto que o reitor foi dar aula para nós. Não sei bem se foi por minha causa, mas estava bem complicado para os padres normais dar aula lá, porque eu realmente enchi o saco dos caras. Então eu, apesar de ter sido educado jesuíta, e acho que em certos momentos o jesuíta aparece mesmo, eu era uma forte oposição à posição radical que eles tinham quanto à religião católica. Na verdade, desde então, nunca fiquei muito bem com a religião católica.
No começo do ano, eu fui para Santiago de Compostela. Na verdade eu fui para Santiago de Compostela porque eu estou querendo fazer aquela peregrinação da França para cá, que é o caminho dos franceses. Na verdade tem um monte de caminho, eu não sabia, então fui de carro fazendo o caminho dos portugueses. Quando entrei na Catedral, tinha aquela missa que tinha aquele fumeiro, não sei se vocês já viram na televisão ou já estiveram lá. E muito antes do fumeiro eu já estava absolutamente ensandecido, estava pirado. Começaram a distribuir comunhão, eu fui… Eu digo: "Eu não posso comungar. Tem quarenta anos que eu não vou à igreja, não me confesso. Não posso comungar." Mas eu não consegui segurar minhas pernas, fui comungar.
No dia seguinte fui confessar com o padre lá. (risos) Aí o padre gritava: "Como? Isso é um pecado capital! Você não pode fazer isso." O cara gritava dentro da igreja. No final ele me deu uma pena - tem um nome, como é que chama isso?
P/1 - Penitência.
R - Uma penitência. Foi assistir àquela missa e comungar de novo, que era o que eu queria. Então está bom, vamos lá. Mas foi meu retorno à religião católica, quarenta anos depois. Parece que é mais, quarenta e poucos anos depois.
P/1 - E como é essa mudança aqui no Rio de Janeiro? O que era o Rio de Janeiro naquela época que você mudou para cá?
R - O Rio de Janeiro era magnífico. O Castelinho, o Arpoador, Posto 6, aquilo era uma maravilha. Inclusive aquilo criou em mim uma coisa de ter uma coisa assim sempre, de morar num lugar desse, então depois eu fiz um apartamento ali. Nós fizemos, compramos um terreno lá e eu entrei de sócio no negócio, fizemos um apartamento ali. Depois fiz uma casa em Búzios, na Ferradura, a terceira casa da Ferradura, também por causa daquele mesmo jeito que tinha naquele tempo ali.
A casa que eu tenho em Cotia hoje, lá perto de São Paulo, ela tem um jeito parecido; apesar de ser no mato, ela parece a casa de Búzios também, que ficou para a minha primeira mulher. Então, teve uma influência enorme.
Naquele tempo, 57, 58, 57, o Castelinho tinha um pé-sujo, onde o pessoal ia tomar cachaça de vez em quando e tal. E ali só tinha gente interessantíssima. Todo mundo interessante do Brasil era ali, toda mulher bonita estava ali. Então, para mim era importante à beça. O Rio de Janeiro, para mim, foi... Eu me sinto mais carioca do que qualquer coisa, até hoje.
P/1 - E a turma, amigos?
R - Os meus amigos da época eram do Santo Inácio, mais a turma do Castelinho. Um monte de barra que eu ia, que eu não ia, que eu ficava, que eu não ficava. Turma com quem eu dançava de noite também. Mas me separei disso tudo - quer dizer, depois a minha vida mudou tanto que eu fui perdendo contato.
P/1 - E namorada? Você paquerava bastante?
R - Eu casei com a primeira namorada que eu tive. Naquele tempo as mulheres não davam fácil. (risos) Era complicado. O negócio era com prostituta mesmo, mesmo assim muito raramente, menos quando eu fui para Mato Grosso. Aí a gente trabalhava no mato. Quando ia para... Morava no mato, às vezes dormia no chão, com uma lona por cima. Quando a gente ia para Campo Grande, que na época era uma cidade faroeste - todo mundo andava, pode ver as fotografias lá, você vai ver a francesada com quem eu andava, tudo de revólver na cintura! Mas a gente de noite ia para o bordel. A gente praticamente se hospedava no bordel e depois voltava para o mato de novo.
A primeira, nessa época… Depois dessa época eu comecei a namorar uma moça no Rio e acabei casando com ela. Fiquei casado com ela 23 anos. Foi a minha relação sexual, amorosa, mais forte que eu tive. Na verdade, eu acho que eu tive sempre um pouco de medo de mulher. Eu, muitos anos depois, já velho, eu fui estudar a mulher com muito cuidado. (risos) Muito cuidado. Aquilo para mim era um mistério que eu tinha que resolver. Hoje eu acho que eu entendo bem da questão, mas eu tive que passar muito grupo de terapia, muita coisa para chegar, saber como é que funciona melhor o negócio.
P/1 - E na época de colégio, você tinha alguma pretensão, ou a sua família, quanto à escolha profissional?
R - Não, a minha ida para o ITA foi um arranjo do meu pai. Ele me enganou. Eu, na época, gostava muito de certas músicas, sinfonia, não o sei que, complicadas. Eu gostava de Vivaldi e Bach, principalmente, mas nessa época eu gostava muito dessa parte de algumas sinfonias complicadas. E tinha saído uma vitrola nova, uma Telefunken especial, que tinha um som melhor que as outras. E eu falei para ele: "Eu quero comprar esse negócio." Ele disse: "Eu compro para você, mas se você fizer exame para o ITA." Eu digo: "Mas não tem sentido. Eu não quero ir para ITA nenhum, eu vou ficar aqui no Rio. Eu estou supersatisfeito, eu vou para a PUC." Aí ele inventou que: "Não, eu te dou a vitrola. Você não tem compromisso nenhum, você só precisa fazer o exame." "Está bom." Aí eu fiz o exame, passei. Aí ele pegou… Eu disse: "Não vou, não vou." No final o que aconteceu? Ele me levou e me deixou lá. “Você experimenta aí.” Aí eu telefonava: " Não, eu quero voltar." "Não, como é que pode? Você não é homem? Você tem que ficar." No fim, ele me enrolou, me deixou no ITA.
Eu também fiz exame para o ITA porque tinha uma tendência natural para a parte científica, então era uma coisa que eu podia fazer sem estudar, quase. Se eu fosse fazer literatura, qualquer coisa, ia ter que estudar e essa parte de química, física, matemática, era uma coisa que para mim era muito fácil. Então, na verdade, foram duas coisas: lei do menor esforço, somada com o meu pai me enganando porque alguém disse a ele que o ITA era a melhor escola que tinha e ele só me empurrando para lá.
Então eu saí do Castelinho, do Black Horse, fui para a Briganteira Dançante do Biriba. Você não tem ideia, naquele tempo São José dos Campos era um... Era lugar de tratamento de tuberculoso! Aquelas meninas gordinhas fazendo footing de noite na rua, todas tratando de tuberculose. Era isso. Depois cresceu monstruosamente, mas naquele tempo era uma coisa medonha.
Foi uma queda cultural. Da mesma maneira que eu tive uma subida cultural quando eu mudei de Vitória para o Rio, eu tive uma queda cultural quando eu mudei do Rio para São Paulo, para São José. A grande coisa que teve foi que eu fui voar de planador, porque eu ia para São Paulo com os meus colegas. Naquele tempo, tudo quanto era mãe queria casar as filhas com engenheiro do ITA, em São Paulo. E ficava aquele monte... Aquele troço fritando em volta da gente.
Como eu tinha um certo problema com mulher mesmo, eu passei a voar de planador para não ir para São Paulo e aquilo foi uma experiência espetacular para mim. Ainda acho que foi a melhor experiência, talvez, que eu tenha tido.
Nessa época eu andava fazendo muita ioga também, então… O planador no entardecer é uma meditação profunda, uma coisa absolutamente... É um encontro com Deus.
P/2 - Você fazia meditação?
R - Fazia. Eu, quando… Por volta de 56, um dia eu esbarrei com um cara na rua e começou a conversar. Conversa de lá, para cá, o cara ia abrir uma escola de ioga. E eu não sabia o que que era, mas o cara era fascinante. Ele era francês, tinha vindo da Índia, tinha sido Mister Mundo, o cara todo cheio de coisa. Eu digo: "Pô, vamos tentar ver o que que esse cara faz aí. Um cara tão viajado, deve ser interessante." E realmente... Eu tive um progresso lá na ioga muito rápido, muito rápido. Botava um pontinho na parede, eu entrava em êxtase num instante. Depois, no ITA, parou completamente porque eu comecei a sair do corpo e um dia eu perdi o controle. Eu pensei que tinha morrido. Eu fiquei horas e horas fora do corpo, sem conseguir voltar. Parece coisa de doido, mas existe isso.
P/1 - É mesmo?
R - É. E eu sei que era horas e horas porque o sol estava alto quando eu... Eu costumava fazer no apartamento, mas os colegas me chutavam: "Iogue maluco!" E eu sentia... Dá muita dor quando você está nesse estado e alguém te sacoleja, alguma coisa assim; o corpo volta de repente, é uma dor horrorosa, então eu comecei a fazer no meio do mato. Tinha uma clareira lá, no meio do capim. E o sol estava alto. Eu só entrei de volta quando já estava o sol se pondo atrás da Serra da Mantiqueira lá de Campos do Jordão; já devia ser seis e meia, sete horas. Devo ter ficado umas quatro horas perdido.
P/1 - Só na meditação?
R - É. E aí eu nunca mais fiz. Eu fiquei vinte anos fora disso. Quando voltou, voltou uma proibição.
P/1 - Você achou que estava saindo do corpo?
R - É, exatamente. Voltou uma proibição, e eu não podia fazer mais nada. É como se o que me trouxe de volta deu um carimbo lá, ligou uma chave especial, então eu não conseguia mais meditar, nem sair do corpo, nem nada. Não pude mais nada. É como se eu tivesse voltado em um aburguesamento completo e instantâneo. E era proibido, simplesmente não podia, não tinha como fazer nada. Por mais que eu tentasse voltar a fazer o que eu fazia de alguma forma, não conseguia mais.
P/2 - Isso foi antes do senhor entrar no ITA?
R - Eu comecei fora do ITA. Depois, no ITA, aconteceu isso. Isso foi no começo do segundo ano.
P/1 - Imagina! No meio dos engenheiros!
R - É.
P/1 - E como era o convívio lá no ITA, como era o curso?
R - Era bem difícil, porque a gente passava de semestre para semestre. O curso exigia um número de trabalhos incrível, muito grande, então todo mundo tinha... Não é que você tinha que estudar, você tinha que fazer exercícios até tarde todo dia porque entregava aquilo e aquilo que valia a nota. Você era obrigado a passar um tempo enorme dedicado ao estudo.
Eu nunca tinha estudado na verdade antes. E comecei a achar... Tive que estudar muito. [Eu era] um cara que levou sempre tudo na flauta; eu prestava muita atenção na aula sempre, mas eu nunca estudei mesmo em casa. Em casa eu lia romance. Inclusive, eu tinha uma memória muito interessante. Pegava aqueles livros em francês do meu avô, lia e depois fazia aposta. Na página tal, não sei quanto, o que tinha na página não sei quanto. Aí postava lá, eu ganhava dinheiro à beça, porque eu sempre sabia o que tinha na página. Não é que eu sabia, vinha na minha cabeça e eu lia na minha cabeça.
É uma memória fotográfica interessante. É como se tivesse um comando: ela vem, aparece, aí eu fico lendo na cabeça. Muito simpático isso, simples e fácil. Não exige esforço nem competência nem nada. Mas de repente sumiu isso.
Nesse tempo eu tinha essa propriedade e lia muito. E lia muito rápido também.
P/1 - Que tipo de livro o senhor lia? Que tipo de livro o senhor gostava mais?
R - Ah, Alexandre Dumas. Eu não era um cara brilhante. Nunca cheguei a Sheakespeare nessa época, não. Coisa bem simples, aventura francesa, principalmente. Vitor Hugo, essas coisas.
P/1 - Émile Zola.
R - Eu não gostava de Émile Zola.
P/1 - Balzac o senhor lia?
R - Balzac muito mal. Não sei por que até hoje eu tenho problema com Balzac, eu acho meio forçadas as histórias. Aliás, eu vou sugerir a vocês um livro.
P/1 - Qual?
R - Um novo autor que está no mercado, chama Frank McCourt. Ele escreveu Angela’s Ashes, e agora surgiu ‘Tis. Fantástico como ele escreve bem, fantástico.
P/2 - Ah, eu assisti o filme.
P/1 - E o curso, como é que era, as matérias?
R - Eu estudei basicamente eletrônica. Tinha um monte de matéria lá: física eletrônica, matemática. Eu me sentia principalmente fora do mundo, aquele não era bem o meu mundo. O problema meu lá era esse, eu não estava no meu mundo. Eu sempre me sentia meio estranho lá. A menos na hora que eu estava no planador eu estava estranho, eu não estava bem.
Eu nunca estive na minha casa em São Paulo, mesmo hoje. Eu moro em São Paulo porque a minha atual mulher me raptou para lá, eu não me sinto em casa em São Paulo. Não tenho essa... Não me sinto em casa. Ainda tenho uma casa espetacular, mas eu tenho uma dificuldade com São Paulo. E tive dificuldade com...
P/1 - Mas você vinha para o Rio de Janeiro visitar os seus pais?
R - Muito mal, muito pouco. Na verdade, minha relação com meus pais nunca foi uma relação muito brilhante até meu pai ficar bem velho e eu também. Aí melhorou muito a minha relação com ele. Mas minha relação, a maior parte da minha vida com meus pais foi meio distante. Ninguém brigava, nem nada, mas nunca foi próxima.
Provavelmente o meu irmão... Eu sou o mais velho. Meu segundo irmão nasceu, eu tinha três anos, e mamava na minha mãe. Aí me tiraram da minha mãe e botaram na casa da minha avó lá. Eu acho que esse choque criou uma separação que custou muito para resolver. Além disso, meu pai era um cara muito cheio de opinião e firmeza e eu também era. Ele estudava muito, mas eu também estudava muito, então a convivência nunca foi fácil.
P/1 - E durante esse período você morou em república?
R - É, o ITA já tinha um apartamento. Quando eu saí do ITA eu comecei aqui, morando aqui, um pouco aqui na Praia do Flamengo, num apartamento que eu aluguei com um dos meus irmãos e um outro colega da Petrobrás.
Depois fui para a Bahia, mudei para lá, então larguei o apartamento aí. E quando eu voltei da Bahia, logo em seguida eu casei. Eu casei muito depressa depois que voltei da Bahia. Fui morar numa família completamente ao contrário da minha, completamente gregária. Tive uma briga com a minha sogra terrível, perdi, fui acabar morando na casa dela. Eu não queria de jeito nenhum, mas foi o que aconteceu.
Depois fiz o apartamento, fui morar no apartamento. Depois, ia para o apartamento, voltava para a casa da sogra, até que a minha primeira mulher me deixou. Com 23 anos de casados ela resolveu ir embora, aí eu entrei em crise psicológica.
Minha vida mudou de novo, bastante, comecei a arrumar... Eu tive um monte de namorada, porque eu não tive naquela época, tive nesse período. Até que uma delas me levou para a casa dela, trancou a porta e não me deixou mais sair. Toda vez que eu tento sair, ela tranca de novo. (risos)
P/1 - Quando você saiu, acabou a faculdade, você foi fazer estágio. Qual foi o seu primeiro trabalho?
R - Não, eu fui direto para o trabalho. Naquele tempo tinha uma fila de gente procurando os engenheiros lá da escola. E o que aconteceu é que foi um pessoal da Petrobrás lá, [com] uma conversa complicada sobre pesquisa de petróleo, [de] os geofísicos usarem a eletrônica para procurar petróleo. Dar choque no chão, essas coisas. Eu me interessei muito por isso, aí fui para a Petrobrás por causa desse negócio.
Nesse mesmo período, um pouco antes, eu tinha ido passar um carnaval em Vitória e uma pessoa da Vale me chamou para trabalhar lá, porque eu tinha a carteirinha de capixaba inteligente na época. O Marcos Viana me chamou para trabalhar na Vale; vocês devem falar com ele, ele é o máximo.
Ele me cantou muito para eu ir para a Vale. Eu não quis de jeito nenhum, até porque eu não queria me misturar com as coisas do Espírito Santo. Eu estava mudando, entendeu? Eu queria sair do sistema, queria outro mundo. Não queria estar misturado com a família, nem coisa nenhuma. Então, para mim a Petrobrás tinha essa vantagem de estar longe de casa e ao mesmo tempo eu estava... Era uma aventura. Nessa época era uma aventura mesmo, era faroeste puro mesmo, para valer.
Fiquei lá dois anos, mas eu me desapontei demais com a Petrobrás. Muito complicado, muito cheio de besteirol.
P/1 - O que você fazia lá na Petrobrás? Você foi contratado para exercer qual função na Petrobrás?
R - Pois é, geofísico.
P/1 - Geofísico. Mas que tipo de atividades você fazia?
R - O que a gente fazia era eletrorresistividade. Você passa com uma corrente elétrica pelo chão, e essa corrente elétrica gera uma voltagem aqui, perto do laboratório, vamos dizer. Tem uma linha, bota a corrente aqui, ela vem por aqui, assim. E você mete uma voltagem aqui em cima. Quanto mais alto estiver o fundo, o cristalino, a parte não permeável, a rocha lá embaixo, mais alta, tende a subir a resistividade aparente. É como se a resistividade do ________ estivesse aumentando.
Você começa uma linha com cinquenta metros, vai até dez quilômetros cada lado. Vai crescendo a linha. Faz um gráfico da resistência aparente do chão contra essa distância e daí faz uma interpretação de onde estaria esse horizonte. É uma coisa muito perigosa. Eu trabalhava com mil volts e cinco amperes. Essa linha, você a engatava de cinquenta em cinquenta metros, passava dentro de brejo, dentro de tudo. E vivia muito assustado com matar alguém, né?
E o pessoal na Bahia… Quando eu fui para a Bahia, aí o negócio ficou complicado, porque a turma não dava bola mesmo. A baianada, naquele tempo, tinha verdadeiras hordas de anjo da guarda em volta de cada um para tomar conta, porque era uma coisa impressionante. E eu pensava completamente diferente.
Um dia, eu desconfiei que tinha uma coisa muito errada acontecendo. Peguei o carro, larguei lá meu negócio, andei pelo meio do mato. Cheguei em um lugar onde eu achava... Intuição, que eu passando essa linha, exatamente uma casa, tinha um degrauzinho assim. A porta da casa aqui, o degrauzinho, o chão aqui. Eles passaram a linha em cima do degrauzinho. Quem sair da casa, tem que pisar na linha. Aí eu digo: "Meu Deus do Céu, está todo mundo maluco mesmo." Aí chamei o motorista que estava tomando conta, dei uma esculhambação. Chamei o outro cara, briguei com o outro. Chamei a turma e falei, falei que aquilo era um absurdo, um assassinato.
Tinha um menino do lado, que morava na casa. Eu parei de repente, ele vira para o meu motorista e pergunta: "Esse camarada aí é maluco?" (risos) Eu disse: "Sou. Com certeza eu sou maluco."
A partir daquele dia eu decidi sair de lá. E tinha um problema sério, porque não pagavam meu salário, porque eu também tinha um problema de... Meu organismo não gostava muito, comecei a ter ameba, ter isso, ter aquilo. Falei com o pessoal no Rio que eu queria meu passe para uma fábrica de borracha que tinha aqui. Ficou tudo mais ou menos acertado e eu fui para a fábrica de borracha, aí o pessoal de lá começou a exigir a minha volta.
Eu fui no presidente da Petrobrás para ele pedir demissão, porque eles não me davam demissão. Eu digo: "Eu não vou voltar. Se vocês não vão me permitir vir, me deem a demissão, acabou." O presidente da Petrobrás disse que ia me demitir sim, aí eu fiquei esperando. Não aconteceu nada, fui falar com o Marcos Viana, aí ele topou e eu fui trabalhar na Vale.
Foi assim que eu fui para a Vale. E nunca saí da Petrobrás. Eu saí da Petrobrás no dia...
P/1 - Você ficou lotado na Vale com cargo da Petrobrás?
R - É, porque eles não me deram a saída nunca. Não, lotado na Vale não. Eu não saí direito. Eu saí quando pegou fogo no edifício e queimou minha carteira de trabalho, aí acabou tudo.
P/1 - Ah, mas você ocupou um cargo na Vale todos esses anos.
R - É.
P/1 - Que cargo você ocupou?
R - Ah, muito baixo. Eu saí da Petrobrás, vim para a Vale com um quarto ou quinto do salário que eu ganhava na Petrobrás. Eu baixei muito de nível.
P/1 - Porque ia exercer qual função?
R - Eu não sei. Eu vim para a Vale porque eu gostei do convite do Marcos Viana, eu gostava muito do Marcos Viana. Então foi mais uma questão de amor quase que eu vim para a Vale, por causa do Marcos.
P/1 - Qual a imagem que você tinha da Vale?
R - Uma porcaria.
P/1 - Era?
R - Era uma companhia ruim, bem da roça mesmo, bem medíocre, mas eu não tinha imagem. A imagem mesmo que eu tive da Vale foi quando eu cheguei. Aí eu fiquei horrorizado, porque eu trabalhava na Petrobrás, por exemplo, em um lugar que tinha sido organizado por um grupo de geólogos americanos, um tal de Leeke que era um cara importante da Esso da época. A Petrobrás no Rio de Janeiro, onde eu trabalhei por um período, tinha um outro nível. Quando eu cheguei na Vale, o pessoal não tinha dente, era uma coisa medonha. O cara furava as plantas com parafuso, desenho. Era um negócio absolutamente devastador, inimaginável. Eu não saí por causa do Marcos Viana mesmo, era complicado. Era bem feio.
P/2 - O senhor entrou na Vale em que área?
R - Eu entrei no desenvolvimento.
P/2 - No Porto do Tubarão?
R - É o seguinte: primeiro eu tive que largar a eletrônica. O Marcos me exigiu isso. Eu tinha que esquecer, nunca mais eu ia trabalhar com eletrônica. Eu passei uma semana… Foi o grande trauma. Como é que vou largar uma profissão que eu estou indo bem nela, inclusive? Já projetava equipamento, já tinha construído equipamento. Porque essa equipe nós mesmo que fizemos, não foi comprada. Foi um dos primeiros equipamentos brasileiros de medida importante, foi esse daí. A gente que fez. Fez tudo, fez telefone que falava pelo fio com tensão elevada. Fizemos tudo, chaveamento, tudo direitinho. Você bota uma onda quadrada dentro do fio.
Era um problema gravíssimo largar ou não largar a profissão, mas eu topei. E aí meu primeiro problema foi o seguinte: foi que [o porto de] Tubarão estava fazendo e ele tinha que ficar pronto em um determinado dia. E tudo indicava que a obra estava desregrada. Naquele tempo tinham inventado, estavam começando a usar um negócio chamado CPM/PERT, um método de planejamento de obra, como se fossem umas flechinhas. A primeira coisa que eu tive que fazer foi estudar isso porque eu não sabia, ensinar para o povo como é que fazia e fazer. Então, foi isso que eu fiz. Eu estudei como é que fazia, fui para Tubarão dar aula para todo mundo lá como é que... Generalizada, desse método.
Fizemos o planejamento do Porto, do Pia, de tudo, cada pedaço da obra. Deu certo. A companhia toda passou a adotar aquilo como uma coisa padrão, nunca mais se falou. Eu imediatamente fui tirado dessa área e fui fazer a pelotização, que também era o próximo problema. Tinha uma pilha de [minério] em Itabira, naquele tempo só se vendia praticamente era minério grande, chama lampi, pra acearia. E o fino foi sendo acumulado, então tinha uma montanha que ameaçava Itabira.
Tinha um pessoal que andava estudando pellet, mas não ia para a frente o negócio. Eles estudavam muito como é que fazia pellets, mas não acontecia nada, então me botaram nesse negócio para estudar como fazer mesmo. Eu saí, larguei Porto, larguei o negócio de programação de obra, fui trabalhar com pelotização. Nós começamos a fazer uma pesquisa [de] como fazer pellets, como comprar usina; eu fui o primeiro funcionário dessa área também, chamava Divisão Industrial. O Marcos Viana também acabou saindo do desenvolvimento depois e foi ser o primeiro superintendente dessa área, que chamava Industrial, e eu fui junto com ele. Mas aí nós tínhamos um problema gravíssimo, porque não existia pellet de hematita, praticamente. Tinha uma usina nos Estados Unidos, mas era muito pequenininha e não dava para saber se aquilo prestava ou não. E nós começamos a fazer a usina de pellets supondo que dava para fazer pellets de hematita, mas ninguém sabia direito. Dava para fazer a bolinha. Com certeza ela ficava dura, mas como ela se comportava dentro do forno ninguém sabia.
No meio do caminho, os japoneses descobriram que aquilo se desmanchava todo dentro do forno. Ela ia criar um fenômeno chamado swelly, que apareceu nessa época. Uns fios, parecendo bombril no pellet, para toda direção, e ele se destruía, ele ficava todo sem resistência. Aí nós começamos uma pesquisa, já [com] a fábrica sendo construída, já muito adiantada, para descobrir uma maneira de... Fui para a metalurgia - não sei se vocês estão anotando que eu passei da eletrônica para planejamento, para metalurgia.
P/1 - Mas você ia se mudando na prática mesmo, isso ia se dando na prática?
R - É, porque eu era um camarada que aprendia fácil e falava inglês. A mineirada tem um problema de inglês tremendo.
P/1 - Mas falam que há ___________ em Itabira...
R - Naquele tempo, realmente era bloqueio para o pessoal falar inglês. E eu, lá pelas tantas… Nós, fazendo pesquisa junto com a ______, que era a empresa que estava fazendo a usina, e com o Instituto Alemão de Pesquisa, vieram uma série de dados. Apareceu um gráfico que a gente fez lá, uma regra.
O swelly vinha alto, aí de repente caía. E aquilo tinha uma basicidade certinha, uma maneira, uma fórmula química que mostrava que esse nosso caía direitinho. Foi um breakthrough danado, de repente sabia como é que fazia. Tinha que botar, arrumar calcário, cal, para botar no pellet. Numa dessas viagens para a Suécia tinha lá um desses ________ de pellet; nós fizemos uma aposta de uma garrafa de uísque que aquilo ia dar certo. Ele achava que não dava e acabou dando.
P/1 - Quem achava que não dava?
R - O sueco. Um sueco que era famoso nessa área.
P/1 - Você foi para lá para desenvolver isso?
R - Na Suécia? Não, nós fomos visitar lá, como é que o pessoal trabalhava em Kiruna. Tinha uma usina lá, a gente começou a visitar tudo que era usina que existia, como é que funcionava. Depois dessa fase de fazer pellet, comecei uma fase de usar pellet. Aí visitava usina siderúrgica para ver como é que o cara usava as coisas, para ver como é que ia usar pellet. E foi assim.
P/2 - Agora, voltando só ao Porto de Tubarão, o que que significa a técnica PERT - é PERT que se fala?
R - É, PERT é um nome meio complicado; prefiro usar CPM, critical path method, o método do caminho crítico. Você simplesmente vai fazendo a obra com flechinha. "Eu tenho que fazer esse negócio antes daquele.” Então tem uma atividade daqui para lá, outra atividade daqui para lá. Para começar essa, eu preciso dessa atividade, daquela, daquela. Eles vão fazendo aquela rede, calculam quanto tempo vai levar para chegar lá e quais são as coisas que estão folgadas, que tem folga para fazer; [que] em vez de começar agora pode começar no mês que vem ou no outro, ou que tem que sentar o pau agora porque ela é crítica. É isso aí.
P/1 - Você que levou esse método para lá?
R - Eu não vou dizer, essas coisas são perigosas de falar. Eu fui encarregado de estudar e ensinar para o pessoal do Tubarão. E depois acompanhar quase um ano, durante quase um ano eu tentei acompanhar firmemente os pontos críticos.
P/2 - O senhor então não chegou a ir até o final da obra?
R - Não. Eu voltei a tratar com Tubarão. Não, muito antes, eu saí antes.
P/2 - Bem antes.
R - Até acabar a primeira fase, no dia que deu aquela mijadinha do minério dentro do navio japonês que confirmava o contrato, eu ainda estava lá. Mas depois eu fui para a pelotização, como eu te falei. Fui estudar minério, por exemplo, pegava, tinha aquela pilha. "Mas o que que tem na pilha?" "Ah, isso todo mundo sabe." Era uma briga danada com os engenheiros para poder medir direitinho, qual era a variação que tinha, o que tinha dentro do minério, tinha quantos porcento de sílica), quantos por cento de alumínio, quantos por cento de não sei o quê. Porque depois teve que misturar cal, teve que fazer pilha de blend, então todo esse desenvolvimento veio depois. E toda essa abertura dessa nova metodologia de trabalhar foram sendo trabalhadas, inclusive para convencer as pessoas a fazer diferente. E depois o uso do pellet.
Depois veio mais usina, veio a segunda usina da Vale. Depois veio Itabrás, com os italianos. Depois veio Hispanobrás, depois veio Nibrasco [Companhia Nipobrasileira de Pelotização]. Cada usina dessas tinha outros problemas, que era contrato, era seguir a obra, era fazer a empresa, controlar a empresa...
P/1 - Era isso que você fazia? Qual era o seu papel, o que você foi fazer na Nibrasco, nessas...?
R - Todo esse tempo eu era assessor do superintendente industrial. Eu trabalhava em tudo quanto era direção, eu fazia de tudo. Eu não era encarregado de nada em particular. Eu atuava em todas as direções, então eu atuava para criar mercado, para estudar como é que ia ser, para fazer contrato, para fazer metalurgias; trabalhava em tudo, onde estivesse a crise maior. Às vezes alguém queria me botar para fora da empresa, porque surgia uma opinião que eles não gostavam.
P/1 - Você representava essas coligadas? Quer dizer, se a gente pensar até em termos nacionais, mesmo pela CVRD, essa diversificação toda nos anos 70?
R - A ideia das coligadas de pelotização é criar mercado. Na verdade, a pelotização é uma máquina de vender minério. Aquele minério que você botava lá, inclusive, no começo era essa pilha de Itabira que era de fino. Esse minério dava para vender para fazer sinter. Quando o mercado mudou, você nunca mais usou esse material para fazer pellet, já venderam para sinter.
Aquele que nós começamos a fazer foi concentração de itabirito ou usar materiais extremamente finos para fazer pellet. Esse material não teria nem mercado, eles seriam rejeito se não fosse a usina de pellet, então você tem que chamar o camarada para dar um agrado para ele, para ele ficar seu freguês cativo. E uma maneira é você fazer essas usinas coligadas. Ele fica com metade daquele lucro e você fica com o mercado, fica com toda a vantagem do fino, porque não é só que aquele material mais fino não teria custo; ele teria um custo, você teria que tirá-lo fora.
Em termos de economia global, era uma coisa fantástica. Além disso, o Dias Leite inventou uma lei que a gente escreveu também lá na nossa área, que tinha benefícios fiscais para isso aí, para beneficiamento de minério. Que depois foi estendido... A lei foi a mesma, mas a interpretação estendeu também para processamento de itabirito e tudo aquilo. Então, não só a Vale tinha um lucro enorme porque botava tudo isso para vender e tinha lucro em todas as etapas, mas você deixou de pagar imposto de renda em escalas espetaculares. A Vale deve ter, por conta desse arranjo todo, salvado uns duzentos milhões de dólares por ano de imposto de renda também. Era muita vantagem, de todos os lados.
P/2 - E a Vale entrava nesse negócio, nesse ramo da diversificação, como no caso da Hispanobrás?
R - Na verdade, isso não é diversificação. Até que chamavam, mas você estava simplesmente vendendo mais coisas do mesmo negócio.
P/2 - Do mesmo produto.
R - Não só isso, da mesma mina, porque você tem as lentes que entram uma dentro da outra. Se você não vender dessa forma, você tem que tirar isso de lá. Vai ter custo para tirar isso de lá.
P/2 - É uma forma de aproveitamento, né?
R - Exatamente. Você melhora a eficiência e a eficácia de todo o sistema e você tem muito mais produto para vender. E precisa de mercado, então você faz esse negócio. Com isso, a Vale aumentou tremendamente o market share dela.
P/2 - Mas ela entrava nesse negócio com que tipo de associado? Eram japoneses, basicamente?
R - Ela se associava com as usinas siderúrgicas, que também queriam na mistura delas um pouco de pellet, porque valia a pena. Como tinha dado uma qualidade excepcional, por causa daquela pesquisa anterior, aquela tal que fez com que o pellet tivesse uma qualidade toda especial dentro do alto forno, ela não desmanchava mais...
O problema da siderúrgica é que dentro do alto forno você tem que manter o formato. Tanto o pellet como o minério que seja que você colocou lá dentro o TF é 2O3, é óxido de ferro. À medida que vai passando o monóxido de carbono, aí você bota coque e sopra lá, aí você bota oxigênio. Então você cria um fluxo de óxido de ferro aqui e um fluxo de monóxido de carbono subindo aqui, redutor. O oxigênio gosta mais do carbono do que do ferro, então ele passa para lá. Mas quando ele passa para o gás o que acontece é que a molécula do óxido de ferro fica destruída, começa a ficar... Ela vai se deformando, então você tem que ter alguma forma de manter a forma disso. A escória, que chama, essa combinação de cal, calcário, com a sílica, o alumínio que tem aí dentro, é que mantém isso unido, de maneira que se você desmigalhar tudo, isso compacta, então o gás não passa mais. E sem o gás passando você não tem redução. Você tem que manter o fluxo descendo e o fluxo subindo, um contra o outro, e aí é que faz o negócio.
O pellet tem que ter essa qualidade de se manter firme lá no lugar. Além disso, ele é de alto teor, então o camarada podia usar um material menos bom na mistura, que a combinação ficava mais barata. Daí a gente entrava no mercado. Eles faziam… Como você ainda oferecia a sociedade, ele tem uma fonte segura de suprimento, ele fica com uma parte do lucro, tudo isso. Então, o pessoal ia querendo. Então, fizemos um negócio com os italianos, fizemos um negócio com os japoneses. Foi feito um negócio, naquela época, com os espanhóis, o que aumentou muito o negócio. As usinas de pellet da Vale ficaram muito mais para usina de redução direta, que é outra... Uma coisa que eu também estudei muito nessa época, que é um outro método de redução. Você pega a pelota e reduz a bicha - reduzir significa tirar o oxigênio sem destruir a pelota, sem transformar em gusa. Porque no alto forno você faz gusa, que é um... Você tem um material que tem uma quantidade de carbono muito alta, depois ele tem que ir para a acearia para tirar esse carbono de novo. Nesse outro caso, você tira o material sem encher ele de carbono. Depois ele vai para a acearia elétrica, quando só vai derreter e acertar a composição química.
Esse outro método ficou muito... Nós dois estudamos muito para a Vale fazer, mas realmente nunca conseguimos viabilizar bem para nós. Nós viabilizamos foi um mercadão grande de pellet para esse pessoal que fazia esse comprar. Aquelas fotografias que eu estava mostrando do México, a ideia era principalmente pellet para fazer redução direta lá, com gás natural.
P/1 - Essa pesquisa toda que você acabou fazendo e desenvolvendo esse sistema, como é que era passado por outros engenheiros? Como era essa criação e “democratização” desse know how tecnológico dentro da Vale?
R - A pelotização começou a ser estudada pelo Paulo Bohomoletz, antes de eu entrar na Vale. Mas é o que eu disse a você: o pellet ainda era um produto... Não tinha muita ação em cima disso. Era uma ideia que estava... Não tinha muito substrato. Como fato real, ele começou já quando o Marcos Viana foi tratar do caso, aí ele começou a virar fato. E um fato primeiro meio... Vocês chamaram o doutor Manuel Magalhães? O doutor Manuel Magalhães foi o primeiro, a pessoa… Ele foi encarregado de construir a usina de pellet número um e ele pode contar umas histórias interessantes para vocês sobre isso.
Mesmo assim, a parte de, vamos dizer, a formulação química da pelota, só foi aparecer depois, já no meio; perto do fim da obra que nós descobrimos, quase por acaso, como era a fórmula certa. A gente começou a fazer um gráfico, aí apareceu: "Pô, acho que a solução é essa." Aí o pessoal foi experimentar e era. Simplesmente leu-se.
Nesta mesma época também apareceu o negócio da madeira. Às vezes eu trabalhava na madeira também.
Isso tudo que eu estou falando é antes dos anos 70, ou logo no comecinho dos anos 70. O Dias Leite, junto com o Eliezer Batista, eles andaram bolando a Aracruz [Celulose], na época, que era para usar incentivo fiscal para plantar árvore. E aí o Dias Leite começou a incentivar muito, fazer alguma coisa na Vale também com isso. O pessoal começou a estudar como ia fazer, como não ia fazer.
Teve uma famosa missão que tem uma porção de fotografias ali. Nós saímos pelo mundo andando, andei horrores. Subi em cada lugar que você não tem ideia. Nos Estados Unidos, no Japão, na Costa Oeste americana, naquelas encostas do Oregon, Estado de Washington. Aquelas árvores maravilhosas chamadas duglasfia, que hoje em dia acho que estão quase protegidas também. Na Suécia, naquelas florestas do Norte, onde você tem uma lama tremenda no verão; uma coisa de louco, é difícil de andar para burro. Fomos em tudo quanto é lugar. [Foi] a primeira vez que eu vi como é que cortava árvore, como é que carregava árvore, como é que plantava árvore, como fazia tudo. Começamos a bolar porto para poder transportar esse material para o Japão, bolar um navio para fazer isso. Tudo estava sendo estudado mais ou menos ao mesmo tempo, junto. No final se concluiu que o melhor mesmo era fazer celulose e levar celulose. O resto era mais difícil. Mas teve um caso extraordinário. Não dormi muitas noites por causa disso.
Junto conosco estava trabalhando nisso o Ludwig, o cara que era dono de uma tal de National ________ na época, que era considerado... Era o Bill Gates da época, era o mago de tudo. Ele estava fazendo aquele projeto Jari, fazendo tudo ao contrário do que a gente fazia. Eu não dormia porque eu fazia conta, olhava, estudava, não via nada errado no que a gente estava fazendo; o cara fazia ao contrário. A gente não era ninguém e ele era o Ludwig, pô. (risos) Felizmente ele estava errado, mas pô, eu fiquei doido. Inclusive naquela época também teve uma coisa interessante: o Marcos Viana me mandou estudar aquela floresta da Vale que tem em Linhares, vocês já ouviram falar disso?
P/1 e 2 - Hum, hum.
R - E que valor aquilo tinha? Como é que a gente ia fazer para vender aquilo ou usar aquilo, fazer o que for? Estudei para burro, fiz conta que nem um doido! E no final meu parecer foi que eu não devia fazer nada. "Deixa isso aí! Vamos ver o que acontece no futuro. Não acho que vale a pena mexer." Calculei um valor, tirando todas as árvores que tinham valor comercial na época: dava um número razoável de dinheiro, mas parecia problema demais. Não se tinha muita noção de negócio de meio ambiente, ninguém falava nisso direito na época. Se quisesse cortar tudo, tinha cortado, não tinha problema, mas a conclusão nossa, meio intuitivamente, é que não devíamos fazer nada, e realmente com isso nós salvamos a reserva. Até hoje não sei bem porque nós tomamos essa posição bem clara, porque não tinha uma razão clara para fazer uma coisa ou outra.
P/1 - Uma boa intuição. A alma já tinha saído do corpo... (risos)
P/2 - Senhor Fausto, essas missões que o senhor falou que foi ao exterior. A Vale do Rio Doce mandava vocês para lá para estudarem, como era?
R - Não, não era para estudar. Eu nunca estudei, nunca fiz um curso. A gente ia direto para os negócios, ia ver como é que fazia mesmo.
P/2 - Sim, mas para aprimorar...
R - Para aprender.
P/2 - Para aprender esse know how.
P/1 - E vocês iam também, isso eu ia perguntar, em missão comercial, vai vender o produto ________________.
R - Você vai ver, vai aprender como é que faz de alguma forma. Você vai ver o estado da arte, também, muito mais do que aprender. Você vai ver quem é que sabe fazer para comprar dele. Muitas vezes ia discutir contrato, coisa que o valha, discutir como fazer o contrato. E ia vender também, você está conversando: "Eu tenho isso, você tem isso. Se a gente juntar aqui os nossos trapos vai sair aquilo." É uma maneira de vender.
Quando você casa, você fala para a sua mulher: "Eu vou dar esse para você, você vai dar esse para mim. Então, nós vamos fazer assim. " É um joint venture. É igual ao outro. De certa forma é isso.
P/2 - (risos) Eu ia te perguntar o que que era fazer um joint venture naquela época.
P/1 - É, o que significava o joint venture. Eu vou te perguntar: o que que era um joint venture naquela época?
R - Hein?
P/1 - O que que era fazer um joint venture naquela época?
R - Era uma aventura inacreditável, porque a gente não sabia fazer as coisas. Ninguém sabia inglês direito, não tinha computador, não tinha máquina xerox, escrever um contrato era uma coisa dramática. Era uma aventura. Um contrato em inglês, então, nem se fala. Tinha uma secretária chamada Ivone, ela não sabia uma palavra de inglês, mas ela que batia os contratos, porque ela sabia, de alguma forma ela decorou como é que escrevia as palavras. Quando tinha um erro, ela perguntava: "Essa palavra não está boa não, né?" "É, não está não." Então mudava. (risos)
Era uma aventura. Quem pode falar bem para vocês disso, por exemplo, é o Dezenóbio, o Roni Lírio pode contar, o...
P/2 - Elias?
R - Elias pegou esse negócio mais para frente um pouquinho. O... Ai, meu Deus... Um colega meu, nós morávamos no mesmo edifício em Botafogo no tempo de estudante, de escola, depois acabamos juntos na Vale. Ele também pode contar coisa boa, mas tenho que me lembrar do nome dele. Téo _________.
P/2 - Como era o nome?
R - Não está vindo na cabeça. Eu estou com a história todinha na cabeça, mas o nome não sai.
P/1 - Eu pensei que o nome fosse “até o fim”. (risos)
P/2 - Não, eu entendi Téo Filho, alguma coisa assim.
P/1 - É, então. Até o fim vem, ele disse...
R - Até o fim da conversa talvez venha, nem que eu passe por e-mail para vocês. Outra vez, ele ia saindo, mas não saiu.
Trabalhava com o Roni Lírio também, Foi para a SulAmérica junto com o Roni Lírio. Eles me chamaram para ir para a Sul América também, mas eu não quis ir.
P/2 - Por que o senhor não quis ir?
R - Eu investi tudo na Vale. À medida que o negócio foi funcionando, eu fui cada vez me apaixonando mais pela Vale, fui investindo tudo na Vale.
P/2 - E na CST, Companhia Siderúrgica de Tubarão, como é que….?
R - A Companhia Siderúrgica quase me põe para a rua, a CST. Eu comecei... Quando começou, a gente estava fazendo essa coisa toda de japonês, de madeira. Eu fui tirado desse projeto de madeira para fazer o projeto da CST. Também fui o primeiro que chegou lá. E além disso eu tinha... O Luís Fernando Sarcinelli - nós éramos da mesma rua em Vitória -, ele era o secretário geral do Consider [Conselho de Não-Ferrosos e de Siderurgia]. Esse é um cara interessante também para falar. Ele trabalhou no pellet antes, com o Paulo Bohomoletz também.
O Sarcinelli começou a coordenar esse programa da CST do lado brasileiro. Tinha a Kawasaki e tinha também os italianos, que também eram nosso sócios na Itabrasco, na mesma turma. No fundo, eles são muito parecidos.
Por conta desses projetos com os italianos, eu tive muita experiência na Itália, na área de Gênova, por ali, na Ligúria, interessante. Já tive que trabalhar escondido porque naquele tempo tinha muita greve na Itália. Greve, tudo era sciopero, sciopero, sciopero. Facciamo sciopero era a palavra de ordem, o Partido Comunista era muito importante. E muita coisa interessante aconteceu por aí, por causa desses projetos com os italianos.
Mas aí comecei a trabalhar em projeto de porto. Fomos fazer projeto de porto, descobrir como é que era porto ali, como é que ia fazer o porto, e como é que não fazia o porto, onde é que botava a usina, se botava para lá, se botava para cá. Com o negócio do layout da usina, eu comecei a ter uma briga com os japoneses. Os japoneses fizeram um layout que desembocava na praia do porto, ou seja, qualquer expansão ia ser um problema danado. Toda vez que se pensasse… Não [em] fazer placa, mas qualquer produto mais para a frente, que era natural naquela época fazer, isso ia ter problema.
Finalmente eu consegui um aliado, um italiano que era bom de layout de usina siderúrgica. A Vale nesse tempo tinha 10% e, pior, a Vale tinha mudado a direção completamente, tinha vindo o pessoal do Fernando Reis, com o Geisel. O Geisel não gostava da Vale, do pessoal da Vale tradicional, então ele trouxe o pessoal do Fernando Reis. Todo mundo, todo o pessoal com quem eu trabalhava com o coração aberto, fazia qualquer coisa, dizia qualquer coisa, brigava com o chefe descaradamente, sem problema nenhum, saiu e ficou um pessoal todo novo, que veio de Minas, político, pessoal que veio da Secretaria da Fazenda de Minas com o Fernando Reis. Não eram más pessoas, só que eles não tinham experiência nenhuma do negócio. E eu me senti muito isolado nessa época, muito isolado, até que eu comecei a entrar em choque com a posição do pessoal do minério de ferro, da área de operações. Sempre teve uma disputa na Vale, nessa época, entre a área de operação, que era o camarada que produzia e transportava, e o pessoal de desenvolvimento, que queria fazer outro projeto. Era a grande disputa. E quando chegou o Fernando Reis, o pessoal de desenvolvimento, do qual eu participava, apesar de trabalhar já no que chamava de industrial, que era a pelotização, mas no nível de desenvolvimento de projeto, não no nível de operação. E ficamos, assim, numa posição meio torta.
Eu comecei a ter um problema, porque eles queriam... A Kawasaki queria dominar tudo, queria vender tudo, queria ser dona de tudo, dona do minério. E eu comecei a implicar com isso. E eu não sabia que eu estava entrando em choque com o João Carlos Linhares, que era o todo poderoso da época, e não tinha apoio do outro lado. Então, de repente, eu me vi expulso do projeto da CST. Me tiraram de lá, de um dia para o outro. E aí eu quase saí da Vale. Cheguei a conversar com o Fernando Reis de sair, estava saindo mesmo da companhia. E nesse momento o Ivo explicou… Era um outro rapaz que trabalhava... tinha sido nomeado presidente da Mineração Rio do Norte - a Vale tinha entrado de sócia com a mineração Rio do Norte, porque a Alcan tinha quebrado a cara lá, porque ela começou o projeto mas não deu viabilidade, então ela parou a obra. Começou a chamar sócio para aumentar o projeto, para ver se conseguia viabilidade.
Como eu era conhecido como um camarada bom de viabilidade, o projeto não estava tendo viabilidade, me chamaram, como se eu pudesse fazer uma conta mágica. Então, eu tinha dez férias para tirar, ou sei lá quantas, que eu não tinha tirado férias nenhuma. Então, eu tirei essas férias e fui para a Mineração Rio do Norte como assistente do diretor da Alcan, um cara de obra. Também me dei mal lá, porque de novo toda conta que eu fazia não combinava com o que eles queriam que desse. Todo mundo queria que desse maravilha e não dava, porque simplesmente os custos não combinavam com o preço. Ou mudava radicalmente o preço ou não tinha viabilidade, não tinha jeito, então comecei a estudar como fazia... Começamos primeiro a estudar como é que melhorava a operação de alguma forma, como é que… O uso da cidade, o projeto da cidade. E vimos coisa para burro, mas não tinha jeito, aí inventamos um jeito, uma fórmula que salvava as faces de todo mundo, para tocar o projeto para frente de alguma forma, sem chegar em acordo de preço.
O preço previsto era nove dólares e tinha que ser mais de 25 para poder ser viável. Você vê que não tinha nada a ver uma coisa com a outra. Inclusive o alumínio, o mundo do alumínio não admitia esse tipo de preço, mas na Jamaica estava dando o maior bode lá com o pessoal nacionalista, que não queria deixar vender barato. Foi aquela época que teve choque do petróleo, então as matérias-primas... Parecia que quem tinha matéria-prima mandava horrores - não é bem verdade, mas foi assim que pareceu a alguns, então saiu um acordo em que estabelecia uma determinada taxa de retorno. Uma taxa de retorno baixa, mas que dava para pagar os empréstimos, se fizesse o empréstimo.
De novo eu saí daí. Voltei para a pelotização de novo. Entrou o Luís Carlos da Silva e me chamou para trabalhar com ele - não sei por que direito; não me conhecia nada. Fui parar nessa época com o Luís Carlos, outra vez com o pellet, na [Área] Industrial novamente.
O pessoal lá ficou com aquele problema. Depois foi feito um acordo direitinho, nesse esquema da taxa de retorno. E gerou um preço de 28 dólares quando a mineração ficou pronta, que foi realmente a solução do problema no final.
Bom, quando eu estava com o Luís Carlos, aconteceu um turning point na minha vida muito importante, porque o Fernando Reis começou a me conhecer. Às vezes ele ia para a minha casa em Búzios também. [Ele] me botou para assessorar o [Shigeaki] Ueki porque o Ueki era um maluco de pedra, mas maluco no bom sentido. Eu realmente sou fã do Ueki, ninguém quase é no Brasil, mas eu sou. Eu viajava com ele para tudo quanto era canto. Ele é um doido varrido, mas ele é um doido muito sabido. Ele foi vendedor, começou como vendedor de lápis. E ele contava as coisas dele todas - “Tem que fazer assim porque tem que vender aquilo”, "Você pega esse livro aí, parece bobagem, mas lê que você vai ver como é que melhora depois." (risos) Aqueles livros tipo: "Como influenciar pessoas e ser feliz." "Você vai ver que muda. Eu vendia um lápis por semana, depois vendia dez caixas, quinze." Ele sempre tinha uma coisa interessante.
Ele é muito bom relações públicas também. Eu nunca vi ninguém falar mal de ministro tão bem que nem ele falava, em público para todo mundo ouvir. Ele se punha numa posição ridícula numa boa, todo mundo gostava. É bem interessante. E eu viajava com ele, viajava com quatro pessoas: o Ueki, o Joel Rennó, que era assistente do Ueki mesmo lá no Ministério, um japonês chamado Hideo Onaga, que é uma espécie do... Como é que chama aquele cara do Pinóquio, que tem uma consciência, o Pinóquio não tem uma consciência? Não estou chamando o coiso de mentiroso, mas é como se fosse um cérebro extra que ele tem. Até hoje ele carrega o Hideo para tudo quanto é lugar. O Hideo realmente é um filósofo interessante. E eu [viajava com eles].
Quando teve a briga do Ueki com o Fernando Reis, que tirou o Fernando Reis, o Joel foi ser presidente; ele me chamou para secretário técnico. E tem dois cargos aí interessantes. O presidente tinha dois auxiliares naquela época: o secretário geral, que tomava conta das coisas legais, papéis importantes - ele chamou um colega dele da Escola de Engenharia para ocupar, que era lá de Minas, de Itabira; e eu fui ser o cara da área técnica, que pesquisava as finanças, os controles, a operação mesmo de venda, o que fosse, da empresa, para dar uma assessoria para ele.
Foi uma coisa que mudou a minha vida completamente. Daí para frente, comecei a me indispor muito com algumas pessoas, porque eu não... O pessoal queria que eu fizesse oposição; eu não fiz oposição, pelo contrário, era completamente leal ao Joel. Além disso, queriam destruir certas áreas do Fernando Reis que estavam funcionando também, que eu também não concordava, também não deixei, então fiquei numa posição muito delicada.
Quando mudou a direção, eu pensei inclusive: "Dessa vez vão me demitir." Mas não, eu passei a ser superintendente de planejamento. Saí de lá para ocupar um cargo até bom, mas passei um período muito difícil com o Joel. Não sabia se o Joel continuava, ou se ficava. Quebrei o... Nessa época eu trabalhei muito de cadeira de rodas porque eu quebrei os maléolos, esses dois ossinhos. Eu fiquei com... O pé soltou da perna, então foi um período também difícil para mim à beça.
Com o Eliezer… Logo que o Eliezer entrou, eu estava nessa área. E durante quando o Joel estava lá a gente estudou muito as finanças da companhia. Estava tudo complicado para burro, porque a companhia estava no pior período da história dela. A companhia nunca tinha tido dívida, nem nada, e ela teve esse interregno de administração.
Quando o Fernando Reis aprendeu a administrar a empresa, ele já tinha feito dois anos de coisas impróprias, aí ele passou a andar na direção certa. Inclusive teve um caso interessante: eu fiz um relatório que o vice-presidente de quem eu era assessor mandou para ele. E ele teve a pachorra de escrever onze páginas falando mal do meu relatório, só que ele não entendeu a primeira... Ele entendeu ao contrário a primeira frase. (risos) Então, realmente ele estava concordando com o que eu estava falando. Ele entendeu mal. Mas você vê que ele já estava com fé no que ele estava fazendo.
Que mais? Ah! No Eliezer Batista, quando eu fui para a área de planejamento, a ideia era fazer Carajás. Aquela fotografia ali já é uma... Figueiredo lá em cima, já estava mais ou menos acordado de fazer Carajás, mas publicamente ainda era um clima de lesa pátria. Eles me mandaram fazer uma conferência no Clube de Engenharia, eu só faltei apanhar. Ainda tive um golpe, levei um golpe baixo daquele Luís Salomão, sabe aquele deputado aqui? Ele, nesse tempo, não era nada; era um camarada lá do clube normal, como eu. Eu dei todas as informações para ele que ele quis, que ele não quis e ele me botou numa armadilha tremenda. E tudo que eu tinha falado para ele, ele virou ao contrário.
P/1 - Sobre Carajás?
R - É, sobre tudo. Propositadamente. Veio com tudo. Ali estava começando a carreira política dele e derrubando a minha. Então...
P/1 - Mas por quê? Eles eram opositores ao projeto?
R - Por que ele fez isso?
P/1 - É. Qual a crítica?
R - Eu acho que ele estava com interesse, ele estava querendo se lançar como político.
P/1 - Entendi, mas...
R - Ah, a crítica é que era entreguista, que aquilo não valia nada. Basicamente era entreguismo absoluto, destruição da Amazônia etc. Tudo slogan, mas tudo armado lá, a plateia toda estudada dentro, direitinho, para poder me agredir e bater palma para ele, tudo armado, numa boa. E eu nunca imaginei que estava num negócio agressivo daquele, foi muito difícil. Eu segurei no grito ali, no grito, mas daí para frente saí atrás de apoio. O primeiro apoio que eu tive foi de um camarada do BNDE [Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico], que eu conhecia de outras coisas, mas muito mal. Era uma pessoa interessantíssima - não sei se você conhece, Euricles Pereira. Conheceu?
P/1 - Não.
R - Ele não tinha uma perna. Usava cabelo grande, era um revolucionário mesmo. Ele era hippie. Ele era um superintendente do BNDE hippie. E aí também a minha vida espiritual mudou completamente nesse momento, porque para puxar o saco... A gente precisava de quatro bilhões de dólares para fazer Carajás e não tinha nada, não tinha apoio popular. Para fazer um negócio desse você precisa de convencer o mundo, não tinha apoio de ninguém. E Euricles queria que eu fosse fazer um grupo. Eu não sabia o que que era grupo, nunca tinha feito um dia de terapia na minha vida. Nada, nunca vi nada. Para puxar o saco dele, eu fui fazer o tal do grupo.
Era um fim de semana em Cachoeira do Macacu. É outro momento, um turning point na minha vida muito forte. E como eu sou afobadíssimo, eu entrei primeiro com o carro e não sabia: "É para entrar nessa ponte?" Lá fui eu. Cheguei lá em cima; quando acabou a estrada, eu parei. Aí veio todo o pessoal atrás, parou atrás e fechou. Isso era um motel fora de uso.
Começou todo mundo a armar o saco de dormir na sala. Não tinha quarto, era tudo... Eu fui entrando em pânico, aí começou a chover. Enfim, aconteceu de tudo que eu não podia imaginar, tudo que era contra qualquer coisa que eu podia... A minha mente burguesa ou socialista podia imaginar. (risos)
E eu comecei a ficar doente, eu comecei a enlouquecer. De manhã o cara acordava: "Todo mundo ri agora!" "Há, há, há!" Uma loucura. Cada loucura maior do que a outra para a minha mente da época. Eu comecei a ter diarreia, vômito. E chovia, chovia. Eu não podia fugir. Eu não fugi...
P/1 - O que era? Roberto Freire?
R - Muito pior. Esse camarada, ele é um... o nome dele é Aron Abend. Ele é físico, formado em Física e Matemática, mas tinha se dedicado a vida toda à bioenergética. Por que eu não sei. Ele tinha ido para a Índia um ano antes e ficado com um guru lá o ano todo. Tinha acabado de chegar e estava dando o primeiro grupo dele na volta da Índia. Então, ele tinha juntado toda a barbaridade dele com essa coisa da Índia, esse guru maluco que tinha na Índia lá.
P/2 - O tal guru que um dia vocês foram...?
R - Qual? Não, aquela pessoa do começo lá de trás? Não, aquele não era guru. Lá dos dezessete anos?
P/2 - Não, o da Índia.
R - O da Índia, esse camarada tinha ido lá ficar com esse guru lá um tempo. Voltou depois de um ano e estava dando esse grupo, e eu lá de... Na verdade, o Euricles era fã desse guru. Ele não me falou nada, mas ele queria que eu conhecesse o guru, não a terapia.
Bom, o que aconteceu é que no terceiro dia de manhã foi o primeiro de maio, foi o feriado de primeiro de maio de 1981. Foi 1980 ou 81. Eram quatro dias o negócio. Quando chegou no terceiro dia de manhã, tinha uma dança sufi. Você bota uma mão assim, para cima, outra para baixo aqui - não, o contrário, essa para baixo, a outra para cima, e sai rodando, que nem dervish, aquela dança deles. E eu fui rodando.
Eu tinha uns sete graus de miopia, tinha tirado o óculos. De repente uma pessoa caiu, meteu os pés no meio das minhas pernas e eu caí com a cara no chão. Todo mundo levantou, eu fiquei lá no chão com o olho pregado no chão, assim. Tentavam me puxar e eu com a cara no chão, não queria sair. Em resumo: eu entrei em êxtase de alguma forma. Minha mente parou e quando eu caí com o olho assim, no chão, era a coisa mais linda que você pode imaginar: aqueles azulejos vagabundos, aqueles… Chamam de água - quebrados, mas aquilo era de uma lindeza, era uma coisa indiscutível. Enfim... (risos).
P/1 - Era só a dança?
R - Hein?
P/1 - Era só a dança?
R - É, teve dois dias de massacre antes. A dança, essa dança no fundo ela é para isso, para o cara... os dervish fazem para entrar em êxtase mesmo.
P/2 - Todo mundo entrava em êxtase?
R - Não, não é todo mundo. Eu entrei. Aí você fica diferente. Você anda, todo mundo vai atrás. Tudo que você olha é maravilhoso. Tudo é enlouquecedor.
P/2 - Até o azulejo vagabundo.
R - É, tudo fica com um cheiro diferente. Tudo fica diferente. Na verdade… ________ aquela fila de gente andando atrás.
Eu fiquei esse dia e no dia seguinte, até a hora de ir embora. Eu pensei: "Pô, mas como é que eu vou chegar em casa?" Eu fui para casa a sessenta por hora, devagarinho, pensando: "Eu não vou chegar em casa, ninguém vai me conhecer." Quando eu cheguei, a minha mulher me abraçou e caiu no chão. (risos)
P/2 - Desmaiou?
R - É.
No dia seguinte ela não queria que eu fosse trabalhar. Disse: "Você não pode ir trabalhar desse jeito. Como é que você vai chegar na Vale assim?" Enfim, ir para a Vale, mas na Vale ninguém notou que eu estava diferente. O pessoal todo ocupado, ninguém vê.
P/1 - Você estava diferente do tombo?
R - Não, eu estava diferente porque a energia muda mesmo, muda completamente. Tudo é... Completamente.
P/1 - Você era outra pessoa?
R - Não, o raciocínio é o mesmo, mas a energia entra em outro nível.
P/1 - Em outra dimensão.
R - É, exatamente. Daí para frente eu comecei a procurar esse negócio de novo. Aí tem uma longa carreira nesse ramo de...
P/1 - _______________
R - E a vantagem foi que começou a abrir as portas e nós conseguimos dinheiro, o BNDE apoiou o projeto. E depois nós e o BNDE fomos ao Banco Mundial, para botar o Banco Mundial do nosso lado. Depois todo mundo foi junto conquistar a comunidade europeia e depois o Japão. Cada vez que ia conseguindo um aliado, aí juntava a curriola para conquistar os outros. O Banco Mundial teve uma ação do Eliezer Batista...
P/1 - Você trabalhava diretamente com o Doutor Eliezer? Vocês discutiam juntos?
R - Meu chefe era o Deoclécio Rodrigues - aliás, eu preciso desesperadamente ver o Deoclécio. Soube que ele está mal. O Deoclécio é a pessoa mais inteligente que eu conheci, absolutamente maravilhoso.
P/1 - Nós temos o telefone.
R - É, eu quero. Eu preciso ver o Deoclécio.
P/1 - Quer dizer, essas ideias do Doutor Eliezer, ele ________ colocava o projeto e vocês viabilizavam? Como eram essas decisões, como é que esse grupo operava?
R - O Doutor Eliezer tem as grandes ideias, porque alguém tem que botar as coisas. E às vezes ele fazia a relação. O primeiro papel sobre o Grande Carajás, um conceito meio fantástico que ele fez, era dele mesmo, escreveu ele mesmo. Nós melhoramos aquilo de alguma forma, demos uma forma, fizemos a transparência, desenho em cima, mas o primeiro papel do Grande Carajás - não do Projeto Carajás em si, mas do chamado Grande Carajás foi dele. Inclusive porque só ele consegue ter essas ideias tão fantasticamente enormes. Ninguém tem coragem de ter aquela ideia, a gente é mais... As pessoas são mais diretas em cima. O que a gente queria fazer mesmo era o Projeto Carajás.
Ele inventou um negócio maior, para as pessoas serem contra o maior e ficar... O menor sair. Mas o Eliezer pode fazer isso, porque as pessoas se apaixonam pelo Eliezer. Totalmente. Eu, por exemplo, vou passar duas horas com o Eliezer, vou ficar um mês quase com a garganta doendo de tanto que eu vou rir em duas horas. O Eliezer é o cara mais charmoso que eu conheci na minha vida, sem competidor. Ninguém é parecido, nem longe, nem longe. E ele tem direito de falar as coisas mais brutais. Estava ele com o barão ______, eu era menino ainda, em Dusseldorf, e ele fala para o cara que ele não tinha compromisso nenhum com a humanidade, com a civilização. E o cara: "Mas Doutor Eliezer, não pode...", tal. "Ah, é que eu sou de Nova Era..." Nova Era não tem compromisso nenhum.
Qualquer um fica mal, mas ele fica bem. Ele pode dizer qualquer coisa para qualquer um. Agora não sei mais.
P/1 - Ele é de New Era. (riso)
R - Ele é... New Era. Mas ele podia, porque ele é de um charme absoluto. Ninguém pode, ninguém é igual ao Eliezer. Bom, não conheci todo mundo do mundo, mas não conheci nada parecido com o Eliezer. (risos)
Uma vez nós estávamos num restaurante em algum lugar da Alemanha e veio uma moça linda, estava ele, eu e Ditso. E daí veio uma moça lindíssima servir. Aí ele viu lá o nome da mulher: Ialata. Ele diz assim: "Você é da Finlândia?" Ela disse: "Sou. E vocês, de onde é que são?" "Nós somos do Paraguai." Ele é doido para ser general do Paraguai, ele adora ser general do Paraguai. Aí ele começou a apresentar o Ditso, virou para mim e disse assim: "Esse aí é o Monsier Papacu." (risos) Aí a mulher disse assim: "Papacu?" Ele disse: "É." "Mas que coisa fantástica! Nós na Finlândia também temos Papacu. É o Pai Lua. Father Moon" (risos) Ele passou anos me escrevendo: "Monsier Papacu".
O cara inventa, história de general paraguaio com ele é o máximo. Mas ele faz qualquer coisa. Eu não tenho uma cartilha do Eliezer, mas o charme dele é inacreditável. Qualquer coisa que ele fala dá certo, porque as pessoas adoram o que ele fala, pura e simplesmente.
Na hora que eu estava fazendo o planejamento estratégico da Vale de uma forma diferente, eu ia entrevistar as pessoas; diziam: "Mas o que que você está fazendo aqui?" "Na Vale tem o Doutor Eliezer. Você fala com ele lá, ele sabe tudo isso. Você está me perguntando? Quem sabe isso é o Eliezer." É isso.
P/2 - O senhor também atuou na Mineração Rio do Norte não foi?
R - Eu atuei, eu dei o exemplo para você no tempo que eu trabalhava como engenheiro consultor.
P/2 - Como consultor?
R - Eu depois voltei para a área de alumínio.
P/2 - E depois retornou?
R - É, mas aí já era em outro nível, já estava feito lá, funcionando. Foi em outro nível. Quando Carajás… Por causa desse sucesso no Projeto Carajás, na viabilização de Carajás, eles acharam que eu podia ser promovido para outra coisa. Você vai sempre sendo promovido para o seu nível de incompetência, até descobrirem... Enquanto não descobrirem onde você é incompetente, você vai subindo. (risos) O problema é quando você para. Sempre para onde você é incompetente. Isso é a desgraça do mundo. (risos)
P/2 - No seu ponto limite.
R - Exatamente. O objetivo é descobrir onde é que você…
Precisava... Ia sair um camarada chamado Valdir Pereira, que estava tomando conta dessa área de não ferrosos, de bauxita. Ele era superintendente de não ferrosos, de comerciar os não ferrosos, que era uma coisa que estava começando, e era diretor da mineração na área comercial. Ele ia trabalhar com o Roni Lírio também, lá na Sul América. Eu acho que era isso mesmo, ou era coisa parecida disso, eu sei que ele ia sair de lá, então inventaram que eu devia fazer isso.
O Eliezer falou, falou, eu não tive coragem de dizer não. Para mim aquilo era meio esquisito, porque eu tinha sido totalmente contra o negócio do alumínio, menos a mineração - a Mineração Rio do Norte não, mas o Brás de Alunorte. Eu tinha sido tão contra, porque eu fazia as contas no planejamento, ou antes, quando eu era secretário técnico, e não dava certo. Aquilo era um negócio que ia dar prejuízo, ia ser dificílimo de combinar as três empresas. Ia ser complicadíssimo. Chegou num ponto que, de tanto eu fazer relatório mostrando que estava furado, me chamaram para uma reunião na presidência e disseram: "Olha, você pára de fazer isso, porque isso aqui é um plano do presidente Geisel. Você não pode mais fazer isso. Isso é da Presidência da República, você está entendendo?" "Sim, senhor." Então ficou por aí.
E eu não tinha... Eu achava: "Será que eu dou para vendedor mesmo? Não sei se dou, não sei se não dou." Mas ficou tão complicado dizer não que eu disse sim. Aí fui para essa área, sabendo que eu ia enfrentar muito problema, principalmente porque não era um negócio no qual eu acreditava. Quando eu ia tratar de pellet, por exemplo, eu ia para os meus clientes potenciais, com toda a fé, eu tinha fé no que eu estava fazendo. Aí eu não tinha fé, o problema todo era esse, mas nós tivemos que inventar um jeito de ter fé.
Tinha a Vale Sul, que já tinha começado, e tinha a Albrás, então a única providência possível, porque como os custos você somava, não dava certo, foi parar a Alunorte. Foi isso que eu propus: "Vamos parar a Alunorte, assim não precisa comprar bauxita cara para fazer uma alumina cara, e a gente pode ter uma vida mais saudável. Não vai ganhar dinheiro, mas vai pelo menos ficar devendo menos na Albrás e na Vale Sul."
Foi uma confusão terrível, porque esse processo foi mal... Teve um probleminha de condução. Os japoneses acabaram com vantagem, mas foi feito. E em vez de comprar, de produzir alumina a 240 dólares por tonelada, a gente chegou a comprar a oitenta do mercado internacional. Isso facilitou a vida de tudo. Se o processo todo tivesse sido menos tumultuado, como a gente queria fazer, nós teríamos tido melhores condições ainda.
Até que chegou num ponto, muito depois… Depois eu virei superintendente de alumínio - não era mais de não ferrosos, de comerciador, mas era de alumínio. Tivemos um trabalho mais complicado ainda para estabelecer isso tudo como um grupo que desse certo.
Chegou num ponto em que eu comecei a trabalhar para fazer a Alunorte, em vez de refazer a Alunorte. Tinha ficado parado vários anos [o projeto] para fazer a Alunorte. Nesse momento, eu saí e fui trabalhar com planejamento estratégico e a reorganização da empresa, para transformar a empresa em área de negócio, porque a empresa estava com... O que tinha acontecido? Todos os nossos planos tinham dado certo, só faltava a Alunorte. De todos aqueles planos lá de trás, tinha tudo acontecido, sido construído, estava tudo funcionando normal. Então, como é que ia ser a companhia daí para a frente? Tinha um exército enorme de gente, porque quando você está crescendo, você tem que ter mais gente para poder mudar de frente, você tira daqui para lá, então... Mas aí a guerra acaba, as coisas começam a ser enxugadas, e fica um negócio de ociosidade também. Então tinha que mudar a estrutura, diminuir pessoal, tinha que rever a maneira de funcionar da empresa.
Nós fizemos um primeiro plano estratégico, que deu embasamento nisso, e uma reorganização da empresa atendendo à área de negócios. Quando essa coisarada toda foi aprovada, eu me aposentei. Foi assim. Tenho a fotografia dessa reunião no Centrecon, [em] que estava todos os superintendentes, todos os diretores, os presidentes da subsidiária.
Levou três dias de briga terrível, porque a ideia era ter uma área de transporte. Por exemplo, tinha um dogma na companhia: transporte tem que ficar dentro da operação do minério de ferro. E a gente queria tirar o transporte fora para ser uma área de negócio específica e o minério, outra coisa diferente. Isso deu muita confusão também.
Eu me aposentei também porque eu estava propondo acho que dezesseis superintendências acabarem, estava propondo um arrasa quarteirão, então achei que eu devia dar o exemplo.
P/1 - Em que ano foi?
R - Isso foi [há] nove, dez anos atrás.
P/2 - No final de 89, 90?
R - É, 90 para 91.
P/2 - Por que o senhor falou que a Vale não conseguia produzir com um custo baixo e necessário para importar...
R - Não conseguia custo baixo como? Ah, a alumina, você está dizendo? Não, ninguém produz a oitenta dólares por tonelada. Na verdade, isso é o mercado. Você não consegue estocar alumina, tem uma limitação de estoque muito grande. E você não pode parar a fábrica, porque tem take or pay de todo lado, então tem coisa que o cara tem que se livrar, praticamente.
Você entra no mercado comprando spot e consegue comprar - dependendo do mercado, não sei como é que está hoje, talvez não tenha. Porque da mesma maneira como às vezes você compra como lixo, às vezes você nem consegue comprar. Vai comprar como ouro.
O mercado naquela época era de um jeito tal que tingia para você... Você parar a fábrica e esperar um outro período era vantagem. Agora ela está funcionando, está direto. Não havia uma maneira de produzir diferente. Não é que o pessoal produz mais barato, tem que vender mais barato.
P/1 - Você lembra de algum caso pitoresco numa dessas viagens, de uma negociação?
R - Pitoresco? Esse negócio do Eliezer eu já contei.
P/1 - É. Essa conversa com os japoneses, essa relação com os japoneses.
R - Tem umas fotografias aí. Por exemplo, quando nós acabamos o estudo da CST, nós fizemos um churrasco em Brasília, que foi um pileque brutal. Porque tinha umas... Esse Fernando Sarcinelli, ele é um camarada... Não o Guilherme Sarcinelli, o Fernando. Ele adora comida, ele é um gourmet e um gourmand, então ele preparou um churrasco lá, ele bolou um churrasco super.
Ele tinha umas moringas de cachaça. Várias moringas de cachaça, pouca coisa de outro jeito, uma cerveja, e tal. Mas moringa de cachaça firme. O churrasco estava muito bom e o pessoal tomava cachaça assim, meio direto. E aí japonês lutou sumô, subiu em árvore, gritava que nem Shazam; camarada que foi ser diretor depois, diretor da Kawasaki, italiano chique da Italia Impianti, era uma coisa tremenda.
Quando saí daí, fui para o avião para o Rio. E quando eu entrei no avião eu achei estranho que estava todo mundo me olhando. Eu falei: "Pô, que houve comigo que está todo mundo me olhando? Será que eu estou mais bonito, alguma coisa? Qual é o caso?" Quando eu chego em casa, a minha mulher diz: "Mas o que que você está fazendo todo imundo desse jeito?" Eu tinha rolado pelo chão, lutando sumô com japonês, e não tinha sabido de nada. Estava bêbado, completo. (risos) Eu estava imundo, cheio de lama. Nem vi. (risos)
P/2 - O senhor sentou no avião na maior?
R - Não, foi uma coisa impressionante.
Eu encontrei esse Yagi, que foi ser presidente da Kawasaki muitos anos depois, já nessa fase do planejamento estratégico. Foi um encontro bacana: "Pô, lembra daquele dia?" "Ih, aquilo foi uma festa!”
Que mais?
P/2 - E a sua viagem? O senhor falou da viagem na Itália...?
R - Ah, tinha uma coisa interessante do Silva, um camarada que era diretor da Italia Impianti, com quem nós trabalhamos muito - fizemos CST juntos, fizemos a Itabrasco juntos. Ele é um homem finíssimo e ao mesmo tempo muito culto. Ele tem área de vinho lá na Ligúria, o cara é todo bacana. E a gente andava... Não foi na Itália, andando pelo Brasil de carro. E um dia olhou, olhou: "Mas não tem árvore. Onde é que estão as florestas?" Aí ele foi pensando: "Ah, I portoghesi hanno paura di fioreste!" Ele descobriu, porque o que acontecia é o seguinte: é que os portugueses, o pessoal que chegava no Brasil, da floresta é que vinha todo o problema - vinha mosquito, cobra, onça, tudo. Então, o que que o pessoal começou a fazer? Afastar a floresta o máximo. Esse problema é muito dentro da gente.
P/1 - Arraigado.
R - Arraigado. E tem mais: o dia que vocês tiverem a oportunidade de visitar essa reserva de Linhares você vai descobrir o seguinte…
Você já foi? Já andou no meio da floresta? Que tal? É horrível! Porque a umidade dentro da floresta é 100%, é insuportável. Na verdade, você não consegue ficar dentro da floresta. Não há jeito, porque [com] a umidade 100% você não consegue fazer nada, o corpo para. Ele não tem como responder, a termodinâmica fica impossível. Você tem que perder calor de alguma forma e com umidade 100% não há como perder calor. Você não pode se mexer, no final das contas. Então, é realmente… Floresta é complicado para burro. Muito complicado.
P/1 - Quando você se aposentou da Vale, você foi para...
R - Fui para a Índia. (riso) E depois a minha atual mulher foi me catar lá, me levou para São Paulo.
P/1 - Com esse grupo que você já estava?
R - É, foi mais ou menos. Foi para o ______ desse guru lá. Fiquei lá um tempo estudando terapia.
Eu pensei de ser terapeuta nessa época, de estudar, mas não deu certo. Terapia funciona, mas é muito... estudei uns troços muito estranhos demais, não tem mercado. O pessoal gosta mesmo é de massagem e não há como fazer isso, então eu desisti.
Quando eu voltei, fiz uma empresa na área de energia; trabalhei vários anos nisso, energia térmica. Chegamos a ser sócios, representantes aqui, de uma empresa americana muito grande, a Soutnern Energy, que comprou a CBI, parcialmente. E na hora de ficar rico, meus sócios não me quiseram mais e eu acabei saindo. Eu estava num período muito ruim da minha vida também, de novo. Acabei ganhando um troquinho, mas só um troquinho.
Agora não tenho mais empresa e estou trabalhando com a Fundação Getúlio Vargas, como consultor em projetos. No ínterim, a minha mulher saiu da Monsanto, onde ela trabalhava, fez a empresa dela, chamada Antar. É um sucesso, ela está hoje nos Estados Unidos pela Embraer fazendo, juntando as várias correntes tecnológicas da Embraer lá para ter uma assistência técnica homogênea aos aviões deles. E ela está muito bem, fazendo doutorado. Mas eu até hoje não me acho à vontade morando em São Paulo, realmente queria voltar para o Rio.
P/1 - Do que você sente mais falta em relação ao trabalho na Vale do Rio Doce?
R - A Vale é o grande amor da minha vida, então sempre vou sentir falta. A aventura que eu tive na Vale é uma coisa fantástica. Não sei se dá para entender essas várias coisas que a gente foi fazendo. Nós saímos do zero, do menos sei lá quanto, e fomos subindo, subindo, subindo. Quando eu saí, a Vale estava...Tinha um caixa já de uns setecentos milhões de dólares. Gerava uns setecentos milhões de dólares por ano de caixa.
Quando eu entrei na Vale, ela faturava o quê? Vinte, trinta milhões de dólares. Faturava. Ela gerava caixa de setecentos milhões e já previa um caixa de um bilhão de dólares, para agora. E não sei nada das finanças da Vale, mas deve estar chegando por aí, porque as dívidas de Carajás estão acabando ou já acabaram, esses outros projetos maturaram todos. Ela deve estar gerando caixa de um bilhão de dólares. O problema era esse: o que que nós vamos fazer quando chegar nesse ponto.
Ah, tinha uma coisa interessante que eu não contei: por volta de 88 eu quis… Falo eu, porque… Fui eu sozinho. Eu quis privatizar a Vale. Eu achava que ia acabar acontecendo alguma coisa muito difícil, porque inclusive a companhia... O governo já tinha começado a colocar todo tipo de restrição para uma expansão. A companhia ia, com esse dinheirão para expandir, não tendo mais projeto, e com todo tipo de cerceamento para ter projeto, porque era estatal: "Estatal não pode fazer isso, não pode fazer aquilo. Não pode ter empréstimo, não pode, não pode, não pode, não pode." Tinha que deixar de ser estatal.
E deixar de ser estatal era uma coisa muito, muito simples. A Vale já tinha 49% do capital na mão do público. Bastava passar 2% para alguém, quem quer que fosse, e já deixava de ser estatal. Por acaso, um dos irmãos da minha mulher da época - minha primeira, a mãe dos meus filhos, com quem eu fui casado 23 anos -, ele era presidente da Bolsa. Começamos a conversar, bolou-se o seguinte esquema: o governo vendia 5% das ações dele ordinárias para os empregados da Vale e fazia um acordo… Entre o governo, a Bolsa, representando as tendências privadas, e os empregados. Então, na verdade… Eu ia dizer quantas pessoas, cada um nomeava com um conselho de administração, e como é que as regras do conselho de administração iam nomear os diretores. Isso mantinha o governo extremamente poderoso, mantinha os empregados na direção da empresa, e o público, que tem as ações, também participava de uma forma muito positiva, que nunca tinha participado antes. Os advogados estudaram, estava tudo certo. O Presidente da República na época foi consultado, parece que topou também, eu fiquei encarregado de apresentar isso numa assembleia de empregados.
O pessoal do PDT e do PT bateu tanto em mim, que a mulherada me fez almoço de, me convidou para… (risos). E eu realmente não estava com energia, na verdade eu... Se eu estivesse com energia forte, eu teria talvez conseguido convencer a turma, mas não consegui convencer. E aí fizeram um fundozinho vagabundo, um tal de Doceinvest, que não adiantou coisa nenhuma, não tinha sentido nenhum. Quase como consolo. “Já que não fez aquilo, faz isso aqui.” Mas era uma bobagem, não tinha nenhum sentido. E morreu.
Acabamos desembocando numa privatização bem menos bonita para as ideias que existiam naquela época. As ideias de hoje não sei mais como são.
P/1 - Você acompanhou o processo de privatização da Vale?
R - Eu trabalhei no grupo que ganhou a concorrência. Na verdade, também ajudei a ganhar a concorrência. Eu fiz uma parte da proposta de concorrência. A minha empresa da época era do grupo, ela formou o grupo que fez a concorrência.
P/1 - Que empresa?
R - A Termoconsult, essa empresa.
P/1 - A Termoconsult.
R - E aí nós éramos subcontratados do Banco Rothschild. E eu trabalhei, primeiro fazendo um relatório monstruoso sobre o que era a Vale, todos os detalhes sobre a Vale, porque me consideravam um cara que entendia muito da companhia, porque eu trabalhei em muitos lugares, fiz muitos projetos. E depois, não gostando muito, porque sabiam que eu sou, me sinto muito Vale do Rio Doce… Como eles ficaram com dificuldade para fazer a parte final, me chamaram para trabalhar na parte final também. E eu trabalhei nisso já de graça, não estava fazendo nem parte do contrato mais.
Não participei nada da formação, da maneira de fazer o negócio. Eu só trabalhei na descrição da companhia e cálculo de preço da companhia, como auxiliar do pessoal do Rothschild, mas até um certo limite também, só.
Esse foi o meu último contato com a Vale direitinho. Agora estou novamente tentando alguma coisa como… Pela Fundação Vargas, ver se eu consigo fazer algum negocinho com a Vale, de consultoria, pela Fundação.
P/2 - Na Fundação Getúlio Vargas o senhor está em um projeto de mineração também, não é isso?
R - Nesse momento, nós estamos trabalhando...
P/1 - Modernização do…
R - É, exatamente. Mudando a parte de minerais do Ministério de Minas e Energia. Eles vão fazer o DNPM [Departamento Nacional de Produção Mineral] porque o código de minas brasileiro é antigo, ele é de 67. Ele foi feito ainda no tempo do Dias Leite, aquelas ideias que se tinha, e que foram trabalhadas na Vale também, em 67.
Hoje o mundo mudou bastante, então tem que ser modificado. Inclusive existe hoje essa tendência de fazer agência, e vai ser transformado também numa agência. Não é uma agência tipo ONG, porque ela tem que ter vínculo estratégico com o governo. Certas agências que trabalham com o mercado direto, onde a população tem que ser um pouco defendida do governo, a agência é quase uma ONG. Nesse caso não seria, ela tem vinculação com o governo, mas facilita muito tudo, fica muito mais fácil; é um avanço muito grande e também uma tentativa de melhorar a performance da CPRM [Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais] como serviço geológico do Brasil. Em vez de desenvolver projetos para si própria, é só fazer estudo de geologia para botar na internet, para quem quiser usar. Para atrair investimento e facilitar investimento também.
P/1 - Você tem filhos?
R - Tenho três filhos.
P/1 - Qual a idade deles?
R - Meu mais velho tem 33, é médico. Ele é pediatra, mas tem mestrado em Endocrinologia também, e trabalha com educação médica através de publicações. Meu filho caçula é economista e tem mestrado em Economia, trabalha num banco fazendo análise de economia mundial. E a minha filha tem sido atriz a maior parte da vida dela, mas ultimamente está parada porque foi ter filho, e está com dificuldade para voltar ao mercado agora. Mas qualquer hora dessa começa de novo.
P/1 - Se você pudesse mudar alguma coisa na sua trajetória de vida, o que você mudaria?
R - Não sei responder isso. Eu acho que... Como é que eu vou dizer? A vida é misteriosa e a minha conclusão depois desses anos todos de pesquisa, de estudo, de tudo, é que a vida é um milagre, ao mesmo tempo que é uma ilusão. É um milagre e uma ilusão junto. Não há o que mudar, não tem como mudar, tudo é perfeito como é. E foi um privilégio ter tido a vida que eu tive. Estou até querendo chorar.
P/1 - Quais são seus sonhos?
R - Meu sonho?
P/1 - É.
R - Ser iluminado, chegar à iluminação, que eu não sei muito bem o que é, mas tenho perseguido há vinte anos, com muita força.
P/1 - O que você acha desse Projeto Memória que a companhia está fazendo e da experiência de ter dado esse depoimento hoje para a gente?
R - Se vocês conseguirem que as pessoas... Se vocês conseguirem editar bem isso e conseguirem que as pessoas vejam isso de fato, deve ter consequência muito boa porque esse período da Vale foi um período meio mágico. Vale a pena que as pessoas vejam isso e tenham ideia de que existem certas coisas que têm essa característica mágica, no sentido positivo.
P/2 - Mística?
R - Tudo é mágico, mas algumas coisas são mágicas gostosas, outras são mágicas que têm medo. Mas essa é uma mágica gostosa, muito bonita.
P/1 - Obrigada.
R - Eu que agradeço.
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