P/1 – Bom, Rogério, boa tarde. R – Boa tarde. P/1 – Pra começar eu queria pedir que você dissesse o seu nome completo, o local e a data de nascimento. R – Meu nome é Paulo Rogério da Silva, sou de Miracema, Estado do Rio de Janeiro, interior, noroeste fluminense. Tenho 40 anos, sou de 1968 do dia 27 de setembro, dia de São Cosme Damião, especificamente. Um dia que eu gosto muito. P/1 – E você nasceu, você viveu com seus pais, com seus avós? Com quem você viveu na infância? R – Eu vivi com a minha avó e com a minha mãe. Não fui criado com meu pai que eu sou filho de vários irmãos. Meu pai teve uma função assim meio passeando na vida. Então tenho vários irmãos por parte de pai, entendeu? Então não fui criado com ele, mas eu vivo bem com ele, ele mora perto, a gente se dá bem. P/1 – Você sempre viveu no Rio de Janeiro? R – No interior. P/1 – Na sua infância. Mi... R – Miracema. P/1 – Miracema. Como é que era a sua casa de infância? R – Minha casa era uma casa bem simples, era de estuque. Quando eu nasci, eu nasci em casa de estuque com sapê e sempre moramos juntos, a minha família toda, parte de mãe, tias, irmãos, primos, a minha avó. Por exemplo, a minha casa até hoje, com a minha avó falo minha casa que é a casa dela. É uma casa muito frequentada, as pessoas sempre frequentam a casa da minha avó. Por ela ser mãe de santo tem sempre gente frequentando lá a casa dela, então na verdade são todos parentes. Sempre teve muita gente na nossa casa. Até hoje é assim, entendeu? Na nossa infância também era assim. Vivemos todo mundo juntos, até pessoas que foram criadas lá na nossa rua frequentavam e ainda frequentam minha casa até hoje, a casa da minha avó. P/1 – E o que você se lembra dessa infância, dessas visitas, dessa festa? R – Eu lembro que quando eu era criança eu gostava muito de ir pra ribeirão tomar banho,...
Continuar leituraP/1 – Bom, Rogério, boa tarde. R – Boa tarde. P/1 – Pra começar eu queria pedir que você dissesse o seu nome completo, o local e a data de nascimento. R – Meu nome é Paulo Rogério da Silva, sou de Miracema, Estado do Rio de Janeiro, interior, noroeste fluminense. Tenho 40 anos, sou de 1968 do dia 27 de setembro, dia de São Cosme Damião, especificamente. Um dia que eu gosto muito. P/1 – E você nasceu, você viveu com seus pais, com seus avós? Com quem você viveu na infância? R – Eu vivi com a minha avó e com a minha mãe. Não fui criado com meu pai que eu sou filho de vários irmãos. Meu pai teve uma função assim meio passeando na vida. Então tenho vários irmãos por parte de pai, entendeu? Então não fui criado com ele, mas eu vivo bem com ele, ele mora perto, a gente se dá bem. P/1 – Você sempre viveu no Rio de Janeiro? R – No interior. P/1 – Na sua infância. Mi... R – Miracema. P/1 – Miracema. Como é que era a sua casa de infância? R – Minha casa era uma casa bem simples, era de estuque. Quando eu nasci, eu nasci em casa de estuque com sapê e sempre moramos juntos, a minha família toda, parte de mãe, tias, irmãos, primos, a minha avó. Por exemplo, a minha casa até hoje, com a minha avó falo minha casa que é a casa dela. É uma casa muito frequentada, as pessoas sempre frequentam a casa da minha avó. Por ela ser mãe de santo tem sempre gente frequentando lá a casa dela, então na verdade são todos parentes. Sempre teve muita gente na nossa casa. Até hoje é assim, entendeu? Na nossa infância também era assim. Vivemos todo mundo juntos, até pessoas que foram criadas lá na nossa rua frequentavam e ainda frequentam minha casa até hoje, a casa da minha avó. P/1 – E o que você se lembra dessa infância, dessas visitas, dessa festa? R – Eu lembro que quando eu era criança eu gostava muito de ir pra ribeirão tomar banho, pegar frutas, mangas, chupar cana no quintal dos outros. Eu gostei muito disso. Gostava muito dessa coisa de, ao invés de ir pra escola, estudei pouco na minha infância, eu ia muito pra ribeirão, pra roça chupar cana nos canaviais, chupar manga, entendeu? Ficar brincando e passar o tempo lá. Alimentava-se das coisas da roça na época. Vivi muito isso. P/1 – E a sua avó era mãe de... R – Ela é mãe de santo. P/1 – Mãe de santo. O que ela te ensinou, a cultura dela, como é que foi isso? R – Ensinou-me muita coisa. Lá em casa assim, eu hoje sou discípulo da minha avó. Eu tenho um tio que aprendeu tudo com ela, então com ele e ela eu aprendi muita coisa e to dando segmento às coisas de casa. Sou o líder da família, sou o neto mais velho, filho mais velho da minha mãe que é falecida, mas então a tradição lá de casa praticamente tá passando toda pras minhas mãos. Mesmo que eu não quisesse assumir isso, sem querer acabei tomando essa iniciativa de pegar essa responsabilidade. Mas é isso. Fiquei mesmo como líder da família. P/1 – E na infância como é que era o contato com a cultura, com as festas, como que era isso? R – Olha, na minha infância eu não prestava muita atenção nas festas da nossa cultura, não. Gostava mais de brincar, não participar. Só chegava mesmo nas festas na hora de comer. Quando rolava feijoada, que a gente também comemora o 13 de Maio, então chegava na hora de comer, comia, levava os amigos, comia, comia, comia e saia pra brincar de novo. Depois de certo tempo que eu via que a coisa era legal, que eu não dava importância praquele passado e que eu passei a vivenciar isso. Na minha infância as festas eram mais pra comer, não gostava de ficar ali ajudando no trabalho, ficar na organização, não. Ficava mesmo de fora. P/1 – E você disse que vocês conviviam num grupo muito grande na comunidade. R – Nossa família é grande. P/1 – Como era esse convívio? Eram pessoas muito diferentes? Você sempre se deu bem? R – Era uma família assim, meio diversificada. Nossa família tem negros, tem brancos, a gente se cruza. Interior, branco casa com negro, negro casa com branco. Na minha família minha avó é clara, que ela é cigana, entendeu? Minha mãe também era clara. Então assim, elas se casaram com algumas pessoas claras, então veio aquela mistura de raça, entendeu? Então tem todo tipo de pessoas e gente de raças, formação lá em casa até hoje é assim. Mas não tinha muita diferença, não. Todo mundo se... Tinha aquela briga de garoto como sempre. Um mais clarinho a gente ficava falando: “Pô, você tem isso porque você é branco”. Mas na verdade nós éramos todos iguais. P/1 – E você disse que você vivia indo pra roça. Como é que era isso? A roça era distante? Como era essa ida pra roça? R – Uns quatro, cinco quilômetros distante da nossa casa. A gente antigamente não tinha facilidade de cozinhar com fogão de gás, essas coisas, não tinha água encanada, então a gente tinha que ir pra roça buscar lenha ou até mesmo buscar água nas minas, que a gente não tinha água encanada. Aí meu tio, que era o mais velho, entendeu, o único filho homem da minha avó, ele determinava: “Amanhã é Fulano e Cicrano que vão buscar água. Cicrano que vai buscar lenha”. Então quando eu era escalado pra buscar lenha, que era o que eu mais gostava, onde passava o caminho de tomar banho na cachoeira, eu logo era o primeiro a falar que ia, entendeu? Mas só ia, só. Não voltava com lenha. Ia mesmo pra ficar na cachoeira tomando banho. Claro que chegava em casa apanhava, ficava de castigo, mas valia a pena apanhar, mas saía cedo pra buscar lenha e ficava na lá na roça tomando banho, chupando manga, chupando cana. Quando ia entardecendo, chegando à noite, geralmente chegava em casa bem escondido, às vezes nem tomava banho com medo de ser descoberto, mas era legal. Era bom. P/1 – E você tem muitos irmãos também. R – Tenho bastante. P/1 – E os irmãos? Vocês conviviam bem? R – Convivemos. Apesar de distantes, tem uns que estão nos grandes centros hoje, estão no Rio, São Paulo, são os irmãos por parte de pai. Por parte de mão eu só tenho um. Eu tinha dois, uma irmã faleceu nova e meu irmão por parte de pai a gente quase não se vê, mas era só um. A minha família por parte de mãe só tenho um irmão. Mas por parte de pai eu tenho vários irmãos, a gente se dá bem, os que estão pertos a gente tá sempre se falando, a gente visita um ao outro, tá sempre na casa do outro pra saber como é que tá. Aquela coisa de comunidade assim, do interior, são bem comunicativo e se preocupam um com o outro, entendeu? Então a gente tá sempre se visitando pra saber como é que tá. P/1 – Você tinha falado que durante a infância você ainda não dava tanto valor praqueles valores da sua cultura... R – Que a gente tem hoje. P/1 – E quando você passou a descobrir esses valores, a entender o valor daquilo na sua vida? R – Eu assim, até os dez, 12 anos de idade... Quando eu nasci já tinha as culturas que tem hoje na minha família, eu não me dava conta que era tão valorizado. Criança sabe como é que é, quer brincar, quer só curtir. De 12 anos pra cá que eu passei a frequentar terreiro de umbanda lá em casa, fui batizado como Ogan, comecei a assistir as rodas com a minha avó, participar de algumas viagens, alguns passeios, conhecer o tambor. Que aí eu fui me interessando mais e ficando mais dentro da coisa. Então assim, com 20 anos de idade eu já sabia bastante coisa. Não vou dizer que era um profissional, mas eu era bastante experiente na área do que a gente tem hoje lá. E de lá pra cá praticamente igual eu falei antes, eu assumi a liderança da família sem que eu quisesse, tomei isso como identidade. Foi uma responsabilidade muito grande, como é, entendeu? Às vezes eu acho que é um pouco pesada essa responsabilidade que a minha avó me passou sem querer, mas eu acho que por outro lado é gratificante. Só o fato de eu estar aqui hoje em Brasília, pô, eu sempre quis conhecer Brasília, não esperava que fosse dessa forma, eu vi que é um meio bem caro de chegar até aqui, demora. E é gratificante saber que eu carrego essa cultura no sangue, que ela favorece algumas coisas. Tem hora que pesa um pouco, a responsabilidade de família é muito grande. Tem hora que eu fico triste, choro, brigo em casa, uma briga verbal, uma briga boa, que eu sou muito cobrado por ser a liderança da família, mas é bom. É bom assumir essa posição. A gente tem respeito dentro da família, dentro da comunidade. A visão que as pessoas têm da gente hoje, a visão que eu tenho lá das pessoas que têm de mim lá é com respeito, entendeu, é com liderança mesmo. Sou uma referência na minha comunidade, na cidade onde eu moro, dentro do que eu faço tem um grande respeito. Sei respeitar as pessoas, aprendi muita coisa com essa questão de liderança, e vi que são coisas que a gente aprende com a vida, não é na escola. Tem muitas pessoas que aprendem comigo, meus filhos, por exemplo. Então é bom estar vivendo esse lado. P/1 – Você falou que aos 20 anos você começou a já desenvolver um pouco, mas você chegou a sair da sua cidade, a ir pra fora? R – Saí. Saí várias vezes pra tentar viver nos grandes centros, pra sobreviver. Lá até hoje é ruim de emprego, a sobrevivência lá é muito carente mesmo de coisas que a gente precisa. Então às vezes eu tive que sair, ir pro Rio, fui pra Minas, cheguei a pensar em vir pra São Paulo quando eu tava no Rio. A gente morou em Campos também, tive que sair de lá pra procurar serviço, entendeu? Por eu não ter estudado, qualificado na minha infância, então chegou determinado momento da minha vida que eu precisava ser qualificado e não era. Então eu tive que procurar emprego em outros lugares que Miracema me oferecia, entendeu? Lá ainda hoje tem algumas oportunidades de pessoas que... Até eu reconheço que eu não tenho certa qualificação pra ocupar algum tipo de cargo que lá eu posso ocupar, mas por eu não ter sido qualificado suficiente. Por isso que eu tive que sair de casa algumas vezes, afastar-me, deixar minha mãe, filhos, que eu já tive filhos cedo, fui pai cedo. Tive que sair, sim, de lá pra correr atrás. P/1 – E como foi essa saída? Foi chegar em lugares muito diferentes, eram muitas diferenças? Como era? R – Complicado. Complicado porque onde a gente mora a gente anda a pé, vai pra tudo quanto é lugar a pé. Acorda cedo, toma café, ou às vezes acorda a hora que a gente quer, a comida tá... Por exemplo, se a gente sai e chega, quando a gente chegava a comida da gente já tava arrumada. Não tinha forno de fogão, aí tinha o fogão de lenha, entendeu? Então eu arrumava os pratos de comida da marmitazinha e ficava lá em cima do fogão, ou até mesmo dentro de uma panela com água quente em cima ali. Aqui na cidade grande a gente tem que saber sobreviver, tem que correr atrás e saber se virar. Então é bem diferente você chegar numa cidade que você tem que procurar espaço pra ficar, deslocar-se de onde você tá pro serviço é longe, você não pode andar a pé. Às vezes a gente não tem o dinheiro pra pagar uma passagem de ônibus. Hoje não é caro, mas tem hora que a gente não tem dez centavos pra comprar um pão, entendeu? Então a diferença que eu senti foi essa, em você estar numa cidade que convive com todo mundo que você conhece e você viver num lugar que você não conhece ninguém. Faz um amigo ou dois, mas nem sempre... Tem amigos que você não pode confiar. Então era difícil. Foi difícil. P/1 – E depois dessas mudanças você acabou voltando de fato... R – Acabei voltando porque eu não aguentei ficar longe da minha família. Tinha momentos que eu tinha muita coisa pra comer e não sabia o que meus parentes tinham em casa, ou às vezes não tinha o que eu tinha na minha infância, quando eu vivia na minha cidade. Então eu falei: “Cansei. Vou ter que voltar”. Não consegui nada. Claro. Só a lição de vida, aprendizagem, um pouco de experiência da cidade grande, mas voltei. P/1 – E você disse que você teve filho, quando você teve filho, como foi? R – Olha, a primeira vez com a... O meu primeiro filho que tem. Fui pai, foi meio complicado porque foi na adolescência, a gente não tinha consciência do que era ser pai, a responsabilidade que é de constituir uma família. Então foi mais na questão de namoro, farra, baile funk, pagode, essas coisas que veem com facilidade. A gente não dava muita importância pra certas coisas e queria só brincar, farrear. Nessas idas e vindas aí de bailes eu conheci uma garota, começamos a namorar, interessei muito por ela, sabe como é que é, as coisas eram fácil. Hoje não tem essa facilidade de mostrar como é que são as coisas, a prevenção, acabei engravidando uma garota e sendo pai inexperiente. Eu tinha o quê? 18 anos, ela tinha 16 e tive que deixar ela grávida e vir pra Niterói de novo pra trabalhar, pra conseguir alguma coisa. Eu fiquei seis meses aqui, quando eu voltei meu filho já tinha... É uma filha que é minha filha mais velha, já tinha nascido, entendeu? Foi um pouco meio sem saber. A partir do segundo, o terceiro filho é que eu fui ter ciência do que é ter uma responsabilidade de pai. Hoje to aqui já há quatro dias, to sentindo muita falta do meu filho de quatro anos que sou eu que o coloco na creche, acordo ele cedo. Então estou sentindo falta porque aprendi realmente o que é ser pai, ser responsável por uma família, mas não tinha muita experiência. Fui pai cedo. P/1 – Mas hoje você tem, você fala bonito mesmo, você tem uma relação boa com eles, com... R – Com a família. Tenho. Muito boa a relação. Meus filhos me adoram, gosto deles, os amigos deles frequentam minha casa. Sou pai separado, tenho alguns filhos do meu primeiro casamento, mas a gente vive bem. Eu curto meus filhos. Tem hora que, de vez em quando eu saio por motivo de trabalho, que eu tenho que vir pra cá, pro Rio, Niterói, São Paulo, eu tenho um filho de 18 anos que eu o estou preparando para me substituir, entendeu? Então aprender um pouco das coisas que eu faço. Eu trago ele, algumas pessoas acham até que nós somos irmãos. A gente se veste meio parecido, não é que eu quero tirar onda nem que eu quero ser quem eu não sou. É a forma que eu vivo, sempre vivi, vesti, estar do jeito que eu sou, então meu filho também é igual, as pessoas acham que a gente é irmão. Eu apresento: “Esse aqui é meu filho.” “É seu filho? Pensei que era seu irmão”. Entendeu? Muitos falam que a idade que eu tenho não aparenta, por isso que as pessoas acham que nós somos irmãos. P/1 – Voltando, você então viaja, vai pra alguns lugares e volta pra sua cidade pra viver lá de fato. E aí é quando essa responsabilidade é projetada sobre você de alguma forma. E como se dá essa volta, você passa a ter todas essas responsabilidades? Como é essa transição? R – Quando eu saio, geralmente na semana que eu estou pra sair pra fazer algum tipo de trabalho, geralmente todo final de semana eu to viajando, to na estrada. Por ser coordenador eu tenho sempre que ir pra alguma cidade, quando não sou designado eu vou por conta própria, que eu quero conhecer alguma comunidade nova que eu descubro que está aparecendo. Então eu sempre preparo o meu grupo, a gente tem uma associação. Então eu chamo alguns membros da associação, geralmente são vários da família, faço uma reunião, explico porque acontece isso e isso, que eu vou me ausentar por alguns dias, ou até por um dia ou dois, você fica responsável por isso e por aquilo. Quando eu voltar eu trago o relatório de tudo que eu fiz, vivenciei, participei e vocês me apresentam o que aconteceu aqui. Eu vim pra cá na terça-feira, saí de Miracema pro Rio na terça, na quinta-feira em Miracema teria que ter um ensaio, já fiquei sabendo que não teve porque choveu aqui e lá. Quando eu volto já falando tudo, a gente sempre faz uma reunião na terça-feira, como eu chego segunda, na terça a gente se reúne pra fazer uma avaliação do que aconteceu aqui, do que aconteceu na minha ausência, pra não ficar aquele vazio de eu não saber o que aconteceu quando eu não estava em casa. Tudo gira em torno de mim, entendeu? Então assim, se eu não ficar sabendo o que aconteceu, eu não sei o que eu vou fazer. De repente aconteceram coisas que precisavam da minha presença quando eu não estava lá e eles também não souberam resolver. Muitas pessoas demoram pra aprender, ou às vezes não querem aprender. Então como eu já tenho essa facilidade de trabalhar essa questão com liderança comunitária, já sei o que eu vou fazer, mas eu tenho que saber o que aconteceu quando a gente estava ausente. P/1 – E hoje você é coordenador, mas teve um processo pra você chegar a isso. R – Sim. Foi uma, digamos assim, não foi sofrimento, mas foi um pouco difícil. Pra eu chegar a coordenação hoje no Pontão, eu tive que passar por um processo de dez anos na minha comunidade de líder. Eu sou líder já há 12 anos, mas durante dez anos eu tive que ficar procurando muita coisa, descobrir muita coisa por minha conta. E por conta de eu ter descoberto muita coisa, ter facilitado muito as coisas pra muitas pessoas, porque eu sou muito assim, uma pessoa espontânea, entendeu? Facilitou pra que eu chegasse à coordenação do Pontão. E eu to na coordenação por indicação, não foi opção minha, indicaram-me também. Foram todas as comunidades que me sugeriram como um representante que os representasse a altura. Foi passo a passo. P/1 – Eu queria que você contasse um pouco pra quem não conhece como que é o jongo e depois você passou a ter mais contatos, a ir às festas, a participar da cultura. R – O jongo? Bom, é como eu disse, eu não gostava das festas, mas tudo que acontecia lá em casa eu tava presente. Depois que eu assumi a liderança da comunidade é que eu passei a fazer ensaios. Nós não ensaiávamos, a gente só fazia as rodas. Então era no 13 de Maio, no dia de São João, Santo Antônio, São Pedro. Nesses dias de festa é que tinha as rodas de jongo. Hoje não. Hoje tem nas escolas, porque eu levei pra todas as escolas que tem em Miracema, onde a gente circula, mas não tinha isso. Eu sempre sabia o que era isso, apesar de eu não gostar, porque eu tinha vergonha dessa cultura. Confesso que eu tinha vergonha. Nossas roupas são bastante coloridas, aquela coisa bem fantasiada, tem gente que... Hoje não. As pessoas olham e vêm com outra visão, mas tinha gente que via nossa roupa de chita e falava: “Um monte de preto bobo vestido de palhaço, de folia, tal”. Hoje tem gente que faz questão de usar uma camisa minha. Tem mulheres que gostam de usar uma saia que a gente tem. E fui aprendendo com a minha vó, fui vendo como é que era, fui passando a gostar e frequentar e divulgar. Mas hoje a gente ensaia todas as quintas. Toda quinta-feira tem ensaio. Todo sábado tem três escolas, ao mesmo tempo, que a gente tá dando oficinas, eu fico coordenando todas elas. Eu tenho algumas pessoas que trabalham comigo na coordenação lá na nossa comunidade, então a gente começa às nove, vai até o meio dia. A gente se encontra na cede às sete, às oito, toma café na casa da minha avó todo mundo junto e sai sempre dois líderes pra cada escola. Eu geralmente vou a uma num sábado diferente e vou às outras pra ver como é que tá. É bem divulgado, entendeu? Então assim, a vida do jongo hoje em Miracema, a cultura mais forte que tem lá é o Caxambu. Eu posso dizer, apesar de lá ter 14 folias de reis, só tem um grupo de jongo, que é o nosso, que assim, não existem dois grupos de jongo na mesma cidade. É uma coisa de tradição, de raiz. Onde existem duas comunidades jongueiras, tem confusão. Tem demanda. Não sei se você conheceu esse lado do jongo, não sei qual o grau de contato que você está tendo com o jongo hoje, mas até onde eu sei, que eu aprendi com a minha vó, não existem duas comunidades jongueiras na mesma cidade, se existir tem confronto. No Rio tem duas, tem o Jongo da Serrinha ou a comunidade da Serrinha, Comunidade Jongueira da Serrinha, que é dentro de Madureira. Lá eles têm certa divergência um com o outro. Mas em Miracema por ter um grupo só de jongo, a gente também é referência. É o grupo que tem mais componentes, que tem mais respeito dentro da cultura, é um dos grupos mais procurados e que divulga mais essa cultura. Então o jongo lá hoje pra gente é um mártir mesmo, entendeu? É uma coisa de divulgação. P/1 – Você comentou do nome Caxambu. R – Caxambu. P/1 – Qual é a diferença do Caxambu... R – O jongo é a melodia. O Caxambu é a cultura, entendeu? Então assim, na nossa região a gente fala que o Caxambu é o que a gente faz, é a roda de Caxambu que é o nome do tambor. O tambor Tambu, Caxambu, Candongueiro, certo, e o Candonguinho. Então são os nomes que a gente dá. O tambor se chama Caxambu, Candongueiro e Candonguinho. Então o Caxambu é a cultura, o jongo é a dança que a gente faz e o canto. Então alguns lugares só falam jongo, que é igual eu falei: uma língua nacionalizada. Em todos os lugares jongo é o Caxambu. Só que em São Paulo é jongo, no Rio é jongo, entendeu? Em Espírito Santo é jongo, em Minas e no Estado do Rio, no interior, já fala Caxambu, mas é a mesma coisa, porém é que varia de lugares. Cada grupo se apresenta de uma forma, o figurino, uns usam roupa muito estampada, outros usam só o branco, outros já usam renda. Outros representam mais a questão da escravidão, aquela roupa que os escravos usavam, calça, meia pegando na canela, sem camisa, as mulheres de turbante, roupa de renda toda branca, mas é uma coisa só. Em cada região fala uma coisa. P/1 – Desde que você vira líder, você disse que foi um processo de dez anos, começou a existir uma disseminação da cultura do Caxambu, levar pras escolas. Foi um processo gradual. R – Nós somos bastante discriminados. Ainda somos. Apesar de eu ser uma referência na escola onde eu estudo que eu pratico o jongo, divulgo o jongo, nas escolas que a gente divulga o jongo, na cidade que a gente mora é bastante divulgado, mas em muitos lugares lá dentro mesmo a gente é discriminado. Nos órgãos públicos, prefeituras, secretarias, a gente chega, tem que resolver alguma coisa que precisa de uma documentação daquela secretaria, a gente esbarra em muita burocracia, quer dizer, em muita persistência mesmo. É um pouco complicado você lidar com essa questão da nossa cultura nos lugares públicos, entendeu? A gente é um pouco perseguido ainda. Mas a gente vai persistindo, a gente vai levando, conquistando o nosso espaço, respeitando cada um. Eu cheguei até a criar uma música que fala dessa coisa. Eu sou um negro, reconheço meu valor, vou conquistando o meu espaço, respeitando a minha cor. Então a gente vai levando, empurrando com a barriga, tocando os tambores e descobrindo novos espaços. P/1 – Agora vou perguntar um pouco sobre Pontos de Cultura, você disse que o ano passado vocês passaram a ser Pontão de Cultura. Como foi esse processo pra virar um Ponto de Cultura? Como que ocorreu? R – O Pontão de Cultura partiu de um encontro de jongueiro que tem anual. Onde a gente mora tem uma cidade visinha chamada Santo Antônio de Pádua, tinha um professor de uma universidade, da UF, Universidade Federal, ele dava aula no Rio e morava lá, a família dele toda era de lá. Então ele começou o encontro de jongueiro em 96 em dois grupos: Campeiro e Miracema. No ano seguinte fez em Miracema, no outro ano seguinte... Fez em Campeiro, fez em Miracema e fez em Pádua. Então ele fez três encontros na nossa região. Quando foi em 94 descobriram o jongo e trouxeram pra capital aqui no Rio de Janeiro, fizeram no Largo da Lapa. Então surgiram mais alguns grupos, tipo o Valença, conheci o Toninho lá, e as pessoas tomaram certo interesse pelo jongo. Começou a crescer, aparecer comunidade, hoje em dia tem três comunidades dentro do Pontão e apareceu outra professora chamada Elaine Monteiro, que também é da UF, entendeu? Ela chegou em 2004 num encontro que teve na Lapa, já foi agora recentemente no século 21 e resolveu abraçar essa questão também de dar continuidade nesse trabalho que o senhor Hélio Machado fazia, ter conhecido as comunidades e ter feito encontro de jongueiro. Foi ele que foi o idealizador. Conheceu-me, é claro, aqui no Rio, gostou da nossa conversa, comprou a nossa coisa e voltou pra lá junto com a gente que resolveu dar aula em Santo Antônio de Pádua também. Começou a conhecer as comunidades de perto. Eu digo até que ela conhece mais a nossa comunidade do que todas as outras, que ela frequenta direto a nossa casa. E ela resolveu criar um projeto e enviar, e concorreu o Pontos de Cultura, onde surgiu a ideia do Pontão por causa de todas as comunidades juntas num ponto único. Deu certo. Foi aprovado no final de 2007. Hoje a gente tá dentro da UF, o jongo hoje tá dentro lá da UF trabalhando essa questão. Por isso que surgiu o Pontão, por causa do encontro de jongueiro que começou em 96 que hoje em 2008 tá no Pontão. P/1 – E você disse que você foi indicado pra ser coordenador regional, esse é seu vínculo efetivo desde o começo. E como coordenador regional quais são as suas atividades? Você passou a viajar, conhecer outros jongos... R – Olha, na rede de memória do jongo cada líder representa uma ocupação ali dentro, tem voz e tem voto. Eu sou meio articulado, entendeu, dentro da rede. Brigo por nossos direitos, discuto nossos valores, estou sempre procurando descobrir coisas pra levar pra minha comunidade e pras outras. Às vezes eu era até, como eu ainda sou, a voz de muitas comunidades que não tinham coragem de falar. Não é de brigar. É de discutir nossos direitos. As pessoas foram pegando confiança em mim: “Rogério, fala isso. Rogério, fala aquilo”. Tudo que eles queriam falar me usavam pra poder ser o porta voz deles. Por causa disso, de eu ser articulado, as ideias dos outros colocar em prática, que resolveram me nomear coordenador. Então a minha função hoje dentro... Eu tenho uma função lá na rede que é articulador da rede lá no encontro de jongueiro e aqui no Pontão de Cultura, que também sou articulador, mas tenho uma representação maior, que eu represento oito comunidades. Então assim, de vez em quando eu tenho que ir numa dessas comunidades pra dar assessoria pra elas, descobrir o que tá acontecendo, relatar coisas daqui, pegar coisas dele e relatar pro Pontão, entendeu? Pra poder manter as atividades, fazer crescer o nosso movimento. Às vezes tem outras comunidades que sabem coisas que eu ainda não sei, passam pra mim, eu passo pro Pontão. A minha posição hoje dentro do Pontão, na coordenação, é articular mesmo, é facilitar as coisas pras comunidades que não têm acesso a coisas que eu também não tive, mas hoje estou tendo. P/1 – Então a possibilidade de ser um Pontão trouxe uma maior articulação. R – Bastante. P/1 – Além dessa outra articulação, que outros elementos o Pontão traz que ele possibilita pra comunidade de jongo? R – Olha, Pontão possibilita muitas coisas. A gente tem acesso a informática, kit multimídia, material didático, várias informações que a gente não tinha, que às vezes a gente tinha que andar muito pra ter essas informações. Então através da internet você tem muitas informações. Apesar de eu não ter muita prática com computador, mas tem meu filho, tem minha prima, tem outras pessoas mais qualificadas que estão lá na frente comigo pra eu poder desenvolver esse tipo de trabalho. Então o Pontão facilita, possibilita muitas cosias pra gente, entendeu? Tudo que a gente precisa através de conhecimento, em termos de informação, o Pontão facilita pra gente. P/1 – E a gente tá indo agora pra uma fase mais final da entrevista, eu queria saber de você se tem consciência de toda carga de liderança que você tem, e hoje você tem essa transmissão pro seu filho. Queria um pouco que você falasse sobre isso, sobre essa transmissão, sobre as suas perspectivas de futuro, como é a sua visão hoje. R – Falar do futuro é um pouco complicado porque a gente não sabe o que ele reserva pra gente. Mas eu espero que o meu futuro seja um pouco mais tranquilo do que é o da minha avó hoje. Minha avó tá com 80 e poucos anos e ela não conseguiu aprender coisas que eu to aprendendo hoje. Ela viveu a época dela, entendeu? Por que eu to preparando o meu filho? Tem hora que meu filho até assusta. Tem vezes que a gente chega no meio de uma discussão que o bicho pega mesmo, tem que falar alto, tem que se posicionar, tem que questionar mesmo. Então tem hora que ele me cutuca, daí fala: “Pai, pega leve e tal.” “Não. Mas eu não posso pegar leve que seu eu pegar leve eu estou sendo conivente, estou permitindo que isso continue. Se eu não quero isso, então eu tenho que falar e você tem que aprender”. Mas assim, é aquilo, a gente tem que ter paciência, saber esperar, saber se posicionar, saber falar coisas que é preciso na hora certa, saber ouvir. Ter calma porque tem hora... A minha coordenadora, por exemplo, que é a Elaine, a gente discute muito, eu já até falei: “Pô, eu quero sair da coordenação”. Quero tirar o grupo do projeto, é uma carga muito pesada, entendeu? Tem hora que eu to sobrecarregado, eu não consigo parar em casa no final de semana. O meu descanso é só na segunda e na terça, na quarta eu já tenho que estar me preparando pra outra viagem, pra eu ir pra outro lugar. Meu filho até falou: “Pai, eu não quero esse tipo de vida pra mim, não. Se for pra eu assumir o que você faz, pra te ajudar, eu quero que você prepare outra pessoa pra estar comigo porque é muito pesado o que você faz. Você não para em casa”. Às vezes o meu filho me procura e não consegue me achar. Geralmente eu to num lugar que meu celular sai fora de área. Nem todos os lugares que a gente vai tem um meio de comunicação. Tem hora que tem informações que a gente não consegue ter porque não tem como se comunicar. Então assim, é um pouco pesado. É gratificante, sim. Eu tenho um salário equivalente que corresponde ao que eu faço, dá pra eu sobreviver. Às vezes a gente faz alguns projetos também que a gente consegue algum tipo de subvenção. Eu dou oficinas, eu trabalho com outras coisas, então dá pra sobreviver, mas é muita sobrecarga. Tem hora que eu tenho vontade de sair de cena, entendeu? Na segunda-feira, por exemplo, eu não deixo meu filho ir pra creche, que é o único que eu posso fazer isso, os meus filhos mais velhos têm que estudar. Eu falo: “Vocês vão pra aula, pedem pra sair cedo”. Eu pego meus filhos que moram comigo e vou pra cachoeira, deixo meu celular em casa, entendeu? Saio de shorts, descalço, pego a minha cachorra e fico lá até de tarde. Levo um monte de pão, um monte de coisa pra comer, pra poder tirar um pouco essa carga que fica nas nossas vidas. Mas é aquilo, eu não queria, acabei assumindo isso, tem hora que eu penso em sair, mas não consigo, não dá. Eu confesso que realmente o que vai me tirar dessa vida é só a morte mesmo, porque é difícil. P/1 – Você tinha comunicado que você compôs uma música. Eu queria que você cantasse um pouco pra gente pra ter esse registro. R – Eu vou cantar o refrão dela, tem uma música que ela... Eu fiz de tudo pra poder segurar essa questão da emoção. Eu às vezes não gosto de tocar nesse assunto, sem querer eu falei dessa composição, ela é uma música meio triste. Você me pegou. Ela fala um pouco da minha vida, entendeu? O que eu vivi, a dificuldade que eu tive pra chegar até aqui, tem hora que é difícil falar. P/1 – Queria que você contasse um pouquinho, que você falou agora, essa origem da música e o significado dela. R – Olha, eu compus essa música pra falar da minha vida, do meu passado. Assim, até 2002 eu não sabia ler, não estudava. Eu estudei até a segunda série, quando eu tinha oito anos de idade parei de estudar. Igual eu falei, eu ia pra cachoeira tomar banho. Ao invés de ir pra sala de aula, muitas vezes minha mãe me dava o material escolar pra eu ir à aula, eu não saía de casa pra ir à aula, mas da aula eu cortava caminho e ia pra cachoeira tomar banho. Com isso eu não aprendi a ler, a escrever. Em 2003 que eu conheci uma professora, agradeço-a até hoje, fiz essa música homenageando ela. É assim, o caminho da minha casa, eu moro em frente à escola, pra você ver como é que é a ironia do destino. Eu via essa professora todo dia passar de tarde. Um dia conversando com ela, falando de um dos meus projetos, ela me fez uma pergunta e eu não soube responder, foi um questionário. Eu tive vergonha, ela falou assim: “Rogério, por que você não volta pra escola? Você é um cara tão inteligente, você é tão articulado”. Eu falei: “Eu não vou estudar porque eu não tenho tempo. Eu já to bem... 30 e poucos anos, entendeu? Acho que não dá mais tempo de eu estudar.” “Engano seu. Você tem tempo de estudar, tem tempo de fazer tudo o que você quiser. Basta você querer”. Então eu fiquei com vergonha aquele dia e não fui. Mas aí quando passou um tempo me deu uma vontade tão grande de conhecer a sala dela, eu fui, cheguei à sala dela, cumprimentei todo mundo, ela me deu um caderno, um lápis e uma borracha e começou ali a me falar umas coisas. Eu me matriculei na sala que é alfabetização e ela simpatizou muito comigo, ela também foi muito simpática, teve um carinho especial comigo. Na sala dela tinha vários jovens e eu era um dos mais velhos que estava ali, apesar de que tinha pessoas de idade também se alfabetizando. Interessei-me pelo estudo, entendeu? Interessei-me pelo estudo e fiquei ali três anos na sala de aula com ela. Isso foi em 2000 quando ela me convidou. Em 2003 eu saí, tive que fazer tudo de novo, primeira, segunda, terceira e quarta série com ela em três anos. Ao final de 2003 eu saí da quarta, passei, fui pra quinta série e ela falou comigo: “Rogério, vai ter um Festival da Canção Estudantil. Por que você não participa?” “Ah, você me deu uma boa ideia”. Mas não dei muito interesse, deixei pra lá. Porque eu sou meio assim, eu sou do momento, quando eu quero uma coisa eu batalho e vou atrás, mas se eu não me interessar eu fico quieto e deixo pra lá. Aí um dia de madrugada, eu tenho problema de insônia, eu não durmo muito à noite, eu acordei de madrugada, fui pra sala, peguei uma caneta e um papel, um caderno e comecei a falar um pouco da minha vida ali no papel. Lembrei que ela tinha falado de eu compor uma música em cima do que tinha acontecido comigo. Eu fui e fui escrevendo algumas estrofezinhas, tava montando, apagava, escrevia de novo, riscava. Nisso saiu o refrão primeiramente. Eu lembro que eu peguei a melodia de um canto que tem no nosso terreiro e em cima da melodia eu criei o ritmo dela. Esse refrão é até assim: “Iaiá, eu não sei ler. Iaiá, quero aprender. Me empresta sua cartilha que eu também quero aprender, Iaiá. Eu não sei ler, Iaiá, quero aprender, me empresta sua cartilha que eu também quero aprender. É um A, é um B, é um A, é um B, um C. Me empresta sua cartilha que eu também quero aprender”. Fiz o refrão, essa é uma melodia da música que a gente tem no terreiro. Deu certo o refrão e daí pra lá eu fui montando. A primeira estrofe eu falei assim: “A vida é dura muita coisa nos ensina, não se aprende boa coisa aí parado na esquina”. Só que a música é cantada em duas pessoas, eu e o meu filho. Então eu canto e ele me responde, entendeu? Aí ele canta pra mim assim: “Eu vou lhe contar uma história que aconteceu comigo, essas coisas eu não desejo nem para o meu inimigo. Cheguei na escola a minha vida se transformou, agradeço a professora, foi lá que me ensinou”. É a tal professora, entendeu? Aí eu chamo o garoto pra escola: “Garoto vai para a escola, você tem que aprender, saiba que a professora está esperando por você”. Por isso que eu consigo trazer as crianças através dessa música. Aí vem o refrão de novo, entendeu? “Iaiá, eu não sei ler. Iaiá, quero aprender. Me empreste sua cartilha que eu também quero aprender. É um A, é um B, é um A, é um B, um C. Me empresta sua cartilha que eu também quero aprender”. Eu volto lá atrás na minha infância: “Quando criança eu não estudei como eu devia, hoje eu estou na escola, estou chegando aonde eu queria. Eu sou um negro, reconheço o meu valor, vou conquistando meu espaço respeitando minha cor. Eu sou um negro, reconheço o meu valor, vou conquistando meu espaço...”. Aí eu me emociono porque é uma música que fala toda a minha vida, entendeu? Por isso que me dá essa emoção, dá vontade de chorar, minha mãe não conseguiu vivenciar isso, essa coisa de eu ter vencido na vida. A minha mãe reclamava muito: “Meu filho, sai dessa vida. Afasta-se disso”. Dava muito conselho. P/1 - Você deu certo. R – Sim. Venci. P/1 – A música venceu o prêmio. R – Hoje é uma referência. A minha professora gosta muito de mim, respeita. Eu continuo estudando na escola, to fazendo vários cursos, sempre to indo na sala dela visitar. Sempre tá me dando bons conselhos, incentivando-me, pedindo para que eu faça novas composições. Já até fiz outra música pra participar do festival agora, só que não deixaram porque eu andei participando de três festivais, ganhei os três. Então o pessoal lá...O pessoal: “Chega de você participar dos festivais. Deixa dar oportunidade pra outros. Toda vez que você vem você ganha. Você pode até compor, mas dá a música pra outro e fala que não foi você que fez”. Então fiz outra música pra Renata, vai ser até o meu filho que vai interpretá-la. Vamos ver se ele vai ter a mesma sorte que eu. Interpretação. É isso. P/1- Tá certo. Pra finalizar queria te agradecer. R – É. Foi bom. É sempre bom dar uma nova entrevista porque assim, eu sou emotivo, mas tenho uma história, tem muitas coisas boas que aconteceram na minha vida. Principalmente agora nesse momento da minha vida, to num momento muito bom, entendeu? Posso dizer que eu sou feliz, tenho meus momentos de contradições, mas assim, eu sei tirar de letra, eu sei sair. Então pra mim, dar uma entrevista é sempre bom, passando um pouco da minha experiência pra outras pessoas. Passado uma mensagem positiva pra pessoa que vai assistir essa matéria. Até mesmo vocês que estão ouvindo a minha história, entendeu? Uma das coisas que eu falei aqui, claro, nada disso é inventado, é coisa mesmo que eu vivi. A gente se emociona mesmo, tem pessoas, eu, por exemplo, que se emociona fácil, emociono fácil. Então é bom. Foi bom ter participado dessa entrevista, ter conhecido vocês, o trabalho de vocês.
Recolher