P/1 – Para começar, seu nome completo, o local e a data de nascimento.
R – Eu queria agradecer o convite, nós temos uma relação muito boa e muito grande com a White Martins. Meu nome é Emílio De Fina Júnior, nasci aqui em São Paulo, em 4 de fevereiro de 1954, no bairro de Pinheiros.
P/1 – E o nome dos seus pais?
R – Emilio De Fina e Imaculada Concheta Sarlo De Fina. Os dois são imigrantes italianos, vieram em épocas diferentes da Itália. Meu pai chegou antes da guerra, porque meu avô participou da Primeira Guerra Mundial e a minha avó desenvolveu uma neurose de guerra. Quando começou o movimento na Europa de nacionalismo em 1930 e pouco, quase década de 1940, ela resolveu vir para o Brasil, onde ela tinha parentes que já moravam aqui e nunca mais voltou à Itália. Nem ela, nem meu avô. Meu pai tinha só uma irmã, quer dizer, a família por parte do meu pai no Brasil era só essa e ele fez Arquitetura e continuou a vida aqui. O meu avô materno veio antes, 1892, 1896... Veio trabalhar com café, foi para o interior de São Paulo, depois veio a São Paulo. Meu avô casou com uma napolitana, outra italiana, e a minha mãe nasceu aqui. A família toda é italiana. Meus pais se casaram em 1952, 1953 e eu nasci aqui em Pinheiros. Passei toda a minha infância e juventude em Pinheiros, depois, prestei vestibular, fiz Medicina e me casei depois de acabar o sexto ano da faculdade.
P/1 – Você está contando coisas importantes, mas vamos voltar um pouquinho para a história da origem da família. Qual a história dos sobrenomes italianos?
R – Sim, a família do meu pai, o nome se escreve De Fina. O ‘d’ é maiúsculo ________________ [corte no áudio] é de uma cidade perto de Siena, na Toscana, chama San Gimignano. A família De Fina foi formada por causa de uma santa. Em 1280 e pouco, em San Gimignano, havia uma adolescente de mais ou menos 15 anos de idade, que se chamava Serafina. Ela ficou...
Continuar leituraP/1 – Para começar, seu nome completo, o local e a data de nascimento.
R – Eu queria agradecer o convite, nós temos uma relação muito boa e muito grande com a White Martins. Meu nome é Emílio De Fina Júnior, nasci aqui em São Paulo, em 4 de fevereiro de 1954, no bairro de Pinheiros.
P/1 – E o nome dos seus pais?
R – Emilio De Fina e Imaculada Concheta Sarlo De Fina. Os dois são imigrantes italianos, vieram em épocas diferentes da Itália. Meu pai chegou antes da guerra, porque meu avô participou da Primeira Guerra Mundial e a minha avó desenvolveu uma neurose de guerra. Quando começou o movimento na Europa de nacionalismo em 1930 e pouco, quase década de 1940, ela resolveu vir para o Brasil, onde ela tinha parentes que já moravam aqui e nunca mais voltou à Itália. Nem ela, nem meu avô. Meu pai tinha só uma irmã, quer dizer, a família por parte do meu pai no Brasil era só essa e ele fez Arquitetura e continuou a vida aqui. O meu avô materno veio antes, 1892, 1896... Veio trabalhar com café, foi para o interior de São Paulo, depois veio a São Paulo. Meu avô casou com uma napolitana, outra italiana, e a minha mãe nasceu aqui. A família toda é italiana. Meus pais se casaram em 1952, 1953 e eu nasci aqui em Pinheiros. Passei toda a minha infância e juventude em Pinheiros, depois, prestei vestibular, fiz Medicina e me casei depois de acabar o sexto ano da faculdade.
P/1 – Você está contando coisas importantes, mas vamos voltar um pouquinho para a história da origem da família. Qual a história dos sobrenomes italianos?
R – Sim, a família do meu pai, o nome se escreve De Fina. O ‘d’ é maiúsculo ________________ [corte no áudio] é de uma cidade perto de Siena, na Toscana, chama San Gimignano. A família De Fina foi formada por causa de uma santa. Em 1280 e pouco, em San Gimignano, havia uma adolescente de mais ou menos 15 anos de idade, que se chamava Serafina. Ela ficou doente, provavelmente, teve uma tuberculose óssea e veio a falecer com 15, 16 anos de idade, após muito sofrimento. As pessoas começavam a rezar para a Serafina, que virou Fina, conseguiram milagres e ela virou uma santa, Santa Fina. A família dela tinha outro sobrenome, mas começaram a se referir que era da família Da Fina. Em italiano, Da Fina e virou De Fina. Em San Gimignano, há a igreja desta santa. A família da minha mãe é de calabreses, Sarlo. Eu não tive, assim, muito contato com história, mas eu sei que eles viviam na Calábria.
P/1 – E o senhor sabe como os seus pais se conhecerem?
R – Meu pai faleceu quando eu tinha 17 anos de idade. Eu lembro que meu pai era arquiteto e era fissurado por cinemas. Ele acabou se especializando em construção de cinemas. Meu pai tinha alguns cinemas, o Cine Jardim, o Fiametta, que também era aqui em Pinheiros. Construiu e decorou o Cine Astor, no Conjunto Nacional, e o Cine Rio. Meu pai trouxe para o Brasil o “Tom e Jerry”, que era exibido nas matinês, nos domingos de manhã. Para a criança, naquela época, havia pouca coisa e nos cinemas do meu pai, na época, tinha o “Tom e Jerry” na matinê. Depois, ele teve um estúdio de dublagem, a Odil Fono Brasil. A Odil Fono Brasil era perto da igreja de Nossa Senhora de Fátima [no bairro do Sumaré] e era um estúdio grande, que fazia todas as dublagens dos filmes que eram exibidos aqui. O Jô Soares fazia dublagens, mas, também, estava no começo da carreira dele. Mas meu pai também não sabia nada de administração e acabou perdendo tudo isso daí.
P/1 – Ele era arquiteto de formação? Foi proprietário...
R – Proprietário de cinemas.
P/1 – Ele fazia o projeto?
R – Fazia projeto de acústica, de imagem, de tela, tudo isso...
P/1 – E a sua mãe trabalhava?
R – Não, minha mãe sempre em casa.
P/1 – Em quantos irmãos vocês eram?
R – Eu sou o mais velho, tenho uma irmã, Mônica, e mais um irmão, o Flávio. Dois anos de diferença cada um.
P/1 – Moraram sempre em Pinheiros?
R – Sempre em Pinheiros.
P/1 – Conta um pouco como era Pinheiros na época.
R – Ah, Pinheiros era ótimo, um bairro muito bom.
P/1 – Onde em Pinheiros?
R – Na Fradique Coutinho, nós sempre moramos na Fradique Coutinho. Hoje até derrubaram a casa e construíram um prédio lá. Em frente de dois cinemas: o Cine Jardim e o Cine Fiametta. Pinheiros... Tinha campinho de futebol, era um bairro perfeito para morar. Havia comércio, a Teodoro Sampaio começava a ter comércio de rua, o shopping veio em 1960 e pouco, com o Iguatemi. Uma infância muito boa. Fiz primário no colégio Machado de Assis, na Simão Álvares. Eu ia a pé à escola. O ginásio, eu fiz no colégio Maximiliano, na Vila Madalena, ao lado do Fórum. _________________ [corte no áudio] não tinha perigo, aos dez anos você ia ao colégio de ônibus...
P/1 – Você ia de manhã?
R – Eu ia de manhã. Aos domingos, a minha irmã e eu, durante o primário, íamos até o Largo de Pinheiros para assistir missa e nós tínhamos coleção de santinhos. Antigamente existiam uns santinhos com fotos dos santos. Isso foi na época da primeira comunhão...
P/1 – Explica melhor essa história de coleção de santinhos.
R – A primeira comunhão, no colégio que eu fiz, era feita no terceiro ou quarto ano do primário. Você tinha o catecismo, que era uma preparação, e o próprio colégio te fazia a primeira comunhão. As crianças quando estavam fazendo o catecismo, estavam aprendendo para poder fazer a primeira comunhão. O legal era ter um monte de santinhos. Você comprava os santos na igreja, um papelzinho com a foto do santo, então, fazia coleção, como se fosse figurinha. Tinha São José, um montão de santos...
P/1 – E tinha o álbum?
R – Não, não tinha. Você guardava e fazia uma coleção de santinhos.
P/1 – Não era como o álbum de...
R – De figurinha, não... Os santinhos eram maiores.
P/1 – Por quanto tempo o senhor guardou esses santinhos?
R – Ficou para a minha irmã e, também, não sei onde estão os santinhos. Havia muitos santinhos... A minha avó, mãe do meu pai, que veio da Itália, era muito católica. Ela era devota de Santo Antônio de Pádua e assinava uma revista dessa igreja. A cada dois, três meses ela recebia um jornalzinho, uma revistinha em italiano de Santo Antônio de Pádua. A minha irmã ficou com tudo que era da minha avó também e deve estar com ela. Eu não fiquei com nada. Mas era uma época boa, foi uma época gostosa.
P/1 – Como é que eram seus brinquedos na época?
R – Futebol. A minha infância toda era jogar futebol. Trocava todos os presentes por bola nova, chuteira e jogava nos campinhos de terra de Pinheiros. Na Fradique tinha um e em outros lugares. Na Vila Madalena, toda essa parte onde, hoje, é um conjunto habitacional, eram campos de futebol. Nesse conjunto aqui próximo, então, havia três campos e aos 14, 15 anos, eu jogava nos times daqui. Existiam o Primeiro de Maio, o Sete de Setembro. A oferta que tínhamos de diversão era bem menor do que é hoje. Então, eu jogava futebol na várzea e me divertia.
P/1 – E a formação de uma família italiana era muito diferente?
R – Muito diferente. O italiano é sempre preocupado: “Não faz isso, não faz aquilo”. Todos os domingos, almoçávamos juntos. Na época, chegava uma hora que cansava. Você queria fazer outra coisa, mas tinha de almoçar com a avó. Então, a avó fazia macarrão todo domingo e todo mundo ia para lá. Se você ia à praia, por exemplo, tinha de voltar porque havia o almoço com a avó. Mas fazia parte. Na época, às vezes, não entendia, mas, hoje, entende que seria legal se continuasse...
P/1 – E a língua, falavam o italiano?
R – Então, minha avó falava um dialeto. Eu vim a aprender italiano há cinco anos. Entendia bastante, mas não falava, nem escrevia. Minha avó falava um dialeto muito difícil que, mesmo você fazendo o italiano, não conseguia entender. Na Itália, existem mais de 130 dialetos e, na maioria deles, um não entende o que o outro fala. Só unificou a língua com ó Dante Alighieri, só foi escolhida uma língua com Dante Alighieri, que escolheu uma língua mais parecida com o latim para ser a língua italiana. E, por coincidência, era a que ele falava. Ele era da Toscana, de Firenze. Então, o Fiorentino também tem um dialeto próprio, mas o Fiorentino é o dialeto que o italiano fala hoje. E a Itália é nova, de 1861. São 150 anos de Itália. Então, é um país novo, unificado e, até hoje, eles também sentem dificuldade com essa unificação. Há uma diferença muito grande entre o Norte e o Sul. A minha avó falava um dialeto e dificilmente saía de casa. Então, ela precisava ir ao banco para receber a pensão do exército italiano, porque meu avô combateu na guerra, e não conseguia se expressar. Então, eu a acompanhava.
P/1 – Ela não chegou a aprender português?
R – Não, a minha avó, não. Meu avô, sim, a minha avó, não. Minha avó só falava o dialeto. Hoje, eu entendo o dialeto. Conversando com pessoas que são do mesmo lugar da minha avó impossível. São muito diferentes os dialetos. E eu comecei a estudar há uns cinco, seis anos atrás. Mas a criação, a língua, é como tivesse vivido lá. Quando você para Itália é a mesma coisa que em casa. Os hábitos, o que come, o que bebe são iguais.
P/1 – E vocês eram obrigados a ir à missa?
R – A minha família não era tão católica assim. Minha família era católica, mas em casa, não de ir à missa. Íamos em um período da vida, quando estava para fazer a primeira comunhão, que era uma coisa maravilhosa no meu colégio. Porque o colégio Machado de Assis era tradicional também, na Simão Álvares com a Navarro de Andrade, perto da Teodoro Sampaio [ruas do bairro de Pinheiros]. Na primeira comunhão, o colégio inteiro ia a pé até a Igreja do Perpétuo Socorro. Era uma coisa muito esperada na escola. Primeiro, iam aqueles que fariam a primeira comunhão, com as professoras, faziam uma espécie de procissão, até chegarem os pais, os outros alunos na Igreja do Perpétuo Socorro, onde acontecia a 1ª comunhão. Na volta, havia uma festa com chocolate quente, bolo, umas mesas enormes. A primeira comunhão era uma tradição no colégio.
P/1 – E a roupa?
R – A roupa era engraçadinha. Um paletó marrom, uma calça cinza, meia três quartos, sapato marrom, camisa branca. O paletózinho tinha o brasão do Machado de Assis, uma pena, não sei o que...
P/1 – Esse era o uniforme?
R – O uniforme.
P/1 – E a roupa da primeira comunhão?
R – Era a mesma da escola. Houve uma época que era um terninho azul, mas, também, tínhamos de usar calça curta. A partir dos dez anos, começávamos a usar calça comprida...
P/1 – Gravata, não?
R – Não, não usava gravata. Criança era criança mesmo. Almoçava antes, não podia tomar vinho, mas misturava um pouco com soda. Começava a aprender a tomar vinho de criança.
P/1 – Então você sempre morou com a família na mesma casa, em Pinheiros?
R – Sempre em Pinheiros, na mesma casa.
P/1 – Foi fazer o ginásio também?
R – O ginásio era na Vila Madalena, uma época em que a escola pública era maravilhosa. Todos saíam da escola pública e entravam direto na faculdade. Não existia cursinho.
P/1 – Qual o nome da escola mesmo?
R – Carlos Maximiliano.
P/1 – Ficou até o colegial?
R – Até o colegial. Mas, no meio do caminho, quando eu estava no quarto ginásio, teve o golpe militar em 1964. Eu estava, acho, no segundo ginásio, e as escolas públicas terminaram, né? Começaram a sumir os professores. Foram embora, alguns sumiram mesmo e o nível das escolas públicas começou a cair. Na minha época de ginásio, ir para uma escola particular representava que você não iria conseguir passar de ano. O pessoal ia para o Colégio Bandeiras, por exemplo, só para passar. O colégio público era ótimo. Depois disso, no meu quarto ginásio, havia professores ótimos, de Português, de História, pessoal envolvido e “puf”. Nunca mais vimos os professores. E começou a cair o nível da escola pública. Depois, eu fiz cursinho no Objetivo e entrei na faculdade, em Santo André [cidade da Grande São Paulo]. Entrei na Faculdade de Medicina do ABC, em Santo André. Passei os seis anos, praticamente indo e voltando a Santo André. Depois de formado, nós fomos fazer a especialização, a residência. Fiz residência em cirurgia e continuamos trabalhando no ABC, em Santo André, São Bernardo, São Caetano [Grande São Paulo]. Lá, eu e um dos sócios que estudou comigo, o [José Eduardo] Ramão, montamos uma clínica. Depois, veio o Ari [Bolonhezi] que é quatro anos mais novo, trabalhar na clínica. Todos formados no ABC. Nós tínhamos uma clínica de cirurgia muito grande e trabalhávamos no Hospital Assunção. Em 1994, já fazíamos alguns trabalhos para a Volkswagen, que tem um plano de saúde próprio. A Volkswagen nos convidou para atendermos um paciente em casa. Ele já estava há um ano e pouco internado. Era uma criança e já estava desagregando a família, o casal. Enquanto um estava no hospital, o outro estava em casa, não se viam mais e a criança não saia e complicava no hospital. Em dezembro de 1994, levamos essa criança para ser atendida em casa. Era uma modalidade de atendimento que já existia em vários países, aqui começando, que é o home care, a assistência domiciliar. Começamos a atender cada vez mais pacientes da Volks que, na época, era associada a Ford, na chamada Autolatina. Fomos, cada vez mais, atendendo pacientes, largando a cirurgia e, em 1995, nós montamos a empresa que temos até hoje, chamada Home Doctor. Nós atendemos e montamos na casa do paciente tudo que o ele precisa. Se o paciente tiver uma estabilidade clínica e não precisar de tomógrafo e de coisas que só encontra no hospital, conseguimos montar toda a infraestrutura na casa. Por exemplo, hoje, são 96 pacientes que fazem ventilação mecânica em casa. Para entender, mais ou menos, são casos com situação parecida ao do Super Homem [referindo-se ao ator Christopher Reeve, que ficou paraplégico após acidente], por exemplo. São pacientes que não respiram sozinhos, então, usam um aparelho, um respirador e como se fosse uma UTI, nós colocamos o respirador na casa, enfermagem, fisioterapeuta, oxigênio, medicamentos e equipamentos. Para o convênio é uma redução de custo em torno de 30 a 50%. Então, um paciente que vai ter uma internação prolongada, que vai ficar meses no hospital, a própria seguradora o autoriza fazer esse tratamento em casa. Além de ser menos custoso, não há perigo de infecção hospitalar. E ele estar na sua casa promove sensações importantes. Esses são os pacientes mais graves. Há pacientes com fraturas, o pós-operatório é tratado em casa. Há uma gama enorme de doenças que você pode atender.
P/1 – Eu fiquei curiosa em saber por que o senhor escolheu Medicina?
R – Eu escolhi Medicina com uns dez, 12 anos de idade. Escolhi porque eu achava uma profissão legal. “Vou ser médico”. Na família, não tinha nenhum médico. Então, escolhi com uns dez, 12 anos fazer Medicina. Graças a Deus.
P/1 – Daí você se especializou em cirurgia?
R – Cirurgia, do aparelho digestivo.
P/2 – O senhor falou que o seu pai era dono de cinema. O senhor o ajudava?
R – Não, eu frequentava. O bom é que eu levava os amigos e não pagava, era uma pessoa bem querida na rua... (risos) Eu vivi com meu pai 17 anos só. Não era como é hoje, que o pai leva o filho em todos os lugares. Era uma época diferente, mas eu ia bastante onde ele trabalhava, ficava mexendo nas coisas, mas não era uma convivência como a que tenho com os meus filhos. Como falei, criança era criança, adulto... Depois dos 14 anos, você começava a andar com o pai. Hoje, já leva o filho desde pequeninho. Mas deu para frequentar os cinemas, deu para conhecer, por exemplo, os cinemas que ele tinha em Curitiba. Também fui várias vezes ao estúdio ver dublagens de desenho, de filmes...
P/1 – Quem frequentava o cinema?
R – Tem coisas marcantes. O que havia em frente da minha casa era o Cine Jardim. Um quarteirão e meio de fila para o filme dos Beatles. Era marcante ir ao cinema, assistir a um filme dos Beatles. Era fila na Fradique Coutinho, Teodoro Sampaio e virava na Mourato Coelho. Famílias e casais iam muito. Era bem frequentado naquela época. Mas também eram filmes pontuais. Outro que eu lembro muito bem que também teve muita fila foi “Pantera Cor de Rosa”, o primeiro. A matinê nas manhãs de domingo, ficava lotada de crianças, de pais. Foi o que eu tive de convivência com o cinema na época do meu pai.
P/2 – Nunca te despertou uma vontade de continuar?
R – Não. Primeiro porque depois eles tiveram problemas financeiros, perderam e nem continuaram com o negócio. Segundo, porque eu nem gostava muito, não. Eu gostava e fui para a Medicina.
P/1 – Na faculdade, então, voltando um pouco, como foi a sua vida de estudante de Medicina, o período anterior a Home Doctor?
R – Ah, foi a melhor época da minha vida. A faculdade de Medicina é o dia inteiro, em Santo André. Faculdade de Medicina do ABC.
P/1 – Saia daqui de Pinheiros?
R – Saia de Pinheiros para ir até lá. Encontrávamo-nos na casa de um dos “cinco da carona”. Nós tínhamos uma carona para cinco, na casa mais próxima do ABC, na Avenida Indianópolis. Era de um colega chamado Marcos Lucchesi e encontrávamos com ele todo dia. Foi uma coisa de seis anos, todos os dias. Era uma convivência muito boa, porque os pais, as mães também fazem parte. Você entrava na casa de um às sete horas da manhã, tomava café. Uma bagunça, né? Voltávamos todos os dias, os cinco juntos, revezando os carros. Foi uma época boa, porque a faculdade de Medicina, como você passa o dia inteiro, tem bastante esporte, você faz muita amizade e forma um grupo muito unido. Essa faculdade também é bem querida por nós, porque a minha filha do meio fez faculdade de Medicina lá. Ela é formada e faz Cirurgia Vascular. O meu filho menor está no quinto ano e a filha do meu sócio está no quarto ano. Então, todos formados no ABC. Já são três filhos que fizeram ou que estão fazendo faculdade lá. E a nossa empresa ajuda a faculdade. Nós começamos ajudando a Atlética, com os jogos, dando patrocínio em camisa. Também, começamos a ajudar a em uma residência, uma especialização em Saúde da Família. A Saúde da Família é um home care também, tem uma parte que é o atendimento na casa. Então, ajudamos nessa residência, pagando uma bolsa para os residentes. Os médicos que já são formados e estão fazendo especialização em Saúde da Família, passam na nossa empresa e fazem um estágio de dois meses. Eles trabalham muito em postos de saúde, no sistema público, e vão aprender um pouco do privado também, no caso da nossa empresa. Agora, em conjunto com a cadeira de Saúde da Família, que é de um professor da faculdade, o Marco Akerman, nós começamos a dar aulas para os quarto anistas da faculdade. É uma matéria eletiva, optativa. Então, nós participamos também da formação dos acadêmicos, no quarto ano da faculdade.
P/1 – O senhor é professor?
[Pausa]
R – Eu dou aula. Uma aula só. A aula é Logística de Entrega de Medicamentos. Nós temos 370 e poucos doentes, hoje, em suas casas, espalhados na cidade inteira, no ABC, em Osasco. É um hospital de 370 leitos com 30, 40 quilômetros. É preciso ter uma logística para isso. O médico tem que passar visita, a enfermagem tem que passar visita, há o plantão também. Toda essa logística, nós damos para os pacientes. A entrega de medicamentos, por exemplo, você vai fornecer os medicamentos para o paciente. Você tem a data para a entrega, quantos medicamentos ele toma por dia, quantos dias você entrega. Tudo isso requer uma logística grande. É essa aula que eu que dou.
P/1 – E o senhor não teve esse preparo quando cursou a faculdade?
R – Nada. Eu até falo a eles na aula, você tinha de optar por Cirurgia, que era ótimo. Prestava um concurso para fazer a residência que era muito disputado e continua sendo disputado até hoje. Eram disciplinas clássicas: ______________ [corte no áudio] Clínica Geral, depois faz Cardiologia. Hoje, há uma gama enorme de especialidades e subespecialidades. A faculdade tem 300, quase 400 residentes. São médicos que se formaram e estão se especializando em Oftalmologia, Otorrinolaringologia, Imagem, Radiologia, Oncologia... Na minha época eram menos. São 31 anos de formado...
P/1 – Havia Imagem?
R – Tinha, mas, hoje, tem ultrassom, tomógrafo, ressonância, uma quantidade de exames enorme. Já existe residência e especialidade. E hoje, há uma especialidade que é a Saúde da Família.
P/1 – Interessante que a própria faculdade tenha aceitado vocês falarem sobre isso como uma disciplina?
R – A faculdade teve a idéia dessa cátedra de Saúde da Família e Atendimento Domiciliar porque, além de ser uma ótima opção para o formado, para o médico, hoje, o médico de Saúde da Família, por exemplo, que trabalha em São Bernardo do Campo, ganha 13, 14, 15 mil reais por mês. Ele atende no posto de saúde e, às vezes, vai à casa do paciente em uma comunidade da qual o posto é responsável. Nós fazemos um atendimento mais amplo e mais complexo. Mas a Saúde da Família e o home care irão ajudar a resolver o problema de saúde, porque não adianta só construir hospitais, porque é limitado, tem paredes. São 500 leitos, você lota os 500 leitos e aí fica no corredor. Você não vai acabar nunca _______________ [corte de áudio] hospital. Agora, em casa não há limites. Você monta uma equipe e não há limite de atendimentos. A saúde da família e o home care não têm limites.
P/1 – Quais foram as primeiras demandas para a estrutura do home care?
R – Descritas em livros, um exemplo bem clássico é a Segunda Guerra Mundial, em Londres. Depois dos bombardeios não havia hospitais. Se bem que a Medicina sempre foi praticada em casa, nunca no hospital, né? Os médicos iam até as casas atender. Não existia consultório. Depois, em certa época é que se instituiu que seria mais fácil colocar todos os pacientes em um mesmo lugar, o hospital. Agora, qual é a tendência? É desospitalizar porque não dá para manter o doente ad eternum. Por exemplo, a presidente Dilma não para de falar de home care. Os depoimentos dela são a favor do home care, que é a única solução. Não adianta só construir hospitais, porque eles são limitados, têm paredes. O home care não tem paredes, você monta a equipe e atende quantas pessoas quiser. É a mesma coisa com presídio. Não adianta construir presídios, pois chega uma hora em que eles se tornam limitados, têm um número limitado de vagas. Então, é preciso atuar na educação da criança, na saúde, na alimentação, na orientação familiar etc. O hospital tem paredes, é limitado e a presidenta sabe disso e está incentivando programas de atendimento domiciliar e, na última semana, de home care, com liberação de verbas para as prefeituras montarem equipes de home care para o atendimento da população.
P/1 – Eu queria saber um pouco dos primórdios da questão, da sua saída da faculdade, as conversas. O que determinou a sua entrada no setor?
R – Conversas na época da faculdade e, depois, de formado, não aconteceram. Nada, zero. Principalmente para nós, cirurgiões, depois de um tempo atendendo em consultório... A pessoa atender na casa do paciente ia arrumar uma encrenca, uma dor de cabeça. Poucos faziam isso. Na minha época de infância, o médico ia às casas.
P/1 – Era o clínico geral?
R – O clínico geral e o pediatra. Eles acabavam de atender no consultório e iam atender nas casas. Depois, isso acabou. Só que começa a haver uma análise da qualidade de vida da pessoa que foi internada e da sua família. Três, quatro, cinco meses, um parente internado. Depois, não tem mais visitas. Se é uma criança internada, desagrega o casal. Tem o custo também de deixar a pessoa um ano no hospital. E havia experiências de home care nos Estados Unidos e na Europa, que começaram a ser lançadas aqui.
P/1 – Como foi o começo?
R – Existiam duas empresas, na época, que faziam algumas coisas pontuais. Por exemplo, fazia um curativo na casa, fazia um atendimento em coisas mais simples. O médico fazia uma visita, uma fisioterapia na casa. Quando nós tínhamos a clínica de cirurgia e veio esse convite da Volkswagen, começamos a atender os pacientes, mas de uma forma integral. Fornecíamos desde o atendimento médico até a remoção do hospital para casa. Com atendimento de emergência, enfermagem, dependendo da necessidade, seis, 12, 24 horas de enfermagem, cadeira de rodas, cadeira higiênica, _____________________________[corte de áudio], tudo o que o paciente precisasse.
P/1 – O senhor lembra do primeiro caso?
R – Lembro do primeiro caso. Foi uma criança da Volkswagem. Essa criança, que eu já citei, estava há um ano e pouco internada. Hoje, está bem, está viva e nós temos fotos dela. Em 1994, não existia empresa que alugasse berço em São Paulo. Então, nós compramos e montamos um berço normal na casa, já que a mãe nem havia comprado o berço para a criança, porque ele ficou no hospital desde que nasceu até um ano e pouco. Depois, você vai aprendendo. O Ari, um dos sócios, fazia mais o atendimento na casa e todos os dias você vai aprendendo a fazer o home care. Essa foi a primeira criança. Em 1995, começaram a entrar vários pacientes e nós já tínhamos bastante experiência. Em 1996, um paciente, acho que da Volks ou da Ford, foi a primeira criança que nós colocamos com aparelho de ventilação mecânica em casa. Essa criança tinha uma doença cuja média de vida era de três, quatro anos e ela viveu até os 11 anos, em casa, conosco. Então, começa a haver um aumento da sobrevida, há pacientes que se estivessem internados, teriam pegado uma infecção hospitalar e tido complicações. Temos pacientes jovens baleados, por exemplo, tetraplégicos, que nós demos a eles uma válvula americana e eles conseguem falar e trabalham. Um deles é tetraplégico, era dono de uma gráfica. É um paciente que está conosco acho que há 12 anos. Ele não mexe nada, quem faz as ligações para ele é uma enfermeira.
P/1 – E quanto aos equipamentos, vocês tem estoque?
R – Não.
P/1 – Alugam, compram, mandam fazer? Quem são os fornecedores?
R – A nossa ideia é não ter estoque. Começamos a procura por empresas parceiras, para que trabalhássemos juntas. Materiais e equipamentos, como camas, cadeiras de rodas, muletas já existiam e elas alugavam para a pessoa física. Então, a pessoa ia: “Ah, eu queria alugar uma cama”. Nós começamos a dar um ar comercial, alugar 20, 30, 40, 50 camas. Hoje nós temos 300 e poucas camas alugadas. Até mais porque temos as filiais. Começou a incentivar também outro mercado.Em medicamentos, temos uma farmácia, autorizada pela vigilância sanitária. Compramos de laboratório e a gente ___________________ [corte de áudio]. Materiais também são assim. Na época, quando nós começamos a colocar os pacientes, não tinha uma empresa que alugasse os cilindros de oxigênio. Também porque ninguém nos conhecia. Chegávamos: “Eu queria alugar um cilindro para colocar na casa de outro e quem vai pagar é outra empresa, um convênio”. No começo, era uma coisa muito difícil. Começamos a ter uma relação com a White Martins, mais ou menos, dois, três anos depois do início da empresa. Foi quando um rapaz da White Martins... O básico na administração de uma marca é não ter rostos de pessoas associadas à marca. Não associar a Home Doctor com o Emílio, o Ramão e o Ari. A Home Doctor vai continuar. Mas, talvez pela nossa formação médica, não temos esse tipo de mentalidade, nós vemos caras nas empresas. Vemos a White Martins pelas pessoas que, em 1998, com quem começamos a ter uma relação de amizade, de troca de experiências. Nós estávamos bem, com bastante experiência em home care e a White Martins estava começando a trazer para cá o modelo americano de home care. O modelo americano baseia-se mais nos equipamentos. Mão-de-obra é muito difícil no home care americano. Na semana passada, estivemos em uma feira, em Atlanta e é comum o fornecimento de equipamentos, o treinamento da família e a é a família que toca o caso.
P/1 – Isso nos Estados Unidos?
R – Nos Estados Unidos é comum. Há empresas que alugam os ventiladores e os respiradores, que é o que a White Martins também faz hoje. A maioria dos nossos pacientes usa um respirador, um aparelho que é alugado da White Martins, além do fornecimento de gás. A nossa diferença em relação aos americanos é a mão-de-obra, o atendimento mesmo. Quando começamos, tinha um rapaz que cuidava disso na White Martins e começou a ir bastante a Home Doctor. Começamos a fazer um trabalho em conjunto. Ele trazendo os equipamentos e nós colocando esses equipamentos nas casas. Antes, temos de estudar direito esses equipamentos por que eles precisam ter uma autonomia de uso. Já passamos por dois blecautes, esses aparelhos são elétricos e nunca internamos ninguém. Então, o aparelho precisa de uma bateria de longa duração, colocamos no-break, temos os backups na Home Doctor e na White Martins. Então, quando há um apagão, um problema, você tem como repor não é preciso levar o paciente a um hospital. Tudo isso fomos desenvolvendo juntos e criando uma amizade com o pessoal da White Martins. Quando nós fomos montar uma filial no Rio de Janeiro, por exemplo: “Olha, nós vamos pro Rio de Janeiro.” “Então, venham pro Rio de Janeiro”. Eles nos ajudaram muito no Rio de Janeiro.
P/1 – De que maneira?
R – Indicação de lugar. Também colocaram a White Martins como um ponto de apoio para fazermos entrevistas de novos funcionários. Várias pessoas que trabalhavam para a White Martins indicaram pessoas para trabalhar conosco. Eles nos deram uma força muito grande no Rio de Janeiro. Em Brasília está sendo a mesma coisa. Estamos abrindo em Brasília, e ligamos para o Nei [Ferreira], que trabalha na White Martins, e virou amigo também: “Nei, nós vamos para Brasília, como é que fazemos?” “Ah, está lá a White Martins à disposição pra vocês fazerem entrevista. Tem uma pessoa lá que conhece, vai levar vocês em Brasília, pra ver um lugar bom pra vocês alugarem”. É uma ajuda enorme.
P/1 – Como é, hoje, a estrutura da sua empresa?
R – Hoje, nós temos uma sede em São Paulo, na avenida Hélio Pelegrino [situada na zona Sul da cidade de São Paulo], temos uma filial em São José dos Campos [SP], que atende o Vale do Paraíba, uma em Santos [SP], que atende a Baixada Santista. Em Campinas, nós atendemos daqui de São Paulo, com um pessoal lá em Campinas [SP]. Agora estamos montando uma unidade em Campinas, que atenderá uma área grande do entorno. Nós temos uma filial no Rio de Janeiro, uma filial em Salvador [BA] já há dez anos. No Rio há cinco anos e, agora, estamos abrindo uma em Brasília.
P/1 – São quantas pessoas na equipe?
R – Só em São Paulo, são usados 1200 auxiliares de enfermagem em média por mês que ficam nas casas. Temos 110 médicos, mais ou menos um 150 e poucos administrativos e fisioterapeutas... É uma quantidade enorme de pessoas.
P/1 – E o deslocamento?
R – Em todos os lugares, fazemos uma divisão por zonas. O atendimento é feito por zonas. Aquela equipe atende aquela zona. Com o avanço cada vez maior da tecnologia, você tem maior controle dessas visitas nas casas. Por exemplo, um caso vai demandar duas visitas médicas por semana. Porque não são pacientes comuns, do hospital, que você precisa passar duas, três vezes por dia. Já estão mais estáveis, por isso, podem ir para casa. Há a logística de controlar as visitas dos médicos. Temos um portal para esses médicos, no qual eles conseguem prescrever via internet, colocar o relatório médico, solicitar material e equipamento por esse portal. Nós temos todos os controles aqui, temos coordenadores de enfermagem que coordenam dez casas, contagem de material, medicamentos, a presença de auxiliar de enfermagem, uma logística grande...
P/1 – E a família passa por algum treinamento?
R – Passa por um treinamento, mas não é como nos Estados Unidos. Hoje, há uma opção que, até um tempo atrás, não existia. São pacientes que não tem casa, entre aspas. Não é que ele não tenha casa, na verdade, ele não tem um cuidador. Por exemplo, uma pessoa de idade que mora com a esposa. Ela também tem 80 anos de idade e não tem condições de cuidar desse esposo de 80 anos de idade. Para esses pacientes, nós, da Home Doctor, criamos um home care em um flat. Não é um hospital, é como se fosse o quarto dele, a casa dele, mas há um auxiliar de enfermagem, enfermeiras que podem cuidar dele. Então, às vezes por ser longe, ou por não haver condições de ficar na casa, a casa é pequena, não cabe uma cama. São casos em que contraindicamos o home care. Às vezes, a casa é muito humilde, o lugar é perigoso, tem barrancos. Então, fazemos o atendimento como se fosse na casa dele em um flat.
P/1 – Até isso vocês têm de procurar? Um flat...
[Pausa]
R – Nós já temos um para isso. Para a montagem, nós conhecemos outra empresa, israelense, que é a dona do flat. Eles atendem idosos e são especializados em Alzheimer. Daí surgiu uma amizade, uma troca de experiências e já fomos a Israel a convite deles. Eles tem um home care em Israel, que é muito interessante. É um atendimento, uma ajuda ao idoso, à pessoa acima de 65 anos de idade que tem alguma dificuldade. Há 20 anos eles criaram uma lei, se você é sozinho ou são dois idosos, tem mais de 65 anos, liga para uma assistente social, um órgão do governo, fala que precisa de ajuda e eles a mandam ajuda. Então: “Ah, eu não consigo mais tomar banho sozinho”. Eles mandam por três horas uma enfermeira, um cuidador para dar um banho e acabou. “Ah, eu não consigo mais ir ao banco”. Vai um cuidador ajudar a ir ao banco ou a fazer compras. São para coisas sociais pontuais. Eles não fazem o home care que praticamos aqui. Em Israel, há hospitais de retaguarda ou casas grandes onde o idoso que precisa de tratamento, não sai da cama, fica internado. O atendimento na casa do paciente, eles não fazem. Nós já fomos para lá e eles vem sempre cá. Agora estamos para decidir se vamos montar em Israel uma filial da Home Doctor, junto com essa empresa israelense, mas para fazer o atendimento na casa, fazer a internação domiciliar. Eles querem vir ao Brasil fazer o atendimento pontual, de mandar ajuda por duas, três horas na casa para idoso ou alguém que necessite. Mas é preciso ver quem vai pagar, pois lá é o governo que paga.
P/1 – O senhor fez Medicina. Nunca sentiu necessidade de fazer um curso de Administração de Empresas?
R – Não, nunca pensei. Começamos a fazer os cursos da FGV [Fundação Getúlio Vargas], mas cursos de três meses, cursos menores. Você acaba aprendendo, sempre tem necessidade. O que eu acho legal é que nós, os três sócios, somos humildes a ponto de entender que chegou até um lugar, você precisa pedir ajuda. Não adianta dirigir a empresa: “Ah, eu sou o financeiro ou eu faço...” Não faz. Então, tentamos nos cercar de pessoas boas e com formação para trabalhar com a gente. Nós continuamos, mas há pessoas gabaritadas no Financeiro, no Marketing. Contamos com uma estrutura de marketing com cinco pessoas, a Home Doctor tem dois advogados. Usamos escritórios de fora, mas temos dois advogados dentro. A Contabilidade também é dentro, a empresa é bem montadinha, bem enjoada. É bom porque você tem todos os controles na mão também.
P/2 – Você estava falando o exemplo de Israel. Aqui no Brasil existe algum convênio que vocês tenham com o governo?
R – Por exemplo, há um mês, aqui em São Paulo, o prefeito Kassab assinou e foi aprovado na Câmara, o programa de home care da prefeitura, chamado PRODHOM [Programa Hospital Domiciliar]. Até então, não existia como programa, então, agora não acaba. Porque antigamente _____________________ [corte de áudio] vai com aquilo, agora não. O programa existe na Secretaria de Saúde do município e vai dar sequência ao home care.
P/2 – Mas vocês vão prestar algum serviço?
R – Não. Pode ser que um dia nós prestemos... Por exemplo, o meu sócio, o Ari, é presidente do Sindicato das Empresas de Home Care. Começamos com uma associação chamada NEAD, o Núcleo Nacional de Empresas de Assistência Domiciliar e, agora, um sindicato patronal. Se não começar a haver a formação de uma categoria, de um segmento de empresas, você não vai para frente. Continua isso em Brasília. Por exemplo, a presidenta Dilma, oficializou o home care como meta para o Ministério da Saúde. Então, ela vai começar a dar para as prefeituras cerca de 30 mil reais por mês, que corresponde a 80% do pagamento de uma equipe de atendimento e a prefeitura tem de colocar 20%. Teoricamente, tem de colocar. Com isso haverá quase 50 mil reais para pagar uma equipe. Você consegue fazer muita coisa com isso. Monta equipe com médico, enfermeiros, auxiliares de enfermagem, agentes comunitários. Centraliza uma ou várias equipes em um posto de saúde e atende uma região de 50, 70, cem mil pessoas com equipes. Então, começa a liberar leitos de hospital, atendimento em pronto-socorro. Às vezes, você vê aquele tumulto no pronto socorro, e a pessoa está com gripe, outra com diarréia ou pisou em um prego, está com unha encravada. Aí tem o outro que tomou tiro... Com o atendimento do Saúde da Família, você consegue não deixar esse pessoal passar por pronto-socorro, resolve o problema na casa dele ou no posto de saúde. Começa a fazer mesmo o atendimento primário, o mais simples, a prevenção, o atendimento primário, secundário ou terciário. A coisa mais grave vai para um hospital mais complexo. Porque, hoje, se há uma porta de atendimento, o doente vai ao primeiro que vê, ou seja, ele vai a um hospital que é para atender só casos gravíssimos. Então, a coisa não tem sequência. Porque o esquema de atendimento no Brasil, o SUS, é perfeito e é copiado. O Obama quer copiar o SUS brasileiro, só que é preciso botar em prática o SUS brasileiro.
P/1 – Por que o SUS é perfeito?
R – Porque ele oferece atendimento a todos os brasileiros. Não tem o: “Você não tem direito, ela tem”. Nos Estados Unidos isso ocorre. Há o atendimento para os mais pobres, o cara precisa se declarar: “Olha eu sou pobre e preciso do atendimento”. Se ele não se declarar, não tem atendimento. Só se você tiver um seguro. Aqui é amplo, bem desenhado, só que precisa por em prática. Daqui uns anos eu acredito que vai isso funcionar. Na região do ABC, por exemplo, a nossa Faculdade de Medicina do ABC tem 14 hospitais. É a Fundação Universitária do ABC, FUABC, e tem hospitais maravilhosos. O Hospital Mário Covas, por exemplo, é um hospital regional e exemplo de OSS, Organização Social de Saúde. Foi elogiado pelo Alckmin, pelo secretário da saúde. Ficou ótimo, atendimento perfeito, mas é preciso mais e mais. Precisa encaixar todas as peças.
P/1 – Como é que tratada a questão da certificação de qualidade?
R – Começou... Não sei precisar... A necessidade de certificar aas instituições. Há três anos, resolvemos certificar a empresa. Passamos por um processo de certificação de uma organização que chama ONA, Organização Nacional de Acreditação, no qual é possível ver todos os processos da empresa, a busca pela qualidade. Nós já tínhamos 70%, 80% dos processos já descritos e prontos. Em quatro, cinco meses, passamos pelo exame final e fomos acreditados em nível três, que é o de excelência, de primeira vez e foi muito bom. Agora, além de refazer a certificação do ONA, que é brasileira, em abril, maio, vamos começar a certificação canadense, uma certificação internacional. A melhor agência certificadora é canadense, então, vamos começar a certificar a Home Doctor internacionalmente também.
P/1 – Quais são os atributos que a qualificam? Por que uma empresa passa pela certificação e outra não?
R – Você ser certificado é colocar pessoas que tem gabarito para analisar os procedimentos de como funciona uma empresa, praticamente, de dentro da empresa, e eles vão dar uma nota. Por que quisemos isso? Porque gostamos de fazer direitinho, de ter a qualidade, de ter tudo escrito. Nos Estados Unidos e em alguns outros lugares, as empresas certificadas recebem mais do que uma empresa não certificada. Se a minha empresa for certificada, o convênio me pagaria dez reais. A que não é certificada recebe cinco, sete. Aqui no Brasil, não, fica todo mundo igual. Você gasta, tem um investimento na certificação, necessita, às vezes, de mais pessoas, mas não há o reconhecimento da outra parte. Mas um dia vai receber mais quem é certificado, a que não for certificada, vai ganhar menos.
P/1 – Então viria uma equipe do Canadá para avaliar toda a dinâmica de manhã até à noite?
R – Isso. Você precisa ter processos, ter líderes, times... É bem complexo. A certificação canadense tem em vários lugares do mundo, inclusive no Brasil, uma empresa que os representa. Então, você vai trabalhando com essa empresa, e esse pessoal canadense vai e volta, acompanhando todos os processos, todos os back ups. É preciso ter todos os back ups descritos. Um trabalho enorme, mas vale a pena porque, depois, você tem a empresa toda arrumada.
P/1 – E vocês ganharam o prêmio Top Hospitalar, não? Pausa aos
R – Sim, já ganhamos o Top Hospitalar por cinco anos. O Top Hospitalar acabou, mas, para nós, foi bom. Acabou sem que outro ganhasse. É uma revista de um grupo de mídia, Hipermídia, que é proprietária de uma revista chamada Fornecedores Hospitalares. Essa revista é antiga e faz uma premiação anual: melhor hospital, melhor fornecedor de oxigênio, melhor laboratório... Há cinco anos, eles incluíram melhor empresa de home care e nós ganhamos por cinco anos consecutivos. Agora eles separaram as empresas e os prêmios e vão fazer as empresas mais lembradas, as empresas mais admiradas, algo assim...
P/1 – E a questão da sustentabilidade da sua empresa?
R – Então, temos bastante preocupação com isso também. Desde que tínhamos o consultório, participamos de um monte de atividades. Há muito por fazer, mas nós somos uma empresa média, média para pequena. Temos um monte de trabalhos que fazemos com funcionários, com asilos, com orfanatos... Começamos, também, com meio ambiente, com saúde do funcionário. Por exemplo, não o atendimento físico, mas o lazer, o exercício durante o serviço, temos a quick massage. A Home Doctor tem uma __________________ [corte de áudio].
P/1 – Tem academia dentro?
R – Não tem, mas há uma área, um auditório, que é para o treinamento, e separamos alguns horários e alguns dias para fazer isso. Eu tenho vontade de fazer muito mais coisas, chegaremos lá
P/1 – Em que projetos o senhor está envolvido hoje?
R – Estamos envolvidos no projeto de Israel, para decidir, essa semana, se vamos montar a empresa em Israel. Nós já temos uma empresa de telemedicina. Temos um contrato e representamos uma empresa canadense, que é dona de um software e de equipamentos de telemedicina. O que seria isso? Estamos trazendo para o Brasil, passando por certificação da agência da vigilância sanitária, por exemplo, medidores de pressão, aparelhos para fazer exame de glicemia, glicosímetros, balança, oxímetro para ver quanto de oxigênio você tem, concentração de oxigênio do sangue, freqüência cardíaca. Esses aparelhos têm bluetooth e vai para uma centralzinha que a gente deixa na casa do paciente que tem um chip de celular e passa os dados para a nossa central. Então, __________________ [corte de áudio] na nossa central, a glicemia de um paciente no Brasil inteiro, aonde tiver celular. Qual é a ideia? Por exemplo, estamos começando a fazer um trabalho, por uma seguradora de obesos, de controle de obesidade. Então, a pessoa sobe na balança, acendeu uma luzinha azul e acabou o trabalho do paciente. Aquele dado vem, via celular, via Bluetooth, e começamos a controlar o peso dele e controlamos da pressão. Isso você pode dar, por exemplo, para um parente. Coloca esse aparelhinho e avisa ao médico: “Olha, ele não tá tomando o remédio”. Ou o aumento de peso, ou a pressão está muito alta. Você pode falar com o paciente, então, você liga a ele. Esses aparelhinhos que, agora, nós estamos trazendo, têm uma telinha na qual você pode mandar mensagens. Liga para a gente ou manda mensagem de incentivo. Ou: “Olha, você não tomou o remédio” ou você pode telefonar para o paciente. Tem botão de pânico também.
P/1 – Aí precisa de um treinamento na casa do paciente? Para saber como lidar com esses equipamentos.
R – Tem um treinamento. Isso vai ser feito pelo implantador. Os implantadores, nos Estados Unidos, são pessoas. Aqui queremos colocar enfermagem. Ou o auxiliar ou o técnico de enfermagem para ensinar as famílias.
P/1 – O senhor falava dessas inovações tecnológicas incríveis, tem mais alguma?
R – Há várias. O uso do iPhone vai ser normal nesse tipo de atendimento, porque você consegue, por exemplo, com um iPhone fazer um eletro e mandá-lo à distância. De inovação, há até palmilhas que a pessoa pode usar e se a pessoa, por exemplo, tiver um desmaio e cair, ela vai mudar de posição e é emitido um sinal de socorro. Na ausculta pulmonar, hoje, existem coletes que você coloca e fazem a ausculta do pulmão, que a pessoa vê a quilômetros. A tecnologia vai facilitar muito. Isso também foi criado para atendimento de fazendeiros nos Estados Unidos, por exemplo, a pessoa está a 300 quilômetros, 400 quilômetros e pode ser atendida por um médico em Nova Iorque, por exemplo. A guerra é um grande desenvolvedor de tecnologia para a Medicina. Vimos, por exemplo, robozinhos que consegue levantar até 200 quilos para fazer socorro de feridos. Ao invés da pessoa ir até lá, vai um robozinho, com todo um sistema para que não caia, pega o ferido e o traz para ser atendido do lugar onde está tendo o combate. Em atendimento à distância, já existe o robô que faz cirurgia, já tem aqui no Brasil, a cirurgia robótica. Você pode fazer da sua casa, dos Estados Unidos e o robozinho vai fazendo a cirurgia.
P/1 – Essas tecnologias dependem da indústria eletroeletrônica?
R – Sem dúvida.
P/1 – E quanto à indústria do gás?
R – A indústria do gás é primordial. Sem o oxigênio, sem os gases anestésicos, não há cirurgias e os pacientes que necessitam de oxigênio, não viverão. A indústria do gás, além de fornecer o gás para o hospital, os gases medicinais, as indústrias de gás fornecem para a Petrobras, gás para...
P/1 – Mas no seu caso?
R – No meu caso, estão incorporando outros serviços junto ao fornecimento de gás. Para a Home Doctor fornece o gás e os equipamentos que eu vou utilizar.
P/1 – É o caso da White Martins?
R – Sim, ela me dá o gás. O ventilador que o paciente vai precisar, o oxímetro que o paciente usa para controlar e por aí vai. Então, incorporou ao fornecimento de gás as tecnologias.
P/1 – Como foi a trajetória dessa relação comercial?
R – Começamos em 1997, 1998 esse relacionamento com a divisão de home care da White Martins. Encontramo-nos várias vezes, principalmente, na Home Doctor, para montar uma parceria visando os pacientes de ventilação mecânica. A White Martins tem um grande fornecimento de gás para as pessoas físicas, via prefeitura, por exemplo, de São Paulo. A Os médicos pneumologistas da prefeitura de São Paulo detectam que os pacientes precisam de oxigênoterapia, que é o oxigênio em casa. Às vezes, eles ficam com a sonda o tempo inteiro e o fornecimento é feito pela White Martins, são empresas terceirizadas. Ela tem um relacionamento muito grande com empresas de home care, fornecendo também os equipamentos e nós começamos a parceria em 1998.
P/1 – Quais foram as principais mudanças, o divisor de águas?
R – Então o tamanho ajuda muito. É uma empresa tradicional. É diferente de ter o fornecimento de empresas pequeninhas, ou de pessoas que não tem uma estrutura de fornecimento. Nós conversando com o pessoal de lá, cada compra de equipamento é um monte de equipamentos. Ter _____________________ [corte de áudio] você tem um respirador na casa que se ele tiver um defeito em horas você tem um outro igual pra te servir. Uma empresa pequena não te dá essa quantidade de back ups, não te dá essa segurança.
P/1 – Back ups seriam?
R – Back ups seriam reservas, ter os equipamentos reservas à disposição: “Olha, esse daqui não dá, esse aqui não tá muito bom.” “Te mando outro ai e pego esse daqui”. Um laboratório para fazer essa calibragem, para você fazer a manutenção. Se esses aparelhos, de repente, desligarem, o paciente morre.
P/1 – E o laboratório também precisa de gás para calibração? Até onde vai o gás? Para analgesia respiratória...
R – Analgesia, laboratório usa gás...
P/1 – Os seus aparelhos para calibração são feitos de forma eletrônica?
R – Os ventiladores que usamos, não. São feitos no laboratório da White Martins. Eles têm engenheiros de manutenção para esses ventiladores. São respiradores que jogam, entre aspas, o oxigênio, porque o paciente não respira sozinho.
P/1 – Mas não são os cilindros?
R – O gás está dentro do cilindro. Só que o apenas o gás e o tubo não fazem com que o oxigênio vá para dentro do pulmão, porque não há pressão para isso. Usa-se um respirador, um aparelho, aquele que você vê na televisão, que pega o oxigênio e joga para dentro do pulmão do paciente e joga fora o gás carbônico.
P/1 – E fica ao pé da cama dele?
R – Fica lá direto.
P/1 – O cilindro, o tubo...
R – O cilindro e o tubo, ai vai para o aparelho, o ventilador, de onde sai outro tubo que vai na traqueostomia, geralmente, do paciente. Como são pacientes que irão utilizar o respirador por muito tempo, não adianta deixá-lo com sonda, senão ele não come e causa muitos problemas na traquéia. Então, faz-se uma traqueostomia, um furinho na traquéia, aquilo fica na traquéia e faz os movimentos da respiração do paciente. Às vezes, o paciente tem um problema pulmonar e precisa de uma pressão maior ou uma pressão menor, você regula no aparelho, entendeu? O respirador possui filtros e bateria, que é o que nos interessa, porque se acaba a luz, a bateria continua fazendo o aparelho funcionar. Nós o adaptamos, colocamos no-breaks. Se acaba a bateria do respirador, o no-break continua a fazê-lo funcionar. Ai nós temos os back ups. Eu sei que se acabou a luz às duas, tenho x horas para colocar um outro aparelho com bateria nova e um novo no-break. Para alguns pacientes, nós conseguimos criar um cadastro com a Eletropaulo [Eletropaulo Mettropolitana Eletricidade de São Paulo S.A., empresa que distribui a energia elétrica para grande parte da região metropolitana de São Paulo] mas para a manutenção preventiva. Vamos supor que em um sábado será feita uma manutenção preventiva de uma rua, que vai ficar sem luz. A Eletropaulo tem o cadastro do paciente, que mandamos a eles, que necessitam da luz por causa do respirador. Se for possível desviar de outra rua a energia, eles fazem. Mas na emergência, não. Na emergência, nós precisamos ter todo o ________________ (corte de áudio) contingência. Então, tenho respiradores, no-breaks e gerador.
P/1 – Há algum caso em que a demanda de um paciente, ou de algum caso, tenha feito a White Martins desenvolver um produto?
R – Os produtos já existem, mas a maneira de atender é sempre aperfeiçoada, devido à segurança e a qualidade. Se você não tiver isso, você perde aquele paciente. Não precisa ser um back up. Acontece um acidente na esquina, batida em um poste, acabou a luz. E aí? É preciso ter uma logística também para fazer o atendimento desse paciente, tanto da nossa parte, quanto da White Martins.
P/1 – Então essa parceria vai continuar?
R – Vai continuar, lógico. Agora já estamos em Brasília com a White Martins de novo.
P/1 – Bom, nós vamos fazer uma avaliação final agora. O senhor trabalha muito, imagino. Como é a sua vida em família, lazer, passeios?
R – Ah, ótima. Agora já não trabalho tanto assim, mas trabalho bastante. Nós, os três sócios, temos viajado muito. Mas é gostoso também, porque ficar sempre naquela rotina. Agora um sócio está vendo Campinas, eu estou vendo Brasília. É gostoso abrir-se, você vai conhecendo também como funcionam a Medicina, os fornecedores, os médicos de outros os lugares...
P/1 – Quantos filhos?
R – Três filhos. Tenho uma de 28 anos, a Marcela, que é advogada, a Bruna, tem 26, é cirurgiã vascular e o Rafael, de 23 anos, que está no quinto ano de Medicina. Minha esposa fez Nutrição, mas ela sempre gostou de escrever. Hoje, ela está com um projeto de escrever um livro. Ela faz curso de redação, participa bastante. É um livro sobre umas sessenta cartas que o meu sogro, o pai dela, escreveu na Segunda Guerra Mundial para a minha sogra. Na época, eles eram namorados e a partir dessas cartas, que já estavam quase difíceis de serem lidas, ela está fazendo uma ficção. Ela trabalhou 16 anos no HC [Hospital das Clínicas], como nutricionista do Instituto da Criança. Hoje, ela é voluntária lá, faz um monte de trabalho voluntário também.
P/1 – O home care não mexe com nutrição?
R – Mexe com nutrição, mas não dá para trabalhar junto com parente (risos). Não dá certo isso...
P/1 – O senhor ainda clinica?
R – Não. Só na Home Doctor.
P/1 – E durante a sua trajetória, o senhor lembra de uma situação super difícil que tenha superado?
R – Puxa, a pior coisa foi a perda do meu pai. Não tanto na trajetória profissional, mas na vida. Você não sabe o que fazer no dia seguinte. Mas havia a minha mãe, que é muito forte, muito animada, italianona. Foram os três filhos e ela.
P/1 – Fazer Medicina não teria sido...
R – Não, não, foi antes, bem antes.
P/1 – E sobre a White Martins fazer cem anos, o que o senhor acha?
R – É uma coisa interessante. Quando a White Martins fez, acho, 90, em 2001, é, ela nos levou para ver a Fórmula 1. Foi um negócio marcante. Mas o que eu estava falando, de ter relacionamentos com empresas. Há empresas que são fornecedoras, e existem empresas que você tem parceria, são empresas parceiras. E existem empresas com as quais você começa a ter amizade pelas pessoas. É outro tipo de relacionamento. Você: “Ah, mas o oxigênio da White Martins tá mais caro”. Mas eles fornecem tantas outras coisas, que deixa de ser só uma discussão de preços, entendeu? Não é uma coisa tão capitalista o negócio, é um trabalho conjunto. Às vezes: “Ó, eu te forneço oxigênio por metade do preço.” E precisamos muito disso e não tem jeito de ser diferente, porque quando você necessita, sabe que pode contar. Agora, por exemplo, estamos indo para Brasília. A primeira coisa que fizemos foi ir ao Rio e conversar com o Nei, da White: “Ô Nei, nós vamos pra Brasília”.
P/1 – O que ele faz exatamente?
R – O Nei é da divisão de home care. Agora, ele estava cuidando... Porque o oxigênio virou medicamento e vai seguir os mesmos critérios de controle de qualidade de um medicamento. Cada cilindro vai ter um código de barras, vai ter rastreabilidade. De tantos cilindros precisam mandar tantos para exame e o oxigênio também. O controle sobre o oxigênio medicinal tornou-se rigoroso. [corte de áudio] esse ano, o Ministério da Saúde, a Vigilância Sanitária estão fazendo. Há um ano e pouco, dois anos estão fazendo isso e quem ajudou muito nesse trabalho foi o Nei, da White Martins, porque ele tem todos os critérios. A partir desse ano, o oxigênio é um medicamento.
P/1 – O que era antes?
R – Um gás, era fornecimento de gás. O controle não existia. Por isso que era importante: “Pôxa, eu acredito na White Martins”. A White Martins eu sei que é de qualidade, mas, no resto, ninguém tinha controle de nada. Agora é controlado como um medicamento, então, você sabe o lote, o dia em que foi produzido, sabe onde foi entregue, por um código de barra, como é o caso dos medicamentos. Somos obrigados a ter na Home Doctor, na nossa farmácia. Sabemos onde está um comprimido porque é só olhar o código de barra. Se, por exemplo, uma indústria farmacêutica comunica que o lote tal, do medicamento tal, tem de ser recolhido, eu sei onde está, se comprei aquele lote ou não, pelo código de barras.
P/1 – E o cilindro vai ter um código de barras?
R – Vai ter código de barras. Não tinha.
P/1 – E rastreabilidade significa?
R – Você acompanhar, rastrear onde está aquele produto e todas as suas informações. Então, quando você pega, por exemplo, uma caixa de medicamento, tem o código de barra que diz a validade, quando foi feito, foi produzido no lote tal, o que a indústria farmacêutica tem de informações daquele produto. Quando você manda para a casa do paciente, mantém essa informação, porque quando eu mando um produto, associo, por exemplo, o Seu José com aquele código de barra. Está no meu arquivo. Se houver algum problema com aquele medicamento, se foi feito errado ou alguma outra coisa, eu vou até a casa do Seu José e retiro aquilo. Assim vai ser com o oxigênio também. Casos eles façam um exame em um cilindro e detectem um problema, eles sabem onde estão todos os cilindros que foram produzidos naquele lote. É um ganho de qualidade também.
P/1 – O senhor acha que o home care sempre vai estar associado à questão da doença?
R – Então, o home care em Israel, por exemplo, não é associado à doença. Lá eles passaram pelo o que estamos passando hoje, 20 anos depois. Nós vamos precisar nos preocupar mais com o idoso, porque as famílias estão cada vez menores. E não tem ninguém que cuide do idoso. Antigamente, era normal o idoso morar com o filho. Hoje, cada vez menos vemos isso acontecer. A preocupação com o idoso terá de existir. Muitas vezes, o idoso não estará doente, mas está sujeito a cair na casa, o que pode causar uma doença, uma fratura. Se você puder mandar algo que previna isso, que é o que Israel faz, por exemplo, seria muito bom. Não é só atender o doente. Por exemplo, na feira em que fomos, nos Estados Unidos, a Medetrade [?], havia um monte de empresas que fazem a reforma da casa para idoso. Coloca-se rampas, banheiro com as barras de segurança, não tem lugar para ele tropeçar, cadeiras para ele tomar banho sentado. São preocupações para a prevenção de acidentes. Tapetinho não pode ter. Pode tropeçar no tapete, principalmente paciente com Parkinson, por exemplo, que anda com aquele passinho, em qualquer lugar ele tropeça, tem uma fratura, ele é internado e complica o quadro. Então vai estar sempre relacionado à doença, mas preventivamente.
P/1 – Nós vamos finalizar por aqui, eu queria perguntar o que o senhor achou dessa proposta.
R – Ah, muito bom. Eu não gosto de falar muito, mas falo muito. Muito legal e a proposta do museu também é legal. É o que fica... Os depoimentos...
P/1 – O que o senhor achou de ter participado da entrevista?
R – Muito legal, agradeço o convite, foi muito bom.
P/1 – Nós agradecemos também. Foi um prazer.
R – Muito obrigado.
[Fim da Entrevista]
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