P/1- Para começar, eu gostaria que você dissesse seu nome completo, local e data de nascimento.
R- O meu nome é Osvaldo Rodrigues Cavignato, nasci no dia 28 de maio de 1945 na cidade de Duartina, no estado de São Paulo.
P/1- Qual a sua formação?
R- Minha formação acadêmica é em Economia na Fundação Santo André, formado em 1977.
P/1- O que é que te levou a fazer esse curso?
R- Bem, eu sempre tive uma atividade bastante intensa no movimento estudantil nos anos de 1968, e eu já trabalhava com ferramentaria, uma profissão bastante rentável, bem paga, mas eu achava que ainda era pouco. E aí resolvi estudar Economia que eu achei que era, ou Sociologia, e aí resolvi fazer Economia que teria a possibilidade de ter acesso a algumas informações que principalmente, naquela época, você precisaria ter como mote, para ler algumas coisas sem ter curso universitário. Essa era a intenção. E também para tentar entender as questões econômicas do país que a gente vivia.
P/1- Que tipo de informações?
R- Tentar entender como que o país vivia em termos econômicos e sociais. Então isso daria a possibilidade de eu ter livros, ler Marx, outros, principalmente que nos interessava mais de perto em relação aos grandes expoentes da área econômica como Adam Smith, enfim, uma série de coisas, Galbraith [John Kenneth Galbraith], etc....
P/1- Bom, vamos voltar um pouquinho, porque aí você já está falando quando você se formou.
R- Sim, em formação.
P/1- Isso, como você se formou? Qual foi o seu primeiro trabalho?
R- O meu primeiro trabalho como, trabalho mesmo?
P/1- Quando que você começou a trabalhar?
R- Eu era jovem e fui ter uma profissão, como os pais sempre estimularam que tivesse uma profissão. Uma qualificação profissional para ter uma possibilidade melhor de futuro, então entrei no Senai [Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial]. Fiz um ano e meio, mas seriado, seis meses em fábrica e...
Continuar leituraP/1- Para começar, eu gostaria que você dissesse seu nome completo, local e data de nascimento.
R- O meu nome é Osvaldo Rodrigues Cavignato, nasci no dia 28 de maio de 1945 na cidade de Duartina, no estado de São Paulo.
P/1- Qual a sua formação?
R- Minha formação acadêmica é em Economia na Fundação Santo André, formado em 1977.
P/1- O que é que te levou a fazer esse curso?
R- Bem, eu sempre tive uma atividade bastante intensa no movimento estudantil nos anos de 1968, e eu já trabalhava com ferramentaria, uma profissão bastante rentável, bem paga, mas eu achava que ainda era pouco. E aí resolvi estudar Economia que eu achei que era, ou Sociologia, e aí resolvi fazer Economia que teria a possibilidade de ter acesso a algumas informações que principalmente, naquela época, você precisaria ter como mote, para ler algumas coisas sem ter curso universitário. Essa era a intenção. E também para tentar entender as questões econômicas do país que a gente vivia.
P/1- Que tipo de informações?
R- Tentar entender como que o país vivia em termos econômicos e sociais. Então isso daria a possibilidade de eu ter livros, ler Marx, outros, principalmente que nos interessava mais de perto em relação aos grandes expoentes da área econômica como Adam Smith, enfim, uma série de coisas, Galbraith [John Kenneth Galbraith], etc....
P/1- Bom, vamos voltar um pouquinho, porque aí você já está falando quando você se formou.
R- Sim, em formação.
P/1- Isso, como você se formou? Qual foi o seu primeiro trabalho?
R- O meu primeiro trabalho como, trabalho mesmo?
P/1- Quando que você começou a trabalhar?
R- Eu era jovem e fui ter uma profissão, como os pais sempre estimularam que tivesse uma profissão. Uma qualificação profissional para ter uma possibilidade melhor de futuro, então entrei no Senai [Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial]. Fiz um ano e meio, mas seriado, seis meses em fábrica e seis meses na empresa, na escola. E nesse período eu me formei como ajustador mecânico onde eu tive contato com ferramentas. Por eu gostar muito de trabalhos artesanais, me dei bem com esse tipo de coisa, conhecimento técnico, científico, até matemática, desenho, ciência, enfim, é uma série de informações extremamente importantes que dava naquela época para os jovens e que no futuro isso me ajudou bastante na profissão.
P/1- E de lá para cá como é que foi para você chegar no Dieese [Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos]?
R- Essa atividade que eu tive no Senai, como eu era o filho mais velho também tive que ajudar em casa, então depois de formado teve aquele, como todo jovem da época, teve problema com alistamento militar. Então nós tínhamos que trabalhar em qualquer tipo de serviço que aparecesse. Posteriormente a isso meu sonho era entrar numa fábrica automobilística. Meu irmão entrou antes de mim, meu pai antes de mim e só faltava eu da família para entrar. Foi quando, já me especializando em atividades da ferramentaria, entrei numa fábrica automobilística que foi a Volkswagen.
P/1- E depois?
R- Depois a gente saiu. Eu cheguei à conclusão que era muito pouco, porque a gente tinha uma atividade também político-partidária e do movimento estudantil e aí eu precisava estudar um pouco mais. Quer dizer, apesar de a gente estar no meio de trabalhadores altamente especializados, qualificados, mas é um momento que você passa a ser mais respeitado por eles, que são os iguais da gente, você passa a falar algumas coisas e eles te ouvem melhor quando você está fazendo um curso superior, isso era claro, então, por eu ter uma ascensão e mostrar para o pessoal, para os trabalhadores, para os meus amigos, para os colegas de trabalho de que eu era um bom profissional, estudava à noite e tinha uma vida de organização sindical. Foi quando eu entrei também como sócio do sindicato etc., então você passava a garantir a possibilidade de os trabalhadores verem em você uma espécie de líder não nato, mas um líder feito, quer dizer, lia o jornal e discutia com eles coisas de interesse da população, do povo, da economia brasileira, etc.
P/1- Então, nessa época que você estava na Volkswagen, até um pouco antes, que você trabalhou em outras firmas, foi na época que teve o golpe militar.
R- Sim, foi antes da Volkswagen.
P/1- Você já tinha uma militância política?
R- Não. Não, porque aí a questão também é que eu nunca gostei de injustiça, é uma coisa que vem um pouco de berço. Eu acho que a minha mãe sempre me ensinou isto, lutar sempre contra as injustiças em geral e ela sempre me apoiou nesse sentido. Foi um momento de poder evoluir politicamente, ideologicamente. Havia possibilidade, e só mostrando aos demais que eu, além de ser um bom profissional, estava me preparando, me qualificando para ser qualquer pessoa com um melhor entendimento das coisas que estavam acontecendo no país, principalmente, na época da ditadura.
P/2- Uma pergunta que me deixa curioso a respeito. O senhor é metalúrgico...
R- O senhor deixa para lá.
P/2- Você, metalúrgico, foi à universidade e são dois mundos muito diferentes ao mesmo tempo. O senhor com toda essa busca de conhecimento, em algum momento aquele conhecimento [teorias] que veio de dentro da universidade, deu uma visão mais ampla a respeito dessas relações de trabalho que o senhor vivia na prática?
R- Olha, as faculdades no Brasil, é claro que algumas têm um senso mais crítico do tipo da USP [Universidade de São Paulo], do tipo da Unicamp [Universidade Estadual de Campinas], isso não acontece com as faculdades, mesmo elas sendo boas, mas da periferia do estado, ou da periferia da capital. Na periferia são escolas tradicionais, conservadoras. A Fundação [Fundação Santo André] e outras faculdades, e não é só questão da Economia, mas você tem muitas dificuldades nessas faculdades que não têm um senso crítico de desenvolvimento de teorias em geral. Grande parte dos meus colegas de escola era a segunda faculdade que eles estavam fazendo. Eles vinham da área de Administração, eles vinham da área de Direito e iam fazer Economia. E é uma escola que tinha nome, Santo André, a Fundação tem nome, os professores, para você ter uma ideia, grande parte dos professores vinham das faculdades de São Paulo, da USP muito pouco, mas do Mackenzie, e o Mackenzie já é conhecido, e da Getúlio Vargas - conhecidamente tradicional -. Então você não tinha muito espaço de discussão política dentro da faculdade de Economia. Você tinha na área de Filosofia, na de Economia não.
P/1- Deixa eu voltar, voltando para a Volkswagen então.
R- Sim.
P/1- Nessa época você já tinha ouvido falar alguma coisa do Dieese? Você tinha alguma ideia?
R- O primeiro contato que eu tive com o Dieese foi em 1970. Em 1970 quando saí da Volkswagen eu tinha um contato maior. Ele tinha sido fundado em 1955, mas eram muito poucas as atividades que a gente tinha no Dieese. Eu já tinha ouvido falar do custo de vida, que saía algumas informações nos jornais, saía algumas do tipo assim: “Trabalhos feitos por acadêmicos referente ao custo de vida e que esta instituição era do movimento sindical...”, mas era muito inicial, era muito pouco, era muita pouca informação. O primeiro contato que eu tive com o pessoal do Dieese foi em 1973, 73 ou 74, que foi na preparação do primeiro congresso dos metalúrgicos, onde eu já estava entrando. Eu já estava no primeiro ou segundo ano da faculdade e conversando com o Barelli [Walter Barelli], tentando ver se haveria possibilidade de eu fazer estágio no Dieese. E aí não foi possível porque o estágio naquela época não era remunerado e não dava para a gente bancar nem a escola. E aí eu desisti e continuei trabalhando como ferramenteiro até um determinado ponto em que, quando eu estava no último ano, fui fazer estágio remunerado trabalhando com recursos humanos, administração de cargos e salários numa fábrica multinacional americana.
P/1- Esse congresso de 1974 dos metalúrgicos de São Bernardo, você sentiu como que o Dieese participou? Você participou no Dieese como delegado. Como que você viu a participação do Dieese, a contribuição, como que foi isso?
R- Naquele momento, eu assisti à palestra do Barelli, tinha um pessoal da equipe que ainda era extremamente pequena. Era a Annez Andraus [Annez Andraus Troyano], o César Concone, enfim, eram pessoas da área técnica do Dieese, que davam apoio às campanhas e a qualquer atividade que o Sindicato tinha. O Sindicato dos Metalúrgicos. Porque tanto esse sindicato quanto o Dieese têm, mais ou menos, a mesma idade. Eles têm uma vida em comum, a indústria automobilística trouxe os sindicatos de São Bernardo - que foi uma parte que era de Santo André -, foi uma divisão. Era uma espécie de delegacia, que era o sindicato de Santo André, mas com o surgimento de sindicato antes de 1964.
P/1- Cinquenta e nove?
R- Antes, 1964, é o golpe, mas era em 1957, 58 ele surgiu já com o sindicato ligado diretamente à indústria automobilística. E se você for ver a história do Dieese é muito parecida, então eles têm muito em comum, tanto o sindicato quanto a indústria automobilística, quanto o próprio Dieese.
P/1- E aí, como foi o processo de criação da subseção em São Bernardo?
R- Como eu tinha falado com o Barelli que não haveria possibilidade, eu conhecia o Lula [Luiz Inácio Lula da Silva] desde 1970 e em 1975 eu tinha uma atividade um pouco mais próxima dele. Eu saía do serviço e antes de ir para a faculdade passava lá para pegar algumas informações, conversar com o pessoal e tal e aí ele me convidou para montar um departamento econômico no Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo e Diadema. E esse período durou muito pouco tempo, quer dizer, o primeiro trabalho que foi feito já como técnico, técnico assistente da presidência, foi um trabalho feito sobre a Toyota. Naquele momento ele estava indo para o Japão porque a Fitim [Federação Internacional dos Metalúrgicos] a cada três, quatro anos tem uma reunião com o pessoal da Toyota do mundo inteiro. E aí fiz um trabalho e tal, contei com a colaboração do pessoal do Dieese também, fazia os trabalhos por orientação do Dieese nacional. Fiz esse trabalho que ele levou, enfim, um trabalho que foi muito interessante para mostrar como era o salário, o número de trabalhadores, a estrutura da fábrica, que é uma fábrica muito antiga, que só produziam um determinado tipo de veículo enquanto as outras produziam a mais tempo. E nesse ínterim o que aconteceu é que a minha atividade, tanto de estudante quanto de ativista político... fui preso juntamente com toda aquela leva em 1975, inclusive com o irmão do próprio Lula que foi o Frei Chico [José Ferreira da Silva].
P/1- Você estava no sindicato?
R- Já estava no sindicato, foi lá, foram me pegar lá dentro do sindicato e me prenderam lá. Não dentro, tiraram fora e me deram voz de prisão e me levaram e fiquei uns tempinhos lá até o fim do ano de 1977. Fiquei uns três meses e meio, mais ou menos. E aí respondi depois pela auditoria militar. Houve uma espécie de anistia, não anistia, mas sabia que eu tinha trabalho fixo, residência fixa, podia responder isso em liberdade. Grande parte do pessoal foi anistiado, mas como se fosse isso do natal de 1975 e aí eu respondi pela auditoria militar. Mas nesse ínterim o sindicato chegou à conclusão, aliás, eu cheguei à conclusão que não seria bom eu ter uma atividade política, que naquele momento os movimentos sindicais estavam manietados pela ditadura.... O sindicato ter uma pessoa que estava diretamente ligada a um partido político... e fui lá para pedir a demissão. Chegando lá eles falaram: “É melhor a gente demiti-lo para livrar a cara um pouco da instituição”. Mas a gente continuava. Não é continuava trabalhando porque aí eu fui trabalhar em outros lugares. Contato, amizade, continuava, mas não como funcionário do sindicato. Só num outro momento que eu já estava formado que ele [Lula] me convidou novamente para montar um departamento econômico.
P/1- Antes de você entrar no departamento econômico, de que partido você era?
R- Partido Comunista Brasileiro.
P/1- Departamento econômico.
R- Bem. Em 1979, aconteceu a famosa greve, 1978, a Scania,1979 a categoria como um todo e a cassação daquela diretoria. Em final de 1979, ele me convida novamente para trabalhar lá. Eu já estava formado e eu falei: “Olha, vamos fazer um acordo. Montar um departamento econômico independente no sindicato não dá certo, que tal se eu entrasse pelo Dieese e aí você pega todo o know-how do Dieese de conhecimentos teóricos, científicos, treinamento e você traz isso para dentro do sindicato. ” Aí se discutiu como é que poderia ser feito essa alternativa que eu tinha exposto e aí viram no estatuto do Dieese que haveria a possibilidade de ter uma subseção, porque no estatuto do Dieese tem o Escritório Nacional e os Regionais. Não tinham os escritórios ou tipos de subseções que era para discutir, vivenciar a categoria, fazer levantamentos estatísticos e socioeconômicos da categoria. Ah, falou: “Tudo bem, vamos lá, vamos fazer isso. ” Eu falei; “Outra coisa...”, acho que pelo que 1978, 1979, 1980 estava claro que haveria uma certa resistência e haveria novas cassações. Eu vim para a Nacional [Escritório Nacional], fiquei aqui em treinamento quando houve a negociação em 1980 e a cassação de toda a diretoria novamente. Nesse período, o Dieese me assumiu porque com a intervenção não havia recurso para pagar, eu entrei nessas condições: o sindicato pagava o meu salário no Dieese. Com a intervenção cessou isso. Então fiquei na Nacional, fiquei um ano. E ao mesmo tempo nesse período fui montar uma subseção do Sindicato dos Bancários. Então o Sindicato dos Bancários...
P/1- De São Paulo?
R- De São Paulo. Conheci o Augusto [Augusto Campos], o Gushiken [Luiz Gushiken], o Luizinho, enfim, uma série de diretores que eram, recordaria todos, mas é a equipe toda que tinha um contato muito grande com o Dieese. Então nós fomos montar uma subseção e fiquei um tempo lá, eu e aquela socióloga lá que hoje é da CUT internacional [Central Única dos Trabalhadores].
P/1- Da OIT [Organização Internacional do Trabalho], não?
R- Não, não, daqui do Dieese, da CUT nacional, esqueci o nome dela.
P/1- Depois a gente lembra.
P/2- Não é a Vera Gebrim?
R- Não, não. É 1980.
P/2- Ah.
R- Essa é.... ela é da CUT nacional da área de políticas internacionais. Ela vai ficar brava.
P/1- Depois a gente lembra.
R- “Tá”. Mas aí, eu com ela, fizemos um banco de dados, informações dos bancos e agências bancárias. Teve um trabalho feito no Dieese que era o perfil dos bancários feito pela Márcia [Márcia Leite] e a gente estava dando continuidade. Nesse período foi passando o tempo, fazendo trabalhos internamente, pesquisas para outros sindicatos do tipo negociação com vidreiros, pesquisa de salários e de cargos do Sindicato dos Estivadores de Santos, negociações as mais gerais, de químicos... que a gente participava, enfim, fomos trabalhando em conjunto e isso foi me treinando para a discussão. Em 1981, houve a intervenção [no Sindicato Metalúrgicos de S. Bernardo], dando lugar a uma junta, Afonso Monteiro da Cruz, mais o Janjão [João Justino de Oliveira] e mais uma outra pessoa, que eram pessoas de confiança da diretoria deposta. E nós, o Dieese falou: “Olha, tem o Osvaldo, tal e coisa que nós estamos com ele lá na nacional, mas ele pertence à base do Sindicato dos Metalúrgicos no ABC [região do ABC Paulista], do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo e Diadema. O Afonso já tinha conhecido ele em 1968 já bem antes, mas muito rapidamente e aí conversei com ele e sem problema, eu falei ‘não tem problema, pode vir aqui’”, e voltamos agora definitivamente na montagem da subseção do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC. Começou na realidade em 1980, mas efetivamente em 1981 e está até hoje.
P/1- Só um paralelo, depois a gente continua na subseção de São Bernardo. Antes tinha sido formada uma subseção em Santo André?
R- Não é subseção. A subseção é mais ou menos na mesma época. Como eu fiz em 1975, o Cido Faria, que eu acho que também foi um cara que esteve exilado no Chile, esteve na Suécia, tinha feito o curso de Economia, já era de Santo André e na época, nos anos 1960, ele foi para o Chile, e lá teve um contato com o Sindicato de Santo André e estava montando o departamento econômico. Quando nós nos acertamos foi mais ou menos simultâneo. Ele montou lá, ele estava já há mais tempo, quase um ano, e eu em Santo André porque naquela cassação não foi só a cassação do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo, foi o Marcílio [Benedito Marcílio] em Santo André, foi lá em São Caetano também, enfim, São Caetano, eu acho que não teve, não houve. Só em Santo André e São Bernardo. Então era mais ou menos simultaneamente, elas foram fundadas juntas, foram as duas.
P/1- E quanto agora, a subseção, como que é o trabalho de uma subseção? Como que são as atividades, como que você descreveria?
R- Aquele Sindicato dos Metalúrgicos do ABC foi um sindicato onde nasceu um novo sindicalismo. Era uma realidade diferente dos demais sindicatos. Então ele teve um papel extremamente importante no final dos anos de 1970 e no início dos anos 1980 na formação da própria CUT, no partido do PT [Partido dos Trabalhadores], enfim, e é um sindicato estratégico para o movimento sindical nacional. Tudo o que acontecia, aqueles enfrentamentos, mesmo nos anos 1970, eram os sindicatos. Não era Osasco, que aconteceu. Mas depois da perseguição a Osasco não sobrou muito mais outros sindicatos de resistência e a resistência foi a partir de 1973, 1974 principalmente nas decisões do primeiro congresso, onde tinha que enfrentar aquela manipulação do Delfim [Antonio Delfim Neto]. Onde aí, o Dieese ajudou e muito, tanto é que diziam: “É a derrota dos computadores do Delfim contra a máquina de calcular manual do Barelli do Dieese”. Isso só foi reconhecido depois pelo Banco Mundial, 1979, 1980, mas isso estava constatado, estava claro que tinha sido feita uma manipulação dos índices daquela época. Enfim, a tentativa era dar continuidade a isso, então nós precisávamos... nós fizemos um projeto de que, como é que aquele sindicato que sempre teve um contato diretamente com a diretoria do Lula, com a diretoria do Dieese, na pessoa tanto do Barelli quanto a da Annez, quanto o César Concone. Haveria necessidade de você ter uma pessoa em tempo integral. Isso não queria dizer que nós não estávamos trabalhando com o Dieese nacional, sim, estávamos trabalhando com o Dieese nacional e uma pessoa lá fazendo levantamento, censos, censo industrial, censo do número de trabalhadores, salário, produção, enfim, uma série de informações, de pesquisas, pesquisas tipo de opinião, sabe, pesquisas, enquetes. E outro papel extremamente importante era nas negociações, nas negociações coletivas que se davam sempre no mês de abril. Então a gente tinha que fazer os levantamentos, usando as informações do Dieese, as informações que a gente fazia, levantamentos das empresas, quanto que elas estavam produzindo, faturamento, análise de balanço que era feito também pela equipe do Dieese, do Bartô [Bartolomeu Bueno] que fazia esses levantamentos para municiar o dirigente sindical no enfrentamento. Então isso já não estava mais o Lula e sim o Meneguelli [Jair Antonio Meneguelli]. O congresso que aconteceu, aquele congresso que foi lá para Piracicaba e depois foi dar solidariedade lá em Paulínia que foi cassado novamente, intervenção novamente.
P/1- 1983.
R- É. E aí eu continuei lá. O interventor quis saber o que eu estava fazendo, fiz um relatório, não mexeu com a gente, mas tudo tinha que passar por ele, passava o que interessava a ele, e passava o que interessava para o dirigente sindical que era no lado da rua, do outro lado. E de lá para cá, nós, o Dieese começou com um auxiliar, mas aí fomos ampliando pela necessidade que a própria categoria exigia. Então a segunda pessoa que nós contratamos foi o Mário Salerno para acompanhar as inovações tecnológicas e a reestruturação do setor automobilístico. Então lá nós tínhamos um economista que era eu, o Mário Salerno que era engenheiro de produção, e mais um auxiliar ou mais dois auxiliares. E aí foi ampliando a equipe. Como eu falei, era um sindicato estratégico para o movimento sindical e um sindicato que tentava dar exemplo a outros sindicatos, como precisaria ser feito uma organização da resistência, principalmente contra a ditadura.
P/1- Espera só um pouquinho antes de você avançar nisso, só para não passar batido. Você falou que na época da intervenção, a subseção continuou funcionando, mas estava com o interventor e a diretoria que tinha sido cassada estava do outro lado da rua. Vocês continuaram assessorando a diretoria cassada?
R- Também, também. Não ostensivamente, mas dando algumas informações, não era só, você tinha assessores jurídicos também, não era assessor só econômico, assessor jurídico que também dava respaldo para as decisões da diretoria. A assessoria jurídica é mais fácil você escapar, a econômica já é uma instituição que está lá dentro do Dieese, na assessoria jurídica eram funcionários do sindicato, é um pouco diferente que era o Maurício Soares, que era o coordenador do departamento jurídico. Mas a gente fazia muita dobradinha, trabalhávamos em conjunto. Sempre tivemos um bom relacionamento nas negociações e mesmo na época da intervenção que não ficou muito tempo, ficou menos de um ano. Aí suspenderam e voltou novas eleições e o Meneguelli voltou a ser o presidente e aí o Lula também estava naquela direção.
P/1- Nesse momento que o sindicato estava sob intervenção, você lembra de alguma situação difícil que vocês tiveram que sair tipo o interventor pegar vocês assim, “Peguei. ”?
R- Não, sabe por quê? Porque quando pintou a ideia de você sofrer uma outra intervenção mais do que rapidamente como era o início de um trabalho, era um arquivo só de informação. Era fácil a gente tirar fora. Então muita informação foi para minha casa. Nós limpamos, deixamos o mínimo possível para não haver especulação porque não era só a questão do jurídico, técnico, tem o administrador do sindicato também que tudo passava pela mão dele e ele era uma pessoa de extrema confiança da diretoria e não deixava que transparecesse nada. Então a gente tentava, pelo menos nessa época, não deixar espaço para que ele cortasse recurso que era pago ao Dieese por ser sócio dos sindicatos, o sindicato ser sócio do Dieese. Então a gente tinha que fazer um meio de campo para não prejudicar a instituição.
P/1- Você falou uma coisa interessante, tem um artigo de jornal que a gente estava folheando aqui que teve uma época que o governo pressionou os sindicatos a se desfiliar do Dieese, não sei se você recorda disso.
R- Isso foi nos anos da ditadura, 1964, que inclusive o Dieese ficou morno, nessa época, isso não era da minha época.
P/1- Ah, tá. Depois disso não teve...
R- Não. Não teve porque houve pressão da população contra, na época já era o presidente Figueiredo, já estava no estertor, no final. Era diferente de 1964 que você perdeu até um ano de custo de vida, nesse período não aconteceu mais esse tipo de pressão. É claro que é um controle para ver o que era, fazer contra, contra quem. Só um detalhe que eu acho que é interessante: a primeira atividade minha que eu tive que foi para Brasília foi com o Afonso [Afonso Monteiro da Cruz], foi de encontrar com o Murilo Macedo, o ministro da época. E chegando lá, foi levar a reivindicação. O Murilo Macedo falou assim para ele: “Olha, você é o interventor, você não é o homem de confiança da diretoria, você é o homem de minha confiança, você vai fazer o que eu quero. ” O Afonso falou: “Olha, então a primeira coisa que eu quero”, e que ele ficou muito bravo e foi mais isso que ele tinha sido convocado, que quando ele assumiu a posse a primeira coisa que ele fez foi marcar as próximas eleições para a nova diretoria. Então o Murilo Macedo não gostou e chamou ele. E o Afonso disse “Você vai comigo? ”. Eu disse: “Vou”. E lá ele [Murilo Macedo] disse “ Como é que é? Você chega aí e já define que vai ter novas eleições? Quem vai levantar a intervenção sou eu. ”. E [Afonso diz], “Então faz já. ” Entregou lá. E [o Murilo Macedo] falou “Não, não é bem assim...” e “pá, pá, pá” porque senão ficava impossível se controlar o sindicato dos metalúrgicos do ABC.
P/1- Bom, então agora a gente vai voltar lá para o Mário Salerno, você falou como sindicato estratégico, foi contratado o Mário Salerno e vocês começaram a desenvolver que tipo de trabalho?
R- Eram pesquisas dentro das fábricas e, principalmente, das montadoras como é que estava essa reestruturação produtiva. Você estava saindo de veículos, de uma situação de base técnica para uma outra. Era no final dos anos, começo dos anos 1980 já estava tendo alteração de produtos. Já tinha projetos para exportar veículos, o tal de Projeto 99 que era para os Estados Unidos. Passou a ter uma reorganização da produção, deixou de ser um tipo, fordista para ser “toyotista”, então a gente estava acompanhando, fazendo esse levantamento de como estava se organizando a produção, novos equipamentos, novas máquinas, novos produtos, tinha-se que começar a acompanhar isso. Foram feitas pesquisas, questionários sobre jornada de trabalho, turnos, enfim, um monte de informações relevantes à questão da reestruturação produtiva que lá nos anos de 1985, 1986, mais ou menos, aconteceu. E em 1986 foi o Plano Cruzado, que deu uma outra forma à estrutura das empresas, muita gente procurando produtos que sumiam das prateleiras e de casa também, então, enfim, aconteceu. Nesse problema nós trabalhávamos juntamente fazendo uma dobradinha. Ao mesmo tempo haveria necessidade da gente não só ter uma vivência localizada, mas como também nacional, e aí a gente contratou mais um técnico ou um economista, numa visão mais ampla não microeconômica, mas macroeconômica que aí foi o Biasi. Não deu muito certo, o Biasi foi o primeiro técnico e depois foi substituído pelo Jefferson [Jefferson José da Conceição] que hoje está na CUT. Tinham dois economistas e um engenheiro, só que um engenheiro só não dava espaço, não é que não dava, o Dieese havia necessidade de ter o Mário Salerno que era o único engenheiro tanto para as atividades do sindicato como para o Dieese nacional. Então precisava ter mais gente. Então o que se fez? O Mário Salerno veio para a nacional e foi contratado, o Luís Paulo Bresciani, como outro engenheiro de produção, que hoje não está mais lá, hoje ele é o secretário de desenvolvimento e indústria de Santo André. E na época que eu estava como economista, com o Jefferson e o Luis Paulo [Luís Paulo Bresciani], se contratou mais um, que foi o Nilson Tadashi Oda que é engenheiro também, de produção, foi o terceiro engenheiro contratado pelo Dieese, só que ele ficou lá no Dieese São Bernardo, e o Mário Salerno aqui na nacional. Teve os trabalhos de reestruturação produtiva e também começou a surgir outros tipos de demanda do tipo economia solidária. Então o Tadashi [Nilson Tadashi Oda ] ficou nessa área da economia solidária, cooperativismo que estava começando, ficou nessa e o Luis Paulo ficou na área de reestruturação produtiva e aí ele saiu e foi fazer pós-graduação na Inglaterra e ficamos com o Tadashi dividindo o tempo e depois no lugar do Luis Paulo, que saiu do Dieese, contratamos mais uma pessoa que foi a Zeíra Camargo que estava recém-formada na Fundação também, então nós ficamos com três economistas e um engenheiro. Depois com a ida do Marinho para a CUT, ele levou o Jefferson, como queria me levar, eu resisti um pouco, fiz aí uma proposta de trabalhar um dia lá, mas a coisa poderia desandar e aí continuo até agora.
P/1- Nesse período, foram elaborados trabalhos específicos para os metalúrgicos do ABC, você lembra que trabalhos que foram feitos, produções, textos?
R- Aí tem que fazer um levantamento.
P/1- Mas tem algum que você destaca?
R- Tem. Nesse período 1992, 1994 foi a Câmara Setorial, que foi uma grande atividade que o sindicato - ligado ao setor automobilístico e autopeças -, a cadeia automotiva toda trabalhou. Então nós fizemos trabalhos, negociações. Na época quem estava presidindo era o Vicente [Vicentinho, Vicente Paulo da Silva], não era mais o Meneguelli, o Meneguelli estava na CUT, era ao Vicente e depois na época da Dorotéia [Dorotéia Werneck], do Collor [Fernando Affonso Collor de Mello]. O Collor dizia que o Brasil só produzia carroça, tinha que arejar, trazer novas tecnologias etc. Chegamos à conclusão que precisávamos participar dessa discussão, porque se não participássemos, se deixasse ao bel-prazer, a coisa ficava muito como só de interesse de governo e de empresário. Então fomos discutir e aí foram dois acordos extremamente importantes nessa época que foi além da reestruturação e da invasão de produtos importados, como é que nós poderíamos alavancar, quer dizer, abriu, escancarou a política nacional para importados e as empresas aqui estavam fechando, estava uma situação difícil. Nós fizemos algumas propostas que eram questões de metas a serem alcançadas, tanto de produção quanto de reajustes salariais, recuperação salarial, recuperação de emprego, diminuição de preços, enfim, foi feito um acordo na época com o Marcílio Marques Moreira Alves, que era o ministro da época e a Dorotéia Werneck e depois teve um outro ministro. E que foi as metas iam chegar a dois milhões de veículos no ano 2000 e eles chegaram a produzir dois milhões de veículos em 1997, quer dizer, teve uma aceitação bastante grande. Isso projetou bem o sindicato de lá, dos metalúrgicos. Depois, guerra fiscal foi outra conversa, mas naquele momento foi uma coisa extremamente importante que aconteceu. Um dos trabalhos que também foram feitos de importância é a questão da Participação dos Lucros e Resultados, das negociações. No passado, as negociações eram feitas via Fiesp [Federação das Indústrias do Estado de São Paulo] que era o sindicato patronal de 19 sindicatos numa discussão só. Na época da Câmara Setorial foi dividido por grupos; montadora, autopeça, fundidos, forjados, porca, rebite e parafuso que tinha tudo a ver com cadeia automotiva e outro grupo que era eletroeletrônico, máquinas e outro que sobrou que era da Fiesp. Então foi, aí começou a ter negociação sem parar, sem parar que era só uma e passou a ser três negociações. Depois elas foram dividindo e dividindo e aí foram tomando mais tempo essas discussões de negociações salariais, mudança de data-base, enfim teve vários trabalhos de fôlego, não só regional como nacional. A participação do Dieese na subseção foi nesse sentido, trabalhávamos sempre nesses momentos em que se discutia como é que poderíamos fazer. Mas a nossa era lá na “boca do forno”. Aqui eram discussões teóricas, utilizando informações de índices de custo de vida e outros índices, como emprego e desemprego, que a gente não iria fazer, nos apropriávamos dessas informações que a nacional porventura fizesse, mas as discussões técnicas de como fazer, a gente sempre tinha discutido com a equipe geral.
P/1- Você falou do estudo sobre a reestruturação produtiva, automação, foi nessa época que surgiu o Gapt [Grupo de Automação], de Estudos de Automação...
R- Bancária? Isso era do governo, era mais, me parece que não era do Dieese.
P/1- “Tá”. Então, deixa eu voltar a uma coisa que você falou. Você falou que aqui o trabalho era mais teórico, mas a aplicação na subseção é outra.
R- É um perfil diferente, que na realidade você é um laboratório que você faz os estudos teóricos, lê muito, faz os trabalhos de fôlego científico, e lá na subseção é uma coisa mais diretamente ligada à realidade imediata, quer dizer, não dá para você pedir ao Dieese que faça um estudo que leve três, quatro meses, eles querem para amanhã. É uma coisa muito mais rápida, e essas discussões, por exemplo, “Vamos discutir redução de jornada, como é que vai ficar as jornadas, escolhe aí os horários”. Não dá para ficar pedindo aqui, isso é uma coisa que você tem que fazer imediato, rápido, faz ali e tal coisa, faz, propõe, negocia, às vezes, “vara a noite” discutindo reestruturação salarial. As fábricas se fundem, como a Autolatina. Você faz um estudo rápido mostrando duas grandes corporações para fundir numa fábrica só, quem é que vai sobrar nisso. Então fizemos um trabalho, algumas publicações que a gente tinha chamado “Trocando em Miúdos” tudo o que acontecia a gente trocava em miúdos e passava para os trabalhadores novamente pra entender essa mecânica das multinacionais fazendo uma fusão, quem é que iria sobrar? Sobrou emprego, sobrou mesmo, fora nove mil trabalhadores. Redução de custo, depois o descasamento, enfim, tem um monte de momentos que a gente tem que atuar muito rápido, que o dirigente é questionado rapidamente para ter respostas imediatas. Então é essas jogadas que são as subseções, tanto é que proliferou muitas subseções pelo Brasil inteiro; Minas, Rio de Janeiro, São Paulo, Campinas, Sorocaba, São José dos Campos, São Caetano, então teve momentos que teve cinco ou seis sindicatos dos metalúrgicos no estado de São Paulo. E fora outros, no Rio de Janeiro ou no Vale do Aço, enfim, deu possibilidade de o Dieese se expandir para fora, não aqui, mas tem possibilidade de ter os ramais, as ramificações do Dieese nacional.
P/1- Desses momentos que você falou de ter que trabalhar aceleradamente, qual você destacaria na sua trajetória na subseção?
R- É meio difícil, porque você vê que tem publicações do tipo “Rumos do ABC”. Foi feito um trabalho dos Rumos do ABC mostrando como é que é. Porque lá o ataque era que aqueles municípios já não eram mais industriais, a vocação era serviços. Nós mostramos exatamente o contrário, quer dizer, serviço é uma atividade extremamente importante, mas não é um fim, é um meio. O fim é outro, você tem as indústrias, e você tem as atividades de apoio a essa indústria. Aí é atividades, que são as atividades de terceirização, prestação de serviços industriais, isso só acontece se tiver indústria, porque senão não dá para aquela região ser uma atividade turística, enfim, algumas áreas têm, mas muito pouco. Atividade de faculdades, escolas etc., que também tem, mas tudo também está ligado à questão das montadoras. O básico lá era o setor automobilístico, antes de haver a guerra fiscal você tinha 80 por cento da produção de veículos sediada no ABC, 80 por cento é muita coisa. Então tudo estava acontecendo naquele momento, por isso que a gente tinha que fazer as coisas, demonstrar e falar “Olha, Rumos do ABC, para aonde é que o ABC vai? ”. Se continuasse a tendência era não..., claro que depois eles falam “Bom, guerra fiscal é para descentralizar as empresas”, nós dizíamos, não é a questão de descentralizar as empresas, nós não queremos que você feche uma fábrica aqui e monte uma fábrica lá onde não tem cultura sindical, salários aviltados, trabalhadores que não são treinados, não tem nada, vai produzir para vender aqui, o que hoje acontece com a China: produz lá, mas vende para o mundo inteiro. Mas a guerra fiscal é exatamente isso, nós mostrávamos. Tem outros trabalhos que a gente fez do tipo. Um dos últimos e que a gente está atualizando é a questão “Do holerith às Compras”.
P/1- É o que?
R- É um trabalho que a gente fez em 18 municípios onde havia montadora. Porque eles dizem: “Eu estou indo para lá porque lá o custo de vida é mais barato”. E nós fizemos isso em 2002, nós estamos atualizando agora e ampliando um pouco, mostrando o seguinte: lá a jornada é maior, o salário é menor, mas os preços dos produtos são iguais. As empresas prestadoras de serviço, as empresas dos comércios, os produtos em geral, são nacionais. Açúcar vai daqui para lá, cigarro, o preço é o mesmo, remédios, não produtos in natura que tem algumas disparidades, mas em geral os preços são muito parecidos. E lá o cara faz os produtos, mas não consome. O consumo é aqui. Então nós mostrávamos o seguinte: a região do ABC é o terceiro mercado consumidor, quer dizer, você tem São Paulo, Rio de Janeiro e ABC. Então você produz lá para vender aqui. O que a gente quer não é que você produza lá, você vai para lá para criar mercado, não produto, mas mercado consumidor. Isso a gente topava. Então não era fechar uma para abrir lá levando vantagem, era interiorizar o desenvolvimento, mas continuar aqui senão o que que é que nós iríamos fazer? E esse “Rumos do ABC” mostrava exatamente isso. O que a gente propôs na Câmara Setorial Automotiva é que deveria haver a necessidade do país de ter um Contrato Coletivo Nacional articulado, e isso era exatamente para mostrar isso: o cara lá, aqui trabalhava 40 horas, lá trabalha horas extras, você não tem controle nenhum. Os salários lá são muito mais baixos do que aqui. Então quando a gente pegava do tipo, os produtos, a gente fez com o critério metodológico também de tempo, muito parecido com o que a Fitim fazia. Mostrava que o pãozinho no ABC era o mesmo preço de lá, só que você comprava em 20 segundos, lá levava três minutos para o salário dele comprar o mesmo pãozinho. Não é justo que o cara vai produzir lá produtos para serem vendidos - não para ele e para o pãozinho, outra coisa qualquer tão caro quanto aqui -, mas leva muito mais tempo para ele comprar. Um carro, por exemplo, é assim, levava algo assim, se aqui levava dois anos lá levava seis, sete, oito anos, e o cara estava fazendo carro lá. Sabe essa coisa de mostrar que você nacionalizou os produtos e os preços são iguais, o que difere é só aqueles caras que estão produzindo. E nesse novo que a gente está, não é furo, mas a gente vai constatar isso. Nós estamos fazendo um levantamento porque as empresas multinacionais de vendas no varejo são as mesmas do mundo. Você tem o Carrefour aqui e o Carrefour no resto do mundo, você tem o Walmart aqui e no resto do mundo e os preços são iguais. O preço do litro de leite em Portugal é o mesmo preço que nós pagamos aqui só que o salário do cara é maior, o nosso é menor. Na França, na Espanha, então o que a gente mostrava é que no Brasil essa coisa da globalização, da nacionalização do produto e padrão, lá agora é mundial. Então eles têm um padrão de atendimento, padrão de produto e padrão de preço. O que é que sobra? É salário. Então é coisa que a gente faz e mostra para o dirigente que “Olha, nós temos que ter um contrato coletivo nacional articulado, mas ao mesmo tempo temos que ter uma visão do mundo porque senão os chineses vêm aqui e acabam com a gente”.
P/1- Do tempo em que você ingressou no Dieese, você ingressou em 1980, isso daqui dá?
R- Vinte e seis.
P/1- Vinte e seis anos. Que mudanças que você observaria ao longo dessa trajetória na atuação do Dieese, inclusive a subseção?
R- Bem, olha, para ter uma ideia, se você tinha em 1980, 1984, por aí, 1985, depois teve a crise de 1981, depois a de 1983, 1984, por aí, se tinha 200 mil metalúrgicos, 200 mil. As montadoras tinham 78 mil metalúrgicos, hoje tem 33. E 200 e poucos mil, claro com Santo André junto, você tem hoje 100, 112, quer dizer, houve uma diminuição da atividade desse segmento bastante grande. Mesmo que você tenha conquistado salários, e garantias de emprego, a gente conquistou coisas palpáveis, tanto é que quando a gente fala em terceiro mercado é fruto de uma batalha, de uma conquista dos trabalhadores.
P/1- Terceiro setor?
R- Terceiro mercado consumidor brasileiro. Ele não vem de graça, é a garra e a disposição de luta, da briga mesmo. Agora, há necessidade de você ter isso não só naquela região, no Brasil inteiro, você não tem organização suficiente para fazer isso, você tem uma dificuldade extremamente grande. Se você conquistou ao longo desses 50 anos, porque, é claro, as coisas acontecem paulatinamente. Nas empresas que vão lá para São José dos Pinhais quando é que você espera? Vai esperar 50 anos para conseguir alguma coisa, provavelmente não vai conseguir, aquela fábrica para pegar benefícios fiscais e para-fiscais, estava perigando fechar. Hoje, as empresas são mais dinâmicas. A base técnica, por isso que essas discussões, base técnica, reestruturação produtiva... era uma forma. Hoje, com a globalização a coisa é muito mais ágil, a empresa não é um tipo, que ela faz de tudo verticalizada, um complexo industrial dentro da fábrica. Hoje não, ela está focada na produção, terceiriza tudo ou traz de fora e monta. Então a dificuldade de a gente avançar é exatamente essa. Você vê pelo nível de emprego, você vê pela produção de carros finais, mas produz aqui peças para serem montadas em Camaçari ou Gravataí. São feitas no estado de São Paulo, lá são montadas. Motor sai lá de São Carlos e vai lá para o Paraná, enfim, ela [a produção] está mais espalhada, mas a organização ainda vai demorar um pouco.
P/1- E o Dieese, ele foi mudando a sua atuação?
R- É, foi se adaptando, porque você não pode também avançar muito. A ideia da gente, eu acho que é extremamente relevante, o papel do dirigente é dirigir a sua categoria, o papel do assessor é pensar um pouco mais longe, é ajudá-lo nas atividades que ele tem no dia-a-dia, mas é pensar um pouco mais longe para ver “Olha, escuta, nós fizemos no começo dos anos 1980 - quantos robôs tinham? -, não tinha nada e agora a Volkswagen tem 400. ” Então a gente tem que pensar. Essa preocupação já tinha lá na Fitim lá em Genebra. Quantas máquinas, comando numérico, isso o Mário Salerno fazia levantamentos etc., nas fábricas e tal quantos robôs, era novidade, hoje não é mais novidade isso, hoje é uma coisa comum. Então elas vão se adaptando, as fábricas vão ficando mais enxutas, então você tem que se adaptar nessas condições, mas ao mesmo tempo você tem que pensar lá na frente. Fizemos um trabalho que era flexibilização da jornada. Fizemos um levantamento, fizemos um estudo de dez anos de produção, ver sazonalidade, ver como que poderia fazer e fizemos, e foi a pedido da diretoria, fizemos e apresentamos. Era num momento, é o problema do time de se apresentar. Apresentamos e eles falaram: “Muito bom, mas para mim não serve”, lata de lixo. Dois anos depois “Escuta, olha, a Ford está querendo discutir reestruturação, flexibilização da jornada, ‘cadê’ aqueles trabalhos? ”. Falei: “Pegamos, está aqui. ” Dois anos levou para isso. Então você avança, e às vezes você avança até um pouco mais. É importante para eles verem que a gente está pensando, porque todos esses estudos que se faz é para você ter experiências internacionais, o que que está acontecendo na Europa, mas para o nosso momento não é adequado. Estava um acirramento do tipo: “Flexibilizar? Flexibilização da jornada? Nem ferrando!” Aí mudamos. “Reorganização do Processo de Trabalho”, para não ficar aquele nome que chocava muito. Então tem coisas que chocam. Que nem fazer um grande acordo, agora estão falando, mas isso tentava se fazer na época e não dava certo. Então, às vezes, a gente tem que avançar um pouco mais para mostrar para aos dirigentes e é importante que os dirigentes tenham os contatos internacionais. A Volkswagen hoje faz parte de um comitê mundial, mas no passado era impraticável, não tinha nem comissão, agora não; tem um comitê mundial onde se discute problemas da Volkswagen de investimento lá fora e o que é que ela vai fechar aqui ou lá. É uma forma de você hoje com a internet, você tem muito mais possibilidade de ter essas informações muito mais rápidas do que no passado.
P/1- Uma curiosidade, porque você falou no comitê mundial. O Dieese assessora dirigentes e, inclusive, assessora também comissões de fábricas. E essa experiência do Dieese no Brasil, por acaso tem algo similar em outros países? Porque a partir do comitê mundial dá para ter uma ideia de como é que funciona a assessoria entre os locais, não?
R- São culturas diferentes. Culturas muito diferenciadas. Na Alemanha, por exemplo, nós estávamos falando da Volkswagen, eles têm uma autogestão na fábrica, eles têm assento na direção da fábrica, coisa que aqui é impraticável, é impossível ainda. E outra que é uma empresa alemã, de interesses nacionais alemães e aqui ela é um interesse da Alemanha no Brasil. A gente percebeu isso na Toyota no Japão, quer dizer, o interesse da Toyota era produzir e importar ou exportar do Japão para o Brasil para se beneficiar dos mercados. Porque não tem essa questão de nacionalidade, tem questão de interesse. Você pega lá uma fábrica de caminhões que tem interesse nas vendas de veículos na Turquia e a matriz da Alemanha fala “Isso não, isso aqui é mercado cativo”. Você está fora, mesmo que você venda mais barato. Quer dizer, os interesses das multinacionais não passam por discussões internas nos países, eles vêm aqui é para levar vantagem, nós não temos participação. A participação nossa é constatar que tem essas irregularidades, tentar melhorar e produzir, e a deles ganhar mais, é isso. Porque pouca da interferência dos próprios executivos das multinacionais no país é de falar "Vamos fazer aqui”. Você tem que fazer o quê? Concorrer com as filiais, não filiais da matriz ali, a que está ali no estado, mas sim no resto do mundo. Aí você vai discutir, vender caminhões para a África, é possível até porque para mim não interessa país de terceiro mundo, então você pode concorrer com esse produto. Então essas coisas todas a gente vem acompanhando, vem discutindo, mesmo o caso da Ford que saiu de tratores, o Vicentinho foi lá em Detroit viu que lá também estavam fechando muita fábrica e aí começou tudo da cadeia automotiva, a questão da câmara setorial foi exatamente o fechamento da fábrica de motores da Ford. Então precisa conhecer, entendeu? Arejar a cabeça, ver como é que os dirigentes estão lá. Eu estive no México a gente viu que é desse jeito, eu estive em Detroit também como é que os caras atuam, quer dizer, a resistência deles foi muito grande na época dos anos 1950, 1960, mas depois disso foi uma união entre UAW [United Auto Workers] e a Ford.
P/2- Nessa sua fala, me veio uma coisa muito interessante. Em dado momento de diversas falas de diversas pessoas que passaram aqui, fala-se dessa interação que os sindicatos do Brasil têm com organizações mundiais do trabalho. Em dado momento, a gente esquece que mesmo o funcionário sendo o funcionário de uma empresa multinacional aqui e de outro estado, que esses interesses que correm, o jogo de interesse do capitalismo por detrás disso. A situação do trabalhador no Brasil pode ser similar com a situação do trabalhador mexicano nas maquiladoras de lá, mas o ponto que eu quero chegar é: você acha que pode existir alguma solidariedade dessas organizações de trabalhadores?
R- Solidariedade... há a possibilidade e a gente tem que fazer de tudo para ser solidário e exigir a solidariedade. Mas essa discussão da Volkswagen mostrou que solidariedade tem seus limites. “Vocês vão fazer carro lá e nós aqui? ”. Depois do que aconteceu lá, da queda das torres de New York, o mercado de veículos da Volkswagen - que era o Golf - caiu 40 por cento, 40 por cento da produção de carros eram para os Estados Unidos. E tinha uma outra fábrica no México e uma fábrica no Brasil. Então o que é que vai fazer? Bom, “Nós não estamos vendendo nada, o que é que nós vamos fazer com uma fábrica que tem aí mais de 100 mil trabalhadores que é lá em Wolfsburg? ”. Foi um desastre, foi um desastre. Então os novos produtos da Golf, dos carros, serão um novo modelo feito exclusivamente em Wolfsburg. No Brasil não vai ter mais e nem no México. Porque senão ela - o capitalismo não tem pátria - vai produzir onde tem interesse, onde é melhor. Essas discussões são feitas lá pelo bureau da fábrica. Então para eu manter a produção mundial de Golf vai ser na Alemanha, para eu continuar dando trabalho para os alemães. E o que é que faz os trabalhadores alemães? Apoiam, é claro! É a vida deles. Cadê a solidariedade? “Putz”, nós vamos fechar uma fábrica aqui no Brasil, aqui de São José dos Pinhais e outra lá no México, ou vai fazer um outro produto, não vai fechar essa de São José dos Pinhais, porque o Fox está sendo feito lá, porque senão iria fechar aquela fábrica. A Audi foi feita na mesma linha do Golf, a Audi é um carro de alta tecnologia, caro, mas para um nicho de mercado. Você faz aquele carro e atende aquele objetivo daquele mercado, mas ela não expande porque a economia brasileira patina. Se você crescesse você poderia falar “Bom, olha, produzi aí tantos mil por ano, tantos mil, mais dez por cento, sei lá...” Não dá para fazer isso, não dá porque já está tomado. E outra coisa, o preço, o consumidor faz aquela análise de custo-benefício: “Vou comprar um Audi ou vou comprar um Bora, vou comprar um Passat, vou comprar um carro importado Hyundai ou da Chrysler”, sei lá, qualquer coisa. Hoje em dia a pessoa tem mais alternativas, quer dizer, a abertura do mercado deu alternativa para essa elite de meio por cento da população comprar o que bem entende. Se eu não comprar um nacional eu vou comprar um importado, tem possibilidade de fazer isso. Então você traz uma fábrica que está sujeita a fechar. O Golf e o Audi. E o cara da Audi falou que foi uma grande bobagem que nós fizemos: montar uma fábrica para fazer a Audi fazer dez unidades por dia, não tem como, não tem cabimento. E a mesma coisa a Volkswagen, “Vou fazer o Passat aqui, que é o Santana? Não. Trago o Passat lá da Alemanha ou trago o Bora que é feito na linha que era do Golf”, que agora está fazendo o Bora no México, importa o Bora e aqui eu vou fazer o Fox para exportação para o mercado interno. Então para ter essas alternativas eu tenho que fazer outro produto, se for para concorrer com o mesmo produto fecha a fábrica. A proposta dela era o seguinte: “tenho 300 mil metalúrgicos funcionários da Volkswagen, tenho que cortar de 20 a 40 mil metalúrgicos porque a crise no setor automobilístico está bastante grande”. Ford, General Motors, enfim, Volkswagen, mesmo a Fiat que agora saiu um pouco da crise, do foco. “Bom, e eu tenho unidades em Portugal e na Espanha que eu vou fechar.” A ideia é a ameaça, quer dizer, a ameaça dos executivos da fábrica é em cima de todo mundo. “Dou benefício aqui para não fechar essa fábrica porque é histórica, desde antes da guerra, dá trabalho para os caras, mas eu vou fechar em Portugal, vou fechar na Espanha e no Brasil tem cinco, está sobrando muito, escolhe a mais velha, que era a tentativa deles de fecharem a [unidade] Anchieta, tanto é que houve aquela resistência toda. Essas são coisas que essa tal de solidariedade tem seus limites. Nós podemos ser solidários. Qual interesse realmente os trabalhadores brasileiros têm em defender uma empresa que não é deles? É diferente do Japão que tem dez fábricas lá, são dez fábricas japonesas, pode até ter joint-venture, mas dez fábricas japonesas e aquele brio nacional, como tem na Coréia, como tem na Alemanha. Nós não temos. O carro aqui era Gurgel, coitado. Então esses interesses são extremamente delicados e que é o fio da navalha que o dirigente sindical tem que caminhar e que nós estamos juntos nessa.
P/1- A gente já vai fechando, tá?
R- Espero que sim que eu estou...
P/1- Só uma coisinha, a subseção de São Bernardo sempre esteve muito próxima da categoria não só dos dirigentes, não é isso? Em atividades, congressos, como que é esse contato da subseção com a base metalúrgica, existiria isso?
R- Nós já tivemos mais. Nós tínhamos um atendimento de área como aqui tem, um caos. Porque a gente tem um determinado momento que isso é extremamente importante, tem outros que não dá. Você não pode ficar atendendo varejo, senão no atacado você não consegue. Então, os trabalhos que são feitos de fôlego, é no atacado. A gente vai fazer negociação, fizemos seminário em uma comissão, as comissões com a direção e outras pessoas para discutir participação no resultado. Fizemos uma publicação para isso e vai na base do; “Olha, nós vamos negociar isso aqui”. Mas não dá para gente ficar o tempo todo. Temos que treiná-los e eles se auto treinarem, tem uma formação lá no sindicato, para ir preparando o pessoal que vai tocar. Então, é muito difícil. Hoje nós discutirmos uma questão de participação de lucro e resultado com a Volkswagen diretamente com a fábrica assessorando o dirigente e usando da palavra e mostrando. A gente faz isso junto com os dirigentes das comissões, que são comissão de alto nível e que eles vão e negociam. E essa é uma forma de você ir disseminando essas informações. Tem lá na Tribuna [Tribuna Metalúrgica], a gente tem uma coluna toda semana. Tem algumas coisas que a gente faz para mostrar para “peãozada”, para os trabalhadores, o que é que está se passando tanto nas empresas como no mundo, na economia e tal. Então essa é uma atividade que olha.... Tem coisas extremamente interessantes: me liga um cara que é de uma comissão de fábrica, mas que quis saber, por exemplo; “Quanto é que subiu o preço dos jazigos do Cemitério das Colinas? ”, “Meu, quer que eu faça esse levantamento? ”, “É porque eu comprei e tal, ninguém morreu”. Ele quis dizer. (RISOS) Só para você ter uma ideia. Ou senão de aluguel de casa. Então a gente fala “Olha, você pega lá no jornal Folha de São Paulo ou outro qualquer, o caderno econômico e está lá, de dinheiro está lá a informação”. Se a gente não consegue fazer, fica difícil você dar esse atendimento. Você pode até fazer aquele atendimento que o cara vê ali, mas senão o nosso tempo não dá, não dá. Só uma coisa que eu acho que é porque os caras chegam lá e se você não atender eles ficam chateados com a gente, “Pô, eu nunca vim aqui, eu nunca pedi nada para você. ”
P/1- Mas como que essas pessoas têm acesso ao Dieese, é pelo Jornal Tribuna? Como que eles sabem do Dieese?
R- Porque tem lá no segundo andar - Dieese. Na portaria tem os departamentos, se o cara vai lá ou às vezes tem algum problema de cálculo ou departamento jurídico ou da homologação, “Ah, vai sobe lá no Dieese que os caras estão lá e faz o cálculo. ” Na realidade eles queriam que a gente ficasse com uma maquininha fazendo cálculos para eles. Em época de campanha a gente deu até curso de matemática sindical para os caras. Eu falei: “Olha, vocês têm uma dificuldade que a gente vai ter que mostrar, vocês sabem trigonometria? Vocês sabem as diferenças que tem de salário, hora extra, não faz? Como é que vocês fazem isso? ”. Então a vida é isso. “Não, mas eu tenho resistência a número.” Número é uma coisa que você vive no dia-a-dia. Você não pode ter esta resistência, você vive em função deles. “Qual é a sua idade, qual é o seu peso, a sua altura, teu manequim, que horas são, que dia é hoje?” Sabe? Mostrando para eles que a matemática está no dia-a-dia. “Quanto você paga de água, de luz, gasta de energia, quilowatts? ” Tudo isso... porque não pode, porque nós estamos muito mal ensinados na escola. Você tem uma resistência a este tipo de coisa, mas quando você começa a mostrar que isso tem uma atividade prática no teu dia-a-dia, o cara passa a ter menos resistência.
P/1- Como que você vê as perspectivas de atuação do Dieese no futuro?
R- Para a subseção?
P/1- Nos dois, a subseção e o Dieese.
R- A gente achava, e eu tenho confiança de que isso vai para frente, que nós tínhamos que mudar determinadas atividades do Dieese. Tem umas coisas do tipo no Brasil, tem mais de 30 índices econômicos, para que tanta gente? Não é que eu seja contra o Dieese e ele surgiu exatamente com o custo de vida para bancar ou enfrentar um custo de vida que era da Fipe [Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas]. Mostrar que “O custo de vida dos trabalhadores é diferente. ” Agora se você não tiver recursos como é que faz? Nós temos que atualizar esse custo de vida a cada cinco anos, nós não temos recursos para fazer isso. No passado o Dieese tinha um papel tanto técnico quanto político e falava em nome do sindicato, que não era o papel do Dieese. O papel do Dieese é ser técnico, ajudá-los na elaboração, mas na época da ditadura falava politicamente. Eles depois dos anos 1980, final dos anos 1970, falavam por si só. Então nós passamos a ter um papel mais técnico de apoio na elaboração de políticas sindicais, enfim, tem o ICV (Índice de Custo de Vida), tem o índice de desemprego que é extremamente importante, mas o que é que a gente pode? Tem muita soma de recursos duplicada, triplicada. Se a gente tivesse uma organização mais de confiança, que espero que a gente passe a ter, que não há necessidade de você ter o Índice de Custo de Vida do Dieese, o índice da FGV [Fundação Getúlio Vargas], o índice do Ibge [Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística] e o índice de outras universidades, para que isso? Eu sei que tem algumas resistências, mas a partir do momento que você começa a confiar nisso, o México tem apenas um. Todos eles têm participação dos dirigentes, dos empresários, do governo. Confiança. Tem estatísticas sérias e aqui não, cada um faz o que bem entende. Se a gente tivesse isso - esse esforço duplicado é desnecessário - precisaríamos ter esses recursos para outras atividades. O Dieese, por exemplo, se tiver uma universidade ótimo! Nós vamos treinar dirigentes sindicais independentemente de que central são, tanto os dirigentes sindicais, como os próprios ativistas sindicais. O Cesit [Centro de Estudos de Economia Sindical e do Trabalho] que está na Unicamp... o Dieese começar a fazer esse tipo de coisa, ele precisa avançar nessa área que eu acho importante. Agora as subseções é uma coisa mais complicada, porque nas empresas a gente não sabe até que ponto que tem uma curva que a gente chama de Curva de Maturidade, sabe, a empresa vem, se instala, vai crescendo, crescendo e chega num determinado ponto que dá uma estabilizada e cai, passa a ter, como Detroit, empresas, regiões, o “Vale do Ruhr” na Europa totalmente degradada. É aquela, a gente vê no velho-oeste. Enquanto tinha ouro tinha cidade, acabou o ouro acabou a cidade. Fazendo do tipo fantasiando um pouco, mas isso pode acontecer. Quer dizer, o adensamento das regiões você não consegue recuperar mais. O que é que as empresas fazem? Você percebe agora o que elas fazem: “Bom, eu vou ficar aqui com o escritório, mas vou produzir fora. ” Não tem espaço de crescer. Hoje nós estamos discutindo a questão da Câmara Regional dos sete municípios. Nós estamos mostrando, mais ou menos, esse tipo. Você não pode pensar num município, você tem que pensar numa região e o Dieese e a subseção estão trabalhando nisso, quer dizer, não é só com os metalúrgicos, com outras categorias, é o sindicato-cidadão. “Como é que nós vamos recuperar essa área?” Porque você tem que fazer investimentos razoáveis para recuperar isso, porque vai degradando de tal forma que as empresas não têm muito interesse. É aquele negócio: os investimentos que eu faço aqui é que nem os portugueses vinham aqui, cortavam o pau-brasil e levavam embora, predatório da natureza. Agora nós fazemos a depredação de forma diferente: vai lá, pega a “peãozada”, traz a “peãozada” do Brasil inteiro para ir para o ABC e aí de uma hora para a outra diminuo, cesso um pouco a produção, não faço tanto e o “mico” fica para o poder público local, elas não têm essa responsabilidade social com o município. Eu acho que a subseção tem que partir por aí porque se ficar só com o metalúrgico ou ficar só com um determinado segmento vai ficar ruim. Tem que ampliar um pouco os horizontes e fazer uma coisa mais sistematizada. O crescimento não pode depender de quem está lá na prefeitura “tal e qual” de certo município. Tem que ter política de médio e longo prazo, de planejar no futuro, e você tem que recuperar essas áreas e você recuperar essas áreas vai muito dinheiro, mas ou faz isso ou vai virar uma favela, você não consegue entrar mais lá e a “peãozada” está lá, mas também está a bandidagem. O poder público não entra lá dentro, eles são os donos do poder, não é a “peãozada”, porque eles vão trabalhar nas suas fábricas, mas há bandidagem. Como é que nós vamos fazer isso? Se acontecer de a mulher grávida ter um neném quem ajuda é a bandidagem porque a ambulância não entra. E toda a periferia está desse jeito, não sei quantas favelas tem no ABC, mas 60, 70 por cento está em favela. E depois que essas empresas vão embora o que é que vamos fazer com isso? Eles não vão atrás, não dá para ir, eles não levam, eles não levam a “peãozada”. Eles vão lá pegar, foi o que aconteceu em Resende [RJ]: “Eu vou parar uma fábrica aqui de caminhões e me comprometo com vocês que eu vou pegar os trabalhadores, as pessoas da região. ” Você entra numa determinada informação do ministério do trabalho e quantos trabalhadores têm lá? Trezentos, trezentos. Tem 1.700 do condomínio e mais o dobro disso aqui de terceiros. Cadê esses caras? Você não acha. Você não acha porque eles trabalham lá, mas são registrados lá em Osasco, em Guarulhos, no ABC, em São Paulo, no Rio. Então você perde essa referência. Então eu acho que nós temos que trabalhar em consonância com determinadas estatísticas sérias. Eu já conversei com o ministro que “são informações extremamente relevantes, importantes, que é a questão da renda, que é a questão de emprego nacional, mas temos que ter credibilidade nisso e para ter credibilidade você tem que fazer algumas alterações e adaptações. ”
P/1- Você acha que a subseção dos metalúrgicos do ABC pode, por exemplo, ampliar a atuação dela? Apesar de estar localizada no próprio sindicato?
R- Você pode ter num sindicato agora, por exemplo, os químicos já tiveram subseção, está voltando a ter. O sindicato dos químicos é regional, não é só São Bernardo e Diadema, é Santo André, Mauá, Ribeirão Pires, “tal, tal, tal”. Tem um polo lá de cosmético que pertence a ele e um polo petroquímico que é em Capuava, em Mauá, então nós podemos fazer trabalhos articulados. Eu não vejo que a subseção hoje que tem eu, a Zeira e o Tadashi e mais três ou quatro pessoas de apoio, vá crescer, porque com essa redução do número de trabalhadores de 200 para a metade, como é que vai? Então eles cortam. Cortaram no passado o assistencialismo e hoje estão cortando a carne e não tem outra alternativa, entendeu? Você não tem como financiar por mais importante que seja. Então você tem que vender este tipo de serviço, essa atividade para outros sindicatos, para a CUT estadual, para a CUT regional.
P/1- Outras centrais.
R- Centrais, é isso. Porque São Paulo tem um sindicato, tem um técnico, que é o Wellington, um técnico, não dá conta, não dá para dar conta. Então o que é que ele faz? Fica dando aula, curso de formação, que não é o meu forte.
P/1- O que é que você achou de contar um pouco da sua história no Dieese para o Projeto Memória e o que você achou desse projeto?
R- Eu acho que o projeto é legal, mas antes disso eu queria falar uma coisa do Dieese. Eu acho que ser “dieesiano” é uma coisa que está no coração da gente. A gente passa dificuldade, família, mas a gente gosta dele porque é uma coisa assim a equipe é legal, somos solidários, mas infelizmente, a gente tem problemas, eu tenho quatro que dependem ainda de mim. É um problema sério, porque o dirigente vê a gente um pouco como bibelô, sabe? Nas negociações que eu participei uma vez em Santos, pegaram eu e o Prado [Antonio Prado] e deixaram uma sala lá da Cosipa [Companhia Siderúrgica Paulista] e foram negociar com os executivos. Então a qualquer momento eles discutiam. “Vou chamar o pessoal do Dieese”, sabe? Tipo ameaça. Então usava muito a gente como bode, hoje é menos, mas ao mesmo tempo com essa dificuldade toda dessa reestruturação em geral, caiu muito o nível de emprego industrial e renda... A gente não tem como bancar uma instituição dessa se a gente não tiver aporte de poder público. No passado eu falei que a gente precisaria mudar um pouco o caráter do Dieese, fazer uma Fundação. Porque a Fundação tem direito de receber recursos federais, estaduais, não ficar só na dependência do dirigente porque ele é muito pragmático e ele: “Só para vir esse ‘papelzinho’ aqui, esses ‘númerozinhos’, eu pego lá da central, para que é que eu vou ser sócio do Dieese se eu tenho essa informação via CUT ou via Força, não preciso. ” Ele infelizmente ainda não tem esse papel solidário, sabe? Da necessidade de ter informação mais precisa e a gente tem uma equipe que a nossa vida é essa. Trabalhar com eles e, principalmente, eu que vim de lá, lá da “peãozada”, eu tenho um bom trato com eles assim, mas a sociedade é egoísta e faz com que essas pessoas se tornem egoístas; “Eu tenho que levar aquela vantagem e se eu não levar essa vantagem para que eu preciso disso, eu descarto. Não sei se vou precisar mais lá na frente, aí lá na frente eu vou saber o que fazer. O que interessa é o aqui e agora, hoje, o futuro a Deus pertence”. Então não tem uma visão de médio e longo prazo, de estratégia, de planejamento, não tem nada disso. E isso está no papel do dirigente com a sua categoria, não só isso como treiná-la, qualificá-la, profissionalizá-la. Profissão que eu digo não é profissão dirigente sindical, mas profissão mesmo, escolas de profissionalização e para isso você tem que ter aporte e não é da “peãozada”, você tem que ter do governo federal, ter uma universidade agora, lá na região. É para quem? Para os trabalhadores. Isso é importante, mas eu ainda acho que o nosso grau de sacrifício quando eu entrei no Dieese, o Barelli falou: “O que é que te motiva a entrar no Dieese? ” Eu falei: “Ah, o motivo trabalho que eu acho legal, você vai ter um longo contato com as pessoas, que você vai aprender e ensinar juntamente essa mão dupla com os trabalhadores e tal. ” Ele falou. “Mas sabe que o Dieese, às vezes, você recebe um pedacinho aqui, um pedacinho ali, sempre teve dificuldade. Sua mulher trabalha?” Eu falei “Não. ” “Você vai ter muito problema.” “Sim.” Eu resisti... “Muito problema.” Por mais que eu receba e que eles banquem aqui, mas o dinheiro cai na caixa e eu tenho que distribuir que é a questão da solidariedade que a gente tem entre nós técnicos. Mas tem uma coisa, que somos solidários, mas nós temos dificuldade em vender nossos produtos. Para ter uma ideia eu precisava de uma informação de pesquisa de custo de vida da terceira idade. Quem faz isso é a FGV. Cada informação dessa me custou dois reais. Eu tenho que fazer uma série, paguei 300 reais pela série. E outra, não é você pegar assim “Bom, aí você exporta. ” Não, é pegar e ter que lançar porque vem naquela configuração e você não consegue fazer. Se você quiser informação eles vendem. Por que o Dieese não faz isso? Porque é difícil, mas é a sobrevivência do Dieese, é se autovalorizar, mostrar para os dirigentes: “Escuta, tem tudo isso aqui olha”. O Dieese trabalha para o movimento sindical, está bom, mas quem paga a conta? Sindicato de São Paulo, Sindicato dos Bancários, Sindicato de São Bernardo, Sindicato dos Químicos, petroleiros, quatro cinco dirigentes, quatro, cinco sindicatos importantes e todos aqui de São Paulo. Não dá para ficar dessa forma, tem que mudar um pouco. Eu acho que está sendo feita uma série de gestões aí, perante instituições, mas a gente vai ter que fazer convênios, fazer convênios com faculdades, universidades, tem que fazer porque senão vai para a inanição, esse é uma coisa séria, não é isso?
P/2- É.
P/1- Você quer deixar alguma mensagem para o projeto para gente fechar?
R- Ah, o projeto de vocês, deixa eu falar do projeto. Eu acho que esse projeto como foi feito aquele lá do ABC, é importante que essas pessoas contem essa história da instituição, os sacrifícios que foram feitos, passar que as coisas não são benesses, nada vem do céu, as coisas são com muita luta, sacrifício, incompreensões que a gente percebe no meio, desvalorizando determinadas coisas porque eu sou democrata e acho que as outras pessoas devem ser democratas, eu não sou democrata, eu sou um cara que imponho a minha ideia e isso sempre no movimento sindical. Você acha muito isso, democracia não existe, não é que não exista, existir existe, mas é uma coisa em que eu tenho que ser um tipo de pessoa que imponho a minha vontade. Não gosto muito de ficar ouvindo conselhos. Você tem que ter muita confiança e ele tem que ter muita confiança em você para você ter uma conversa clara, limpa, transparente e que o movimento sindical está sempre se renovando. Eu até brincava com o pessoal lá. Interessante, toda vez que tem uma eleição você tem que voltar tudo novamente, você tem, sabe? Voltar a conhecer as pessoas, a ensinar, é o eterno ensinar, sempre praticamente a mesma coisa. Porque tem matérias que você deveria, se tivesse curso adequado no país, você não precisava ficar ensinando matemática para o cara, não é porque é o cara, ele é um líder que tem uma liderança, mas não tem o conhecimento de como fazer a conta, o cara que está do lado dele, ele desmoraliza. Então isso é uma coisa de estrutura educacional no país. Mas esse trabalho, eu acho que é extremamente importante, vocês levarem mesmo esta experiência da instituição, que afinal de contas a instituição é do movimento sindical, não é de mais ninguém.
P/1- Obrigada.
R- Obrigado.
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