P/1- Boa tarde, Doutor Jaime!
R/1- Boa tarde! Tudo bem?
P/1- Poderia confirmar: o nome completo; a data e o local de nascimento?
R/1- José Jaime Bastos, nasci em 1º do junho de 1955, na cidade de Morrinhos, estado de Goiás.
P/1- Quais os nomes de seus pais?
R/1- O meu pai chama-se José de Jesus Bastos e a minha mãe Zeni Jaime Bastos.
P/1- Qual era a atividade dos seus pais?
R/1- Meu pai era advogado e funcionário do Banco do Brasil. A minha mãe foi professora e depois tornou-se dona de casa.
P/1- Qual a origem da sua família?
R/1- Os dois são descendentes de portugueses. Minha mãe nasceu em Pirenópolis e o meu pai em Goiás Velhos, ambas cidades pertencentes ao estado de Goiás.
P/1- Tem irmãos?
R/1- Sim, tenho quatro irmãos.
P/1- Gostaria de registrar o nome deles?
R/1- Sou o primeiro o irmão mais velho de três homens e duas mulheres. Seguindo a ordem, depois de mim, nasceram a Tânia, o Fernando, a Denise e o César. Cinco filhos.
P/1- Doutor Jaime, como era a infância em Morrinhos?
R/1- Não recordo da infância em Morrinhos. Quando tinha um ano e meio, ou dois, meus pais mudaram de cidade. Tenho pouquíssimas recordações. Logo, não gostaria de comentar.
P/1- Tem recordações de Pirinópolis?
R/1- Tenho boas recordações a partir do momento em que fomos morar em Brasília. Nos mudamos no dia em que a cidade foi inaugurada. Viemos no final da década de 1950, início dos anos 60. Fomos morar no entorno e recordo-me que a cidade estava num alvoroço. Vivíamos na expectativa de que as coisas iriam melhorar, por causa das mudanças que o país passava.
Mas recordando da infância em Pirinópolis, vivíamos próximo a uma estrada que cortava toda a cidade e diariamente passava centenas de caminhões carregados de materiais da construção civil sentido à Brasília. Esta situação, que agitava a cidade, ficou registrada na memória.
Falando da cidade, era a típica cidade do interior. Sabe? Lugar muito bom para...
Continuar leituraP/1- Boa tarde, Doutor Jaime!
R/1- Boa tarde! Tudo bem?
P/1- Poderia confirmar: o nome completo; a data e o local de nascimento?
R/1- José Jaime Bastos, nasci em 1º do junho de 1955, na cidade de Morrinhos, estado de Goiás.
P/1- Quais os nomes de seus pais?
R/1- O meu pai chama-se José de Jesus Bastos e a minha mãe Zeni Jaime Bastos.
P/1- Qual era a atividade dos seus pais?
R/1- Meu pai era advogado e funcionário do Banco do Brasil. A minha mãe foi professora e depois tornou-se dona de casa.
P/1- Qual a origem da sua família?
R/1- Os dois são descendentes de portugueses. Minha mãe nasceu em Pirenópolis e o meu pai em Goiás Velhos, ambas cidades pertencentes ao estado de Goiás.
P/1- Tem irmãos?
R/1- Sim, tenho quatro irmãos.
P/1- Gostaria de registrar o nome deles?
R/1- Sou o primeiro o irmão mais velho de três homens e duas mulheres. Seguindo a ordem, depois de mim, nasceram a Tânia, o Fernando, a Denise e o César. Cinco filhos.
P/1- Doutor Jaime, como era a infância em Morrinhos?
R/1- Não recordo da infância em Morrinhos. Quando tinha um ano e meio, ou dois, meus pais mudaram de cidade. Tenho pouquíssimas recordações. Logo, não gostaria de comentar.
P/1- Tem recordações de Pirinópolis?
R/1- Tenho boas recordações a partir do momento em que fomos morar em Brasília. Nos mudamos no dia em que a cidade foi inaugurada. Viemos no final da década de 1950, início dos anos 60. Fomos morar no entorno e recordo-me que a cidade estava num alvoroço. Vivíamos na expectativa de que as coisas iriam melhorar, por causa das mudanças que o país passava.
Mas recordando da infância em Pirinópolis, vivíamos próximo a uma estrada que cortava toda a cidade e diariamente passava centenas de caminhões carregados de materiais da construção civil sentido à Brasília. Esta situação, que agitava a cidade, ficou registrada na memória.
Falando da cidade, era a típica cidade do interior. Sabe? Lugar muito bom para se viver! Muitas árvores frutíferas, como mangueiras e cajueiros, e a maioria das casas possuíam quintais enormes. Tudo muito diferente do que conhecemos hoje.
P/1- Quantos anos tinha quando mudou-se para Brasília?
R/1- Nos mudamos em julho de 1964, eu tinha nove anos de idade.
P/1- Nove anos? Como foi a mudança?
R/1- Eu vivia numa expectativa tremenda, porque todos nós sabíamos que Brasília faria a diferença para a população do Centro Oeste. Na medida que o tempo passada, conseguíamos enxergar isto e com a mudança para a nova cidade do país estávamos todos empolgados. Quando chegamos em Brasília, achei tudo diferente do que conhecia. Existiam prédios diferentes, o astral era diferente, tudo diferente comparado a uma cidade do interior. Fomos morar num apartamento e foi uma fase boa para nós.
P/1- Continuou os estudos em Brasília?
R/1- Sim. Como eu tinha nove anos, já estava na segunda série do ensino fundamental. Fui alfabetizado em Pirinópolis. Não sei se ainda chamam assim, na época era o primário. Estudei em escola pública e pertencia a Classe 308. As coisas eram diferentes aos tempos de agora, as escolas funcionavam como parques estudantis. Funcionava da seguinte forma: entrávamos no horário da manhã e estudávamos normalmente as disciplinas tradicionais e no horário da tarde estudávamos teatro, música, dança e educação física. Naquele tempo, a formação era completa. O projeto de educação pública era mais abrangente.
P/1- Como era na escola?
R/1- Tenho ótimas recordações desta época da infância. Naquele tempo, sentíamos que tudo daria certo em nossas vidas. As expectativas eram boas, o clima entre as pessoas era bom. Foi uma época muito boa!
P/1- Tem lembranças do Ensino Médio?
R/1- Assim que terminei os estudos primários, fui matriculado no ginásio - na época considerado primeiro grau - no Colégio La Salle. Fiquei nele por dois anos e depois retornei a escola pública e estudei nela até o primeiro ano do segundo grau, ou secundário.
Então, os meus pais me matricularam no Colégio Sigma, que preparam os alunos para o vestibular. Quando adentrei no terceiro ano do secundário, realizei uma viagem ao exterior. Voltei, cursei apenas o último semestre do terceiro ano e prestei o vestibular. Infelizmente não passei e tentei novamente após seis meses e consegui. Entrei no curso de Medicina.
P/1 - Como foi a experiência no exterior?
R/1- Viajei como estudante a fim de melhorar os meus conhecimentos na língua inglesa, morei por seis meses em Chicago, nos Estados Unidos. Apesar de achar que eu era muito novo para uma experiência como esta, de viajar sozinho a um país estrangeiro, foi excelente. Aprendi a ter uma visão melhor sobre o que é o mundo e também aprendi a relacionar-me com pessoas diferentes, de outra cultura. Foi ótimo!
P/1- Depois que concluiu o segundo grau, entrou na universidade?
R/1- Não de imediato. Consegui passar na universidade no segundo teste que realizei e na base do estresse [risos]. Eram quarenta candidatos por vaga e como eu tinha estudado o terceiro ano do secundário pela metade, devido ao intercâmbio que realizei, não passei no primeiro teste. Retornei dos Estados Unidos em agosto e estudei apenas seis meses do último ano do secundário - ou seja, perdi um semestre do colégio. Estudei bastante para realizar o teste novamente e em julho de 1974 consegui passar no curso de Medicina.
P/2- De onde partiu o desejo de estudar medicina?
R- Penso que foi quando era pequeno. Quando ficava doente, minha mãe levava-me à consulta médica do Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Bancários, o IAPB. Eles possuem, ou possuíam, um departamento médico. Eu ficava fascinado com a postura das pessoas que trabalhavam lá, todos muito sérios e bem arrumados. E quando o doutor nos recebia, achava incrível como ele realizava os exames e diagnosticava a doença. Eles sempre acertavam, o tratamento que indicavam sempre nos curava.
Criei este fascínio pela profissão e tornei-me um curioso nato, quando criança, pela área biológica. Tudo que era relacionado ao funcionamento do corpo e dos organismos adorava estudar. Por conta disto que no segundo grau passei a dar monitoria para as minhas turmas, como comentei na pergunta anterior.
Isto contribuiu para que eu dominasse mais o assunto e para ajudar um tio próximo veio morar conosco para realizar a residência, ele tinha terminado o curso de medicina e conseguiu uma vaga como residente em Brasília. Logo, além dele me explicar centenas de assuntos que eu tinha curiosidade, levava-me para acompanhá-lo em alguns trabalhos dentro do Hospital. Assim, aprendi como funcionava a parte administrativa de controle de pacientes e atendimento e o funcionamento das consultas médicas. Fiquei ainda mais apaixonado pela profissão.
P/1- Como foi a história com a Fundação do Banco do Brasil?
R/1- As coisas estavam um pouco pesadas em casa, porque eu tinha muitos irmãos mais novos e quem nos sustentava era o nosso pai. Quando eu ainda estava estudando no segundo grau, tornei-me professor na escola que estudava, eu dava aulas para as turmas do pré-universitário. Por conta disto, eu tinha bolsa de estudos.
Quando adentrei ao curso de medicina, eu já não era mais professor. Logo, as despesas em casa aumentaram. Não conseguia emprego em nenhum lugar e os livros que eu necessitava eram deveras caros. Foi quando decidi arrumar um emprego sério e consegui um temporário no Ministério da Saúde. E neste período, prestei os concursos do Banco do Brasil. Consegui ser aprovado um ano depois que comecei a estudar medicina. Tomei posse do meu cargo em novembro de 1975.
P/1- Como estudante de medicina, por quê escolheu o Banco do Brasil?
R/1- Sim, parece estranho mas, naquela época o Banco do Brasil promovia dois concursos por ano e todos sabiam que o salário de bancário era considerável. Assim que entrei no curso de medicina, mesmo conseguindo um trabalho temporário no Ministério da Saúde, eu prestava os concursos do Banco.
Tenho uma história interessante sobre estes concursos! Na minha primeira tentativa, não passei. Na segunda, também não. Comecei a achar isto estranho, porque o vestibular de medicina era bem mais difícil de passar do que no concurso.
Cheguei a conclusão que eles não queriam um estudante de medicina trabalhando com administração. Então, na minha terceira tentativa eu preenchi o formulário dizendo que era administrador de empresas. Foi quando passei! Considero que realmente existe esta filtragem psicotécnica.
Respondendo a questão, a minha ideia era ter um emprego temporário que oferecesse um horário alternativo e que conciliasse com os meus estudos. O meu desejo era contribuir com as despesas de casa e ter mais tempo para estudar e descansar. Sendo aprovado no Banco, eu conseguiria conciliar tudo.
P/1- O que que significava trabalhar no Banco do Brasil?
R/1- Em primeiro lugar, era um orgulho ser bancário do Banco do Brasil. Em segundo, o salário era diferenciado comparado às outras profissões. As pessoas admiravam quem era aprovado em concurso público e por conta disto todos que trabalhavam vestiam a camisa para que o tudo fosse perfeito. Isso despertava em nós - funcionários - o sentimento de equipe, companheirismo. Era ótimo ser funcionário do Banco do Brasil.
Como eu estudava, conseguia trabalhar nos horários diferenciados. Comecei entrando ao meio-dia e saindo às seis da tarde. Depois, consegui o horário das quatro da tarde às dez da noite. Em seguida, entrei no turno das seis da tarde à meia-noite. O que era perfeito para estudar e resolver assuntos pessoais.
As pessoas que trabalhavam comigo, a equipe, todos nós éramos jovens, tínhamos muito sonhos, e trabalhar no banco nos incentivava a correr atrás das nossas expectativas. A maioria de nós éramos estudantes e super unidos. Um ajudava o outro com o trabalho, caso alguém precisasse sair mais cedo. Penso que estávamos todos na mesma sintonia.
Esta fase ensinou-me a enxergar melhor a realidade, a responsabilidade da vida. Sabe? Cair e levantar. Recomeçar. Foi um período de amadurecimento. Sempre seguindo em frente.
E eu recordo com muito carinho que com o meu primeiro salário comprei um presente para a minha mãe: uma máquina de costura, que naquela época era caríssimo. Lembro que a comprei e fiquei impressionado que tinha sobrado bastante dinheiro do ordenado. Pensei: “Nossa, esse salário vai render!”.
P/1- Como era na universidade? Qual instituição estudou?
R/1- Adentrei na Universidade Federal de Brasília, a UNB. Considero que ela é uma das melhores instituições de ensino do país, apesar das pesquisas que nomeiam as melhores não a intitularem como tal. Bom, não é novidade para ninguém que nos anos de 1970, período em que ingressei à universidade, vivíamos sob o comando do Regime Militar.
Realmente, não tínhamos tanta liberdade de expressão e estávamos sempre a sermos vigiados por algum agente do Governo. O que não era difícil de identificar, chamávamos eles de “infiltrados”, porque frequentavam as aulas como um estudante comum mas estavam sempre a prestarem atenção nos assuntos que debatíamos em aula.
Claro, como éramos estudantes de medicina não tínhamos tempo para debater temas políticos. O nosso foco era estudar e prestar atenção em tudo o que os professores diziam. Era bem fácil para nós identificarmos o tal infiltrado, porque o nosso curso era semestral e não era comum trocarmos de instituição de ensino por causa da pesada carga curricular.
Logo, sempre que avançávamos o semestre um aluno era transferido, ou seja, saía da nossa turma, e outro adentrava. E a conversa deles era sempre a mesma, diziam que tinham mudado de cidade e que tinham transferido a matrícula para a UNB.
O curso de medicina era visado, estávamos sempre sendo vigiados. A reitoria sempre foi considerada poderosa, tinham controle sobre tudo o que ocorria no campus, e eu tive a sorte de ter o mesmo reitor em toda a minha vida acadêmica. Em termos estruturais, a universidade oferecia laboratórios excelentes e bibliotecas boas. Não nos faltavam recursos para estudar.
Considero este período essencial para o meu amadurecimento como pessoa e profissional de medicina. Tínhamos orgulho de pertencer a esta turma e criei relacionamentos fantásticos, considerando as amizades. Também éramos unidos e penso que nos anos 70 parecia que o tempo passava mais devagar, sobrava horas para estudar em casa e descansar. Hoje, o tempo corre!
P/1- Como era estudar medicina e trabalhar ao mesmo tempo?
R/1- Quando somos jovens, temos energia o suficiente para fazermos tudo. Sim, eu ficava cansado mas conseguia ter tempo para realizar tudo o que desejava. Conseguia ir ao cinema, namorar, estudar. As coisas aconteciam e cheguei a pertencer a equipe de atletismo da universidade. Competia por ela, corria dez mil metros e praticava karatê. Explicando melhor, eu estudava no período da manhã e à tarde trabalhava no banco. O meu turno bancário era de meio período, mas eu fazia tudo no limite do tempo para que sobrasse tempo.
Era costume as segundas-feira eu trabalhar até mais tarde, devido o volume de serviço que aparecia na agência. E sempre que eu chegava na aula do professor de patologia, às terças, acabava cochilando na carteira da sala de aula. Recordo do professor jogando um giz na minha cabeça e batendo na minha testa, dizendo: “Acorda, meu filho! Você está dormindo!”. Fazia parte, né? E eu gostava de viver tudo isto e quando observo os jovens de hoje, não sei, acho que são meio frouxos .
P/1- Era bancário e estudava medicina! Como conseguia namorar?
R/1- Esta é a fase da vida das grandes paixões, certo? A juventude! Durante o curso pré-vestibular eu conheci uma garota e apaixonei-me. Ela não queria nada comigo e eu tive que cortejá-la por seis meses até conseguir o primeiro encontro. Namoramos por quatro anos e posso dizer que a minha vida deu uma bagunçada nesta fase.
Gostava muito dela, mas ela não queria nada sério comigo. Até que certo dia ela desapareceu, foi morar na capital do Rio de Janeiro. Ela fez isso exatamente no período em que eu estava prestes a terminar medicina e foi uma loucura! Como disse, estava apaixonado - a considerava a mulher da minha vida e não podia perdê-la assim, sem ao menos tentar. Creio que a minha atitude neste período foi a correta, pois a primeira paixão de um homem deve ser respeitada e fazer loucuras por amor nos ensina a lidar com este sentimento avassalador.
Quando soube que ela tinha mudado de estado, não pensei duas vezes em procurá-la e tentar reconciliar o relacionamento. Conversei com o meu chefe no banco, pedi para ele adiantar as minhas férias ou me liberar por alguns dias.
Claro que ele não aceitou e disse-me que se eu quisesse ausentar por 30 dias, teria que pedir demissão. Foi o que eu fiz! Pedi demissão do Banco do Brasil.
Tranquei a matrícula de medicina e viajei de carro rumo ao Rio de Janeiro. Moramos juntos por um mês e percebi que ela não era mais a mesma, tinha mudado - não era mais a mesma pessoa. Logo, retornei para Brasília sem emprego no banco e sem a namorada. Pensei: “Estou mal!”. Mas, estas decisões que tomamos quando somos jovens são importantes, porque nos fazem seguir em frente - nos movem. Ser movido por uma paixão nos ensina.
P/1- O que a sua família pensou sobre isto? Chegaram a apoiá-lo?
R/1- Sim, eles sabiam que eu era muito apaixonado por ela e que não iria desistir desse amor. Claro que pensaram que era uma loucura abandonar os estudos e o trabalho para ir atrás da namorada, mas eles sabiam que nada iria impedir o meu desejo de ficar com ela e apoiaram a decisão. O meu pai sempre deu suporte, incentivo e força. Acho que ele sabia que passar por estas coisas ajudaria a me tornar uma pessoa mais forte e decidida. Foi o que eu fiz, viajei de encontro a ela, precisava resolver tudo senão não viveria em paz comigo mesmo. Quando cheguei, ela foi bem honesta: “Olha, não quero mais nada!”. Voltei para casa com as mãos abanando.
P/2- [risos]
R/1- Sim, as primeiras paixões! Temos que nos dedicar a elas com o coração. Depois, surgem as outras e as outras e nenhuma delas é como a primeira. Então, valeu a pena passar por tudo isto.
P/1- Qual foi a primeira área que atuou como bancário?
R/1- O meu primeiro trabalho no Banco do Brasil foi como Auxiliar de Escrita, no setor Depósitos Diversos. Quando somos novos na agência temos que começar com os trabalhos mais simples, para depois subirmos de etapa.
A minha função era manusear o Telex. O problema é que eu não sabia datilografar, então fazia tudo com dificuldade. Funcionava da seguinte forma: eu recebia um modelo de uma fitinha amarela, a copiava numa máquina que realizava cópias manualmente - tínhamos que rodar a manivela para as cópias saírem - depois, eu digitava nestas cópias os números e fazia os furinhos de registro, após isto as rodava novamente e depois as passava no Telex.
Resumindo, eu tinha um modelo para produzir as fitas que eram inseridas na máquina Telex. Ou seja, produzia as “fitinhas novas”, inserindo os números e as perfurações devidas e após concluída a produção eu passava tudo no Telex. Era um serviço automatizado, logo a produção era alta. E este trabalho nada mais era do que registrar as ordens de pagamentos. Foi a minha primeira função como bancário.
P/1- Dos “Depósitos Diversos”, qual a função seguinte?
R/1- Como eu estudava, precisava de um horário mais flexível. Então, o meu chefe transferiu-me para o setor de Compensação. Eu recebia cheques de outros bancos para poder realizar o acerto financeiro. Ou seja, colocava os cheques em ordem. Nesta fase, também trabalhei na Bateria de Caixa, repondo cheques que os clientes solicitavam na agência. Nós que fabricávamos os talonários numa máquina chamada Addressograph. Foi uma fase interessante!
Trabalhávamos em seis colegas numa salinha comprida, com uma mesa grande e uma máquina de impressão de talonários - a Addressograph. Juntávamos todos os talonários prontos e colocava-os na máquina. Com uma mão inseríamos a folha e com a outra a retirávamos. Serviço totalmente braçal. Acho que hoje em dia não é mais assim a produção de cheques.
P/2- Imprimia folha por folha?
R/1- Sim, folha por folha. Inseríamos uma folha com uma mão e com a outra a retirávamos já impressa. Trabalhávamos das seis da tarde até a meia-noite, então a pressão era pouca. Conseguíamos atender a todos os pedidos com calma.
Lembro-me que nesta sala sofríamos com o calor. Às vezes, arrancávamos as camisas e ficávamos sem até o gerente passar e chamar nossa atenção: “Tem que pôr a camisa!”. Um calor danado!
De lá, retornei para a Compensação e depois fui para o Serviço de Redistribuição de Cheques. Lá, nós éramos responsáveis por receber os cheques, distribuí-los às outras agências do banco para serem registrados nas contas e para fazerem as anotações. Quando chegava na sub-agência, o responsável analisava a conta do correntista e colocava tudo em ordem, por exemplo: “Esse cheque saiu, esse não entrou.”. O responsável analisava a assinatura e realizava todo o processo manualmente.
E eu ficava a noite toda distribuindo os cheques para as sub-agências, tipo a de Taguatinga e a de Sobradnho. Éramos em quinze funcionários na equipe, cinco somente estudantes de medicina, e trabalhávamos de madrugada - entrávamos às nove da noite e saíamos às três da manhã. Por isto, como comentei antes, geralmente eu saía mais tarde às terças, porque na segunda-feira o volume de trabalho era sempre maior. Seguia direto para a sala de aula e acordava com o professor: “Acorda, Jaime! Você está dormindo.”.
P/1- Quando terminou os estudos de medicina?
R/1- Foi aquela história que comentei, que viajei atrás da minha namorada que havia mudado-se para o Rio de Janeiro. Quando retornei para Brasília, sem emprego, retornei ao curso de medicina e consegui um estágio no Hospital de Sobradinho. Foi em 1978. Em seguida, consegui outro estágio no Hospital de Base de Brasília e trabalhei nele até terminar os estudos em 1980.
Aproveitei o tempo que fiquei nele para rodar todas as áreas, cheguei a fazer internato. No ano seguinte, em 1981, já estava formado e precisava realizar a residência. O meu objetivo era rodar por todo o país para aprender como os médicos brasileiros atuavam e ficar por dentro das novidades de pesquisa.
A minha primeira viagem foi para São Paulo, consegui uma vaga de residente na Universidade de São Paulo, a USP. De lá, viajei para o Rio de Janeiro com o desejo de estudar engenharia biomédica - para estudar o funcionamento dos equipamentos biomédicos. Costumamos chamar de mini-engenharia, a parte de eletrônica aplicada.
Porém, era demasiado caro financiar a minha estadia longe de casa. Estava sem dinheiro e tive de desistir deste projeto. Então, retornei para casa e fui fazer residência no Hospital das Forças Armadas. Comecei exercendo Clínica Médica e decidi ficar nesta área por pelo menos um ano, até criar um conforto financeiro. Após um ano em Clínica Médica, fui convocado como médico pela Marinha do Brasil. Então, em 1981 eu era residente e nos quatro anos seguintes atuei como médico militar.
P/1- Como foi ser Médico Militar?
R/1- Foram duas experiências, como militar e como médico. Logo, eu respondia às ordens de dois senhores. Primeiro, considera-se a parte militar que é bastante restrita e rígida. Você aprende a agir como um militar, a andar reto como um militar e a ter equilíbrio suficiente para não balançar o corpo. Segundo, a parte médica que deve atender a todos os procedimentos éticos médicos. Posso dizer que é uma faca de dois gumes, tem que andar na linha.
Tenho um episódio interessante deste período! Fui convocado pela Marinha do Brasil junto a um amigo que também estava por realizar a residência, o Tavera. Como eu tinha comentado, eu pertencia a equipe atlética da universidade e o Tavera também. Logo, nós tínhamos boa aptidão física para realizar as atividades de treinamento militar, ao contrário de nossos colegas de turma que estavam acima do peso.
Um dos treinamentos era a corrida, saíamos da base e corríamos até o Palácio da Alvorada. Depois, retornávamos também correndo e os nossos colegas ficavam para trás, porque não estavam em forma. Certo dia, pegamos um Capitão que ao ver que nós estávamos a frente de todos começou a pressionar a equipe e nós, eu e o Taverna, tivemos a brilhante ideia zombar da situação.
Retornamos e ficamos correndo em volta do capitão, íamos e voltávamos. Deixamos-o tão confuso que ele chegou a dar uma volta nele mesmo [risos]! E esta brincadeira nos levou a fazer apoio de frente no solo, no asfalto quente. Metade da turma queimou a mão no asfalto quente e levamos a culpa pela brincadeira com o Capitão. Foi uma fase interessante, dessas brincadeiras. Tempo bom!
P/2- Então, tem toda uma adaptação para ser um militar?
R/1- Sim. Foi neste treinamento, de aprender a marchar, que fizemos a tal brincadeira que nos levou a queimar as mãos no asfalto quente. Por causa de duas pessoas, todo o grupo teve que pagar o castigo. O Capitão falou: “Todo mundo vai fazer apoio aqui, no solo quente!”. Ele mandou, todos tinham que obedecer. As coisas funcionam assim no treinamento. Ficamos cerca de 80 dias sendo treinados para marchar e usar o uniforme corretamente.
Na primeira semana, eu e mais quatro rapazes fomos detidos porque não queríamos cortar o cabelo do jeito que mandavam [risos]. O Capitão veio até nós e disse: “Para vocês aprenderem, dormirão no quartel por alguns dias. Passe a máquina no cabelo de todos!”. Um soldado atendeu a ordem e raspou as nossas cabeças [risos]. O recado do Capitão foi bem claro: “Quem manda aqui sou Eu!”.
A parte engraçada é que era divertido para nós enfrentarmos estas situações, de seguir as ordens do Capitão. E o nosso grupo não era apenas de médicos, também havia dentistas. Nós recebemos um treinamento diferente ao dos soldados, estávamos sendo treinados para sermos Oficiais. Penso que a nossa rotina era mais leve, comparando. A nossa comida era melhor, o alojamento.
P/1- Como foi ser residente e depois Médico da Marinha?
R/1- No período da residência, morei por um ano no Hospital das Forças Armadas [HFA] e eu era o responsável pelo sexto andar. Depois que fui convocado, tornei-me R1 e tinha como função dar apoio à equipe médica. Após um ano, a preceptoria [setor responsável pela educação e treinamento] nomeou-me como Chefe dos Médicos Residentes. Sempre fui esforçado e até meio metido. Gostava de aplicar-me as coisas e cheguei a morar no hospital.
Dediquei-me por inteiro, não tinha horas para lazer e nem escala. Fazia plantões pesados, logo eu dava conta de tudo o que ocorria dentro daquele hospital. Chegávamos a trabalhar 60 horas semanais. E eu era um chefe bem chato [risos], queria saber de tudo. Também, eu não tinha muita opção: fui até para aprender e estava fazendo por merecer. Certo?
Além de mim, também tinham outros preceptores. Por exemplo, o Doutor Vitorino. Como o meu desejo era aprender tudo o que pudesse, fiquei no pé dele para absorver conteúdo e experiência. E ele ajudou-me bastante, desenvolveu um esquema para eu continuar estudando. Foi muito bom!
Tenho várias lembranças desta fase, muitos são os detalhes. Não tem como eu contar cada uma delas, porque cada história de atendimento é único, cada paciente é uma história, cada sucesso alcançado… Foram horas sem dormir. Peguei muito plantão. Não teria como contar cada um deles, daria muita história. Como sou apaixonado pela minha profissão, considero aquele ambiente extremamente interessante. Teve às vezes que realizamos plantão como oficiais, outras que ficávamos responsáveis pelo hospital. Não sei bem quando o Regime Militar terminou….
P/1- Em 1985?
R/1- Então, trabalhei como médico do HFA na fase final do Regime Militar. Creio que quem comanda o país era o Presidente Figueiredo. Bom, no HFA aprendi muito, a rotina era pesada e aproveitei tudo o que era positivo. O nosso hospital era a base de atendimento dos militares e políticos. Recordo de tratarmos ministros e dávamos base à todos os envolvidos na presidência da república. Logo, recebíamos também políticos importantes de outros países que vinham visitar o Brasil. E teve um episódio que marcou a minha história.
Certo dia, deu entrada no hospital um paciente que tinha um problema sério na perna. Estava com gangrena e a solução era amputar o pé dele. A questão é que o paciente falava apenas inglês e o hospital precisava de um médico fluente para explicar ao paciente o que acontecia e qual era o tratamento indicado. Eu era o plantonista naquele dia e o meu nome foi chamado para atendê-lo. Foi quando descobri que o paciente era embaixador de um país árabe. Então, fui até ele e expliquei que a solução era cortar o pé dele. Lógico que ele não aceitou.
Como era uma questão de Estado, fiquei como responsável pela comunicação deste paciente junto à diretoria do hospital e toda a equipe médica envolvida. Afinal, ele era um homem importante. Até que um dia, ele desapareceu. Ficamos sabendo que ele tinha fugido para os Estados Unidos.
P/2- [risos] Casos tragicômicos.
R/1- Sim [risos]. Não sabemos como ele conseguiu embarcar no avião, mas ele fugiu para os Estados Unidos acreditando que o tratamento médico era melhor. No final, ele retornou ao Brasil com o pé cortado [risos]. Por termos conversado muito na época em que ele estava internado, somos amigos até hoje. Enfim, o fato de eu ter intermediado esta comunicação chamou a atenção da Diretoria. As coisas acontecem sem percebermos e a nossa vida muda por completo.
O Diretor chamou-me em sua sala e disse: “Olha, gostei muito de você! Estou precisando que alguém para chefiar o Banco de Sangue.”; eu era apenas um médico clínico e respondi: “Senhor General, não conheço nada de Banco de Sangue.”; e ele retrucou: “Bom, o Senhor tem duas opções. Quais são?! ‘Sim, Senhor.’ , ou ‘Sim, Senhor’.”. Tive que responder: “Sim, Senhor!”. E foi assim que adentrei na parte de hematologia, tornei-me o responsável pelo Banco de Sangue do Hospital das Forças Armadas e ocupei este cargo por três anos.
Por conta desta experiência que especializei-me em hematologia pediátrica - para tratar assuntos de câncer, leucemia, entre outros. Quando você trabalha com assuntos tão delicados e um pouco desconhecidos da área médica, acaba conhecendo muita gente. Esta experiência contribuiu para que eu conhecesse pessoas de todos os cantos do país, que estudavam e tratavam do mesmo tema.
Por exemplo, você atende um paciente com câncer e cria um contato com outro médico que teve a mesma vivência e a partir daí trocasse experiências. Outro exemplo, ser indicado pelos pacientes e novos casos aparecem para serem estudados.
Foi assim que ampliei minha rede de contatos. O conhecimento em hematologia pediátrica levou-me a trabalhar na Fundação. Mas, depois comento esta parte da história porque a fase com o Banco de Sangue do HFA foi importante e também onde tudo começou.
Como tinha comentado, tornei-me Médico Oficial da Marinha do Brasil em 1982. Neste período, enfrentávamos um problema a nível mundial, que ninguém sabia o que iria acontecer, que era a AIDS. Imagina comandar um Banco de Sangue naquela época? Ninguém queria doar sangue, ou receber. Todos tinham medo.
Não sabíamos que a AIDS era uma doença viral, era um campo desconhecido para nós. As pessoas morriam aos montes e todos tinha aquele estigma em relação a doença. Foi uma época dolorosa.
As pessoas não queria doar sangue, mas continuávamos com o nosso trabalho. Preparávamos o sangue para a transfusão e os pacientes não queria recebê-lo. como chefe do Banco de Sangue enfrentei diversos problemas, porque não tínhamos ainda nenhuma norma e eu, como trabalhava para as Forças Armadas, estava na linha de frente e foi quando adentrei profundamente nos estudos de hematologia e pesquisas em volta da AIDS. Estudei os sintomas, transmissão da doença e percebi que a melhor maneira de amenizar o volume de pessoas infectadas era disseminar conhecimento.
Trabalhei por cinco anos ministrando palestras. Íamos em igrejas, escolas, praças públicas para esclarecer todas as dúvidas que a população tinha.
P/2- Tinha necessidade de esclarecer a doença?
R/1- Sim, tínhamos a preocupação de que ela fugisse do controle. Bom, foi vinte anos atrás e a nossa projeção é que se não interrompessemos a disseminação teríamos um caos. Na época, a única maneira de interromper era tentar mudar os hábitos sexuais e do consumo de drogas. Era o que sabíamos, que a doença era transmitida por estes meios. Hoje tudo mudou! A maioria das pessoas tem o conhecimento de como ela é transmitida, certo? Virou domínio público.
Ministrar palestras sobre este tema foi muito bom porque melhorou o meu jeito de pensar e tornou-me mais humano. Sabe? Aproximar-se da população, esclarecer dúvidas, orientar. Antes, eu era uma pessoa durona e por meio das palestras tive até que realizar encenações em praça pública - o pessoal chama isso de drama...fugiu-me a palavra.
P/2- Dramatização?
R/1- Isto! Dramatização. Foi um projeto em parceria com o pessoal de psicologia, para conseguirmos esclarecer melhor a situação e motivar o povo. Lembro que em uma dessas apresentações fomos no Conjunto Nacional, conhece? Era um sábado de manhã. Quando terminamos a apresentação um rapaz chegou até mim e perguntou: “Você é gay?” [risos]. E eu respondeu: “Olha, ainda não! Mas, quem sabe?”. Como é que é? Quer dizer...as pessoas captam somente o que você está fazendo, né? [risos].
P/1/2- [risos]
R/1- Foi uma fase interessante. Trabalhamos bastante. Só passei por isso por conta da experiência [risos].
P/1- Experiência no HFA ou Banco de Sangue?
R/1- Do Banco de Sangue. Estar ali, na linha de frente e ter que palestrar, realizar apresentações. A vida foi caminhando em outro sentido.
P/1- Após ser médico clínico e responsável pelo Banco de Sangue do HFA, o Senhor prestou concurso para a Fundação?
R/1- Não. Em 1981 eu era residente do Hospital das Forças Armadas. No ano seguinte, fui convocado como Médico Oficial da Marinha do Brasil e passei a trabalhar também no Hospital das Forças Armadas. E no final de 1982, apesar de ser médico oficial, terminei no final do ano a residência médica. A fase da residência comprometia demais os meus horários.
Eu trabalhava o dia todo e ainda assumia de dois a três plantões por semana. Então, prestei o concurso para trabalhar no Ministério da Saúde em 1983, quando a residência terminou. Fui aprovado e tive que aguardar a liberação do meu chefe para tomar a posse. Pedi a ele para que eu trabalhasse apenas meio período, assim conseguiria conciliar ambos. Ele autorizou em fevereiro de 1983 e aproveitei as férias que recebi em abril para me casar e viajar de lua-de-mel. Retornei em maio e tomei a posse do cargo na Fundação Hospitalar.
P/1- Como que foi a experiência na Fundação Hospitalar?
R/1- Na verdade, o correto é perguntar como tem sido. Ainda trabalho na Fundação Hospital, a diferença é que ela mudou de nome e hoje chama-se Secretaria de Saúde. Funciona assim, na época existia a Fundação Hospitalar que era responsável pela parte operacional e ela era gerenciada por uma secretaria. Com os anos, o Governo decidiu extinguir a Fundação e ela foi associada à Secretaria de Saúde. Entende? Então, eu ainda trabalha na Fundação. Mudou apenas o nome para Secretaria de Saúde, que é a responsável pela administração de hospitais.
Bom. Assim que tomei posse do cargo, em maio de 1983, fui encaminhado para trabalhar no Centro de Saúde do bairro Gama, no Distrito Federal. Era um pronto-socorro de periferia e também foi uma ótima experiência. Trabalhava todos os dias da semana e o único problema era a distância. Era longe e o transporte público saía caro. Então, nós criamos o transporte solidário. Todos os dias, viajávamos em cinco dentro do carro até o Centro de Saúde e no tardar retornávamos juntos para casa. Depois de um tempo, soubemos que seria inaugurado o Hospital Regional do Gama e os médicos que foram chamados ofereceram-me uma vaga. Perguntei: “Qual horário?”; eles responderam: “Noite de sexta-feira e domingo pela manhã!”.
P/2- Horário ótimo pra você?
R/1- Sexta-feira à noite e domingo de dia! Respondi: “Está ótimo!”, era o horário que ninguém queria. Quando perguntaram novamente: “É este horário, vai aceitar?”; respondi: “Aceito!”. Depois, surgiram outras vagas e como eu já fazia parte da equipe consegui pular de horário. Tudo é uma questão de oportunidade e sacrifício, são coisas temporárias que devemos passa. Para chegarmos onde desejamos, somente com esforço. Trabalhei no pronto-socorro, na enfermaria, no ambulatório.
Em 1990, decidi utilizar o computador que tinha comprado nos Estados Unidos - trouxe-o durante uma viagem que realizei em meados dos anos 80 - e passei a imprimir as minhas prescrições médicas em casa. Chegava no hospital com tudo pronto. Gerou uma confusão! Surgiam as perguntas: “Como traz uma prescrição pronta?!”. Um detalhe que quando lembro vejo como tudo mudou.
Impressionante. Enfim...trabalhei no Hospital da Gama até 1992. No ano seguinte, fiz estágio no Hospital de Base e aproveitei para especializar-me em hematologia - na verdade era mais uma reciclagem, né? Depois, retornei para o Hospital do Gama. Após dois meses, fui convidado pelo Hospital de Apoio, que também é administrado pela Secretaria da Saúde, e trabalho nele até hoje. O Hospital de Apoio funciona como um hospital de retaguarda.
P/1- O que que é Hospital de Apoio?
R/1- No início dos anos de 1990, o Governo do Distrito Federal decidiu criar um hospital voltado para pacientes de longa duração. O que seria isto? Seria hospital para pacientes com doenças crônicas que iriam viver dentro dele, recebendo cuidados e tratamentos médico - hospitalares. Porém, a ideia não vingou de imediato e no terreno ficou apenas o esqueleto do prédio.
Entre 1992 a 1993, uma equipe especializada em hemofilia solicitou a Secretaria da Saúde um local para ser desenvolvido um centro de tratamento a pacientes hemofílicos. Foi quando decidiram reformar e concluir a construção do que seria o hospital visado pelo GDF. Transformaram aquele esqueleto numa casa para pacientes hemofílicos.
Porém, o prédio era demasiadamente grande e sobravam alas de tratamento. Logo, a Secretaria de Saúde decidiu ampliar o projeto para receber também outros pacientes de longa duração. Creio que isto ocorreu em 1994.
Por conta, era necessário criar uma equipe de médicos e enfermeiros para inaugurar o novo hospital e receber os novos pacientes, ou seja, encaminhar o projeto, dar a destinação. O Doutor Cid Luís de Sousa Vale foi o primeiro Diretor do Hospital de Apoio e convidou-me para ser seu assistente. Então, eu fui um dos primeiros médicos a trabalhar no Hospital de Apoio. Éramos em nove médicos destinados a dar funcionalidade ao hospital e a desenvolver estudos de tratamentos e organização.
Começamos o projeto do zero, fizemos muitos estudos, reuniões e fomos desenvolvendo, caminhando, para o que hoje o Hospital de Base se tornou, um hospital de oncologia, com uma ala de onco-hematologia pediátrica.
Hoje, temos uma ala voltada para pacientes terminais, que estão fora da possibilidade terapêutica, por exemplo pacientes com câncer que não possuem chances de cura e que necessitam do suporte médico para alimentação e controle da dor. Temos outra ala grande voltada para pacientes de reabilitação, que possuem paraplegia, tetraplegia e hemiplegia. Logo, possuímos um grupo grande de reabilitação de pacientes também fora da possibilidade terapêutica.
Outro grupo grande de hematologia e pediatria oncológica, que atende a maioria dos pacientes na parte de hospital-dia. Você pode perguntar o por quê as crianças são atendidas no hospital-dia, certo? A Abrace [Associação Brasileira de Assistência às Famílias de Crianças Portadoras de Câncer e Hemopatia], que apoia portadores de doenças hematológicas e câncer pediátrico, realizou uma parceria com o GDF - um convênio. A Abrace recebeu um terreno anexo ao Hospital de Base e agora está construindo um hospital pediátrico terciário mais um centro de pediatria oncológica. A ideia é completarmos este ciclo de maturação, de um centro oncológico mais complexo, aqui em Brasília.
P/1- Por que o Senhor retornou para o Banco do Brasil?
R/1- Quando encerrei a minha carreira militar, já possuía uma excelente bagagem cultural em relação a comprometimento e responsabilidade. Nas Forças Armadas não existe história de deixar as coisas para o dia seguinte. Se pedem-lhe algo, tem que ser feito e bem feito. Caso não faça, ou o resultado seja negativo, vem o castigo: que é ser preso. Funciona exatamente assim, o capitão dá a ordem e você cumpre. Às vezes, imagino dois fuzileiros trabalhando parados em minha porta. Dependendo da situação, dava a ordem e o fuzileiro a cumpria imediatamente.
Nas Forças Armadas você não questiona a ordem, não pensa na ordem, apenas a cumpre. E tudo funciona direitinho. Essa vivência nos ensina que quando o trabalho é bem feito existe sim resultado, bom resultado. O que é difícil para mim compreender como hoje algumas pessoas são encostadas, não valorizam o que possuem e nem investem em algo que as dê sentido. Hoje ninguém dá muito o sangue. Enfim…
Quando sai do HFA fui trabalhar numa divisão do Ministério do Interior. Era 1986 e quem governava o país era o Presidente Sarney. Este presidente criou o Ministério da Habitação e Meio Ambiente, que estava associado à Caixa Econômica Federal. Fui para esse ministério com o cargo um cargo de confiança, eu era assessor ministerial.
Trabalhei com este ministro por dois anos, até que um dia ele chamou-me para conversar: “Olha...preciso entregar o seu cargo para alguém, mas não quero que vá embora. Quero requisitá-lo para algo. Com o que já trabalhou na vida? O que sabe fazer?”; e eu respondi tudo o que tinha no momento de experiência trabalhista. Citei a experiência no Banco do Brasil, ele respondeu: “Isto. Peça a readmissão no Banco. Volte a ser funcionário do Banco e eu trago-lhe novamente para o Ministério.”.
Fiz o que ele mandou, pedi a readmissão e não deu certo. Acho que ele chegou a interferir na época, porque pedi novamente depois de alguns dias e fui readmitido. Fui para a Agência Central e trabalhei apenas 60 dias, até que chegou a requisição do Ministério. Nossa, o pessoal morreu de ódio! Situando no tempo, eu trabalhava no HFA e no Centro de Saúde do Gama. Encerrei o trabalho no HFA e migrei para o Ministério da Habitação. Então, eu passei a trabalhar no Ministério e no Centro de Saúde. Foi quando eu sofri esta mudança de classificação funcional, antes eu era funcionário do ministério e depois passei a ser requisitado.
Retornei para o Ministério da Habitação e Meio Ambiente e após cinco meses o local pegou fogo, queimou. Diante desta situação, o pessoal que trabalhava comigo mandou eu retornar para o Banco do Brasil. Disseram: “Olha, não precisamos mais de você aqui, é melhor que retorne para o Banco.”, e eu respondi: “Para o Banco? Mas não tenho nada com o Banco!”; “Olha, aqui está o bilhete e a sua carteirinha de devolução.”. Logo, não tive muita opção e retornei para a Agência Central.
Retornei para o banco e já não sabia mais o que fazer por lá, foi uma época interessante também. E mais uma vez, o meu conhecimento em língua inglesa abriu-me novas oportunidades. Eles precisavam de alguém que atuasse na parte do câmbio, realizando ordens de pagamento no exterior e para isto o funcionário devia dominar o inglês.
O sistema que manuseei chamava-se Swift, que era um sistema de segurança para transferência de grandes recursos financeiros que envolviam a dívida externa do país. Todos os pagamentos que envolviam dívidas no exterior passavam por mim, eu tinha uma autorização dada pela Bélgica que autorizava-me a acessar os dados do sistema e digitar os valores de transferência. Apenas eu tinha esta chave, logo eu era o único responsável por transferir remessas de dinheiro e não tinha como errar. Caso eu digitasse o valor errado o sistema não autorizava, e se eu também não realizasse a tarefa os pagamentos não ocorriam - de jeito nenhum.
Foi uma fase super interessante, porque vivíamos na correria por causa das mudanças cambiais. A nossa moeda era muito instável, o dólar pulava de valor constantemente e tínhamos que acompanhar o movimento para não perder as melhores oportunidades de pagamento. Eu realizava transferências de 100 milhões de dólares. Era um estresse danado. Aprendi muito.
P/1- Trabalhava paralelo ao Hospital?
R/1- Sim, trabalhava em ambos. No Banco eu entrava às sete da manhã e saía à uma da tarde. Entrava cedo! No Hospital, eu realizava o plantão da sexta-feira à noite.
P/2- Sexta à noite e domingo de manhã?
R/1- E domingo de manhã.
P/1- Uma curiosidade! Por que saiu do HFA?
R/1- Não sai, terminou o contrato. Assim, eu não tinha prestado o Serviço Militar e quando o prestei fui convocado como médico oficial. Sei que teve um período em que o Exército realizava convocações de até oito anos. Mas, comigo - eu era militar da reserva não remunerado - a convocação foi de quatro anos e dez meses. Era o máximo que eles exigiam, não podíamos completar os cinco anos. Então, eu não saí a convocação terminou.
P/1- Entendi.
R/1- Entendeu Saí porque o prazo acabou.
P/1- Ficou trabalhando no câmbio e depois?
R/1- Sim, trabalhei por dois anos no câmbio sendo o responsável pelas ordens internacionais. Trabalhei junto com o Téo e o Marcelo. Fazia exatamente isso, controle da dívida pública. Todos os empréstimos externos, realizados por grandes bancos, nós que financiamos. Chegava a data do vencimento, o FMI acionava, e chegava a hora do pagamento. O Banco Central autorizava e nós remetíamos o dinheiro à uma agência do Banco do Brasil no exterior, ou para uma agência de banco internacional. Por exemplo, o Banco Tóquio que também possuía este sistema de segurança, o Swift.
P/2- Como foi essa experiência de conciliar um serviço bancário, voltado à economia e administração, com a atividade médica, que atende as necessidades do corpo e lida com as emoções do ser humano?
R/1- Acho que essa é a grande verdade! Nós temos uma enorme capacidade de diversificar as nossas atividades e é tudo uma questão de interesse e necessidade. Enquanto eu trabalhava para o Banco, pensava em como iria adentrar no quadro médico - esse era o meu objetivo principal. Mas, sempre fui apaixonado por conhecimento, adoro aprender coisas novas. No Banco, aprendi coisas que no hospital eu não teria acesso. Por exemplo, a era da informática. Hospital público naquele período não possuía tal recurso.
Retornei como bancário por acaso e aproveitei a oportunidade para retomar aquelas lembranças da primeira experiência que tive com eles, de companheirismo e espírito de equipe - que não havia perdido - e de aprender o funcionamento dos sistemas de segurança e do mundo da informática. Foi no banco que aprendi a mexer com informática. Claro, retornei pensando em ser algo temporário. Mas, não descartei de imediato a possibilidade de construir uma carreira com eles entrando para quadro médico deles. Adorei ter retornado, gosto muito de informática e acabei me envolvendo no projeto de informatização. O Banco estava sendo informatizado.
Penso que você gera a oportunidade de aprender, temos que aproveitar todas as oportunidades que nos surgem e tudo pode ser aproveitado, assimilado com outras coisas. Existe sempre a possibilidade de unir os conhecimentos. Por isso, essa diversidade laboral é importante e sinto que as pessoas de hoje não se interessam com o lado multi-funcional.
Hoje, todos são especialistas em alguma coisa, por exemplo: um técnico de computador ou profissional de informática. A sua máquina quebra e você a leva até o especialista. Chegando nele, vem a resposta: “Ah...mas este parafuso é diferente e eu não trabalho com este produto...não posso fazer.”. A vontade em aprender coisas novas, estar sempre a procura do conhecimento, para mim deixou de existir nas pessoas.
E a experiência em trabalhar no banco e no hospital ao mesmo tempo fez com que eu sentisse um “choque tecnológico”. O Banco tinha toda aquela estrutura tecnológica e um suporte sensacional, já o hospital de serviço público….assim.
P/2- Defasagem?
R/1- Sim. Posso dizer anos de defasagem em termos de organização e equipamentos. O choque tecnológico que sofri não foi algo ruim, porque fiquei motivado em incentivar as pessoas e a instituição a mudarem, aperfeiçoarem os métodos de atendimento. Compreende? Foi uma fase dolorosa porque as pessoas ficavam incomodadas em ver-me trazendo algo novo, tipo: “Você, médico, digitando?!”; “Pô, você se submete a fazer isto?”. Ao contrário deles, eu não via problemas porque para mim serviço é serviço.
Quando era pequeno e morava em Pirinópolis, um dos meus tios possuía uma pedreira e eu trabalhava nela. Sabe o que eu fazia? Carregava pedras, pedras até o caminhão. Serviço é serviço! Você perguntou antes sobre a conciliação…
Essa conciliação ajudou-me quando fui convidado à equipe do Hospital de Apoio. Contribui para o sistema de organização, em que tudo deve ser anotado, e na implantação de um sistema informático específico. Criamos a rotina para todos os setores, igual aprendi no Banco do Brasil. E fizemos a diferença! Chegou até a incomodar a comunidade, pensavam eles: “Pô! O hospital é público e está fazendo as coisas!”. Entende?
E muito sobre rotina eu aprendi também na fase do militarismo do banco, que tinha uma estrutura quase que a de militar civil. Sério! Tudo organizado, atendíamos às ordens do chefe e respeitávamos a hierarquia que era bem estruturada. Penso que essa organização ajuda a formar pessoas, a criar responsabilidade e comprometimento porque foi por meio dela que fui formando e tornei-me o que sou hoje - tudo por conta dessas experiências.
P/1- Depois que trabalhou com o câmbio, foi para outro lugar?
R/1- Depende do ponto de vista. Estávamos num momento de transição no país, sendo governados pelo Presidente Sarney, que subiu no poder em 1985. Recordando, foi durante o mandato dele que o Ministério da Habitação e Meio Ambiente, que eu trabalhava como requisitado, ardeu em fogo. E que por conta desse episódio, retornei o trabalho na Agência Central do Banco do Brasil. Fiquei dois anos atuando no câmbio, de 1987 à 1988. O país passava por mudanças na Constituição e o BB também sofreria alterações.
Logo, o meu objetivo era prestar um concurso público para tornar-me membro do quadro médico do BB. Em todo o Brasil, eram mais de duzentos candidatos. Recordo que a prova ocorreu no dia 18 de outubro, o Dia do Médico. Eu estava super cansado, por causa do plantão no hospital. Para ajudar, as aplicação da prova atrasou e acabei dormindo na carteira. Acho que até babei [risos]. Acordei com a fiscal dizendo: “Doutor, doutor! A prova já começou!”.
Eu estava muito cansado, não tinha dormido, e até um pouco apavorado. Sabe? Não tinha me preparado direito, fui correndo para o local da prova, e começou a surgir aqueles pensamentos negativos: “Estou precisando entrar no quadro médico e existem poucas vagas. Fulano deve estar mais preparado do que eu…”. Quando abri o caderno, achei a prova fácil e consegui concluí-la no prazo. Após uma semana, recebi uma ligação: “Olá, Doutor! Sou o Diretor de Recursos Humanos, estou ligando para informar que o senhor passou na avaliação e com boa classificação.”; e eu respondi: “Ah, mas que piada!”. Desliguei o telefone.
P/2- [risos]
R/1- Ele retornou e respondi: “Pára de gozar com a minha cara!”, desliguei novamente. Depois de alguns minutos, ligou-me uma mulher: “Doutor Jaime, quem fala é a Secretária do Diretor de Recursos Humanos. O Senhor teve boa classificação no Concurso e o Diretor analisou a sua prova. Queria informar que foi aprovado e gostaria de dar-lhe os parabéns!”; fiquei irritado: “Quem está falando?! Quem é você?!”; e calmamente respondeu: “Doutor Jaime, sei que está incrédulo. Faça o favor de retornar a ligação. Anote o número…”; “Está bem.”. Retornei, atenderam: “Diretoria de Recursos Humanos.”; gritei: “Ai, meu Deus!”. Passaram rapidamente a ligação ao Diretor: “Doutor Jaime? Parabéns! O senhor foi o melhor classificado em Brasília…”; e a conversa desenrolou.
Foi assim que entrei no quadro médico do Banco do Brasil [risos]. Atendia na sala 516 do antigo prédio do Ceasp. O banco possuía um quadro de médicos específicos que atendiam neste prédio. Foi assim que saí da Agência Central, onde mexia com o câmbio, e migrei para o Ceasp.
P/1- E como era o Ceasp? O Ceasp já era Cassi?
R/1- Ainda não, quando entrei era Ceasp. O Ceasp era um serviço próprio do Banco do Brasil voltado para o atendimento dos funcionários. Tínhamos ambulatórios, trabalhávamos diariamente. Realizávamos exames de rotina, como medicina do trabalho, e tratamentos e saúde. Também, possuíamos em cada agência um ambulatório para atender de prontidão qualquer funcionário que necessitasse de apoio médico. Oferecíamos várias especialidades de atendimento. Era muito bom! Eu entrei em 1990. Pouco tempo depois, o Banco optou extinguir o quadro médico e todos os médicos foram cedidos para a Cassi [Operadora dos planos de saúde dos funcionários do Banco do Brasil].
Alguns médicos trabalharam na Cassi até chegarem a aposentadoria. Outros ainda continuam. Eu, praticamente faz seis anos que saí. Apesar de ter vinte anos de história com o Banco, pertenço a turma dos mais jovens porque teve aquele período em que afastei-me por nove anos. Os mais velhos tem cerca ou mais de trinta anos de história. E desta turma que entrou comigo, acho que somos entre 20 a 30 médicos espalhados pelo Brasil. Posso afirmar que estamos em extinção [risos].
P/2- [risos]
P/1- Como foi parar na Fundação? Foi na época do Ceasp?
R/1- A Fundação Banco do Brasil Criança e Vida?
P/1- Isso.
R/1- Não, não. Estava na Cassi.
P/1- Pode contar como foi?
R/1- Trabalhei vários anos com auditoria médica na Cassi. Fazia a perícia das contas hospitalares - analisando o que paga e o que não paga -; estudava a introdução de novos procedimentos - por exemplo, uma cirurgia de miopia que utilizava bisturi de diamante e desejava avançar a técnica para o excimer laser -; avaliava se os riscos desses novos procedimentos à saúde do paciente; decidia se deveríamos investir naquilo e por fim checava as contas para certificar que tudo estava correto. O meu tempo era dividido entre a Cassi e o Hospital de Apoio. Relembrando:
No Hospital de Apoio eu pertencia a equipe responsável pela montagem de rotinas, novos sistemas de controle e observávamos sempre tudo a fim de estudar e aplicar melhorias. Nesta época, começamos a estruturar a rotina do serviço de oncologia pediátrica. E como tenho especialidade em clínica e em hematologia, todos os dias estava no hospital dando apoio.
Certo dia, estava na Cassi, e uma senhora ligou: “Olá! O Senhor não me conhece, o meu nome é Rosa. Estou a procura de alguém que me explique o funcionamento do serviço de oncologia pediátrica e aqui, no Banco do Brasil, o seu nome foi indicado. Podemos conversar?”; “Olha, Rosa. Podemos, mas prefiro que marquemos uma reunião aqui no hospital. Assim já explicamos como tudo funciona, apresento a você a equipe envolvida e eles lhe mostrarão os ambulatórios e equipamentos utilizados. Pode ser?”; “Pode!”.
A Rosa é uma mulher muito organizada! Três dias depois, ela retornou o contato agendando a reunião e compareceu pontualmente no hospital. A apresentei ao Doutor José Carlos e aos demais médicos envolvidos e deixei-os conversarem, sai dizendo: “Rosa, está em boas mãos. Até logo!”. Fui tocar a minha vida. Fiquei acompanhando de longe o que estavam fazendo e fiquei sabendo os objetivos do projeto que ela estava coordenando. Achei tudo muito interessante, mas preferia acompanhar tudo de longe. Entende?
Passaram dez meses, decidiram agendar uma reunião para escolher quais os hospitais que seriam incluídos no projeto. Decidiram que o Hospital de Apoio e o Hospital de Base de Brasília, juntos ao INCA [Instituto Nacional do Câncer] e mais dois hospitais - um do sul e outro do nordeste - iriam receber.
O envolvidos nesse projeto viajaram pelo país, visitando os hospitais, para poderem depois debater quais eram os mais preparados para receberem o projeto. O Ministério da Saúde também ajudou. E eu ficava sabendo de tudo isso acompanhando à distância. A ideia era aplicar recursos nos hospitais escolhidos para que fossem criados laboratórios especializados para o diagnóstico celular. Compreende?
Numa linguagem menos complicada, montaríamos laboratórios que analisassem a estrutura celular do paciente doente, por exemplo: para detectarmos o câncer. Funciona assim, primeiro analisamos a célula do paciente. Observamos a superfície dela para detectarmos alguma alteração. Em seguida, analisamos a parte interna desta célula - observamos o núcleo dela e depois o DNA. Biologia molecular. Certo?
Após a investigação, podemos apontar se é imunofenotipagem [diagnóstico para leucemia] ou imunohistoquímica [tumor sólido]. E esta parte da biologia molecular pertence a citogenética. Por meio dela, conseguimos analisar a forma com que as células do paciente se reproduzem. Logo, todos estavam interessados no tema porque no período tudo isto era novidade no Brasil. Era o sistema mais avançado da época, o top do top, e nenhum hospital brasileiro tinha este tipo de laboratório.
Quando chegou a data da reunião, para determinar os hospitais que receberiam o recurso, o meu diretor comentou que não poderia participar e pediu-me que o fosse representar. Falei: “Pô! Que saco, heim?”. Reuniões que tratam de burocracia, esse negócio meio salamaleque, não sou afeito. Agendaram a reunião para uma das salas da presidência do banco. Fui no meu guarda-roupa e percebi que todos os meus ternos estavam gastos, pensei: “Pô! Tenho que arrumar um terno.”. Visitei uma loja, comprei e fui à reunião.
P/2- [risos]
R/1- Não sinto-me à vontade em eventos formais. Vesti até gravata. Cheguei na reunião e já tinha chegado todo mundo, até o Diretor do Hospital da Universidade de São Paulo. Tinha diretor de todos os cantos do país.
Fui acompanhando a discussão dos temas por meio de um roteiro que haviam entregado na entrada. O assunto era que estavam procurando um gerente médico. Essa história é interessante, a Rosa deve ter-lhe contado. Ela estava lá!
Enfim...estavam à procura de um gerente médico para dar apoio à equipe da fundação e para decidir quais equipamentos seriam implantados. Lidar com detalhes operacionais e técnicos. Já tinham decidido que seria um médico do Rio de Janeiro, que também estava na reunião. Quando ouvi a decisão, falei: “Pronto! Está tudo resolvido!”. Mas, a conversa continuou e passaram a discutir sobre dinheiro, investimentos, e sobre quem iria gerenciar os recursos do Banco do Brasil que estavam sendo disponibilizados por meio da venda de seguros. Sabe, seguros?
Assim, o pessoal vendia seguros e um pequeno percentual era destinado a um caixa destinado ao desenvolvimento do projeto. Era muito recurso disponível e todos queriam administrar. Não quem foi o responsável por apresentar o médico do Rio de Janeiro para lidar com a Gestão Técnica. De certa forma, o Diretor Edson Soares Ferreira - que era do banco - não estava satisfeito com a ideia. Ele tomou o microfone e disse: “Vamos tratar do gerente técnico!”. Eu estava quietinho, acompanhando tudo pela apostila e pensei: “Bem, isso não é comigo!”.
A conversa estava rolando e chegaram a apresentar um doutor que era indicado pelo Ministério da Saúde. Estava apenas ouvindo, até que um milagre aconteceu! Falaram: “Um dos diretores técnicos de um hospital não pode comparecer e quem veio foi um substituto. Pensem bem! O substituto é funcionário do Banco do Brasil, médico, mora em Brasília e está nesta sala!”. Ainda pensei: “Será que essa história é comigo?”. A conversa estava ficando complicada [risos]. Continuaram falando: “...penso o seguinte, é o Doutor Jaime! Ele é o meu indicado para ser o Gerente Técnico,”. Fiquei olhando, o médico com o microfone, não recordo o nome dele, perguntou: “Doutor Jaime, o que acha da minha indicação?”...
P/1- Era o Médico do Rio de Janeiro?
R/1- O indicado. Esse completou: “Sim, gostei muito da sua indicação!”; e concluiu: “Bom, já que o Senhor aceitou creio que todos, ninguém nesta sala é contra a decisão. Está aprovado!”. Imaginem a situação…
P/1/2- [risos]
R/1- Eu...eu falei: “E, aí?!”. E aí que perguntaram novamente no microfone: “O que acha da ideia, Doutor Jaime?”; respondi chocado: “Estou sendo pego de surpresa! Não vim aqui para isto. Vim apenas acompanhar a discussão, representar o meu Diretor. Nem estou acompanhando o projeto de perto…”; o médico tomou o microfone e completou: “Bom! Como o senhor não tem nada contra, está aprovado!”.
P/1/2- [risos]
R/1- Fui à reunião para representar o Diretor e caí de pára-quedas no projeto. Depois, fiquei sabendo que a Rosa também tinha me indicado, porque eu estava dando o andamento do projeto do Hospital de Apoio. Para eles, eu possuía o conhecimento necessário sobre o funcionamento estrutural, desenvolvimento e aplicação.
P/2- Para registrarmos no vídeo, qual o nome do projeto Doutor Jaime? Já tinham escolhido ‘Criança e Vida’?
R/1- Chamava-se Projeto Criança e Vida. Quando tornei-me Gerente Técnico, o projeto estava há mais de um ano, mais ou menos, em andamento. Porém, posso afirmar que na parte operacional ele ainda estava em formação. Por exemplo, o que deveria ser feito e quais hospitais tinham capacidade para receber os laboratórios. Escolheram-me para dar um viés mais técnico.
Existia um diálogo entre a Fundação Banco do Brasil com os Centros Hospitalares, mas eles estavam perdidos com tais temas porque eram complexos demais. Sentiam dificuldade durante a escolha dos equipamentos, não compreendiam exatamente a serventia deles, o custo para mantê-los e a quantidade de exames que realizavam.
Então, entrei com esse viés técnico, que envolvia muito material caro e importante. Felizmente, eles me encontraram! Não posso mentir, na época achei horrível ter sido escolhido. Deus me livre! Mas, com o tempo tornou-se gratificante e dediquei-me de corpo e alma. Dei meu sangue, diariamente, para que tudo desse certo. Foi muito bom!
Tive dificuldades no início. Precisei de tempo para compreender o linguajar super especializado, analisar os custos e determinar o que cada hospital necessitava. Demorei alguns meses para começar a pôr a mão naquilo tudo. Ajudou que eu tinha conhecimento numa área bem próxima, que é a filigrana - o detalhamento, o tipo de anticorpo. Compreende?
A experiência rendeu-me passagens interessantes. Por exemplo, há mais de um ano existia uma equipe médica envolvida e eu fui depor a esta equipe a linguagem técnica, ou seja fui assessorá-los em linguagem e interpretação técnico-médica. A partir daí, começamos a colocar os planos nos trilhos e definimos a qualidade dos equipamentos, a quantidade e funções.
A Rosa teve que ausentar-se por um período de dois anos, devido a um problema de saúde. Afastou-se temporariamente por um tempo relativo e foi quando eu passei também por algumas dificuldades. Tive que assumir o contato do projeto com a Fundação, como participar das reuniões do Comitê Diretivo. Para o Criança e Saúde funcionar, a Fundação montou uma equipe de dez profissionais especializados em oncologia pediátrica. Eu era um desses. Além de assessorar o grupo, também o representava.
As reuniões do Comitê Diretivo envolviam o Presidente da Fundação, o Diretor do Banco do Brasil, representantes de algumas instituições de São Paulo, como a Fundação Orsa, e sete dos maiores médicos expoentes do câncer pediátrico no Brasil. As reuniões eram periódicas e tive a sorte de contar com a ajuda da Elizete Tavares, que pertencia a Fundação. Trabalhamos juntos por aproximadamente três anos e conseguimos dar o andamento no projeto. Ela ajudou-me muito nesta parte de desenvolvimento, eram laboratórios de alta complexidade, cerca de trinta e dois. Apoiou-me nas primeiras visitas aos centros de tratamento….ah, não sei se vale a pena comentar.
P/2- Ah, com certeza!
P/1- Com certeza.
P/2- Pergunta: quais os objetivos do projeto?
R/1- O projeto é extenso e complexo. Precisamos ter foco para não nos perdermos no assunto. A Fundação do Banco do Brasil propôs, em parceria com o Ministério da Saúde e apoiada pelo Banco do Brasil, a desenvolver um projeto voltado à área da saúde.
A Rosa foi uma das mentoras do projeto Criança e Saúde, foi responsável pela estruturação e pelos contatos. Foi ela quem apresentou-me à Sociedade Brasileira de Oncologia Pediátrica [Sobop], por meio da Doutora Isis. E esses profissionais, baseados em modelos estrangeiros, montaram o modelo idealizado considerando os funcionamentos de: casa de apoio; hospital; centro de referência; diagnóstico e tudo mais.
O diagnóstico foi desenvolvido por meio de um questionário que avaliava a situação da saúde no país, em termos de quantidade de centros de saúde que existiam; a capacidade de trabalho de cada um deles; o número de profissionais que atuavam; e a quantidade de equipamentos que possuíamos. Quando entrei ele já estava pronto. A partir do diagnóstico, montamos o projeto que visava principalmente a qualidade do atendimento acompanhada da qualidade do diagnóstico. Ou seja, nosso desejo era antecipar o diagnóstico, torná-lo mais precoce possível. Compreende a importância?
Diagnóstico celular de qualidade. Para que ocorresse, precisávamos montar laboratórios caros e que dependiam do volume de exames. Optamos por montar oito centros, chamados de Centro de Referência em Diagnóstico Laboratorial de Câncer Pediátrico. A partir deles, montados os Centros de Tratamento que tinham por função fornecer o diagnóstico completo. Não eram centros tão completos, mas poderiam utilizar os exames realizados pelo Centro de Referência como base para diagnóstico. Logo, determinamos as regiões em que eles seriam implantados, considerando o volume de pessoas atendidas. Então, decidimos implantá-los em Santa Maria, São Paulo, Campinas, Rio de Janeiro, Brasília, Recife e Fortaleza. Pela quantidade de habitantes, São Paulo recebeu três Centros de Tratamento, um deles está localizado no Instituto Nacional do Câncer [INC].
P/1- Em Campinas é o Boldrini?
R/1- Sim. Boldrini tornou-se o centro de destaque nacional. Inicialmente, foram oito centros implantados nas cidades de grande e médio porte espalhadas pelo Brasil. Mais tarde, conseguimos implantar também em quase todas as capitais.
Também tínhamos intenção de apoiar as casas de apoio das organizações não governamentais, as ONGs. Eles dão muito suporte aos pacientes. Por fim, acabamos descartando a ideia porque percebemos que as ONGs estão em melhor estado, possuem bons recursos financeiros, comparado aos hospitais públicos. As pessoas contribuem bastante às casas de apoio das ONGs e acaba não tendo muita influência em tratamentos do setor público. Citando uma dessas instituições, bastante conceituada, é a Abrace [Associação Brasileira de Assistência às Famílias de Crianças Portadoras de Câncer e Hemopatias].
Como exemplo, a Abrace possui muito recurso financeiro então caímos num problema administrativo. Era devido apoiar os hospitais públicos, geralmente carentes de recursos. Logo, abrimos mão de apoiar as casas de apoio. Na verdade, contribuímos na formação do pessoal, da equipe. Pois, o nosso objetivo era melhorar o diagnóstico no país, torná-lo precoce. Entende?
Foram montados centros de diagnóstico laboratorial. Laboratórios de imunofenotipagem, que estuda a superfície das células de leucemia, tumores líquidos - seria o estudo de antígenos; e de imunohistoquímica, que por meio de uma coloração, que também utiliza anticorpo de tecido sólido - serve para detectar o tumor sólido. Este último funciona da seguinte maneira: corta-se uma parte do tecido e depois o coloca numa lâmina para análise e o colora. Também montamos um laboratório para a parte de citogenética, que estuda a genética, o DNA. Esta análise pertence à biologia molecular, pois permite que vejamos as translocações do DNA que têm potencial oncológico. Potencial maligno, certo?
Criados os laboratórios, com os centros todos equipados, no final da etapa a Universidade de São Paulo [USP], que era um dos locais escolhidos para o projeto e que fica em São Paulo, sentiu dificuldade operacional para acompanhar o desenvolvimento. Logo, abriram mão da participação. Então, nós decidimos levar esse laboratório de diagnóstico para Belo Horizonte, em Minas Gerais, implantando na Universidade Federal de Minas Gerais [UFMG]. Terminada a transferência e a montagem do laboratório, encerramos a etapa.
A Elizete Tavares deu um apoio fundamental nessa etapa. Em seguida, nós decidimos iniciar os estudos de implantação de novos laboratórios de diagnósticos na região norte do país. Visitamos Belém, em Manaus, e escolhemos este local devido à necessidade médica que possuíam. Não recordo a data exata, mas logo passamos a visitar também as regiões do sudeste e nesse período da Rosa retornou da licença e adentrou novamente ao projeto Criança e Saúde. Por conta disso, a Elizete Tavares foi transferida para outro departamento local do Banco.
Com o retorno da Rosa, já entramos na parte da história atual, em que passamos a estudar as necessidades da região sul. A Rosa e a Elizete possuem características sensacionais em termos de metodologia. São pessoas bem parecidas, mas com estilos diferentes. Nesse período todo, considero que fui testemunha ocular do excelente trabalho das duas.
P/2- [risos]
R/1- Porém, o projeto não funcionava apenas com o apoio da Rosa e da Elizete. Outras pessoas também pertenciam à equipe, por volta de cinco. Tínhamos a Olívia e a estagiária Tatiana. No início, trabalhamos com o Chicão e com o Alfredo. Creio que o Ed contribuiu com algo, não recordo exatamente em detalhes porque quando cheguei ele já tinha saído. Tinha mais duas meninas apoiando, infelizmente não recordo o nome delas. Era isso, por volta de cinco pessoas para tocar, pôr em andamento, tudo isso.
Por fim, concluímos 32 laboratórios - quatro em cada centro de diagnóstico. Criamos 27 ou 28 centros de tratamentos. Realizamos cursos de treinamento e capacitação dos profissionais. Além disso, tínhamos boa relação com a Sobop e realizávamos um projeto paralelo de informatização de protocolos cooperativos. Montamos uma central informatizada em São Paulo para facilitar os registros e a comunicação. Não sei se é relevante contar sobre esse projeto paralelo…
Vulgarmente explicando: tratar uma criança é como seguir uma receita de bolo, que chamamos de protocolo. A ideia é que todos deveriam seguir o protocolo para que os pacientes fossem tratados da mesma forma e para isto precisávamos do consenso geral da junta médica. E, por quê um protocolo?
Vamos supor que o médico fique dois anos a estudar o tipo da doença e ele consegue obter resultados positivos com o tratamento que aplicou. É um sinal de que os demais médicos que vivenciarem sintomas semelhantes tenham acesso ao determinado procedimento para que também tenham resultados positivos. Por meio dos registros, há como saber qual medicação foi aplicada no primeiro dia de tratamento, os resultados e o que deve-se fazer após quinze dias, por exemplo.
O resultado final torna-se melhor e o procedimento é o mais indicado para o desenvolvimento de estudos mais positivos e diretos ao tratamento. Imagina se cada médico decidisse inventar um tratamento próprio? Não conseguiríamos avançar em termos de pesquisa e evolução. Logo, criar um protocolo é essencial. E nomeamos por protocolo cooperativo porque o câncer infantil é um tumor raro. Ou seja, os médicos, quando seguem o protocolo e o compartilham com a comunidade que lida com os mesmos assuntos, conseguem distinguir se aquele tipo de câncer possui registro em outro ponto do país e qual foi o tratamento aplicado. Cooperativo porque os médicos possuem essa rede de comunicação, desenvolvida por meio online. Compreende?
Logo, torna-se possível trabalhar com o volume estatístico para analisar os casos que surgem pelo país contribuir para a aplicação do protocolo. Seguindo esta regra, de todos trabalharem da mesma maneira, é significante na hora de somar e analisar os dados obtidos e analisar se o tratamento e resultado compatível nos pacientes. Antes de desenvolvermos a rede informática, tais dados eram registrados, tabulados, manualmente. Demorava e atrasava a comunicação. A Fundação Banco do Brasil ajudou a Sobop a criar essa infraestrutura e colocou para trabalhar nela técnicos especializados em estatísticas para agilizar os detalhes. Resumidamente, é isso.
P/2- Como caracteriza o câncer infantil?
R/1- O câncer infantil é...
P/2- Desculpe! Qual a diferença entre câncer infantil e o adulto?
R/1- Sim. O câncer adulto é um câncer localizado. Podemos determinar se é um câncer de estômago, pulmão ou de cérebro. O da criança não! Na criança o tumor é agressivo, que cresce rapidamente e se espalha pelo corpo, se sistematiza. É um câncer do tipo maligno, mas suscetível a tratamento porque conseguimos tratar a célula que o reproduz. O que significa que a célula em reprodução é suscetível ao medicamento. Porém, se ela estiver em repouso não é suscetível. Vou explicar melhor!
Imagine que esteja observando um grupo de células cancerígenas por meio do microscópio. Você sabe que elas são cancerígenas porque sabe como identificá-las e sabe reconhecer a parte dela que possui a doença. Claro, essa explicação é vulgar - para que compreenda - na prática, existem diversos detalhes. Enfim, com uma lâmina você retira esta parte doente das células e aplica um medicamento para que elas não regeneram e não retornem a reproduzir. O resultado do medicamento é positivo e você conseguiu interromper o desenvolvimento da doença. Certo? Em casos assim, dizemos que o câncer é suscetível à medicação, que envolve quimioterapia, e passível de ser tratado. O câncer infantil é agressivo e age no organismo com tudo.
Logo, o diagnóstico deve ser rápido e o tratamento ligeiro. O câncer pediátrico espalha-se pelo corpo rapidamente, diferente do adulto. O câncer do adulto age lentamente e é identificado por meio da tomografia. Na criança o câncer é sistêmico e está baseado no tipo celular. Compreende? No adulto, podemos identificar um câncer local que não possui referência alguma com o tipo celular que ele possui. Na criança, independente do local onde encontra-se o tumor, ele sempre será sistêmico. Esta é a diferença e por isto que o câncer na criança deve receber diagnóstico precoce porque espalha-se rapidamente.
Para que entenda melhor, o tumor é massa corporal. Um adulto de 60 quilos pode desenvolver um tumor de três a quatro quilos, exemplo. Na criança é diferente! Uma criança de dois anos, por exemplo, pode ter 25% ou 30% de massa corporal com célula tumoral. Logo, um tumor infantil pode corresponder a um terço do peso corporal do paciente. Consegue ver a diferença entre o câncer adulto e o infantil? E aplicando medicação eficaz, consegue salvá-la. Sobre as diferenças de tratamento, vou utilizar figura de linguagem.
Vamos supor que eu pegue uma pessoa e a espanco com um porrete. Machuco ela inteira! O que acontece? Bem, os produtos das células mortas irão sobrecarregar o fígado, o rim, o pulmão...os órgão em geral. Logo, a pancada foi tão forte que consegui destruir todo o funcionamento orgânico dessa pessoa: ou seja, ela morreu junto com todas as suas células.
Isto acontece com uma criança quando aplica-se o quimioterápico eficaz de destruição a célula cancerígena. Você consegue matar o tumor e consequentemente a criança morre por conta da destruição maciça. Funciona como um atropelamento, um trauma. Não quebra-se um osso do corpo, mas os amassa, destrói-os por inteiro. Chamamos esse tipo de situação de morte indutória e geralmente acontece quando a criança dá entrada no hospital com o tumor muito avançado. Faleceu nos primeiros 30 dias, chama morte indutória. Nesses casos, o peso relativo de massa tumoral é grande e o remédio deve ser mais forte - o estado da criança é tão grave que ela não aguenta o tratamento. Logo, deve-se adotar um procedimento, cuidado e leveza quando está a se tratar um câncer infantil.
Em figura de linguagem, mata-se o câncer por pedacinhos. Não é bem assim, mas é para que vocês compreendam. O médico precisa de um jeitinho especial para tratar do tumor porque o organismo infantil não aguenta a medicação pesada. O lado positivo é que o tecido do corpo infantil tem mais vitalidade. Logo, conseguimos dar uma certa agressividade ao tratamento comparado ao que daríamos a um adulto. No caso, comparando com um paciente de 60 anos que possui tumor no pulmão. Não podemos realizar a mesma quimioterapia que fazemos numa criança. O paciente de 60 anos morre. Por quê? Porque não há tempo de recuperar a medula. Já a criança, no dia seguinte a paulada ela volta a andar e a brincar.
P/2- Quando é criança?!
R/1- As crianças tiram de letra! Sim, elas ficam carecas com o tratamento. Mas, a medula regenera bem rápido. Numa criança, a medula regenera em uma semana. Para o adulto, demora-se em média três semanas. Logo, a dosagem medicamentosa difere entre as idades.
Por isso, existe o protocolo voltado à crianças e adolescentes, porque o tumor pediátrico é de característica celular. Alguns casos de tumor jovem, entre adultos de 19 e 20 anos, são tratados na ala pediátrica. Consideramos adolescentes a faixa etária de até 18 anos, mundialmente falando. A pediatria consegue resultados melhores, sem citar o aspecto psicológico e sim o aspecto celular. As células comportam-se como células pediátricas...acho que estou entrando numa parte técnica demais, estou inventando demais.
P/2- Estamos acompanhando.
P/1- Como era o panorama do câncer infantil antes do Criança e Vida?
R/1- Ah, essa pergunta… talvez, teria que pensar aqui. O panorama? Bom...
P/1- Em linhas gerais.
R/1- Quando o Criança e Vida foi idealizado, creio que área de ação para com o câncer pediátrico era um nicho de oportunidade. Creio que anualmente possuímos 2% de casos de câncer adulto no país, que equivale a 300 mil casos novos casos registrados por ano. Já, o câncer infantil registra entre 6,5 mil a 7,5 mil casos - número insignificante em termos de saúde pública. Então, o que acontecia? Naquela época, era uma área um pouco esquecida pelo Ministério da Saúde. Não abandonada, apenas esquecida. Por quê? Quando lidamos com saúde pública, pensamos numa maneira de salvar o maior número possível de pessoas. Colocando os pingos nos i’s, tem que ser considerado qual o tipo de doença que mata-se mais no país e os tratamentos recomendados.
Levou-se em conta que os tratamentos básicos eram os que mais salvavam crianças e adultos. Eram casos do tipo verminose e diarréia que atendiam 400 mil pessoas por ano, salvando 30 mil crianças. Comparando com os números de casos de câncer infantil, de sete mil por ano, era viável investir naquele que salvava mais vidas. Certo?
Diante dos dados, sabíamos que o câncer era uma área específica de atuação, que por sinal estava bem organizada. Os médicos eram esforçados, dedicados, mas não estavam conectados umbilicalmente. Ou seja: não compartilhavam as experiências e informações. Era um grupo trabalhando bem aqui, outro trabalhando bem ali. Viviam distantes.
Considero boa oportunidade ter contribuído para a organização desse setor. Eles já tinham um bom processo de atuação, muito maior do que o câncer adulto. Aproveitamos o modelo que eles desenvolveram e o apresentamos ao Ministério da Saúde, na ideia de que as rotinas de procedimento fossem implantadas em outras patologias. O Banco do Brasil pediu apoio à Fundação e nós fomos fazer o diagnóstico. Concluímos que apesar de estarem bem estruturados, faltavam meios para que os médicos organizassem as informações e as transformassem em diagnósticos. O que a Fundação fez?
Bom, cheguei a citar que no início da minha carreira conjunta com Banco do Brasil e como médico de hospital público eu senti o choque cultural de ter a experiência em trabalhar num ambiente informatizado e em outro não. Recorda? Existia uma defasagem nos processos administrativos no setor público da saúde. Não tínhamos acesso à informática, não tínhamos computadores de ponta e nem redes de telemedicina. Logo, a Fundação chegou investindo nessa estrutura organizacional que já era utilizada e tradicional na rotina trabalhista do Banco do Brasil.
Logo, visitando os hospitais passamos a aplicar o sistema organizacional e a criar o banco de dados. Tenho dezenas de exemplos de pessoas que que correram atrás e que fizeram acontecer. Por exemplo, uma de nossas opções era a de montar um centro de diagnósticos em Fortaleza. Realizamos os contatos e quando chegamos no local percebemos que os profissionais tinham muita força de vontade para que o projeto desenvolve-se. Posso citar o Hospital Albert Sabin, cuja equipe de profissionais públicos era aguerrida. O grupo de gestão tinha boa vontade em trabalhar e eram capazes. E eles viviam uma situação péssima, em termos de recursos humanos. Iniciaram o projeto praticamente do zero e no período de maturação os profissionais envolvidos viajaram para o Rio de Janeiro e São Paulo para terem e verem como exemplo o funcionamento de um centro de excelência que utilizavam os equipamentos cedidos pela Fundação. O Hospital Albert Sabin deu um salto, que chamo de salto quântico. Passaram a ser um dos melhores centros do país, de referência em termos de treinamento e tudo o mais. Tudo aconteceu porque aceitaram adotar a metodologia de trabalho indicada pela Fundação.
Creio que o cenário do câncer melhorou após a participação da Fundação do Banco do Brasil. Recordo das primeiras reuniões, uma pessoa perguntou: “Quantos casos novos de câncer pediátrico surgem no Brasil?”. A Rosa é testemunha dessa conversa porque participou. As respostas foram: “Acho que 10 mil.”; “Não, acho que 15 mil.”; “Ah, acho 20 mil.”. Em função dessa pergunta, com o apoio do Ministério da Saúde, a Doutora Maria Inês Gadelho, que trabalhava no gabinete do INCA desenvolveu uma pesquisa junto ao pessoal de estatísticas e apresentou-nos a conclusão de que o número de novos casos de câncer infantil no país girava em torno de sete mil ao ano. Sete mil novos casos por ano. Diante desse dado, não exatamente correto mas que fornecia uma projeção, e somando com os registros internacionais para adaptá-los à nossa realidade, criamos diversos banco de dados espalhados pelo país. Sete mil casos estava muito aquém da expectativa.
O Ministério da Saúde tinha conhecimento em relação aos casos que surgiam de câncer adulto, mas infantil não. Chegamos a viajar para o exterior para aplicarmos ao tema e aproximarmos mais dele. Ainda tenho algumas dúvidas em relação aos dados, mas creio que após o desenvolvimento do banco de dados estamos mais próximos da realidade, por sabermos a quantidade de casos que surgem, o local que eles aparecem e como os pacientes são tratados.
Então, criamos diversos bancos de dados pelo país e conseguimos reestruturar a Sobop. A Sobop investiu nos protocolos cooperativos para dar segmento. O resultado aparecerá mais para frente, tudo ainda é novo. Mas, nós acreditamos que o projeto fez diferença! Na minha visão, a introdução de metodologias de trabalho sobre uma patologia restrita, como o câncer pediátrico, teve impacto. Claro que no Brasil colhemos pouco em formação e talvez teremos melhores resultados daqui a quatro ou cinco anos. Somente com o tempo poderemos ver, de fato, a diferença. Certo?
[Fim do CD 1/2]
P/2- Recordo da primeira vez que conversamos, o senhor tinha citado algo muito interessante. Não sei se formularei bem a pergunta, mas uma criança que esteja distante de um centro de diagnósticos tem chances de ser diagnosticada corretamente em caso de câncer e se ela também possui chances de receber o tratamento adequado, já que existem os protocolos? R/1- Eu pensaria duas coisas. Não se...corrija-me se eu tiver entendido mal a pergunta, heim?
P/2- Não conseguirei formular melhor. Acho que o Senhor captou.
R/1- A resposta é não. A criança não tem chances. Existem duas questões que envolvem esse problema. Por exemplo, uma criança que nasce no interior de um estado não tem acesso a um hospital especializado. Logo, ela passa por dois, três, até quatro médicos até receber o diagnóstico correto. Ou seja, ela passa por muita dor de cabeça passando por atendimentos que receitam remédios e a mandam retornar para casa. Mais ou menos, a partir do sexto atendimento, porque os remédios não surtem o efeito desejado, é que compreenderão que a questão é mais séria. Assim, diagnóstico de câncer pediátrico é tardio e nós sabemos que para uma criança o quanto mais rápido a doença ser identificada, maiores são as chances de cura.
A outra questão, baseada na pergunta que levantou, é que para a criança ser atendida conforme o protocolo médico indicado ela deve comparecer no consultório periodicamente. O protocolo exige que ela retorne ao hospital semanalmente, ou quinzenalmente. No início, semanalmente e depois quinzenalmente e de acordo com a resposta ao tratamento mensalmente. Logo, a família deve deslocar-se para o centro de diagnósticos, o que torna o tratamento difícil se ela pertence a uma cidade do interior. Teriam que viajar semanalmente para a capital, o que é meio impossível para quem possui baixa renda. A solução é que a criança, junto ao responsável, passe a morar próximo do centro de diagnóstico, o que também envolve recurso financeiro ou apoio de familiares e amigos. O que podemos concluir com esse exemplo? Cidades de interior não possuem condições de diagnosticar e tratar um câncer infantil.
Mas, vamos supor que a família possui condição de viajar semanalmente até o hospital, por meio de carro ou ônibus. A criança conseguirá receber o tratamento correto, certo? Mas, e se ela tiver uma infecção grave após uma sessão de quimioterapia? A família não conseguirá chegar a tempo no hospital, a criança morrerá no caminho. O que costuma acontecer: geralmente a mãe desloca-se com a criança e passa a morar perto do hospital de tratamento. Logo, conseguimos tratá-la adequadamente por um ano, ou dois, dependendo do tipo de tumor e a evolução. A realidade é que quando essa mãe retorna para casa com o filho curado as coisas mudaram, é de costume o marido ir embora, mudar-se. Uma tragédia, certo? Mas, é mais ou menos assim que as coisas acontecem. Essa é a realidade que as pessoas enfrentam.
Pensando nessa consequência, de alteração dos quadros familiares, o projeto Criança e Vida também surgiu com a intenção de diversificar os centros de tratamento para que a migração dos pacientes diminuísse. Um exemplo está em São Paulo, na região leste da cidade. Introduzimos um centro de tratamento no Hospital Santa Marcelina, referência em excelência. Sabemos que a zona leste da capital existem milhares de habitantes, a maioria carente, e a criação desse centro de tratamento contribuiu para que os pacientes não tivessem que deslocar-se com frequência até o centro.
P/2- A possibilidade de cura também é maior.
R/1- Sim. Imagina como é para uma mãe ter que deslocar-se da periferia até o centro da cidade, que é uma distância considerável mesmo de carro, carregando o filho de três, quatro anos de idade em estado vulnerável. Sempre nos colocamos no papel da mãe. Por isso, no Hospital de Apoio criamos a rotina de atendimento também pensando nelas. Vou dar um exemplo!
Eu sou a mãe e saio bem cedo de casa carregando o meu filho no braço. Ele é pesado, mas não consegue andar por conta da doença. Então, o carrego no colo. Dentro do ônibus, nem todos cedem o lugar, tenho que viajar pendurada, segurando cuidadosamente a criança, por trinta quilômetros. E nesse meio tempo, viajo pensando nos outros três filhos que deixei em casa sob os cuidados da vizinha. Quando chego no hospital, finalmente consigo sentar até que o médico me atenda. Logo, ele me chama e diz: “Preciso fazer um exame.”.
Cheguei atrasada, é quase o horário do almoço, e o laboratório atende apenas até às dez da manhã. Então, retorno no dia seguinte bem cedo para que colham os exames do meu filho. O resultado? O resultado somente no terceiro dia e tendo ele em mãos retorno com o médico. Essa é a realidade do atendimento público. O que nós pensamos?
Desenvolvemos um sistema organizado, com base na experiência que tive trabalhando no Banco do Brasil - considerando o limite de produção. Então, a situação melhorou. A mãe chega cedo com o filho nos braços e no local existe um laboratório montado a serviço desse atendimento. A enfermeira a chama e colhe o sangue para análise. O sangue vai direto para esse laboratório e em cinco minutos sai o resultado. O médico o recebe, analisa e chama a mãe: “O seu filho necessita de quimioterapia.”. Em seguida, eles passam na enfermaria e a criança recebe a medicação na veia. Duas horas da tarde, a mãe junto ao filho podem retornar para casa. Ou seja, ganhamos tempo e a taxa de abandono de tratamento reduziu, tornou-se baixa.
Outro ponto positivo é que se essa mãe não mora na cidade ela é acolhida numa casa de apoio, tipo a Abrace, que fornece também transporte de apoio. Ou seja, criamos todo um suporte para facilitar a vida da mãe. Com isso, a mãe tem interesse em retornar sempre, porque ela deixa de perder tempo. Em uma ida, consegue resolver a questão. Igual como acontece no Banco. O titular de uma conta entra no Banco e tem tudo resolvido em um ou duas horas. Ele pensa: “Ah, esse banco será o meu banco!”. Consegue entender? Quando as coisas funcionam, nem é preciso ter propaganda. Uma mãe aconselha a outra, que fala para outra e assim vai. Em Brasília, por exemplo, estamos com alta demanda que vem de várias regiões do entorno. Por quê? Porquê as mães se comunicam, a propaganda é de boca em boca.
P/2- É a melhor que tem, né?
R/1- Não, não é a melhor que tem mas é eficiente.
P/2- [risos].
R/1- É eficiente! Não precisamos trabalhar com o marketing porque as pessoas baseiam-se no testemunho, do tipo: “Olha, levei o meu filho lá e deu tudo certo. Funciona!”; e as mães aparecem.
P/2- O câncer infantil, como começa a manifestar?
R/1- Ah, essa pergunta...
P/2- Complexa?
R/1- Não. Não é complexa. Foi uma dúvida que tivemos quando pensamos em divulgar folhetos explicando como diagnosticá-lo precocemente.
R/2- Foi um desafio?
R/1- O diagnóstico precoce do câncer infantil é um desafio para o pediatra, ou para o médico especialista. Por quê? O diagnóstico diferencial pode ser uma febre, uma dor óssea ou até uma dor de cabeça. Podem ser várias coisas. Então, concluímos que não poderíamos desenvolver uma campanha sobre uma doença de baixa incidência, pois geraria muito terror para quem faz o diagnóstico. Entende? Alguns tumores são facílimos de identificar, como o retinoblastoma que provoca alteração na retina, o diagnóstico aparece na foto.
Por exemplo, todos nós já pegamos na mão uma fotografia tirada com luz onde as pessoas aparecem com os olhos vermelhos, as pupilas vermelhas. Certo? Quando existe um tumor, a irrigação diminui e a pupila aparece branca na fotografia. Um olho fica vermelho, o outro branco. As pessoas chamam popularmente de olho de gato. Certo? E a fotografia é um diagnóstico precoce.
Existe um grupo de São Paulo, do Hospital Santa Marcelina, onde trabalha o Doutor Sidney, que realizou uma campanha enorme abordando essas fotos. O número de diagnósticos aumentou, porque as pessoas conseguiram identificar o tumor por meio de uma simples fotografia. Facilitou o trabalho, porque quando a retinoblastoma é diagnosticado tardiamente temos que realizar a enucleação. E mais ou menos assim que funciona uma campanha, tem que ser algo bem específico e fácil de identificar. Compreende?
Alguns tumores possuem características bem claras, outros não. Dependente do sintoma, que geralmente é prostração. A mãe percebe! A criança começa a agir diferente, fica meio esquisita, e com o tempo surge uma febre que demora para sarar. Depois, ela reclama de dores, até que aparece um caroço estranho no corpo. As mães sempre percebem.
P/2- Como se a criança parasse de brincar?
R/1- Sim, quando ela muda radicalmente. Para quem convive com a criança é fácil de notar, o sintoma alteração é bem visível. Mas, quando é leucemia é mais difícil perceber. As mudanças são vistas mais tarde. Por quê? Porquê os sintomas da leucemia aparentam de início com qualquer outro tipo de doença, por exemplo uma febre que é comum dar em crianças. É um achado quando o médico faz o diagnóstico na primeira febre que aparece. Mas, não dá pra dizer necessariamente que é um tumor. O diagnóstico tem que ser feito por um especialista. Tem casos do tipo: quando os pais percebem que os sintomas da criança andam arrastados, digo um corrimento no ouvido que nunca sara ou aquele cansaço que nunca passa. Dependendo do médico que a atender, será um achado. Mas, não dá pra ficar achando, certo?
Então, passaram-se dez dias, uma semana, quinze dias e nada de resolver o problema. Logo, procura-se um pediatra e que também não resolve. Assim, o pediatra analisa a possibilidade de tumor, mas caso ele não tenha o treinamento adequado é mais provável que ele erre o diagnóstico. Se tiver condições, os pais devem procurar por outros e insistir no assunto. Entende? Não existe uma receita de bolo para diagnosticarmos uma doença, baseamos sempre nas evidências - nos sintomas. Também vai muito da experiência do profissional, quando tem boa bagagem.
P/1- O Criança e Vida abrange pesquisa, ou apenas diagnósticos?
R/1- Optamos por não investir em pesquisa, mas por um lado os protocolos cooperativos são quase uma pesquisa clínica. Certo? Visamos apenas o diagnóstico precoce e o tratamento. A pesquisa clínica baseia-se no tratamento e estuda um determinado ponto. Quando você pergunta sobre pesquisa, penso em algo mais básico e essa função cabe ao CNPQ [Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico] e a CAPES [Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior] que financiam tais pesquisas. O nosso foco é diagnóstico e tratamento de câncer pediátrico. Posso afirmar que os protocolos cooperativos são pesquisas clínicas, pois os médicos compartilham experiências de tratamento, sistematizam os dados recolhidos. Mas, pesquisa que você diz ficou fora.
P/1- Em relação aos protocolo, como chegou-se ao parâmetro de tratamento? Foi a partir do comitê técnico?
R/1- Não entendi a pergunta.
P/1- Vocês padronizaram um tipo de tratamento.
R/1- Não, nós não. Nós não. Nós não.
P/1- Isso.
R/1- ...os grupos de profissionais pediátricos, de oncologia pediátrica; e de hematologia e oncologia pediátrica. Existe diferença. Bom, alguns pediatras que atuavam com a hematologia adulta adentraram à pediatria, como a Doutora Silvana Lezi. Tem relato dela aqui. Ela estudou pediatria para compreender melhor, fazia parte. Hoje, a especialidade é oncologia. Os médicos saem formados com o conhecimento mais abrangente. O oncologista lida com o tumor sólido e o hematologista com a parte sanguínea. Por isso, chama-se hemato-oncologia pediátrica. São grupos diferentes mas que acabam trabalhando em conjunto. Acho que misturei toda a sua pergunta!...
P/1- Gostaria de saber como chegaram a esse padrão?
R/1- Dos protocolos? Ah, sim! Então, estes grupos que citei já possuíam protocolos de atendimento. Por quê? Porquê eles trouxeram esses protocolos dos Estados Unidos. Logo, não foi a Fundação do Banco do Brasil que criou e sistematizou os protocolos. Certo? Mas, como funciona um protocolo? Vou dar mais um exemplo: “Eu, Doutor X, proponho, de acordo com a minha experiência, que o paciente seja tratado dessa maneira.”. O Doutor X apresenta à Sociedade dos Médicos Pediatras o tratamento que desenvolveu. A sociedade analisa, concluiu se a eficácia e aprova: “Vamos tratar dessa maneira!”.
Funciona desse jeito, o médico apresenta a forma de tratamento, a sugere à sociedade que em conjunto a avalia e aprova. Caso aprovada, eles montam um projeto e distribuem uma cartilha para quem deseja adotar esse tipo de tratamento. As pessoas comprometem-se a enviar os dados, antes enviavam apenas para quem financiava o projeto.
Por exemplo, eu fiz o meu projeto para tratar determinada doença e o apresentei. Ele foi aprovado pela junta médica, que criou a cartilha que explica o procedimento de atendimento e tratamento. Com o tempo, os médicos adotavam o procedimento e obtinham novos resultados.
Esses resultados, que são os dados, eram enviados àquele que desenvolveu o projeto - no caso exemplificado, Eu. Logo, eu tinha o dever de reunir todos os dados recebidos, tabulá-los e inseri-los na cartilha que transformava-se num livro grosso. No caso, um estatístico dava apoio para analisar o cenário e inseri-lo também na cartilha. Assim, podemos ver a significância do tratamento indicado e aplicado pelos médicos. O que a Fundação do Banco do Brasil fez?
Contribuiu para que a Sociedade Brasileira de Oncologia Pediátrica, Sobop, recebesse os protocolos e ela mesma os gerenciasse. Isto foi importante? Sim, porque a fogueira de vaidade diminuiu. Antes, alguns profissionais agiam assim: “Ah, farei desse jeito e você adota outro. Esconderei os meus dados de você, para que as coisas funcionem!”. Faz parte da personalidade humana. Quando trabalhamos numa sociedade, compartilhando os dados, este pensamento muda. Certo? Hoje, 70% dos profissionais compartilham as experiências e assumem os protocolos em suas rotinas e quem está de fora que corra atrás para participar, ou continue de fora.
Pertencer a uma sociedade dá força ao profissionalismo. Então, o que nós optamos por fazer? Por sugestão dos especialistas, reunimos todos os protocolos da Sobop, os informatizamos e os deixamos disponíveis a um Gerente de Dados. Para contratar o Gerente de Dados, analisamos duas coisas: se ele tinha conhecimentos na área da saúde e se sabia trabalhar com estatísticas. Caso não fosse um “técnico”em estatística, poderia ser um médico epidemiologista que também sabe avaliar dados sem romantizar o assunto. Assim, com o resultado em mãos tudo seria divulgado para a análise.
Logo, a Fundação do Banco do Brasil apenas forneceu os instrumentos e exigiu que os hospitais que eram financiados pelo projeto aplicassem os protocolos. Certo? Não fomos nós que criamos os protocolos, apenas contribuímos para o registro de dados e compartilhamento ágil da informação. Se pensarmos no geral, o protocolo pertence a nós do projeto, aos hospitais que o utilizam, a sociedade que o desenvolveu...ele é de todos. E se alguém que esteja sendo financiado pelo projeto não participar dos protocolos, nós exigimos que o faça. Cobramos a participação. Se 60% deles participarem já há ganho, retorno positivo.
P/1- Uma mudança de cultura, então?
R/1- Sim, mudança cultural. A verdade é que não conseguimos concluir o processo idealizada, porque era mais complexo. A ideia era que a Sobop criasse um protocolo, aprovado por todos, para ser enviado ao Ministério da Saúde, que passaria a financiar os centros que adotassem o protocolo recomendado tecnicamente pela sociedades de pares. Não é isso?
P/1- Sim.
R/1- Essa parte final perdeu-se porque o Ministério da Saúde enfrentou dificuldades para poder desenvolvê-la. Mas, não podemos descartar o apoio que o Ministério da Saúde forneceu, que foi fundamental para que introduzíssemos uma série de procedimentos de rotina, o que contribuiu para a melhoria da realidade dos hospitais públicos brasileiros. Este projeto também forneceu bases essenciais para que o Ministério avançasse com procedimentos de alta complexidade e investisse em exames caros que antes não eram realizados. Penso que com o tempo algumas coisas acabam sendo postas de lado. Porque, assim, quando idealizamos um projeto elaboramos 100% de ações que conforme vão sendo desenvolvidas correspondem apenas a 85% do que foi planejado. Logo, as partes por serem feitas fica nas mãos da próxima geração. Mas, temos tudo documentado - todos os passos de desenvolvimento e ação estão registrados e por conta estamos planejando criar um livro para contar essa parte evolutiva da medicina pediátrica brasileira.
Neste livro, iremos colocar todo o histórico, contando os passos do projeto, a ideia inicial, o que aconteceu pelo caminho, as pessoas envolvidas, pendências e tudo o mais; a fim de apresentar o modelo de gestão de trabalho. Um país grande como o nosso, idealizar um projeto sistematizado a nível nacional, como o Criança e Saúde, fez diferença. Projetos como esse são comuns no exterior, mas aqui foi pioneiro. Com o livro, desejamos apresentar o começo, o meio e o fim dele. É importante para a nossa história.
Um dos médicos envolvidos no projeto viajou para a China e contou como o Criança e Saúde desenvolveu-se. Os chineses gostaram da ideia e disseram que irão aplicar nos hospitais. A diferença é que eles planejam o desenvolvimento para vinte anos e serão financiados pelo banco estatal chinês. Aqui no Brasil, temos que planejar e aplicar tudo no período de quatro anos, porque muda a gestão do governo. Certo? Mas a ideia principal é esta, com a publicação.
Apresentar a estrutura do terceiro setor, a Fundação do Banco do Brasil, e o foco que tiveram para desenvolver o projeto, abordando a parte dos diagnósticos, as propostas e a importância da participação, a cooperação, dos médicos. O pessoal da área contribuindo com a demanda que eles necessitam e nós apenas fornecendo stand by e financiamento. Eventualmente, uma pessoa como eu contribuiu com a gestão financeira, tipo o que pode-se ou não pagar - além de ter sido intérprete em termos de equipamentos e rotinas. Falei demais?
P/2- Não. [risos]
P/1- Não.
R/1- Acho que as perguntas acabaram.
P/1- Quase.
R/1- Está ótimo.
P/2- Como você está?
R/1- Não estou apressado. Tudo bem.
P/1- Ah, tá!
P/2- Temos mais algumas.
R/1- Tudo bem.
P/2- É de nossa curiosidade mesmo.
R/1- Estou falando demais. Não sei se estou a atender o que desejam.
P/1- Está ótimo! É isso!
P/2- É isso mesmo!
P/1- Doutor, como avalia Criança e Vida? Parece que ele está encerrando.
R/1- Avalie como?
P/1- Como o Senhor enxerga o projeto, balanço geral, tanto profissional quanto pessoalmente?
R/1- Do ponto de vista pessoal, foi uma experiência importantíssima. Foi um privilégio poder conhecer a realidade do nosso gigantesco país. Não citarei os hospitais, porque são inúmeros. Por exemplo, visitei os hospitais do sul do país e notei que eles estão quase no nível europeu, apesar de terem dificuldades. Mas, são dificuldades em termos financeiros que tornam-se visíveis pela cor da parede, pelo modelo de cadeira utilizado...alguns exemplos. Depois, visitei os hospitais da região nordeste e notei que falta muita coisa. Como pode? Estamos no mesmo país. A diferença não é recurso financeiro, até porque, em certos casos, os hospitais que visitei no nordeste tinham mais verba do que os do sul. Logo, podemos concluir que a diferença está na metodologia. Certo?
Foi assim que o Criança e Vida contribuiu com essa questão metodológica. Nós ajudamos a equalizar a metodologia. Costumava brincar com a Rosa, nós visitávamos os locais e absorvíamos a experiência de um, a mostrávamos para outros. “Olha! Você conhece aquela experiência? O médico fez a sua solução assim, assado...isto daqui, ele fez assim…”. Um programa como esse é imperdível! Para mim, como profissional da área da saúde, essa experiência foi extremamente engrandecedora.
Claro que tudo o que fazemos nessa vida tem um fim, certo? Conforme os processos finalizavam eu fazia a avaliação final e percebia que nem tudo terminava como tínhamos idealizado no papel. Também, se fosse assim por quê estaríamos aqui? Perfeição somente com Deus.
O Criança e Vida foi um programa que mexeu com os brios de muita gente, porque expôs uma série de problemas que ocorriam nos hospitais. E apesar de não terem sido divulgados na mídia, conseguimos pelo menos conscientizar as pessoas: “O seu procedimento está errado! Por quê está fazendo errado?”.
Por meio do projeto, conseguimos investir no estado de Minas Gerais. O desenvolvimento da oncologia pediátrica baseava-se no Instituto Nacional do Câncer [INCA], situado no Rio de Janeiro, e nos hospitais de São Paulo - que em termos de profissionais, estão muito à frente. Logo, existia essa polaridade entre Rio de Janeiro e São Paulo.
Nesse período, Minas Gerais estava afastada, meio quieta e defasada. E quando nós passamos a ajudar a Universidade Federal de Minas Gerais [UFMG], o estado despertou e montou três centros. No início, existia apenas uma médica no estado que era a Doutora Ana. Agora, temos ao menos três profissionais específicos do setor. Muito bom!
Com essa oportunidade eu pude cutucar as feridas, saber aonde dói. Sabe? Era assim: nós chegávamos e éramos recebidos por uma fogueira de vaidades, do tipo: “Fundação? A Fundação é uma instituição fora da área médica…”. Nós enfrentamos essa dificuldade operacional, foi engrandecedora, porque nós conseguimos montar uma equipe excelente. Nós não, a equipe da Fundação.
Considero-me uma pessoa desorganizada, porque gosto de fazer as coisas do momento. Se não existissem uma Rosa e uma Lizete para sistematizar tudo, teria perdido tudo. Por exemplo, registros de fotos. Eu teria perdido tudo! Sou uma pessoa muito ativa, do momento. Pego as coisas na hora e as faço acontecer. Então, o Criança e Vida fez diferença e creio que deixará sequelas positivas. Se bem que sequela não é uma boa palavra, digo...terá benefícios.
Penso que nós não contribuímos apenas com a metodologia e com equipamentos, pois conseguíamos colocar pessoas, por vezes inimigas, para conversarem numa sala, numa reunião, a fim de que trocassem experiências. Então, organizávamos uma reunião e juntávamos profissionais de todos os cantos do país para se conhecerem. Por exemplo, trazíamos um profissional do nordeste para conversar com um de São Paulo, e dizíamos: “Vocês são pares, não precisa ter rivalidade.”. Creio que esse foi o maior ganho do Criança e Vida, para a área da oncologia pediátrica, o de colocar as pessoas para conversarem e para divulgarem metodologias. Ou seja, o mesmo tratamento que é aplicado em São Paulo pode ser aplicado também nas capitais nordestinas e do sul.
Porém, bate-me a tristeza quando penso na região norte, que ficou afastada. A região norte necessita de reforço. Amazonas, Pará, Maranhão. A região norte está abandonada em termos gerais, não apenas em oncologia pediátrica. Por quê? Ah, por inúmeras razões! Não cabe a mim citar nomes, porque envolve detalhes políticos e financeiros. Penso que um programa deve, em algum momento, abraçar essa causa. Pode ser até uma outra instituição, para melhorar as condições médicas da região norte. A carência deles é geral.
Infelizmente, também posso numerar diversas outras áreas médicas que estão abandonadas no país. Passam por carências gigantescas. Somos um país de carências, né? Se eu pudesse citar um sentimento em relação ao Criança e Vida, citaria - plagiaria a Doutora Maria Inês Gabeira - o método de trabalho. Apenas.
P/1- Tem algum momento marcante, Doutor?
R/1- Momento marcante? Poxa, todos eram marcantes! Complicado dar destaque para algum. Entende?
P/1- Tem alguma viagem que marcou? Alguma história em particular?
R/1- São centenas de histórias. Lembrar de uma e esquecer de outra não seria bom. Deixe-me pensar...viajei para o sul, nordeste. Conheci Goiânia. Especificamente, não posso destacar nenhuma dessas histórias porque todas são importantes. Mas, as regiões que tinham praia...tenho uma história de quando visitei Natal. Passagem bem interessante! Na época, estava em Brasília com planos de visitar a cidade de Natal, no Rio Grande do Norte. Tinha um hospital que desejávamos ajudar,o visitaria na semana seguinte. O meu telefone tocou: “Doutor Jaime! Tudo bom? Quem fala é…, do Hospital...Queria que o Senhor visitasse o nosso Hospital!”; respondi: “Olha, não dará tempo!”; e ele retrucou: “Dá um jeitinho na agenda! Estamos mexendo com pediatria e queremos que os planos deem certo! Quero fazer e acontecer!”. Doutor Ricardo, curioso. Provavelmente convidou-me porque alguém comentou que visitaria a cidade. Viajei para Natal.
Visitei o hospital que desejávamos ajudar, mas infelizmente não foi possível porque existiam problemas que impossibilitariam o desenvolvimento do projeto. Então, fui visitar o Hospital da Liga Norte Riograndense. Estava tudo impecavelmente novo. Conversei com o Doutor Ricardo e ele disse: “Se o Senhor aprovar essa ajuda, em trinta dias monto tudo!”, respondi: “Ah, não acredito!”. Aprovei o projeto e não deu outra! Em trinta dias ele contratou uma secretária e montou tudo. Fotografou e nos ligou: “Olha, podem vir para inaugurar!”. São exemplos como esse, de um doutor que eu não tinha planos de conhecer, que trabalhou com garra e colocou o projeto para funcionar e atender a população. Ele correu atrás e cumpriu o que prometeu. Tudo pronto em trinta dias. Fiquei impressionado!
Outro exemplo, Hospital Santa Marcelina. Durante uma visita a esse hospital, dei-me de encontro com a Irmã Josephina. Ela era italiana, tinha um metro e quarenta e cinco de altura. Bem miudinha. Estava caminhando pelos corredores e a encontrei cuidando com o maior carinha de uma criancinha neonata. Exclamei: “Ah! A Senhora!”; ela respondeu: “Ah! Gosto muito de neonatologia!”. Começamos a caminhar juntos pelos corredores, até que ela parou e abriu uma porta. Eu estava em cima de uma enorme capela, uma igrejinha mesmo. O Hospital construiu uma capela subterrânea. Quando ela abriu a porta e eu vi aquela capela debaixo dos meus pés, falei: “Deus me livre! Que imagem incrível!”.
São passagem como essas que marcam. E existem passagens boas e ruins, como as perdas. Mas, não vale a pena relatar essas coisas porque analisando a somatória a maioria de todas elas são positivas.
P/1- Gostaria de citar as pessoas que vivenciaram o projeto contigo?
R/1- São tantas as pessoas envolvidas no projeto que torna-se difícil citar todas elas. Então, vou falar daquelas que estiveram mais próximas de mim. Por exemplo, o Ed. Quando caí de pára-quedas no projeto, não sabia o que fazer e nem por onde começar. Estava completamente perdido e até incrédulo de que daria certo. O Ed acolheu-me e passei a trabalhar diretamente com ele, que entregou-me uma montanha de papéis para ler e estudar. Ajudou-me bastante, deu todo aquele respaldo de que eu precisava e com o tempo tornamo-nos bons amigos. Depois, veio aquele momento em que eu tinha que realizar a apresentação para o Comitê Diretivo e necessitava muito de ajuda. Dentro da Fundação, a única pessoas disponível era a Elizete Tavares, que estava ocupada com outros serviços. Conversei muito com ela até que a convenci a me ajudar. Com o tempo, ela apaixonou-se pelo projeto Criança e Vida e deu o maior apoio na parte estrutural: de desenvolvimento de planilhas de Excel; métodos de análise; criação de formulários e realização de entrevistas. A Elizete estava comigo durante as primeiras reuniões com os profissionais médicos, nas visitas hospitalares e apresentações.
Recordo que na primeira apresentação que realizei, o diretor do Banco do Brasil a encheu de elogios: “A sua apresentação está perfeita! Revolucionou o padrão das reuniões. Está totalmente diferente, organizada…”; e respondi: “Bem, queira desculpar-me. Esta apresentação que reestruturou o método da reunião não foi eu quem criou. Foi a Elizete! Ela quem fez tudo.”. Ela estava sentadinha, quieta, atrás de mim. “Eu não tenho nada com isso! A minha parte é escolher equipamentos.”, afirmei. Em seguida, todos a parabenizaram. A Elizete é uma pessoa muito organizada, ela estruturava tudo: datas, reuniões, passagens, viagens, tudo. Então, em termos operacionais, de fazer com que as coisas acontecessem, ela foi importante para a minha trajetória.
Não posso deixar de citar o Chicão, que era a figura jurídica da instituição e o responsável pelos termos normativos. O Alfredo também tinha a mesma função, mas ele estava trabalhando mais com a Rosa. Então, viajávamos em três: eu, o Chicão e a Elizete. Eu discutia a parte técnica, fazia toda a parte da secretaria; e o Chicão discutia os termos normativos, tipo como o convênio poderia ser realizado, o que deveria ser apresentado, qual seria o papel da Fundação. Ou seja, toda a parte de normas a negociação era com o Chicão.
Mais adiante, entrou na equipe a Olívia - que já aposentou, e uma estagiária chamada Tatiana. Quem contratou a Tatiana foi a Elizete, era o primeiro emprego da menina - o que significa que ela era um papel em branco em termos de trabalho. Costumo chamar a Elizete de mulher espartana, germânica, porque ela treinou perfeitamente a Tatiana ao ponto de que ela se tornasse o nosso braço direito. Mas, com o tempo, ela acabou indo embora. Passou num concurso público e melhorou de situação financeira.
Também recordo-me de iniciar o projeto com o gerente da área, mas não recordo o nome dele. Sou péssimo com nomes.
P/1- Não tem problema.
R/1- Também tenho boas lembranças de ter trabalhado com a Dulce Jane. Porém, os principais nomes são a Rosa, a Elizete, o Chicão, o Alfredo, o Ed e a Tati. Está faltando gente aqui, mas realmente não recordo os nomes. Esqueci totalmente. Sabe, aquele branco?
P/1- Como o Senhor avalia a temporada que trabalhou com a Fundação?
R/1- Considerando o lado profissional, perdi tempo. Assim, em termos de profissão eu perdi o ritmo do trabalho. Agora, tenho que retornar e retomar esse ritmo. Lado pessoal, foi excelente! Foi um prazer trabalhar com eles, muito satisfatório. Porém, fiquei sozinho. Tornei-me o único médico. Quero dizer, em relação a minha capacitação profissional, não cheguei a trocar informações e experiências médicas. Entende? Doei muito sangue nesse projeto, baseado na experiência anterior que tive. Criei ótimos relacionamentos.
Hum...se eu puder citar mais pessoas, que não pertencem a Fundação. Considero que fizeram uma danada diferença. Uma é a Doutora Maria Inês Gabeira, que pertencia ao Ministério da Saúde. Trabalhamos em conjunto, trocamos informações, experiências, confidências. Muita da visão estrutural dela foi aproveitado no projeto. Outra é a Doutora Isis, que atuava no Hospital de Apoio e no Hospital de Base aqui de Brasília. Dependíamos muito de informações sobre o trabalho e ela ajudou bastante. Enfim, são centenas de pessoas que contribuíram em diversos especialidades, onde cada tem uns três a quatro nomes envolvidos. Todas espalhadas por diversos hospitais.
P/2- Se pudesse traduzir a Fundação Banco do Brasil em poucas palavras, o que diria sobre ela?
R/1- A Fundação Banco do Brasil em poucas palavras? É um local ideal para trabalhar. Uma instituição com potencial de ajudar o nosso incrível país. Poderia ter ajudado apenas no papel, mas foi além com o projeto Criança e Vida. Poderíamos aproveitar a Fundação para desenvolver outras transformações, melhorias no país. Ela não trabalha com sonhos, ela realiza mudanças. Entende? Oportunidade de mudança. É mais ou menos isso.
P/2- Estamos encerrando a entrevista. Posso fazer a última pergunta? Sei que já olhou bastante para trás, sobre a sua trajetória de vida e a trajetória do projeto. Tem até um livro que será lançado, né?
R/1- Ah, perfeito.
P/2- O que achou de ter passado esse tempo conosco, contando a sua história desde os tempos em que estudava e realizava a residência no Hospital Militar?
R/1- Oportunidade única. Apesar de ter sido uma entrevista rápida, permitiu que eu revisasse a minha trajetória. A memória é algo único em nossas vidas e com a correria do dia-a-dia não damos muito valor a ela. A experiência que tive com o Criança e Vida ensinou-me a anotar um pouco das coisas, sabe? Ontem, estava organizando os meus papéis, registros, para deixar a Fundação. Hoje é o meu último dia, estou retornando ao Cassi. Peguei alguns papéis, observei alguns documentos e planilhas. Pensei comigo: “Não vou chorar!”.
Bateu aquela nostalgia. Então… a memória nos dá o direito de rever a nossa trajetória e ver como as coisas que desenvolvemos fizeram ou não diferença. De repente, você percebe que o seu trabalho transformou a realidade e pronto. A sensação é...dá vontade de fazer tudo de novo, sabe? É como ter um filho crescido. Se você não aproveitou para beijá-lo quando era pequeno, depois de grande não adianta porque ele não vai gostar. É mais ou menos isso…
Às vezes a gente para e pensa: “Nossa, corri por cinco anos!”, e depois conclui que algo de bom aconteceu. Algo mudou e está documentado. Foi feito! Fez diferença! É uma oportunidade única essa experiência de poder contar a minha história e de ter sido escolhido para isto. Eu tenho pouco para falar da Fundação, penso. Gostaria de agradecer a oportunidade.
É emocionante, emocionante. Acho que vocês devem ouvir muitas histórias, por detrás da câmera, e depois devem sentar para conversar sobre essa experiência de poder documentar. Foi uma experiência totalmente diferente, poder recordar do trabalho de dimensão nacional do projeto Criança e Vida. Foi uma experiência gratificante, extremamente gratificante. Sou um pouco emotivo, mas se não chorei até agora. também não choro mais!
P/2- [risos] Em nome da Fundação Banco do Brasil e do Museu da Pessoa, agradecemos pro demais a sua colaboração.
R/1- Obrigado, vocês! Pela paciência e pelo horário.
P/2- Imagina.
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