Entrevista de Walton Pacelli
Entrevistada por Torigoe / Daniela
14/06/2021
Realização: Museu da Pessoa
Entrevista número FUNAS_HV016
0:11
P/1 – Pacelli, obrigado pela presença do senhor! Qual é o seu nome completo?
R - Walton Pacelli de Andrade.
0:24
P/1 - O senhor nasceu em que cidade e em que dia?
R -Eu nasci na zona rural, fazenda da Vargem, no Distrito de Santo Antônio do Glória, município de Vieiras, Minas Gerais. Da área de maior influência, a cidade é Muriaé.
0:45
P/1 - O senhor nasceu em hospital ou em casa, como é que foi?
R – Foi na fazenda mesmo.
0:56
P/1 – E a sua mãe e o seu pai contaram para o senhor como é que foi o seu nascimento?
R - Não, esse detalhe de data de nascimento eu desconheço. O que eu posso dizer é que eu sou de uma família numerosa. O meu pai foi casado duas vezes, o primeiro matrimônio ele teve 11 filhos e com a minha mãe ele teve 9 filhos. Então nós éramos 20 irmãos. E eu era o décimo quinto. Dos meus irmãos, atualmente nós somos só seis vivos.
1:42
P/1 - Qual é o nome da sua mãe?
R – É Rita de Oliveira Andrade.
1:51
P/1 - Como é que a família dela? De onde eles vieram? O que eles faziam?
R - O meu pai contava, que o pai dele saiu do Sul de Minas e foi parar em Muriaé. E da minha mãe daquela região mesmo. E o meu pai, ele era fazendeiro, mas ele começou trabalhando como tropeiro, ele e o irmão dele, Abelardo Goulart. Então eles tiveram muito sucesso na vida, e foram dois fazendeiros de grande expressão na região. E eu fui criado na fazenda, sai para começar a estudar com sete anos de idade, e depois na região agrícola mesmo. E o primeiro contato que eu tive com a cidade, foi em Miradouro, onde eu fiz o terceiro e o quarto ano primário. Depois eu fui para Muriaé, estudei mais um ano e de Muriaé eu fui para estudar em Manhumirim, no Colégio Pio XI, foi 1951 a 1953. E depois eu fui para Juiz de Fora, onde nós tínhamos um grupo da família muito grande, sempre estudando juntos. O papai alugava uma casa, e eram os filhos e os sobrinhos todos juntos. Nós chegamos a ter nesse grupo, às vezes de 15 a 20 pessoas, todos os estudantes. E isso dava uma harmonia na família muito grande.
4:07
P/1 - E qual é o nome do seu pai completo?
R - Amaro Acelino de Andrade.
4:15
P/1 – O seu pai então ele era fazendeiro. Ele criava o que? Gado é isso?
R – Ele, inicialmente, eles tiveram um período de muita prosperidade com plantação de café, por nada, no auge do primeiro ciclo de café, eles foram muito bem sucedidos, tanto ele como meu tio. E depois também, ele se dedicou muito à pecuária. E a fazenda tinha uma diversidade na época, muito grande de plantação de arroz, feijão, milho. E o forte foi o café e depois o gado. O papai chegou a montar, inclusive, um laticínio na propriedade, e esse laticínio funcionou durante um certo período, e depois ele fechou. Mas ele era uma pessoa de muita conhecimento da região, ele era muito respeitado também, pelas posições de chefe de família e política também, que ele tinha uma certa influência política.
5:36
P/1 - Me conta um pouquinho, então Pacelli, como é que era essa fazenda, essa propriedade? Ela ainda tá lá?
R - Ela está, como nós éramos, uma irmandade muito grande. Eu fiquei com uma área remanescente do meu pai, de cerca de 75 hectares. Depois eu comprei um pedaço dos meus irmãos, hoje eu tenho essa propriedade, em torno de 100 hectares. E eu faço criação de gado. Eu não sou muito bem sucedido como fazendeiro, porque como a gente conciliar, a profissão de engenheiro e dedicar a agricultura. Mas eu preservo essa herança que o meu pai me deixou. E frequento lá com certa frequência. Inclusive eu me sinto bem, eu ainda consigo andar bem a cavalo. Eu sai da fazenda, mas a fazenda não sai da gente não.
7:03
P/1 – Pacelli me conta um pouquinho mais sobre isso então. Como é que foi crescer nessa fazenda? O que te marcou nesse período na sua infância?
R – Essa fazenda, justamente a infância minha e dos meus irmãos, meus sobrinhos, foi uma infância muito livre, a gente tinha muita liberdade na fazenda. O papai tinha muitos empregados, e os filhos dos empregados, a gente tinha uma convivência muito harmônica. Então eu fui acostumado desde a infância, a me relacionar muito bem com as pessoas que viviam na minha comunidade da fazenda, e com muito respeito. A mamãe era muito católica, muito religiosa, e fazia a gente ter um respeito muito grande pelas pessoas. E isso eu procuro preservar na minha vida até hoje.
8:23
P/1 - Como é que foi crescer com tantos irmãos? Vocês se davam bem ou não?
R - A mamãe, apesar de ter sido uma camponesa, com pouca instrução, ela era muito inteligente. Como nós tínhamos 11 irmãos, mais velhos, todos os filhos dela, os 9, fomos afilhados dos mais velhos. Com isso ela criou um ambiente de muita harmonia e muito respeito. Nós respeitávamos os mais velhos, que quase todos nós, éramos todos os afiliados dos mais velhos. Então isso dava uma harmonia muito grande. E quando a gente saía para estudar, nós nos concentramos mais em Juiz de Fora. No 4 ginásio, no 3 ginásio, eu saí do colégio Pio XI de Umirim, e fui para o colégio Cristo Redentor, em Juiz de Fora, onde eu acabei o ginásio e depois fiz o científico. Prestei vestibular para engenharia, e comecei o curso 1958, o curso de engenharia. Em 1959 eu servi o exército, na época não tinha o CPOR em Juiz de Fora, eu servi no estabelecimento Regional de Finanças, que era um regime misto, de burocracia. Que dizer, fazia o pagamento da 4ª região. E eu era soldado nesse estabelecimento, eram 5 soldados, acho que 17 ou 19 sargentos, 5 tenentes, 2 majores e um tenente coronel que era o chefe do estabelecimento. Então a harmonia, que a gente tinha também nesse estabelecimento de finanças, era muito saudável. E os três primeiros meses, eu segui como soldado na tropa mesmo fiz muita ordem unida e o batente no décimo regimento de infantaria de Juiz de Fora. Esse período militar, ele foi muito importante na vida, porque eu me acostumei no ambiente de hierarquia. E isso estabeleceu uma visão que norteou bastante etapas da minha vida, de ter boa harmonia tanto com os subordinados, como com as chefias
11:20
P/1 - Desde quando você quis ser engenheiro? Ou teve alguma outra profissão que você quis antes de ser engenheiro? Como que foi isso?
R – Eu me lembro de quando a gente estava no internato em Manhumirim, havia uma semana de, eu não lembro como que era dominado. Alguns estudantes eram escalados para falar sobre o que queriam ser, e eu lembro muito bem de uma palestra, eu não me lembro mais o nome dele, assim, de bate pronto. Mas ele falou que queria ser engenheiro, e aquilo ficou como uma semente na minha cabeça, que eu gostaria de ser engenheiro. E como eu tinha muita afinidade com ciência exatas, então eu decidi ser engenheiro já no ginásio. E nunca tive outra pretensão com outra profissão.
12:36
P/1 - E você querendo ser engenheiro, os seus irmãos queriam também, seguir essa carreira?
R - Os meus irmãos mais velhos, todos ficaram fazendeiros. Eles ficaram nas propriedades do papai. E os filhos da mamãe, ela teve uma visão que a gente tinha que ter uma profissão liberal. Então o meu irmão mais velho, ele fez farmácia, a minha irmã fez odontologia, a terceira ela parou de estudar depois do científico, casou logo, eu sou engenheiro, meu irmão mais novo que eu era advogado. E depois duas irmãs se dedicam ao magistério, uma foi assistente social, e uma inclusive, chegou a endireitar para a profissão de artista, era quase que autônoma. A minha irmã mais velha, casou com um doutor em física Mexicano e foi morar no México em 1970. Então a partir dessa época, nós tivemos uma relação muito forte com o México. E eu fiz a primeira visita a minha irmã no México, quando Furnas me mandou para os Estados Unidos, para fazer estágio, em 1970. E eu passei no México pela primeira vez em 1970. Então, eu dei uma pulada aí cronologia, mas quando eu me formei em engenharia, eu inicialmente eu fui trabalhar na construção da barragem do Funil, que ainda era da companhia hidrelétrica do Vale do Paraíba, a Chevap. Isso foi em 1964. De 64 a 67, nós éramos da Chevap, como a Chevap era uma empresa que tinha 5 diretores, e cada uma representa uma facção política. É uma empresa que acaba se tornando inviável. E Furnas foi escalada pela Eletrobras, para assumir a construção da Barragem do Funil, foi nessa época que comecei a trabalhar em Furnas. Então eu já comecei a trabalhar em Furnas em 67 mais ou menos. Furnas não foi o meu primeiro emprego, foi meu segundo emprego, mas nós fomos absorvidos pela Chevap. Dos remanescentes da Chevap que trabalharam em Furnas, me lembro do engenheiro Paulo Antônio de Barros, foi meu primeiro chefe, depois o Moacir Ferreira Nunes, também trabalhou na Chevap e tinha o Walter que foi do departamento de engenharia civil. Eu lembro que tinha mais uns 3 ou 4 remanescentes de Chevap dentro de Furnas. Para memorizar todos os nomes assim, a gente tem um pouco de dificuldade hoje.
16:25
P/1 – Teve algum professor, algum colega que te marcou? No ginásio, no científico?
R - No ginásio eu tive dois professores muito marcantes, o professor Murilo Hingel, que era professor de história, depois ele foi ministro da educação no governo do Itamar Franco. E o professor Acélio Santini, que era professor de português. E os professores de matemática também, os padres da academia, de ascendência alemã, também tiveram alguns padres muito marcantes na carreira, principalmente na área de ciências exatas, química e matemática. Isso aí teve influência grande também para a gente seguir a carreira de engenheiro.
17:37
P/1 - Então você entrou em 58 na faculdade em Juiz de fora, é isso?
R - 58! Me formei em 63. Em 59 eu servia o exército, estava no segundo ano de engenharia.
17:57
P/1 - Então me conta um pouquinho como é que era a Universidade de Juiz de Fora nessa época? Como é que era o curso?
R - A escola de engenharia, quando nós começamos a estudar, ela tinha 181 estudantes, e a minha turma, foi uma das turmas com maior número de alunos, nós éramos 46, e formamos 38. Então eram turmas relativamente pequenas, isso criou um ambiente também de muita camaradagem, muita amizade, entre os colegas. E a escola de engenharia, sempre se notabilizou em Juiz de Fora, nas Olimpíadas universitárias. E a Escola de Engenharia era a mais ruidosa nas torcidas, e nas alegrias das comemorações, sabe.
19:00
P/1 - O senhor gosta de esportes? Acompanhava futebol nessa época?
R - A gente sempre jogou muita pelada de futebol, é um esporte que eu gostava. E nas férias a gente, na fazenda, a gente dedicava muitas atividades, e inclusive na parte de pecuária, a gente participar muito das atividades do dia a dia da Fazenda. O papai tinha uma fazenda no município de Santana de Cataguases, e era uma distância de 70 km da Fazenda que nós morávamos. A fazenda da Vargem em Santo Antônio do Glória. Quando a gente estava um pouco maior, meu irmão e eu, nós levamos gado, bezerro para fazenda de Santana e trazíamos as novilhas de lá. Isso é uma distância de 70 km, a gente fazia em dois dias. Então a gente dedicava muito também a essa parte de participar das atividades, principalmente pecuária.
20:15
P/1 - O senhor achava perigoso fazer esses trabalhos, como é que era?
R - O papai me ensinou arriar um cavalo, eu devia ter 8 a 9 anos. Depois dessa idade, quando a gente estava de férias, sempre que ele precisava de cavalo, ela andava a cavalo todo dia. Quem arriava o cavalo para ele era eu, ele mandava, ia no pasto buscar o cavalo e arriava. Então a gente participava muito das atividades da fazenda.
20:55
P/1 - Como é que foi o seu tempo no exército? O senhor ficou quantos anos?
R - O exército na realidade, eu fiquei 11 meses e alguns dias. Foi uma experiência também, que eu acho muito positiva, porque no exército a gente aprendia a disciplina militar. Quem não fosse disciplinado, levava reprimendas. Então eu me adaptei muito bem como soldado. E o estabelecimento de finanças, tinha um contingente relativamente muito pequeno, e eu fui escalado para ser o (21:50..). Eu pegava a correspondência diariamente, no quartel general da quarta região, levava e trazia as correspondências. Então eu tinha essa função de (22:04..), quando eu fui soldado.
22:10
P/1 – E teve algum evento, algum dia que te marcou, enquanto soldado?
R - Na realidade, as marchas que a gente fazia, nós chegamos a fazer marcha de 16km. Eram as coisas que a gente mais recorda. E o período do treinamento militar também, com as ordens unidas, nesse período, nós praticávamos muitos exercícios militares, de marcha. Nós não tínhamos muita ligação com a parte de armamento, mas o período inicial, os 3 primeiros meses, a quarta região, fazia o treinamento preparatório nesses 3 primeiros meses, isso todo mundo fazia junto.
23:13
P/1 - Você sai do período do exército e volta para a Escola de Engenharia?
R - Um episódio que eu achei muito interessante no exército. Nós tínhamos aula de química, uma vez só por semana, e era justamente o dia que o exército não me dispensava, praticamente para ir a aula. E o professor de química, ele era pai do Bracher, esse artista plástico, esse pintor. E ele não se primava muito pela disciplina. E coincidência, uma das poucas aulas que eu vi do Bracher, o pessoal se exagerou um pouco na bagunça na sala, e ele ficou muito exaltado, e falou que dentro daquela sala tinha que ter mais respeito, que aquilo era mais importante que o Vaticano. E não é que depois eu fui seguir a minha profissão, trabalhando em laboratório, quase que a da importância do laboratório. E eu por coincidência, quando eu comecei a trabalhar na Barragem do Funil, eu fui escalado para trabalhar no laboratório de concreto. Isso foi o ponto central da minha vida profissional desde 64 até quando eu saí de Furnas, em 2003.
25:24
P/1 - Você quando estava fazendo engenharia, a sua especialização não era nessa área não? Era em que área?
R - Na realidade eu nem pensava em ser nada disso, quer dizer, foi uma casualidade. Quando eu cheguei na barragem do Funil, eu fui junto com um amigo meu, Alfredo Werner, que trabalhou também em Furnas e estudou em Juiz de Fora. Quando chegamos, nos apresentamos para trabalhar, tinha uma vaga para trabalhar na parte de hidrologia e uma para o laboratório de concreto. E o Alfredo se interessou pela hidrologia e eu fui para o laboratório de concreto. E na época, o engenheiro Paulo Antônio de Barros, ele chefiava a fiscalização da barragem do Funil pela Eletrobras. E ele foi meu primeiro chefe indireto. E o chefe do laboratório chamava Luiz Ferreira e Silva, era um coronel aposentado do exército, e eu fiquei como auxiliar do engenheiro Luiz Ferreira. E o engenheiro Luiz Ferreira, foi fazer um estágio de instrumentação no LNEC, e ficou praticamente 6 meses, não sei se foi 6 meses ou 5 meses, fazendo esse estágio. E nesse período, nós começamos a construção, e quando ele regressou, o engenheiro Luiz Ferreira, teve um problema pessoal e saiu. E eu fiquei responsável pelo laboratório, recém-formado, e a minha formação, não tinha sido preparado para enfrentar um laboratório de concreto. Mas eu me dedicava muito, e comecei a estudar muito, e fui autodidata, praticamente nesse começo todo. Como a Barragem do Funil ficava em Resende, eu de vez em quando ia ao Rio e São Paulo, e nas livrarias, principalmente na livraria Mestre Junior em São Paulo, eu peguei muito livro técnico, eu ainda tenho alguns livros técnicos que eu comprei nessa época. Eu lembro do manual (27:59...) eu consegui uma cópia dele em espanhol e alguns livros em francês. Então eu comecei a estudar em francês, eu lia muito bem em francês, eu não falo francês. E o Doutor Laginha Serafim, que era o projetista da Barragem do Funil, um português, na primeira visita que ele fez ao laboratório. Ele me perguntou se eu conhecia o manual (28:36...), ele estava aberto na minha mesa, a hora que ele perguntou. Então eu sempre me dediquei muito e praticamente fui autodidata esse período. No segundo ano que eu estava na Chevap, eu fiz um estágio no IPT, no laboratório do IPT. Foi no primeiro ano, foi em 64. Eu fiz um estágio no IPT que me marcou muito também. Aí eu peguei um conhecimento muito razoável na área de tecnologia, ensaio de cimento, de agregado e toda área de concreto. E depois, em 66, eu fui mandado para fazer um estágio sobre instrumentação também, no escritório da COBA, em Portugal e no LNEC, já pela Chevap. E eu fiz esse estágio, na parte de instrumentação, com o Doutor Laginha Serafim. Eu fiquei uma parte em Lisboa e uma parte em Madrid. Particularmente foi muito penoso para mim, porque quando eu fui designado para fazer esse estágio, a Purica, minha mulher, estava grávida da minha filha, e estava no 7º mês da gravides. Então quando eu fui designado para fazer o estágio, eu tive que me deslocar sozinho, e eu fui conhecer a minha filha com 2 meses de idade, depois quando eu voltei. Então foi um período muito duro para mim, mas por outro lado, foi um período também que eu tive que aproveitar muito. Porque a experimentação da Barragem do Funil, alguns instrumentos que foram instalados na Barragem do Funil foram pioneiros no Brasil. E eu fiz essa instalação de todos eles. E com um estágio de 4 meses que eu fiz na COBA e no LNEC. Então esse período também foi muito rico. Depois, quando eu já era de Furnas. Furnas naquela época, era praticamente compulsório os engenheiros fazerem estágio nos Estados Unidos. Então o requisito para fazer estágio, é que a gente tinha que fazer uma prova de Inglês e passar na prova de inglês. E eu quando fiz o estágio, na primeira parte do estágio, eu fiz um período inicial de um mês (31:24...), também foi muito rico para mim, ter contato com a literatura do (31:33...). Depois naquela época, os estágios, Furnas mandava a gente visitar as obras que estavam em construção nos Estados Unidos. E eu visitei várias obras em construção, isso foi muito rico para mim, aumentou muito a experiência, ver obras grandes, muito bem tocadas. E principalmente a parte de literatura. E no estádio do (32:03...), tinham muitos estrangeiros, principalmente os asiáticos, os indianos e outras nacionalidades. Então a gente tinha convivência também com essas pessoas.
32:28
P/1 - E isso tudo para preparar o senhor, para trabalhar na implementação da barra do Funil, é isso?
R - Quando eu fiz esse estágio (32:40...), já estava no fim da construção do Funil. E a Barra do Funil, eu era responsável pela qualidade do concreto, laboratório de concreto. E tinha uma equipe, relativamente reduzida, mas de pessoal que aprendeu a trabalhar junto comigo. E desse pessoal que trabalhou comigo, alguns eu consegui levar. Quando eu fui transferido do Funil para Marimbondo, eu levei 4 elementos dessa equipe. O Wellington Maciel, o Carlito de Oliveira, o Nilton Ferraz e o Zé Geraldo Amim, que era o meu primo. Eu mudei de local de trabalho, praticamente mudei de emprego, porque eu não conhecia quase ninguém. Eu fui fazer parte da equipe do Doutor Rubens Viana de Andrade, que era superintendente de obras do Rio Grande, a RSG na época. E praticamente, eu fui um estranho no ninho quando eu cheguei lá. Então, foi um período de adaptação muito difícil. Mas graças a Deus eu me dei muito bem, lá em Maribondo também.
34:03
P/1 - Você quando eu entrar em Furnas era relativamente jovem. E o que era Furnas para você, para os engenheiros nessa época? O que as pessoas pensavam da empresa? O que as pessoas sabiam dessa empresa? O que ela representava na época?
R - Na época Furnas tinha acabado a construção da Usina de Furnas. Quando Furnas foi responsável por assumir Funil, ela estava construindo a Barragem de Estreito na época. Eu lembro que houve intercâmbio do pessoal de Estreito visitando Funil e Funil visitando Estreito. E foi o primeiro intercâmbio que eu tive na área. E na época também, tinha a construção da Termelétrica de Santa Cruz, eu também, por causa de ser do laboratório de concreto, às vezes eu ia dar assistência lá em Santa Cruz. Foi nessa época que eu conheci o Moacir Ferreira Nunes, que depois se tornou superintendente, sempre fomos muito amigos, desde essa época.
35:26
P/1 – O senhor se lembra como é que foi seu primeiro dia na empresa de Furnas? Onde que foi?
R - Na realidade, quando nós começamos em Furnas, o chefe da obra, era João Claudio Resende Martins, foi designado por Furnas. E ele tinha saído da construção da Usina de Furnas e foi para o Funil, e ele levou o Carlos Costa Câmera, que era um gerente de campo e o João Brás, que era um administrativo. E eu lembro de uma passagem, que houve uma certa resistência, porque no Funil tinha alguns militares da reserva, que trabalhavam como Engenheiros. E houve um desentendimento do João Carlos, com algum desses militares. E eles saíram. Inclusive nessa época saiu o Luiz Ferreira e Silva. E a gente teve também, sempre um certo contato com área militar, na Academia Militar das Agulhas Negras. Principalmente com pessoal do batalhão de engenharia do exército, visitava muito a construção do Funil. Então tive bom relacionamento com esses militares, dos batalhões de engenharia do exército.
36:57
P/1 - Quais foram os desafios para se levantar a barragem do Funil? Tinha alguma especificidade ali naquele lugar que foi um problema a ser resolvido? O que você pode contar para a gente sobre isso?
R - A especialidade do Doutor Laginha Serafim, era justamente projetos de Barragem de água, por curvatura. E o Funil foi uma exceção no Brasil, porque uma barragem de água, por curvatura, foi a única construída no Brasil até hoje. E construir uma barragem desta, na época também foi um pouco tumultuado, porque foi mudado o empreiteiro. Era atento, depois passou para Cristiano Nilson. E a Cristiane Nilson tinha uma influência muito grande dos dinamarqueses, porque era uma firma dinamarquesa. Então o convívio com esse pessoal, os encarregados às vezes eram dinamarqueses, e aí tinha Engenheiro com ascendência europeia. O concreto da barragem do Funil, naquela época a gente usava o agregado, a brita maior era de 150ml, agregado de grande dimensão. Essa época que deu arranque das obras do setor elétrico mesmo, da construção. E Furnas já tinha construído a barragem de Furnas, mas eu não tinha tido nenhum contato com a construção da Barragem de Furnas. E como eu comecei como engenheiro da Chevap, a minha primeira experiência não teve influência nenhuma de Furnas, nesse arranque profissional. E eu tive que dedicar muito, principalmente o intercâmbio com outras entidades, principalmente o pessoal da Serlusa na época, que construía as centrais elétricas do grupo Urubupungá, que era o grupo da Ilha Solteira. Durante o estágio que eu fiz no IPT, eu visitei a construção de Jupiá, e tive muito contato com o pessoal de laboratório, de campo. E a influência da gente em fazer uma barragem de concreto igual a Funil, e uma das barragens mais bem construídas no Brasil, foi uma coisa muito interessante, a gente tinha que se dedicar muito. Eu lembro que quando a gente trabalhava, as vezes 2 horas da manhã eu estava vendo como estava o serviço, a gente se dedicava muito. E a barragem do Funil, por incrível que pareça, além de ser a barragem mais bonita do Brasil, uma das mais bem construídas do Brasil ainda. A gente não tem conhecimento de problema técnico da barragem do Funil, problema de manutenção normal. Mas é uma barragem belíssima. Essa experiência do Funil, ela foi muito enriquecedora para mim, porque foi um desafio, partir praticamente do zero, e começar a ter esse domingo da tecnologia de construção de barragens.
40:44
P/1 - Você pode descrever para mim como é que é esta a barragem?
R - Como eu falei, ela é uma barragem de dupla curvatura, ela tem 85m de altura, e a base da barragem, por incrível que pareça, eu sei as cotas da barragem do Funil até hoje de memória. Na cota 402, onde ela dava o arranque da dupla curvatura, naquela ali, ela tinha 12 metros e 50 de largura, e terminou em cima, com 3,60m. Quer dizer, ela subiu 66m com a curvatura e afinado. E aí é uma barragem que foi muito bem construída, muito bem executada. Então a estrutura da Barragem do Funil, para quem conhece, ainda acha ela muito bonita. Eu falo que é a mais bonita do Brasil, sem nenhuma modéstia, porque é bonita mesmo. É uma característica assim, diferente mesmo, e ela foi muito instrumentada. E o controle da qualidade também, muito rigoroso. E a gente fazia uma fiscalização muito efetiva, a fiscalização de Furnas sempre foi muito efetiva, todas as obras, tanto no Funil, como em Maribondo, Porto Colombo. Das obras que a gente começou a participar depois, no futuro, o que caracterizou sempre as grandes obras de Furnas, não é só as grandes obras não. A empresa Furnas, sempre se privou de ter um quadro técnico muito rigoroso e de muita dedicação com execução das obras. E as obras de Furnas sempre foram muito bem executadas, são muito bem fiscalizadas.
43:47
P/1 - Por que o concreto tem que ser diferente para construir essas barragens? Por que precisa de um laboratório?
R - Qualquer grande obra de concreto tem que ter um cuidado muito grande com o controle da qualidade, e especificamente, quando os volumes são grandes. Nós chamamos concreto massa, o cimento quando reage com a água, a reação de hidratação, ela é exotérmica, produz calor. E com isso, a gente tem que ter um controle efetivo da temperatura, e no caso da barragem do Funil, era especificada pela projetista, usar água gelada para fazer o concreto. E o concreto não podia alcançar temperaturas superiores a 45 graus. E com isso nós tínhamos que ter um consumo de cimento, para atingir resistência, mas garantir que a temperatura também não ultrapassasse. Que isso aí é uma coisa que é primordial em qualquer obra. Inclusive quando começava as usinas nucleares, outra preocupação também, foi justamente essa, do concreto massa para usina nuclear, de grandes volumes. E quando nós estávamos terminando Funil, Furnas estava iniciando os estudos para Angra 1. Por coincidência, nós começamos a frequentar a praia de Itaorna, quando não tinha nem acesso de estrada para a região. E o laboratorista que trabalhar comigo, o Valter Jesus de Oliveira, ele tinha bastante experiência em solos. E nós subimos as primeiras jazidas para construção de estrada para acesso de Itaorna. E coincidiu que eu fui transferido para Maribondo, mas fiquei com uma ligação muito forte com o pessoal de Angra 1. Então eu acompanhei a construção de Angra 1 desde o começo também, e Angra 1 foi a outra experiência que Furnas também se notabilizou na época. O desafio de construir uma usina nuclear, a partido do zero, essa experiência também eu tive o privilégio de participar dela também.
46:40
P/1 - Então cada projeto, cada obra, precisa de um concreto específico?
R - Exatamente! As características da obra, quando o concreto foi evoluindo na década de 80, já apareceu uma outra tecnologia, ao invés de fazer o concreto vibrado com vibrador de imersão, pode ser compactado com o rolo. Foi a outra área que o laboratório de Furnas se notabilizou a nível mundial. Desenvolvimento de tecnólogo com concreto compactado com rolo. Isso aí também, os laboratórios de Furnas, quando nós estávamos em Itumbiara, depois já em Goiânia, fazer os estudos para concreto compactado com rolo. E o primeiro concreto compactado com rolo de Furnas, foi feito ensecadeiras delgadas de Serra da Mesa. Foi um desafio muito grande nós enfrentamos e tivemos muito sucesso em função dessas ensecadeiras. Então são tecnologias que Furnas foi acompanhando a nível mundial, isso aí. E teve influência na tecnologia de concreto, principalmente nessa parte de desenvolvimento do concreto compartilhado com rolo, de desenvolver particularidades muito pertinentes à tecnologia brasileira de barragens.
48:23
P/1 – Então o senhor terminou os trabalhos em Funil e foi deslocado para Marimbondo, é isso?
R – Marimbondo! Mas como o laboratório que eu trabalhei no Funil, tinha alguns equipamentos. Eu consegui convencer o pessoal que Marimbondo tinha mais concreto que Angra. Então levei uma prensa, o principal equipamento do laboratório do Funil, nós levamos para Marimbondo, que é um prensa ambid, com capacidade de 300 toneladas. E alguns equipamentos da parte de ensaio de cimento também, E com isso, depois a prensa que construiu Furnas, ao invés de ser usada na construção de Marimbondo, nós conseguimos trocar para ela ir para a construção de Angra. Então essa negociação aí, eu me beneficiei dela, porque eu preservei alguma parte importante do laboratório de Funil para ser transferido para Marimbondo. E foi aí que o laboratório de Marimbondo começou a crescer, mas crescer muito. E depois, quando nós fomos para Itumbiara, o laboratório de Itumbiara, teve um desenvolvimento espetacular, teve um salto muito grande. Aí já tive a influência também do estágio que eu fiz nos Estados Unidos. Eu tenho particularmente, um orgulho muito grande de ter trabalhado em Furnas, porque eu tive muito privilégio de participar e vencer desafios. E principalmente nisso, Furnas eu acho que foi uma experiência muito positiva na minha vida profissional, porque eu tive apoio para desenvolver essas tecnologias. E principalmente de ampliar essa área de laboratórios. E fizemos um laboratório em Goiânia, que talvez fosse o maior centro de Tecnologia de engenharia civil, praticamente, quase que a nível Mundial. Essa experiência foi muito positiva.
51:03
P/1 – Pacelli, me explica uma coisa, cada empreendimento é formado um laboratório?
R – Toda barragem exige que se faça um acompanhamento tecnológico, com laboratório de concreto e de solos, para parte de geotécnica. Isso na época da construção das grandes obras, na época começou o acesso, com Jupiá, Ilha Solteira. Cemig estava construindo, tinha acabado de construir Jaguará, começou a construir Volta Grande e depois São Simão. Então o intercâmbio que existia entre as empresas do setor elétrico, era muito forte. A Eletrosul começou a construir Salto Osorio, Salto Santiago, a COPEL, Foz do Areia. Então, esses intercâmbios eram muito grande com as empresas, e os profissionais dessas empresas todas, nós tínhamos um contato praticamente permanente. E esse intercâmbio de tecnologia, sempre foi muito fértil para nós todos.
52:19
P/1 - Os laboratórios dos empreendimentos ficavam próximo da construção?
R – Os laboratórios das obras tinham que ficar próximos das obras, quanto mais próximo da obra melhor. O do Funil, eu lembro, ainda hoje eu estava vendo uma foto do laboratório do Funil, ele devia ficar uns 400, 500 metros da jusante da barragem. O escritório de fiscalização era a jusante, tinha a cantina, a parte do empreiteiro, e o laboratório ficava ao lado do escritório da fiscalização. Depois o laboratório de Marimbondo, também quando eu cheguei lá o laboratório já estava sendo construído. Aí começamos a ampliar o laboratório de Marimbondo, já pegando alguma experiência desse estágio que eu fiz nos Estados Unidos. Quando nós fomos para Itumbiara, nós já fomos para um laboratório de concreto (53:36...) no fim de Marimbondo. E especializamos, acabamos de montá-lo em Itumbiara. O laboratório de Itumbiara também era muito próximo da obra. E quando nós terminamos em Itumbiara, o laboratório ficou muito grande para ser transferido para outra barragem, e coincidiu também de ter um iate, entre a construção de Itumbiara e de Serra da Mesa. Nós não podíamos transferir um laboratório do porte de Itumbiara para outra obra. Aí Furnas resolveu centralizar o laboratório numa capital, num centro maior. Aí nós estudamos na época, a possibilidade de montar os laboratórios em Brasília, Goiânia e até Belo Horizonte. Em Belo Horizonte, a conversa, na época, o Presidente de Furnas tinha sido da Cemig. O Bandeira, que era o Bandeira de Mello, que era o meu chefe, “Pacelli, Belo Horizonte está descartado”. Porque ele ficou com medo de Furnas perder o laboratório. Então nós estudamos entre Goiânia e Itumbiara. Em Goiânia tinha uma área na subestação ali na Aparecida de Goiânia, uma área muito grande, que dava para transferir o laboratório para lá. Aí nós escolhemos Goiânia como alternativa para montar o laboratório de Furnas. E começamos a construção desses Laboratórios, quase no período final da construção de Itumbiara. E na época nós aproveitamos muito dos recursos de construção ainda para fazer laboratório. Naquela época Furnas tinha uma força de construção de equipamentos muito grande, nós fazíamos muita coisa. Na manutenção das usinas, por exemplo. Quando nós fizemos a manutenção de Marimbondo, nós chegamos a fazer a manutenção do vertedouro de Marimbondo, montamos uma força de trabalho com 200 operários. Nós mesmo que fizemos a recomposição do concreto de Marimbondo, tocando direto. Nós tínhamos muitos equipamentos, quando construiu Furnas, as empreiteiras tinham uma relação de compras de equipamentos. Então, Furnas fornecia os equipamentos. Quando nós começamos em Marimbondo, os equipamentos da construção eram praticamente todos de Furnas. Então Furnas entrava com os equipamentos, e no caso de Marimbondo, a obra foi contratada, e a empreiteira era a Mendes Júnior, com um contrato de administração direta. Furnas administrava a obra e fornecia os equipamentos. Foi uma experiência também, muito interessante, esse período de Furnas. Furnas tinha muita participação nas obras, inclusive com os equipamentos.
57:04
P/1 - Então você falando que trabalha muito em laboratório, no início eu imaginei você numa sala com ar-condicionado, não sei o quê, mas não era nada disso, era do lado da obra né?
R - Você mexeu num ponto aí muito interessante. Para a gente botar ar-condicionado nos nossos primeiros escritórios , nós tivemos que lutar muito. Porque o Ludgero que era meu chefe, era muito muito rigoroso, “não, se botar ar-condicionado aí vocês vão ficar no escritório”. Ficar no escritório nada, a gente ficava o dia inteirinho na obra, de ombro a ombro com o empreiteiro lá, tocando a obra. Nosso regime de fiscalização era muito participativo, efetivamente trabalhado, praticamente a maior parte do tempo dentro da obra. E particularmente, na construção de Itumbiara, foi uma época também, muito fértil para os laboratórios. Porque quando começou Itaipu, o chefe de Itaipu era o Doutor Rubens Viana, que foi chefe nosso em Marimbondo. E ele me chamou um dia lá em Itaipu, “parceiro, nós vamos começar a obra e não temos laboratório ainda, nós precisamos da sua ajuda ``.Doutor manda uns 15 caminhões de Brita, que a gente brita lá em Itumbiara e faz o estudo lá”. E por coincidência, o João Eduardo Moura Guido, que era engenheiro da Cemig também, tinha trabalhado na construção de Jaguara e Volta Grande, e ficou muito meu amigo. E ele foi trabalhar na Eletronorte e me pediu também, falou, “o parceiro, não temos laboratório nenhum e nem condições de estudar concreto”. Eu falei a mesma coisa para ele, “o João Guido, manda para mim, umas 20 carretas de material”. E levamos de Tucuruí para Itumbiara, rocha das escavações, fizemos o estudo de Itumbiara. Na construção de Itumbiara, fizemos o estudo de Tucuruí, Itaipu e Angra 1. Eu continuei com o pé dentro de Angra, trabalhando junto com o pessoal que era da equipe, que tinha trabalhado em Funil e que estava em Angra 1. Nós estávamos construindo Itumbiara, na época eu tinha como auxiliar meu diretor, o engenheiro Francisco Holanda, com 1 ano de formado, o Zé Thomas França Fontora, que eu peguei ele como estagiário e o Zé Francisco do Nascimento, 2 engenheiros recém formados. E a Eletronorte mandou um engenheiro para fazer estágio conosco, Zé Maria Manhango. Esses 3 engenheiros de Furnas, mais o Zé Maria Manhango, que nós fizemos esses estudos paralelos ai. De Itaipu, de Tucuruí e de Angra e construímos Itumbiara, a gente quase não tinha tempo de sentar no escritório. Então era o dia inteirinho na obra mesmo.
1:00:28
P/1 - A impressão que eu tenho é que o seu laboratório nessa época era quase como uma escola de outros Engenheiros né?
R - Nessa época não, esse laboratório, ele tinha que ter sido preservado como referência, ainda está sendo usado como referência de pesquisa para as universidades. A participação de Furnas hoje eu não sei como está, porque eu saí em 2003, no início de 2003. O laboratório tomou outra diretriz, mas na época que eu estava no laboratório, nós participávamos de construção de várias obras, fazendo o estudo dos materiais e dando suporte para muita obra, e fazendo treinamento. Nós tínhamos um programa de treinamento de Estagiários muito forte na época. Então Furnas nessa área sempre se destacou, e se fazia presente nos eventos. E principalmente no seminário de Grande Barragem, sempre apresentamos muito trabalho. Quando eu estava para sair de Furnas, eu fui relator da questão 82, da Comissão Internacional de Grandes Barragens. Eu tinha preparado o meu relato (1:02:00..) ainda como engenheiro de Furnas. E quando eu fui defender esse General Repórter, já era aposentado de Furnas. Mas a falta que eu senti de Furnas nas minhas costas, foi muito grande, porque de uma hora para outra, era eu apresentando lá o General Repórter para 3.000 participantes num Congresso Internacional. Mas estava vestindo a camisa de Furnas ainda.
1:02:34
P/1 - Conta uma coisa, durante esse tempo todo, antes do laboratório de Goiânia, você viveu muito então, colado com as obras, dentro do laboratório, mas colado com as obras. Me diz como é que era o dia a dia então de um laboratório de um lado de uma obra?
R - A sua pergunta, tem dois viés ai. O Laboratório do lado da obra em termos, porque o laboratório dava suporte para as obras, você quis dizer foi isso. Na realidade, nós pegávamos materiais. Para você ter uma ideia, Dona Francisca, uma barragem que foi feita no Rio Grande do Sul, nós fizemos estudo para Dona Francisca, a tese de doutorado do Engenheiro, Doutor José Marcílio, ele me mandou na época, um material, umas carretas de agregado, e de cimento, para fazer estudo de Dona Francisca. E isso nós fizemos, o estudo de concreto compactado com o rolo de Dona Francisca e de Salto Caxias, da Copel, nós tivemos participação muito efetivas, e muito rica para o desenvolvimento dessas obras. Então Furnas sempre esteve muito presente nessas obras. E mesmo na manutenção das obras de Furnas, os laboratórios participaram efetivamente na recuperação de muitas das usinas de Furnas.
1:04:25
P/1 - O outro lado da minha pergunta era mais sobre o cotidiano, perto das obras. Teve alguma passagem que te marcou durante a interação com empreiteiros, o pessoal da construção?
R - É interessante a sua pergunta, porque a interação nossa, na construção das obras, era muito participativa. Então, nós fazíamos a fiscalização, mas atuando junto com o empreiteiro, esse era o grande diferencial da fiscalização das obras de Furnas. Nós éramos os proprietários, mas vivíamos o dia a dia da obra com o empreiteiro. E isso aí nós preservamos nas obras de Furnas quase todas. Enquanto Furnas teve grandes obras em andamento, nós participamos efetivamente na construção delas todas.
1:05:36
P/1 - Então pesquisa e a execução do projeto não são coisas separadas, nesse caso?
R - Você tocou aí numa questão muito interessante. Quando foi começada, os estudos iniciais para Santo Antônio do Madeira começaram quando estava terminando a obra de Manso, o Nelson Caprona, que era representante de Furnas, e o Miguel, tinha saído da equipe de Itumbiara. E o Nelson começou a se interessar pela construção, junto com o Antônio de Benfica Guimarães. E nós começamos a nos interessar para estudar as obras do Santo Antônio, do rio madeira, na época Furnas tinha projeto de fazer duas obras, tanto a Barragem de Jirau, quanto a de Santo Antônio, era para uma barragem mais alta. Então quando o Nelson estava em Manso, nós começamos esse intercâmbio do departamento de engenharia civil, que era o Papa, e o departamento de DST de Goiânia. Eu pedi para o Nelson também, para mandar para mim. Fazer escavação lá em Santo Antônio, de Rocha, dos 2 sítios, e mandar para Goiânia. Nós britamos o material lá em Goiânia, fizemos uma central de britagem pequena, de laboratório, britamos o material e estudamos Santo Antônio. Quando nós fizemos a especificação de Santo Antônio, nós já tinha um estudo de dosagem do concreto das 2 obras, nós já tínhamos estudado, isso com antecedência de cinco a seis anos. Então a gente já antecipava os estudos das obras que iam ser feitas, e já mandava o pessoal para fazer sondagem, nós tínhamos uma equipe de sondagem muito competente e muito participativa, pessoal fazia sondagem. E no caso de Santo Antônio, nós fizemos os estudos com uma antecedência muito grande. Quando foi feito o projeto, já se beneficiou a gente já tinha tudo para Santo Antônio bem adiantado.
1:08:14
P/1 - Então me conta agora mais sobre o laboratório de Goiânia? Pelo que eu entendi esse laboratório, ele é um laboratório central de Furnas, é isso?
R – Exatamente.
1:08:28
P/1 - Então a partir desse momento, você não desenvolveria mais laboratórios?
R – Não, os laboratórios de obra passaram a ser laboratório só para obra. Sempre tem um laboratório de obras, tem os equipamentos para concreto, uma sala de dosagem, uma câmara úmida, uma sala para ensaio de cimento e uma sala para ensaio de agregados. E para a parte de geotécnica a mesma coisa. Tinha a parte do laboratório de geotécnica, que ficava controlando a obra. Mas um laboratório para tocar a obra, vinculado ao laboratório de Goiânia. Os ensaios de suporte técnico eram feitos em Goiânia, e os de controle da obra, feito na obra.
1:09:28
P/1 – Me descreve um pouquinho mais esse laboratório? Que ano ele foi fundado? E quem trabalhava junto com você no início dele?
R - Eu vou começar na barragem do Funil. Quando eu fui transferido para Marimbondo, igual eu falei, eu levei quatro funcionários comigo, e alguns equipamentos. Então quando chegamos em Marimbondo, nós já começamos a expandir o laboratório da obra lá, já fizemos uma câmara úmida maior, começamos a expandir o laboratório. Quando nós fomos para Itumbiara, o laboratório começou a crescer, porque eu fiz esse estágio, e vi alguns ensaios que nós não fazíamos, por exemplo, um calorímetro adiabático, os ensaios de fluência de concreto. Tudo isso nós começamos a fazer já no fim de Itumbiara. E quando esse laboratório de Itumbiara, ficou num porte maior, que qualquer laboratório de obras no Brasil, nós fomos para Goiânia. Eu fui transferido para Goiânia em 1986, e a construção dos prédios de Goiânia, fomos nós que acompanhamos, fizemos toda a construção dos prédios e fomos criando as áreas de mecânica do solo, mecânica das rochas, o laboratório de concreto compactado com rolo, laboratório de meteorologia, laboratório de acompanhamento de construção civil, inclusive laboratório para estudar a ação do fogo. Alguns laboratórios, inclusive depois o pessoal resolveu encerrar as atividades deles, laboratório de águas, para estudar a qualidade das águas. Uma coisa que eu sempre me interessei muito foi pela qualidade das águas dos rios, porque uma experiência que eu tive muito interessante, foi na Venezuela, quando eu estava dando consultoria para a barragem de Macagua e Karate. Eu fui consultor da Edelca na época, e tinha um ex engenheiro da Edelca, que me falou uma frase que eu nunca esqueci, “o rio que tem muito peixe, é muito bom para concreto”. Porque é um rio que não tem acidez, é um rio que a água é praticamente alcalina. Então é um rio da fauna fluvial muito rica. Depois, em uma construção de uma barragem lá na Colômbia, o pessoal estava querendo discutir qualidade da água, o que tem nesse rio? Se tem muito peixe, não precisa preocupação com água não, o rio onde tem muito peixe, a água não ataca o concreto não”. Então essas ligações todas, e essas curiosidades, a gente vai juntando essas experiências e vai enriquecendo, a gente vai passando para muita gente. Essa parte de passar as coisas para as pessoas, nós sempre fomos muito ativos, de divulgar o que nós estávamos fazendo, e participar das conversas com muito trabalho. Nós chegamos a participar de um congresso de Grandes Barragens, com 17 trabalhos da área de concreto, 17 trabalhos. Então nós fazíamos muitas investigações, muitos estudos. E sempre fomos muito ativos nesta área.
1:13:31
P/1 - Me conta mais detalhadamente, qual que foi essa mudança de um tipo de feitura de concreto para o outro, que vocês criaram?
R - Na realidade, o concreto compactado com rolo, foi uma tecnologia que foi discutida, numa conferência (1:14:06...) na Califórnia. Então o pessoal deslumbrou naquela época, a possibilidade de acelerar as construções de concreto usando a metodologia de equipamentos de terraplanagem, de espalhamento com trator, com motoniveladora e compactado com rolo. Então surgiu nessa época e houve uma construção também de umas ensecadeiras na Indonésia, na Indonésia não, espera aí, muito nome na cabeça. A construção de uma barragem que a ensecadeira de argila ficou inviável, eles tiveram que fazer o rolo na barra de Itaberá no Paquistão. Então surgiu uma alternativa, na época eles chamaram esse concreto de roncrit, na década de 70, 75. Em Itaberá foi feito um volume muito grande com essa tecnologia, de fazer, porque não tinha como compactar argila. Porque a região, a intensidade de chuva é muito alta, não tinha como fazer a ensecadeira. Então tiveram que fazer concreto compactado com rolo, que chamaram de roncrit. E com esses estudos de (2:15:26...) a parte científica foi lançada, as ideias iniciais dos estudos. Então a primeira barragem construída nos Estados Unidos, foi a Barragem de William Chique, no começo da década de 80. E logo em seguida, começaram a surgir outros países seguindo. No Japão foi feita a barragem de Chimagau, lá no Japão. Tem hora que eu confundo os nomes, porque são muitos nomes para memorizar tudo. Então os japoneses desenvolveram essa tecnologia, com uma variante tipicamente japonesa. E depois, quando nós tivemos que criar alternativa aqui no Brasil, a primeira construção de barragem de distância no Brasil, foi Saco Nova Olinda, na Paraíba, que foi feita de tecnologia de concreto compactado com rolo. E essa barragem de Saco Nova Olinda, teve uma influência muito grande, da construção de (1:16:51) nos Estados Unidos. Então, quando nós começamos a estudar em Goiânia, o concreto compactado com rolo, para fazer as ensecadeiras galgáveis. Eu tinha feito uma visita a um laboratório do Criep no Japão, e vi um equipamento para estudar, concreto compactado com rolo em laboratório. Eu tirei umas seis ou sete fotos, daquele equipamento, e depois tentei comprar esse equipamento. Não existia esse equipamento para ser vendido. Isso foi 1980, mais ou menos. Aí eu comecei a perseguir a idade de construir um equipamento desses. Fizemos umas 4 licitações para tentar esse equipamento, mas não existia. Aí um engenheiro, o Rogério Góes, que trabalha em Furnas ainda, o irmão dele é engenheiro mecânico, professor da universidade de Itajubá. E tinha um outro engenheiro, é difícil a gente lembrar, tanto nome na hora assim. Mas eu sei que eles pegaram o desafio de projetar um equipamento baseado naquelas fotografias do Japão. Aí nós fizemos uma licitação, não apareceu ninguém. Aí nós fizemos um convite, praticamente, ao pessoal lá de Curitiba. E esse camarada resolver fazer o equipamento para nós. E fizemos esse projeto. Quando ele estava construindo o equipamento ele falou, “olha, eu errei na previsão aqui, eu não vou conseguir entregar o equipamento, porque o dinheiro que eu previ não dá para construir”. Naquela época tinha surgido a 8666, e que tinha uma abertura, não sei se de 15%, ou 20% de tolerância para o custo. E nós abarcamos essa diferença. E nesse ponto aí, a afinidade que eu tinha com o Marcilio Ferreira Nunes era muito alta, e a confiança também, a confiabilidade. “Nós temos que pagar o consultor, o fabricante do equipamento, pagar uma taxa extra”. Fizemos e montamos um equipamento de simulação de concreto compactado com rolo, em um laboratório em Goiânia. Esse equipamento é que deu um suporte muito grande, para várias teses de mestrado e doutorado. E deu um suporte muito grande para a tecnologia de concreto compactado com rolo no Brasil. E Furnas teve um papel preponderante, por causa desses estudos que nós fizemos em Goiânia. Então essa parte aí, ela foi muito desafiante para nós todos. E eu já tinha uma equipe de engenheiro já razoável, trabalhava com a gente lá em Goiânia. E nós tinha também, técnicos de Furnas de nível médio, de capacidade excepcionais, como Guilherme Leroy. Que inclusive foi inventor de várias tecnologias de construção, e de equipamentos de controle de instrumentação para barragem. E o Guilherme inclusive, inventou ensaio de tração com mola extratora de testemunho (1:21:17...) é o segundo ensaio de tração brasileiro, porque o primeiro ensaio de tração com compreensão, foi dividido pelo professor Carneiro. E esse outro ensaio foi desenvolvido pelo Guilherme Leroy. Os estudos também, de concreto submerso, concreto para trabalhar debaixo d'água. Nós desenvolvemos um equipamento, também de caráter pioneiro no laboratório de Goiânia. Foi com a ideia que eu ia transmitindo para o Guilherme, ele foi adaptando e criou um equipamento que simula concretagem submersa, para qualquer profundidade que a gente quer, é só aumentar a pressão nas câmeras, nas campanhas de ensaio. E a gente simula a concretagem, no caso, nós fizemos para 90m de profundidade. E porque 90m de profundidade? Foi quando a Edelca, na Venezuela, pediu ajuda nossa, para estudar a recuperação de concreto submerso, na tomada de água de Guri, a 90m de profundidade. E nós fizemos os primeiros estudos para atender esse questionamento da Edelca. E simulamos concreto submerso, com a profundidade a 90m de profundidade. E essa tecnologia de concreto submerso, é uma parte também, que a minha primeira experiência, foi quando começou a ponte Rio, Niterói. Eu não mencionei, eu era da equipe, mas não foi por esquecimento não, foi por afobação. Quando tivermos um consultor de concreto, Dr. Roy Carlson, uma figura marcante na área de tecnologia de concreto no Brasil, na área de barragens. E ele que estimulou muito a gente, para desenvolver estudos e pesquisas na área de concreto. E essa parte de laboratório, nós tivemos um suporte muito grande do Dr. Carlson, e ele se tornou muito amigo da gente. E ele tinha um carinho muito grande por Furnas, e respeitava muito o trabalho nosso na construção das barragens.
1:23:55
P/1 - Me conta quando você estruturou o laboratório de Goiania, quais foram os outros projetos que o senhor trabalhou, a partir dali?
R - Na realidade, Goiânia virou um centro de tecnologia. E neste período também, o chefe da nossa área era o (1:24:36...) durante o período que ele trabalhou no laboratório, depois ele foi substituído pelo João Alberto Bandeira de Melo, que era superintendente. E como superintendente no Rio, e a gente sempre teve um suporte muito grande das chefias, tanto do Bandeira de Melo, quanto Ludijara, e depois do Moacir. O Moacir Nunes, eu particularmente tinha muita afinidade com o Moacir, muita confiança, recíproca. O Moacir, quando a gente precisava de algum equipamento, o Moacir, “manda brasa”. Mandava brasa. E nós aprendemos a conviver com a administração de Furnas, a burocracia e às vezes a lentidão. Paciência e persistência, para fazer as coisas, isso eu sempre tive, muita paciência e persistência. Eu não desistia das ideias. Esse laboratório de concreto compactado com rolo, eu comecei a contar a história dele e parei. Começamos a pensar nele em 1980, e conseguimos montar ele, já em 1986, ou 1987. Certas áreas a gente tinha que ter muita paciência, pra montar. O laboratório de mecânica das rochas também foi outro laboratório que nós tivemos muita paciência. Porque era, é um laboratório muito sofisticado, com equipamento de última geração, para fazer ensaio de rochas. E essa parte das mecânicas das rochas, mecânica dos solos. Teve a área que não era de concreto, foi se desenvolvendo paralelo também e cresceu muito.
1:26:50
P/1 – Pacelli, uma coisa que me chamou atenção, até agora. E que você viajava muito né?
R - Eu tenho um amigo que morreu, que era gaúcho. Ele falava que eu andava mais que cachorro de tropeiro. Porque, uma expressão gaúcha. Eu sempre viajei muito. Eu comecei a da consultoria mesmo como engenheiro de Furnas. E para compensar os dias que eu viajava, eu praticamente não tirava férias. Eu viajava, fazia prestação de serviços, e depois descontava nas minhas férias. Inclusive, fizemos trabalho no Iraque, eu levei uma equipe de Furnas, com o mesmo sistema. Nos dias que nós trabalhamos lá no Iraque, nós descontamos nas nossas férias. E Furnas me liberava, tinha as chefias que tinham confiança, e me liberava para trabalhar fora. A primeira experiência que eu tive, internacional, foi na barragem de Pau Mar, no Uruguai. Justamente com a consultoria Mendes Junior. Depois a Mendes Junior, me chamou para dar essa consultoria no Iraque, e depois na barragem de Plaias, na Colômbia também. Aí comecei a dar consultorias internacionais. E até hoje eu ainda faço, antes dessa pandemia aí, eu viaja com muita frequência para o exterior, prestando serviço. Eu não mencionei aqui, que vale a pena mencionar, a participação de Furnas na construção da barragem de Capanda em Angola. E foi um empreendimento também, que Furnas teve um papel destacado. Porque Furnas deu suporte na infraestrutura da construção da barragem de Capanda Todinha. E quando estava construindo Capanda, eu fui convidado para discutir a especificação técnica de Capanda, representando Furnas. Depois que eu comecei a dar esse suporte, (1:29:15..) me solicitou a minha participação. E eu participei como consultor na barragem de Capanda, representando o governo Angolano através do Gamec. E o contato de Furnas não tinha a parte do controle tecnológico. Mas nos acabamos dando um jeito de contribuir no controle da qualidade lá. Inclusive levei elementos da nossa equipe, tanto da parte de concreto, como na parte geotecnia, para acompanhar a construção de Capanda. O engenheiro Zé Thomas França, que trabalhou comigo em Itumbiara por muito tempo. Depois em Goiânia, ele ficou 7 anos em Capanda. O engenheiro Zé Francisco Nascimento, também ficou em Capanda. E uns técnicos nossos também, ficaram em Capanda. E tivemos uma participação muito importante na construção na barragem de Capanda, em Angola.
1:30:20
P/1 – Pacelli, tem algum lugar, alguma viagem, que te chamou mais atenção, dessas internacionais. Alguém que você se lembra mais?
R - Tem muitos detalhes pitorescos. Eu dei consultoria também na China, eu ainda estava em Furnas, eu acho que eu fiz 2 ou 3 viagens ainda, como gerente de Furnas. Na construção de uma barragem. Quando começou Três Gargantas, nós fizemos um simpósio na China, e eu fui como representante de Furnas, para mostrar a parte de tecnologia de concreto. Nós demos conferências lá em Três Gargantas. Na parte de Três Gargantas especificamente, os chineses mandaram para conhecer a construção de Itaipu, 155 missões, se não me falha a memória. E eles conheciam a construção de Itaipu, melhor que muito brasileiro. Então, quando começou Três Gargantas, a Unicon, que era a Empreiteira do conjunto das principais empreiteiras do Brasil, tentou da consultoria para construção de Três Gargantas. Na construção, os chineses aceitaram a contribuição inicial deles, nem pagou nada, pegaram de graça. Então os chineses se basearam muito na tecnologia brasileira de construção de barragens para desenvolver na China. Hoje a China é o país que mais constrói barragem no mundo, e já faz muito tempo que eles estão nessa primazia, os maiores construtores de barragem do mundo. Uma barragem que a Mendes Junior estava construindo na China, já quase na divisa do Vietnã, e a viagem para essa barragem era uma viagem muito dura, porque a gente saia do Brasil, ia para a Europa, depois fazia escala no Japão, depois ia para Pequim. Pernoitava uma noite na Europa, pernoitava outra em Pequim, depois ia para Kunming, pernoita em Kunming. E no outro dia tinha que fazer uma viagem de carro de 11 horas, para chegar na barragem. Então a gente chegava lá meio... Teve o engenheiro Mendes, que falou assim, “no dia que eu chego aqui, não pergunta meu nome não, que eu não sei”. Porque a gente ficava 4 dias com os horários tudo maluco. Então essa participação na China, também foi muito enriquecedora, em muitos aspectos, até em aspectos de costumes, dos costumes chineses. E foi uma participação que eu gosto muito de rememorar. Construção da China, do Iraque e mais algumas, na África, na África do Sul, em Ube Voto. Aqui na América do Sul, o único país que eu não participei em construção, foi só na Bolívia e nas Guianas, o resto todo eu sempre passei, tive participação na construção de alguma coisa, nos países sul americano. Na América Central, na República Dominicana, uma licitação na Costa Rica, e no Canal do Panamá eu tive uma consultoria também, na construção do segundo canal do Panamá, mas foi pequena também, era mais para clene. E infelizmente, essa parte aí, eu posso ajudar no concreto, “nessa parte de clene de vocês aí, eu não tenho como ajudar muito”.
1:34:40
P/1 - O senhor falou que estava embaralhando, não lembrava o nome, mas fica tranquilo. Inclusive, está indo muito bem em lembrar os nomes, melhor do que muita gente que a gente entrevistou, fique tranquilo.
R – Nomes para mim, são particularmente muito importantes, porque certas pessoas são muito marcantes no decorrer da vida da gente. Tanto na parte de chefia, como na parte subordinada. E a gente tem uma felicidade, e um privilégio, de conhecer os pinhões mesmo.
1:35:43
P/1 – O senhor está se lembrando de algum em específico?
R – Tive uns encarregados aí, que são memoráveis. O nome de maior destaque é o Guilherme, que foi um camarada que trabalhou na construção de Furnas. Quando eu comecei a trabalhar com ele, ele era o responsável pelo concreto de Marimbondo, do laboratório, ele não era Engenheiro. E depois que eu fui para Maribondo, ser chefe dele. E no começo foi um pouco difícil, porque ele tinha um conhecimento muito grande, experiência. E o Guilherme, depois ele veio a trabalhar comigo, já como aposentado, e era muito criativo, muito inteligente. Depois tem uns encarregados que tem umas partes inclusive, até meio pitoresca, que eu gosto muito de lembrar, passagem dele, é o Everton Maciel, que morreu o ano passado, e o apelido dele era Tatu. Esse também, ele tinha umas características muito interessantes, porque ele era muito mulherengo, e quando ele foi para Marimbondo, ele era casado, tinha 4 filhos. Quando ele separou da Nair, a primeira mulher dele, ele teve 17 filhos, com 15, ou 16 mulheres diferentes. Então ele era mulherengo, com essas confusões de mulher que ele arrumava, eu tirava ele da cadeia. E tem umas passagens dele na cadeia, que foi muito interessante, porque ele arrumava confusão, tudo relacionado a problema de mulher. Teve uma passagem dele, eu vou contar isso, com uma certa liberdade para vocês. Foi lá em Itumbiara, ele estava no turno da noite, e chegou em casa, e a mulher dele tinha ido levar as crianças no colégio com o pai dela. Era de Resende, estava visitando ela lá. E ele aproveitou que a Nair não estava em casa e foi para o quarto da empregada, já estava amanhecendo o dia. E na hora que a Nair estava voltando, ele assustou e pulou a janela, e a menina mais nova dele, viu ele pulando, gritou, “mãe, o pai tá saindo do quarto da fulana”. Aí a Nair ficou muito brava, “seu filho da puta, você estava comendo fulana". “Não tava, Não tava, bem”. “Você comeu ela”. “Eu não comi, eu só pincelei”. (risos) Essas passagens do Tatu eu lembro com muita alegria, porque ele era isso. Numa obra ele tinha uma liderança, uma coisa impressionante. Outro que eu lembro dele também, com muito carinho, é o Carlito, que também começou comigo lá no Funil. O Carlito quando eu comecei no laboratório, ele era servente, que dizer, é o camarada que trabalhava no serviço braçal. Foi na época que eu comecei a trabalhar, eu tinha feito algumas leituras de alfabetização, esse método de alfabetização, agora não estou lembrando, para a parte histórica eu sou meio enrolado para lembrar nome na hora. Eu tinha lido um livro também, como ensinar seu filho a ler. Então falei com o Carlito. E o meu filho sabia ler 70 palavras com 2 anos de idade. O Carlito pediu, “o senhor podia fazer uma carta para a minha mãe”? “Eu faço a primeira, a segunda eu vou te ensinar a ler”. O método Paulo Freire, associado com esse “Como ensinar seu filho ler”, que eu não lembro o nome do autor. Meu filho com 2 anos e meio já lia 70 palavras, fiquei assustado com aquele negócio, parei. Então eu ensinei o Carlito misturando, o Paulo Freire com esse método. Daí a 3 meses ele estava alfabetizado. Ele não sabia nem escrever, ele escrevia lá nas paredes “bucata”, não sabia nem escrever buceta, escrevia “bucata”. Então eu ensinei ele a ler, depois transferi, levei ele para Marimbondo, ele foi encarregado de controle de concreto e aposentou em Furnas, como encarregado de central de concreto, um profissional excelente. Esse eu alfabetizei ele. Eu tenho muita amizade, com muitos encarregados, eu formei lá em Goiânia muita gente. E tem o Elson Guerra também, foi o encarregado geral do laboratório lá. Meu filho também, depois foi trabalhar conosco lá em Goiânia, e a primeira conversa de concreto em Brasília, ele chegou aí em Goiânia, falou, “pai tinha hora que o Elson estava discutindo com 4 PHD”. O Elson nem engenheiro era, ele conhecia o que fazia, conhecia não, conhece. Esse pessoal, é um pessoal que a gente lembra deles com muito carinho, muito respeito.
1:41:40
P/1 - Queria perguntar para você, agora sobre outro aspecto da sua vida, sobre a sua família. Então Pelo que eu entendi o senhor tem filhos, o senhor é casado?
R - Exatamente! Eu tenho um casal de filhos, meu filho mais velho chama Moacir Alexandre Souza de Andrade, ele trabalha em Furnas, ele trabalha lá em Goiânia. E a minha filha é arquiteta, e professora da UnB, ela é doutora na área de atuação dela. E tem a mulher do Moacir também, a Nicole, que é pesquisadora, é PHD. E a minha neta mais velha, a Nina, é médica, ela mora aqui em Belo Horizonte. Por coincidência, a Nina, foi a nossa neta que passou a primeira infância dela aqui em Belo Horizonte, quando a Purica estava aqui com os meninos para estudar. E a gente tem uma afinidade muito grande com ela. E ela foi para Brasília, quando fez o vestibular, ela escolheu a área de medicina, e caiu para estudar aqui em Belo Horizonte. Ela veio fazer estudo de medicina, então ela tem praticamente metade da vida dela morando com a gente. E com a covid, por causa dela ser médica, ela acabou mudando lá de casa para o apartamento dela, e ela é médica. O Brendo que estava aqui comigo, ele está estudando informática, já tá no meio do curso. E já está me ajudando aqui, ele é o filho mais velho do meu filho. E tem a Ana, que é da psicologia, e a Luana, que tem 11 anos, ainda está no ensino médio. Então a minha a minha família é relativamente pequena, mas a família dos meus pais é imensa, e tem muita gente. Muita gente, e muita gente interessante. Só que não dá para a gente falar de todo mundo.
1:44:02
P/1 - Me conta um pouquinho, que passagens vem na sua cabeça agora da sua família pregresso. Você falou que tem muita gente interessante, tipo quem?
R - Os meus irmãos de maneira geral, todos eles tinham umas particularidades muito interessantes. O João Amaro, que era o mais velho, ele era muito espirituoso, ele morava na fazenda, num local, quando chovia muito, a estrada era muito precária. E ele tinha um volks velho, e o papai falava assim, “o João, meu filho, uma hora esse carro aqui deixa na estrada”. “Não papai, não preocupa não, eu que deixo ele”. Então ele era camarada, que tinha essas tiradas assim, instantâneas. Os outros irmãos também, uma passagem muito interessante, porque a gente morava em fazenda. O Chico e o Wilson eram mais velhos também, eles estavam no internato, o Wilson era mais velho que o Chico. O Chico brigou com o camarada lá, o camarada deu uns tapas nele, aí foi chamar o Wilson para ajudar ele, “Wilson, vamos lá que fulano me bateu”. O Wilson chegou lá, “bate nele de novo”. O camarada meteu a mão nele, “Chico vamos embora, se não ele te machuca”. Eram pessoas assim, de tiradas muito interessantes. Minhas irmãs também, nós éramos 10 homens e 10 mulheres. Todas elas muito inteligentes, a minha irmã, a primeira que nós perdemos, irmão da mamãe, era uma profissional muito ativa, morreu com 43 anos, um enfisema cerebral, morreu, morte instantânea, ela deixou a gente muito chocado na época. Essa minha irmã que mora no México também, ela é muito ligada a família, tem uma ligação muito forte, a gente está sempre em contato com o México. Em 2019, eu já dei 3 cursos no México, dois convidados pela (1:46:34...), que era fabricante de cimento. E um fabricante de (1:46:40...). Então sempre que pode eu aceito esses convites do México, com muito prazer. E acompanhei a construção da Barragem de Picachos, com a Andrade Gutierrez, depois que já tinha aposentado de Furnas. Então a ligação com a minha irmã que está no México é muito grande. E fora as outras aqui também, mora em Juiz de Fora. Então a nossa convivência familiar, é uma convivência muito interessante, porque não tinha muita desavenças entre os familiares, sempre nos demos muito bem. Por causa das grandes diferenças de idade, na nossa família tem um sobrinho mais velho que eu, o meu sobrinho mais velho hoje tá com 88 anos de idade. Eu estou com 81. Então é uma diversidade muito grande de gente, e tudo gente muito boa, bem humorada, de bem com a vida.
1:47:49
P/1 – Qual é o nome da sua esposa, como é que você conheceu ela?
R - Ela chama Maria da Purificação Sousa de Andrade. A mãe dela, é sobrinha do meu pai. Então eu conheci a Purica, quando ela tinha 14, 15 anos, ela foi passar uns dias na fazenda, e nós começamos a namorar. Quando eu comecei a estudar engenharia. Quando eu formei, eu já era noivo, e casamos 6 meses depois de formado, quando eu já estava em Resende. Nós casamos em 64, vamos fazer 58 anos de casados agora. A gente tem uma vida muito amorosa, de bom relacionamento, meus filhos também. E a gente tem adoração pelos netos, a gente se dá muito bem com todos eles. E agora, por exemplo, esses dias, esse fim de semana, a gente foi lá para Lapinha, aqui de Minas, acho que é Lapinha da Serra. Passamos o final de semana lá, uma região muito bonita, tem nada lá não, mas a paisagem é muito bonita. E sempre que a gente pode, eu ainda preservo na fazenda, algumas criações de boi, e sempre tem alguns cavalos, que eu preservo muito bem. Eu cheguei a criar um cavalo para cada neto, mas infelizmente eles não podem ir lá. Não forma lá para conhecer os cavalos, mas os cavalos estão tudo lá. Eu me dou muito bem com meus netos, e principalmente a Purica, a minha mulher, que é muito amorosa, e os meninos adoram ela.
1:50:33
P/1 – Pacelli, me conta uma coisa, como é que foi quando nasceu seu primeiro filho, como é que foi ser pai? Você falou que ficou um tempo, dois meses para conhecer.
R - Quando nos casamos. Nós nos casamos dia 4 de julho, o Moacir nasceu dia 2 de abril, 9 meses exatos depois(risos). Ela já engravidou de cara. Eu lembro da maternidade lá, naquela época era um pouco diferente, a gente não participava desses eventos, ficava sofrendo do lado de fora, morto de medo. Ele nasceu em Rezende, a Lisa, minha filha, quando ela nasceu eu estava na Espanha, fui conhecer ela com 2 meses de idade, e até hoje a Purica me cobra isso. Porque quando eu falo na Espanha, ela não me perdoa, porque eu larguei ela para fazer estágio, na antevéspera do parto. Mas de maneira geral, a gente tem uma vida, a vida de casal normal assim, com muito carinho, vida de casal que se dá bem. Pena ela não está aqui perto, se não ela podia. De vez em quando, ela me acompanha muito bem. Quando eu comecei a trabalhar, ela tinha uma boa experiência em datilografia. E os datilógrafos que a gente tinha nas obras, eram às vezes, muito fracos. Meus relatórios iniciais, ela me ajudou muito a fazer relatório. Ela sabia o termo de concreto, muito termo de concreto, ela conhecia, conhecia não, ela conhece até hoje, porque ela me ajudou muito na datilografia, na fase inicial da vida profissional. Principalmente quando nos chegamos em Marimbondo, porque os datilógrafos. Teve uma vez que eu tive que eu tive um datilógrafo trabalhando comigo, ele digitando, na hora que eu fui ler, ele errava, estava como fazendo relatório de polícia, o relatório não valia para nada, tinha que fazer tudo de novo. Ela me ajudou muito nessa fase inicial. Ajuda até hoje ainda. Com estímulo, com compreensão também, porque eu tenho que viajar muitas vezes. Teve uma vez que eu fiquei um mês na China, viajando, na China. Foi na época que minha neta estava com 3, 4 anos de idade. Uma vida um pouco fora do usual né.
1:53:40
P/1 - Antes mesmo de viajar para fora, em todos esses empreendimentos, me parece que o senhor viajava muito já nessa época. A sua família ia junto com o senhor? Cada um nasceu em uma cidade?
R - Na realidade não tinha como, as vidas de obra, geralmente, principalmente antigamente, era para ficar em acampamento e hotel de acampamento, e os transportes também não eram muito fáceis, transporte para ir para as obras. Então a participação em viagem de obras, são muito raras. Uma obra ou outra é que pode acompanhar. Geralmente essas viagens, elas são muito solitárias né. Você vai em uma viagem internacional dessa aí, essas viagens que eu fazia para a China, 3, 4 dias viajando, fuso horário muito diferente. Agora uma parte que ela participou muito, quando eu era representante brasileiro, na Comissão Internacional de Grandes Barragens, que a comissão de concreto, eu era representante Brasileiro. Quando tinha congresso de grandes barragens, ela sempre me acompanhou. Acompanhou principalmente nos congressos da Europa, Los Angeles, Montreal lá no Canadá. Eu esqueci de falar, a experiência que eu tive como relator desse evento lá no Canadá. Que foi uma época muito difícil, porque eu tinha acabado de sair de Furnas. Eu ainda estava com resquício de Furnas nas costas. De repente, participar de um congresso internacional de grandes barragens, e não podia falar que era de Furnas mais, ex engenheiro de Furnas. Mas na realidade, eu preparei o meu relato, como engenheiro de Furnas, trabalhei uns 3 meses nesse relato, realizei cerca de 90 trabalhos, em 27 países. E fiz o relato, como engenheiro de Furnas ainda, deu esse suporte.
1:56:17
P/1 – Furnas, você pode até sair de Furnas, mas Furnas não sai...
R – Não sai da gente não. A gente sente muita saudade. Infelizmente as coisas no Brasil não acontece do jeito que a gente imagina. Eu achei que poderia continuar participando, ajudando. Principalmente no laboratório, as pesquisas, que eu comecei muita pesquisa. E foi numa transição de governo, que mudou totalmente a costura, quer dizer, ex é ex, não adianta não. Ficar lamentando leite derramado não, porque esse tempo já passou. Essa parte a gente sente ainda, muita falta, principalmente de estudos e pesquisas.
1:57:09
P/1 - Mas você se aposentou de Furnas, mas você está ativo como nunca né?
R - Eu estou muito ativo ainda, graças a Deus. Esse ano mesmo eu consegui fazer uma viagem, depois de um ano e pouco, a duas semanas atras eu visitei uma eólica lá na Bahia. Uma base da torre eólica, eles tiveram problema de concreto lá, e tinha que reparar essa base. Então me levaram lá, e eu estou fazendo relatório ainda, não terminei. Estou acabando de fazer um relatório para uma hidrelétrica da Votorantim, uma empresa consultora aqui de Belo Horizonte, tem que fazer reparo do concreto de uma obra, que tem 47 anos. E alguma parte desse concreto, tem que fazer intervenção submersa. Então eu estou terminando esse relatório também. E eu estou estudando também a recuperação, esse a gente já acabou de fazer, de uma tomada de água, de uns blocos de transição de concreto entre tomada de água, com duto forçado, que estava com muita percolação, e nós fizemos a recuperação disso. Com um sistema que eu desenvolvi em Furnas, de recuperação de estrutura, com concreto projetado com via unda. Essa tecnologia, nós começamos a desenvolver, quando fizemos a recuperação do vertedouro de Marimbondo, teve um técnico de Furnas, que inventou uma pistolinha, deixa eu pegar uma para você ver como que é. É um sistema de ar comprimido, que aqui entra o ar, ele passa o ar aqui, e aqui tem o estreitamento desse tubo aqui, na hora que o ar infiltra aqui, ele faz sucção aqui e projeta a argamassa. Essa argamassa projetada. Eu já usei ela em consultoria, em mais de 30 barragens, inclusive na Venezuela, na Colômbia, na África, lá na Uca. E esse sistema é o que eu uso com muita frequência, e foi inventado, essa pistola, por um mecânico de Furnas, que chama, o apelido dele é Lasquinha. Esse camarada também, eu acho que já morreu. Uma coisa muito simples e de uma versatilidade tremenda para fazer reparo de concreto. Isso aqui é desenvolvido dentro da obra de Furnas. Por esse camarada, eu quero lembrar o nome do Lasquinha, eu não lembro não. Mas eu tenho um respeito muito grande por esses profissionais, pião de obra, eles são muito observadores, A versatilidade do operário brasileiro é um negócio contagiante. E as contribuições que a gente tem, às vezes quase analfabeto, de muita contribuição o tempo todo. Então a gente tem que observar, e principalmente respeitar as opiniões desse povo.
2:01:08
P/1 - Você acha que o funcionário de Furnas tem algum perfil? Ele tem um jeito diferente do funcionário de outras empresas que o senhor trabalhou?
R – Na realidade trabalhar para empresa mesmo, eu só trabalhei para Furnas. Porque o resto é consultoria. Então a minha referência sempre é Furnas. Porque o pessoal que eu trabalhei a vida inteira, de 64 até 2002, em obras, a Funil, teve uns 2 anos e 8 meses que eu trabalhei para a Chevap, pode considerar uma hora de Furnas. Então foi quase 40 anos acompanhando obras de Furnas. E principalmente os profissionais, os técnicos de Furnas, a dedicação desse pessoal é muito grande, é diferenciada. Eu espero que ainda esteja assim, porque Furnas a gente sempre levava as obras com muita seriedade, com muita competência, muita dedicação.
2:02:27
P/1 – E Pacelli, como é que o seu filho foi trabalhar em Furnas? Como é que foi para você ver o seu filho trabalhando lá?
R - Meu filho quando começou a trabalhar, começou a trabalhar num escritório de cálculo estrutural aqui em Belo Horizonte. Depois surgiu a oportunidade, lá em Serra da Mesa, o Miguel Zerbine, precisou de um Engenho lá, eu falei, “o Miguel”. Eu chamo ele de Xi, eu apelidei ele de Xi, “você não quer dar uma oportunidade para o Moacir”? Ele começou lá em Serra da Mesa. Quando ele estava lá em Serra da Mesa, começou a se interessar para o laboratório, acabou. Eu o transferei para o laboratório lá de Goiânia. Ele começou a trabalhar conosco em Goiânia. Inclusive, antes de eu sair, eu deixei ele como chefe do laboratório. Depois que eu saí, ele deixou a chefia do laboratório. Eu não quero entrar nesse detalhe não, porque a gente não conhece os bastidores disso aí. Mas ele é um engenheiro muito inteligente e criativo também. E teve inclusive, um equipamento que nós desenvolvemos para controlar a densidade e o teor de água de concreto, que ele desenvolveu junto com o Guilherme Leroy e o Valdico Paulino de Oliveira. É um recipiente que você coloca uma roda de concreto, num determinado volume de água, ele tem cifãozinho que nivela o nível de água, na hora que você coloca um volume de concreto. O volume deslocado é a lei de Arquimedes, você coleta o volume deslocado é o volume da massa que você entrou. E divide a massa pelo volume, você tem a densidade. Com a densidade, você variando o teor de água, você determina o teor de água do CCR. Isso é um dispositivo, o primeiro que eles inventaram. Foi numa antevéspera de uma viagem que eu fiz para a China, eu reuni o pessoal, e pedi para eles estudarem, e eu dei a minha ideia para fazer o controle de CCR. A gente tinha que usar a água para fazer o ensaio, junto com a água. O Guilherme Leroy, que eu já mencionei anteriormente. Lembrou de um dispositivo do (2:05:08...) manual, E fez um dispositivo, ficou parecendo muito uma cafeteira. E esse equipamento nós chamamos ele de DMA, Determinação da Densidade e Massa Específica e a Água. O pessoal começou a chamar a cafeteira do Pacelli. E eu, para não ficar como cafeteira, eu botei o nome de DMA, e a norma brasileira. Meu filho participou muito desse estudo, dessa pesquisa. Depois ele continuou no laboratório. E a trajetória dele, depois do laboratório, eu saí, coincidiu de eu não acompanhar mais. E ele é muito reservado, não gosta de ser chamada de meu filho, profissional. Ele quer ter a vida profissional dele independente. E eu respeito.
2:06:08
P/1 - O que você acha que o futuro reserva para Furnas? Como é que você vê a empresa daqui uns 20 anos?
R - O problema de Furnas hoje... mudou muito. Quando a gente saiu, quando eu saí de Furnas, Furnas já era uma empresa muito renomada no setor elétrico. E com essas mudanças políticas que estão ocorrendo e ocorrem no Brasil. A influência política, entrou muito dentro da empresa, isso é o que eu leio em jornal. Então isso aí, enfraqueceu muito a empresa, a influência política prevalece sobre a trajetória da empresa. E a gente não vê perspectiva de sobrevivência da Furnas que eu conheci. Eu acho que essa Furnas não retorna. As coisas mudaram muito no país, principalmente nessa polarização política que existe neste século. A coisa mudou muito. Eu gostaria de ver Furnas com a respeitabilidade e a influência que sempre teve no setor elétrico. Mas politicamente falando, eu não vejo como isso se concretizar, por causa dessa, além da polarização, desse enfraquecimento da empresa. Isso eu olho com olho de ex funcionário, o enfraquecimento de Furnas no próprio setor elétrico. Isso eu sinto como ex-funcionário. Eu não acho que Furnas hoje é tão pujante, quanto foi no tempo hábil de Furnas. A gente fazer uma Itumbiara, igual nós fizemos, uma Marimbondo igual no fizemos, eu acho que hoje não temos condições de repetir isso mais, infelizmente não.
2:08:42
P/1 - Como é que está sendo essa pandemia para você e sua família? Como tem sido esse mais de um ano de pandemia?
R - Isso aí é um negócio difícil para todo mundo. A insegurança geral que a gente tem hoje é coletiva. A gente tem insegurança até para sair na rua hoje, tem que sair com máscara, tem que ter essas preocupações. E principalmente a reclusão, a gente fica muito recluso. Eu por exemplo, tenho propriedade lá em Muriaé, ano passado eu fui lá, acho que duas vezes, e esse ano 3 vezes. Que dizer, a gente tem que desvincular das coisas compulsoriamente, não é mais uma coisa planejada. E esse estado geral que reina no país, é uma coisa que entristece todo mundo. Ver que a gente esta impotente, a gente esta sendo levado para uma condição cada vez mais de insegurança e desconhecimento do que vai acontecer. Não tem como a gente prever nada, a atividade que a gente exerce, exige muito de concentração o tempo todo, de estudar relatório, de emitir relatório. Então a gente não tem como acompanhar, estudando o que está ocorrendo no Brasil, como a gente gostaria de ter. Eu procuro ler 2, 3 jornais, pelo menos no final de semana, para me atualizar o que está ocorrendo, para não ficar completamente ausente do que se passa no nosso país. Mas infelizmente a gente não vê o futuro assim, a curto prazo com ativismo. Isso aí eu extrapolo, eu não conheço hoje como é que possa ser essa trajetória de Furnas, mas eu penso que não a como Furnas ser o que foi mais, isso é o que eu penso.
2:11:19
P/1 – O senhor já foi vacinado?
R – Eu vacinei já, em abril. No começo de abril tive a minha primeira dose, dia 24 eu fiz a segunda. Mas a gente está com certa reserva, eu viajei nessa viagem agora para Bahia, porque os proprietários da obra lá tinha um jatinho, passaram aqui e me pegaram. Mas avião comercial, tem muito tempo que eu não viajo mais, tem mais de 1 ano e meio.
2:11:52
P/1 – Pacelli, o que você acha dos funcionários de Furnas contarem a história da empresa, contarem um pouco da sua história?
R - Essa história, eu contei uma história subjetiva de Furnas, dentro do que eu consegui viver. E esse prazo que vocês fizeram aqui, é um prazo reduzido, eu procurei consultar alguns arquivos aqui, principalmente porque vocês pediram as 10, 20 fotos, ainda estou com dificuldade de selecionar essas fotos. Mas eu acho isso muito interessante, a gente não pode perder o orgulho de ser funcionário de Furnas, de ser ex funcionário de Furnas. Isso é uma coisa que a gente vê como preocupação, um certo desinteresse das novas gerações que estão trabalhando hoje. É uma coisa muito burocraticamente. Não a empresa que você doa seu sangue para o bem das obras, e trabalhar igual a gente trabalhou nas obras aí. Eu acho que dificilmente isso vai ser reeditado.
2:13:19
P/1 – Pacelli, como é que foi contar um pouco da sua história para a gente hoje?
R - De vez em quando eu tive que falar um palavreado meu de obra aí, mas de qualquer forma a gente tem que dar o depoimento do que a gente viu, do que a gente sente. E principalmente lembrar com muito orgulho desse período todo. Uma coisa que eu não mencionei aqui, é que não fomos o primeiro departamento de Furnas a ganhar o prêmio da qualidade do Governo Federal. Eu tenho aqui no meu escritório, uma foto com o Fernando Henrique, o ex-presidente de Furnas, e eu. No Palácio do Planalto, ganhava aquela medalha de ouro, que acho que foi em 2002, 2001, programa de qualidade do governo federal. Essas coisas a gente não vê falar mais não, foi um período de muita seriedade, de muita vontade de fazer as coisas bem feitas. Inclusive nessa parte de qualidade, eu não mencionei a importância que foi Angra, principalmente Angra 1. Na mudança de postura nas obras de Furnas, com registro das coisas. Porque o setor nuclear exigiu o registro de todos os procedimentos, para garantir a qualidade das obras. E isso aí nós absorvemos com muita propriedade no laboratório de Furnas, por isso que nós ganhamos a medalha de ouro da qualidade do governo federal. Isso ai é um feito também que eu acho que merece ser rememorado. Como a gente falou de muita coisa, eu acabei esquecendo dessa parte.
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