P/1 – Depoimento do senhor Enock Sacramento, entrevistado por Karen e Rosana, escritório do depoente, centro de São Paulo, 6 de Novembro de 1998. Projeto Rhodia Farma, Museu da Pessoa, entrevista número 11. Bom, seu Enock, eu queria começar a entrevista, perguntando de novo o seu nome completo, o local de nascimento e data.
R – Bom, meu nome é Enock Fernandes Sacramento, eu nasci em Minas Gerais na cidade de Francisco Sá, em 1937.
P/1 – E o senhor podia me contar um pouquinho da sua origem, da sua família, o nome do seu pai, da sua mãe.
R – É, eu tenho alguma coisa aqui, já vejo. O meu pai era um fazendeiro e comerciante, Lamartine Fernandes Sacramento, e a minha mãe era uma diretora de grupo escolar, Grupo Escolar Rodrigues Alves, em Monte Azul. Na verdade, eu nasci em Francisco Sá, que era a antiga cidade chamada Brejo das Almas, que é nome de um livro de Carlos Drummond de Andrade, ele colocou esse nome exatamente porque era um lugar desconhecido, ele queria caracterizar assim, né? Mas eu me mudei muito cedo pra Monte Azul, onde eu cresci e fiz o curso primário, no Grupo Escolar Rodrigues Alves, que minha mãe era diretora.
P/1 – E a sua família sempre foi dessa cidade, de Francisco Sá? O senhor sabe como foi que a sua família fez pra chegar lá? A origem da história...
R – Veja, por parte do meu pai, eles vieram de Pernambuco, né? O meu bisavô era um advogado formado aqui na Faculdade de Direito do Largo São Francisco. Ele veio pra cá eu acho que... como as dificuldades de transporte eram muito grandes, ele veio, fez o curso inteiro e nem voltou pra Recife, porque ele acabou começando a trabalhar em Minas Gerais, né?
P/1 – O seu avô?
R – O meu bisavô, o meu bisavô. Então ele foi um Juiz de Direito do Império e da República. Depois, um dos filhos dele seguiu também a carreira de advogado, mas não chegou a se formar. Ele estudou no Seminário e foi um, o que hoje...
Continuar leituraP/1 – Depoimento do senhor Enock Sacramento, entrevistado por Karen e Rosana, escritório do depoente, centro de São Paulo, 6 de Novembro de 1998. Projeto Rhodia Farma, Museu da Pessoa, entrevista número 11. Bom, seu Enock, eu queria começar a entrevista, perguntando de novo o seu nome completo, o local de nascimento e data.
R – Bom, meu nome é Enock Fernandes Sacramento, eu nasci em Minas Gerais na cidade de Francisco Sá, em 1937.
P/1 – E o senhor podia me contar um pouquinho da sua origem, da sua família, o nome do seu pai, da sua mãe.
R – É, eu tenho alguma coisa aqui, já vejo. O meu pai era um fazendeiro e comerciante, Lamartine Fernandes Sacramento, e a minha mãe era uma diretora de grupo escolar, Grupo Escolar Rodrigues Alves, em Monte Azul. Na verdade, eu nasci em Francisco Sá, que era a antiga cidade chamada Brejo das Almas, que é nome de um livro de Carlos Drummond de Andrade, ele colocou esse nome exatamente porque era um lugar desconhecido, ele queria caracterizar assim, né? Mas eu me mudei muito cedo pra Monte Azul, onde eu cresci e fiz o curso primário, no Grupo Escolar Rodrigues Alves, que minha mãe era diretora.
P/1 – E a sua família sempre foi dessa cidade, de Francisco Sá? O senhor sabe como foi que a sua família fez pra chegar lá? A origem da história...
R – Veja, por parte do meu pai, eles vieram de Pernambuco, né? O meu bisavô era um advogado formado aqui na Faculdade de Direito do Largo São Francisco. Ele veio pra cá eu acho que... como as dificuldades de transporte eram muito grandes, ele veio, fez o curso inteiro e nem voltou pra Recife, porque ele acabou começando a trabalhar em Minas Gerais, né?
P/1 – O seu avô?
R – O meu bisavô, o meu bisavô. Então ele foi um Juiz de Direito do Império e da República. Depois, um dos filhos dele seguiu também a carreira de advogado, mas não chegou a se formar. Ele estudou no Seminário e foi um, o que hoje nós chamamos de rábula, né? Era um advogado não formado. É como um farmacêutico prático, hoje. Então, aí, uma das filhas dele é a minha avó, chama Brasília, e tem descendência de portugueses, como todos, não é, quase todos, e também de holandeses, porque ela chama Brasília Buarque Lins do Sacramento Fernandes. Buarque e Lins são famílias pernambucanas, né? Inclusive o Chico Buarque deve estar aí dentro, eu não sei qual é a distância, né? [risos]
P/1 – E Sacramento também era _______?
R – É, Sacramento também, também. Agora, a minha mãe veio de uma família... Athaíde, que é uma família de Montes Claros, uma família muito conhecida lá, de fazendeiros. E ela não era... era de um lado mais pobre, vamos dizer assim, porque os Athaíde são pessoas... são grandes fazendeiros. E ela se casou com meu pai e aí eu nasci lá. E meu pai continuou lá. Meu pai ainda é vivo, a minha mãe também é viva, não é? E o pai dela era um inspetor escolar, era um mestre escola, que viajava fazendo inspeção de colégios, por isso... ele se chamava ______ de Moraes e minha mãe chama Graziela de Moraes Sacramento. Por isso acho que a minha mãe teve facilidades de conseguir um cargo de diretoria, por causa dele, né? E foi diretora. E hoje, na cidade, até tem uma escola com o nome dela.
P/1 – E aí o senhor teve vários irmãos?
R – É, meu pai foi casado duas vezes, eu sou do segundo casamento. Então eu tenho, na verdade, dois irmãos do segundo casamento, e tenho dois do primeiro, né? Uma chama-se Zélia, aposentada como professora e a outra chama Irmã Fidalma, é uma religiosa, não é? Ela mora em Montes Claros. As duas são vivas. E irmãos eu tenho o Lamartine Sacramento Filho – o meu pai chama Lamartine, né -, que é um economista, mora em Belo Horizonte, e uma irmã chamada Maristela, que mora em Montes claros, é uma professora aposentada. Então é uma família de professoras e tal, né?
P/1 – O seu nome, o senhor chama-se Enock pelo seu...
R – Olha, o meu pai – curiosamente, né -, o meu pai tinha um amigo que era israelita, e me deu esse nome. Por isso hoje, inclusive, eu trabalho, eu dou uma assessoria nesse banco aqui que é israelita, às vezes eles acham que eu pertenço à colônia por causa do nome. Porque é um nome de profeta do Velho Testamento. Foi então em homenagem a um amigo dele.
P/1 – E, voltando à sua infância, como era, então, na sua casa, a sua educação, o que o senhor lembra?
R – Olha, eu vim de uma família católica, não é? A minha irmã foi para o convento, né, e eu quase... por pouco eu escapei do seminário, mesmo porque naquela época as famílias muito católicas sempre mandavam alguém para o seminário ou para o convento, né? Então a minha irmã cumpriu esse papel, ela é religiosa...
P/1 – Era assim, cada família tinha que ter um filho? Como funcionava?
R – Era muito normal isso. Porque o meu pai era um político do velho PSD mineiro, era do partido do Juscelino e tal e era, vamos dizer assim, na cidade, naquela pequena cidade, ele era uma das pessoas... não era uma das pessoas mais importantes, mas era uma das pessoas porque ele era o Presidente da Câmara. Ele foi o Presidente da Câmara Municipal lá durante todo o... durante 15 anos, né? Depois ele chegou a ser candidato a prefeito, mas aí o PSD mineiro já estava um pouco desgastado, e meu pai perdeu a eleição. E foi por isso que ele mudou pra Montes Claros.
P/1 – E aí como é que... quer dizer, então era uma vida muito religiosa? O senhor teve _____, como era?
R – É, eu fui coroinha, inclusive, né? [risos] Eu fui coroinha, mas com 11 anos de idade. 10, 11 anos de idade eu fui pra Montes Claros porque Monte Azul, onde eu morava, não tinha colégio. Então terminei o ginásio e tinha que estudar fora, e fui estudar no Colégio Diocesano de Montes Claros e aí eu fiz o curso ginasial, que era assim chamado na época, depois o curso científico até o segundo ano. Aí, o curso científico lá fechou e eu tive que ir pra Belo Horizonte, fui estudar no Colégio Arnaldo, que é um colégio tradicional de Belo Horizonte. Aí eu me formei lá e depois, como o meu pai era comerciante e eu tinha uma tia que era farmacêutica aqui em São Paulo, ele fez um pouco a minha cabeça pra eu fazer farmácia, então eu entrei na Faculdade de Farmácia e Odontologia da Universidade Federal de Minas Gerais, em Belo Horizonte. Lá eu estudei dois anos, depois eu fui pra Ouro Preto e fiquei muito impressionado com a cidade de Ouro Preto, sabe? E eu me transferi pra Ouro Preto, e terminei o curso em Ouro Preto.
P/1 – Por que? O senhor achou, assim, bonita? O que é que...
R – Muito bonita e... impressionantemente bonita, né? E profundamente bonita, né? E lá eu conheci um pintor também, sabe, que chamava Alberto da Veiga Guignard, que é um pintor muito conhecido, né? E eu cheguei a morar numa república que era a república e uma casa depois, a dele. E essas coisas foram formando a minha personalidade em dois sentidos, assim, no sentido científico, da faculdade, e no sentido artístico, né? Eu, já em Belo Horizonte, comecei a escrever em jornais, então eu tenho uma carreira de jornalista, vamos dizer assim. Vamos ver se tem alguma coisa aqui. Eu dirigi os jornais universitários de Belo Horizonte, né, de... a Tribuna Universitária, o Jornal Geração, da União Estadual dos Estudantes, inclusive uma revista, chamada Mosaico, que na época ela saiu só dois números, né? Dois números porque ela... o segundo número era um número... como era do DCE, que reunia toda a Universidade, tinha um grupo da Faculdade de Ciências Econômicas muito avançado e essa revista, naquela época, o último número foi recolhido, sabe, foi censurado.
P/1 – Que época nós estamos próximos?
R – Veja só, deixa eu... 1960... 1961 eu vim pra cá, foi no ano anterior, no ano anterior.
P/1 – Mas durante o governo do Jango?
R – Eu preciso lembrar um pouco porque são coisas muito antigas. Era uma revista que naquela época dava um apoio... tinha um economista que fazia a cabeça do Jango, né, chamava Guerreiro Ramos. E a revista sentiu, assim... foi muito... tinha um perfil, assim, muito das idéias do Guerreiro Ramos, que era o homem que fazia a Pós Graduação na Faculdade de Ciências Econômicas. E daquele grupo saíram alguns economistas importantes, assim, em termos até nacionais, como Theotônio Júnior, que hoje eu perdi o contato com ele, mas ele era um homem muito importante, era uma das cabeças de Minas Gerais, né? E então... eu não sei quem foi, mas a revista não circulou. Eu fiquei com um número, dois ou três números, né? Alguém, eu não me lembro bem se foi uma coisa, assim, da polícia, ou se foi da Universidade, não é? Porque a revista era feita na gráfica da Universidade Federal de Minas Gerais.
P/1 – Quer dizer, o senhor, então, entrou... fez o ginásio na sua cidade...
R – Eu fiz ginásio em Montes Claros, o científico em Montes Claros até o segundo.
P/1 – Montes Claros o senhor mudou com a família?
R – Com a família, mas eu já estava... Estudei em Montes Claros, mesmo minha família morando em Monte Azul, a minha família morava em Monte Azul
P/1 – Eles mandaram o senhor?
R – Exatamente, eu ia pra lá...
P/1 – Ia o que? Pra casa de uma tia...
R – Não, nós morávamos em pensões.
P/2 – Ah, é?
P/1 – Em pensões?
R – É, em pensões. É.
P/1 – Isso era comum, então? O pessoal saía da cidade pra ir estudar em Montes Claros?
R – Ah, era maravilhoso. Tinha o grupo da cidade, né, que saía e ia estudar em Montes Claros e depois, nas férias, era uma festa, tinha baile todo dia, porque a turma era muito unida. E no começo era interno, né? E as moças, as colegas nossas eram internas no colégio que minha irmã acabou sendo freira e diretora até. Então a gente viajava de trem, ou viajava de caminhão, né, porque naquela época não tinha ônibus. A gente ia na maior farra, né? [risos]
P/1 – E a vida mudava? Por exemplo, na sua casa de infância, a sua mãe tinha uma educação muito rígida? Era uma casa...
R – Tinha, era bastante rígida, sabe? Era uma família mineira bem tradicional, né? É, eu me lembro, era uma casa muito grande, uma casa antiga, não era casa construída por arquiteto porque isso não existia lá, né? Então era aquela casa grande, o pé direito alto e eu me lembro que eu andava, tinha um corredor comprido, e eu chegava a andar de bicicleta dentro da casa, dentro da sala até. [risos] Até a sala de jantar. Então era uma casa grande, uma casa na praça. Ali na frente o meu pai tinha o comércio dele e a casa ia até o outro lado. E depois atravessava uma rua e a gente tinha uma chácara, uma chácara que ia até o rio. Tinha muitos coqueiros, coqueiro anão. Foi meu pai que trouxe, porque meu pai, ele tinha um caminhão que fazia carga e ele chegou a ser motorista, mas depois ele tinha um motorista. E ele levava carga pro Nordeste e, às vezes, não tinha carga pra trazer, aí ele trouxe coco anão. E ele encheu o Norte de Minas de coqueiro anão. [risos]
P/2 – Ele trouxe então, pra Minas, ele que introduziu?
R – Ele trouxe. A gente, só em casa, tinha uns 200 pés de coqueiro, uns 200 coqueiros anão. E a gente tirava o coco, assim, né? Tinha coco, tinha manga e laranja. Laranja ele comprou as mudas em São Paulo, já levou as mudas formadinhas.
P/1 – E eles eram, assim... quem era a maior autoridade em casa?
R – Era o meu pai. Era o meu pai, que a minha mãe, ela era diretora no Grupo, ela tinha uma autoridade, mas em casa era o meu pai que era a figura, embora que ela tinha também uma psicologia assim, que ele fazia tudo que ele queria, ele só não fazia aquilo que ela não queria. [risos] Entendeu? Mais ou menos assim.
P/1 – Mas ele que, por exemplo, encaminhava os filhos? Ele que...
R – Ah, é. Exato. Tanto que, olha, eu fui estudar farmácia porque a irmã dele era farmacêutica aqui, né?
P/1 – E ele gostava? Isso era uma...
R – Gostava. Eu, no começo, eu estava pensando em ser médico, como acontece muito, não é?
P/1 – O senhor queria ser médico?
R – É, eu queria ser médico, eu cheguei a pensar também em entrar pra área de humanidades, assim, sabe? Porque eu tinha uma, assim, uma... como é que eu poderia dizer? Eu tinha um interesse pelas coisas, pela literatura, pelas revistas... E naquela época, por exemplo, pra você ter uma idéia, tinham as histórias em quadrinhos, né, que naquela época diziam que as histórias em quadrinhos não eram boas pra formação da pessoa. E minha mãe pensava assim, mas eu gostava demais das histórias em quadrinhos. E lá não tinha banca, eu pedia pelo correio, né? Então eu tinha uma caixa embaixo da minha cama, cheia de história em quadrinhos.
P/1 – Que história em quadrinhos que o senhor mais gostava?
R – Olha, tinha várias, mas a que eu mais gostava era uma que chamava Edições Maravilhosas, que contava um romance inteirinho. Era um número especial, não é? Não sei quem é o editor. E depois eu comecei a pedir livros, assim, pelas revistas, porque lá não tinha livraria.
P/1 – Reembolso postal, então?
R – Reembolso postal. Chegava, eu ia lendo... Aí, quando eu fui pra Montes Claros, aí lá já tinha, né? Mas em Monte Azul não tinha nada disso.
P/1 – Então, no início, o senhor foi pra Montes Claros sozinho?
R – No início?
P/1 – Foi sozinho, sem a família, _____________?
R – Ah, é. Exatamente. Hoje, é que hoje já se sabe que a história em quadrinhos não é tão mal assim, não tem importância. Até estimula a imaginação, né? E eu sonhava com aquelas coisas! Tinham uns desenhos muito bem feitos, né?
P/2 – Mas como é que o senhor entrou em contato com esse universo das histórias em quadrinho?
R – Eu acho que eu vi uma e daquela... eu já tinha um cupom, né? Eu pedi. [risos]
P/2 – E aí foi.
R – É. E tinha uns tios que moravam em São Paulo. Porque a minha família, meu pai foi o único que ficou lá, e os outros vieram pra São Paulo, aí, na época, 1930 e tal. Porque eles queriam o progresso e tal. Mas meu pai, inclusive, tentou vir pra cá em 1930, mas exatamente em 1930 houve a Revolução, e o clima não era muito propício, né, para os mineiros. E eles moravam em São José do Rio Preto. [risos] Os outros ficaram, mas ele voltou, porque o pai dele tinha ficado lá, não é? E ele voltou. E ficou como comerciante, e os outros...
P/1 – Era comerciante do que? O que ele tinha?
R – Olha, era um comércio que tinha... daquele tipo assim, que vendia muita coisa.
P/1 – Tipo um secos e molhados?
R – Exatamente, é. E funcionava mais no fim de semana, no Sábado, porque Sábado, a cidade ela tinha feira, né? Então enchia de gente. E aí, houve uma época, também, que na cidade não tinha banco. Pra você que gosta de história é interessante essas coisas. Eu nem estava lembrando mais disso, há tantos anos... E lá não tinha banco, e o meu pai era uma espécie de um banco da cidade, que era um correspondente, sabe? Então as pessoas pagavam os títulos pro meu pai, e o meu pai, uma vez por semana ia à Montes Claros e quitava as dívidas das pessoas, né? Tanto que eu me lembro, quando eu era menino, à noite, sempre meu pai contando dinheiro. [risos] E depois pegava o pacote de dinheiro e levava, porque não tinha cheque lá, não é? A cidade não tinha cheque. E uma coisa curiosa também é que essa cidade é uma cidade muito bonita, chama Monte Azul. Os montes são azuis, não é? Depois é que eu fiquei sabendo que o que torna as paisagens azuis é o ar puro. É uma quantidade maior de ozona, porque o O2 dá um ar normal, ozona é um oxigênio O3, né, então ela é azulada.
P/1 – É mesmo?
R – É. Então, ao longe, a serra é absolutamente azul, por isso que chama Monte Azul, lá. E a cidade era cheia de coqueiros, e tinha um pássaro, que chamava pássaro preto, que cantava! Por isso eu tenho, da minha infância, uma lembrança assim, de certa forma romântica, sabe? De uma cidade muito bonita, pequena, né, 3, 4, 5 mil habitantes, e muitos coqueiros e os pássaros que cantavam no fim da tarde. Cantavam! De manhã e à tarde. Era uma orquestra, né? [risos]
P/1 – E era, assim, um lugar frio? O programa era fazer o que?
R – Lá não era frio nem quente. Essa é outra característica.
P/1 – Nossa, é um paraíso! Pedacinho de sol.
R – Exatamente. Lá a temperatura era sempre igual, eu acho que devia ser uns 20, 22 graus. Sabe por que? Porque eu só conheci malha com 11 anos de idade. Eu nunca tinha visto uma malha, uma coisa quente, não é? Um pulôver, assim, essa coisa eu conheci em Montes Claros, lá não tinha isso.
P/1 – E o lazer da família, assim, qual era?
R – Olha, o lazer era o lazer do interior mesmo. Assim, de ir pra chácara, sabe? De subir nas mangueiras, de tirar uma manga, não é? De ir lá no coqueiro... E depois, de ler, não é? Aquilo era tão pequeno, sabe, que eu sonhava através das revistas em quadrinhos. Eu era um sonhador, mesmo. Eu comecei a escrever um diário, sabe, essas coisas. [risos] Que provavelmente ninguém ia ler isso, mas eu escrevia, porque eu li em alguma revista, né?
P/1 – E o senhor ouvia rádio também?
R – Ouvia. Ouvia rádio e eu me lembro... Isso era mais à noite, né, mais à noite... E eu me lembro também que o meu pai acompanhava umas novelas pelo rádio, sabe? Tanto que alguém... Tinha aquele barulho, que eles faziam, assim, os cavalos... E quando aparecia alguém pra visitar meu pai na hora da novela ele ficava furioso! [risos] Alguém tinha que ouvir a novela pra contar pra ele. [risos]
P/1 – Mas aí, depois, então o senhor foi parar em Ouro Preto?
R – Fui parar em Ouro Preto, é, depois...
P/1 – E aí o senhor convivia com o Guignard?
R – É, veja só, olha, essa parte jornalística aí eu comecei já em Montes Claros. Comecei em Montes Claros fazendo um... Colaborando num jornalzinho estudantil de lá. Depois, em Belo Horizonte eu ampliei isso. Eu fiz os jornais também, Geração, Tribuna Universitária, Revista Mosaico, né? E fiz até um programa de notícias estudantis na Rádio Inconfidência, que era uma rádio... Era a principal rádio de lá. E eu me lembro que a abertura do programa era um rock e, na época, o rock era a coisa mais avançada, né? Era Rock around the clock, era a abertura do nosso programa, né? Então aquilo a gente achava fantástico! Só que o horário era muito ruim, era às 7:30 da manhã, então as pessoas estavam dormindo, porque era Domingo. [risos] Mas aí, depois nós conseguimos fazer um outro na Rádio Guarani, que era uma outra rádio. Esse era... Aliás, o Rock around the clock era da Guarani. Da Inconfidência eu não me lembro da abertura. Então eu participei ativamente, assim, do movimento estudantil de Belo Horizonte, não é? Na época tinha uma representação na UNE [União Nacional dos Estudantes]. Não, primeiro era na União... Não, era na UNE, sim. É, tinha uma representação de regiões e tal, né? E essas representações a gente chamava de deputados estudantis, e eu fui um deputado estudantil. [risos] E nós tínhamos uma pessoa, que eu nunca mais tive notícia, chamava Eurico Tré Correia de Sá, era um líder estudantil carismático, sabe? Nós trabalhávamos juntos. Depois... Isso era lá, área secundarista. Depois, na área... Eu representava o Norte de Minas lá nessa área.
P/1 – Mas quais eram, assim, as discussões do movimento estudantil? O que é que era que acontecia?
R – Olha, veja só, quando eu estava na faculdade já era fim da década de 1950, então o Brasil já passava por mudanças assim, no sentido de uma conscientização política e etc., sabe? Então, vamos dizer, você vê que de 1960, 1961 pra 1964 não estava muito longe, não é? Sabe, tinha uma fermentação, assim, da sociedade, né? E os estudantes estavam muito interessados nisso. E eu, curiosamente, eu era de uma ala política conservadora, da ala do meu pai. Eu vinha dessa área, mas eu não seguia a orientação política do meu pai. Eu já era um pouco contra aquelas coisas, aquela política do Juscelino e tal etc., a gente achava meio ôba-ôba e tal. E a gente... Uu estava mais pro lado da UDN, que era um outro partido, que era o Milton Campos, o (Piero Chechi ?), esse pessoal assim. E tinha a UDN estudantil, e eu convivia com eles ali, sabe? E dessa época, curiosamente, eu me lembro, nós tínhamos um colega que fazia uma coluna na Folha de Minas, e que virou um escritor importante, ficou muito importante recentemente aí, com uma mini-série da Globo, chamava Roberto Drummond. [risos] Ele foi meu contemporâneo. Ontem eu vi uma fotografia em que ele aparecia, assim, né? Ele era uma pessoa que escrevia e tal... Escrevia sobre o movimento estudantil. Depois ele escreveu sobre muitas coisas, escreveu sobre futebol e tal, depois virou um escritor mesmo, né?
P/1 – Ser escritor.. O senhor escreveu um diário, depois entrou... Existia assim, entre os estudantes essa coisa de ser escritor? Tinha um desejo?
R – Era, era uma coisa interna, que eu não sabia de onde vinha, né?
P/1 – Mas vocês comentavam entre si, por exemplo...
R – Comentava, comentava. Tinham os grupos, né, que se reuniam. Então, lá em Belo Horizonte eu tinha um grupo literário que eu freqüentava e tal. Mas eu cheguei um pouco... Eu entrei num grupo, vamos dizer assim, que não era o grupo mais conhecido, que o grupo mais conhecido de lá... Tinha um nome... Era o Afonso Romano de Santana, que hoje é uma pessoa muito conhecida. Ele era um deles, e o outro é esse Theotônio Júnior, que acabou fazendo a revista conosco, pertencia à esse grupo também. Não me lembro o nome agora, acho que era Invenção, Grupo Invenção, me parece. Então, esse grupo era muito, assim, avançado, estava em contato com São Paulo e tal. Mas eu tinha um grupo... Eu entrei num grupo, não sei como, que não era esse, mas era um grupo que discutia também, não é? Discutia tudo o que acontecia, os suplementos literários eram lidos com muito detalhe, e discutidos, né? E aí eles eram poetas, sobretudo, porque como diz o Ivan Ângelo, que era da nossa época, também, que hoje é Redator Chefe do Jornal da Tarde, ele também é dessa época. O Ivan Ângelo era desse grupo, era desse grupo, é. Ele era Cutista, né? Então ele dizia o seguinte: “Que todo mineiro começa como poeta, depois ele vai decidir o que é que ele vai ser.” [risos] Alguns continuam poetas, né? [risos] Então eu comecei também como poeta, fazendo minhas poesias. E cheguei a publicar um livrinho que chamava “Dez Poemas”, pelo DCE [Diretório Central do Estudantes]. E aí publicaram nos jornais. E esse livro, curiosamente também, foi ilustrado, que eu já estava na faculdade, né, por uma gravadora, uma artista, que ficou conhecida também, chama Marília Rodrigues. A Marília Rodrigues, ela estava ligada ao DCE, aí eu vi uma exposição de pintura na faculdade, que tinha quadros dela, e aí eu conversando com ela: “Ah, você faz poesia, tal...” Ela falou: “Eu vou ilustrar umas poesias suas.” E ela fez três ilustrações. E eu achei aquilo formidável. Eu tenho essas ilustrações até hoje. [risos]
P/2 – E o livrinho?
R – É o livrinho, é.
P/2 – O livrinho você também tem?
R – É, tenho. E a Marília fez aquilo. Uma eu falava da minha infância, e ela me fez criança. E eu achei aquilo tão bonito, né? E outro ela me fez pensando, que ela achava que eu estava começando a me preocupar com reflexão e tal, né? Ela fez três ilustrações. E a Marília, depois ela saiu de Minas, naquela época, depois da Revolução, das coisas militares, ela foi pra Brasília, ela foi professora da Universidade de Brasília, depois perdeu o cargo quando fecharam a Universidade de Brasília, parece que hoje ela mora no Rio de Janeiro. Outro dia eu estava falando com o Frederico Moraes, né, um crítico, _________________, morou no Largo do Boticário e tal. Então eu, por exemplo, essas coisas... Ah, sim, outra coisa. Eu escrevia também... Eu cheguei a ser sócio de uma revista em Montes Claros, que era feita em Belo Horizonte, sabe? Ela chamava-se Encontro.
P/2 – Encontro?
[pausa]
R – Encontro, é. E era uma revista muito moderna. Sabe, curiosamente, eu acho que a gente conseguiu ser moderno num deserto, que era o Norte de Minas. Aquilo não tinha nada. Mas aí, tinha um médico que desenhava muito bem. E tinha outras pessoas que escreviam. Um chamava-se Décio Gonçalves, que virou um grande jornalista, depois ele se aposentou e é fazendeiro. Depois _________ Batista e Lúcio Marcos Bemquerer. Lúcio Marcos Beemquerer é até um nome importante hoje em Belo Horizonte, acho que ele é presidente da (SIESP?), que é Federação do Comércio, né? É o ______ de lá, não é? E nós fizemos essa revista, e nessa revista tinha um desenhista, que era um médico, chamado (Constantin Cristophe?). Ele desenhava tão bem que aquilo me impressionou muito, então a minha inclinação para as artes plásticas esteve ligado ao Constantin que desenhava pra nossa revista, à Marília Rodrigues, que ilustrou meu livro, e pro Guignard, que eu morei em Ouro Preto, no último ano da vida dele. Eu acho que foram os três, os três. Mas quando eu vim pra São Paulo, eu, vindo de Ouro Preto, eu não era um escritor de artes visuais, eu estava ligado mais à literatura, né? E quando eu cheguei na Rhodia, e aí eu acho que tem uma parte interessante, eu encontrei na Rhodia, um outro intelectual, sabe, que deve estar aqui, chamado José Paschoal Rossetti. Então o Paschoal Rossetti, nós começamos: “Ah, você gosta disso?” Ele falou: “Ah, eu participei de um movimento de poesia, de vanguarda...”. E ele trabalhava na área de propaganda com o Valentim Valente, e nós sentávamos ao lado, e aí fomos conversando, conversando, mas daí a pouco ele falou: “Enock, tá chegando aí na Rhodia também – só que era na Valisère, ou melhor, na Rhodiaceta, como era a parte de fios, né – um outro intelectual, chamado José Armando Pereira da Silva.” Aí, em 1964, nós falamos: “Olha, vamos fazer alguma coisa aqui em Santo André.” E curiosamente, veja só, o Paschoal tinha morado em Poços de Caldas, o José Armando vem de Itapira e eu de Minas, não é? E nós então criamos uma página de literatura e arte no New Seller, que hoje é o Diário do Grande ABC, sabe? E recentemente eu fiz uma palestra em Santo André sobre isso, porque em 1968 foi criado o Salão de Arte Contemporânea de Santo André, não é? E foi criado por nós. Na verdade, por mim e pelo José Armando. Porque em 64 nós começamos a fazer a página. Aparecia todo Domingo uma página inteira.
P/1 – E que tinha, basicamente...
R – E que representou, assim, o início da modernidade da arte no ABC. Nós três, modesta e à parte, porque é a história que tá aí, não é? E já estamos comemorando... Comemoramos 30 anos outro dia, o tempo passa depressa. Então foi esse grupo. O Paschoal inclusive saiu logo da página, eu continuei com o José Armando. Eu era o coordenador, né? Chegou a vez, né? Eu era o coordenador dessa página, embora que o José Armando era uma pessoa muito bem preparada também, mas ele achava que eu podia...
P/2 – Era a vanguarda, na época, né?
R – Era a vanguarda. E eu tenho, sobre isso, eu poderia ter trazido, posso fornecer depois, eu tenho a cronologia desse movimento. Eu tenho a cronologia, mas eu acho que é importante, porque eu fiz uma palestra recentemente lá, e alguém falou: “Que curioso, né? Os três que iniciaram esse movimento, os três trabalhavam na Rhodia, e foram três pessoas que vieram de fora.”
P/1 –Então vamos voltar só um pouquinho pro senhor contar pra gente como o senhor acabou entrando na Rhodia.
R – Foi assim, eu estava em Ouro Preto e o doutor Simões, Eduardo Valente Simões, ele estava recrutando representantes em escola de Farmácia.
P/2 – Que ano que era isso?
R – Era em 1961. Porque a Rhodia tinha uma equipe de elite no Brasil, de representantes, no laboratório junto à classe médica. Todos tinham nível superior. Era o único laboratório que tinha isso. E ele era um farmacêutico e era um intelectual, né?
P/1 – Era poeta também, né?
R – Poeta. Na verdade, vocês sabem que a Rhodia tinha uma equipe muito bem preparada e todos, assim, com formação humanística muito forte, né? Literária... E o doutor Simões, além de tudo isso, ele era um homem que gostava, sabe, de comandar e tal, né? Era um líder mesmo. Ele criou a Faculdade de Medicina de Santo André, e ele nem médico era, ele era farmacêutico. Foi Diretor, foi Reitor, né? E fez aí outras coisas. Ele pertencia também a uma Academia de Letras de Mato Grosso, eu me lembro disso. Além do Simões tinha o doutor Ruiz também, que era um homem, um intelectual, assim, purista, de língua, né? E tinha o Valentim Valente, que era um homem que estudou na Universidade Gregoriana de Roma, ele ia ser padre, depois saiu e foi trabalhar lá. Ele era primo do Simões, Eduardo Valente Simões. Primo, parente, né? Então, ali, a Rhodia era uma espécie de uma academia, e os representantes da Rhodia, todos tinham curso superior, eram todos ou farmacêuticos ou dentistas, mas a maioria farmacêuticos. Então ele recrutava os melhores nas faculdades do Brasil inteiro.
P/1 – Pra fazer o trabalho de representação...
R – Pra trabalhar aqui. Exato. E ele foi lá em Ouro Preto. Foi em Ouro Preto fazer testes e tal, né? Quer dizer, ele mandou gente lá. Teste científico, teste de redação... E aí, me parece, que lá em Minas eles acharam que eu era o melhor. E eu tinha um perfil, assim, que eles achavam que não era pra ser representante, sabe? Era pra trabalhar lá dentro, sabe? Ele falou: “Não, ele redige bem, ele já trabalhou em jornais e tal, né? Então o Enock vem trabalhar aqui comigo. O Valente tá precisando de alguém pra trabalhar como ele.” E aí eu vim... eu queria trabalhar aqui em São Paulo, porque primeiro, eu não queria ter uma farmácia, eu estudei Farmácia, mas não queria ter uma farmácia. Eu era um homem que estava ligado às artes, às letras, né? E eu queria vir pra cá porque eu tinha meus tios aqui, sabe? Eu queria... Eu achava que eles iam me mostrar um mundo que eu não conhecia, né? E aí eu vim. Eu era até uma pessoa que... Vim de um meio tão pequeno, assim, sabe, modesto.
P/2 – Tinha namorada lá, já?
R – Tinha... Tinha mas não tinha. Nessa época não. Eu acho que estava... Eu não tinha namorada lá, eu não tinha. Eu acho que eu estava pensando, assim, que eu ia encontrar aqui, não é? E aí, chegando aqui, eu me lembro, o Valente me perguntou: “Bom, quanto que o senhor quer ganhar e tal, né?” Eu me lembro, parece que eu falei: “Uns 40 mil réis, né, ou 40 cruzeiros...” Eu não sei direito na época, né? E eu falei: “Será que eles vão me aceitar? Será que vão me aceitar?” Aí um dia ele me chamou lá - que eu fiquei na casa de uma tia - me chamou e falou: “Olha, nós gostamos de você, seu perfil é bom, só que a suas pretensões são um pouco modestas, nós vamos pagar 48. [risos] 48, porque o senhor vai morar em São Paulo, o senhor vai ter despesas de transportes, de condução e tal...” E eu fiquei encantado! Aí, depois, com...
P/1 – Nessa época o senhor tinha que idade?
R – Eu tinha 20...
P/2 – 25?
R – 27 anos, mais ou menos.
P/2 – 27?
R – É. É, porque eu nasci em 1937, aí vim em 1962, né? Aí, 25, né, 26...
P/1 – Você tinha acabado de se formar?
R – Tinha acabado... Saí de lá, vim direto pra cá. Vim direto pra cá, fiquei morando em São Paulo, trabalhando em Santo André.
P/1 – O senhor veio morar aonde, aqui?
R – Eu vim morar na casa de uma tia que era farmacêutica.
P/1 – E morava aonde?
R – Morava na Avenida Santo Amaro. A Droga Amaro era dela. Era ali perto... Como é que eu podia dizer? As coisas já mudaram. Antigamente tinha ali um laboratório farmacêutico que se chamava Bioquímica... Bioquímico, que acabou. Era ali perto...
P/1 – E o senhor já tinha vindo pra São Paulo alguma vez?
R – Eu não tinha vindo ainda pra São Paulo.
P/1 – Foi diferente? Era como o senhor...
R – Quando eu cheguei aqui... Olha, a primeira vez que eu cheguei em Belo Horizonte, já fiquei assustado. Quando cheguei em São Paulo eu fiquei assustado de vez, né? [risos] Porque eu tinha uma vida interior, sabe? Eu tinha uma vida muito interior e tal... Eu tive até uma fase, assim, em que eu era uma pessoa mais religiosa mesmo, né? Eu namorei uma moça em Belo Horizonte que era muito religiosa... E em Belo Horizonte eu trabalhei um pouquinho na Faculdade de Filosofia. Eu prestei um concurso público, sabe? E passei, passei em segundo lugar, e fui chamado. Eram só duas vagas mesmo. E aí eu trabalhei lá e eu trabalhava na Faculdade de Filosofia, no Edifício Acaiaca, em frente à Igreja São José. E a gente terminava... Pra você ver como é que é a vida em Minas, né? A gente terminava o expediente e tinha uma missa. A gente ia à missa todo dia. [risos]
P/2 – Saía do trabalho...
R – Era uma moça muito pura, assim... A mãe dela chegou até a ser a “mãe do ano”, um ano lá, sabe? [risos] Ela era mulher de um médico, tinha 13 filhos. Era uma família maravilhosa, né? Mas, assim, aquela coisa que hoje eu acho que eu encontro, assim, sabe, de Gabriel García Marquez, [risos] A gente chegava na casa e tal, o pai vinha cumprimentar, depois: “Olha, com licença, porque a sala é dos namorados.” Ia lá pra dentro... [risos] Assim, né? Ela cantava num coral, né, que tinha dois corais lá. Era o Madrigal Renascentista e um outro coral da catedral. E o Madrigal Renascentista era dirigido pelo Issac Karabtchevsky, e tinha como cantora, assim, a principal solista, a Maria Lúcia Godoy. Ele era apaixonadíssimo pela Maria Lúcia Godoy, chegou a casar com ela, depois se separaram, né? E eu ia, às vezes, nos ensaios, sabe? Então eu sempre estava um pouco perto da arte.
P/1 – Bom, aí o senhor chegou aqui, entrou e foi trabalhar com o senhor Eduardo Simões?
R – Eu fui trabalhar com o Valentim Valente, não é? Valentim Valente, é.
P/2 – Qual era, assim... Como era?
R – Ele era o Chefe de Propaganda, e eu entrei como Redator Científico, porque eu escrevia e tal, né? E ele fazia redação das literaturas médicas e circulares para os propagandistas-vendedores e bulas também. Eu redigi muita bula. [risos]
P/2 – Mas o senhor lembra, assim, do seu primeiro dia na Rhodia? Como é que foi?
R – Olha, eu me lembro não do primeiro dia, mas me lembro do primeiro trabalho, sabe? A gente estava lançando um produto chamado Contraction, porque a Rhodia tinha um inseticida, Organofosforado, que chamava-se Rhodiatox, eu acho que tem até hoje, né?
P/2 – Tem.
R – E de vez em quando morria alguém envenenado por esse produto. Pessoas que jogavam, o vento batia, molhava todo, absorvia, sabe? E as pessoas tomavam leite, e o leite era contra-indicado, porque ele era solúvel no leite, sabe? Daí que ele espalhava pelo organismo. Porque aqui no Brasil fala assim: “Olha, tomou veneno, toma leite.” Não era o caso. Então a Rhodia desenvolveu esse produto chamado Contraction, sabe, que dava aquilo, resolvia. E o Valentim Valente falou: “Olha, você vai me ajudar, vai fazer uma circular para os propagandistas.” Porque na época não tinha o treinamento, né? Você viu aí uma foto cheia de gente treinando, né? Naquela época tinha uma circular. Lançava um produto, mandava uma circular de duas páginas, três páginas... Uma circular de sete páginas era uma bíblia, era uma coisa assustadora em tamanho, né? Aí o Valentim falou assim: “Me escreva essa circular aí do Contraction” Me deu todo o material, e eu li, li, li, li... Aí comecei a escrever, escrevi, escrevi... Escrevi umas cinco páginas, né? Aí dei pra ele, já no dia seguinte ele falou: “Olha, eu gostei do seu texto, tal... Eu dei uma mexidinha nele, sabe? Nós vamos publicar, passar no mimeógrafo isso, pra mandar para os propagandistas.” Mas quando eu vi o resultado, ele tinha mudado tudo. [risos] Eu fiquei meio frustrado, né? Até, tempos depois eu comentei com ele. Falei: “Puxa, seu Valente, naquela circular eu acho que o senhor só aproveitou uma expressão minha, viu?” Mesmo assim era em inglês, era life saving. [risos] Era salvador... Era um medicamento que salvava vidas, né? [risos] O resto, não reconheci o meu texto ali, né? Ele falou: “Não, é assim mesmo, você vai..., não é?” Mas ele era uma pessoa muito rigorosa, assim, ele sabia latim, eu acho que sabe latim, né? Mas com o tempo eu fui lendo, lendo... Aí comecei a freqüentar essa biblioteca, sabe? Porque era uma época em que as pressões eram menores do que hoje, sabe? Eu lia muito.
P/1 – Dentro do trabalho?
R – Dentro do trabalho. Lia lá, coisas médicas...
P/2 – Ia pra biblioteca...
R – Biblioteca, né? É. Um dia eu conheci esse senhor aqui. Olha, a Rhodia era uma coisa realmente fantástica. O Coronel Bruno. Eu conheci... que a Rhodia tinha dois... aliás, tinha uns assessores. Ele tinha três médicos que tinham sido propagandistas, sabe? Porque tinha um homem lá chamado Marc de Sèpibus - que deve ter aparecido -, que o pessoal chamava doutor Sepi. Pegou eles e falou: “Olha, vocês são os melhores que nós temos aqui, vocês vão estudar Medicina, a Rhodia vai... Vocês continuam trabalhando, mas trabalham menos tempo e tal, façam vestibular, entrem na Medicina.” E os três se formaram médicos.
P/1 – Que eram?
R – Um deles, esse aqui, chamava Penildon Silva. O outro chamava...
P/2 – Que é um que mora na Bahia hoje.
R – É. Antonio (Bortoletto Cap?), de Santo André. E o terceiro chamava doutor Menotti. Os três acabaram...
P/1 – Antonio (Bortoletto?)?
R – Antonio (Bortoletto Cap?), o Penildon Silva...
P/1 – E o outro chamava?
R – E o outro chamava doutor Menotti.
P/1 – Eles eram funcionários?
R – Eram propagandistas, que o doutor Sepi falou: “Vocês vão estudar Farmácia.” E depois que eles estudaram Farmácia: “Vocês vão estudar Medicina.” Então, entendeu? O tempo era outro. O tempo era outro.
P/1 – Isso era comum ou isso era uma característica da Rhodia?
R – Completamente... Eu nunca vi isso! Isso é uma característica que extrapola... Eu acho que nem Brasil; eu nunca ouvi falar isso em América Latina. Eu acho que é uma coisa, assim, quase que de realismo mágico, sabe? [risos] O doutor Sepi, um francês que chega aqui, que se encantou por essa terra aqui, e que fazia essas coisas, e que parava, às vezes, o expediente no meio da tarde ou mais pro fim da tarde pra jogar futebol. Ah, ele tinha o grupo dele, né? Eu conheci ele, quando eu entrei ele estava saindo. Aí eu, interessado, eu me aproximei um pouco dele, e ele: “Vamos ali comigo.” Ele gostava que alguém fosse com ele, sabe? Mas falando desses três: o Penildon acabou Farmacologista; o Menotti também; e o Cap também, mas o Cap foi Diretor da Faculdade de Medicina em Santo André, né? O Simões que pôs, porque o Simões era o Reitor, né? O Penildon Farmacologista da Bahia, chegou a Diretor da Faculdade da Bahia; e o Menotti professor na Universidade do Paraná. E eles mandavam... Aí eles ainda eram funcionários, e já professores. Eram assessores médicos, eram assessores médicos, né? Então tinha um malote... O Penildon ficou um grande amigo meu, não é? E tinha um malote. Houve um período – pra ter uma idéia – que todo dia ele me mandava um bilhete. [risos] Uma correspondência...
P/1 – Pelo malote?
R – Pelo malote. Mandava, e falava coisas e tal, e me estimulava, né? Eles foram importantes. Agora, o importante mesmo foi o Coronel Benedito Bruno da Silva, que esse já morreu. Ele era um veterinário, que a Rhodia tinha também o (Devet ?). Tinha o Depesp e o (Devet ?). O (Devet ?) tinha dois médicos também, né, assim, como assessores. Depesp e (Devet ?)... Esse aqui, olha, esse é extraordinário, Benedito Bruno da Silva. Ele era um Coronel do Exército, reformado. As bulas da Rhodia foram quase todas escritas por ele, com minha colaboração. [risos] Benedito Bruno da Silva!
P/1 – Ele era da área de Farmácia também?
R – Ele era um médico veterinário, mas ele conhecia tanto farmacologia, tinha todas as últimas edições, sabe, que ele passou a ser um assessor da farmacêutica, que ele conhecia muito remédio, não é? E um dia eu vi aquele homem simpático e tal, né, e de repente me falaram que ele era um militar, eu falei: “Mas não é possível, ele não tem um jeito de militar.”
P/1 – Mas ele era um Coronel, então, reformado?
R – Reformado, é, reformado. E sabe que naquela época eu nunca tive muita simpatia por militares, não, entendeu? [risos] Mas esse, ele quebrou meu gelo. E um dia eu perguntei pra ele qual era a diferença entre anestésico e analgésico. E começou um diálogo que demorou anos, né? E a nossa amizade foi crescendo, a nossa colaboração foi crescendo... E nós escrevemos juntos um livro, sabe, chamado Glossário de Termos Médicos, Farmacêuticos e Veterinários, para a nossa equipe entender os nossos produtos, sabe? E trabalhava na casa dele, né, que ele tinha todos os livros lá. E, olha, pra você ter uma idéia, ele acabou sendo meu padrinho de casamento. [risos] Que foi uma coisa fora de série. Ele, além de ser um grande conhecedor de Farmacologia, ele era um homem de uma formação humanística, assim, fora do comum, sabe? E ele, com brincadeiras, assim, ele passava lições fantásticas de vida! Ele morava na Lapa, na Rua Três Pontes e tomava sua Vitamina C todo dia, né? Ele era muito entendido de vitaminas. Aí o Penildon escreveu um grande livro de Farmacologia e nos convidou... Eu escrevi, junto com ele, o capítulo de vitaminas. [risos] O livro tá aí até hoje, é o livro mais adotado nas Faculdades de Medicina, né? O capítulo de vitaminas, o Penildon disse que não se desatualiza assim, porque é uma coisa que não tem novidade, mas é uma coisa que foi escrita há muitos anos, com muito cuidado... Mas está ainda no livro, o capítulo: “Vitaminas e Sais Minerais”. Eu e o Coronel Bruno. Ele primeiro, né, me parece que na última edição aparece o meu nome em primeiro lugar por ordem alfabética, né? Não, não. O dele é primeiro, Benedito Bruno da Silva. E ele realmente era um homem fantástico, que ajudava a conferir à Rhodia, um clima, assim, familiar quase, de grande respeito e de grande seriedade. Eu acho que dificilmente um laboratório hoje tem um nível de relacionamento que tinha a Rhodia naquela época. A Rhodia, pra ter uma idéia, ela conservava as pessoas, sabe? E as pessoas quando completavam 50 anos recebiam um relógio de ouro. 50 anos de casa! Parece que quando fazia 40 recebia... O Simões ficou 50 anos, não é? O Simões ficou 50 anos. Então aquilo era realmente uma família. E eles chamavam a Rhodia de “mãe Rhodia”, “mãe Rhodia”! Era uma coisa, assim, que hoje não existe, não é? É o que o francês diz, o esprit de corps, né? O pessoal vestia a camisa. E a Rhodia era uma coisa importante, a Rhodia não mudava as pessoas. Era muito difícil entrar uma pessoa e sair uma pessoa lá. Saía por aposentadoria. E entrava quando a Rhodia estava crescendo, porque naquela época, em relação ao mercado, a Rhodia era maior do que é hoje. Era um dos primeiros laboratórios, hoje eu não sei.
P/2 – Qual é que era a fama que ela tinha na época?
R – A fama era a Rhodia, era a (Reutsch?) e era a Johnson.
P/2 – O que é que se sabia dela?
R – Era assim, era o melhor, a Rhodia era elite da indústria farmacêutica brasileira. Era o quinto laboratório, mais ou menos assim, né? Hoje eu acho que não está nessa posição, eu não tenho acompanhado, né? A Rhodia tinha uma tradição de pesquisa, porque ela lançou o primeiro psicotrópico, mundialmente, né, que foi a Clorpromazina. Foram coisas descobertas lá e que mudou o tratamento psiquiátrico da medicina no mundo inteiro. Então, junto aos hospitais psiquiátricos, a Rhodia era o máximo, tanto que a... E a psiquiatria francesa era a melhor do mundo, então a gente recebia aqui. Eu acompanhei alguns dos maiores psiquiatras do mundo ao Rio de Janeiro, né? Pra congressos de psiquiatrias, depois queria conhecer o Rio de Janeiro, o Cristo Redentor... e ficavam encantados! Assim, o (Délai ?), (Déniquer ?), os homens que classificavam os produtos psiquiátricos, né, vieram aqui. O Henri Laborit, por exemplo, parece que o Laborit trabalhou na Rhodia. E era o homem que inventou a hibernação artificial, sabe, quando havia aquela... como é que chama? O Vietnã, né? Quando eram os franceses que lutavam no Vietnã ele inventou um coquetel, que era um coquetel lítico, que era pra hibernar o soldado pra levar ele pro hospital, né, porque tinha aquele hospitalzinho de campanha, quer dizer, dava o coquetel lítico e o coquetel lítico rebaixava as necessidades da pessoa, levava pra ser tratado em outro lugar. Era o Fenergan, sabe, que ainda existe até hoje, né, Prometazina... Eram três, era Clorpromazina e mais um outro que eu não me lembro. E o Laborit era um intelectual também. Não sei se... me parece que o filme chama “O Homem da América”, do Jean Renoir, é um filme com ele.
P/2 – Era “O Tio da América”.
R – “Meu Tio da América”, né? O Laborit é aquele, é o médico, né?
P/2 – Ah, tem razão!
R – Que falava sobre o amor, né? Tentando explicar o amor com a coisa... assim, entre os animais e o homem, não é? Então, o Laborit era um homem, assim, que salvo engano, ele trabalhava com a Rhodia, ou pelo menos trabalhava seguidamente com o Amplictil, né, que é a Clorpromazina, e outras coisas. Então é isso aí, sabe? Eu, por exemplo, eu tenho uma lembrança muito interessante da Rhodia, como um dos melhores lugares que eu trabalhei. E saí da Rhodia porque houve uma oportunidade, assim, sabe, de desenvolvimento profissional. Mas a Rhodia, inclusive, não queria me largar.
P/2 – Bom, mas voltando um pouquinho, como é que era? O senhor contou um pouco, assim, da sua primeira função lá....
R – É. Ah, eu era, exatamente, eu era Redator Científico, né? Aí...
P/2 – Como é que era esse cotidiano do trabalho do senhor lá?
R – Olha, era um prédio novo, assim, de pastilha, que tinha a biblioteca no canto, né, embaixo o laboratório. Tem ainda, né? E há muitos anos que eu não vou lá. Embaixo o laboratório, ao lado ficava o biotério, tinha uma árvore grande e ali tinha a seção de propaganda, que era o (DPROP ?). Depois tinha as outras áreas, área médica, área técnica... O nosso farmacêutico responsável era o João Batista Domingues, que era professor na Universidade de São Paulo. Era assim lá, sabe? Era uma academia, na Rhodia. Era o que havia de melhor. Ele tá aqui, né? Ele era uma pessoa... Ele foi Diretor da (FUP ?) depois, né?
P/2 – Nós já entrevistamos.
R – Já entrevistaram?
P/2 – Já.
R – É, é esse aí.
P/2 – Mora em Santana do Parnaíba.
R – É, e ele gostava de jogar tênis, eu me lembro, né? Então era assim, o doutor Simões ele era todo poderoso, assim, sabe?
P/1 – Ele era um grande Diretor?
R – É, era. Exatamente. E eu não sei como é que eu poderia descrever, mas era uma pessoa muito respeitada, e ao mesmo tempo meio paternalista. Ele gostava de certas pessoas, tal, sabe? Ele elogiava, mas a gente tinha um receio, tinha uma certa distância com ele. O Valentim também. O Valentim era um intelectual, muito afável, mas a gente também tinha uma distância, assim, não... O Carvalho já era um homem...
P/2 – O Valentim era primo, né, do João Domingues?
R – É primo, né, do João Domingues?
P/2 – É, eles são parentes.
R – Eu pensei que ele tivesse... do doutor Simões, porque o Simões chama Eduardo Valente Simões e ele chamava Valentim Valente. Eu acho que ele é primo do Simões.
P/2 – Também.
R – Também, né?
P/2 – Também, são os três.
R – Ah, João Batista Domingues, é. E o nosso Gerente Geral era o Romano, que era um homem assim, era meio baixinho, e que pra gente era um mito. A gente nunca falava muito com ele, mas ele era um homem muito cordial. E ele tinha uma secretária francesa que uma vez me contou uma história curiosa, sabe?
(fim da fita)
R – Que ela sempre fala: “Olha, o doutor Romano, o doutor Romano e tal etc., né?” E o filho dela sempre fazia aquela imagem. E um dia, diz que ela estava na praia e chegou o doutor Romano, né? Mas chegou assim, com um short, com uma capanga, com não sei o quê... E falou: “Olha, filho, esse é o doutor Romano.” E diz que ela olhou: “Ah, muito prazer.” E em casa falou: “Mas é ele aqui que é o doutor Romano?” [risos] Porque ele era muito... Tanto que na época, por exemplo, que a coisa ficou pesada, em 1964, 1965, 1968, né, o Romano era o nosso Gerente Geral, ele, ao invés de sair num carrão e tal; ele, às vezes, saía sem terno, sabe, disfarçado, assim. Era um Gordine. [risos] Saía por outra porta, sabe? Porque era perigoso. Porque chegou naquela época a Rhodia começou a ter alguns problemas, sabe, com o pessoal.
P/1 – Que tipo?
R – Tipo assim, de relações com sindicato, que ficaram mais tensas as relações. Porque a Rhodia, ela era um laboratório que antecipava as conquistas sindicais, sabe? Quando o pessoal estava falando em receber todo mês, a Rhodia já estava dando o 13º. Já dava, sabe? Quando veio o 13º, a Rhodia passou a dar o 14º. A Rhodia tinha uma situação, assim, de mercado, que não tinha problema financeiro nenhum. A Rhodia tinha lucros fantásticos. A parte Têxtil era a dona do mercado.
P/2 – Mas e a Farmacêutica?
R – A Farmacêutica era uma das maiores, tinha esse grupo, assim, como eu disse. Era um laboratório de elite na época.
P/2 – Mas financeiramente, o que é que representava?
R – Representava muito pouco, por exemplo, 10%. E hoje não deve representar muito mais também, né, porque a têxtil... Talvez represente mais hoje, não sei se 20%, tal, né? Porque a têxtil era muito forte. A têxtil fazia acho que 50% de todos os fios consumidos no Brasil. E o Gerente de Propaganda lá era o Lívio Rangan, sabe, que é o homem que fez a FENIT [Feira Nacional da Indústria Têxtil], entendeu? Fez a FENIT porque a Rhodia precisava disso. Depois fez a... Falou: “Precisamos de revista”. Ele criou a Revista Cláudia, depois criou a Revista Desfile, sabe? “Olha, precisamos de shows, precisamos fazer uns cantores.” Criou o Caetano Veloso, criou o Gilberto Gil... trabalharam com ele. Aí: “Olha, precisamos de um conjunto.” Contratou um conjunto de Niterói, do Sérgio Mendes. Eram contratados! Iam pra lá, pra cá, pra cá... eles iam pra tocar nos shows. E a profissão de modelo, ele que contratou as primeiros modelos profissionais do Brasil. E criou a FENIT que existe até hoje. Então, a Rhodia Farmacêutica era pequena, mas era o início. A Rhodia começou com a Farmacêutica.
P/2 – Era o centro de excelência, né?
R – Depois que ela diversificou, foi diversificando na França e foi diversificando aqui.
P/1 – Ela começou, então...
R – Começou fabricando sais, como eles chamavam, né? Aqueles medicamentos antigos, e importando os medicamentos. E a Rhodia tinha grandes... o doutor Simões tinha guardado uma porção desses frascos, os primeiros frascos. Um certo dia, não sei quem precisou de espaço lá na biblioteca, estavam todos guardados lá nas gavetas, e jogaram tudo fora. Eu achei aquilo um absurdo.
P/2 – Mas vamos voltar então.
P/1 – Pro desenvolvimento do trabalho.
R – A gente... então você estava num ambiente...
P/2 – O senhor estava lá no setor de propaganda...
R – De propaganda.
P/1 – O senhor estava descrevendo como é que era o espaço físico, tudo...
R – Sabe que aí, com o tempo, parece que uns sete anos depois, eu senti que eu precisava: “Puxa, minha formação é um pouco fraca pra cá. Eu sou um camarada do interior...”
P/1 – Mas isso depois de sete anos?
R – Com menos, uns sete anos, assim... Não, houve uma época...
P/2 – O senhor tinha se formado, fez a graduação em Farmácia...
P/1 – Então o senhor trabalhou como Redator Científico e depois...
R – Depois, aí eu senti... Eu comecei a dar aula também no Colégio Américo Brasiliense, de Química, à noite.
P/2 – Lá em Santo André?
R – Lá em Santo André. Mas depois... no começo eu achava que o meu salário era excelente e tal, mas logo eu percebi que não era lá essas coisas. Mas eles foram melhorando. Mas a Rhodia, ela era muito, assim, tradicional, sabe? Quer dizer, ninguém fazia uma carreira do dia pro outro, mas também ninguém caía em desgraça rapidamente. Tinha uma estabilidade, sabe? Então as pessoas se sentiam estáveis lá dentro. Então houve um momento que eu pensei até em voltar pra Minas, que eu tive um... que eu era professor de Química à noite, aí eu fiz concurso, regularizei minha situação e um colégio lá queria me levar.
P/2 – Era um colégio de Estado?
R – É, de Estado, é. Instituto de Educação Américo Brasiliense aqui. E o outro colégio lá de Minas também queria me levar. Aí eu cheguei a falar com o _____: “Olha, eu acho que eu vou ter que ir embora e tal.” Aí eles me deram uma melhorada, sabe, pra eu não... [risos] Aí eu fiquei. Depois o seu Valentim, já chegou na hora da aposentadoria dele, e eu senti isso. Aí eu falei: “É melhor eu me preparar um pouco pra isso.” E entrei aqui numa escola de propaganda, que hoje é a ESPM, Escola Superior de Propaganda e Marketing. Na época era Escola de Propaganda, e era no Museu de Artes de São Paulo, que o Pietro Maria Bardi tinha criado, porque ele achava que propaganda era uma forma de arte. E lá eu comecei... Eu fui aluno do Roberto Duailibi, da DPZ, né, que não tinha DPZ ainda. E eu comecei a me interessar por aquilo e tal. Aliás, eu fui bem nessa Escola. Até eu tenho impressão...
P/2 – Mas o senhor foi fazer graduação ou pós?
R – Graduação. Graduação, porque eu era farmacêutico, aí abriram esse curso, era um curso, não sei, de dois anos, me parece, na época. Tem até um caso engraçado, né? Que saiu o resultado do exame e eu a um amigo pra ele ver ele falou: “Eu acho que você não passou.” Eu falei: “Mas eu fui tão bem nessa coisa, né? Dá uma olhada melhor.” Aí ele foi lá: “Puxa vida, você passou em primeiro lugar. É porque a lista era grande...” [risos] Eu falei: “Puxa, que maravilha!” Eu só perdi uma pergunta, eu tinha respondido todas, não é? Tive até sorte, porque caíram umas perguntas assim, de Química, que eu sabia, né?
P/1 – De Química, perguntava?
R – De Química. Perguntava qual é a diferença do aço com o ferro, sabe? Eu falei: “Não, porque...” Aquela eu acho que ninguém matou, e eu matei. [risos] Que tinha que pôr um pouco de manganês, ou de magnésio... Manganês, né? Tinha 1% lá, uma coisa assim, né, de manganês. Aí eu entrei e gostei muito, eu morava em Santo André na época, né, e eu vinha toda noite pra cá, sabe?
P/2 – Mas aí a Rhodia, também você podia sair mais cedo do horário lá...
R – A Rhodia facilitava.
P/2 – Facilitou?
R – Facilitava, mas eu acho que não havia necessidade. Não havia necessidade porque a aula começava 8:00, 8:30, né? A Rhodia naquela época terminava o expediente às 5:30. Era cedo, né? Aí eu fiz esse curso e tal... aí, quando o Valentim saiu, trabalhava eu e o João (Fornieiro ?), com o Valentim. Aí eu falei: “Puxa, um dos dois vai ficar no lugar dele, né?” Aí quando o Valentim saiu eles me puseram no lugar do Valentim, mas criaram um cargo pro (Fornieiro ?), um outro, entendeu? [risos]
P/1 – ________ brasileiro.
R – Exatamente. Os dois continuaram iguais, mas os dois pra cima. E eu passei a ser o Chefe de Propaganda, o Gerente de Propaganda da Rhodia. E aí eu fiquei muitos anos.
P/1 – Na época, o que evoluiu dentro da propaganda? Que era a propaganda basicamente médica?
R – Era só propaganda. É, não tinha essa coisa de Gerência de Produto, isso não existia. Mas eu sempre estava de olho, né? Mas estava de olho: “O que é que está acontecendo?” Eu lia, né?
P/1 – Quais eram os principais produtos que o senhor trabalhava nesse período?
R – Olha, na época era o Amplictil, era o Fenergan e tinha outros produtos, assim, muitos tradicionais, que era o Gardenal. O Gardenal era um produto barato mas que vendia em grande quantidade, né? Mas aí, veja só, um dos laboratório americanos estava criando esse negócio de Gerência de Produto. Eu falei: “O que é que é isso, o que é que é isso, tal, né?” Aí falaram que era um homem especialista num grupo de produtos e que era um homem que tinha responsabilidade, mas que não tinha autoridade. [risos] Tinha umas piadas até, né, que ele tinha autoridade para propor. [risos]
P/1 – Embora não para decidir.
R – Não pra decidir. Porque o Gerente de Produto, ele trabalhava com o Gerente de Marketing. O Gerente de Marketing que decidia, né? Hoje em dia parece que o Gerente de Produto decide mais. Mas eu comecei a me interessar por isso e por Marketing, tal, né? E aí fui fazer Propaganda... Aí eu resolvi fazer um cursinho na Fundação Getúlio Vargas. [risos] Aí eu falei: “Agora eu preciso aprender um pouquinho de mercado e tal.” E eu fiz parte do primeiro curso de Administração de Marketing da Fundação Getúlio Vargas, aí na Nove de Julho, né? E aí eu fui me credenciando, sabe, para os novos tempos. Uns tempos depois eu passei a Gerente de Marketing.
P/2 – Mas como Gerente de Propaganda o que é que o senhor tinha que fazer especificamente? Era uma comunicação para os médicos...
R – Era eu que redigia as literaturas, como se falava, né? No começo. Depois a coisa foi evoluindo e começou a chegar aqui no Brasil as pesquisas de mercado, que era a época do Marketing mesmo, né? Aí já era a década de 70, fim da década de 70, né? E 80, né? Então, aí, pra gente fazer uma peça a gente estudava profundamente a concorrência, sabe? Procurava uma qualidade diferencial e tal, né? E insistia ali. E sempre procurando fazer de uma forma, assim, pelo menos a Rhodia...
P/2 – Como é que era o Rhodine, que o senhor estava falando?
R – O Rhodine era um ácito acetil salicílico, não é? Não sei se era puro ou se tinha alguma coisa. Estava no finalzinho, me parece que estava saindo. Mas eu me lembro que lá tinha uma escultura de gesso que era o símbolo da Rhodine e que a Rhodia colocava nos hospitais. Colocava e... pedindo silêncio, não é? Então ela sempre tinha um... era assim com o dedo. Então, o que eu lembro do Rhodine mesmo foi isso. Era dessa escultura, dessa imagem, né, que a gente tinha lá. Tinha duas dela. Eu guardava essas coisas.
P/2 – E do programa Peneira Rhodine?
R – Isso foi anterior. Era um programa de rádio, né?
P/2 – Foi bem antes, né? Era de rádio.
R – Era de rádio, é.
P/2 – O senhor não estava lá ainda?
R – Não, não estava. Quando eu cheguei lá a Rhodia era um laboratório que só trabalhava com médico, sabe? Eu não sei porque. Veio uma orientação, ou foi uma orientação do doutor Simões... a gente só trabalhava com médico.
P/1 – Não fazia marketing institucional.
R – Não fazia de jeito nenhum. Era a coisa mais, assim...
P/1 – E o trabalho com o médico, qual era o trabalho que era feito com o médico?
R – Olha, nós preparamos... Aí, veja só, quando eu virei chefe do setor de marketing, que hoje todo mundo chama de Gerente de Marketing, aí a gente tinha, além da propaganda, que ficou primeiro o Ari Vieira de Almeida, depois o Abreu – o Abreu está lá até hoje, né?
P/2 – Trabalha.
R – É, o Abreu trabalhou comigo. Foi em que nomeei ele pro cargo. [risos]
P/1 – Pro cargo de…?
R – De propaganda, é.
P/1 – E o senhor se transformou, vamos dizer, no Diretor Geral do Departamento?
R – Não, Gerente de Marketing, porque a Rhodia reservava o título de Diretor, assim, pra uma escala muito alta, né? Sempre a Rhodia era... quando lá fora era Gerente, na Rhodia era Chefe; quando lá fora era Diretor, na Rhodia era Gerente, sabe? Ela sempre... Superintendente, não existia isso lá, né, essas coisas. Então o Ari era o homem que dirigiu duas publicações da Rhodia, importantíssimas: Publicações Médicas e Publicações Farmacêuticas. Aliás, dirigiu não, ele redigia, porque o Diretor era o Miguel Sanches Ruiz, que era o Gerente Geral, assim, de Relações Públicas. Essas revistas eram ótimas revistas, sabe? E eram feitas exclusivamente pela Rhodia, e com propaganda de Rhodine, essas coisas. Só da Rhodia.
P/1 – Qual o nome delas?
R - Publicações Médicas e Publicações Farmacêuticas. O Ari era uma pessoa que redigia muito bem. E depois, como ele passou a ser meu assessor, ele sempre lia tudo que eu escrevia, sabe? Ele sempre lia, sugeria: “Olha, aqui o senhor podia...” Pouca coisa, mas tudo que ele falava a gente podia...
P/2 – Mas o que é que representava, assim, essas Publicações Médicas e Publicações Farmacêuticas. Era uma coisa que era pra ser de comunicação interna?
R – Não, pra classe médica.
P/2 – Era pra comunidade inteira?
R – É, pra Farmácia e pra Medicina.
P/2 – Era uma coisa de ponta pro segmento médico e farmacêutico?
R – De ponta, exatamente. E era tradicional, sabe? Ela não mudava muito. E na França eles tinham uma revista chamada Médecine de France, que era uma revista médica e cultural, que era uma das grandes revistas culturais da França, sabe? Eu tinha a coleção completa dela lá. E aí, por tradição, a Rhodia fazia aqui Publicações Médicas e Publicações Farmacêuticas. A Médecine de France era algo, assim, extraordinário, sabe? Era a cultura francesa, não é?
P/1 – Na parte de propaganda tinha essa publicação e tinha um material de literatura, que era?
R – Literatura. A gente redigia esse material. O Coronel Benedito Bruno da Silva era um grande colaborador. E os médicos também. O Penildon Silva, a gente mandava pra eles, pra eles verem se estava ok, né?
P/1 – Agora, tinha uma preocupação gráfica com esse material?
R – Tinha, tinha. Veja, eu acho que aí eu era a pessoa que tinha mais essa preocupação, sabe, pela minha formação, desde aquelas coisas do desenho do gibi, né, que eu ficava procurando: “Por que é que esse é assim, esse, aquele...”; e também porque eu estudei na Escola de Propaganda. E aí eu passei a trabalhar na biblioteca e eu tinha um certo tempo, sabe? Então eu comecei a ver muito a revista (Graphos?), que não sei quem me falou, acho que foi o Ziraldo, que era meu amigo, é meu amigo, trabalhamos juntos.
P/2 – E ele chegou a ser colaborador, né? Tem uns desenhos dele no ___________.
R – Colaborou conosco, é. E foi por meu intermédio também. Eu fui procurá-lo e tal, e ficamos amigos, até hoje. E aí ele falou: “Olha, o (Graphos?) é uma grande revista.” Ou “grafí”, né, como eles falam lá, né ? E eu lia... Eu acho que eu aprendi a ver através dessa revista, porque durante uns cinco, dez anos, eu via essa revista duas horas por dia, sabe? Eu ficava vendo, aquilo me agradava.
P/1 – Mas o senhor, durante o trabalho saía _________?
R – Eu ________, eu tinha tempo, sabe? Não é hoje, sabe como é essas pressões malucas, né? Que eu chegava na hora, eles eram rigorosos no horário... Chegava na hora, saía na hora, às vezes ficava um pouco mais de tempo. Eu trabalhava dentro da biblioteca porque eu tinha a coleção completa do (Graphos?), né? Eu ficava vendo, vendo... A coleção era de revistas mensais, e no ano saía um anuário, em dezembro, né? Aí eu comecei, comecei paralelamente a me interessar por artes visuais, por causa da propaganda e tal... Eu comecei a abandonar literatura e... artes visuais. E comecei a escrever sobre artes visuais, já naquela página que nós fizemos no New Seller. Então (Graphos?) foi importante. E outra coisa, o Lívio Rangan saiu da Divisão Têxtil num determinado momento e criou uma agência chamada Gang Propaganda, que foi uma agência que marcou época aqui em São Paulo, uma agência de muito bom gosto. O Lívio era um homem extraordinário, um homem elegante, cabeça maravilhosa, e poderoso. Criava uma FENIT: “Vamos criar, vamos fazer um cruzeiro aí pra fotografar em alto mar, ou vamos fotografar na Grécia...” Era assim: “Faz equipe.” “Quantas pessoas?” “30 pessoas, tal, freta um avião, não sei o quê e vamos embora.”
P/1 – Era assim?
R – Era assim.
P/1 – Mesmo na Rhodia Farma?
R – Não, ele era da Têxtil. Mas aí houve um momento, eu não sei porque, eu não sei se ele era poderoso demais, alguém... Ele acabou saindo e criou a Gang. Mas nós também, por uma... Não sei porque, por alguma recomendação, né, nós fomos trabalhar com a Gang. Alguma coisa lá da Diretoria, que deram... E nós fomos trabalhar na Gang, e a Gang trabalhou muito bem.
P/2 – A Gang fazia uma prestação de serviços para alguns produtos da Rhodia?
R – Para a Rhodia. Rhodia Farmacêutica e Química. Pra Têxtil não, e ele era da Têxtil, entendeu? [risos]
P/2 – Mas especificamente pra Farma fazia o quê?
R – Fazia a produção gráfica.
P/2 – Mas do que? Do material que se divulgava?
R – Material, é. De folhetos, folders... que se chamava... o francês chama de dépliant, né? [risos]
P/2 – E a embalagem do remédio, a embalagem do produto?
R – Olha, veja só, a Rhodia tinha uma embalagem muito tradicional. Aí eu acho que eu tenho uma coisa nova pra dizer também. Aí eu, com aquelas minhas idéias e tal...
P/2 – Ela tinha até...
R – Ela era muito tradicional, a caixa impressa três ou quatro cores, assim, fundo meio prateado, não sei o quê, né? Meio cinza, aquela coisa caprichada, feita na (nicoline?), né? E aí eu estava na Escola de Propaganda lendo tudo, eu estava disparado. Como a Rhodia começou a desenvolver, o pessoal começou a me ouvir um pouco. Aí eu peguei e um dia fui ver uma feira de embalagens, uma coisa aí de artes gráficas, e vi umas caixas de embalagem que eu achei muito interessante. Eu falei: “Puxa, essa caixa aqui – não sei se era da Lorezini – essa caixa é muito boa.” Pesquisei, e lá no lugar: “Quem é que fez essa caixa pra vocês?” Aí ele falou: “Olha, foi um pessoal aí da Alameda Casa Branca, chamada Francesc Petit.” [risos] Eu fui lá, fui atrás, né? Francês Petit era sócio do José Zaragoza, era só os dois. Tinha uma feira chamada Metro Três, era só mais fotografia e embalagem. E aí eu falei: “Olha, eu queira estudar uma embalagem com vocês.” E aí ele falou: “Ah, legal, legal.” Volta e meia: “Ah, eu estudo na Escola de Propaganda.” “Nós estamos nos associando com Roberto Duailibi. Nós vamos formar uma empresa chamada DPZ.” Aí, eu comecei a trabalhar com a Metro Três e terminei com a DPZ, aquele estudo. [risos] Porque estavam fundindo. E ele falou: “Olha, nós vamos...”
P/1 – Mas eles nessa época eram pequenos?
R – Era um sobradinho ali na Casa Branca, mas aí eles estavam mudando pra Rua Colômbia, pra uma casa. [risos] Uma casa melhor e tal, né? Na Rua Colômbia. Aí nós fomos... E eles gostaram de trabalhar comigo, sabe? E dispararam! Fizeram um estudo! Mas assim, uma coisa mais revolucionária e utópica! [risos]
P/2 – Mas era pra algum remédio específico?
R – Pra algum remédio. Sabe qual era a idéia que eu tive na época? Acabar com os nomes dos remédios e pôr número. Sabe, nós trabalhamos com essa utopia. E eles fizeram um negócio, que eu tenho os cromos, que eu acho que era uma das coisas mais avançadas de indústria que podia existir.
P/1 – O senhor tem os cromos?
R – Eu tenho os cromos. Mas era uma coisa tão assim... E eu estava embalado, sabe? E eles também. Estavam criando uma agência e queriam mostrar criatividade, né? A gente ia lá, tomava... Até o copo de Coca-cola deles era garrafa cerrada, era tudo diferente. [risos] E o Petit ficou entusiasmado, e trabalhou e fez um estudo, e a linha pediátrica. A linha pediátrica era maravilhosa.
P/2 – Mas era de um produto específico ou era pra todos?
R – Toda a linha. Era utópico! Mas tinha coisa aproveitada ali.
P/2 – E como é que era, por exemplo, da....
R – Olha, primeiro, eu vou mostrar as embalagens... Mas, sabe, a coisa era assim, era um número desse tamanho assim, sabe? Aqui: “Rhodia”. O Rhodia era grande, porque eles achavam que Rhodia era uma marca forte. E aqui um número. Aqui era vermelho, aqui era amarelo, aqui era azul, sabe? E nós fizemos uns testes de prateleira, você entrava você só via Rhodia. Desaparecia, não é? E na linha pediátrica, aí eu acho que foi o Petit e o Zaragoza, né, fez um estudo baseado no dominó, sabe? As embalagens você podia quase que jogar com elas, você desenhava na prateleira do jeito que você punha a embalagem. Na frente, atrás... Eu acho que foi um dos estudos de embalagens mais avançados, modéstia à parte, no Brasil e tal, mas não foi aceito pela Rhodia, porque era muito avançado. Primeiro porque eu estava solto demais, sabe? Valia a criatividade e a prática.
P/1 – Quer dizer, os senhor não precisava submeter isso a ninguém?
R – Ao Simões.
P/1 – E ele deixava?
R – Não, mas veja só. Aí eu levei o primeiro, ele tomou um susto! [risos] “Mas o que é que é isso?” Aí já começaram a pôr em dúvida se eu era uma pessoa equilibrada, não? [risos] E eu estava achando que eu estava cumprindo meu papel de criador e tal, né? [risos] Aí ele falou: “Olha, Enock, essa embalagem...” Chamaram o doutor Schuind, né, que era o chefão, assim, da Farmacêutica, era um suíço, né? O Schuind falou: “Sim, ela tem qualidades, mas não faz o perfil da Rhodia.”
P/2 – Porque até então as embalagens era o quê? Elas eram as mesmas, tais quais as da França, as francesas?
R – Não sei, acho que não eram, mas era uma embalagem muito tradicional e bonita. Ela era feita com quatro cores, parece. Era até um luxo fazer uma embalagem com tantas cores. Mas aí esse estudo: “Não, você vai ter que fazer de novo.” Achou que aquilo era um absurdo porque eu estava propondo acabar com os nomes dos produtos, e só a Rhodia ia ter isso. Eu queria assim, que ele chegasse lá: “Me dá o 5 da Rhodia. Me dá o 9 da Rhodia” E era utópico, realmente. Mas aí nós voltamos lá, eu voltei lá, falei com o Duailibi, que era a pessoa que tinha mais coisa comigo, né? E falei: “Olha, Duailibi, nós vamos ter que fazer uma nova embalagem, porque essa não passou.” “Mas por quê? É uma embalagem tão bonita e tal, né? É uma coisa revolucionária...” Aí eu falei: “Não deu.” Aí ele me explicou, ele falou: “Olha, Enock, nós tivemos muito trabalho com essa embalagem, nós pesquisamos, tá-tá-tá... A Rhodia vai ter que pagar esse projeto, porque nós não trabalhamos assim, nós trabalhamos por projeto. O que fazemos ganhamos.” Não é negócio de “aceita, paga, não aceita, não paga”, né? Aí eu fui lá com o doutor Simões, o senhor Valente e tal. O Valente foi falar com o Simões: “Então vamos pagar e a gente faz outra, né? Ele faz mais uma. Uma vez a gente paga.” Aí ele reduziu um pouco, amenizou, sabe? Aí era uma embalagem assim, que o Rhodia era sempre grande. Aí aparecia o Rhodia, pegava metade, assim, da caixa, sabe? E aqui aparecia o nome do produto, menor, sabe? Era uma coisa bonita. Porque na época eles eram muito criativos, e eles que faziam, né? Depois que vieram os Olivetti e tal, trabalhar com ele, né? Mas eles mesmo que faziam. E essa embalagem ficou mais suave e tal, mas a Rhodia não aceitou também.
P/2 – Mas o que é que se pensava nesse processo de criação, por exemplo?
R – Eu queria fazer uma coisa nova que diferenciasse a Rhodia dos demais, né?
P/2 – Mas era no sentido, tipo assim, enaltecer a marca? O que interessa é mais a marca do que o produto em si, na verdade?
R – É, eles achavam, assim, que a Rhodia era um nome forte, mais forte do que o nome Fenergan. Porque a Rhodia tinha toda a propaganda nas revistas e tal. Que a Rhodia era muito forte, né, naquela época. Na parte Têxtil, Nossa Senhora! Acho que a Rhodia não é nem um terço hoje do que era, um quarto, um quinto...
P/2 – Mas daí eles não aceitaram de novo?
R – Não aceitaram. Aí isso me esfriou um pouco, né? Eu guardei aqueles slides tão bonitos.
P/1 – E a parte da pediátrica, eles também não aceitaram?
R – A pediátrica era linda! Você sabe que... hoje eu fico pensando que ela seria, hoje, muito boa. Um dos melhores trabalhos que a DPZ fez naquele período. Isso há 20 anos!
P/1 – E eles não aceitaram a pediátrica?
R – Não aceitaram.
P/1 – Também acharam o quê da pediátrica?
R – Não, acharam que... aqui não tinha número mais. Acharam que... eles não tinham essa noção, sabe, de que a Rhodia era maior do que a Farmacêutica. Eles achavam que a Farmacêutica era maior que a Rhodia, sabe? Pra eles a Rhodia era menor, não é? Não, mas eles pensavam em termos mercadológicos, né, porque eles atendiam outras empresas. E eu falava: “Não, a Rhodia é uma marca muito forte. Vamos destacar a Rhodia.” E isso me esfriou e aí eu não fiz mais nada com eles.
P/2 – Com a DPZ?
R – Pagamos duas vezes, tudo. [risos]
P/1 – E eles eram caros?
R – Eu não me lembro, não sei.
P/2 – E os cromos que o senhor tem são esses?
R – São. Eles que fizeram.
P/1 – Mas o senhor tem esses estudos?
R – Tem todos. Claro que eu tenho todos, né? Quer dizer... ficou comigo porque aquilo... ficou porque eu tinha um interesse, assim, sabe?
P/1 – Quer dizer, eles também não quiseram pra eles, não?
R – Não, aquilo pra eles...
P/2 – Era o cotidiano de trabalho, né?
R – Foi uma coisa que não deu certo, né? Mas eu fiquei com essas idéias, sabe? Eu acho que foi uma das tentativas mais fortes, né?
P/2 – E a embalagem continuou sendo a mesma?
R – Continuou sendo a mesma. Depois mudou em função de uma lei que veio... ele mandou pôr uma faixa vermelha, faixa preta, né?
P/2 – Mas, então, isso que eu ia perguntar. Até antes dessa lei, quer dizer, já tinha, assim, uma lei que estabelecia o que é que deveria vir no remédio?
R – Tinha, mas era uma lei meio genérica.
P/2 – Então, se quisessem implantar, por termos legais poderia?
R – Poderia, poderia numa boa. Só a primeira, eu reconheço, era uma coisa muito avançada e utópica demais, acabar com nome e pôr número, porque aí só a Rhodia que ia ter isso. Mas você sabe que eu tentei outra coisa na Rhodia que também não deu? Porque a Rhodia era a mais tradicional. Uma vez eu tentei fazer um medicamento com vários sabores também. A Rhodia também não aceitou. Quando eu fui pra um outro laboratório eu fiz isso, eles aceitaram e foi um sucesso fantástico de mercado, né? Eu lancei um remédio com três sabores. E era pra criança, né?
[pausa]
R - Na Escola de Propaganda, veja só, eu era colega... Não, Fundação Getúlio Vargas. Eu era colega, sentava ao lado, assim, do Vice-Presidente da Kibon. Eu comecei a conversar com sabores pra ele, sabe? Aí eu falei com ele: “Olha, eu estou querendo lançar isso como remédio, mas será que é possível?” “Não, não tem nada que impeça, né?” Aí eu falei: “Eu vou lançar cereja, framboesa...”Aí ele, eu me lembro: “Cereja, negativo. Ninguém sabe o que é cereja no Nordeste. [risos] Você tem que lançar abacaxi.” Porque o nome do remédio era Panfugan, e eu queria pra fazer Cereja Panfugan, Chocolate, não sei o quê, né? “E Panfugan Abacaxi?” Porque abacaxi tem um sinônimo, né? E ele falou assim: “Não, tem que ser abacaxi, porque abacaxi é o número um.” Aí nós tivemos que pôr lá: “Panfugan sabor abacaxi.” Não era a mesma coisa, mas mesmo assim o remédio... Eu vou te contar, viu? Até hoje... Aí fomos lá em outro laboratório, que eles me agradecem até hoje, viu? Eu acho que vende dez vezes mais. E porque eu falei com eles: “Olha, nós vamos mudar o conceito da relação médico/paciente. O médico vai perguntar pra criança: ‘Olha, eu vou te passar um remédio, você quer com que sabor?’ Ele vai aceitar isso. E era uma coisa pra vermes, ele vai aceitar melhor o tratamento, a mãe vai gostar, não é?” E depois saíram várias coisas. Ah, e outra coisa, a lei não tinha nada contrária, e depois veio uma lei proibindo.
P/2 – É, como é que era a lei, daí?
R – A lei não falava nada, antes. Tanto que quando eu... Por que sabe o que é que aconteceu? Como eu estava na área do marketing, o pessoal da produção falava: “Olha, nós fizemos vários sabores. Faz um teste pra ver qual é que agrada mais.” Aí fizemos o teste, mas não tinha uma distinção muito forte por um ou outro sabor, né? Aí um dia eu estava deitado e pensei: “Porque é que eu não lanço os três?”[risos] Aí eu comecei a ver aquelas coisas que o professor lá falava, na Fundação Getúlio Vargas, que o marketing precisa atender as necessidades do consumir... Era o professor Richard... (Raymar Richard ?). Era um professor meio, assim, meio... Parecia que não era desse mundo, sabe? Mas ele falava coisas brilhantes. Uns dias ele dava aula sentado na mesa, mas como ele foi o fundador da Escola, todo mundo respeitava ele. Ele sentava na mesa e começava a falar, e eu falei: “Mas isso aqui corresponde ao que ele disse, que isso atende à necessidade do médico, atende à necessidade da criança, da mãe também e do laboratório que vai vender mais.” Primeiro, quando eles chegaram lá, eu percebi também o seguinte, chegavam na farmácia, e eles compram remédio por dúzia: “Olha, me dá uma dúzia desse, meia dúzia desse...” Quando chegou com três remédios já vendeu mais na dúzia. Ele comprava assim, vamos supor: “Uma dúzia e uma dúzia.” Aí ele foi lá e falou: “Me dá meia dúzia de cada.” Já vendeu 50% a mais. [risos] Depois foi vendendo mais, não é? Essa foi a utopia que deu certo. Essa foi a que não deu certo, mas que está até hoje... Acho que é um caso pra ser estudado, sabe? Faz parte um pouco da minha história pessoal, o que era a minha coisa de ser um Gerente de Marketing, de Propaganda, original. E até hoje. Sabe, eu saí um pouco disso aí, mas até hoje o pessoal lembra um pouco das coisas que eu fazia. E alguns lembram como alguém que procurava uma coisa original. Porque até hoje, apesar de internet, de televisão e tudo, a propaganda médica é feita quase que do mesmo jeito. Gente!
P/1 – Em termos da propaganda médica, o senhor pensou alguma coisa também, pra mudar o tipo...
R – Foi isso, sabe? Mudar... por exemplo, eliminar o propagandista, ninguém...
P/1 – Mexe nisso?
R – Mexe nisso, sabe? É um tabu. Eles acham que é fundamental, mesmo considerando que propagandista antigamente não... Há 100 anos, quando não tinha carro e quando não tinha avião e, sei lá, esses progressos todos, é o mesmo jeito. Quando não tinha televisão! Agora tem televisão, tem computador, tem internet, né? Eu não sei como é que, se alguém está fazendo alguma coisa hoje, mas sempre que falava nisso era um tabu, o propagandista. Eu cheguei a pensar, sabe, em mandar amostras pelo correio.
P/1 – Para os médicos?
R – Para os médicos. E um laboratório e eu cheguei até, indiretamente, porque depois eu participei uma vez de uma empresa que era de computação, que fazia mala direta e tal, né? E o laboratório Pfizer chegou a fazer, mas depois me parece que parou também. Agora, sabe o que eu senti? O seguinte, que a relação do propagandista com o médico era muito difícil, sabe? O médico era muito ocupado, considerado num pedestal danado, e o propagandista aquele sujeito... sabe? Chegava lá: “Oi, doutor, como é que vai?” Nem que tinha personalidade, nem que tinha nome. Ele falava: “Doutor, Rhodia...” Sabe, o nome do propagandista era o nome do laboratório: “A Rhodia visitando o senhor de novo e tal, né?” E o médico: “Sim, o que é que você tem aí? Com licença que eu estou com pressa. Entra o próximo.” Aí eu falei: “Como é que eu melhoro isso?” Aí eu acho que eu fiz alguma coisinha também, que hoje é comum mas naquela época não era. O não tampo, sabe? E eu conversando um dia com o Ziraldo e o Ziraldo falou assim: “Vamos estudar um jeito, vamos encontrar um negócio...” Na verdade a solução não veio dele, mas eu conversei isso com ele. Ele falou assim, e ele teve essa expressão: “Vamos inventar um negócio pra substituir o mata-borrão.” Porque antigamente o laboratório só levava mata-borrão pro médico, porque antigamente a caneta era de tinta, né? E ele fazia a receita e depois tinha que passar o mata-borrão. [risos] Quando eu cheguei na Rhodia as propagandas do Vitaminer eram tudo mata-borrão. [risos] Ele fazia uma propaganda no mata-borrão, né, você deixava aqui na mesa e o médico a tal da receita, e entregava a receita pro paciente.
P/1 – Qual era mesmo, esse?
R – Era um mata-borrão num papel. Era um cartoon, o mata-borrão era um papel grosso, né? Você escreve e depois, se você passar a mão, assim, vai manchar, né? Aí ele pega o mata-borrão: “Agora nós vamos chupar o excesso de tinta.” Aí ele dá a receita pro paciente. Aí eu achei interessante isso do Ziraldo: “Vamos inventar um negócio pra substituir o mata-borrão, né?” E a gente começou a pensar, mas entre essas coisas eu imaginei o seguinte, nas bancas, sabe, eu estava vendo que estava surgindo um novo produto da Editora Abril, estava lançando umas coisas em fascículos. Sabe, lançamos a Enciclopédia Conhecer.
P/1 – Que ano mais ou menos é isso?
R – Ah, eu não me lembro, década de 1980... É ver quando foi porque eu vi isso, né, porque eu olhava. Eu acho que a minha diferença era essa, que eu ficava procurando soluções fora da indústria, quando na indústria era um lugar de cópia permanente, um copiava o outro, e quando um copia o outro não há avanço, não é? E eu falei assim: “Eu vou começar a fazer fascículo, sabe?” Eram dois fascículos, era o Conhecer Enciclopédia, e um negócio chamado Bom Apetite. É prato...[risos] Eu falei: “Eu vou fazer isso.” E aí a Rhodia estava lançando o Profenid. E um produto que chama... pra pediatria... Levitan, e outras coisas, né? Aí eu fui procurar, primeiro, foi a pediatria, nós fomos procurar um professor aqui da Universidade de São Paulo, o Professor Eduardo Marcondes, no Instituto da Criança, que tinha sido criado, eu falei: “Professor, o senhor tem um livro que é um livro que todo mundo usa pra estudar pediatria. Eu queria fazer uma coisa mais ou menos simplificada, em fascículos, né?” E o Marcondes falou: “Eu acho a idéia formidável! Mas um negócio não para o pediatra, né? Pro clínico geral, porque o pediatra já sabe essas coisas, quer dizer, o B-A-BA tem que ser pro clínico geral.” Eu falei: “Não tem problema, eu dou pro pediatra e dou pro clínico geral, porque o clínico, no interior, atende criança também, né?” Aí fizemos Conhecimentos Básicos de Pediatria. Aí ele pegou o livro dele, que era assim, e reduziu em dez capítulos. E um dia ele falou comigo: “Enock, sabe de uma coisa? 80% da pediatria está aqui dentro, porque pra criança, a maior parte dos problemas da criança é boca, nariz e ouvido. [risos] Essa parte está coberta aqui.” E ele fez um livrinho que saiu uma produção gráfica fantástica, sabe? Na época o Diretor de Arte da Gang era o Licínio de Almeida, era um homem bacana, sabe? Licínio de Almeida. Ele tinha sido Diretor de Arte da _______________ por 25 anos, da Standard, e juntou com o Lívio pra fundar a Gang.
P/2 – E o senhor tem esse material?
R – Tenho, tenho.
P/2 – A gente vai ter que marcar um outro encontro, porque o que o senhor tem de material! Eu estou até anotando aqui.
R – Conhecimentos Básicos de Pediatria. Com esse livro... Esse livro ajudou a Gang... porque a Gang estava surgindo, entendeu? E a gente estava entrando numa fase de modernização da nossa coisa. Esse ganhou o Prêmio Colunistas de melhor peça avulsa do Brasil.
P/1 – E então foi a produção desses fascículos pra dar poderio....
R – Exatamente.
P/2 – Ele ganhou um prêmio?
R – É, o grande prêmio da propaganda brasileira, né, de peça avulsa, naquele ano.
P/1 – Quer dizer, mas era pra enviar pro...
R – Pro médico.
P/1 – De presente? E enviava em fascículos?
R – Exatamente. Quando ele chegava o médico perguntava: “Você já trouxe meu fascículo?” Porque quando você tem uma coleção você não fica com medo de perder o próximo? [risos]
P/1 – Até recebia diferente o propagandista.
R – Recebia diferente. Aí, levando em consideração essa idéia e a produção gráfica do livrinho que pra época era muito bacaninha, nós ganhamos, a Gang, a agência e o cliente, né, ganhamos a medalha de ouro do Prêmio Colunistas para peça avulsa. E isso foi capa da revista Propaganda, sabe, que na época era uma revista mais volumosa, tal, do (Ferretine ?), né? E a entrega foi no Anhembi, num negócio assim, de 3500 pessoas. Que o Prêmio Colunistas era muito importante naquela época, hoje eu não sei como é que... e a Gang foi a agência do ano, sabe? Quer dizer, isso ajudou, porque isso somava ponto pra Gang, né? Somava ponto. Nessa época também, olha, com algumas ilustrações que saíram nisso, feitas com o Ziraldo.
P/1 – O Ziraldo fazia as ilustrações?
R – É.
P/2 – Ah, eu vi, tinha uma que era um elefante.
R – Ah, aquele elefantinho era bárbaro!
P/2 – E o outro um elefante com fralda.
R – É, exatamente. Aquele elefante maior, que foi em 1960.
P/1 – Qual é que era o remédio?
R – Era Dieterol. Aí, esse saiu nesse fascículo, esse. Aí saiu avulso também essa peça. Engraçado, né , essas coisas estão tão... mas estão saindo. Tem tanto tempo isso, mas está saindo como se fosse hoje, né? [risos] Tenho um certo entusiasmo, né, de falar dessas coisas. Mas o elefantinho foi uma peça que fez muito sucesso. Que o Ziraldo trabalha muito à noite, e um dia o Ziraldo me ligou de madrugada: “Enock!” Eu pensei: “O que é que houve, Ziraldo, alguma coisa?” Ele falou assim: “Nosso elefantinho vai sair no (Graphos ?).” Eu falei assim: “No (Graphos?)? Por que é que você acha?” Ele falou: “Saiu no anúncio do anuário, saiu no anúncio do anuário.” Tanto que quando ele publicou o livro dele, nesse elefantinho ele põe uma nota, eu não se vocês já viram, ele fala assim: “Esse é o meu diploma de artista gráfico, porque ele saiu anunciando a mais importante...”
P/2 – Isso tá no livro do Ziraldo?
R - Tá no livro do Ziraldo.
P/2 – Qual livro?
R – É o livro dele, chama Ziraldo.
P/2 – Ah, o Ziraldo, mesmo.
R – Editado no Rio, pela...
P/2 – É da Rocco, não é?
R – Não, é um livro daqueles grandes editado pela Salamandra. E lá fala: “Esse é meu diploma de artista gráfico, porque anunciou a edição da mais importante publicação mundial de propaganda.” Quer dizer, ali eles publicam umas 300 ilustrações, o melhor do ano. E usou o elefantinho pra anunciar aquilo.
P/2 – E o pediátrico era o elefantinho com fralda.
R – É, que veio depois. Aquela peça era tão interessante, viu, que quando chegou na agência a peça sumiu. E o Lívio falou: “Olha, Enock, nós vamos pagar à Rhodia o que a Rhodia pagou e tal. Mas o fato é que esse elefantinho não voltou, não sei onde ele está.”
P/1 – Ah, é?
R – É. [risos]
P/1 – Alguém levou, né?
R – E o Lívio falou: “Eu pago, eu pago o que você quiser, porque não quero ter problema com a Rhodia mas o elefantinho desapareceu do fotolito, sabe? Não voltou, o elefantinho. Mas saiu anunciando o anuário, acho que foi de 75, não sei.
P/2 – Nesse período tinha o Rhodia Jornal, que era produzido pelo Departamento também?
R – Pela Propaganda, eu que fazia o Rhodia Jornal. Eu que fazia.
P/1 – E essa idéia de ter um jornal, também era uma coisa comum?
P/2 – Qual é que era a finalidade?
R – Era reunir, divulgar as notícias... era um jornal com tiragem muito pequena, porque era mais para os vendedores, pra integrar os vendedores, porque os vendedores ficavam muito espalhados, né? E era integrar, melhorar a comunicação, né?
P/1 – Quer dizer, toda a sua experiência de secundarista, tudo, o senhor...
R – Tudo caiu aí. Você sabe que no fim eu fui deixando a propaganda, sabe? Porque eu gosto demais de arte, mesmo, né? Mas eu acho que eu trabalhei muito com propaganda. E, fazendo hoje... uma coisa que eu nem me lembrava mais, estou lembrando porque vocês estão aqui, mas fazendo... alguém já disse mesmo que se alguém escrever a história da propaganda farmacêutica, vai ter que falar de certas coisa. E de algumas, como essa embalagem, ninguém sabe, porque ficou uma coisa interna, né? Mas eu passo pra vocês.
P/1 – Ah, mas nós vamos nos encarregar de __________, com certeza.
P/2 – É, e eu acho que, principalmente quando está falando da história da Rhodia, tem uma interface muito grande com a história da propaganda, né?
R – Pois é. Não, isso aqui eu acho que era alguém... e depois, fotos boas, né? Fotos feitas pela DPZ, feita em farmácia e tal. São coisas que eu acho que pertencem à história dessa época, né? Agora, era absolutamente fora do contexto, né? [risos]
P/2 – Mas esse Rhodia Jornal, quer dizer, era um órgão de comunicação interna...
R – Era um órgão tradicional, bem feitinho...
P/2 – Mas era um órgão de comunicação interna?
R – De comunicação interna, é. Tiragem baixíssima.
P/2 – Super bem feito.
R – Era bem feitinho. Depois eu tenho os exemplares.
P/2 – O senhor tem alguns?
R – Tenho, tenho.
P/1 – E o Rhodia Atualidades, que eu vi a Revista, esse nós só encontramos três exemplares. Qual foi a tiragem dela?
R – Eu tenho dois. Puxa vida! O Rhodia Atualidades era uma revista da Rhodia inteira, o Rhodia Jornal era só da Farmacêutica. E a Rhodia Atualidades era uma revistinha, né? Era inclusive... Ela continuou muito na época do Seráfico. Vocês já ouviram falar nesse nome?
P/2 – Já.
P/1 – Já fomos lá.
R – Foi lá, né? É, o Seráfico... [risos] O Seráfico tocou essa...
P/1 – _____________________?
R – Lá na Bienal, né? Hoje ele é presidente lá, da...
P/1 – Ele está _______________.
R – Executiva, né? Ele tá na Executiva da Bienal. Então, o Luís Seráfico de Carvalho tocou essa parte, toda essa parte, fez livros... Mas, vocês sabem, essa minha ligação com arte é antiga, e foi uma coisa que foi crescendo, sabe? Mesmo quando eu fazia propaganda eu usei muito arte. Eu acho que em 1975, por aí, eu fiz uma série sobre o impressionismo.
P/1 – Mas como? O senhor fez uma série, assim...
R – Uma série de arte sobre os quadros impressionistas do Museu de Artes de São Paulo, contando a história da arte francesa do século passado, através do acervo do MASP.
P/2 – É um material que a gente encontrou na Rhodia.
R – Encontrou, né?
P/2 – Mas qual é que era o vínculo dele com a Rhodia?
R – Era o seguinte, a gente... Atrás eram três folhas, eu não sei se era original, atrás vinha uma propaganda. Aqui você falava de Monet, tal, depois vinha uma propagandinha sempre atrás ou num envelope... Eu preciso ver, né? O fato é que foi uma tiragem muito grande pra época. O Bardi mesmo falou.
P/1 – E isso teve uma recepção? Os médicos, por exemplo?
R – Os médicos adoravam! Adoravam! Tem gente que até hoje fala disso. Eu acho que a Rhodia cresceu um pouco por causa disso. Primeiro porque tinha bons produtos e um pouco também, porque eu acho que eu consegui, mais ou menos, identificar, primeiro a tradição, porque essa tradição de editar obras de arte é antiga na indústria farmacêutica. O mata-borrão e o quadro. Por que? Pra por no consultório, porque o médico lá do interior pegava aquilo e punha no consultório. Hoje a Revista Caras tá enchendo o Brasil de reproduções também, né? Desse tamanha assim, não é? Então eu fiz isso com uma tiragem de 50 mil exemplares. O (Baile ?) falou: “Não acredito, não acredito.” Eu falei: “É por causa da propaganda, né, professor?” [risos] Porque aqui no Brasil qualquer coisa pára em três mil exemplares. [risos] Eu lancei 50 mil. E depois, quando terminou, aí eu fiz uma edição que tiramos a propaganda. Vai ver que você viu essa.
P/2 – Eu vi a que tiraram porque não tinha.
R – Nós tiramos e fizemos lá, uns mil exemplares pra dar de brinde. Aí fizemos a capa inclusive. Você vê que coisa engraçada. Eu me identifiquei com algumas coisas boas que aconteceu na época. Eu fui atrás de uma capa bonita, também, que quem fazia era a Raízes, que foi a editora que fez grandes livros de artes, e que hoje está em decadência, né? Mas quem fez os grandes livros de artes no Brasil foi a Raízes. Era o ____________ Rocha, que tanto na Associação Paulista nós premiamos ele três vezes com prêmio de artes gráficas, depois paramos porque ele ganhou todas, né? Ficou dono da taça... E ele fazia uma caixinha, nós fomos lá ele fez uma caixinha maravilhosa, que aliás nem era ele que fazia, era o outro que fazia pra ele, mas ele era o único que sabia. [risos] Aquela caixinha com fita, gorgurão, não sei que, sabe? Impressa com impressora boa.
P/1 – E aí era pra dar de brinde também pra médico?
R – Olha, os médicos achavam a Rhodia bárbara, sabe, por causa disso.
P/1 – E o dinheiro o senhor tinha pra fazer? Não tinha essa coisa de “quanto vai custar?”
R – Tinha, sabe por que? Porque a Rhodia, você sabe, primeiro, a Rhodia vendia bem, tinha uma boa margem de lucro. Ela, a Rhodia não tinha,. não sei dizer, assim, se era um dos laboratórios que pagava melhor, mas estava na média, um pouco acima da média, né? Quer dizer, a Rhodia tinha margem. E vendia muito!
[pausa]
R – Não, eu falo com maior prazer essas coisas porque foi um período interessante da minha vida. Foi a minha vida, né? Durante 16 anos!
P/1 – Continuação com a entrevista com o senhor Enock Sacramento, 6 de Novembro de 1998, Projeto Rhodia Farma, fita número 2.
R – Aí eu sei que quando criaram o grupo GRUPEMEF – Grupo dos Profissionais Executivos do Mercado Farmacêutico, que é o grupo de pesquisadores de mercado da indústria farmacêutica, a gente estava no auge, sabe? Então nós estávamos no auge da produção publicitária, assim, fazendo as melhores coisas de todo o período. E a Rhodia teve um resultado em termos de receituário.
P/2 – Mas tinha um grupo...
R – O grupo ___________ isso, porque aí começaram...
P/2 – Mas era um grupo nacional?
R – Representantes dos próprios laboratórios. Cada laboratório criou um núcleo de pesquisa de mercado, né? Porque a coisa começou a ficar sofisticada, né? E as técnicas modernas e tal, né? E tinha gente que assinava, por exemplo, aqueles livros, sabia tudo. E o outro não sabia nada, ele levava vantagem. É o IMS, que é um troço internacional, com uma experiência de 50 países, chegava, assim, e dizia quem é o produto mais bem... que sai mais, onde que sai, tal, uma coisa fantástica, né? Porque a indústria farmacêutica tem o serviço mais fino de informações no mercado, entre todos os setores, sabe? Ela vai no detalhe. E aí esse pessoal começou a receber esses livros, todo mês chegava um livro assim, sabe?
P/1 – Os vendedores?
R – Não, aqui. Esses livros não iam para os vendedores, a gente só usava aquilo pra saber o que...
P/1 – Pra orientar?
R – Pra orientar, né? E aí, naquele ano eles falaram: “Bom, vamos ver qual é o laboratório que está indo melhor, está entendendo melhor o mercado.” E a Rhodia ganhou disparado.
P/2 – Que ano que foi?
R – Preciso ver. Eu posso ver, eu tenho as revistas lá.
P/2 – Ah, legal.
R – Eu tenho a revista do grupo Grupemef. Então a Rhodia foi o primeiro laboratório que ganhou a lupa de ouro.
P/1 – Lupa de ouro?
R – A lupa de ouro, é. E ela teve uma expansão, assim, acho que quase 20% de receituário quando o segundo estava muito menos. E isso, falando na revista, o grupo Grupemef está tudo lá. E na época eu era o Gerente de Marketing da Rhodia. Então isso... Mas isso é importante dizer. Isso, se por um lado foi bom, por outro eu acho que foi isso que acabou me tirando da Rhodia.
P/2 – Por que?
R – Aí porque começaram outros laboratórios a querer...
P/2 – Começou a ser assediado?
R – É, me levar. E aí, finalmente, apareceu um laboratório, que é a Bioquímica, que acabou me levando, assim, sabe?
P/1 – Tanto tempo...
R – Acho que eu não preciso contarem na história. [risos]
P/2 – Não, pode até contar, mas eu queria voltar um pouquinho no Rhodia Atualidades, qual é que foi a periodicidade, qual é que era a função?
R – O Rhodia Atualidades parece-me que saía a cada mês, eu não tenho muita certeza.
P/2 – Mas o senhor sabe quanto tempo durou?
R – Olha, ele deve ter durado...pelo menos dois anos durou, Rhodia Atualidades, é. E eu tenho alguma coisa, porque eu guardava quando saía alguma notícia da Divisão Farmacêutica em que eu estava envolvido, né?
P/2 – Mas quem é que editava? Era o senhor?
R – Era o Seráfico.
P/1 – Era o Seráfico?
R – Rhodia Atualidades era o Seráfico. Eu editava o Rhodia Jornal. Então era isso aí.
P/2 – E tinha, assim, alguma estratégia pra lançamento de produto? No seguinte sentido, alguns eram priorizados em detrimento dos outros? Assim, como é que era essa escolha?
R – Olha, antigamente, sabe o que a Rhodia lançava? O que ela descobria. Era esse o enfoque, porque não era o marketing de hoje, sabe, que o sujeito fica atrás de um produto, e fica vendo o que é que o mercado precisa, e vamos desenvolver isso, né? A Rhodia tinha sua linha de pesquisa, que era basicamente na área psiquiátrica, depois acabou descobrindo o produto que se revelou a grande descoberta, que chamava Flagyl, que era o metronidazol para corrimentos vaginais e tal, que foi um sucesso muito grande, porque era por via oral e podia ser tomado por mulheres virgens, essas coisas, né? E naquela época foi um dos maiores sucessos mundiais, e aqui no Brasil também foi. Contra a Trichomonas vaginalis. Esse produto eu participei do lançamento dele. Depois...
P/2 – E como é que foi o lançamento desse produto?
R – Foi tudo muito simples. Foi um dépliant, entendeu? E uma circular. Mas o produto era tão útil para a clínica ginecológica, que fez um sucesso imediato. E o produto era bom. Era bom. Até hoje, né, até hoje, os Estados Unidos, a classe médica americana pressionou o FDA pra licenciar o produto, porque os Estados Unidos seguravam há cinco anos, sabe, porque era um produto francês, não sei o quê, tal, né? Pressionaram pra lançar e parece que foi lançado lá em dois anos. Foi pressão da classe médica porque era muito bom. Depois veio o Profenid, que foi um produto excelente, também, pra inflamação. É, esse eu lancei também. Esse está até hoje ainda, né? É porque essa coisa de...
P/2 – Mas a divulgação, quer dizer, ela é basicamente para o que? Pra médicos?
R – Pra médicos, nós só trabalhávamos pra médicos.
P/2 – Não saía anúncio em revista de __________?
R – Saía em revista médica.
P/2 – Em revista médica? Especializada?
R – É, mas a Rhodia não era uma grande anunciante. Quem anunciava muito em revistas médicas eram os laboratórios americanos, sabe? Eles anunciavam. A nossa verba pra anúncio foi sempre pequena. Nós fazíamos a propaganda com amostra grátis, que amostra grátis era a pedra de toque. [risos] Eu acho que ainda é até hoje. A gente dava, e eu sempre questionava, até hoje eu não tenho uma solução pra isso, né?
P/1 – O senhor questionava essa idéia de...
R – Questionava, assim, que às vezes a gente dava muito pouca amostra, mas não podia dar mais.
P/1 – O senhor achava que tinha que dar mais? O que é que o senhor ________?
R – Eu achava que deviam dar um tratamento completo. Mas às vezes você dava só duas, três caixinhas, que não dava, isso era o começo do tratamento. [risos] Mas, enfim, depois a gente passou, com o marketing, tal, né? Pra certos médicos a gente dava um tratamento completo. Pra outro dava só um começo do tratamento, né?
P/2 – Vocês tinham uma carteira, digamos, de médicos especiais?
R – Tinha, tinha. Aí foi com o tempo, sabe? A gente começou a identificar.... Porque as pesquisas de receituário diziam assim: “Quem é o primeiro médico que receita esse produto no Brasil? Qual é que é a primeira região?” Eram dados confidenciais, né? Mas o laboratório sabe. Sabe até o médico, sabe?
P/1 – Muito fina a informação.
R – São coisas que a classe médica nem pode saber, né? Mas o laboratório sabia. Eles chegaram, sabe, num, hoje eu nem sei, a Close-Up faz pesquisa de receituário, né? Você tem, eu não sei como é que funciona hoje, mas naquela época tinha 20 máquinas xerox nas farmácias. A pessoa pegava a receita e antes de pegar o remédio passava a máquina xerox, né? E identificava. Depois veio outra pesquisa, que consultava 500 médicos, sabe? “Você recitou isso pra quem? Pra mulher ou pra homem? Em que situação? Por que?” Era uma informação finíssima, que não existe em qualquer setor. Sabe, o pessoal não sabe, aí fora, o que é a indústria farmacêutica. É um negócio, assim, de alta especialização. É por isso que o pessoal que entra não sai, é muito raro. [risos] É muito raro porque fica lá dentro. E eles têm que recorrer àquela mão de obra, né? E às vezes fica mandando de um país pra outro porque as pesquisas são as mesmas.
(fim da fita RHF.011 – Enock Fernandes Sacramento - fita 02)
R - Você aprende a trabalhar aqui, você vai trabalhar na França. Tanto que quando eu fui convocado, eu fui contactado por três laboratórios, eu fui em um... Eu fui pra um...
P/1 – Então, como é que foi essa história? Começaram a assediar o senhor pra…?
R - É, eles começaram, porque eu morava em Santo André, aí eu passei a morar em São Paulo. Eu era um ilustre desconhecido, né? A Rhodia era muito conhecida, mas eu não. Eu não ia em reuniões, em congressos e tal. Eu estava voltado para o meu trabalho ali. Aí eu comecei a estudar aqui, tal... Aí a Fundação Brasileira de Marketing criou um curso de marketing farmacêutico e eu fui dar aula lá. Eu fui um dos criadores do curso. Aí eu estava dando aula até pra dono de laboratório. [risos] Aí eles começaram, na hora do cafezinho: “Tal, não sei que, tal... Quanto você ganha?” Essas coisas assim, né? [risos]
P/2 – _______________.
R - É. Aí eu acabei saindo pra um laboratório. A Rhodia tentou me segurar.
P/2 – Mas antes disso?
P/1 – Não, deixa ele contar, ___________.
P/2 – Não, fala, eu ia perguntar disso.
R - A Rhodia tentou me segurar, porque quando veio aqui um nome lá da França, ele, eu acho que ele me achou um pouco diferente, sabe?
P/2 – Da Rhodia francesa?
R - Rhodia francesa. E depois ele falou com o Carvalho, que: “Olha, eu gostei desse rapaz. Ele tem umas idéias que se ele for burilado, ele dá samba, né?” [risos] E aí, quando apareceu isso, eu fui lá na Rhodia falar que eu tinha tido uma oportunidade, tal, né? Aí o Carvalho... o Carvalho sabia de coisa que eu não sabia, né? Que o fulano lá tinha interesse em mim, do marketing internacional, da Rhône Poulenc, da França, né? Aí fomos falar com o Romano. Aí o Romano, o mesmo Jean Michel Romano, que era o “bam-bam-bam”, né, era o mito... mas eu achei ele... eu tinha até um medo dele, assim, sabe? Mas eu achei ele um homem muito simpático, sabe? Ele não era nada do que... E aí ele pegou e falou: “Olha, o Bertrand e tal... tem um cargo na França, o Bertrand. Eu sei que você está querendo deixar a Rhodia, mas porque é que você está querendo deixar a Rhodia?” “Não, é porque me surgiu uma oportunidade, né?” “Mas você vai deixar a Rhodia pra ir pra onde?” Que ele achava assim, que a Rhodia era o máximo, não é? Você tá entendendo? [risos] Era outra mentalidade, né? “Você vai sair daqui pra ir pra (Bic ?)? Mas porque? É porque naturalmente vão lhe pagar mais e tal...” “Não, não é isso, é porque eu estou trabalhando na Rhodia há muitos anos, doutor Romano. E outro dia alguém me falou uma coisa que eu fiquei pensando: 'se eu tenho uma grande experiência ou se eu tenho uma experiência grande.' Entendeu? Ou seja, eu estou há muito tempo aqui, eu não tenho, às vezes, eu queria aprender um pouco mais, e o sistema aqui já está fechado.” Aí ele falou: “Então vamos fazer o seguinte, aqui...” Como é que era o negócio? Ah, o Farid estava entrando. Não, não, o Farid já era o meu chefe, o Farid tinha sido..., né? Porque eles estavam me dando o cargo que o Farid ia ocupar lá na... Ele falou assim: “Não, o cargo que estão te oferecendo acabamos de dar para o Farid. Então, o que é que podemos fazer? Eu posso lhe mandar...” Porque ele era poderoso, sabe? Mas ele falava assim, com a maior naturalidade. “Eu posso lhe mandar pra Argentina, nós estamos sem um Gerente, sem Gerente Geral lá.” Aí eu falei: “Mas, doutor Romano, eu acho que eu não tenho cacife, não tenho experiência pra isso.” “Não, mas o meu amigo lá vai te dar uma...” Olha, eu nunca comentei isso com ninguém, até porque poderia parecer, sabe, que eu quisesse dar um de bacana e tal, assim, mas ele cogitou de me mandar pra dirigir a Rhodia argentina. Ele falou assim: “Eu sei que lá o problema de sindicato é muito pesado, mas você vai lá, se você não quiser assumir, você vai tateando. Eu te mando, você vai ser o meu homem lá.” Porque na Argentina, diz que o sindicalismo lá era bravo, né? E eles, os vendedores não aceitavam supervisão, sabe? “Supervisor? Eu sou um vendedor!” Ele me contou essas coisas, né? “Eu não admito supervisão. Você está duvidando que eu vou lá mesmo? Da qualidade do meu trabalho?” E diz que até, às vezes, de vez em quando prendia um Gerente, sabe? [risos] Assim, caixa privada, sabe? Essas coisas. Ele falou: Olha, lá tá mal. A Rhodia lá tá mal, tá em qüinquagésimo lugar, qüinquagésimo quinto lugar. Mas eu tô precisando de uma pessoa corajosa e tal...” Mas aí, no fim, eu acho que o próprio Carvalho, também, comentou, ele falou. “Olha, ele não tem experiência pra isso ainda. O que ele tá querendo é uma área...”
P/1 – Mais artística?
R - Não, comercial. Eu estava passando... eu passei a ser Diretor Comercial de uma outra firma aí, né? Da (Bicquímica ?). “Ele tá querendo na área comercial, que já é muito pra ele, porque ele vai mexer com vendas agora, ele não mexia com vendas.” Aí, foi, foi, foi...
P/2 – Até então você trabalhava só com Propaganda e Marketing?
R - Propaganda e Marketing. Aí...
P/2 – E pesquisa de mercado?
R - É. Vendas era o (Fornieiro ?) que fazia. E a Rhodia era um pouco departamentalizada, sabe? [risos] Vendas, ele não queria saber muito de... É, vendas é vendas, marketing é marketing.
P/1 – E o senhor sentiu, assim, que também tinha um problema... muitas idéias novas era difícil de passar?
R - Olha, eu acredito... Eu me arriscava um pouco em fazer certas coisas, sabe? Em fazer coisas novas, que para algumas pessoas, achavam... como eu escrevia, eu gostava de arte, tal, embora que eu separava um pouco. O pessoal da área de arte nem sabia que eu mexia na indústria, e o pessoal da indústria não sabia muito, mas o pessoal de Santo André sabia, né? Eles achavam que eu era meio poeta, entendeu? Que eu era um delirante. [risos] Mas eu estava...
P/1 – Mas que ia dando certo, assim, de vez em quando.
R - Estava dando certo. Aí quando o pessoal... quando a (Bic ?) me ofereceu a Direção Comercial lá, o pessoal nem acreditou. Mas eles não sabiam que a Rhodia estava me oferecendo uma coisa maior ainda, só com uma Companhia que estava muito... Eu não sei se eu devia falar isso, sabe? Mas eu estou falando porque é a verdade, não é? E aí, depois, a Argentina, ele percebeu que eu não estava, que não era o caso e tal, que era uma fria, né? [risos] Era uma fria ir pra Argentina... É. Mas ele falou: “Não, mas...” E aí me propôs ir pra França, né? Ia ser o primeiro brasileira a ir pra França. Aí o pessoal caiu, né?
P/2 – Pra ter um cargo lá?
R - Pra ter um cargo lá, pra ser Assistente do Gerente Internacional de Marketing, e assumir, de imediato, assim, a linha cardiológica internacional.
P/1 – Nossa!
P/2 – Antes disso você já tinha algum contato com o Departamento de Marketing lá na Rhône Poulenc?
R - Muito pouco, porque tinha um senhor lá que começou a fazer viagens nas nossas convenções. De vez em quando aparecia um. Esse aqui, por exemplo, era da Rhodia (Mérieux ?), uma vez apareceu lá, sabe? Eles começaram a perceber que o Brasil era importante, que a Europa estava difícil, outros países estava difícil, e começaram a dar atenção. E aí a (Bic ?) me fez uma proposta, né? E eu peguei e aceitei. Marquei assim daqui..., né? Ah, não. Eu estava tão confuso que eu pedi férias. [risos] Não sei o quê eu estava pagando, eu falei: “Como é que vai ser, como é que... não sei o quê, né?” Aí esse alemão, da (Bic ?), chama senhor (Metzler ?), que é meu amigo até hoje, ele pegou e foi muito..., sabe? Aí eu falei: “Olha, seu (Metzler ?), não vai dar porque a Rhodia está pensando em coisas pra fora daqui, tal... E eu já pensei também, falei em pedir demissão, eles não vão me dar. Eu queria que eles me mandassem embora pra eles pagarem o Fundo de Garantia e tal, né?” Aí, sabe o que é que esse alemão falou? “Olha, se a Rhodia não quiser fazer isso, eu assumo a dívida trabalhista da Rhodia.” Eu falei: “Meu Deus...” Eu acho que eu nunca fui valorizado na minha vida. [risos]
P/2 – Bom, né?
R - A gente tem que aproveitar, isso não acontece mais, né? [risos]
P/2 – Mas é bom, aconteceu uma, né?
R - É, aconteceu uma vez, né? “Eu assumo a dívida trabalhista.” Eu falei: “Puxa.” Porque a dívida trabalhista era assim, eu tinha uma parte que era na antiga lei do trabalho, né? Eu tinha 7 anos, 6 anos. Se eles me mandassem embora eles tinham que pagar seis salários. O resto era Fundo de Garantia, já estava depositado mesmo, né? Aí ele assumiu uma coisa comigo, em que se tivesse qualquer problema ele pagaria 7 meses. Eu peguei e falei: “Então eu venho.” [risos] Aí eu cheguei na Rhodia... Eu nunca tinha visto isso, né? E outra coisa também...
P/2 – E o senhor estava com essa proposta de ir pra França.
R - Exatamente. Aí eu fui lá e falei: “Olha, eu vou sair, tal.” Aí o Carvalho já abriu comigo. Eu acho que o Carvalho, coitado, eu nem sei como é que vocês vão tratar isso, mas acho que ele não sabia todos esses detalhes, porque eu não podia ficar, comentar, né? E aí, sabe o que é que o alemão fez? O alemão foi rápido. Ele falou: “Olha...” A Rhodia não dava carro pra gente. Ele falou assim: “Nós já compramos o seu carro, é aquele que está lá na porta.” [risos] Comprou o melhor carro que tinha no mercado brasileiro, que era um carro da Chevrolet...
P/1 – Monza?
R - Era antes do Monza. [risos] Eu não sei como é que chama, né? E ele falou: “Olha, só que eu vou pedir...” Ele falava muito assim, né? “Eu vou pedir para o senhor um favor, tal. É que eu não delimitei as vagas ainda - que ele tinha umas vagas lá -, eu gostaria que o senhor levasse o carro.” [risos] Que o cara tinha uma vaguinha extra lá, então eu pus o carro lá e eu ficava olhando para o carro, o cara do laboratório: “Puxa, que carro bonito!” [risos] Uma vez eu precisei ir na Rhodia, eu fui com o carro, que o outro estava no conserto e eu até fiquei... falei: “Puxa vida, será que eu tô ___________ traição?” [risos]
P/2 – Você se sentiu mal de estar com o carro dele na Rhodia.
R - Eu não tinha saído da Rhodia ainda, né? Aí o Carvalho falou com o Romano, ele falou: “Olha, tem aquela pessoa lá... vem uma pessoa da França falar com você.” Aí veio o camarada da França, sabe? E falou: “E tal... e o salário, não sei o quê...” Eu falei: “Olha, eu tenho um certo receio, porque a França tem muito desemprego...” “Não, não. Não tem problema, porque você vai trabalhar numa área internacional, um é canadense... um é francês, o outro é americano, o outro é canadense e você vai ser o brasileiro, do terceiro mundo, né?” Ele ainda brincou comigo, né? E eu falei: “Mas o senhor tem certeza?” “É, não tem problema.” Ele falou: “O seu francês tá razoável, só que antes de ir pra lá você vai entrar numa imersão total aí, de inglês, porque o senhor vai trabalhar muito, vai viajar muito.” Aí começou a vir o contrato, sabe? Eu tinha que assinar um contrato porque eu ia aceitar viajar seis meses por ano, sabe? E ele falou: “E tem países que não tem tradição de língua francesa, então o senhor tem que falar bem inglês e tal, né?” Aí eu fiquei com medo, assim, sabe? Puxa vida. Eu fui conversar com outras pessoas que viajavam, eles falaram assim: “Olha, viajar por obrigação não é nada fácil. É pesado e tal, né?” Tinha um senhor da UCB... que eu nem falei o que era, mas ele falou: “Não, viajar não é fácil, não. É pesado, muito fuso horário, tal, né?” Depois, aí, na época eu tinha a minha mulher que trabalhava aqui e ia perder o emprego, trabalhava no banco nacional, era psicóloga do Banco Nacional... aí eu comecei a fazer contas. [risos]
P/1 – __________, fazer um balanço da vida.
R - É, os filhos, né? Mas olha, eu quase fui. Puxa vida! Vocês sabem porque é que eu não fui? Porque eles estudaram tudo e tal. O Romano falou: “Olha...” Eu falei: “Mas, doutor Romano, o pessoal aí de vez em quando vai...” Ele falou: “Olha, vamos fazer o seguinte, eu te dou...” Porque o Romano falava pouco: “Pra te ajudar, eu vou te dar um carro lá, com dinheiro meu, é daqui. Eu nem vou falar... Eu te dou um carro.” Falou o nome do carro lá, um Peugeot, não sei o quê, né? Um carro médio, tal, um carro bom. Agora, ele... Eu vou te contar, viu? Quando eu fico pensando, eu nem acredito no que aconteceu naquela época. Eu acho que deve ter acontecido com pouca gente. Sabe o que é que o Romano falou comigo? “Eu pago o salário da sua mulher durante um ano.” [risos] Aí eu voltei lá com o senhor (Metzler ?) e contei a história, ele ficou meio cabisbaixo, assim sabe? Não sabia o que falar. Curioso isso, né, que aquela pessoa... O engraçado era o seguinte, que aquela pessoa que muita gente lá achava que era um camarada que... um delirante, um maluco meio assim, irresponsável, né? Aconteceu isso com esse irresponsável. Ele falou: “Eu te dou o salário dela um ano lá, mais eu não posso fazer, Enock. Você vai ou não vai?”[risos] Ele era assim, né? Aí eu peguei e falei: “O senhor me dá um dia, eu vou lá ter uma conversa...” E cheguei lá com o senhor (Metzler ?), né, que é o Presidente da (Bic ?) hoje, na América Latina, né? “Seu (Metzler ?), tá acontecendo isso e tal, eu tô muito confuso.” “Mas o senhor está confuso porque?” “Porque eu já falei com o senhor que eu venho trabalhar aqui, estar aqui no dia primeiro de Setembro - sei lá, né? -, eu estarei aqui com o senhor.” “Então porque é que o senhor está me contando?” “Não, eu estou contando porque eu preciso contar, porque eu tenho um contrato assinado com o senhor.” Aí ele falou assim... ele me chamava... engraçado, ele era respeitoso: “Doutor Enock, nós rasgamos esse contrato, o senhor faz o que o senhor quiser.” Isso pra mim... “Nós rasgamos esse papel, o senhor faça o que o senhor quiser. Eu não quero que o senhor faça uma coisa que... não é?” Aí eu pensei... não pensei muito tempo. Eu falei assim: “Eu fico.” [risos] E foi assim que eu saí da Rhodia, porque, olha, pra sair da Rhodia precisaria ser numa situação dessa, senão eu não sairia. Sabe porque? Eu gostava muito da Rhodia, do pessoal, sabe? Poucas coisas podiam acontecer ali, mas em 95% era uma firma, assim, difícil de você achar uma igual. Não, é verdade, vocês estão mexendo com coisas do passado, assim, que eu acho que eu estou falando pela primeira vez. Depois, você vê, eu fui, eu saí, criei uma agência de propaganda, uma pequena agência... Ah, de lá eu tive uma pequena passagem por uma... Eu fui num congresso, assim, sabe? Não, aí eu fui pra (Bic ?)...
P/1 – É, o senhor ia contar...
R - Isso aí já é outra coisa, é outra coisa, isso nem... é muita história.
P/1 – Não, mas vamos... Eu queria só dar uma pausa porque eu preciso _________.
P/2 – Tá. Vamos continuar? O senhor fala da (Bic ?)
R - Vamos, vamos, vamos. Não, da (Bic ?) vou ser rápido, porque não... é outra história. Mas aí eu fui pra (Bic ?), eu cuidava da área comercial lá e tal, e trabalhei quatro anos lá. Mas você sabe que esse sucesso, assim, na área de propaganda me levou pra outras áreas que não era o que eu mais gostava, sabe? Eu passei a trabalhar com outras coisas.
P/2 – A partir da sua entrada na (Bic ?)?
R - Na (Bic ?), é. Uma responsabilidade tão grande.
P/2 – Em qual universo mais, assim?
R - O universo de vendas, o universo de resultado econômico, sabe?
P/2 – A parte da criação ficou um pouco eclipsada?
R - Completamente. Aí eu tinha um homem pra fazer o que eu fazia. [risos]
P/2 – O senhor coordenava um homem...
R - Coordenava, e tinha outro que fazia vendas, e tinha outro que fazia pesquisa de mercados, eu passei a ser um... como eles falam, assim, da alta administração, não é? E ali, você sabe que, por incrível, assim... eu acho que a minha experiência era limitada, mas eu era bom de propaganda, eu acho que isso ninguém duvidava, né? O fato é que o laboratório se deu bem. Mas aí veio uma crise, sabe? Uma crise dessas parecidas com essa aqui e tal...
P/2 – Que ano que era isso, mais ou menos, que o senhor saiu da Rhodia?
R - A Rhodia eu saí em 1978, né? Aí eu fiquei na (Bic ?) até 1981. Lembra que no começo de 1980 teve uma crise brava? Alguns jornais falam , né? Os laboratórios estavam em dificuldades, tal. Mas o fato é que eu precisei sair da (Bic ?). Eu tive problemas também com o Gerente Financeiro deles, sabe, que era um alemão difícil, sabe, de tratar com ele. Numa reunião eu tive que virar a mesa com ele sabe? E isso é terrível. Aí eu combinei com o senhor Metzler que eu ia sair, e ele deu a entender realmente que eu tinha que sair.
P/2 – O senhor já tinha ficado uns dois anos?
R - Quatro anos. O laboratório ficou muito bem, tanto que nós fomos à Alemanha, eu comecei a fazer viagens internacionais, sabe? E o pessoal achava que a gente estava trabalhando bem, tal, né? Quando a coisa tá dando resultado, maravilhoso, né? Viagens, o Vice-Presidente internacional levando a gente pra passear, sabe? Bons restaurantes, sabe? [risos] Essas coisas. Mas o senhor Metzler é um homem que eu gosto muito dele, tanto que eu não perdi contato com ele. Eu entrei nessa parte de arte, ele já me patrocinou livros, essas coisas. O fato é que eu saí de lá, tinha um laboratório, estava querendo me pegar, não pegou, assim, porque é o Roche.
P/2 – Mas pra trabalhar com propaganda?
R - Com marketing. Mas naquele dia eu falei: “Eu vou sair o mais rápido possível, porque eu tinha...eu não sei, essas coisas devem parecer... mas, enfim, vai julgar”.
P/2 – Não, é super sigiloso.
R - É tinha um contrato dos 6 meses, 7 meses, né? Aí ele falou comigo. Eu falei: “Olha, eu vou sair o mais rápido possível.” Aí ele falou que o contrato seria mantido, porque o Gerente Financeiro poderia querer botar alguma, né? “Mas aí o senhor vai receber sem desconto, tal.” Foi o dinheiro maior que eu já vi na minha vida, porque eu ganhava bem naquela época, mas gastava também tudo o que eu tinha. Três filhos no colégio, estudando no Bandeirantes. [risos] Gastava tudo, né? No fim do mês o dinheiro sumia. Mas aí entrou um dinheiro que eu nunca tinha visto: “Puxa vida, o que é que eu vou fazer com isso, não sei o quê, né?” Comprar um carro, né, essas coisas... que eu tive que devolver o carro pra eles. [risos] E aí eu fui trabalhar numa empresa ligada ao IMS, fazia mala-direta pra indústria farmacêutica, foi um péssimo negócio. É porque a empresa estava muito desorganizada na época, sabe? Eu entrei, eu era o Gerente da empresa, mas era uma situação toda particular. A empresa tinha sido comprada pelo IMS, que faz essas pesquisas de mercado. E tinha uma senhora, a doutora Giovana, que era a Gerente Geral desse negócio, era uma alta executiva do IMS. Veio para o Brasil e trouxe o marido, sabe? Mas o marido dela não tinha um lugar pra ficar. O marido dela acompanhava ela, que era uma alta executiva, cuidava das crianças, entendeu? Aí ele pediu pra ficar lá. Parece que ele não tinha salário. Mas era o marido da doutora Giovana.
P/2 – Da executiva?
R - É, da executiva, que era Vice-Presidente internacional, sabe? Era uma mulher poderosa, sabe?
P/1 – Isso a (Bic ?), ainda?
P/2 – Não, saiu da (Bic ?)...
R - Saí da (Bic ?) e fui trabalhar na (Datec ?), que era uma empresa de computadores, de cadastros médicos. Como eu tinha feito um estudo... Na época que eu saí da Rhodia eu fiz um estudo que o pessoal gostou desse estudo. Foi um estudo de referência para os Gerentes de Marketing, Gerentes de Produto, sobre os médicos brasileiros. Eu fiz um... Não chegou a ser um livro, não, um fascículo, um opúsculo, chamava O Médico Brasileiro, Esse Desconhecido, uma coisa assim, né? Chegou a ter uma edição no francês também, porque houve interesse de fora. Eu fiz o primeiro estudo de estatística, sabe? Quer dizer, quem é o médico brasileiro? E nesse estudo, por exemplo, eu fiz uma coisa que foi absolutamente novidade na época. Eu fui descobrindo que a classe médica brasileira estava ficando feminina, sabe, que as mulheres estavam aumentando, assim... Aí eu me interessei por esse aspecto. Eu fui ver, estudar isso em outros lugares, descobri que parece que em vários países socialistas a medicina é uma profissão feminina, parece que na Rússia, de cada dez médicos, 8,5 são mulheres. Aí eu me aproximei até de umas mulheres médicas, sabe, que queriam fazer um congresso mais tarde, e elas diziam: “Não, é isso mesmo, a medicina é uma profissão de mulher. A mulher é mais cuidadosa, a mulher é mais delicada, né?” E tinha até um símbolo, um slogan delas em latim, que significava assim: “Curando com desvelo de mãe.” A medicina é uma profissão feminina. Eu percebia, por exemplo, que tinha mais mulheres nas faculdades, do que homens, sabe? Naquela época tinha 20% de mulheres, mas estava crescendo as mulheres. E eu tinha uns estudos estatísticos lá que as mulheres iam tomar conta. E aí, porque é que eu falava isso? Porque nós precisamos fazer uma propaganda dirigida às mulheres. E cheguei até, quando... depois da (Datec ?) eu voltei pra um laboratório nacional, Sintofarma. Trabalhei com o Bandeira, que era o Presidente desse laboratório, né? E lá, uma vez, eu cheguei a fazer um estudo de um anúncio de televisão, de um comercial para o dia do médico, exatamente destacando isso. E era um estudo bonito, sabe? Era um parto, assim, sabe, que alguém telefonava, e o médico levantava, você não sabia direito, era meio escuro, né? E ele pegava... chamando pra uma urgência, que o parto ia acontecer naquele momento. E sai à noite e tal... e ela vai lá e faz o parto. E máscara e tal, né? E aí a criança nasce finalmente. Ficou só no desenho. Quando a criança nasce assim, aí entra aquela voz, assim, um playback mais baixo, assim: “É, a vida do médico é uma vida difícil, não é? Às vezes ele tem que acordar à noite, tem que... pra atender um caso, mas vale a pena, porque ele está propiciando o grande espetáculo da vida.” E levanta a criança: “Pra ser médico é preciso ser muito homem.” Aí ela abaixa a câmara: “Ou muito mulher.” [risos] Eu achei lindo! Isso não foi feito por problema de verba, na época, né? Mas são coisas, olha, que eu tinha esquecido, mas são coisas que eu acho que não passou isso com muita gente. O bandeira queria e tal, mas não deu, na época, pra fazer. Mas era no Sintofarma. Mas eu gosto disso tanto que eu tenho dois filhos médicos. [risos] Um homem e uma mulher.
P/2 – E um cineasta.
R - E, um cineasta, é. A menina é pediatra, o menino radiologista e o outro é cineasta, aí na batalha, né?
P/1 – Mas e a agência, o senhor chegou a contar?
R - Da agência? Não, eu criei uma agência que existe até hoje, que eu uso pra... eu não mudei a coisa.
P/2 – O senhor entrou naquela época?
R - Naquela época.
P/2 - E continuou...
R - Naquela época, é. E continuo até hoje, eu tenho isso... pra dar nota fiscal, por exemplo, aqui no banco, o banco é meu cliente, eu não sou empregado, né? Eu dou nota fiscal e tal.
P/1 - Aqui no banco o senhor é?
R - Eu sou assessor de arte, eu cuido do acervo artístico do Banco Cidade e também do acervo do dono do Banco, né, que é o seu Edmundo. E faço esse tipo de coisa, que arte é uma coisa que eu gosto muito. Vocês estão vendo, né, tudo isso que eu fiz na indústria tinha um pouco de arte por trás... então a propaganda, entender um pouco o marketing, mas entender também o homem. Quem é... com quem é que eu estou falando, né? Essa coisa da mulher, por exemplo, quem é que... Eu falei: “Puxa vida, as mulheres estão...” porque eu fiz uma pesquisa nas faculdades. Pedi, né? Eu pedi, juntei com uma revista médica que me ajudou, propagandistas foram atrás, eu usava o laboratório... eu falei: “Caramba! As mulheres estão tomando conta das faculdades. E depois eu vi que é uma coisa que já acontece fora.” E essa agência eu tenho até hoje, fiz coisas pra Rhodia... Aliás, eu acabei trabalhando para os mesmos laboratórios que eu trabalhava antes, sabe?
P/1 - Mas a sua relação com a Rhodia, mesmo depois, com tudo que ofereceram e o senhor saiu, ficou bem?
R - Veja... muito bem. Muito bem porque... aliás, com a Rhodia tenho até um... eu não sei, uma relação especial, assim, sabe? Que a gente acha que a condição de rhodiano, como dizem, não acaba, não é? Mas é claro, eu não faço mais parte da Rhodia. Mas, por exemplo, o Abreu que cuida da propaganda é uma pessoa que veio da minha equipe, né? E aliás eu contratei ele duas vezes, que quando o pai dele morreu ele saiu pra cuidar de uma empresa do pai, que era de seguros, né? Depois a irmã dele, que foi sócia da minha ex-mulher falou: “Olha, o Abreu gosta mesmo é daquele negócio que ele fazia na Rhodia.”[risos] Aí o Ari Vieira de Almeida, que era o homem que estava lá nesse cargo, aquele que tinha feito as revistas, Publicações Médicas e Farmacêuticas, aposentou, aí eu chamei o Abreu de novo, e ele ficou lá até hoje. E tem Gerentes de Produtos lá e outras pessoas que são da minha época. Quer dizer que a Rhodia...
P/2 - Vendedor tem também, né?
R - Tem, tem. Tem, por exemplo, o João Carlos Torres Silas, vocês conheceram, não?
P/2 - Não.
R - Da minha época. Eu contratei algumas pessoas em faculdades, porque eu ia em faculdades, sabe, dar aula.
P/1 - João Carlos o que?
R - João Carlos Torres Silas. Ele era Gerente de Produto. Aliás um rapaz que está lá até hoje como Gerente de Produto, mas um rapaz muito... Não sei como ele não procurou ainda uma outra... João Carlos Torres Silas. E tinha outros. Eu sei que o Abreu está lá, né? E tem mais alguns lá, tem pelo menos uns dois lá que são da época, né? Mas é isso aí.
[pausa]
P/2 - Eu queria saber se o senhor tinha uma relação a Rhodia?
R - Ah, a relação com a Rhodia. Bom, eu continuei fazendo algumas coisas pra Rhodia, fiz algumas propagandas pra eles, depois a Rhodia centralizou, assim, os trabalhos de vários departamentos numa agência única. Nessa época aí eu deixei. E o fato também do Abreu ser uma pessoa que eu contratei e chegou até a batizar o meu filho, o primeiro, né? [risos] Eu nunca... sabe? Eu não procurei... e também não procurei porque eu sempre acabei minha vida, sabe? A coisa foi acontecendo e eu nunca tive tempo pra nada, meu problema é tempo. [risos] E eu vou fazendo, e eu gosto de arte, eu adoro isso. Hoje eu sinto que eu precisava de uma estrutura, sabe? Eu cheguei a ter uma pessoa pra me ajudar, porque eu sempre tive equipes, né? Na Rhodia eu tinha bastante gente, na (Bic ?) eu tinha metade do trabalho, então eles trabalhavam comigo. [risos] Os vendedores então, né? E depois, sabe como é que é. A gente aprende a trabalhar de um jeito, e hoje eu trabalho sozinho. Às vezes eu tenho uma ou outra pessoa que me ajuda. Eu cheguei a contratar um rapaz pra trabalhar, mas eu não tinha um escritório. Porque eu trabalhava, eu tinha um escritório na Tabapuã, eu atendia os laboratórios lá.
P/1 - Quer dizer, depois de sair, o senhor teve uma agência?
R - Eu comecei a trabalhar para os próprios. Trabalhei pra Rhodia...
P/1 - Como consultor?
R - É, trabalhar fazendo a campanha, produzindo peça publicitária. Eu fiz coisas pra Rhodia, fiz coisas pra (Bic ?), fiz livros. Aí eu comecei a fazer livro de arte, aí a (Bic ?) me bancou livro de arte. Depois eu fui conhecendo pessoas e começaram a me dar trabalhos pra fazer pra Ford, sabe? [risos] Um amigo que tinha contato com a agência Mauro Sales começou a dar coisas da Ford pra gente fazer: livro, lançamento do Escort, lançamento do Verona, sabe? Participei disso tudo. E a indústria farmacêutica foi...
P/1 - Foi indo _______.
R - Exatamente. Olha, se eu te contar... Uma vez, no Sintofarma, eu lancei um produto, sabe, que era uma coisa... É uma coisa engraçada. Era um produto pra piolho. [risos] Mas o laboratório se deu muito bem com esse produto, sabe? O laboratório andou em dificuldade, aí, e esse produto salvou o laboratório. Aí esse laboratório queria que eu voltasse pra lá. Você sabe que eu fui... eu não voltei. Queria que eu assumisse uma assessoria, um negócio, né? Porque eu não faço mais propaganda de remédio, não faço propaganda. Agora, curiosamente, essa semana, o Moreira Júnior, que é o editor de revistas médicas. Tá até aí, eu dirigi as cinco revistas dele, que eu sou jornalista profissional, né? Eu trabalhei no Estadão e tal... Quando eu estava na Rhodia, eu trabalhava no Estadão também, e a Rhodia deixava, porque de vez em quando eu encaixava uma notícia lá, sabe? [risos] E eu tinha também gente lá, eu trabalhava depois do expediente, mas trabalhei cinco anos no Estadão, eu fui o responsável lá pelo ABC. E Rádio Eldorado e Jornal da Tarde também. Quer dizer, eu mandava três cópias, né?
P/1 - Do mesmo material?
R - Do mesmo material.
P/1 - Mas o senhor escrevia sobre arte?
R - Não, no jornal era tudo. [risos] Porque eu tinha cinco pessoas pra me ajudar. Era tudo, era polícia, arte, indústria, né? [risos] Até a gente tinha uma equipe boa lá. Tem gente que está até hoje. O Estadão me fez proposta também pra ir trabalhar, assim: “Deixa a Rhodia, vem pra cá.”
P/1 - Mas não foi tão forte quanto essa do (Bic ?)?
R - Não, não. Era aqui, né? É que eu achei que não era, eu achava o Estadão muito nervoso. O jornal é nervoso, né? E eu trabalhava, meu chefe era o Raul Bastos, era um cara que deixou história aí, né? Ele era um cara poderoso e... Eu não sei, aquilo, pra ele, ali, eu acho que ele mudava uma situação, se ele quisesse, de um dia para o outro. Ele foi até... depois eu fiquei sabendo, eu soube que ele foi Diretor da Rede Globo aqui em São Paulo, depois foi substituído pelo irmão do Collor. [risos] O Leopoldo Collor de Melo, o Leopoldo é que entrou no lugar dele, e hoje parece que tem uma coisa de vídeo. Mas trabalhei no Estadão cinco anos, escrevi sobre arte no Estadão. No Estadão, de vez em quando, matéria de arte eu escrevia. Aí ele queria me trazer pra trabalhar, ele falou: “Você deixa a Rhodia e vem pra cá.” Até que, pensando bem, profissionalmente, nesse período, até as pessoas estavam satisfeitas comigo, viu? Porque o Raul falou: “Deixa a Rhodia, vem trabalhar aqui, vem ser meu...” Ele cuidava do Brasil inteiro, menos do serviço local, ele cuidava de todas as sucursais. Inclusive tem um cara aí que era nosso colega, que é da Carlos Chagas... [risos] era meu colega naquela época, ele era chefe das sucursais de Brasília. De vez em quando a gente se encontrava. Mas aí eu fui deixando isso e hoje eu faço só arte. Eu não sei como é que, eu estou sobrevivendo, gosto muito disso, provavelmente ganho menos que eu ganhava, principalmente na (Bic ?), que eu era Diretor. [risos] Mas, olha, o que eu posso dizer é o seguinte, eu estou muito feliz, eu acho que eu estou fazendo o que eu gosto. Meus filhos já estão crescidos, graças a Deus não faltou trabalho, assim.... Porque no começo, quando eu deixei a indústria, aí falei: “Puxa vida, como é que eu vou fazer?” Porque antes, todo fim de mês, eu tinha um salário depositado. [risos] Mas você sabe que eu acostumei com essa situação? E nunca... eu também não quero saber quanto é que ganha alguém hoje lá, não interessa. O fato é que eu gosto muito disso. De vez em quando me vem essas coisas assim, né? Esse laboratório... um laboratório _________, parece _________, que ia lançar um produto contra piolhos também queria que eu fosse lá orientar a turma dele.
P/1 - Mas aí o senhor não aceitaria?
R - Não, eu fui lá, eu falei: “Olha...” Aí eu fui lá, eu falei: “Não, eu acho que vocês têm condições de fazer isso, eu tô um pouco por fora e tal.” Agora, essa semana, engraçado, de vez em quando o Moreirinha, Moreira Júnior, me liga: “Oh, Enock, faça um anúncio pra mim aí no Jornal Brasileiro de Medicina - ele tem uma revista, né? -, é você que fazia tudo e tal, eu não tenho idéia pra...” Eu falei; “Tá, Moreira, eu vou pensar melhor.” [risos] Eu nem sei direito como é que eu vou fazer um anúncio, sabe? Porque meu negócio não é mais isso.
P/2 - Essa semana que ele te ligou?
R - Essa semana. Ele quer... e era pra ser ontem, mas ontem eu não pude, outro não pude, sabe? [risos] Marquei pra terça-feira.
P/2 - O senhor tem netos?
R - Eu tenho uma menina. É, dos filhos, o primeiro... os médicos estão casados, casaram com médicos, né? E o Paulo, que mora comigo, é o único que tá namorando, mas não casou ainda. Mas, do primeiro, eu tenho uma netinha, que é uma experiência muito bacana. [risos] É engraçado, a vida da gente, no fim, uma coisa dessa toca numa matéria que é... mais do que indústria e tal, é a própria vida da gente, né? São as possibilidades, as oportunidades, né? Eu não me arrependo de nada. Eu acredito, talvez, que os meus filhos __________, graças a Deus, né? Se eles tivessem ido pra França eu acho que eles, não sei se estariam melhor. Mas, a grande oportunidade, eu acho que seria pra eles, né, que eles iam estudar lá e tal. A Rhône Poulenc ia ajudar isso. Ele falou: “Não, lá tem o serviço social que vai te orientar e tal.” Eu estava apavorado. Já tinha até gente falando: “Não, eu vou te visitar lá.” [risos]
P/2 - “Vai pra lá que eu tô...”
P/1 - E a sua esposa, ela se animou em ir?
R - Ela se animou na época, ficou assim... Ela foi um pouco... Ela era mais pé no chão do que eu, né? E falou: “Não, precisa ver quanto é que vai ganhar, e não sei o quê e tal.” Porque ela trabalhava, ela tinha um cargo bem razoável no banco, e tinha um futuro, porque era uma pessoa competente. O problema é que... a gente não se dê muito bem, mas isso era coisa pessoal, mas ela era uma profissional competente. Que houve um momento também que abandonou tudo, sabe?
P/1 - Ela?
R - É, não quis mais, ela cansou de psicologia e tal. Psicologia do trabalho, ela chegou a chefiar esse setor no BCN, também, lá em Alphaville, uma equipe grande... Porque banco... o Banco Cidade não é tão grande, mas esses bancos grandes tem muito psicólogo, né, porque lida com pessoal, pessoal que entra, sai, todo dia. Apesar que tem banco aí como o Bradesco, tal, que tem 300 vagas todo dia. [risos] Tem que preencher, né? Tem que fazer teste, tem que encaminhar papel, essas coisas. Agora, eu acho o seguinte, eu tenho trabalhado muito, eu tenho pensado um pouco, eu vou ver se eu diminuo um pouco o meu trabalho, porque o trabalho com arte, qualquer trabalho de pesquisa dá um trabalho danado, né? O trabalho que vocês estão fazendo aqui dá um trabalho danado, porque você começa a aprofundar, não tem fundo esse poço, né? [risos]
P/1 - Não tem fundo, não tem uma baliza.
R - Então, haverá um momento que você tem que falar: “Paro aqui. Vai sair do jeito que está.” Porque você fica se interessando... E não compensa, assim, do ponto de vista humano, você se interessar demais por um assunto, sabe? Você interessa profissionalmente, fazer um trabalho correto, para que eu possa ter outras frentes, para que o cliente possa me chamar de novo. Agora, se eu aprofundar muito, é impossível. Eu me lembro, por exemplo, quando eu passei a trabalhar “do outro lado do balcão”, como o pessoal diz, quer dizer, prestando serviço pra indústria farmacêutica, às vezes eu fazia três, quatro estudos pra um produto. Eu tinha certeza: “Esse aqui é o melhor e esse aqui é razoável, e esses dois eu vou apresentar só pra mostrar serviço.” O cliente escolhia aquele. [risos] E eu fazia com o maior prazer, da melhor forma possível, né? Eu aceitava a minha condição que eu não estava ali como um crítico, eu estava como prestador de serviços. [risos] Então ele pedia aquilo que eu não faria jamais, entendeu? Mas essa coisa da relação é importante. Eu acho, por exemplo, que uma das coisas boas da Rhodia, que eu acho que eu consegui fazer uma equipe. O laboratório, o clima me ajudou, não é? Que a equipe ficou, trabalhava bem. E até eu brincava com eles, trabalhavam melhor quando eu não estava lá.
P/1 - É uma equipe de criação?
R - Criação e tudo, né? Eu saía de férias, voltava, estava melhor do que eu tinha deixado.
P/1 - Com idéias... o que o senhor estava...
R - Com idéias e tal, porque eu nunca inibi muito, sabe, mas sempre inibe, né? Sempre inibe. Essa coisa de idéia é muito... É parecido um pouco com isso. As pessoas acham que a gente é meio lunático e tal, né? Mas você tem que arriscar, mesmo porque, não sei quem foi que falou isso, não é porque isso aqui é gênio nem nada, mas o ridículo é próximo da genialidade. Quando você apresenta uma coisa realmente boa o cara pode achar que você é tan-tan. [risos] “Esse cara é incompetente, é inconseqüente.” E eu arrisquei algumas vezes. Você vê a idéia da caixa, dando um número. Quer dizer, isso não resistiria a uma análise minha hoje, mas ela desdobrou numa outra, que seria possível. O grafismo, por exemplo da embalagem pediátrica, você podia desenhá-la.
P/1 – Isso não foi feito, não existe nada nessa linha.
R - A prateleira, sabe? Porque o pessoal muito criativo lá da DPZ, né? Isso aqui era um cor, mas aqui é outra cor, ela combinava com essa, as cores, sabe? E o Petit chamava isso de dominó: “Ah, isso aí é embalagem de dominó.” Você podia por... Porque o produto tem nome desse lado e desse lado, né? Só que as embalagens eram diferentes. Se você pusesse assim, o cara que arruma a prateleira ia achar legal, porque ele tinha uma opção. [risos] Tinham essas pequenas coisas, sabe, que hoje as pessoas não têm mais tempo. E eu acho que eu fiz isso porque eu tinha tempo. E olha, até de certa forma meio folgado, vamos dizer assim. No bom sentido, né? Eu tinha tempo de ficar vendo gráfico, sabe? Lia, lia, ficava vendo esse desenhista... [risos]
P/2 - O senhor participava do treinamento dos vendedores?
R - Participava.
P/2 - Como é que era essa relação com eles?
R - Nossa, muita palestra.
P/2 - Para os vendedores?
R - Vendedores, muito.
P/2 - Tinha alguma história hilária, assim, de algum deles?
R - Houve um momento que eu fui Gerente de Treinamento. Dava aula. Estudava um produto, assim, profundamente.
P/2 - Como é que era esse treinamento?
R - Era assim, você reunia num hotel e passava uma semana no hotel. Aqui tem um que tem... Olha, esse aqui. Esse aqui era lançamento de um produto.
P/2 - Ah, em Poços de Caldas.
R - Exatamente. E aí não era só eu que falava não. Todo mundo falava. A equipe médica falava, primeiro era aberto pelo chefão, que dava as boas vindas: “Nós estamos aqui pra estudar...” Aí a gente começava a batalha. Falava, falava, falava, falava. Depois formava grupos, eles iam estudar o produto. Ficava estudando, estudando, estudando... No dia seguinte, assim, no final da reunião, a gente fazia reuniões simuladas, a gente fazia o papel de médico e eles faziam o papel de propagandista, sabe? Invertia.
P/1 - Tudo isso pra treinar os vendedores _______?
R - Pra treinar os vendedores. Uma reunião dessa durava uma semana.
P/2 - Vocês fechavam um hotel?
R - Fechava um hotel.
P/1 - Pra treinar?
R - Exatamente. E um futebolzinho e tal, né, pra amenizar, um filme à noite...
P/2 - E tinha diferença, assim, do perfil de propagandista do interior e da capital?
R - É, tinha, tinha. Ali ficava meio geléia geral, assim, né? Mas tinha uma diferença, tipo os do Nordeste, sabe? O Nordeste era um tipo de propagandista. São Paulo, Rio de Janeiro, comprava um refrigerante, eles tudo cheio de... sabe? [risos] Tinha um propagandista do Rio de janeiro que até usava umas técnicas que a gente achava meio perigosas e tal, sabe? Inventava uns joguinhos, umas coisas, sabe? Eles são muito engraçados. Aliás, são um profissional difícil, sabe? Faz um trabalho desses... eu acho que pra ser propagandista mesmo... eu, quando eu fui pra Rhodia eu ia ser propagandista, não é que eu me propus a isso. Eu queria vir pra São Paulo, né? Mas ser propagandista não é fácil. Você chega no consultório, sabe? Mas a pessoa acaba... Faz amizade com a enfermeira, não sei quê e tal, passa ele na frente, dá amostra, tem médico que tá com problema, tem médico que não dá nem a mão, sabe? Chega lá: “Oh, doutor, como é que está?” O cara não dá a mão. A gente estudava técnicas até pra sair dessas situações, você dar a mão quando ele... O jeito de passar a pasta de uma mão pra outra, sabe? Ele entra com uma pasta: “Oh, como é que vai, doutor? Tudo bem?” Se ele não dá a mão, você passa a pasta assim, sabe? [risos] Passa batido, né? Tem propagandista que põe a pasta na mesa do médico e o médico não gosta. [risos] Tem cada uma! Tem um folclore!
P/2 - Tem alguma história engraçada, assim, que o senhor lembra?
R - Sei lá, acho que tem uma, uma vez, né, que um propagandista... Eu não me lembro do nome dele, tem duas histórias, que ele deu uma literatura para o médico e o médico pegou e - estava de mal humor e tal - e acho que aquilo era tudo baboseira, sabe? Porque é o que ele acha, né? E pegou, ele pôs a propaganda: “Tá aqui, doutor.” Ele nem pegou, né? Aí diz que quando ele conversando assim, o médico pegou e jogou no lixo. Aí ele falou: “Olha, doutor, o senhor não deveria jogar isso, porque isso custou dinheiro para o laboratório.” [risos] Uma coisa assim, né? Aí ele perguntou: “Mas quanto é que custou isso para o laboratório?” “Custou aí dois reais, ou 2,50.” Porque era uma literatura assim, né? Aí o médico pegou e tirou cinco reais e deu pra ele: “Então tá aqui.” Aí ele foi tirar o troco ele falou: “Não precisa de troco, eu vou jogar o próximo.” [risos] Agora, diz que tem um que aconteceu uma coisa assim, e ele ficou bravo com o médico e ele falou assim: “Pega! Me dá aqui de volta.” [risos] Diz que o médico olhou assim pra ele, ele falou: “Pega e me dá aqui de volta.” [risos] Deu, ele guardou: “Até logo.” [risos] Cada uma, né? Tem ótimas, assim.
P/2 - E devia ter, assim, diferenças do modo como é recebido o médico na cidade e no interior? O peso, por exemplo.
R - Aí é que está. A diferença é que você está tratando com gente, e quando você está tratando com gente, tem gente de todo tipo, né? Diz que tinha um médico em Santo André que falava com os propagandistas: “Olha, o dia de me visitar é sexta-feira à tarde, não é?” E os propagandistas iam todos de uma vez, sabe? E ele fazia um coquetelzinho com eles. Salgadinho e tal, sabe? E cada um entrava, sabe? Ele atendia tudo do mesmo jeito. Fazia eles ficarem até 8:00 horas da noite. E conversava, sabe? É, tem de tudo. E tem outros mal educados, sabe? Tinha uma história também que eu ia contar, mas eu achei... comecei essa esquecia a outra. [risos] Mas eles, olha, é um profissional sofrido, viu, o propagandista. É uma batalha, sabe?
P/2 - E ele ele tinha que ter nível universitário? Qual é que era a condição?
R - A Rhodia, no começo tinha isso, todos eram de nível superior. Mas depois era curso secundário. Aí houve laboratórios que começaram a contratar mulheres.
P/2 - Nível superior tinha que ter curso de Farmácia, Química?
R - Farmácia ou Odontologia. Médico não tinha. Mas na França, a Rhodia tinha toda uma equipe de médicos.
P/1 - Propagandistas?
R - Propagandistas. Eles não falavam propagandistas, né? Mas o trabalho era esse.
P/1 - Representante.
R - Era divulgação, era assessor médico... mas o que é que ele ia falar? Ia falar do produto, né? Só que ele chegava numa condição, com hora marcada e tal, que eles conseguiam isso na França.
P/1 - Na França é assim até hoje?
R - Hoje eu não sei. Mas era assim, eu não sei, naquela época era.
P/1 - Diferente, então daqui, né? Relação mais formal.
R - Mas tem boas histórias. Eles são muito contadores de histórias.
P/1 - Eles são contadores?
R - São contadores de histórias.
P/2 - Os “causos”.
R - É, quando você chega nessas regiões contam cada história que a gente morre de rir. Isso, olha, essas reuniões são muito importantes porque eles são muito solitários, eles viajam. Porque tem os pracistas e tem os viajantes. Os viajantes eu percebia que todos, a maioria, tinha uma coisa meio solitária, mesmo aqueles conquistadores, que tinham uma namorada em cada porto, assim, como os marinheiros, né? Mesmo esses eles eram solitários, porque no fim ele tinha que voltar para o hotel, sabe? Tinha um supervisor, que inclusive eu viajei com ele, a gente estava dormindo no mesmo apartamento, que não tinha quarto, era assim, né? E ele lia e lia, assim, ele dormia pouquíssimo, sabe? Ele lia, tinha uma revistinha que chamava Coiote, ele lia até às 4:00 da manhã. Depois acordava? Acordava. Mas eles são uns heróis, viu? Puxa vida! São uns heróis. E são eles que mantêm o laboratório.
P/1 - Isso é verdade, né?
R - É, eles são a linha de frente, né? Porque sem receituário, o laboratório não vai pra frente, porque é o receituário que mantém um produto, né? E o receituário ajuda até a popularizar o produto, porque quando o médico receita um remédio pra gente a gente acaba comprando o próximo sem receita, não é?
P/1 - E nessas pesquisas finíssimas de laboratório estão realmente ligadas a visita do propagandista com ele receitar aquele laboratório?
R - Tá ligado com o Departamento de Marketing, o Gerente de Produto.
P/1 - Dá pra avaliar isso, então?
R - Dá, Nossa Senhora!
P/2 - Como é que é feita avaliação?
R - Veja só, tem pesquisa de venda e de receituário. A pesquisa de venda é o IMS que faz, é o PMB, que é o Pharmaceutical Marketing Brazil. Então eles fotocopiam notas fiscais, sabe?
P/1 - Das farmácias?
R - Das farmácias, dos distribuidores... Eles têm um universo estatístico representativo, né? Eles são craques nisso. E ele diz, por exemplo, assim, você chega para o seu segmento de produto: “________ Brasil, quem é o primeiro laboratório? Vendeu quanto?” “Vende 'x' nesse mês e 'x' nos 12 meses, sabe?” E você compara com a sua vida, e você vai ver que eles acertam quase em cima. [risos] É impressionante, né? Depois eles vão por categorias: antibióticos. Antibióticos de largo espectro, de pequeno espectro, de médio espectro, e você vai ver o seu lá, por exemplo, tirar antibióticos tipo Keflex e tal, que agem em bactérias gram negativas e tal, né? Eles vão lá, tá-tá-tá, sabe? Ele fala: “O primeiro é o Keflex, o segundo é o tal, vendeu tanto, vendeu tanto no Brasil, vendeu tanto na região de São Paulo, tanto na região de Porto Alegre...” E avalia o vendedor, porque é um sucesso em São Paulo e um fracasso em Porto Alegre, por que? Deve ter alguma razão. E o Gerente de Produto analisa esse detalhe?
P/1 - O Gerente de Produto então analisa?
R - Analisa, viaja, né? Porque, às vezes, em Porto Alegre, é porque o propagandista, a equipe do outro laboratório é muito forte, né? Mas o produto todo é mais barato, fez promoção, né? Esse é de vendas, depois vem o de receituário. O de receituário tem duas. São essas: Close-Up que xerocópia receita em farmácia... Aí você passa lá você não vê nada, o sujeito já xerocopiou. De repente, no fim do mês, ele tem dois milhões de receitas e na receita tem o nome do médico e tem o produto, não é? Numa primeira fase eles fazem do produto, mas tem umas pesquisas especiais que eles fazem do médico.
P/2 - Aí dá pra fazer um cruzamento.
R - Dá pra fazer. Ele falou: “Olha, aqui em São Paulo o médico que mais receita se produto é o doutor _____.”
P/2 - Que é lá de Santo Amaro, que tem firma aqui no _________.
R - Que é de Santo Amaro, né? Ah, sim. Quer dizer, esse tipo de coisa os médicos nem sabem direito, mesmo porque pode arranhar a ética, né? E também eles nunca dizem, por exemplo, o nome do paciente nunca aparece em pesquisa. O nome do paciente não aparece de jeito nenhum, porque aí daria um bororó danado, né? E depois vem uma pesquisa que é uma pesquisa de médicos que relatam: “Eu entrevistei tal pessoa - só não fala o nome. Uma mulher, de tantos anos, não sei o quê, com uma tal história...” Você tem um perfil no fim... você pega, soma tudo. Divide, tal, você fala assim: “Bom, qual é o perfil o meu produto?” Aí é que está: “Meu produto é um perfil pra mulheres entre 17 e 19 anos, não sei o quê, sabe?” Tudo. [risos] Agora, com computadores e tal eu imagino o que esse pessoal tá craque, porque na época a gente fazia isso na mão. Eu tinha uma pesquisadora, que era a Heleni F. Carpides, né, que fazia tudo, desenhava o gráfico, sabe? Ficava uma semana, quando ia ter reunião. Agora esses gráficos saem direto, né? [risos] Qualquer programinha ali você tira ele do jeito que você quiser. E eu também, eu acho que o pessoal gostava um pouco das minhas representações porque eu era claro, né? Eu desenhava tudo. Isso que o computador faz hoje eu fazia tudo. Partia do geral para o particular: “É isso, é isso, é isso...” E aí dava os gráficos e tal, a pessoa entendia. Então eu ________ o rei do gráfico. Com o que a gente tem hoje, puxa vida, o que dava pra fazer? É que também, sei lá, computador dá tanta informação pra gente, né? [risos] Mas o principal eu acho que ficava, né? Porque eu acho que em tudo o que a gente faz precisa ter uma clareza, você precisa saber o que está acontecendo. E a pessoa que sabe o que está acontecendo faz a coisa de uma forma simples. Só complica quem não sabe. Tem uma pessoa que está complicando muito o assunto é porque ela não entendeu, ela não foi profunda o suficiente, pra transformar aquilo numa equação simples, porque a coisa mais complexa que o pessoal acha aí fora é a matemática, e a matemática é a coisa mais simples que existe. É a mais simples das ciências, né? Porque você pode saber tudo! Você já pensou a medicina? A medicina parece que sai por dia mil artigos. Não dá tempo nem de ler o resumo da especialidade dele, né? [risos] E a matemática você estuda aquelas funções, tal, não sei quê... Você tem a fórmula, ela vai pra lá, ela pode ser positiva, pode ser negativa, não sei quê, né? E o homem comum se atrapalha com a matemática. O estudante, né? Eu mesmo nunca fui bom de matemática. Quando eu entrei nesse negócio eu precisei estudar um pouco, depois esqueci tudo. Mas eu acho que a cultura é exatamente isso, é aquilo que fica e depois que você esquece tudo o que aprendeu. [risos] Eu tomei aula de um professor de cursinho. Eu falei: “Olha, eu preciso, eu estou aí num laboratório, estou mexendo com muito número, né?” [risos] Aí ele, ele era ótimo, viu? Ele era ótimo, ele começou a me dar uns negócios, sabe? De vez em quando eu perguntava: “Mas pra que é que serve isso? Derivada e tal?” “Acho que não serve pra nada não.” [risos] Ele falou: “Não, serve pra você mexer com a sua cabeça, fazer uma ginástica. De repente você aplica isso em outra coisa, né?” Eu, por exemplo, na Fundação Getúlio Vargas, eu fiz aquele curso de Marketing. Os professores não entendiam de mercado farmacêutico, mas eles entendiam de mercado, sabe? Eu adaptei muitas coisas para o mercado nosso. Muitas coisas que depois pessoas que trabalharam comigo continuaram e melhoraram.
P/2 - O quê, por exemplo?
R - Por exemplo o planejamento. Uma coisa, por exemplo, que eu sou muito bom, qual é o produto que precisa receber a sua propaganda, e quanto é que você vai pôr em cada produto? Isso é feito, assim, muito no olho. Era feito, hoje não sei como é que é. Aí eu falei: “Eu vou estudar um critério baseado em sete critérios, fazer um ranking, né? Qual é o produto mais interessante pra receber? Qual é o segundo? Qual é o terceiro?” E comecei partindo de idéias que eu peguei aí na Fundação. Depois, o Abinel, que trabalhou comigo na (Bic ?), era o Gerente de Planejamento, ele desenvolveu e fez melhor até. Mas a base, a primeira vez eu que levei a coisa bruta.
[pausa]
R - Ele desenvolveu. Hoje ele dirige um laboratório, aí. Ele era bom de matemática e tal. Aí ele pegou aquilo, né? Aí depois ele foi no detalhe: “Olha, eu acho que a gente pode melhorar aqui, sabe?” [risos]
P/2 - Quer dizer, na verdade o senhor acabou sendo uma inovação que a Rhodia fez, quer dizer, no mercado?
R - Isso eu comecei na Rhodia.
P/2 - Você começou isso na Rhodia?
R - Comecei mas era muito... Foram essas idéias que seduziram um pouco aquele francês. Depois eu desenvolvi na (Bic ?), lá com o Abinel, sabe? Que eu peguei, por exemplo, tinha um produto que vendia muito. Por exemplo, só pra ter uma idéia, né? Mas ele tinha o que eles chamavam de contribuição marginal pequena, ou seja, era o lucro que ______. Todas as despesas, o que é que sobrava, né? Você vendia muito, mas não dava lucro, né? Tem outros que você vendia pouco e dava um lucro danado. Tinha coisas, assim, que dava um lucro fantástico e tinha outros que não dava nada. O produto antigo não dava lucro.
P/2 - Mas na Rhodia, por exemplo, tinham alguns produtos que não precisava mais nem tanto de divulgação, não tinha? Tipo Gardenal?
R - É, tem o Gardenal. E o Gardenal dava um lucro mínimo. Já chegou a vender quantias fantásticas de Gardenal. Eu não me lembro, assim, mas fantásticas, sabe?
P/2 - Foi o produto campeão de vendas?
R - Em unidades, seguramente, era. No entanto, tinha um produto que chamava Nootropil, que era caro e que vendia pouco, mas dava um lucro muito melhor.
P/2 - O senhor participou da estratégia de lançamento do Nootropil?
R - Eu lancei o Nootropil.
P/2 - Você que lançou? Como é que foi?
R - É, foi. Primeiro que eu assustei com o preço do produto, sabe? Mas aí era um produto da UCB, Union Chimique Belge, que era um laboratório ligado à Rhodia, na Bélgica, um laboratório moderno e tal. E fizeram uns testes e descobriram esse produto, que melhorava o funcionamento cerebral da pessoa. E sabe qual o nosso desafio? É que lançou na Bélgica e, nem estava direito lançado na Bélgica, veio pro Brasil. Ele não tinha experiência.
P/2 - Porque é que vieram tão rápido para o Brasil?
R - Porque eles estavam estreitando as relações, né? E era o que eles tinham de bom, assim, pra oferecer, né? Parece que a Rhodia entrou de sócia dele, sabe? E aí, vieram pra cá, e foi um lançamento fantástico. A gente estava iniciando aquela ideia de Marketing mesmo, Gerência de Produtos, segmentar a linha, né? E aí o tanto que, o senhor de lá, tinha dois. Um chamava Joachim Puig _____, e tinha o outro que era o chefe dele, ele me chamava de Monsieur Nootropil. [risos] Mas eu falava com ele... (Arinho ?)... “(Arinho ?), mas esse produto é caro demais.” Ele falou: “Mas esse produto oferece uma coisa que os outros não oferecem.” Eu falei: “Vai ser um fracasso e tal...” Apavorado. E o produto pegou que foi uma beleza. E era difícil provar que o produto agia.
P/2 - Como é que foi a propaganda dele assim?
R - Aí é que tá. Veja só qual foi a nossa coisa. Olha, essa foi uma experiência interessante também, viu? É que eu não tenho mais tempo pra estudar esses casos, né? Porque o produto, por exemplo, é desse que melhora o desempenho em que as crianças tomam bomba, menos bomba
P/2 - Na escola. [risos]
R - É, na escola. Como é que você vai provar um negócio desse? E eu chegava... porque é muito comum no laboratório ir ver o que é que eles estavam fazendo lá e traduz, adapta, sabe? Mas tem coisas que você não... esse não tinha muita coisa, tinha pouquíssima coisa, né? Então gente entrou na campanha cedo, né? E foi bem aqui, bem mesmo. Virou o primeiro produto da Rhodia, assim, rápido. Acho que o primeiro mesmo, que era o primeiro em vendas em valor. Não vendas unitárias. E depois a estratégia nossa foi usada em vários países.
P/1 - E qual foi a estratégia?
R - Nós pegamos o seguinte, pegamos os testes de laboratório, sabe? Por exemplo, rato, o rato aprende. O rato, por exemplo, não gosta de água nem de claridade, né? Então você solta o rato num labirinto aquático pra ele aprender a sair. Ele sai e vai embora. Aí você pode contar quantos erros ele cometeu. Tá-tá-tá-tá... cometeu 50 erros. Aí você faz, faz, faz... depois dá Nootropil para o rato, o rato cometia menos erros, sabe? Depois eu dava, ao lado de um teste desse, eu dava um exame, que melhorou o desempenho das crianças, a memória. Aí eu fiz um jogo de memória, que a pessoa virava as coisinhas assim, sabe? [risos] Tudo isso com a Gang. E o produto pegou. Olha, mas foi muito bom.
P/1 - Então, a gente queria encerrar. O senhor concorda?
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