P/1 - Odiles, queria começar perguntando o teu nome completo, data e local de nascimento.
R – Está legal. O meu nome é Odiles Jesus de Freitas, eu nasci em São Paulo, capital, aqui, onde resido até hoje e nasci no dia 30 de maio de 1961.Vou completar 40 anos... Quer dizer, 41.
P/1 – Os teus pais de São Paulo também?
R – É, os meus pais são... O meu pai, no caso, é de Minas. Viçosa, Minas Gerais. A minha mãe aqui de São Paulo mesmo, capital. Ela nasceu e foi criada aqui. O meu pai veio para cá, ele já tinha em torno de uns 20, 20 e poucos anos. Aí, se conheceram, tal, o resultado está aqui. [risos]
P/1 – Você sabe como é que era a vida dele lá em Minas? Como é que os teus avós viviam?
R – Eles viviam da agricultura. O meu avô tinha sítio, tinha chácara, tudo, até mais ou menos a idade dele de uns 25, 30 anos. Aí, quando eles vieram para São Paulo, o meu avô sempre foi muito interessado em trabalhar, não só na lavoura, fazer outras coisas. Ele já tinha prática em trabalhar, mexer com asfalto, mexer com produtos desse tipo, ligados a obras, concreto. Ele conhecia bem disso daí. Então, quando eles vieram para São Paulo, o meu avô foi trabalhar numa empresa chamada... acredito que exista até hoje, a Firpavi, que é uma empresa de pavimentação. O meu pai vindo para cá também, ele tinha feito alguns cursos, tal, quando veio para São Paulo. Então, ele entrou para trabalhar numa empresa de linhas, chamava Linhas Aliança, que era lá no Ipiranga mesmo. Essa empresa fechou já há alguns anos atrás. Os donos desfizeram a sociedade, tudo, porque morreu um dos sócios, os outros dois resolveram desfazer a sociedade e venderam a empresa, venderam o prédio, tudo. Mas o meu pai trabalhou por 35 anos nessa empresa. Esse foi o primeiro emprego dele aqui em São Paulo, ele ficou até se aposentar.
P/1 – O teu avô como é que se chamava?
R – Virgílio.
P/1 – Virgílio....
Continuar leituraP/1 - Odiles, queria começar perguntando o teu nome completo, data e local de nascimento.
R – Está legal. O meu nome é Odiles Jesus de Freitas, eu nasci em São Paulo, capital, aqui, onde resido até hoje e nasci no dia 30 de maio de 1961.Vou completar 40 anos... Quer dizer, 41.
P/1 – Os teus pais de São Paulo também?
R – É, os meus pais são... O meu pai, no caso, é de Minas. Viçosa, Minas Gerais. A minha mãe aqui de São Paulo mesmo, capital. Ela nasceu e foi criada aqui. O meu pai veio para cá, ele já tinha em torno de uns 20, 20 e poucos anos. Aí, se conheceram, tal, o resultado está aqui. [risos]
P/1 – Você sabe como é que era a vida dele lá em Minas? Como é que os teus avós viviam?
R – Eles viviam da agricultura. O meu avô tinha sítio, tinha chácara, tudo, até mais ou menos a idade dele de uns 25, 30 anos. Aí, quando eles vieram para São Paulo, o meu avô sempre foi muito interessado em trabalhar, não só na lavoura, fazer outras coisas. Ele já tinha prática em trabalhar, mexer com asfalto, mexer com produtos desse tipo, ligados a obras, concreto. Ele conhecia bem disso daí. Então, quando eles vieram para São Paulo, o meu avô foi trabalhar numa empresa chamada... acredito que exista até hoje, a Firpavi, que é uma empresa de pavimentação. O meu pai vindo para cá também, ele tinha feito alguns cursos, tal, quando veio para São Paulo. Então, ele entrou para trabalhar numa empresa de linhas, chamava Linhas Aliança, que era lá no Ipiranga mesmo. Essa empresa fechou já há alguns anos atrás. Os donos desfizeram a sociedade, tudo, porque morreu um dos sócios, os outros dois resolveram desfazer a sociedade e venderam a empresa, venderam o prédio, tudo. Mas o meu pai trabalhou por 35 anos nessa empresa. Esse foi o primeiro emprego dele aqui em São Paulo, ele ficou até se aposentar.
P/1 – O teu avô como é que se chamava?
R – Virgílio.
P/1 – Virgílio. E a tua avó?
R – Maria.
P/1 – E da tua avó, o que você lembra dela?
R – Ah, ela sempre foi uma pessoa assim, bastante meiga, carinhosa com os netos. Tinha aquela mania, a gente fala o pessoal antigo, cheio de simpatia, aquelas coisinhas: “Ah, não toma água gelada, não corre, não faz isso”, mas sempre foi uma pessoa muito carinhosa, procurava sempre tratar a gente de uma forma... Deixasse à vontade, sempre cheio de fazer os docinhos dela. Se a gente chegasse, comesse um pedaço só, tinha briga. Tinha uns pedaços de bolo enorme, que ela fazia muito bolo de fubá e a gente tinha que sentar e comer o bolo. Se deixasse um, ela brigava. [risos] Então, sempre foi uma pessoa que nos tratou bem, sempre nos deu bastante apoio.
P/1 – Mas você freqüentava a casa dos teus avós ou eles moravam junto com vocês?
R – Não, freqüentava porque eles moravam do lado da casa da minha mãe, dos meus pais, Então, a casa ao lado. A diferença, dividia por um muro, porque na época quando os meus pais vieram para São Paulo, a minha avó, a mãe da minha mãe, ela tinha um terreno que tinha casa já deles, onde eles moram, a minha mãe mora até hoje, e o terreno ao lado também pertencia à casa. Então, quando os pais do meu pai vieram procurar lugar para ficar, eles viram que ela estava vendendo o terreno, aí foi lá. Na verdade, o primeiro contato deles aconteceu assim. Os pais do meu pai conversando com a mãe da minha mãe para adquirir o terreno, que eles queriam morar ali. Gostaram da região, ali no Ipiranga, eles queriam ficar ali naquela rua. E tudo bem. Aí, fizeram o acerto e tal, e eles compraram o terreno para construir a casa deles ali. Foi daí que surgiu, que eles se conheceram, sabe como é? Obra daqui, obra de lá, acabaram se conhecendo. Minha mãe, filha única, o meu pai tinha outros irmãos, outras irmãs. Mas se gostaram, tudo, e foram ficando juntos, namoraram, tudo e casaram.
P/1 – E a família da tua mãe como é que foi parar lá no Ipiranga, você sabe dessa história?
R – Olha, eu não sei ao certo, porque eles, quando a minha mãe nasceu, eles sempre moraram ali naquela região, nunca se afastaram muito de lá. Minha avó, ela veio... Quando menina, ela morou em Barra Bonita. Ela tinha os parentes, tudo, em Barra Bonita. Depois, quando a minha mãe nasceu, eles já vieram para São Paulo. Agora, eu não sei te precisar exatamente o local, quando. Eu sei que, naquela época, ali era tudo chácaras, sítios. Então, eles... O meu avô, ele tinha adquirido um terreno bastante grande lá e eles construíram uma casinha bem pequena mesmo, feita de tijolo de barro ainda, na época, e vieram morar ali. Então, a minha mãe já era menina, devia ter um ano, dois anos mais ou menos, quando eles vieram morar ali no Ipiranga, nessa rua, na Marquês de Maricá, que eles moram até hoje.
P/1 – E os pais da tua mãe lidavam com o que? Trabalhavam com o que?
R – Olha, o meu avô, ele trabalhava com confecção. Naquela época tinha muita coisa de indústria de roupa, estava vindo para o Brasil, começou aquele negócio de construir, de fabricar roupa, tecido, essas coisas. Então, ele trabalhou uma época com isso e a minha avó sempre foi do lar, e ela trabalhava em casa, apesar de ter uma época, onde ela fazia trabalhos para fora. Ela pegava tipo, trabalhos de malharia, que ela era costureira, a minha avó costurava muito bem. Então, ela fazia esse tipo de serviço. Ela pegava as malharias, as confecções, davam roupas para que as pessoas fizessem em casa; acabamento, colocar um bordado, alguma coisa. Ela fazia esse tipo de serviço por uma época. Mas ela sempre foi do lar também.
P/1 – Quer dizer, então, a família do teu pai e a família da tua mãe eram vizinhos?
R – Vizinhos.
P/1 – Eles se casaram e continuaram morando por lá?
R – Morando na mesma casa...
P/1 – Qual delas?
R – Na casa da minha mãe, porque aí o meu avô já era falecido, o pai da minha mãe, então moravam só a minha mãe e a mãe dela, a minha avó. Aí, eles construíram mais dois cômodos na casinha que eles tinham inicialmente e o meu pai veio morar com a minha mãe lá na casa que eles moram até hoje. Aí, foram aumentando, aumentando.
P/1 – E você passou a tua infância lá?
R – Lá.
P/1 – Como é que era essa casa, Odiles, que lembranças que você tem?
R – Ah, lembranças muito legais, muito boas, porque é aquela coisa, antigamente você tinha uma casa aqui em São Paulo, você tinha terreno enorme e a casa no meio. Então, você tinha pés de frutas. O fundo da casa da minha mãe sempre teve pé de pêssego, de abacate, ameixa. Então, era aquela coisa de molecada subir em árvore, catar fruta, ficar caçando passarinho. O meu pai nos ensinava fazer alçapão, pegar passarinho, pôr em gaiola. No fundo da casa dos meus pais tinha um terreno bastante grande. Tinha árvores, tudo arborizado, tinha plantações. Foi uma infância assim, totalmente diferente do que a gente vê hoje. Infelizmente, é a meninada de cidade grande. Não teve esse contato com a natureza, essa coisa de brincar, correr, pular. Então, foi assim, uma coisa bem solta mesmo.
P/1 – Qual que é a brincadeira favorita assim, que você lembra?
R – O que mais... O que a gente mais gostava era empinar pipa e depois era jogar bola. Era o dia inteiro.
P/1 – Isso já era na rua, não era no quintal?
R – Já era na rua e no quintal porque o quintal da casa nessa época era de terra ainda. E depois, bem mais para frente, que os meus pais foram cimentar, colocar piso etc, mas era de terra. Então, sempre teve um quintal muito grande em casa. O terreno era bem grande e na rua também, que na época também não era asfaltada. Então, era escola de manhã, voltava, era shorts e bola o dia inteiro. Ou se não, brincar nas árvores, fazer esse tipo de coisa.
P/1 – Quantos irmãos, Odiles?
R – Eu tenho hoje dois irmãos.
P/1 – Dois irmãos. E dentro de casa, você lembra como é que funcionava a tua casa? Como é que estava organizado o dia-a-dia?
R – Lembro, lembro. Era uma coisa assim, legal. O meu irmão... O homem, o Edson, ele era o caçula. Então, o coitadinho, sempre sobrava para ele. E a minha irmã, a gente já tinha... Tinha diferença de dois anos, a gente cresceu com pouca diferença de idade, então, não tinha assim, tanta briga. Mas era uma coisa bem legal porque nós tínhamos o nosso quarto, onde ficava eu e o meu irmão, tinha um quarto onde, até então, quando a minha avó morava conosco, antes de falecer, a minha irmã dormia com ela e o quarto da minha mãe e do meu pai. Então, era bem organizadinho. Uma coisa que marcou muito, é que eu sempre fui na escola de manhã, e naquela época a minha avó acordava com o Zé Bétio. “Putz”, eu não podia escutar aquele rádio do Zé Bétio! [risos] Cobria a cabeça assim, eu me lembro até hoje, porque... “Pô”, você de manhã, dormindo aquele soninho gostoso, “acorda não sei o quê”, galo cantando, aquele troço todo que tem no programa. Então, isso é uma coisa que marcou muito. Tinha seis, sete anos de idade, marcou bastante. Do geral, era bem organizado. A minha mãe sempre foi do lar, sempre trabalhou cuidando da casa, dos afazeres domésticos, então tinha o horário certinho, almoço. Brigava muito com a gente. Como toda criança, eu não gostava de tomar banho. Você estava brincando, tinha que parar, tomar banho, lavar a mão para comer, essa coisa toda. Então, a gente ficava sempre... Tinha essas discussões.
P/1 – E quem cozinhava era a tua mãe ou tua avó?
R – Era a minha mãe e a minha avó, as duas faziam.
P/1 – Qual que era assim, a especialidade?
R – Da minha avó era polenta com molho. Nossa, ela fazia uma polenta com molho, eu adorava polenta com molho e queijo. Isso daí ela adorava fazer. A minha mãe já gostava muito de fazer arroz, feijão, virado de feijão, ela gostava muito. Como o meu pai sempre gostou muito de carne de porco, essas coisas, ela sempre fazia costelinha, bistequinha, couve... Mineiro, já viu! [risos] Só quer saber disso. Então, ela acostumou com esse tipo de cozinha, essa comida, então ela sempre fazia. A especialidade maior era essa. Tinha variedade, macarrão, essas coisas assim.
P/1 – Você falou da escola, que lembranças que você tem da escola, Odiles? Que escola foi essa?
R – Estudei na escola... Está até hoje lá em atividade: Demósthenes Marques, se chama a escola. Escola Estadual do Primeiro Grau Professor Demósthenes Marques. Muito bacana, porque as amizades, o pessoal que morava ali, as crianças, a gente cresceu tudo junto. Então, como eram mais ou menos da mesma idade, coincidimos de estar sempre na mesma escola. Na época, na região, só tinham duas escolas. Era essa e uma outra que ficava um pouco longe, tinha que atravessar a Via Anchieta, porque a gente morava próximo da Anchieta. A gente sempre estudava nessa porque não tinha o perigo de atravessar a Anchieta, carros e etc. Então, era um pessoal muito legal porque além da gente brincar o dia inteiro junto, estava a manhã inteira também junto dentro da escola. Era uma coisa bacana. Uma coisa que marcou muito, que a gente não vê os dias de hoje, é tipo assim: tinha todo um ritual para você entrar até na classe de manhã, quando você chegava. Você chegava de manhã, tinha uniforme, camisa branca, calça azul marinho, tinha que estar sempre limpinho, tinha que cantar hino nacional, hino à bandeira e o hino da escola.
P/1 – Todo dia?
R – Todo dia. Todo dia de manhã, você cantava hino nacional, hino à bandeira e hino da escola, fora aquelas datas cívicas mais comemoradas; Dia do Soldado, Tiradentes etc, que aí você tinha já um ritual totalmente diferente, voltado para a data. Mas no dia-a-dia era sempre assim.
P/1 – E depois de cantar o hino, como é que era?
R – Cantava o hino, ia tudo em filinha, bonitinho, com a mão no ombro do outro, aí ia para a classe. Aí, era um dia normal de aula. Na hora da saída, esperava tocar o sinal; não podia sair correndo, tinha uma diretora lá que era super enérgica, se pegasse alguém correndo, puxava orelha e puxava mesmo! [risos] Então, o pessoal saía tudo bonitinho, direitinho. Molecada tudo para casa, mas de manhã, o que marcou mesmo foi isso.
P/1 – E você ia e voltava a pé?
R – Ia e voltava a pé.
P/1 – Como é que era a vizinhança lá do Ipiranga na tua infância?
R – Ah, era um pessoal assim, vamos dizer assim, mais amigo do que é hoje, mais receptivo, era uma época mais tranqüila. Você não tinha tanto trânsito, não tinha tantas pessoas diferentes andando ali pelo local, na rua. A semana, o dia era bem pacato porque como ali eram ruas de terra, passava um carro ou outro. O movimento maior, como eu disse, era na Via Anchieta, tinha a Estrada das Lágrimas que é do outro lado, que tem até hoje essa via. Seriam as vias principais. As ruas ali, ao meio, eram bem tranqüilas, não tinha quase movimento. Então, era um contato diário com as pessoas que moravam ali mesmo.
P/1 – Tinha campo de futebol ali perto?
R – Tinha, isso não faltava! [risos] A gente ia muito jogar bola, onde é hoje a favela do Heliópolis. Ali era um morro, eram só campos de futebol, era um do lado do outro ali. A molecada, quando a gente dava uma fugidinha, sem a mãe saber, tal, falava lá que ia na casa de um coleguinha, não sei o que e “tchum”, jogar bola. Ia para o campo, nesses campos que eu estou te falando. Então, era legal por causa disso, porque você tinha uma infância assim, bastante solta e com o pessoal que era sempre aquele. O pessoal que estava sempre ali. Tinha o seu Joaquim, que tinha o barzinho da esquina, o Português, que sempre aprontava das dele, né? A gente se matava de dar risada porque fazia cada uma!
P/1 – Por exemplo?
R – Uma dessas que ele aprontou uma vez: de terça-feira tinha feira na porta de casa. Então, a gente não via a hora de sair da escola para ir para na feira, ficar lá com o pessoal, conhecia todo mundo, tudo. E um dia a gente estava lá na porta do bar do seu Joaquim, tinha o filho dele, Fernando, que era do nosso tamanho. E ele tinha que trocar uma lâmpada. Como o pé direito era alto, ele pegou e colocou uns caixotes lá e subiu. E nós estávamos lá, tinha mais um pessoal no bar, falou: “O seu Joaquim, vai cair, vai cair!” “Não, não vou, não vou!” O Português pegou, foi colocando os caixotes e subindo. Quando ele chegou perto da lâmpada, o caixote quebrou com o peso, ele caiu no chão, se estatelou. Quer dizer, conclusão: ficou com as duas clavículas quebradas. Então, ele ficava no galpão, atendendo a gente assim, com as mãos presas. [risos] Aí, o pessoal ia lá, pedia as coisas para ele, só para ver ele andar daquele jeito, com as mãos todas enfaixadas, os braços, tudo. Então, tipo dessas coisas.
P/1 – Você falou da feira. Você lembra qual era a tua barraca favorita lá na feira?
R – Ah, era uma barraca de fruta que tinha um rapaz que trabalhava lá, ele era o Zé Robô. Era o apelido dele porque o cara era grandão, enorme, andava que nem um robô assim. E realmente, o cara era muito forte, tal. Sabia que tinha uma origem assim, não lembro se ele era do Acre, de alguma região assim. Parecia um índio, mas ele andava todo durão, parecia um robô mesmo. E ele adorava a gente porque ele jogava bola junto com a gente, ele era vizinho nosso lá e de terça-feira coincidia dele fazer a feira ali. Então, a gente ia... Chegava da escola, corria para a barraca do Zé Robô, que tinha frutas aos montes. Então, a gente gostava de ajudar ele a arrumar o caminhão, deixava subir no caminhão, esticar encerado e não sei o que, aquele negócio todo. A gente aproveitava para comer as frutas. Ficava lá bagunçando com ele e ele também era bem crianção, brincava muito com a gente.
P/1 – Ainda sobre a tua infância, adolescência, eu queria te perguntar sobre a figura do teu pai e da tua mãe, como é que você descreveria essas pessoas?
R – Olha, pessoas que... O que eu sou hoje, devo a eles praticamente tudo, porque sempre foram pessoas que muito nos apoiaram, muito nos deram carinho, amor, sempre procuraram nos direcionar num caminho que a gente tivesse condições de crescer, de se orientar e estar bem. Então, sempre foram pessoas humildes, a gente nunca teve luxo. Hoje, graças a Deus, o que eu posso dar para os meus filhos, eu não tinha. Mas, de certa forma, eles supriam a falta dessas coisas com amor e carinho deles. O meu pai sempre foi uma pessoa que conversava com a gente, brincava muito. Ele trabalhava, e apesar de chegar cansado, eu lembro que ele vinha e sempre estava com a gente ali brincando. Às vezes ia jogar bola, fazia carrinhos de madeira para a gente andar. A minha mãe também sempre junto, procurava sempre levar na escola ou, às vezes, ia buscar. Estavam sempre com a gente. São pessoas que sempre nos apoiaram em tudo. Nunca... Quando não estava um, estava o outro. Eles nunca deixaram a gente assim, sozinhos ou em alguma decisão, de alguma forma, que eles não estivessem presentes.
P/2 – E do que o seu pai trabalhava?
R – O meu pai trabalhava numa indústria de linhas. Ele entrou como... Para trabalhar na caldeiraria... Não sei assim, qual seria a profissão. Ele trabalhava na caldeiraria, mexendo com caldeira, tudo. Aí, ele foi trabalhando, foi aprendendo, aprendeu. Então, ele foi trabalhar na área de tingimento de linhas, que era um local bastante quente inclusive, que era um vapor violento lá dentro, onde eram tingidas as meadas de linhas que vinham. Eles traziam umas meadas grande. Eu sei porque várias vezes, quando moleque, eu fui lá com ele para ver. Tinha umas barcaças bastante grandes, cheias d’água. Nessa água era colocada o tingimento, a cor que você queria, e tinha que ficar lavando essa linha ali dentro. Então, ele ficou alguns anos trabalhando lá também. Até que, como ele sempre foi esforçado, ele foi aprendendo, aprendendo, aprendendo, até que ele chegou a encarregado geral da empresa, da fábrica. Nos últimos 18 anos mais ou menos que ele trabalhou lá, só tomava conta do pessoal. Aí, cuidava, porque ele aprendeu a parte mecânica da... As máquinas que enrolavam as linhas em carretéis, que faziam esses tubinhos de linha para bordar etc, para costura. Então, ele foi conhecendo a fábrica, desde o piso até em cima. E tinha o relacionamento muito bom com os donos, gostavam muito dele porque era... Era outra época. Antigamente, na época dele, o pessoal vinha te buscar em casa para trabalhar. Você não tinha uma mão-de-obra legal, você não tinha um pessoal mais especializado, então qualquer coisa, os donos vinham em casa te buscar. Eu lembro quando a gente ficava doente, alguma coisa, você não tem os recursos que tem hoje; táxi fácil, um hospital. Não, eles vinham com o carro pegar a gente e levar no hospital, levar no médico, porque eles tinham um carinho especial com o meu pai, porque ele também sempre trabalhou e se dedicou à eles. Precisava ir de sábado, eu ia, de domingo, não tinha hora. Eu lembro uma vez, à noite, o cara veio correndo na minha casa. Eram 10 horas da noite e tinha dado um problema na caldeira, estava com o risco de explodir. Ah, o meu pai saiu, vestiu uma calça lá, pegou, foi com ele para a empresa. Ficaram lá até o outro dia, eram 6 horas, arrumando lá, a caldeira. Quer dizer, ele sempre se dedicou. Então, com isso, ele conseguiu estar bem. Primeiro emprego até se aposentar.
P/1 – E o teu primeiro emprego, Odiles? Ainda você era estudante ainda ou…
R – Ah, eu estudava. Eu comecei a trabalhar meio período só. Eu fui numa Transportadora, Expresso Grande São Paulo, era ali na Avenida do Cursino, então, eu trabalhava no escritório da Transportadora. Comecei como office-boy . Então, era legal porque eu tinha... Eu conhecia a dona da Transportadora, era a minha tia na época, e ela montou a Transportadora, tudo, eu fui trabalhar. Aí, tinha um motorista de táxi que o sócio dela, ele tinha táxi, tinha caminhões, essas coisas. E um dos táxis, o motorista passava sempre em casa para pegar a gente e levar lá para a Transportadora. Só que o cara era muito barbeiro. [risos] “Pelo amor de Deus, Chico!” Não esqueço esse cara nunca. Era um táxi azul, um Fusquinha, aquele azul clarinho, “ah, meu Deus!” Uma vez, a gente vinha vindo numa avenida bem larga que existe lá até hoje, ele veio no meio da avenida de frente com outro carro. Os dois vindo, vindo, vindo assim, e um ia para um lado, o outro ia, eu falei: “Vai bater, né?” Invés dele parar o carro, dar seta para um lado e sair, não, ele foi de frente. Se o cara ia, ele ia junto. Ele não sabia para onde ia também. Até que pararam um de frente com o outro assim, e a distância de dois metros mais ou menos. Até que pararam, o cara mandou... Ele falou para o cara esperar, ele manobrou e saiu com o carro. Quer dizer, o cara era muito ruim de volante. Eu não sei, dirigir assim, mas era legal.
P/1 – Quantos anos você tinha nesse emprego?
R – Ah, eu devia ter por volta de 16 anos, por aí.
P/1 – Você ainda morava com os seus pais?
R – Morava, morava.
P/1 – Você morou com os teus pais até quando, Odiles?
R – Até os 27 anos.
P/1 – Nessa mesma casa?
R – Nessa mesma casa. Até essa idade, eu morei lá.
P/1 – Quando você conseguiu esse teu primeiro emprego, você estava estudando o que?
R – Eu estava já indo para o Colegial, que eu fiz Colegial Técnico, Química Industrial, então, eu tinha começado o Colegial.
P/1 – Estudou onde?
R – Na São Marcos, ali no Ipiranga. Faculdades São Marcos.
P/1 – Depois você continuou os estudos?
R – Continuei. Eu fiz o Técnico Colegial, me formei. Aí, eu fui estudar na faculdade em São Bernardo do Campo, Faculdade de Filosofia e Ciências e Letras em São Bernardo do Campo, e eu queria fazer Engenharia Química. Uma coisa que eu sempre gostei, tal. Eu fiquei, fiz um ano e meio, foi o primeiro semestre, segundo, dois anos eu fiquei nessa faculdade em São Bernardo do Campo, aí depois eu consegui transferência para a GV (?) Muita luta, muita briga, e então, eu consegui me transferir para a GV. Nessa transferência, eu perdi um ano porque o estudo era bem mais avançado lá, muito mais puxado. Então, a condição que eu tive para conseguir passar para lá era ficar um ano atrás, eu “tudo bem”. Eu fui. E aí eu fui até o quarto ano só.
P/1 – Mas lá em São Bernardo, você fazia que curso?
R – Eu fazia... Seria um doutorado em Química Industrial, vamos dizer assim. É um curso que não chega ser... Você não se especializa como Engenheiro e não é um Técnico. Seria um curso intermediário. Como se você fosse, vai, um doutorado em Química Industrial. Seria um curso de três anos, intermediário entre Engenharia e o Químico Industrial, só.
P/1 – E na GV você foi como?
R – Aí eu fui para fazer Engenharia mesmo.
P/1 – Fazer Engenharia Química.
R – Engenharia Química.
P/1 – E essa tua escolha, você sabe da onde é que veio?
R – Desde criança, desde... Eu gostei sempre de... Uma das coisas que eu sempre gostei de fazer, foi embalsamar os bichinhos, tenho até hoje em casa. [risos] Então, aranha, gafanhoto, coisa de moleque mesmo. Borboleta, a gente ia caçar e tal. Aí, com muito custo, convenci a minha mãe a ir comprar formol para gente. Aí, abria os bichinhos, tinha livro para embalsamar, tudo, porque a minha mãe tinha um tio que trabalhava no Museu do Ipiranga e ele trabalhava na área que fazia justamente esse trabalho; embalsamava os bichos. Algumas vezes estive com ele lá e vi, aquilo me fascinou! Achei um negócio assim, diferente, uma coisa totalmente nova. E sempre comecei: “Ah, não. Vou ser químico, vou ser químico” e fui crescendo com aquela coisa de ser químico.
P/1 – A tua coleção de bichinhos tinha o que? Tinha borboleta?
R – Aranha, gafanhoto, borboletas. As aranhas, algumas, eu ainda tenho até hoje guardadas. E a minha mãe ficava doida porque, imagina, você no meio do mato, pegando esses bichos. Tomava uma picada ali, qualquer coisa, “puta, queria morrer com isso, né?”
P/1 – E o teu primeiro emprego nessa área qual que foi, Odiles, na área química?
R – Olha, na verdade, eu nunca consegui trabalhar na área química. Isso, talvez, tenha sido um dos pontos que fizeram com que eu saísse da faculdade sem concluir o curso. Eu me desanimei pelo seguinte: quando eu entrei na faculdade, eu trabalhava numa empresa de plástico, Indústria de Plástico Cati, onde eu era encarregado. Eu cheguei, entrei lá como auxiliar de escritório e cheguei a encarregado geral de expedição e faturamento. Então, na época, eu tinha um bom salário, tinha um padrão de vida, pagava a minha faculdade, tinha o meu carro, ajudava os meus pais. Eu tinha um padrão legal de vida. Só que aí, eu comecei a procurar no ramo. Eu já tinha me formado químico industrial, só que eu já trabalhava na Plástico Cati, então eu falei: “Ah, eu não vou sair agora porque eu vou fazer a faculdade, aí eu arrumo alguma coisa no meu ramo.” Eu fiz estágio no próprio laboratório da empresa. Então, eu já tinha, assim que começasse Engenharia, eu já tinha uma grande chance de trabalhar no laboratório dessa indústria que eu trabalhava. Só que aí o que aconteceu? A parte laboratorial da indústria foi terceirizada, porque é um custo alto você ter uma série de normas, de ABNT que você tem que seguir, tudo, para a produção de material plástico. Foi terceirizado nesse meio tempo. Aí, eu perdi essa chance de trabalhar no laboratório da empresa. Só tinha o químico, que era da empresa, o engenheiro químico que era funcionário da empresa, e o restante era tudo terceirizado. Então, ele que assinava tudo pela empresa, via o material se estava dentro dos padrões que a empresa queria, mas o restante era terceirizado. Aí, eu comecei a procurar no ramo para trabalhar. Eu falei: “Pô, tem que entrar, porque quando você se forma engenheiro - eu acho que em qualquer área deve ser assim - se você não tiver o mínimo de dois, três anos de experiência, você não consegue emprego.” É muito difícil você ser um recém formado e já sair trabalhando. “Ah, tudo bem. Vamos atrás.” Aí, comecei a procurar na área para tentar já, quando eu tivesse na faculdade, terminando a faculdade, com tempo de experiência. Na época, o salário que me ofereciam seria tipo um terço do que eu ganhava. Então, eu fiquei dois anos batalhando, tentando e tal. Eu tinha arrumado, consegui arrumar uma vez numa empresa de produtos químicos, em Cubatão. Até, eu cheguei lá e fui dois dias para fazer teste para ver. Trabalhava com destilação de éter. Era um negócio assim, que os caras trabalhavam, só de entrar naquilo você já ficava meio tonto porque ácidos altamente voláteis, tudo, e não existia uma proteção, não existia nada. Uma coisa assim. Eu fiquei meio impressionado com aquilo. Aí, tentei também na antiga, na Scania Vabis. Tinha um laboratório muito grande.. Só que eu tinha que entrar lá para trabalhar como auxiliar de laboratório. Ia entrar lavando vidro. Até aí, tudo bem, não é o problema do trabalho. O problema na época era o fator ganho. Então, nesses dois anos, eu acabei me desiludindo com a profissão. Eu acabei achando que... Falei: “Pô, eu vou trocar... Sabe? O que eu tenho hoje por uma coisa que é incerta e que eu não sei até onde vai.” Então, eu me decepcionei. Foi aí que eu parei.
P/1 – E ficou na indústria de plásticos até quando?
R – Fiquei na indústria de plásticos até 1981. Só que depois, eu parei a faculdade, saí, tudo. Fiquei mais alguns anos trabalhando lá, estava muito bem. Só que aí, nesse entremeio, a indústria de plástico foi vendida. Os donos eram espanhóis e eles venderam para uma outra empresa concorrente que tinha aqui em São Paulo, que era no ABC, se eu não me engano. Nessa de vender, a gente tinha que ir para o ABC, só que era bem longe da onde eu morava. Eu estava fazendo um outro curso na época, tudo, e não dava, não tinha como eu ir trabalhar lá. Tentei até ir trabalhar e voltar, mas não dava tempo. Então, eles fizeram uma proposta para a gente sair, tal. Eles indenizaram, não sei o que. Também as pessoas que compraram, acho que não queriam assumir, porque eles tinham já outras pessoas para colocar os cargos, então a gente que era... Tinha um cargo assim, de chefia dentro da empresa, eles começaram a trocar. Só que foram muito legais. Os caras chamaram, falaram: “Olha, a gente vai trocar.” Abriram mesmo numa boa. Eles tinham já uma cultura diferente até dos brasileiros, vamos dizer assim, na época, que eles também eram europeus. Então, eles mudaram, chamaram a gente, deram prêmios, pagaram algumas coisas a mais, dispensaram, mandaram embora, mas assim, numa boa.
P/1 – E o trabalho seguinte qual foi? Já foi o Aché?
R – Não, não. O trabalho seguinte, eu fui trabalhar numa empresa de vendas... Uma concessionária de carro. Era Firmasa Veículos. Por coincidência, o dono da Firmasa era dono da Firpavi, onde o meu avô trabalhou. Eu nem sabia, eu vim saber depois que eu estava lá dentro, que um dia, eu vi lá, ele era dono da Firpavi.
P/2 – Perdão. O que você fazia nessa empresa?
R – Ah, eu era vendedor de carros novos e usados. Vendedor externo. Agora, você imagina o sufoco, você sair na rua para vender carro. Bater de porta em porta e vender carro novo e usado É duro! [risos] Aí, comecei a fazer um cadastro de empresas e tal, não sei o que, só que aí eu vi que aquilo não dava futuro. Então, por aquelas coincidências do destino, uma vez eu saí para fazer uma visita, quando eu parei o meu carro na porta da firma aonde eu iria, veio um outro carro que tinha perdido a direção e bateu, acabou com o meu carro. Então, destruiu. Eu tinha uma Brasília na época, a coitada ficou tortinha, acabou, destruiu. Para você ter uma idéia, o carro do cara ficou em cima do meu carro. Acabou. Aí, “pô...” Não tinha carro mais para sair na rua: “Ah, passa para interno.” Aí, fiquei interno. Foi aí, então, que eu comecei a ver... Quer dizer, no final a destruição do meu carro a empresa arrumou, tudo e tal, mas foi uma chance que eu tive para começar a trabalhar realmente internamente na concessionária. Fui para uma loja que eles tinham de carro usado, aí vendia zero e usado. Aí sim, ficou bom.
P/2 – Você trabalhou muito tempo nessa empresa?
R – Nessa concessionária, eu fiquei, se eu não me engano, dois ou três anos, mais ou menos, na Firmasa. Era muito legal, eu adorava trabalhar lá, né? Então, eu cheguei quase a ter, praticamente, uma loja de carros usados e tal. Trabalhei com o Antônio Carlos que era, na época, um amigo meu lá de trabalho. A gente tinha uma amizade muito legal, conheci, tinha um relacionamento muito bom. Nós chegamos a ter uma loja de carros, tudo, né? Mas depois, a Firmasa foi vendida. Também aconteceu,infelizmente, de ser vendida. Mas eu já estava meio desanimado e tal. Tive que vender, me desfazer dos carros. Aí, eu tinha proposta do meu irmão de trabalhar numa lanchonete que ele tinha. Então, ainda não fui para o Aché, ainda fui para a lanchonete. [risos]
P/1 – Lá na lanchonete você fazia o que?
R – Trabalhava no balcão e fazia de tudo, desde varrer o chão até sanduíche, tudo que você imagina que possa existir de trabalho dentro de uma lanchonete, que era...
P/1 – Onde é que ficava a lanchonete?
R – Lá no Ipiranga mesmo. Então, a gente dividia: eu abria de manhã, ia até 14:00h, 15:00h, e o meu irmão pegava das 14:00h, 15:00h e ia até fechar. A gente tinha um funcionário lá que nos ajudava, tudo. Mas era um trabalho realmente bastante desgastante e você não tem dia de descanso. Era de segunda a segunda.
P/1 – Você já estava casado nessa época, Odile?
R – Não. Eu ainda não, ainda estava solteiro. Inclusive, isso daí foi motivo de muitas brigas, porque você trabalhava de domingo a domingo. Aí você saía com a namorada, ia no cinema, dormia. Ia fazer alguma coisa, dormia, porque o dia inteiro trabalhando. Então, você se cansava bastante. Mas foi uma época gostosa, uma época que eu conheci muita gente legal. Fiz muitas amizades. Foi aí que surgiu a oportunidade da vaga para vir para o Aché.
P/1 – Ah, é? Como é que foi essa história?
R – Essa história foi até meio engraçada, pelo seguinte: nós tínhamos um amigo nosso - tomara que não veja isso, porque se ele souber, ele me mata. [risos] Nós tínhamos o amigo nosso que estava desempregado e aí um outro amigo, em comum também de nós dois, estava no hospital, ali no Ipiranga, Pronto Socorro do Ipiranga que existe até hoje lá, e ele estava lá. Foi levar, não lembro se a mãe dele, alguém, lá no Pronto Socorro, então ele viu o pessoal fazendo propaganda, visitando os médicos e tal. E na época tinha um supervisor junto com esses propagandistas e ele foi lá e perguntou para a pessoa: “Pô, como é que faz e tal. Queria entrar no ramo. Tem um colega meu que está desempregado, não sei o que e tal. Como é que faz?” Aí, o cara deu um cartãozinho para ele, falou: “Fala para ele me procurar tal dia, tal horário, e manda ele lá fazer uma ficha, uma entrevista.” “Ah, está bom.” Aí, esse amigo nosso veio e falou para mim: “Odiles, você que sempre vê o Edson”, chamava Edson, “você sempre vê o Edson...” Falei: “Vejo, ele passa aqui quase que todo dia, está sempre aí, que ele está procurando emprego.” “Então, é isso mesmo. Eu arrumei um lugar para ele ir, toma o cartãozinho, dá para ele, fala para ele ir lá para trabalhar de propagandista.” Falei: “Mas que diabo é isso, propagandista?” “Ah, aqueles caras que andam com aquela malona de remédio, tal, que vai no médico.” Eu fiquei na mesma, nunca tinha visto, não sabia, né? Poucas vezes que eu fui no médico, nunca vi. Falei: “Mas aí, que legal.” Falou: “Os caras vendem o remédio, não sei o que” porque ele também não sabia o que era. Ele viu com a mala, ele pensava que os caras entravam no médico e vendia o remédio para o médico. Eu falei: “Legal, dá aqui que eu dou para ele. Ele está sempre passando aí.” E, por coincidência, naquele dia ele não passou lá, o Edson, e eu fiquei com o cartãozinho dele no bolso. Aí, eu saí da lanchonete, tirei o avental, tudo, aí a hora que eu fui olhar no bolso, eu vi o cartãozinho. Eu já estava que não agüentava mais aquilo, porque você trabalha de segunda a segunda, hiper cansativo, e não é que você ganha muito dinheiro. Na verdade, é que você não tem tempo para gastar o que você ganha, porque trabalha-se bastante mesmo. Eu já estava também a fim de sair, já tinha conversado com o meu irmão e tal. O meu irmão adorava aquilo, para ele era a vida dele, só que não era a minha praia. Pô, eu não estudei, eu não fiz tanta coisa para ficar o dia inteiro atrás de um galpão aqui, agüentando os caras falando. Domingo, às vezes, você queria sair e não, você tinha que estar lá. Eu falei: “Ah não, eu vou tentar outra coisa.” Aí, coincidiu. Eu com o cartãozinho no bolso, aí eu olhei bem para o cartãozinho, falei: “Quer saber de uma coisa? O Edson que me perdoe, mas quem vai lá sou eu.” E não dei o cartão para ele. No dia seguinte, eu avisei o meu irmão, falei: “Amanhã cedo, eu não venho trabalhar. Você abre aí que eu vou fazer uma entrevista.” “Ah, tudo bem. Vai lá.” Aí, eu fui. Foi aí que eu conheci o Aché, que eu tive o primeiro contato com o escritório.
P/1 – Você nunca tinha ouvido falar do Aché?
R – Nunca tinha ouvido falar, não sabia o que era ser um propagandista, não sabia o que fazia. Eu só sabia aquilo que esse amigo meu falou: “Ele vende remédio para o médico.” “Bom, vender remédio? Já vendi carro, já vendi sanduíche, vender remédio. Você conhecendo o remédio, você vende. Não é uma coisa do outro mundo.” E como eu gostava de química, eu tinha sempre essa coisa: “Pô, será que eu vou aprender como é que feito o remédio?” Então, como eu já tinha uma curiosidade natural, para mim, já foi uma coisa assim, que despertou, juntou o útil ao agradável. “Ah, vou lá.” Aí fui. Antigamente, o escritório que era no prédio da Bracco-Novoterápica, aqui em Pinheiros. Então, a gente fazia entrevista lá. E cheguei lá, aqueles cobras, você: “Aquele é vendedor de livro, o outro é vendedor de não sei o que lá, outro era vendedor de carnê não sei da onde, outro vendia assistência médica...” Eu ali no meio, quietinho. Falei: “Puta, estou ferrado.” E o pessoal, você preenchia uma ficha, tudo, e tinha a entrevista. “E agora, o que eu vou falar para esse cara? Eu não vendo nada, eu vendo lanche, sanduíche, vendo cigarro, bebida, eu vou falar o que para ele?” Tudo mundo ______ (?), fica meio receoso com uma coisa que você não conhece, não sabe como é feito nada. Você não tinha idéia. Eu vi os caras falarem: “Parari, parará”, “Porque eu trabalhava no ramo...”, “ Não, eu já trabalho há tantos anos no ramo, já trabalho, conheço, trabalhei em distribuidora.” Eu falei: “Iii, meu Deus! Estou frito aqui.” Falei: “Bom, já estou aqui mesmo, agora eu vou ficar.” Aí, o pessoal começou a entrar, fazer entrevista e eu lá esperando a minha vez. Tinha umas 30 ou 40 pessoas na época. Eu lembro que eu cheguei lá, eram umas 7 horas da manhã, e eu saí de lá era umas 9 horas da noite, mais ou menos. Nesse dia eu lembro que eu tomei uma Guaraná e comi um sanduíche de mortadela, porque eu não pude sair mais. Eu saí de lá com uma fome que... Mas, foi até gratificante, porque o pessoal ia saindo, aí começou entrar esses caras. Aí, ele: “Não, tal, pode deixar que... Até logo, não sei o que”, que a gente fica tudo numa sala só. Ele chamava numa salinha, conversava, daqui a pouco o cara passava. “Ô pessoal, até mais. Ele mandou, qualquer coisa me liga, qualquer coisa me liga.” Eu falei: “Valeu, qualquer coisa ele me liga.” Eu só na minha, eu falei: “Ixi, para mim, não vai mandar nem ligar.” Aí, tinha um outro rapaz também que estava quietinho lá, o Gerson, que entrou junto comigo. Eu vi também que ele estava quieto, eu quieto, falei: “E aí Gerson, você conhece? Falou: “Rapaz, eu não conheço nada disso daqui. Nunca trabalhei com isso, não sei o que é. E agora?” “Você está vendo? Os caras conhecem, os cara sabem. Pô, nós vamos...” “Ah, não sei o que eu vou falar.” Eu falei: “Eu também não sei. Agora, seja o que Deus quiser. Já estamos aqui, fizemos a ficha, os caras... Fomos bem no teste” porque tinha um teste, “pelo menos na primeira parte, a gente passou. Vamos tentar, né?” “Ah, mas o que a gente vai falar para os caras?” Ficamos pensando, torcendo, vê... Chamaram nós já era umas 5 horas da tarde, mais ou menos. Aí não tinha mais o que pensar. Fala: “Fala que não sabe e acabou. Se tiver que ser, é, se não tiver, a gente vai embora”, que já estava também com o saco cheio. O dia inteiro sentado, só fumando, fumando, fumando, sem comer nada, sabe? Tinha uma garrafa de água lá, acabou a água, a gente ia tomar na torneira mesmo. “Pô, vamos embora disso aqui.” Aí, o cara chamou o Gérson, mandou ele esperar. Conversou com o Gérson e mandou ele esperar. Falei: “E aí, Gérson?” “Ah, não sei. Ele mandou esperar.” Eu falei: “Iii, caramba.” Tudo bem. Aí, chamou mais uns dois ou três, me chamou também. Mandou os outros embora e mandou eu esperar. Falei: “Iii, eu acho que os outros vão ficar e nós... A gente se ferrou. Eu acho que eles vão devolver os documentos da gente porque ficaram com a carteira profissional, tudo, né?” Falei: “Paciência. A gente não conhece o homem.” Estava desiludido, os dois ali, já naquela... Muro da amargura. Aí, daqui a pouco, ele chamou mais um rapaz, mandou embora. Falou: “Vocês dois esperam que eu vou conversar com vocês.” Quer dizer, da turma toda, só ficaram nós dois porque nós não tínhamos experiência. E na hora da entrevista, o cara perguntou, eu falei: “Meu, eu vendo sanduíche. Eu tenho lanchonete.” E ele trabalhava com o pai dele, eu me lembro. Eu sei que ele tinha um comércio também com o pai, mas eu não lembro o que era. Quer dizer, no final das contas, daquelas 30 ou 40 pessoas que tinham experiência, tal, ficou os dois mocorongos lá, porque não sabia de nada. [risos] Não sabia nem o que era o trabalho. A gente achou estranho: “Pô, ou é uma bela de uma empresa ou nós entramos numa puta de uma enrascada, porque o cara não tem experiência, não tem nada, o cara vai pegar a gente?” Ah, tudo bem. Aí, veio lá. Na época, o supervisor, o gerente que fez a entrevista, marcou com a gente, falou: “Olha, depois de amanhã você me liga, que vocês vão ter que voltar aqui para fazer algumas entrevistas, né?” “Está bom.” Depois a gente ligou novamente e fomos. E realmente, daquela turma toda, só entrou eu e o Gérson, passamos naquela etapa, que tinha outra ainda. Porque aí tinha o curso, você tem que passar no curso básico e tal, para entrar na empresa.
P/1 – E você foi passando por todas essas fases?
R – Fomos, fomos nós dois.
P/1 – Você começa a trabalhar no Aché quando exatamente, Odile?
R – Olha, eu fui registrado no dia três de outubro de 1985. De registro. Antes disso, eu já tinha feito algumas entrevistas e 15 dias de curso, né? Que toda documentação, porque naquela época, você só era registrado após ter passado no curso. E o curso também era eliminatório.
P/2 – No que consistia esse curso?
R – O curso, você via toda a parte de anatomia, fisiologia, patologia e o medicamento. Aí você ia aprender a fazer propaganda, como é até hoje, vamos dizer assim, o curso. As matérias são as mesmas, só que a quantidade de matérias era um pouco maior, que tinha algumas coisas a mais. Você via noções de farmacologia, que também vê até hoje. E a forma como era dado o curso era diferente, porque você ainda não estava empregado. Você precisava passar no curso para poder ser registrado na empresa, poder ter o emprego, né? Então, ele também era auto-eliminatório. Você se eliminava. Você tinha que ter uma média 7,0 no curso. Então, tinha, tipo, três ou quatro vagas para oito ou nove pessoas que estavam ali fazendo o curso.
P/2 – Você se lembra se estudou muito?
R – Nossa! [risos] Eu me lembro, não esqueço nunca mais. A gente estudava tanto, porque você saía do curso, terminava em torno de 6 horas, 6:30h, 7 horas, dependendo do tipo de produto. Aí, você chegava em casa, você tinha que estudar tudo que você viu naquele dia, para no dia seguinte, às 7 horas da manhã, primeira coisa que você fazia era uma prova com, mais ou menos, 20 questões sobre tudo que você tinha visto no dia anterior. Então, você imagina? Uma coisa nova, que você nunca viu na vida, uma carga de informações tremendas e tremenda mesmo, porque eram apostilas com 30, 40 folhas. Duas, três apostilas daquela, para no dia seguinte você ter que fazer um teste sobre aquilo. E tudo dissertativo, né? Eram 20 questões. Você tinha que descrever o mecanismo de ação, fórmula, apresentação, tudo. Não tinha nada de teste com X, alternativas, não. Era tudo dissertativo. Então, realmente, você chegava em casa, eu chegava em casa oito, oito e meia, tomava um banho, descansava meia hora, 40 minutos, e virava a noite estudando. Aí, o primeiro dia, você agüenta, o segundo, você agüenta. No terceiro dia, você já está que está dormindo. Então, o que eu fazia: pegava, punha água gelada, deixava a água ficar bem gelada na geladeira e começava a lavar o rosto à noite para não dormir, porque chega uma hora que você não agüenta mais. Porque aula de manhã, aí pauleira o dia inteiro, chegava à noite, estudava. Então, na primeira semana começou assim, lá para terça, quarta-feira. Veio quinta, sexta-feira, aí estudei, tal, não sei o que. Sábado e domingo, que beleza! Dormi o sábado e domingo todo. Mas tinha mais uma semana. Eu lembro muito bem, na terça-feira da segunda semana, eu não agüentava mais. Já estava... sabe? Então, o que eu fazia? Água gelada. Eu punha água na geladeira, água ficava gelada, lavava o rosto com aquela água. Só que chegou uma hora que a água gelada também não estava adiantando mais. Aí, o que eu fazia? Pegava gelo. Enchia uma bacia de gelo, enfiava a mão no gelo, e punha no rosto. [risos] Peguei uma sinusite, que vou te contar! [risos] É, para aguentar. Então, estudava, decorava, estudava, tal. Aí, passei, eu, Gérson, a gente... Ele falava o que ele estava fazendo: “Ah, eu estou tomando café, pondo gelo, fazendo isso.” “Ah, não sei o que, não aguento mais, tal.” Até que a gente passou.
P/1 – Sobreviveram, né?
R – Sobrevivemos.
P/1 – E como é que foi colocar tudo isso na prática? Você lembra os teus primeiros dias de propagandista?
R – Lembro, lembro muito bem. Naquela época, os propagandistas eram mais gozadores, mais tiradores de sarro, não eram tão formais. Hoje, existe também esse lado da brincadeira, da tiração de sarro, como existe também profissionalismo. Só que a turma era mais amiga, vamos dizer assim. Uma coisa que marcou também nessa época é que existiam os grupinhos. Eram amigos, vamos dizer, em termos, porque você tinha o grupinho do Aché, que era um laboratório nacional, que era isolado, e tinha o grupinho das multinacionais. Então, você não se misturava com esse pessoal. Welcome Fontoura Wyeth (?)... Não se misturavam. Rhodia, nossa! Quem diria você estar junto com um pessoal desse? Roche, então, nem falar! Antiga Ciba, nossa! Era a elite da propaganda. Então, o pessoal do Aché era Aché. Aí, tinha a Nikkho, tinham outros laboratoriozinhos menores que a gente... Farmasa, Farmalab, que a gente tinha amizade, entendeu? Mas, assim, e esse pessoal tinha... Sempre tem um ou outro dessas casas grandes que também se tornavam amigos da gente. Então, era um pessoal muito legal. O primeiro dia no campo é terrível, terrível, porque você vai enfrentar um médico que, para você, é um Deus, é o cara que controla a vida, sabe curar, tal. Então, você tem essa visão no começo, e o primeiro dia você sai totalmente perdido, porque a gente sempre costumava falar e, até hoje é uma verdade, porque o curso básico te dá uma noção, mas você vai aprender mesmo no campo. É como se você fosse tirar uma carta de motorista. Você imagina o primeiro dia que você pegou um carro para dirigir, que você foi numa autoescola e pegou o carro. Quer dizer, o cara fala: “Senta lá, aqui é a embreagem, aqui é o acelerador, aqui você põe primeira, põe segunda.” Aí, você sai, né? O carro dando tranco, pulando, você vai, só que passa uma aula, duas, você aperfeiçoa um pouquinho, aprende a olhar no espelho, não consegue ainda ligar o rádio, mas vai indo. Aí, você tira a sua carta. Você só vai aprender a dirigir mesmo na hora que você pegar o teu carro e cair no trânsito. Nego buzinando, xingando, te apertando. Quer dizer, aí que você aprende a dirigir. A propaganda é a mesma coisa. Você só vai aprender a ser um propagandista na hora que você passar a mão na mala, na famosa “Catarina”, criar os calos na mão e fazer a propaganda ao médico. E nesse ponto, os caras tiravam sarro mesmo, porque o seu batismo no campo era coisa assim, de... Me lembro até hoje. [risos]
P/1 – Como é que foi o teu batismo? Como é que foi?
R – Bom, existia um médico que chamava doutor Benedito Tanure. Era ali na alameda Franca, se eu não me engano, ou uma travessa da Franca, se não me falha a memória. E eu não conhecia, nunca tinha falado com o médico. Os caras deram algumas dicas de como era feito a propaganda e tal, e eu fui, tudo, lá, cheio de conhecimento. Eu falei: “Bom, eu vou chegar lá...” Decorei todo o material que tinha que falar para o médico, literaturas e tal, e amostra, brinde. Quer dizer, estava assim, hiper preparado. Achando que eu estava... Aí, eu entrei para falar com esse médico, só que os caras já tinham aprontado, porque o médico, na verdade, era o pior médico que tinha no setor para você falar. Então, você entrava, ele te atendia numa sala, em pé, que não tinha nada dentro da sala, só uma cadeira e a enfermeira do lado dele. O senhor alto, terno assim, bem vestido. Tudo bem, entrei. Aí, eu cheguei, como todo mundo, sempre eles ensinavam, você tinha um jeito de se aproximar: “Doutor, boa tarde. O meu nome é Odiles, sou do laboratório Aché”, estendi a mão para ele, ele continuou com a mão para trás: “Pois não?” Seco. Eu com a mão, que nem... Não sabia o que fazer com a mão. [risos] Parece que ela cresce, fica desse tamanho, assim. Você dá a mão para o cara, ele não te estende a mão. “Ah, tudo bem, doutor. Doutor, vim fazer propaganda para o senhor.” “Pode fazer. O que você está esperando?”, dessa forma mesmo. Eu procurando algum lugar para pôr a pasta, porque a mala do Aché, hoje é menor, mas era um baú desse tamanho assim, verde, né? E eu tentando achar um lugar para apoiar a pasta porque não sabia o que fazer. Eu tinha aprendido a fazer propaganda com a pasta apoiada, nunca ninguém me ensinou: “Se o médico não deixar você apoiar, põe na perna.” Eu, com aquele monte de papel dentro da pasta, eu falei: “E agora?” Aí, eu pus a pasta no chão, abaixei, catei o papel. Na hora que eu fui abrir: “Doutor...” Eu ia falar de Colpistatin para ele, porque ele era um médico que cuidava de todas as patologias. Na época tinha o Colpistatin, que eu lembro até hoje, estava na grade, com literatura direcionada a todos os médicos, e tinha o Iodepol que, na época, a gente tinha o Iodepol e Iodepol BD que não existe mais hoje, o BD. Mas na hora que eu fui puxar a literatura do Colpistatin, eu puxei do Iodepol. Então, todo aquele raciocínio que eu tinha na minha cabeça já foi por água abaixo. Mas, eu puxei. Já estava na mão mesmo. Aí, eu fui falar com ele. Na hora que eu fui dar o material para ele, ele continuava com a mão para trás. Aí, ele olhou assim, falou: “Dá para o senhor abrir esse material?” Aí, abri, mostrei para ele, falou: “Eu já conheço. É Iodeto de Potássio. Não quero o seu folheto. O senhor me arrume algumas amostras de Iodeto de Potássio.” Eu falei: “Meu Deus do céu!” O cara conhecia tudo pelo sal. Aí, tudo bem. Peguei algumas... Fui dar amostra na mão do médico, ele também não pegava a amostra. Aí, eu fiquei com as amostras, olhando para a cara dele, falei: “E agora, doutor? O que eu faço com isso?” Falou: “Dá para ela. Para que ela está aqui do seu lado?” Quer dizer, o médico era totalmente atípico de todos os médicos. E, na porta lá fora, aquele bando de propagandista se matando de dar risada e eu tremendo igual uma vara verde lá dentro. Bom, fiz a propaganda, deixei. Ele pediu os produtos tudo pelas substâncias: “O senhor tem Piracetan?” “Ah, meu Deus do céu!” É o Energivite. “Ah, tem, doutor.” “Dá.” E tudo assim. “O senhor tem...” Qualquer coisa que ele queria, vitamina B12... “Não, doutor, não tenho.” “O senhor tem tal coisa?” Ele pedia tudo pela substância. Quer dizer, foi uma forma dos caras fazerem o meu batismo, me colocarem no campo. Aí, eu saí de lá, tremendo igual uma vara verde, eu falei: “Eu vou embora para a minha casa, eu não quero ver mais ninguém na minha frente. Se todos os médicos forem assim, não, eu estou fora disso aqui. Isso não é para mim.” E os caras se matavam de rir!
P/1 – Você falou da literatura médica e do material de apoio, como é que era esse material naquela época comparado com o de hoje? É diferente, Odiles?
R – Não, não, não mudou muito, não. Eu digo assim: a sofisticação hoje está mais em termos dos slogans que são colocados, das chamadas... Eu acho que se resume mais a isso, coisas mais técnicas, com maior respaldo científico. Do restante, até interessante isso aí, o Aché sempre foi muito criativo nessa parte de literaturas, até inovador em alguns casos, porque as multinacionais se limitavam a entregar separatas, compêndios, um monte de coisa pesada para os médicos. E o Aché procurava, de uma forma nova, trazer materiais mais simples, mais sutis. A propaganda chama mais atenção do médico. Existiam propagandas que você andava com a literatura sobre uma mesa, ela tinha uma rodinha que mexia, você abria, tinha um palhacinho que abria as mãos. Então, quer dizer, coisas bem criativas. Não tinham assim, vamos dizer, um cunho técnico e científico tão grande como tem hoje; o respaldo hoje, tem toda uma estrutura muito mais bem montada, tudo, para que a gente tenha esse tipo de informações, mas não mudou muito não. A verdade é que até a quantidade de amostras que a gente trabalhava naquela época era uma quantidade assim, exorbitante, né? Você recebia caixas e caixas de amostras. Hoje, a realidade brasileira é outra. A gente não pode se dar mais a esse luxo. Mas então você conquistava o receituário do médico, vamos dizer assim, pela massificação de visita, porque você visitava, revisitava e, se fosse possível, trivisitava aquele médico. Então, ele estava vendo o Aché praticamente que direto.
P/1 – Diferente dos outros laboratórios?
R – Diferente dos outros laboratórios. Os outros laboratórios naquela época já, suponhamos, a multinacional, trabalhava com uma quantidade de amostras mínima, era mais na base do papel, de trabalhos médicos, científicos. Um ou outro produto tinha literatura, amostras eram só quando o médico solicitava, eram poucos os laboratórios que davam assim, amostras à vontade. Eles tinham uma quantidade bem restrita.
P/1 – Poucas visitas?
R – Bem menos visitas que o Aché, nem comparação. Multinacional visitava em média 10, 11, 12 médicos por dia. A gente tinha uma média de fazer naquela época, só à tarde, 18 médicos, só à tarde, fora a socializada que a gente fazia de manhã em hospitais, né?
P/1 – Mas visitava o médico quantas vezes? Assim, num mês...
R – Num mês? Nós visitávamos... O potencial todo, que girava em torno de 350 médicos aproximadamente, uma vez. Desses 300 e poucos médicos, você tinha mais 30%, que seria em torno de 90 médicos, que você revisitava. Então, você fazia a visita e revisita. Esses 90 médicos, 30%, seriam médicos de maior potencial do seu setor. Então, você ia uma vez no começo do ciclo e no final do ciclo você voltava outra vez.
P/1 – Mas pelo menos uma vez por mês você visitava cada um?
R – Uma vez por mês você visitava.
P/1 – E os laboratórios visitavam de quanto em quanto tempo?
R – Era uma vez por mês também, só que os setores deles eram diferentes. O setor do Aché sempre foi mais concentrado. Então, suponhamos, o setor de outros laboratórios multinacionais, enquanto você tinha um propagandista dessa casa, você tinha dois, às vezes até três, do Aché, fazendo o mesmo setor dele. Então, a assiduidade que o médico via a gente era bem maior.
P/1 – Com os mesmos produtos, os mesmos...
R – Com os mesmos produtos.
P/1 – Os diferentes propagandistas com os mesmos produtos?
R – Sim, com os mesmos produtos. Eu tinha... Eu lembro muito bem que eu comecei a fazer o setor dos Jardins, primeiro setor que eu fiz, a divisão do meu setor era Paulista, Rebouças, avenida Brasil e Brigadeiro Luís Antônio. Então, esse quadrilátero era meu setor. Ali dentro tinha casas que chegavam a ter dois, três propagandistas... Tinha casos que o mesmo propagandista... Quer dizer, o mesmo propagandista, eu fazia esse setor, tinham caras que faziam esse setor e pegavam a parte de cima da Paulista, iam até lá embaixo na divisa da rua Augusta, descendo sentido Centro, o mesmo laboratório. Então, quer dizer, eu tinha esse quadrilátero fechado. O cara de uma outra casa que fazia, além desse quadrilátero, ele fazia o outro lado também. O setor bem maior era o deles. Então, por isso que a gente fala, o pessoal do Aché estava sempre mais presente; a quantidade de amostras, de visita, era sempre maior.
P/1 – E nessa conquista do médico assim, o Aché tinha algum outro diferencial em relação aos outros laboratórios?
R – Olha, uma coisa que eu acho que sempre marcou muito o Aché foi o relacionamento pessoal, a simpatia com que o propagandista do Aché sempre tratou o médico. Se você vê hoje, existem muitos médicos formados há muitos anos, tem 20, 30 anos de profissão, que eles lembram que o Aché ia na Faculdade de Medicina, pegava esses médicos, levava para dentro do Aché, para passar um dia lá, para mostrar produção, mostrar o que era o Aché. Eles iam plantando já na cabeça desses médicos, desde que eles eram estudantes. Então, o Aché acabou sempre conquistando a classe médica pela simpatia, pelo bom relacionamento. Porque, na verdade, diferencial, eu acho que o maior é esse, porque o Aché nunca teve produtos de ponta. O Aché sempre teve produtos que eram copiados de outros produtos que já existiam no mercado, não tinha tecnologia, não tinha condições de ter lançamentos de produtos de ponta. A não ser depois, que teve... Alguns outros laboratórios que vieram, produtos mais recentes, Leucogen e alguns outros, que foram produtos mais inovadores; Neodecapeptil etc, mais recentes. Mas naquela época não tinha. Eram só cópias. Então, a gente lançava cópias de outros produtos, só que o treinamento que era dado ao propagandista e que é dado até hoje, é uma coisa que marca muito, porque o propagandista acaba vendo o produto do Aché, ele acaba comprando a idéia de que aquele era o original, não é a cópia. Ele se sente tão seguro, tão com vontade de chegar no médico e conversar com o médico, que ele conversa com o médico como se ele tivesse propagando para o médico o original e não a cópia. Então, essa é a grande diferença do propagandista do Aché. Ele compra a idéia, parece que é uma coisa que entra no sangue, é uma coisa que a gente costumava falar: “Esse já está contaminado pelo vírus do Aché”, porque já virou “acheano”, porque... Era gostoso, você vendia, você cobrava, você tinha que vender em farmácia, você tinha que fazer a cobrança, tinha que fazer a propaganda, mas era uma coisa que você viu resultado do seu trabalho. Então, esse sempre foi o grande diferencial do Aché: o relacionamento, o entusiasmo, a motivação com que o teu propagandista conversa com o médico, se relaciona. Talvez até isso daí foi uma coisa que a própria concorrência deu essa força para o Aché, porque eles sempre meteram o pau no Aché, dizendo que o Aché é cópia. Então, a gente queria morrer, né? Ficava louco quando você chegava num ponto de encontro: “Ô, fala aí, ô Xerox!” “Putz” , aquilo dava uma vontade de você pegar o cara e sair na... Brigando mesmo, na porrada, porque “Xerox”?... Que a gente era discriminado, porque chamavam: “Ô, fala aí, ô Fotocópia, fala aí ô Xerox.” A gente copiava tudo, o Aché copiava, só que copiava e vendia e incomodava. Então, esse negócio da concorrência até xingar a gente, no bom sentido, essa tiração de sarro, acabou se tornando até algo que fazia com que a gente fosse com mais gana em conquistar, em buscar para mostrar para eles: “sou Xerox, mas o meu é que vende! O seu está lá atrás.” Até que a gente chegou a esse ponto, entendeu? Porque tinha época, depois que o Aché foi crescendo, foi melhorando as condições de trabalho, homem de campo, tudo, a gente ganhava mais que eles.
P/1 – Como é que eram as condições de trabalho?
P/1 – Odiles, você contou um pouco assim, da criatividade do Aché em relação à concorrência, essa inovação, ela se manteve ou a situação foi mudando?
R – Olha, eu acho que foi havendo uma adequação de mercado, mas a situação da criatividade, da inovação sempre existe, até hoje. O Aché prima por isso porque é uma das grandes armas que ele tem. Como você, nós, no caso, não temos o recurso que tem uma multinacional em termos financeiros, você não tem, vai fazer uma campanha, você pega lá um milhão de dólares, a matriz te manda, você trabalha. Aí, é fácil. Você cria milhões de coisas, “breefa” uma agência, ele te traz tudo pronto. Nós não temos esse recurso. Então, a gente tem uma verba para trabalhar com o produto, e essa verba você tem que fazer o máximo possível, aproveitar cada centavo dela para tirar o proveito que você precisa daquilo. Então, o fator criatividade, o fator motivação para fazer a coisa sempre existiu e é uma coisa que perdura no Aché. É o que a gente fala: “O bichinho “acheano”, o micróbio “acheano” que está dentro de cada um”, porque faz a diferença. Quando você faz uma coisa com entusiasmo, com vontade, com determinação, parece que aquilo cresce, aquilo se torna uma coisa fora de série para você. E o pessoal do Marketing sempre procurou vender para o pessoal de vendas, para o propagandista, dessa forma.
P/1 – Quem cuidava inicialmente do Marketing era diretamente o senhor Vítor?
R – É, tinha uma época que ele cuidava do Marketing e tal, e ele sempre teve também uma cabeça assim, de criação, fora de série, né? Têm produtos antiquíssimos do Aché, tipo Sorine, que já existiu desde a compra do Aché propriamente dito, e que tinha outros nomes. E ele criou campanha, criou literatura. Se eu não me engano, o Sorine chamava Estilotricin. Quer dizer, você chegar para um médico e propagar um produto que se chama Estilotricin, até o cara decorar esse nome, não decora. Então, por isso que os medicamentos também têm que ter o nome fácil, um nome que seja facilmente lembrado, e ele bolou Sorine, Sorine Infantil. Quer dizer, pegou, ficou. E Iodepol era Paratossil. Você fala assim: “Doutor, prescreva Paratossil e mande a tosse passear de navio.” Quer dizer, são coisas desse tipo que eram... Estavam lá perdidas e ele pegou, inovou, criou e fez. Então, ele sempre teve uma visão muito grande nessa área.
P/1 – Teve alguma campanha assim, histórica, marcante?
R – Olha, tem muitas, muitas campanhas. Os lançamentos dos produtos do Aché sempre foram marcados por esse sentido. Um dos produtos que a gente de... Vamos dizer assim, de nova geração, de tempos para cá, mais recentes, foi o Cefalium. Eles bolaram uma campanha onde tinha uma cabeça, a peça promocional era uma cabeça explodindo. Uma foto, né? Tipo assim, a cabeça se fosse como um jarro assim, a cabeça, e explodindo, saindo tudo aquilo de dentro. Então, aquilo foi altamente criativo. Foi uma coisa que impactou muito os médicos, que cefaléia, dor de cabeça, você tinha. E realmente, quem tem dor de cabeça parece que vai explodir tudo, parece... Então, conseguiu transmitir exatamente a ideia de que o produto evitaria aquele sintoma no paciente, de uma forma rápida e segura. E o médico comprou a ideia, assim, rapidamente.
P/1 – E tem uma tradição de brindes também, Odiles?
R – Olha, o Aché nunca foi, assim, muito de dar brindes, vamos dizer assim, caros. A gente sempre trabalhou com brindes. Hoje não, porque a política de trabalho mudou um pouco, de alguns anos para cá paramos com brindes. Voltamos, mas a tendência agora acredito que seja aumentar, devido a nova legislação. Mas o Aché sempre teve brinde, sempre. Poucos ou muitos, mas sempre teve.
P/1 – Algum assim, que você daria um exemplo?
R – Olha, diferente, que também foi uma coisa que marcou bastante. Uma vez eles deram, era uma cabeça... Cabeça de batata, não sei se vocês chegaram a ver, é tipo assim, feita de pano, uma cabeça feito de pano, dentro tinha terra ou aquela terra de xaxim, vai planta, e para o médico regar. Ele punha no consultório aquilo, ele regava, nascia alpiste. Era um medicamento para irrigação cerebral. Então, quer dizer, foi uma coisa altamente criativa e que chamou muita atenção, porque você dava aquele bonequinho, bonitinho, tinha oclinhos e tal, uma carinha. Ele era feito de estopa e tinha os olhinhos, nariz, boquinha, com óculos, tudo feitinho, bonitinho, de arame. E tinha uma propaganda, uma mensagem em cima daquilo, o propagandista entregava e o médico ia molhando aquilo, ia nascendo alpiste, simbolizando a irrigação cerebral. Então, foi uma coisa assim, simples, que os caras, “poxa”, adoraram. Uma outra campanha que foi uma coisa assim, que impressionou até, todo mundo ficava abismado, foi o “garçom”. Quando nós lançamos o produto Gelusil, que é um antiácido, foi criado uma campanha onde a gente tinha que mostrar para o médico o frescor, vamos dizer assim, que o medicamento proporcionava ao paciente. Porque, quando você está com azia, uma queimação, tudo, que é a pirose, você tem aquela sensação que tem um vulcão dentro de você. Então, como mostrar para o médico que ele ia dar um produto para o paciente, um medicamento para o paciente, o paciente ia tomar aquilo e sentir aquele frescor, aquele alívio? A gente queria que o médico sentisse o alívio, mas o médico não prova remédio. O médico não vai tomar. Pô, se cada vez que um propagandista chega lá e fazer uma propaganda para ele, ele tomar o remédio, no final do dia, ele... Não dá. Então, fazer como? O Marketing teve uma sacada que foi uma coisa assim, inovadora, totalmente. “Vamos levar um garçom.” “O que? Os caras...” “Não, vamos levar um garçom. A gente leva um garçom, vamos comprar uma bolsa térmica com suco de laranja” e era um verão, na época, tipo assim, verão bem acentuado, o garçom vai entrar com o propagandista no consultório, só que o garçom ficaria... Ficou na sala de espera, o propagandista entra e faz a propaganda. Então, já foi tudo combinado. Ele apresenta o Gelusil no lançamento. Apresenta o Gelusil, fala toda a mensagem, as informações técnicas do produto, tudo que está na literatura, e no fechamento da mensagem, fala: “Doutor, se o senhor me permitir, agora o senhor vai sentir o mesmo frescor que o seu paciente vai sentir ao tomar o Gelusil. O senhor permite que eu faça isso?” O médico: “Tudo bem.” Ele abria a porta, entrava o garçom, servia o suco para o médico. Então, era um barato, porque você tinha que andar... Tinha que ir o propagandista, supervisor e o garçom. E nós conseguimos uns caras tão legais para serem garçons, tipo freelancer. Os caras, eles entravam com uma roupa, tinha que ser vestido de garçom. Só que o cara que trabalhou comigo, ele era muito legal. O terno dele, o paletó, ele virava ao contrário, não era aquele paletó preto, assim. A gravata borboleta dele já era pronta e ele andava assim, de camisa aberta, normal. Ele chegava no consultório, ele abotoava, pegava a gravata, prendia, virava. O paletó era um casaco. Virava o casaco ao contrário, ficava um paletó. Ele já punha assim, vestia, tal. Aí, eu já lá com a mala, já abria e tal, punha o suco. Todo mundo no consultório ficava olhando, assim, embasbacado, com aquela cara assim: “O que esses caras estão fazendo aí?” Aí, o propagandista abria a porta, o garçom entrava e servia o suco para o médico. Suco geladinho, a gente comprou aquelas embalagens Longa Vida, bolsa térmica cheia de gelo. Então, todo dia de manhã, você tem que passar, comprar gelo, pôr o suco, já deixava os sucos na geladeira. Aí, de manhã, a gente já saía, pegava na geladeira de casa, punha na bolsa, enchia de gelo, passava, pegava o garçom, com bandeja, com copo, dava a taça para o médico, o copo, na época, né? Então, quer dizer, foi uma coisa assim, extremamente marcante, campanhas desse tipo, usando... Quer dizer, o custo, você não tinha: “Pô, o que a gente vai dar para o médico?” “Ah, vamos mandar o médico fazer uma viagem num lugar que tenha neve para ele sentir o frescor.” Não tem dinheiro, você não tinha. Então, a gente aproveitava alguns lances do próprio mercado. Quando surgiu a outra campanha, também bacana, foi quando surgiu a briga da Folha e do Estado, vocês lembram? Tinha aquela briga na televisão: “É Folha, Estado, é Folha, Estado.” Então, a gente fez uma campanha de um antidistônico, o Somalium. A gente, todo dia de manhã, o propagandista passava na banca de jornal e comprava cinco ou seis jornais Estado e cinco, seis, Folha, e punha na pasta. Então, ia visitar o médico: “Tal, doutor, não sei o que, Somalium…” Porque o Somalium era um produto de ponta do Aché, que era muito vendido, só que uma época ele foi tirado do mercado, porque tinha associação. Aí, o governo proibiu que tivesse qualquer derivado de Diazepan, Bromazepan, qualquer um que fosse, tivesse Diazepan associada a outras substâncias. E o Somalium tinha associação, então, ficou fora do mercado. Aí, nós relançamos ele, apenas com Bromazepan. E ele tinha que começar a fazer alguma coisa para chamar atenção, porque o líder de mercado era o Lexotan, da Roche. A gente tinha que brigar com eles. Aí, essa foi uma das sacadas. A gente fala: “Doutor, tal, como o senhor... O que o senhor acha da briga Folha e Estado?” Que a gente estava fazendo um link entre Somalium e Lexotan, porque a substância era a mesma, a apresentação era a mesma, tudo era igual. Só mudava o nome. Um era Lexotan e o outro era Somalium. Então, tem que ter alguma coisa para chamar atenção do médico. “Mas aí, vai dar o que para o médico?” Brinde, não tinha dinheiro. Vamos fazer alguma coisa criativa. Qual era o médico que não lê jornal? Todo mundo lê. Então, vamos dar um jornal para o médico. Como? Vamos criar uma situação, onde ele tem que decidir: “é Folha ou Estado? É Somalium ou Lexotan?” Então, criou-se alguma coisa nesse sentido. O propagandista fazia a propaganda e tal, naquela brincadeira com o médico.“Mas doutor, o que o senhor prefere? O Estado ou a Folha?” E sempre como... Era polêmica da mídia, em todo lugar no momento, ficava aquele bate-papo. No início, a gente falava do Somalium com o médico, tal. “Então, doutor, como o senhor também vai acertar o antidistônico para dar maior tranqüilidade ao seu paciente, e se o senhor tivesse que ler um jornal agora, que é tranqüilo, o que o senhor gostaria de ler: a Folha ou o Estado?” “Ah, eu preferia o Estado.” “Então, está aqui, doutor. Um presente para o senhor. O senhor, por favor, leia o Estado.” Então, quer dizer, são coisas desse tipo. A mesma coisa a gente fez com Brahma e Antarctica. Quando começou a briga também: “Brahma ou Antarctica, Antarctica ou Brahma?” Somalium de novo. A gente dava para o médico de presente uma canequinha, que era uma caneca... Tipo assim, isolante térmica, para ele colocar a latinha para tomar a cerveja e tal. E ficava aquela disputa: ”Brahma, Antarctica, tal, não sei o quê.” Tinha o da Brahma e o da Antarctica. “Qual que o senhor prefere?” “Ah, prefiro a Brahma” “Então, toma o da Brahma.”
P/1 – E o treinamento nessa altura? Você falou do curso que você fez no começo, aquele curso preparatório. O treinamento, ele continuava? E esse treinamento, ele mudou no decorrer dos anos, Odiles?
R – Olha, mudou, assim, o curso até hoje, é puxado, não é fácil, porque ele tem a mesma carga de informações. Anatomia, fisiologia, patologia, o produto, ambiente médico - que hoje tem e que não tinha. Ele vê farmacologia, ele vê algumas palavras, aprende um pouco da terminação dos termos profissionais de Medicina. “O que é um antiinflamatório? O que significa o anti? O que é analgesia? O que significa o a?” Então, o propagandista tem que saber esse tipo de coisa, é o básico pelo menos. Continua do mesmo jeito. Uma coisa que foi muito mudado, em termos de estrutura, é que hoje, o cara vai fazer o curso, ele já é funcionário do Aché. Ele já está registrado, bonitinho. Então, ele é um funcionário do Aché. Então, ele está lá para aprender. Então, é diferente, porque o cara se sente... Eu acho que o efeito psicológico disso é muito grande, porque o cara se sente já um funcionário. Então, ele está lá para aprender a trabalhar. O método de ensino, o próprio material que você trabalha hoje, que ele tem para ver, um material melhor, ele tem fitas de vídeo, você dispõe hoje de algumas apresentações de Power Point, o material é mais rico, em fotos, a própria escrita. Você pega um manual, que tem lá de anos atrás, era feito xerox, era uma coisa que para você ler, a letra era pequena, ruim de interpretar, didaticamente não era tão bem escrito, tinha dificuldade de entender. Hoje não, hoje é uma coisa que tem avaliação do Departamento Médico - Científico, de toda equipe do Marketing. Então, quer dizer, o treinamento em si se torna uma coisa mais fácil. A carga talvez seja até maior, mas esse efeito psicológico e a qualidade do material facilitam o aprendizado.
P/1 – Mas além do curso inicial, há outros momentos de treinamento?
R – Sim, eles têm todas as reuniões de ciclo, né?
P/1 – Isso sempre existiu?
R – Sempre existiu.
P/1 – Quando você era propagandista também era assim?
R – Também era assim, da mesma forma. Isso sempre existiu. É um dos pontos do Aché que também diferencia muito da concorrência, porque o homem do Aché, hoje, o propagandista do Aché, em termos de conhecimento técnico-científico... Se você pegar um neófito de uma empresa multinacional e pegar um do Aché, que começou no Aché, também neófito, que não sabia de nada, você vai ver que o conhecimento deles, o do Aché é muito maior, porque ele tem uma carga de informações muito grande e a reciclagem também. Toda reunião, a reunião de ciclo, que era até então chamada, esse ano passou a ser chamada de reunião de treinamento. Porque o cara vai para lá, para ficar dois dias, para treinar realmente o seu conhecimento. Para aprender, para reciclar, para fazer com que ele deixe mesmo sedimentadas essas informações.
P/2 – E o perfil do propagandista mudou bastante ao longo do tempo?
R – Teve várias mudanças, várias mudanças. Eu digo, em termos gerais, eu acho que de caráter, de conduta, de profissionalismo, não. Se manteve a mesma linha mestra desde quando eu entrei na companhia. Você quer uma pessoa que seja íntegra, uma pessoa que seja responsável, uma pessoa que goste daquilo que faz e se dedique, entendeu? E que não tenha vícios, não pratique, sei lá, esportes radicais ou que seja de religiões radicais. Não se fala de credo, religião, seja o que for, mas não pode existir radicalismo dentro da empresa. Isso se mantém até hoje. Se é um cara que está acostumado... De repente, ele tem compromissos que, no final de semana, ele vai pular de asa delta não sei onde. Vai escalar a montanha não sei onde. A empresa vê isso, às vezes, como até um risco para ele e para a própria empresa. Então, esse tipo de coisa assim, mas nada radical. Se o cara gosta de passear, gosta de andar no campo, tudo bem, não tem problema. Religiões que possam interferir na conduta moral, pessoal ou profissional dele, isso daí também a gente procura preservar, porque não importa a religião que ele tem, desde que ele não misture. Houve casos que a pessoa precisou trabalhar no sábado, às vezes, tinha um evento ou uma reunião, e ele não podia ir porque a religião dele não permitia que ele trabalhasse de sábado, entendeu? Então, isso daí continua até hoje. No biotipo, o perfil geral, eu acho que se mantém o mesmo. Talvez, as exigências de mercado com o tempo… Hoje, você dá preferência às pessoas que são casadas... Não que o solteiro não possa entrar, mas ele tem que mostrar que ele é tão competente, ou até mais, do que o outro que é casado. Não que não seja, mas é uma norma. Você vai ver o que as adequações de mercado vão exigindo, perfis diferentes, mas o biotipo, assim, a linha mestra continua a mesma.
P/1 – E que exigências antes existiam que agora não existe mais?
R – Olha, eu acho que o que tinha antes que era proibido na empresa era pegar mulher, pessoa de cor e japonês. Isso daí não se pegava mesmo. Nunca houve nada oficial a respeito disso. Então, isso aí... [risos] Mas é uma coisa... Um padrão, vamos dizer assim, de trabalho da Companhia.
P/1 – E isso até quando, Odiles? Você consegue situar no tempo?
R – Até dois anos atrás, com a vinda do seu Victor, ele assumir, tal. Aí, houve essa abertura. Seria um tabu, vamos dizer assim, da empresa, que caiu.
P/1 – Em relação às condições de trabalho, aos benefícios, ao estudo, do propagandista, a situação também mudou?
R – Ah, sim. Em termos de benefícios, isso daí mudou bastante. Na época, 1985, 1986, você tinha, em termos de ajuda de custo, era bem menor. Hoje eles têm uma ajuda de custo bem maior; gasolina, tem seguro do carro, você não tinha. Naquela época, você não tinha assistência médica, só tinha INPS. Hoje, você tem convênio muito bom. Então, há liberalidade para o estudo. Quer dizer, isso daí melhorou bastante. Nesse sentido, você está muito mais amparado pela empresa, do que você tinha há 15, 20 anos atrás.
P/1 – Você ficou propagandista até quando, Odiles?
R – Olha, fiquei até maio de 1986... Não, Entrei em 1985... 1986, 1987, até maio de 1988.
P/1 – E depois você passou a ser?
R – Aí, eu fui ser propagandista treinador, que naquela época não existia área de treinamento. Pegavam-se assim, os propagandistas, aqueles que gostavam, tal, e se destacavam nas reuniões, e passavam a ser treinadores. Então, o que você ia fazer? Você ia se aprimorar, estudar mais, conhecer um pouco mais, para treinar os propagandistas que entravam na empresa.
P/1 – Não existia um departamento de treinamento então?
R – Não, não existia... Que nem hoje, você treina... Departamento de Treinamento e Desenvolvimento de Vendas. Não existia isso.
P/1 – E foi criado quando, você lembra?
R – O treinamento propriamente dito, em 1992, que foi iniciado com a formação do Núcleo de Treinamento. Aí sim, é que houve supervisores de treinamento, que aí deixou de ser treinador. Você era supervisor de treinamento. Você era exclusivamente treinado, capacitado, para treinar as outras pessoas. Aí, depois você passou... Esse mesmo supervisor de treinamento passou a ser gerente de treinamento, com o advento da criação do núcleo em 1992.
P/1 – Você se tornou treinador e você ficou sendo treinador durante muito tempo?
R – Um ano, eu fiquei...
P/1 – Um ano.
R – Até de... maio de 1988 até junho de 1989.
P/1 – Era um trabalho na rua também, não?
R – Não, não. Só interno. A gente... Ah, saía na rua também. Você acompanhava propagandista, que nem eu, treinava propagandista, 15 dias depois, ele fez o curso, tal, assistia reunião, ia para o campo. Aí, a gente ia trabalhar com eles para ensinar o trabalho, para tirar as dúvidas, essas coisas. Então, você ficava uma semana, 10 dias, dependendo da necessidade.
P/1 – E onde era feito esse treinamento? Era já em Guarulhos?
R – Não, no próprio escritório da filial, que nem no caso nosso, aqui em São Paulo, o Aché tinha escritório no Centro de São Paulo, então o treinamento era feito lá.
P/1 – Para você foi uma mudança grande de rotina assim, o dia-a-dia de propagandista passar a ser treinador?
R – Ah, foi, foi grande porque você está acostumado na rua, um trabalho totalmente diferente, né? Um trabalho mais de contato com pessoas, de vender, de cobrar, de agitação, vamos dizer assim. Lá dentro não. Já era um trabalho onde você tinha que passar tudo aquilo para as pessoas, mostrar para elas que elas estavam entrando numa grande empresa, num bom trabalho, e vender aqueles produtos como sendo os melhores do mercado. E uma grande vantagem também, nesse caso, é que você sempre... A gente dava preferência, sempre deu... Hoje até que não, a gente pega pessoas que já são do ramo, mas antes a gente só pegava quem não era do ramo realmente.
P/1 – Isso até quando, você lembra, essa orientação de...
R – Olha, faz alguns anos já que saiu, faz alguns anos porque a gente teve casos... Eu mesmo tive na minha equipe em 1992, 1993, eu já tive pessoas que eram de outros laboratórios. Pessoas que vieram do Sarsa, da Nikkho, da Labofarma, tive já. Quer dizer, foi uma coisa que veio assim, aos pouquinhos. Não era aberto assim, a todo mundo. Então, de repente, identificava um cara: “Pô, mas essas pessoas é boa, o cara é um excelente profissional, vamos levar para o Aché, vamos...” Você ia, convidava, quando foi nessa época que o Aché começou a ter uma ascensão em termos de benefícios sobre as outras casas, então começou a ficar interessante. Você conseguia trazer essas pessoas. Então, um ou outro, você sempre conseguia. Falava com o gerente, o gerente conversava com o diretor e depois de muita conversa, você acabava conseguindo trazer. E hoje já está mais aberto assim. Hoje, já não é tão assim... Se você identificar uma pessoa realmente que... Acha que é um bom profissional, tudo, tem condições, não tem problema nenhum. Pode vir sem problema algum.
P/1 – E o passo seguinte, depois da época de treinador, qual foi?
R – Aí, foi a supervisão de vendas. Em julho de 1989, eu fui para Supervisão de Vendas. Aí, eu voltei a trabalhar no campo novamente, só que aí com uma responsabilidade maior porque tinha uma equipe grande que... Eu cheguei a ter equipe com 8, 10, com 12 homens, que foi a maior que eu tive.
P/1 – E o que faz o supervisor de vendas?
R – Olha, a função do supervisor é... Que era até então, hoje ela vai ser um pouco mais estruturada, modificada, mas o supervisor de vendas, ele é responsável por toda a produtividade, o desenvolvimento da equipe dele. É o cara que tem que estar lá para motivar, para animar, o cara que tem que estar junto para participar de tudo que os propagandistas estão fazendo, orientar, ensinar e também aprender com eles, essa que é a verdade. Porque o supervisor seria o chefe direto dele. A gente sempre costuma falar que o supervisor é o sargento. Ele tem problema com os soldados e tem problema com o tenente. Ele está no meio do sanduíche. Tem que saber receber as ordens de cima e tem que saber passar para a sua equipe. Ele não pode nem desmotivar a equipe em relação a empresa e muito menos desacatar a empresa em relação a equipe. Então, ele tem que ser a mola do meio que faz com que a equipe se movimente, a equipe trabalhe e funcione em sintonia com a empresa. Sempre foi uma responsabilidade bastante grande porque você vendia, cobrava e propagava. Fazia propaganda. Hoje, também ele tem essa responsabilidade. Apesar de ser só propaganda, mas ele também tem que ter os homens motivados, trabalhando.
P/1 – Quando é que deixa de vender e cobrar, você lembra?
R – Mais ou menos em 1990, 1991, já se começou fazer algumas experiências. Foram colocados medicamentos em algumas distribuidoras, a gente já começou a diminuir a venda direta. Aí, foi uma coisa que foi passo a passo, porque nós tivemos discussões com fornecedores, no sentido de que: “Ai, o Fulano tem Aché ou não tem? Então, eu também não quero saber, não sei o que.” Começou a dar briga entre eles porque nós começamos a colocar diretamente só nas grandes redes: Drogasil, Raia, São Paulo e para alguns fornecedores. Aí, então, ficou aquela... A gente nem vendia direto e nem vendia através de distribuidora. Já existia esse pensamento, mas ainda era uma coisa que o Aché sempre impôs, vamos dizer assim, de certa forma, uma venda à farmácia para que os produtos pudessem estar sempre na prateleira da farmácia. Porque a verdade é que você vendendo direto, só para distribuidora, você nunca sabe qual é a farmácia que tem o seu produto. Você sabe o que você vendeu para a distribuidora, mas você não sabe o que tem na farmácia. Então, era uma forma da gente ter também maior contato com a farmácia.
P/1 – Como é que funcionava a relação com a farmácia?
R – Era uma relação assim, de cliente para fornecedor, mas você tinha, como em todo ponto de venda, aqueles caras que são legais com você e aqueles caras que não querem nem te ver pintado de ouro na frente. Porque tinha o mínimo do Aché, e o mínimo sempre foi alto. Mas o que acontecia? A farmácia tinha que comprar, porque se ele não tivesse Aché na prateleira, ele ia perder dinheiro, porque como sempre foi muito prescrito pelos médicos, a receita fazia com que o farmacêutico fosse obrigado a comprar do Aché. E ele não tinha outra forma de comprar, a não ser direto do Aché. Aí, depois, quando eles começaram em 1991, 1992, aí começou engatinhar esse processo. “Vamos colocar em distribuidora, vamos abrir algumas.” Aí começou, aos pouquinhos, aos pouquinhos, até que foi o que é hoje, que está só na mão das distribuidoras.
P/1 – Mas quem pegava, fazia o pedido e quem cobrava era o propagandista com as farmácias?
R – Não, as farmácias sim. O propagandista tinha o setor fechado, onde ele fazia a propaganda, ele fazia a venda e ele fazia a cobrança do que ele vendeu.
P/1 – E a entrega era outro departamento do Aché que fazia?
R – Sim. A entrega era direto da matriz. A matriz é que mandava. No caso de fora de São Paulo, seriam as filiais. As filiais tinham um estoque e a filial mandava para o cliente.
P/1 – Era ainda época de Pro Doctor?
R – Isso, na época das Pro Doctor.
P/1 – Em São Paulo?
R – São Paulo era a matriz que mandava de Guarulhos, o Aché Guarulhos.
P/1 – E essa mudança foi por que? É uma mudança de mercado, Odiles?
R – Foi, foi, porque é uma adequação do mercado, porque começou a se ver que o propagandista... Começaram entrar novos laboratórios, ou com produtos novos, diferentes, então o propagandista começou a não ter tempo de fazer a venda como deveria ser feita e nem estava fazendo a propaganda como deveria ser feita. Então, começou bater isso daí. Falou: “Ou você tem um homem especialista em fazer propaganda ou você tem um homem especialista em fazer vendas.” Algumas equipes de centro já tinham isso. Você tinha, suponhamos, equipe com 12 homens, oito faziam propaganda e quatro faziam a venda da equipe toda, mas eram poucas equipes. A maioria, todo mundo fazia tudo; cobrava, vendia, fazia propaganda. Só que o mercado começou a ficar mais exigente, de ter pessoas mais gabaritadas a fazer a propaganda. Começou se ver o seguinte: não adianta você ter a sua cota coberta na farmácia, se o médico não receita. Às vezes, você estava até vendendo bem, mas o médico não receitava. Então, era uma venda ilusória, porque você passava um mês, dois, três, vendendo bem. De repente, caía de cabeça, porque o estoque da farmácia não cedia, não acabava, o médico não prescrevia, você deixava de vender. E nós, na época, éramos comissionados pela... Eu ganhava pela minha venda, não era negócio de equipe, a equipe vender... Não, era a minha venda. Depois é que se passou a ter as cotas por equipe porque aí, com a distribuidora, você tinha setores e faixas territoriais onde você podia mensurar o que era vendido pela distribuidora, mas não dava para mensurar exatamente o que entrou na farmácia do seu setor. Então, decidiu-se por isso. Colocar na distribuidora e vamos treinar o propagandista para que ele faça propaganda.
P/1 – E ao mesmo tempo, as distribuidoras se fortaleceram nessa época. Surgem as distribuidoras.
R – Surgem, para nós, Aché, as distribuidoras, que já existiam algumas antiqüíssimas no mercado, tudo. Aí, a gente começou a ter esse contato com eles.
P/1 – A concorrência em geral, trabalhava de que forma?
R – Com a distribuidora.
P/1 – Como o Aché?
R – Não.
P/1 – Com a distribuidora.
R – Com a distribuidora. Eram bem poucos os laboratórios já na época que vendiam direto, né? As multinacionais, todas elas, já trabalhavam com distribuidoras já há muito tempo, Bem antes do Aché.
P/1 – E na tua época de supervisor de vendas, você já estava casado, Odiles?
R – Já, já. Aí, já estava. Eu casei quando era propagandista ainda e já estava lá, na briga, correndo de lá para cá. Telefone tocando todo dia porque eram muitas coisas que você tinha. Às vezes, :00 (?). Todo dia: “Tem isso, tem aquilo, faz isso, faz aquilo. Resolver aquilo.” Você tinha que vender, cobrar... “Pô”, você como propagandista, você tem 100 farmácias no teu setor. Como supervisor, você tem 500, 600, 700. Eu fazia uma área da Zona Leste, eu pegava desde o Ipiranga, o meu primeiro setor era do Ipiranga até Franco da Rocha, para ter mais ou menos assim, uma noção de distância, e por outro lado, eu ia até Mogi. Área territorial enorme e quantidade de farmácias, então! Aí, eu perdi uma parte, fiquei só até Mairiporã e perdi Mogi. Então, eu ia até Suzano, fazia até Itaquá, fazia Itaquaquecetuba, toda a Zona Leste de São Paulo, Guarulhos, foi uma parte da Zona Norte ali, até o Brás, Belenzinho, ali. Então, muito grande mesmo.
P/1 – E quando é que você vai trabalhar lá em Guarulhos? É quando você se torna gerente, é isso?
R – Na matriz?
P/1 – É.
R – Sim. Quando... Em 1995, eu fiquei na supervisão. Até 1995, mais ou menos, em torno de junho, julho de 1995, eu fui para gerente de treinamento. Aí, eu fiquei até o final de 1995 no Aché, na filial, no escritório. Em 17 de janeiro de 1996, eu fui para a matriz, como gerente de treinamento. Aí, já fui trabalhar lá.
P/1 – E como é o dia-a-dia em Guarulhos, assim? Era diferente em relação a filial?
R – Ah, bem diferente, totalmente diferente. A gente está acostumado todo esse tempo no campo, na rua, então no começo você sente aquele impacto, você sente falta do contato, de estar conversando com o pessoal, se atualizando. Então, existe uma diferença muito grande. A diferença de conduta, diferença de relacionamento, não é? É diferente, é uma coisa que você sente bastante no começo. Eu ainda fui trabalhar com uma pessoa que é extremamente profissional, mas tinham algumas condutas assim, vamos dizer, de certas formas, pessoais dela, o jeito dela de fazer a coisa. Então, você tem que se adequar, se adaptar, tudo. Então, você sente bastante.
P/1 – E hoje, como que é um dia típico de trabalho, Odiles?
R – Um dia normal, vamos dizer assim... Passado essa fase de adaptação e tudo, hoje são dias legais, são dias onde você convive com o pessoal bacana, pessoal que te dá autonomia para trabalhar, um pessoal que te deixa à vontade para que você possa expor as suas idéias, possa mostrar o que você quer fazer.
P/1 – Você chega lá às sete horas? Como é que é?
R – Em torno, mais ou menos, sete e meia, quinze para as oito. Esse é o horário que normalmente eu chego. Então, chega, toma café lá na empresa, tudo, mesmo. Ou, às vezes, eu nem tomo porque eu já venho de casa, já tomo café em casa. Aí, eu vou para a minha sala, normal, pega lá as entradas ou saídas do material que tem. As entradas, às vezes alguns recados, algumas coisas. É um dia normal de serviço. Você tem uma série de responsabilidades. Agora, como a gente está implantando novamente o treinamento, então a carga de trabalho é muito grande.
P/1 – Por que novamente?
R – Porque o treinamento ficou desativado, desde 2000. No começo do ano de 2000, ele foi praticamente desativado. Foi extinto da Companhia o treinamento de vendas, que era o núcleo de treinamento que eu tinha citado, esse departamento foi simplesmente extinto, acabou-se o departamento. Aí, nesse entremeio, houve a formação da Universidade Corporativa. Então, passou-se praticamente um ano, trabalhando-se em... Tinha um pessoal lá, estava trabalhando a respeito da Universidade Corporativa. E no final do ano passado, chegou-se a conclusão que não era a hora ainda de ter essa Universidade Corporativa.
P/1 – O que era Universidade Corporativa?
R – É uma... Tipo assim… Existem muitas empresas que tem esse projeto, é uma universidade onde a empresa é uma entidade, vamos dizer assim, que tem dentro da Companhia, onde a Companhia dá uma capacitação maior aos seus funcionários, como também traz de fora outras pessoas para capacitá-los e há uma troca de informações dentro dos próprios... com os próprios funcionários e com outras empresas. Só que é uma cultura, onde tem que existir uma base muito sólida para se fazer isso. Tem que ter um nível de cultura interna na Companhia já muito bem desenvolvido, porque é um projeto em que existe um alto investimento, exige o alto investimento da Companhia, é uma coisa onde tem que investir muito dinheiro, tem que investir muito tempo. Eu acho que, hoje, o tempo é o maior custo que tem qualquer empresa, e é uma coisa que você não colhe, vamos dizer assim, frutos imediatos. É uma coisa que é a médio prazo no mínimo, de médio a longo prazo. A implantação disso é bastante, não vou dizer complicada, mas bastante delicada essa Universidade Corporativa. Porque você tem que ter um centro que absorva todos os conhecimentos. Ao mesmo tempo esse centro tem que ter a capacidade de difundir todos esses conhecimentos entre os empregados. E os empregados, os funcionários, todos da Companhia, tem que ter também uma forma de voltar para esse centro, tudo aquilo que ele sabe e conhece, e disseminar entre todos, né? Então, é uma coisa intrincada. Tem um pessoal que ficou um ano, mais ou menos, cuidando disso, mas chegou-se à conclusão de que não é o momento, não é hora. No Aché existem outras prioridades que... Mais necessárias, né? Para adequação de mercado, para ganhar receituário.
P/1 – Agora, tem esse desafio novo de retomar área de conhecimento, né? A gente já está finalizando, eu queria te perguntar sobre... Agora, tem esse novo desafio de refazer aí, a área de treinamento, eu queria te perguntar sobre futuro, que sonho que você tem no Aché, que sonho que você tem para o Aché?
R – Olha, é uma coisa que, até esses dias, estava conversando e vendo... Tivemos até uma reunião sobre isso ontem.
P/1 – Deixa eu interromper só mais uma vez. Desculpa. Mais uma vez repetindo: o que você sonha para você no Aché e o que você sonha para a empresa?
R – Olha, é o que eu estava falando, até ontem, nós tivemos uma reunião e isso aí foi muito comentado e debatido. Nós estamos passando por uma... Vamos dizer assim, uma nova era dentro do Aché, onde a gente está aprendendo o que é o Aché novamente, porque o espírito competitivo, espírito de entusiasmo, de garra e dedicação, continua, só que a gente tem que aprender a aplicar isso de uma outra forma, com outras liberdades e com outros parâmetros também de conduta, vamos dizer assim, dentro da Companhia. Então, o que a gente pode dizer é o seguinte: de futuro, o que a gente espera da empresa é que eles continuem nos dando essa autonomia para trabalhar, continue investindo em nós, acreditando em nós da mesma forma que a gente acredita neles. E, particularmente, pra mim, eu espero ter condições de continuar desenvolvendo esse tipo de trabalho, que é uma coisa que eu sempre gostei muito, sempre me dei muito bem com isso, na área de treinamento, e que eles nos dêem condições para que a gente consiga desenvolver o trabalho que a gente quer, implantar o trabalho como deve ser, fazer com que a gente consiga difundir toda essa cultura, tudo que existe de bom dentro da empresa a todos os funcionários, entendeu? Eu acho que é essa a maior expectativa hoje da gente, porque trabalho, salário, faz parte, mas se você trabalha aqui, você vai ter que trabalhar em qualquer lugar. Agora, eu acho que o importante é você trabalhar num lugar onde você gosta de estar com as pessoas, gosta do lugar e se sente à vontade para desenvolver aquilo que você precisa e que a empresa também precisa. Isso daí, eles estão dando para a gente, esse voto. Então, eu acho que o futuro que a gente imagina é esse; continuar a desenvolver esse trabalho e a crescer junto com o Aché, aprendendo, criando, sempre procurando dar uma parcela que... Se você parar para pensar, eu, hoje, tudo que eu tenho na minha vida, dependeu do meu trabalho, logicamente, mas dependeu de estar empregado numa boa Companhia, que se eu não tivesse, estaria numa outra, trabalhando, talvez, até muito mais e não teria o que eu tenho. Então, nesse ponto, a gente... Não dá para você comparar ou se queixar, mas é uma coisa que tem sempre que estar valorizando. É isso daí que a gente quer conseguir fazer, que área realmente de treinamento perdure, seja implantada como está sendo agora, com novas condutas, novas filosofias, novas políticas e que a empresa continue investindo nisso. A tendência é essa. É que, às vezes, o mercado dá umas viradas, mas a tendência nossa do Aché é essa. Então, a gente está... O que a gente espera e tem para o futuro é satisfação de continuar fazendo isso que a gente quer.
P/1 – E aí, eu queria te fazer uma pergunta, pode fazer? Como é que você concilia isso com a tua vida pessoal? Quer dizer, nesse momento da tua vida, por exemplo, você já não está morando com os teus pais, como você contou lá no começo. [risos] Você se casou nesse meio tempo?
R – Me separei, casei novamente, tudo. Tenho um filhinho que nasceu agora, há alguns meses, vai fazer quatro meses. Olha, o que eu posso dizer é o seguinte; eu, em termos de conciliamento, eu consigo levar isso numa boa, sabe? Porque a minha esposa, hoje, é uma mulher muito compreensiva, entende muito, e o Aché também não chega a absorver tanto assim da sua vida que você não possa se dedicar um pouco a família.
P/1 – Onde é que você mora atualmente, Odiles?
R – No Ipiranga.
P/1 – No Ipiranga. No mesmo bairro?
R – No mesmo bairro, onde eu nasci e fui criado.
P/1 – E mora com quem?
R – Moro eu, a minha esposa e dois filhos.
P/1 – Que tem que idade?
R – Tem a menina, Camila, que hoje vai... está com cinco, vai fazer seis anos. E o Vítor que é o mais novinho, que está com três meses e meio. O meu outro filho, Gustavo, do primeiro casamento, ele fica com a minha ex-esposa. Eu pego uma vez, duas por semana, e um final de semana sim e não, ele está comigo também. Afinal, você separa porque tem um vínculo muito grande.
P/1 – E como que é o fim de semana, as férias, o que você gosta de fazer, além de ser gerente de treinamento?
R – Gosto muito de viajar, se pudesse eu viajaria sempre. A gente adora, tanto eu como a minha esposa, é uma coisa que a gente se dá muito bem por causa disso. Como não pode, a gente vai de vez em quando, mas uma coisa que eu gosto muito de fazer é ler e pescar também. O meu hobby, vamos dizer assim, preferido, seria a pesca.
P/1 – Naquele lago do Aché, dá peixe lá?
R - Ah, já deu muito. [risos]. Agora não. Agora, tem muito pouco, mas teve uma época que estava muito bom para pescar. Pesquei bastante ali.
P/1 – E sonho de vida, Odiles?
R – Olha, eu acho que o maior sonho de vida que eu tenho é ter saúde e condições de ver os meus filhos crescerem e estar bem com a minha família. Eu acho que isso é o meu maior objetivo, sabe? É poder criá-los, poder vê-los bem, a minha família, e estar no lugar, tipo o Aché hoje, que me dê condições para desenvolver um trabalho, para ser útil de alguma forma. Porque eu acho que, na verdade, o trabalho que a gente desenvolve, o treinamento em si, pode ser até considerado como um dom que Deus nos deu, de poder ajudar as pessoas. Porque, além de você ter humildade suficiente para sempre estar aprendendo com alguém, você também tem que ser consciente que você está ali para ajudar alguém, para fazer essa pessoa se desenvolver, crescer e ser mais do que você. Eu acho que esse é o ponto fundamental, porque não adianta você querer que ela cresça até você. Não, ela tem que crescer sempre com motivação para ser mais do que você. Aí sim, você vai estar plantando uma semente legal. Então, o meu sonho de vida é esse. É continuar desenvolvendo o meu trabalho e que Deus me dê saúde e paz para a gente ver a minha família, meus filhos crescerem, estar tudo bem.
P/1 – Por último, eu queria saber o que você achou dessa experiência de ter contado um pouco da sua história?
R – Olha, eu posso dizer que foi muito legal, está sendo legal, porque nunca pensei que eu teria essa oportunidade de falar da minha vivência profissional, da minha vida particular e ter isso assim, registrado, guardado de uma forma que, amanhã ou depois, os meus filhos, ou alguém possa ver e lembrar: “Ah, está lá, aquele safado.” Ou elogiar, né? [risos] Então, quer dizer, eu acho que... Nossa, foi hiper válido, uma coisa muito diferente mesmo, uma coisa que eu só tenho a agradecer a oportunidade de vocês terem proporcionado isso, que é muito legal mesmo. Eu acho que todos deveriam passar por essa experiência.
P/1 – Está certo. Muito obrigada.
R – Obrigado eu, por tudo.
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