P - Bom, senhor Rondinelli, nós gostaríamos de começar pedindo para o senhor se apresentar: nome, data e local de nascimento, uma apresentação inicial. R - Bom, é Silvio Rondinelli Neto, tem um neto aí; nasci em 27 de novembro de 1944, aqui em Santo André mesmo. P - Aqui em Santo André. R - Isso. P - E os pais do senhor, o nome do pai, da mãe... R - Meu pai já é falecido, chamava-se Lourenço Rondinelli; minha mãe também é falecida, Herminia Stanzianni Rondinelli. Como nós vamos falar um pouco da história da Rhodia, então... Se eu estou aqui hoje, eu devo um pouco à Rhodia, porque o meu pai também trabalhou lá muitos anos. Na realidade, a história do meu pai é um pouco curiosa, porque ele entrou na Rhodia por causa do futebol. Meu pai jogava futebol, era nascido em São José do Rio Pardo, interior de São Paulo, e, modéstia à parte, jogava muito bem; foi contratado pelo São Paulo Futebol Clube como atleta, eu não tenho essa carteirinha dele, mas está com um primo meu que é fanático por futebol e me pediu, meu pai era atleta com "th" número 32, atleta profissional. Naquela ocasião - eu não me lembro direito, mas deve ser aí por 30 e poucos, 36/37 ou 38, dessas datas eu não me lembro bem -, o São Paulo estava disputando o campeonato paulista, e a Rhodia, como naquela época a maioria das chefias de médio porte até a diretoria eram todos franceses, eles eram muito apaixonados pelo futebol. Então a Rhodia tinha um time bom, um time daqui de Santo André, praticamente tinham três times, o Corintinha de Santo André, por sinal você deve lembrar que o primeiro gol que o Pelé marcou na vida dele foi aqui em Santo André (risos). P - Foi no Corintinha é, eu ouvi falar essa história. R - Tinha o 1o de Maio, e a Rhodia ... Foi feito um torneio de futebol com o São Paulo, com o Corintinha, com o 1o de Maio, e meu pai deu a sorte de marcar dois gols de cabeça, ele era ponta direta contra a Rhodia; a francesada ficou...
Continuar leituraP - Bom, senhor Rondinelli, nós gostaríamos de começar pedindo para o senhor se apresentar: nome, data e local de nascimento, uma apresentação inicial. R - Bom, é Silvio Rondinelli Neto, tem um neto aí; nasci em 27 de novembro de 1944, aqui em Santo André mesmo. P - Aqui em Santo André. R - Isso. P - E os pais do senhor, o nome do pai, da mãe... R - Meu pai já é falecido, chamava-se Lourenço Rondinelli; minha mãe também é falecida, Herminia Stanzianni Rondinelli. Como nós vamos falar um pouco da história da Rhodia, então... Se eu estou aqui hoje, eu devo um pouco à Rhodia, porque o meu pai também trabalhou lá muitos anos. Na realidade, a história do meu pai é um pouco curiosa, porque ele entrou na Rhodia por causa do futebol. Meu pai jogava futebol, era nascido em São José do Rio Pardo, interior de São Paulo, e, modéstia à parte, jogava muito bem; foi contratado pelo São Paulo Futebol Clube como atleta, eu não tenho essa carteirinha dele, mas está com um primo meu que é fanático por futebol e me pediu, meu pai era atleta com "th" número 32, atleta profissional. Naquela ocasião - eu não me lembro direito, mas deve ser aí por 30 e poucos, 36/37 ou 38, dessas datas eu não me lembro bem -, o São Paulo estava disputando o campeonato paulista, e a Rhodia, como naquela época a maioria das chefias de médio porte até a diretoria eram todos franceses, eles eram muito apaixonados pelo futebol. Então a Rhodia tinha um time bom, um time daqui de Santo André, praticamente tinham três times, o Corintinha de Santo André, por sinal você deve lembrar que o primeiro gol que o Pelé marcou na vida dele foi aqui em Santo André (risos). P - Foi no Corintinha é, eu ouvi falar essa história. R - Tinha o 1o de Maio, e a Rhodia ... Foi feito um torneio de futebol com o São Paulo, com o Corintinha, com o 1o de Maio, e meu pai deu a sorte de marcar dois gols de cabeça, ele era ponta direta contra a Rhodia; a francesada ficou louca da vida, e a Rhodia perdeu. Era um futebol profissional, vamos dizer, não era o São Paulo que pagava o jogador, era a Light... Não era que a Light pagasse, eles arrumavam emprego para o jogador: o jogador tinha um rendimento trabalhando na Light, e jogava futebol pelo São Paulo, esse era o profissional. P - Mas não recebia nada pelo São Paulo. R - Pelo São Paulo não, pela Light. Aí a Rhodia ofereceu para ele trabalhar e jogar futebol; na realidade, era jogar futebol e trabalhar...(risos). P - Jogar futebol e trabalhar na Rhodia. R - Então foi assim que ele veio para Santo André, meu pai era uma pessoa... Esse pessoal todo que vocês entrevistaram conhecia muito ele, pessoa muito boa, muito dada assim com as pessoas, tanto que ele foi vereador eleito em Santo André duas vezes... E na semana em que ele estava... quase quando iam começar a campanha dele a prefeito, ele acabou falecendo. P - Ah R - E os votos dele eram totalmente da Rhodia, ele se elegia pela Rhodia, a Rhodia que o elegeu vereador. Foi presidente do clube várias vezes, o nosso clube que ainda tem até hoje. Ele era uma pessoa que cativava as outras pessoas. P - E ele era de São José do Rio Pardo. R - Era de São José do Rio Pardo. E tinha naquela época, um pouquinho da história, acho que deve ter uma coisa nesse sentido aqui em casa. Naquela época, no dia da tomada da Bastilha na França, era feriado, e a Rhodia fretava um trem só para o pessoal da Rhodia, que descia para Santos, e lá tinha uma série de convescotes e uma série de atividades, jogos, desfile, e às vezes algum torneio com o pessoal de Santos; existia uma programação toda, na própria praia também, futebol, uma série de jogos, e num desses passeios ele conheceu minha mãe, que também trabalhava na Rhodia. P - Sua mãe também trabalhava na Rhodia. R - Também trabalhava na Rhodia. Através de um tio meu que era goleiro do clube, eles foram muito amigos. Ele namorava uma irmã da minha mãe, e apresentou meu pai para minha mãe... P - No trem. R - Eles se casaram no trem, nesse convescote, namoraram e se casaram. P - Se conheceram... R - Tiveram um filho que infelizmente faleceu cedo, tive um outro irmão mais velho que também faleceu trabalhando na Rhodia, ele estudou e trabalhou dentro da Rhodia até pouco tempo. A nossa família praticamente era a Rhodia, nossa vida era a Rhodia. Esse meu tio, por exemplo, morava numa casa no clube, porque como ele ocupava um cargo e cuidava da parte de segurança da Rhodia Química em Santo André, duas pessoas tinham a residência próxima a Rhodia, apesar dali perto do clube ou da fábrica ela ter uma série de residências onde moravam funcionários. Os funcionários mais graduados moravam no bairro Jardim, aqui em Santo André, e eram todas casas da Rhodia. P - Todas as casas do bairro Jardim eram... R - Não, todas as casas em que eles moravam eram da Rhodia, que tinha a casa e cedia para essa parte da diretoria, porque o bairro mais elitizado de Santo André era o Jardim, então os diretores moravam lá. E meu tio morava no clube, numa bela casa, porque qualquer emergência da fábrica, ele iria para o clube. Então a nossa infância, a minha, a do meu irmão, do meu primo, esse meu tio tinha um filho que também trabalhou na Rhodia, e a nossa infância era dentro do clube da Rhodia, para nós era o nosso clube, a gente freqüentava desde que nascemos e até hoje eu freqüento. Esse meu tio tomava conta do lança perfume. P - O nome dele qual é? R - É Alcebíades Luiz Lansain, é vivo ainda. Meu tio ocupou uma série de cargos dentro da empresa, até ser o homem de maior confiança da diretoria dos franceses; ele praticamente ajudava na construção das fábricas, tomava parte da segurança da fábrica, ele iniciou no lança perfume... P - Ele entrou lá para trabalhar com o lança perfume. R - Com o lança perfume, ele fazia as negociações com o sindicato na época de dissídios, nem sei se chamava dissídio naquela época; e quando o meu pai morreu, muito cedo, com 42 anos, a gente foi morar com esse tio, daí é que eu te contei aquele negócio do lança perfume, porque a diretoria da Rhodia dava concessão da venda do lança perfume para ele no Brasil, e o Brasil era dividido em duas partes: tinha uma pessoa que chamava-se Loureiro Posta, no Rio de Janeiro, que tomava metade do mercado Rio, Norte, Nordeste e Centro... e o Sul. Meu tio pegava metade do Rio e o Sul para vender o lança perfume. Eu estava com 15/16 anos, e a Rhodia não teve mais interesse em fabricar o lança perfume, passou para ele a fabricação, cedia os maquinários; eu não sei que negociação foi feita, ele teria que arrumar um depósito grande em Santo André para instalar o maquinário, com a obrigação de comprar o lança perfume; a matéria prima era da Rhodia, a gente só embalava e revendia. Então aí eu comecei um pouco a tentar trabalhar na Rhodia indiretamente, mas a gente, quando começou, quando estava tudo pronto, íamos começar a fabricar, o Jânio veio e proibiu a briga de galo e o lança perfume. Nessa época eu estava no ginásio, naquela época seria 3a ou 4a série, e aí em 1961, quando eu me formei no ginásio, a Rhodia tinha um processo que era bastante interessante. O francês tinha uma característica importante: como ele vinha e não conhecia as pessoas no Brasil, principalmente em Santo André, porque a Rhodia começou em Santo André, ele procurava pegar pessoas assim que fossem parentes ou amigos de funcionários. Então não importava muito o lado profissional, importava muito o lado pessoal da pessoa, ser honesta, ter um antecedente dentro da Rhodia, e isso era uma característica da cidade: ou era a Rhodia, ou a Pirelli, a Pirelli também mantinha... P - As duas grandes indústrias. R - Então se trabalhava na Rhodia ou na Pirelli. Depois vem a Firestone, tinha a Covaric, que era uma fábrica de tecidos perto da Rhodia, mas as duas eram as principais empresas. Nós chegamos a ser, para vocês terem uma idéia, em quase 25 pessoas da mesma família trabalhando na Rhodia. P - 25? R - Meu pai, minha mãe, meus tios, minha esposa trabalhou na Rhodia... P - Na Rhodia também. R - É, só que na Valisère... E então a gente vivia, respirava a Rhodia, e aí, quando eu me formei no ginásio, e por todos esses parentes dentro da Rhodia, até pelo meu pai, que fazia pouco tempo que tinha falecido, ele faleceu... P - O que seu pai fazia lá na Rhodia? R - Olha, o cargo dele era um pouco do que é hoje o Recursos Humanos e mais a parte de pagamento, ele cuidava da contabilidade, não da contabilidade, mas de efetuar o pagamento aos funcionários; ele tinha esse lado também de Recursos Humanos porque ajudava muito as pessoas dentro da Rhodia. Como eu te disse, o francês tinha essa característica, então a pessoa queria, ia se casar, recorria ao Sr. Lourenço para arrumar um empréstimo, não tinha cooperativa de crédito, não tinha nada, e aí ele arrumava, e eu me lembro das pessoas me contarem que ele era uma pessoa muito boa, então se falava: "Olha, Sr. Lourenço, tem um terreninho perto da minha casa, o senhor não consegue um empréstimo da Rhodia?" E ele brincava muito: "Mas pô, já te arrumei dinheiro para você casar, aquela história toda... Está bom, então vem... De quanto você vai precisar?" "Não, o terreno custa não sei o quê..." A moeda na época era cruzeiro, acho... E ele arrumava o empréstimo da Rhodia: "Quanto você pode pagar por mês?" Era negócio de pagar... Aí a pessoa pegava, tinha o terreno, e chegava para ele: "Senhor Lourenço, puxa, casei, pode me arrumar o dinheiro... Tem o terreno, agora eu e minha noiva, como que vou fazer minha casa? Eu não tenho dinheiro para fazer a casa." "Há quanto tempo você trabalha na Rhodia?" "Ah Sete, dez anos, sei lá." "Você está demitido" "Como, mas Sr. Lourenço, eu vim aqui pedir ajuda, o senhor me demite?" "Não, você está demitido, passa aqui amanhã, pega a tua indenização, quanto vai custar essa casa?" "Sei lá quanto custaria..." "Então sua indenização é essa." Aí no dia seguinte o cara passava, o dinheiro da indenização... "Agora você volta amanhã aqui e volta a trabalhar". Quer dizer, então era um sistema que o francês permitia, e daí se falava muito da família Rhodia. P - É verdade. R - Todo mundo se ajudava, a cidade toda. Então, voltado ao meu caso, eu terminei o ginásio, aí eles me... P - O senhor fez ginásio aonde? R - Eu fiz ginásio aqui em Santo André. P - Aqui em Santo André? R - Tudo aqui em Santo André; eu estudei, e já tinha meu irmão trabalhando lá, meu primo, filho desse meu tio, e eles me chamaram para ser químico, meu irmão já era químico, estudando química, e meu primo também. Eu falei: "Poxa, ser químico..." Para mim, química é um negócio de louco, de explodir... Um negócio, uma coisa mesmo (risos)... Eu falei: "Você está brincando". 16/17 anos, pensando mais nas meninas e namorar em festa... "Vou ser químico?" Aí... Não, vem aqui, vem conhecer o que é ser químico. Coincidentemente foi na farmacêutica, no laboratório de análise da farmacêutica. Aí eu fui lá, fiquei uma semana lá olhando, vendo como as pessoas trabalhavam... P - Quem chamou? R - Foi através do meu tio. Tinha uma pessoa que se chamava Mateus, acho que ainda é vivo, ele cuidava dessa parte que hoje são os trainees dentro das empresas, muito conhecido da nossa família, eu fui e gostei; também, minha mãe viúva, meu irmão, apesar da gente morar com o meu tio, eu precisava ter um trabalho, e naquela época você se formava no ginásio, tinha a opção do científico, do técnico e do clássico, o nome do curso, após o 1o grau específico, para advocacia e o curso técnico. Aí eles me chamaram. Só que tinha um problema nessa época, só existiam em São Paulo duas escolas de química: o Colégio Oswaldo Cruz e o Colégio Mackenzie, e tanto o Mackenzie, como o Oswaldo Cruz, eles ... aula teórica no período da manhã, e a aula prática à tarde, para prática de laboratório, não existia o curso à noite. Aí era um primeiro problema que eu estava vendo, mas a Rhodia falou: "Não, você vai estudar e fazer o laboratório à tarde e trabalhar no laboratório julho, parte de dezembro, até você entrar de férias na escola, você vai ter quinze dias de férias em janeiro, trabalha esses quinze dias, a segunda quinzena de janeiro, e fevereiro, até começarem as aulas; você vai ter um salário, vai ter o estudo pago, e o seu mérito em termos de salário vai ser as notas que você tirar, e o aumento de salário, também, cada ano que você for passando." Então entrei no primeiro ano no curso de química, de técnico, tinha vestibular... P - Tinha vestibular? R - É, era técnico mas existia um vestibular; e conforme você ia passando de ano, as notas que você tirava... P - O seu salário... R - ... O seu salário aumentava. Então eu entrei em 02 de janeiro de 1962, saí do Reveillon, fui para dentro da fábrica, e comecei a trabalhar no laboratório farmacêutico, trabalhar... Ir lá era como férias, então eu fiquei até março, quando começou a escola. P - E continuava morando em Santo André. R - Morava aqui e estudava em São Paulo. P - Em São Paulo, como é que era isso aí... P - Lá na Barra Funda, não era? R - Na Avenida Angélica. P - Onde é até hoje. R - Onde é até hoje, eles tem a escola superior ali na praça Marechal parece que chama... P - Isso, Marechal Deodoro. R - E era ali, a Rhodia tinha também um certo convênio com o Oswaldo Cruz, por isso que nós todos íamos para lá, tinha todo um aparato da Rhodia para sustentar a gente. Então, poxa... Era um negócio fantástico, você estudava, a empresa... E isso não era uma concessão só para nós, não; farmacêuticos também tinha essa concessão, a Rhodia precisava de farmacêuticos, médicos, e dava toda essa formação. Por exemplo, um médico que até hoje, de vez em quando, auxilia a Rhodia na parte médica, na Bahia, é Penildon Silva, um professor de medicina em Salvador; o professor Menotti, que se formou em psiquiatria pela Rhodia e depois foi para o Paraná. Então a Rhodia fazia isso, ela ou pegava um bom aluno em outro estado ou pegava, como o caso do professor Menotti, aqui em Santo André, que estudou medicina com a Rhodia e foi fazer o trabalho de psiquiatria no Paraná. P - No Paraná. R - Tinha o Itamar, que foi gerente de vendas muito tempo no Paraná, era farmacêutico, se formou pela Rhodia; meu pai até que o trouxe, ele também era de São José do Rio Pardo, ele se formou em farmácia e foi tomar conta da área comercial em Curitiba, Paraná e Santa Catarina, e o doutor Menotti foi como psiquiatra, porque naquela época a Rhodia tinha uma linha de psiquiatria, como até hoje é uma linha forte. Então essa parte de estudos não ficava só com a química, mas também em cursos superiores; dentistas, por exemplo, a Rhodia custeava... Eu tive um pouco de azar, porque em 1963 passou a ter aula a noite e a aula de laboratório era aos sábados o dia inteiro, então eu tinha que trabalhar o dia inteiro (risos), tive que voltar para a fábrica. Mas tinha um problema nessa época: a escola começava às sete horas em São Paulo, o curso era puxado, você substitui uma manhã inteira e mais uma parte da tarde, nós tínhamos aula de laboratório também à noite, mas o forte mesmo era no sábado, e o horário de trabalho da Rhodia era até as cinco e meia ou quinze para as seis - eu não me recordo, acho que era cinco e quarenta e cinco -, e nós tínhamos que tomar o trem as seis horas para poder entrar às sete e dez em São Paulo, na escola, e não dava tempo se você saísse quinze para as seis. Hoje as empresas não se preocupam muito com isso, mas a Rhodia se preocupava e nos deixava sair às quatro e meia. Então nós saíamos às quatro e meia, para dar tempo de ir em casa tomar um banho, jantar, e tomar o trem chamado seis e dois; nós tínhamos um vagão para nós, os estudantes que trabalhavam na Rhodia, e aí era o segundo problema: a aula terminava as onze e meia da noite e o último trem era às onze. P - As onze da noite R - É, era o último trem, e o último ônibus na Praça Dom Pedro era meia-noite. Então sair da Avenida Angélica às onze e meia e chegar meia noite não dava tempo, às onze horas você tinha que perder uma aula; então a Rhodia colocava um ônibus à nossa disposição, na frente do Colégio Oswaldo Cruz, a gente tomava o ônibus às onze e meia, assim que terminava a aula, e esse ônibus entregava a gente praticamente quase que na porta de casa. Realmente era uma vida puxada e eu passo isso, sempre passei para os meus filhos, que eu e o meu irmão - meu irmão já estava mais avançado, ele era mais velho que eu -, a gente vinha junto, estudando. P - Ele também estava fazendo o curso de noite. R - Estava terminando, na parte mais para frente. Eu e meu irmão, nós éramos os últimos a descer do ônibus, nós morávamos no centro de Santo André, e entrega gente em São Caetano, em São Bernardo, nós acabávamos chegando em casa uma e meia, quinze para as duas, e entrávamos na Rhodia às sete horas; nós dormíamos praticamente quatro horas, cinco horas por noite, no máximo. A gente aproveitava para dormir no trem até São Paulo e no ônibus, na volta, mas no ônibus dos estudantes era aquela bagunça e ninguém acabava dormindo. P - E tinha um vagão na ida que era só para os estudantes, também. R - Praticamente éramos nós, pessoal da Rhodia, da química, que na época éramos uns 20/25 ou 30 químicos, e a gente já tinha um vagão; quando a gente entrava, o pessoal já ia indo para os outros vagões. Às vezes muita gente queria dormir, queria ficar só a gente. Tinha outros estudantes também, de outras escolas, que iam em escola de teatro, tinha uma pessoa de teatro, Antonio Petrim; acho que trabalha, também ia no trem, era uma turma aqui de Santo André, muito grande. E essa vida foi até eu me formar, trabalhando no laboratório químico farmacêutico; naquela época era diferente, a farmacêutica era dentro da Rhodia, a fábrica era dentro da Rhodia, era um departamento, chamava-se Depesp, Departamento de Especialidades, era um departamento como tinha o departamento de lança perfume, que tinha sido extinguido, depois eles passaram a fabricar o Rhodiasol, os aerosóis, trabalhei numa série de departamentos, e fiquei até 1965, quando me formei. Era uma característica também: você sendo um bom aluno, trabalhando, você tinha uma carreira crescente. Quando eu me formei, eles me ofereceram a subchefia do laboratório químico da fabricação de antibióticos; naquela época a Rhodia fabricava antibióticos e, modéstia à parte, era um dos melhores antibióticos que tinha no Brasil, a penicilina da Rhodia era fantástica, até hoje a gente não entende porque deixaram de fabricar a penicilina no Brasil. P - Foi a primeira, não foi a primeira? R - Foi a primeira. Nós fabricávamos vários antibióticos, fabricávamos até para a Jonhsons alguns produtos, e aí eu fui de 65 a 1968, quando eles tomaram a decisão de fechar a fabricação de antibióticos no Brasil, aí eu passei a trabalhar... P - O senhor não sabe porque que fecharam isso? R - Não, não sei; acho que talvez rentabilidade, alguma coisa. Acho que essas pessoas que vocês têm entrevistado tem mais conhecimento, esse Sr.Carvalho, Farid, Fornero, eu acho que eles sabem porque foi fechado. E a gente foi... A Rhodia não dispensava nunca, dispensar era por justa causa e era uma coisa dificílima de acontecer com alguém... Daí à Rhodia fazer alguma coisa que prejudicasse o nome da empresa... Mesmo esse cuidado ele teve, eles foram nos recolocando em alguns departamentos e eu fui trabalhar no laboratório científico. P - Na área farmacêutica. R - Não, aí era química, eu peguei uma parte de ensaios e pesquisas. Eu tomava conta, dentro de um laboratório científico, de um setor, e assim, para os novos produtos que a Rhodia queria fabricar, a gente fazia o teste de laboratório; depois a decisão era dada, se era rentável ou não fabricar o produto. E eu me lembro de um dos produtos que eu ajudei a fazer, foi o Bicarbonato de Amônia, que a Rhodia fabrica até hoje para biscoito, pão, esse negócio todo; só que nessa época, em 68/69, houve uma mudança na área comercial em todas as divisões ou departamentos da Rhodia. Por exemplo, o meu irmão passou a ser vendedor da parte química, eles procuravam os químicos para a área farmacêutica, já estava havendo uma migração de farmacêuticos e dentistas, uma exigência anterior à essa época, anterior a 60 - acredito que 59/60 -, eram dentistas e farmacêuticos. P - Que trabalhavam na área de vendas. R - Na área de vendas; na área química, eram os químicos. E ela começou a pegar uma série de químicos que trabalhavam com a gente em laboratório para serem vendedores; lógico, com um salário melhor. P - O salário era o melhor. R - Bem melhor, bem melhor. Eu também comecei a tentar a ir para química, mas aí começou a mudar um pouco a política, isso em 69/ 70. Por exemplo, o empecilho que eu tinha para ser vendedor da química era meu irmão, eles já não queriam dois irmãos no departamento de vendas. P - No mesmo departamento. R - Já tinha essa restrição. P - Seu irmão já estava lá. R - Já estava lá, e eu sempre gostei de vendas. Eu saía da Rhodia às seis horas e ia para São Bernardo, eu tinha um tio em São Bernardo que vendia automóvel - na época não tinha loja, era um estacionamento que vendia automóvel -, e eu ia para lá ganhar um dinheirinho a mais, ajudava esse meu tio, sábado e domingo pela manhã eu ia lá ajudar, e ele sempre me dava um percentual da venda dos carros. P - Quantos anos o senhor tinha nessa época? R - Essa época eu já estava casado. Não, isso foi em 67/68, eu me casei... P - Já tinha se formado no curso de química... R - De química, já tinha conhecido a minha esposa, que trabalhava na Valisère; nós nos casamos em 67, mas isso foi 66.. P - O senhor conheceu ela na Rhodia. R - Não, não foi bem na Rhodia, conheci aqui em Santo André, mas aí soube que ela trabalhava na Rhodia e eu na química, ela trabalhava na Valisère, era modelista na Valisère, que faz os moldes das... P - Das peças. R - Das peças. Eu sempre gostei da área comercial e comecei um pouco a forçar a barra; eu fiquei pensando: bom, a química está fechada para mim, têxtil tinha que ser um especialista da área, era muito difícil o pessoal da química ingressar na área comercial, porque eram dois ou três vendedores, a têxtil sempre teve o monopólio, vendia o que queria e quem quisesse comprar comprava, quem não quisesse comprar não comprava, quer dizer... P - Era a grande estrela. R - Era a grande estrela da Rhodia. E aí eu comecei a pensar: poxa, eu tenho a minha vida na área farmacêutica, na área de saúde. Conheci o Fornero, conheci o Rizzo, Sr. Carvalho, o Dr. Simões, que era o gerente geral da farmacêutica e teve muito relacionamento com o meu pai, aí eu comecei a enchê-los, ia lá com a maior cara de pau: "Eu quero ser propagandista, eu quero ser vendedor"; eu nem sabia o que era propagandista ou o que era vendedor. "Não, não dá; não, não dá" E ia lá o Fornero - o Fornero era um gerente dos propagandistas, e o Rizzo era de vendas, tinha uma estrutura um pouco diferente, mas quem tomava conta de todo o pessoal do campo era o Fornero. "Poxa, me dá uma chance, me dá uma chance..." Eu acho que eu enchi tanto essas pessoas que eles acabaram... "Bom, vamos pôr ele lá, ele não vai dar certo e a gente vai se livrar dele." Quando eu consegui, em dezembro/ novembro de 71, a gente começou a fazer o curso e eu me esforçava muito, porque realmente, para você ter uma idéia do salário, o que eu ganhava como chefe do laboratório de ensaios e pesquisas, como propagandista era o meu fixo; aí eu ia ter perto, naquela época, o prêmio, a comissão, não era prêmio, naquela época representava mais 25%, e poderia ser crescente, quanto mais vendia você podia ganhar e mais o carro. P - E mais o carro. R - É, e mais um carro, e só descontava de mim a gasolina do uso particular do carro. Quer dizer, então eu pude vender o meu carro, na época nós já tínhamos uma filha e a gente lutava com dificuldade, então foi contrariando a minha esposa, que nunca quis que eu fosse vendedor (risos). P - Fazer propaganda... era junto isso propagandista-vendedor e... R - Propagandista, vendedor e cobrador. P - E cobrador. R - É, você não tinha cobrança bancária, você vendia... E outra coisa, você vendia em todas as farmácias, não tinha distribuidora, e eu comecei na propaganda, fiz o curso em 71/72, e fui para o campo já como propagandista, eu fazia... Para você ter uma idéia, hoje eu acho que tem uns 10 fazendo essa área, no mínimo, deve ser mais ou menos isso; eu fazia São Bernardo do Campo, Diadema, São Bernardo - incluído Rudge Ramos, que hoje é separado de São Bernardo. A propaganda médica, eu fazia em São Bernardo do Campo, Rudge Ramos e Diadema, aí eu pulava Santo André, e ia para Mauá, Ribeirão Pires, Suzano, Mogi, Guararema, Biritiba Mirim, Salesópolis e Santa Branca. P - Sozinho? R - Sozinho; propaganda médica, venda em todas as farmácias e cobrança. Tinha uma semana que era a mais triste da minha mulher; eu ficava em Mogi, que para ir e voltar até hoje é um perigo, a Serra de Ribeirão Pires que vai Suzano, aquilo, quando a serração fecha, você não enxerga nada, havia vários acidentes, como tem até hoje. Então eu ficava uma semana trabalhando lá, dormia dois ou três dias em Mogi. P - Mogi ficava como sede daquela região... R - Mogi tinha uma faculdade, eu não pegava faculdade... Ainda não tinha faculdade do ABC, existia faculdade de medicina em Mogi, então era importante fazer o trabalho lá. E aí foi, depois eu fiquei um ano mais ou menos nessa vida... P - Esse curso, como é que era esse curso para entrar... R - Esse curso era de um mês e você fazia dentro da Rhodia Farma, era ministrado pelo departamento de treinamento. E você - hoje a gente chama o curso light -, naquela época você tinha que saber a composição do medicamento com os miligramas, com tudo. Você pegava um Vitaminer, que era um produto que se vendia muito, tinha 15/20 componentes, e tinha que saber o nome de todos: o sal, o princípio ativo, e a dosagem. Depois você tinha propriedades, indicações, posologia ... Quer dizer, tinha que saber na ponta da língua, realmente era um processo de decorar mesmo, e se você não soubesse todos os sais com a sua dosagem de cada produto, você não passaria ao campo, ficaria treinando ou até cortado. P - O senhor é um dos poucos não farmacêuticos. R - Não farmacêutico, era químico... Mas nessa época já não tinha mais. P - Já não era mais o... R - Já não tinha mais essa exigência. Eu fiz o curso, até o Valdemir está lá até hoje na Rhodia... P - O senhor lembra de alguém que deu curso para o senhor? R - Lembro, o João Carlos Torrecilas deu curso, era treinee; tinha o Sérgio Cláudio, que era o chefe do departamento de treinamento, que ministrou, e teve muito tempo aí na Bristol Myers Squibb, nem sei se está lá até hoje; eram essas pessoas, eram farmacêuticos que davam o curso, aí depois você tinha um supervisor, que no começo que te acompanhava; e era a minha dificuldade, porque os outros que faziam o curso comigo já tinham vindo da indústria, eu era o único que não sabia nada, não sabia nem o que era uma propaganda médica. Depois de muito tempo eu criei um sistema um pouco diferente: passei a dar oportunidade a internos quando peguei a gerência comercial na farmacêutica, e por um mês ou dois acompanhava um propagandista para ver se gostava ou não. Mas naquela época não, foi o meu supervisor que me acompanhou, tremia barbaridade... P - Ele foi junto. R - Foi junto, é, junto. P - Como que foi a sua primeira visita, assim? R - Ah foi uma catástrofe... P - Conta. R - Foi, eu me lembro que era um médico japonês, em São Bernardo, e ainda mais junto com o supervisor, não saiu nada; o pouco que saiu quem fez a propaganda foi ele, chamava Antonio Matsukura, era um japonês farmacêutico para quem meu supervisor me deu toda a atenção, me tratou muito bem, tanto que foi interessante. Ele foi chamado para uma reunião no dia seguinte, eu já estava um pouquinho mais solto, e a comunidade de representantes é muito forte, uma coisa que eu sempre discutia muito na Rhodia. A comunidade de representantes é mais forte do que a própria indústria, ou seja, para você... Não existe segredo nesse ramo, os propagandistas trocam informações, indicam os médicos que mais receitam, é um negócio interessantíssimo, preparam o roteiro para você visitar, os colegas preparavam para mim um roteiro. P - Independente de ser da Rhodia ou de outro. R - Não, não, ou de outro... Isso é interessante na área de viagem, eles dormiam no mesmo quarto em hotel, viajavam às vezes no mesmo carro, qualquer dificuldade eles se ajudam muito. P - Muito solidário. R - Muito solidário, muito solidário; mais para frente eu vou contar que eu contratei uma época uma consultoria para analisar um pouco isso, para gente entender bem esse sistema. Mas aí, o que aconteceu? No dia seguinte, quando eu fiquei sozinho, todo mundo ajudando: "Vai com calma Silvio, faz assim". Pegavam o meu material, olhavam, olha: " Fala assim, diz assim, esse médico atende assim, e esse médico..." E eu voltei no japonês no dia seguinte, bati lá na porta (risos): "Pronto, eu estou aqui de novo". Ele falou: "Ah o senhor voltou". Eu falei: "É, eu voltei sozinho, e gostaria de repetir, se o senhor permite, eu sei que tem muitos pacientes aí". "Não, entra... Fica à vontade, o senhor estava muito nervoso ontem... Pode fazer àvontade a sua propaganda, não se preocupe comigo." O médico, naquela época, ele era quase cúmplice - se é a palavra que a gente pode usar - do propagandista; e eu fiz, ele me parabenizou, e fui desenvolvendo, crescendo... P - Como é que era esse material que... R - É o mesmo de hoje. P - É o mesmo material de hoje? R - É o mesmo material de hoje, eu falo para as pessoas. Na época não tinha videocassete, era super 8 e 16 milímetros, se filmassem uma propaganda médica naquela época, em 71/72 ou até antes, era exatamente o que se faz hoje; hoje com uma desvantagem, os laboratórios triplicaram, quadruplicaram as suas equipes, o médico hoje não é tão parceiro do propagandista, porque a massificação é muito grande, o médico não evoluiu nesse sentido. A propaganda médica, as técnicas são várias, mas quando entra lá dentro do consultório é a mesma coisa, pelo contrário, é um pouquinho pior, porque o tempo ficou muito restrito, a parte comercial mudou muito, evoluiu muito. Hoje não se vende mais em farmácia; você chegava por exemplo em Mogi, saía cedo de casa, às cinco e meia, para estar sete horas, sete e meia, antes das oito em Mogi, porque para as primeiras farmácias que abriam você já deixava a lista dos produtos para o farmacêutico fazer o levantamento, você esparramava a lista em todas as farmácias, e já ia para o Pronto Socorro pegar a troca do plantonista que ia entrar às sete e meia, oito horas da manhã, e praticamente o trabalho era feito em hospitais, no período da manhã, era uma característica. P - Hospitais... R - Pouquíssimos consultórios atendiam de manhã, muito poucos. Então o que quê você programava? Você programava a propaganda médica nos hospitais, nos poucos consultórios que atendiam de manhã e as farmácias; você deixava a lista, fazia a propaganda médica que ia até mais ou menos meio dia no hospital, encaixava no roteiro alguns ambulatórios, e ao meio dia, antes de almoçar, você ia retirar os pedidos na farmácia e fazer a cobrança. P - Já na hora de... R - Já na hora de tirar o pedido, recebia a duplicata, ou dinheiro, ou cheque; era um rolo danado isso, porque você corria o risco de ficar andando com aquele dinheiro, não tinha compensação... Nem nós tínhamos ordem para depositar em qualquer coisa, nós tínhamos que fazer um relatório de cobrança e entregar no escritório. Na época era uma característica também: a Rhodia tinha um escritório aqui em Santo André, um no Tatuapé, no centro de São Paulo, que é aonde era a Rhodia, na Líbero Badaró, eram esses três escritórios. P - Escritório de representações. R - De representantes; o supervisor tinha o seu escritório, era um negócio interessante. De segunda e quinta nós íamos no escritório prestar contas, fora isso o supervisor fazia uma checagem para ver se ninguém mecanizava; mecanizar era pegar o dinheiro e aparecer de supetão, assim, sem avisar nada, e fazer a conferência de duplicata e cheque, era o sistema da época. A gente fazia esse trabalho e à tarde pegava os consultórios, você ia em consultório até seis e meia... P - Que era mais difícil fazer, consultório, farmácia... R - Ah Farmácia sempre foi gostoso, o médico era mais difícil porque você... até hoje você enfrenta os pacientes, então mais light mesmo era vender, que é hoje o que muita gente se engana, hoje não existe mais a venda, a venda é feita pelo atacado; nós mesmos fizemos uma modificação na Rhodia, que é a venda no Brasil, cuidada só por seis pessoas, e praticamente a função delas não é vender e sim ajudar o cliente a vender. P - Fazendo propaganda. R - Não, eles ajudam o cliente a vender, é o gerente de contas, essa figura que foi criada em fim de 96, e a gente pode explicar um pouquinho mais para frente. E aí então eu passei a fazer toda essa... Graças a Deus e ao meu trabalho, lógico, essa região cresceu muito, era uma região que tinha problemas de venda, de saída de produtos, e eu fiz um bom trabalho. Para me premiar, e facilitar mais a minha vida, houve uma modificação geográfica em São Paulo, aí eles me deram Santo André e passaram esse lado de Mogi e Suzano para quem vinha da Zona Leste, que era o mais coerente, e eu passei a trabalhar em Santo André. Morava aqui, chegava mais cedo em casa, e apesar de que o trabalho lá acabava seis e meia, porque nessa época a Rhodia estava mudando todo o cadastro médico, nós estávamos recadastrando todos os médicos, então eu chegava em casa e tinha que preencher a ficha, foi a primeira ficha informatizada, isso em 72, era uma ficha muito trabalhosa; tanto que eu chegava em casa, sentava, eu e minha esposa, os dois, ela me ajudava a cadastrar os médicos, era um média de vinte médicos que a gente visitava por dia, não podia ter erro, era uma ficha muito complexa, grande, sabe, o quadradinho pequeninho para você colocar, e a gente cadastrava, ela ficava comigo e nisso iam mais uma ou duas hora em casa. P - Fazendo isso. R - Fazendo isso, todos os dias, até completar os cadastros e os relatórios. O relatório era diário, você tinha que somar os pedidos, a cobrança, passar para o relatório, e anexar as fichas cadastradas; era muito trabalhoso, e isso a gente fez um bom tempo. Aí, quando eu passei a Santo André, já ficou um pouco mais aliviado, porque não tinha área de viagem. Então o escritório era aqui em Santo André, ficou muito bom para mim; eu fazia Santo André inteiro, Mauá e Ribeirão. P - Eram 20 médicos por dia, em média, era isso? R - Em média por dia eram 20 ou mais, porque os hospitais rendiam muito mais, você não tem a perda de tempo de deslocamento. P - Eu queria saber, no médico, como era feito o controle de venda, por exemplo, como é que vocês eram avaliados? R - No médico nós não vendíamos, nós fazíamos propaganda. P - Eu sei, vocês só faziam a propaganda. R - É, o controle era feito através dessa ficha e havia... P - A visita... R - Havia o supervisor que fazia a checagem... P - Para ver se tinha passado por lá. R - É, até hoje é difícil. Existem laboratórios que têm a ficha do médico para ele assinar, eles detestam isso, sabem que estão sendo checados, mas era uma visita do supervisor e a venda você controlava pelo pedido, tirando o pedido ou cobrando, tudo bem. P - Isso na farmácia e no hospital. R - Agora, na propaganda era a visita, eu fiz muito depois que passei a supervisor, me apresentava como supervisor e dizia: "Eu estou aqui para ver se o senhor está sendo bem atendido pela Rhodia, recebeu o lançamento tal, recebeu a propaganda tal...", era um processo de checagem mesmo, tanto que os representantes chamavam o supervisor de perdigueiro, era o perdigueiro que ia à caça, esse era o termo usado... Seu perdigueiro chegou, seu perdigueiro não chegou, era um negócio interessante. E aí eu fiz Santo André até 1975, e fui promovido a supervisor em 1975, para a zona sul do ABC, a zona de sul de São Paulo, e fui promovido cedo. Para quem não conhecia o ramo e começou a fazer propaganda em 72, em novembro de 75 assumir uma supervisão era uma senhora responsabilidade, mas graças ao meu trabalho, sem dúvida eu me dedicava. Nós tínhamos, na época, um concurso de conhecimentos, era em São Paulo, um concurso que era um teste de conhecimento de produtos. P - De conhecimento de produtos. R - É, era um teste, um concurso anual em que, final do ano, tinha um prêmio, o gerente dava um prêmio e, modéstia à parte, eu disputava muito com propagandistas que até hoje estão na Rhodia, o Penha, ou era eu ou o Penha que tinham as melhores notas, tínhamos as melhores notas... P - O Penha desde aquela época está lá ainda hoje. R - Está lá ainda, está na Rhodia hoje, ainda, e a gente disputava mesmo pau-a-pau quem tirava a melhor nota; internamente também, no meu setor nós tínhamos o concurso de vendas, aí já em participação, em percentual, e eu novinho, eu vendia mesmo, cobrava, a minha carteira era muito boa, e eu disputava com um grande leão da propaganda, que até eu quero prestar homenagem a ele aqui, é o Antonio Hibide. O Hibide hoje saiu da Rhodia e montou uma distribuidora de medicamentos e perfumaria, acabou sendo uma das maiorias distribuidores junto com o doutor Otto, que era o dono da Casa Leal. A Casa Leal, infelizmente, há uns anos atrás, fechou, e o Antonio Hibide foi sócio da Leal, era uma figura que vendia... o que aparecia ele vendia. E a gente tinha uma brincadeira que era interessante: como eu estava em Santo André, era mais fácil eu passar no escritório, e quando passava, às vezes, assim, antes da quinta ou na sexta, tinha uma lousa no escritório em que tinham os nossos nomes, e a cota, a venda e o percentual - até o Mauro, que é propagandista hoje nosso, ficava no escritório, e a cumplicidade do Mauro era comigo: eu punha um percentual a mais para mim para o Hibide vender mais, porque a gente precisava cobrir a cota, a gente dependia da venda, e o Hibide chegava de manhã, o Mexerica chegava... Era uma figura muito conhecida na Rhodia, ele chegava de manhã, na quinta-feira, via nos controles dele que estava mais do que na lousa. "Mauro, que aconteceu?" O Mauro: "Ah Tal pedido voltou, o Cleto não aprovou", e ele puxava mais pedido, e a gente acabava cobrindo a cota com uma venda maior dele, era uma figura... P - Ele tinha uma cota a ser cumprida. R - Tinha uma cota nossa e do setor, você tinha um prêmio pela sua cota... P - E pelo conjunto. R - E pelo conjunto. Tinha um prêmio na cobrança também, de você atingir o objetivo na cobrança. A gente mudava um pouco os dados... Aí eu assumi a supervisão em 75 e usei essa sacanagem, o Mexerica saiu, o pessoal saiu, houve uma mudança muito grande na Rhodia; só que a minha era um pouco diferente, como tinha que cobrir a... Aí já não tinha mais o prêmio individual, era o prêmio só da cobrança, mas setorial, e o prêmio da venda setorial era um negócio interessante: quando a gente chegava na última semana, e o representante, apesar de ele ser muito assim detalhista, eu fazia uma jogada interessante, não durou muito tempo, mas valeu por uns dois ou três meses, quatro meses. Cada um tinha a sua cota e tinha a soma final, a soma deles dava a minha cota como supervisor; só que eu, a minha cota embaixo era sempre maior do que a soma da deles, ou às vezes eu invertia, a minha era menor e a deles maior. Então, se eles atingiam o objetivo deles, a minha saía que era uma beleza, ou, quando eles não atingiam, e o meu percentual estava baixo, todo mundo corria para vender mais, para atingir a minha, senão eles não ganhavam; o dia em que perceberam foi uma festa... Era uma coisa interessante, era uma (risos), uma sacanagem, entre aspas, bem administrada e bem vinda. E graças a Deus e a uma equipe muito boa que eu tive, essa equipe era a campeã de conhecimentos. Existiam nessa época já cinco setores, foi aberto um escritório na Lapa; então tinha o de Santo André, o Tatuapé, o do Centro, um na Lapa e um no Brooklin, e era um treinamento bom para nós, porque você era como um gerente, existia o gerente regional, mas você tinha a tua gerência setorial com um escritório que fazia toda a parte administrativa, fazia a parte de cobrança. A gente controlava tudo isso, e era uma preparação boa, isso acabou em 1987/88, acabaram esses escritórios regionais; tinha aqui, tinha no Rio de Janeiro também, era Rio e São Paulo, e era uma preparação boa, um treinamento bom para você. P - Como supervisor de Santo André? R - Zona Sul e ABC. P - Zona Sul e ABC todo. R - Nessa época tinham dez representantes. P - Dez representantes. R - Nós tínhamos, é. E havia essa disputa de conhecimento e de venda; no final do ano era feito um congraçamento com os familiares no clube da Rhodia e era premiado, aquilo era um negócio importante para gente, para os representantes, para a gente, como supervisor, conquistar o troféu de campeão de vendas ou de conhecimentos, e o nosso setor realmente sempre se destacava. Eu exercia um trabalho de liderança, eu fazia as minhas checagens, fazia parte do meu relatório quantas visitas de checagem eu tinha feito; peguei alguns que nos traíram em matéria de cobrança, de mecânica, que a gente chamava, e de visita fria. P - Visita fria. R - É, que era o termo que se usava para quem lançava na ficha e não visitava; isso hoje praticamente não existe mais. Acontece às vezes, recentemente lá na Rhodia mesmo nós chegamos a pegar um ou dois que fizeram visita fria, hoje eles só fazem propaganda. P - Não iam e faziam o relatório dizendo que tinham ido. R - Não iam e constava. Eu fiquei de 75 a 81 como supervisor aqui no ABC, e em 81 eles me ofereceram a gerência regional Bahia e Sergipe. P - Bahia e Sergipe. R - É, aí foi uma mudança radical para a família. Pessoalmente nós íamos passando uma situação, eu e minha esposa, um pouco difícil, particular, porque ela tinha perdido a mãe - tinha perdido o pai primeiro e depois a mãe -, e eu tive a fatalidade de perder esse irmão em 80, faleceu com 37 anos, enfartou com 37 anos; saiu da Rhodia para visitar um cliente em Diadema e enfartou na frente do cliente. Então a minha vida pessoal estava realmente todo atrapalhada. P - Ele tinha problema de coração? R - Ele tinha problema de pressão e fumava muito; se vocês fumam podem parar que o fumo realmente é a pior coisa. Recentemente, um parente, não sei se vocês viram uma campanha que foi feita aqui em São Paulo num shopping ou não sei onde, onde uns cardiologistas estavam para atender a população, medir pressão, uma série de coisas, perguntaram ao cardiologista, ele citou vários itens: stress, obesidade e fumo. Pediram para ele escolher um, um daqueles itens que mais problemas davam ao coração, ele não titubeou: "Sem dúvida, o fumo" E esse meu irmão fumava muito, ele fumava duas, três carteiras de cigarro por dia. P - Tipo Malboro, assim. R - É, ele fumava Hollywood (risos). P - Nossa Estoura peito. R - É, estoura peito; e ele estourou. E aí a gente, a nossa vida estava... E veio essa proposta, eu me reuni com a minha esposa, ela falou: "Aonde você for eu vou". Eu tinha duas filhas na época, eram pequenas... P - Estavam com quantos anos? R - A mais velha tinha 14 anos, a do meio tinha 6 anos. Aí conversei com a minha mãe, que ia ficar sozinha, só com meu irmão; conversei muito com a minha mãe, falei: "Mãe, tem isso e tal." Ela falou: "Vai embora". Me deu todo apoio. P - Eram você e esse irmão que morreu. R - Eu e esse irmão que era mais velho. Me deu todo apoio: "Não, vai cuidar da tua vida, você tem que ir, você não pode perder essa oportunidade". Apesar de que a Rhodia também me deu toda a assistência, eu tinha passagem de avião a qualquer momento em que ela precisasse, eu vinha da Bahia para cá. E fomos, encaramos uma vida difícil; até nessa época se costumava dizer na Rhodia "os expatriados", havia muita expatriação, mas expatriação era brasileiro que ia para França ou outra unidade da Rhodia, Argentina, então eu dizia que eu tinha sido expatriado dentro do próprio país, porque realmente a Bahia ... Eu voltaria a morar na Bahia, eu adoro Salvador, adoro a Bahia, os representantes de lá, eu sai da Rhodia não faz 30 dias, e o pessoal sempre falou que eu puxava muito pelo nordestino, e realmente eu puxava mesmo, é um povo muito sofrido, e realmente a gente fez um bom trabalho; eu fiquei lá de 81 a 83, e aí também houve uma outra promoção para mim, gerenciar outras regiões. E aí, quando eu saí, em 83, nós já estávamos preparando uma fusão de uma outra região, que era do Rio Grande do Norte a Sergipe, tinha uma outra regional; eles iam acabar com aquela gerência e eu ia assumir tudo. Então já tinha preparado toda essa fusão, e eu fui transferido para o Sul, para substituir o Valdemir, que está lá até hoje; o Valdemir era gerente no Paraná, veio gerenciar o interior de São Paulo, e eu vim transferido para Curitiba, gerenciei Paraná e Santa Catarina um período, e depois foi anexado o Rio Grande do Sul, aí eu fiquei no sul de 84 a 90, quando eu fui promovido a gerente nacional de vendas. P - Esse... o médico do nordeste... R - É a mesma coisa. P - A mesma coisa. R - A mesma coisa, o sistema é a mesma coisa. P - O propagandista, a relação acaba sendo a mesma. R - Pelo contrário, a dificuldade hoje também existe, porque na época existia diferença, um médico do interior e um da capital: o do interior era aquele mais acessível, aquele que você chegava e tinha bolo; normalmente o consultório era na frente da casa, ele chamava a esposa, os filhos para conhecer, era diferente, a própria comercialização também, a farmácia era diferente, o farmacêutico fazia questão de você tomar um café com a família dele, era um sistema... Então a vida do viajante era melhor do que a do propagandista da capital. P - Em termos de recepção, era melhor recebido. R - Em termos também, em tudo... Hoje não é tanto não, porque a dificuldade... P - Ganhava uma comissão a mais, eles ganhavam mais? R - Não, não; era a mesma coisa, o salário era o mesmo, a Rhodia nunca fez essa diferença, não existia essa diferença. Mas a qualidade de vida era melhor, a qualidade de vida profissional, e pessoal também, ele viajava muito, até hoje nós temos os dois que fazem Mato Grosso do Sul ou o que faz o Mato Grosso do Norte, ele viaja praticamente o mês inteiro, você fica muito fora de casa; mesmo o que faz Manaus, Terezina, esse pessoal viaja muito. No interior também, só que as áreas geográficas foram diminuindo, porque o crescimento do número de médicos não foi... Se formam milhares de médicos no Brasil hoje, e entram nesse mercado, então a coisa foi se expandindo, o número de médicos, e a gente foi diminuindo as áreas geográficas. P - Como se define um roteiro de visita ao médico? R - Então, se define muito, hoje se facilita porque a pesquisa de mercado indica os potenciais, hoje você tem todo um aparato. A indústria farmacêutica é muito rica em informações, está num nível, naquela época nós não tínhamos a pesquisa de mercado, mas não havia o nível de informação atual, por isso que te disse da comunidade representante. P - Dessa solidariedade mesmo. R - Dessa solidariedade. A gente tem que ver as praças, o potencial da praça, o potencial do médico, até hoje é analisado assim, mas com um respaldo muito grande da informação de mercado. Hoje, se você quiser, você sabe até o quê o médico receita, hoje os audites que tem, por exemplo, o Auditifarma; Auditifarma te dá os produtos de que o médico receita. O supervisor, hoje, a empresa que trabalha muito bem essas informações, ela tem direitinho quem receita, a posição em que está teu produto dentro do receituário daquele médico. É lógico que você tem a característica da região, e às vezes esses audites também não atingem o Brasil inteiro, aí vai muito realmente do conhecimento do supervisor e do representante, principalmente nas regiões do norte e nordeste, ali vai muito mesmo é do felling deles de saber... Por exemplo, no Espírito Santo, nós temos hoje um representante, tem muitos laboratórios que não têm, então cabe a ele, realmente, junto com o supervisor, avaliar qual cidade fazer, qual médico visitar; e isso tem que ser constante, esse turn over de médico tem que ser constante, porque hoje você tem o quê, tem uma clínica boa e amanhã não é ele, por isso tem que estar muito bem afinado. E realmente, para nós, hoje - e a indústria reconhece isso -, nós temos um mercado aí que a qualquer momento pode, e eu diria para você com toda a segurança, pelo conhecimento que tenho disso, ele pode dobrar, que é o norte-nordeste; a hora em que tiver um presidente da república, um sistema político social que faça uma distribuição de renda bem adequada ao norte e nordeste, o mercado brasileiro dobra, e não é toa que as grandes multinacionais de todo mundo estão de olho nesse país. Esse país, não só na indústria farmacêutica, mas respondendo o que eu conheço, é um mercado que a qualquer momento pode dobrar; e tem que estar preparado, a indústria tem que estar preparada. Como eu disse, em termos médicos, a coisa não mudou, mudou no sentido do número; hoje um representante na capital, se der dez médicos por dia, a estimativa dele são duzentos e setenta e cinco médicos, de um representante na capital fazendo só consultório e ambulatórios. P - Por mês. R - Por mês. P - 275 mesmo. R - É, não faz venda. P - Só a propaganda. P - Só a visita. R - Só a visita. Na minha época, quando eu iniciei, eram 250 médicos, propaganda, venda e cobrança, e visita em hospitais; hoje a Rhodia tem duas divisões, tem uma equipe que visita só hospitais e uma equipe de visita socializada e consultório, então tem que segmentar o médico. Na nossa época você visitava ginecologista, "GO", que nós chamávamos, ginecologia e obstetrícia - o próprio ginecologista fazia o parto, hoje o "gineco" não faz parto, é raro ele fazer, quem faz é o obstetra -; hoje você tem "GO" que é ginecologista especializado em terapia hormonal, reposição hormonal, hoje você tem ginecologista que é o clínico da mulher. Então tudo isso foi, o próprio mercado. Nesse ponto houve alteração, mas no atendimento à propaganda médica não, é a mesma forma. P - O propagandista vende, quer dizer ele vai tanto num pediatra como ele vai no... R - Sim, isso depende da linha de produtos que você tem, e isso é muito importante hoje; não adianta você levar um produto oncológico para um pediatra, a não ser que ele seja... P - Um especialista nisso. R - Um oncologista pediatra; não adianta você levar um produto de reumatologia a um ginecologista. Então isso tem que ser muito bem trabalhado, e é bem trabalhado; o importante é o treinamento da equipe, a formação, isso é o que vale, porque o homem faz a diferença. No nosso ramo é o homem que faz a diferença, porque você tem o mesmo sal com cinco, seis produtos, com nome fantasia, mas quem que vai convencer o médico a receitar o teu produto? É o propagandista, é ele que faz. Você pega, por exemplo, um produto hoje que deve ter mais de vinte apresentações, chutando por baixo, que é o Diclofenaco; você tem Tanderil, você tem Voltaren, tem um mundo de produtos, e todos vão no mesmo médico, e todos vão falar desse produto com o médico. Quem vai ganhar esse receituário desse Diclofenaco? É aquele que faz a melhor propaganda, aquele que dá um atendimento maior ao médico, freqüência e seqüência na propaganda... P - Estabelece uma relação. R - Uma relação, isso é que faz a diferença, o homem. Já se tentou substituir o homem, como já se tentou substituir na época, no passado, por fita cassete, a fita de gravação... P - Editava a fita de gravação. R - É, tentou levar filme, muitas vezes eu levei máquina super-8, a Rhodia tem acho que isso lá guardado; até é interessante vocês pegarem, era uma super-8 pequeninha, você puxava a telinha da própria máquina, projetava, mas não tem tempo para isso. Hoje se pensa muito... P - No médico. R - No médico, muito no computador; o computador está presente na sala do médico, mas ainda é um paradigma, porque o paciente às vezes não aceita: "Quem me está consultando é o senhor ou é o computador?" Ainda não entende que o computador está substituindo uma ficha que o médico tinha, tem todo o passado do paciente no computador, mas ainda não aceita; muitos põem uma divisória, o computador está atrás ou com a secretária, então é um negócio em que todo mundo está de olho, mas se pegar há trinta e tantos anos atrás, ainda é o mesmo sistema; é o homem com a pasta, a amostra grátis, com a literatura, entrando no consultório. P - Que é um material que também mudou pouco. R - Mudou pouco, pouco, porque se ele não mudou lá, como é que você vai mudar aqui? O laboratório Roche, uma época, tentou mudar, fazer uma pastinha onde tinham as amostras, os trabalhos científicos, e a chamada revista universal que ela entregava, só ela fazia, quem tentou imitar... P - Não deu certo. R - Não deu certo. Nós mesmos chegamos a fazer o que nós chamamos de kit promocional; desistimos, aquilo era uma característica do Roche. Mas não mudou, era o homem levando esse kit lá dentro do consultório, atendendo solicitações do médico em trabalho cientifico. Agora, em contrapartida, o lado comercial mudou, porque o atacadista, o distribuidor, evoluiu; no Brasil os números são diferentes, falam em 70.000 farmácias, 50.000 farmácias, é impossível você visitar. Aí a figura do distribuidor aparece forte, ele faz essa distribuição, e nós, nós temos hoje ... A Rhodia foi uma das pioneiras nisso, em 96 nós criamos a figura do gerente de contas, que também vai mudar agora, o gerente de contas não vai vender mais, está faltando pouco tempo para... Nós da Rhodia já estamos com isso em andamento desde 94, quando criei um processo, com uma equipe, é lógico, um processo chamado Businees Quality, onde já fazíamos uma redução de clientes; nós visitávamos naquela época 20.000 farmácias e quase 400 atacadistas, e uns 7.000 hospitais. O quê a gente fez: reduziu o número de atacadistas, que hoje é 40 e poucos atacadistas, que em filiais chegam a 70/80, e não visitamos mais farmácias, só visitamos 10/15 redes que ainda querem comprar da Rhodia. P - Tem algumas redes que compram diretamente da Rhodia. R - Compram porque querem, não porque nós queremos vender; para nós seria melhor passar para o atacadista. E isso então mudou, o atacadista hoje está muito bem aparelhado em termos de... P - Para o atacadista é melhor porque consegue melhor preço. R - Não, não; porque ele atinge melhor do que a gente. P - Ah Porque ele vai... R - A área dele é muito melhor, para nós custa. P - Muito mais gente. R - Nós damos uma remuneração, mas ele presta um serviço que é impossível hoje... P - A dele é muito maior. R - Um laboratório vender em todas as farmácias... Se você não tiver o distribuidor, você não atinge. P - E do tempo que o senhor está lá , qual foi o campeão de vendas, o produto que mais... R - Olha, um produto que marcou... O campeão de vendas da Rhodia é o Gardenal, é o produto que mais vende, mas o produto que marcou para mim, nesses 37 anos de Rhodia, é um que eu tive a satisfação de lançar, o Nootropil. Eu lancei como propagandista, ele foi lançado em 1973, e inaugurou uma categoria terapêutica chamada nootropicos, nós tivemos um processo de treinamento que eu acho que nunca mais se repetiu na Rhodia e nem na indústria: nós ficamos recebendo material de treinamento, de instrução programada, e em casa, durante seis, oito meses, todo mês vinham quatro apostilas para estudar o produto; no final do mês era submetido a uma bateria de testes enorme, depois participamos de uma convenção de lançamento em São Lourenço, nós de São Paulo, tiveram três ou quatro convenções só para tratar o produto, uma semana. Para vocês terem uma idéia daquela época, hoje uma propaganda médica dá de um a três minutos em média, no máximo, dentro do consultório; com o Noltropil nós levávamos vinte e cinco minutos a quarenta minutos para apresentar o produto, e você marcava a hora com o médico, qualquer hora que o médico quisesse atender, e se ele não desse o tempo, você não fazia a propaganda. P - Não fazia a propaganda. R - Não fazia a propaganda, não podia resumir o trabalho, era um visual de plástico grande; deve ter na Rhodia, guardado em algum lugar, o Abreu deve ter, e realmente era uma inovação, o produto existe até hoje, sem propagar, porque esse produto é da UCB, nós representamos a UCB no Brasil com esse produto; esse produto hoje vende 55.000/60.000 unidades por mês ainda, sem propagar. P - Sem propaganda. R - Sem propaganda, faz de vez em quando dois ou três meses aí pára... P - Mas não tem uma política mais forte. R - Não tem uma política muito forte. Esse produto, para mim, no meu tempo, foi o produto que mais marcou, eu cheguei a fazer propaganda desse produto como supervisor e como representante em dias... Cinco hora da manhã no Hospital Heliopólis, que o médico neurologista só atendia a essa hora; foi um produto que marcou muito. Eu diria esse é o primeiro. O segundo produto que realmente salvou muitas vidas foi o Flagyl injetável, esse também foi o segundo produto que marcou muito, e até hoje é, para infecções anaeróbicas, é um produto difícil, o tratamento da pessoa já está praticamente numa fase terminal no hospital, com um septicemia, com uma infecção generalizada, e esse produto salva vida. Então são produtos que marcam... Para mim, na minha carreira, eu acho que o que mais marcou foi o Nootropil, em termos profissionais, em satisfação profissional, e o Flagyl injetável, por ter também dado uma virada no tratamento de infecções hospitalares; eu acho que foram esses dois produtos que mais marcaram. Agora, vem uma série de produtos, que a medicina também foi mudando; hoje você tem produtos específicos, o tratamento de um comprimido só, de uma tomada só, é esse processo que está em evolução, e o futuro que eu vejo é que a indústria está preparada, e que a Rhodia está preocupada à vinda no Brasil das "AHMOS", como chamam nos Estados Unidos grandes empresas multinacionais, o grande objetivo delas é pegar todo o segmento da saúde no Brasil. P - Todo o segmento. R - Que são a Sulamérica, Amil... A própria Amil já está fazendo isso. A Amil teve a tentativa comercial, ela está aí vai-não-vai; ou seja, a pessoa, quando fica doente, é dela em todos os sentidos, ficou doente, consulta o médico, vamos exemplificar com a Amil, que é a que está mais avançada nisso: consulta o médico da Amil, precisa de uma internação, interna no Hospital da Amil, precisa comprar um medicamento, compra o medicamento na farmácia da Amil. A farmácia da Amil vai comprar de uma distribuidora que é da Amil, e aí o laboratório vai ficar preso dentro dessa... Isso é o futuro, isso já existe nos Estados Unidos, já existe em vários países. Aqui no Brasil a gente previa há uns anos, em 90/91, que isso fosse entrar em 97/98, a Amil deu essa mas recuou um pouco, mas não ia fugir disso, eles tem os grandes tentáculos na mão e aí a indústria vai ficar... P - Submetida a essa... R - Submissa a isso, submetida a eles. A pouco tempo atrás a Unimed tentou fazer isso, quer dizer, um produto que você vendia para o atacado hoje, numa condição comercial de 15/17/18%, para você vender numa farmácia com que a Unimed tem convênio, você tem que dar 25 a 30%. Esse é um grande negócio, e não sei também se eles não começam também com as suas indústrias de medicamentos. P - Eles não perdem... R - Ah Sem dúvida, sem dúvida isso aí, num futuro... Na Rhodia a gente tinha calculado cinco anos, há dez anos atrás, mas até hoje ainda não veio, graças a Deus, porque é uma coisa... Você ia ficar preso a eles. P - Vai ficar preso a eles. R - E vai acontecer. P - Em termos de concorrência Rondinelli, como é que fica a Rhodia em relação às grandes empresas? R - A concorrência... é o mercado mais concorrido que existe, de todos os mercados existentes. Para você ter uma idéia, o líder de mercado participa com 4 a 5%, que é a Novartis hoje, é Bristol, varia... A Rhodia hoje deve estar com 2,2/2,3%, e a briga é no consultório, aí a dificuldade. Eu, por exemplo, uma das últimas viagens que fiz, em termos de propaganda médica, só para citar um exemplo real, eu fui numa cidade que vocês conhecem, Olímpia, próxima à região de São José do Rio Preto; Olímpia é uma cidadezinha do interior, não menosprezando, mas é uma cidade pequena do interior. Lá, o propagandista, quando chegava aqueles laboratórios, era recebido com festa, e da última vez em que eu estive em Olímpia, em 96/97, tinha cinco ou seis propagandistas esperando para falar com o médico, é um absurdo. Agora, você pega aqui em São Paulo: o médico, hoje - é uma mudança que ele está fazendo -, ele já está selecionando, ele já está segmentando; ele segmenta o laboratório, o propagandista que entra lá. P - Ele já não deixa mais entrar... R - Isso, já não está deixando todo mundo entrar. Para você ter uma idéia, a Rhodia está hoje com duzentos e... não sei o número, mas está perto de 240 representantes na linha de consultório e ambulatórios, e tem mais 30 ou 30 e poucos na linha de hospitais. Para cobrir o Brasil, é pouco; o Aché tem 1.300/1.500. Um ciclo de propaganda médica, um ciclo de visita na Rhodia, é 30 dias, com percentual pequeno de uma revisita; o ciclo de propaganda do Aché é 15 dias. Então, o Aché visita o médico na primeira semana com um material promocional, revisita na segunda, troca o material promocional na terceira, e revisita na quarta; enquanto uma Rhodia está uma vez no médico, a Rhodia, Roche e a maioria dos laboratórios, o Aché está quatro. P - Um mesmo produto, ele troca inclusive o material que o senhor... R - Com o mesmo produto. Ele só troca a figura, a mensagem promocional, mas o produto é o mesmo. P - E entra o material de propaganda nisso. R - É uma massificação, só material de propaganda, uma massificação em si. O médico não quer, tem médico hoje que, quando abre o consultório, tem mais propagandista do que paciente, como a gente fala; tem mais gente para dar rasteira do que para cair. P - Não passa da secretaria. R - Ah Não passa, não passa. É uma verdade, uma realidade, ele tem que segmentar, porque a própria medicina hoje mudou, isso mudou; o que não mudou foi o atendimento ao propagandista, mas a medicina mudou. É raríssimo hoje o médico que tem um consultório de pacientes particulares, isso está cada vez mais raro; é convênio, se ele não entrar num convênio ele não tem. Os grandes medalhões ainda conseguem uma clientela particular, mas você pega aqui em Santo André, um município desse tamanho aqui, você conta nos dedos quais são os médicos que tem consultório com paciente particular; tem muitos consultórios, mas a maioria tem convênio com Sul-América, porque, porque hoje todo trabalhador tem convênio médico, o próprio INPS é um convênio médico e pode ser atendido. Então é raro, é o que a gente costuma dizer. Você via, em alguns ambulatórios ou em alguns consultórios, hoje você vê o número de gente que está para consultar com o médico, se ele colocar todo mundo em fila e benzer não chega no final, quanto mais consultar; porque a consulta bem feita é raro fazer, e a gente tem a liberdade de conversar... Tem um dermatologista aqui em Santo André que é amigo nosso - as filhas dele estudam no colégio em que minha filha dá aula -, o doutor Nobu; eu estava conversando com ele, ele falou: "Silvio, eu tenho que ter produção, eu tenho que dar produção, senão eu não sobrevivo, eu tenho que consultar..." Ele fica no consultório o dia inteiro, ele vai às oito, dá algumas saídas, assim, em alguns dias da semana, para atender um outro local, mas ele fica das oito da manhã todo dia até as nove da noite, ele atende 40/50 pessoas por dia. Ele é um bom dermatologista, considerado um dos melhores daqui de Santo André, professor na faculdade, mas não tem paciente particular, é raríssimo, é só convênio. Um convênio hoje paga o quê, R$ 10,00/15,00, R$ 20,00 por uma consulta, então ele tem que fazer quantidade. Isso mudou também; agora o que mudou, em que isso afeta a nós? Afeta sim, os consultórios estão cheios e você vai atrapalhar, entre aspas... P - Às vezes o tempo... P - Tirar o tempo. R - Uma consulta. Agora, ele quer você lá, mas com uma mensagem específica, bem sucinta, e atingir o objetivo da mensagem: "Não fala bobagem que eu não estou aqui para escutar bobagem." Então isso mudou. P - E amostra grátis? R - Amostra grátis é relativo, tem uns que gostam muito, e tem uns que não gostam. Por exemplo, esse pessoal que tem muita socializada não quer dar amostra grátis, porque senão o cara vai ficar toda hora lá para querer amostra grátis; o médico que trabalha no INPS dificilmente gosta de amostra grátis, porque ele dá para todo mundo e aí todo mundo vai voltar e pedir amostra. É relativo, aquele que faz um trabalho mais social, que usa amostra adequadamente, aí ela tem a sua utilização; mas também é um assunto muito discutido entre os laboratórios, e o próprio governo está querendo acabar com a amostra grátis. P - Ah O governo está querendo acabar com isso. R - É, com essa confusão que deu no medicamento aí, alguém já comentou para cima que era um grande negócio para o laboratório, que o custo da amostra é elevado. Agora, ela é um material útil, muito útil, principalmente num lançamento, quando você lança um produto ele precisa ter para experimentar. Então isso mudou, mas o atendimento médico propagandista não mudou. Então, em 90 eu fui convidado para assumir a gerência nacional. O quê acontecia com a empresa nessa época: fazia dois anos que ela tinha comprando a UpJohn no Brasil, ela comprou o laboratório UpJohn no Brasil em 86, é 86 e a gente assumiu em 87, e aí houve, um depoimento pessoal, houve um erro estratégico na empresa, que foi dividir as linhas; nós tínhamos uma equipe para trabalhar a linha UpJohn, e uma equipe para trabalhar a linha Rhodia. P - Com os vendedores dos dois... R - Tudo, tudo separado. P - Antigos vendedores da UpJohn... R - Propagandista... Da UpJohn e da Rhodia, gerentes que eram da UpJohn assumiram algumas áreas, gerentes da Rhodia assumiram outras áreas, e a coisa começou a não dar certo; tanto que eu tenho razão nisso, não dá certo, somando UpJohn e Rhodia, nós éramos para ter uma participação de 4 pontos no mercado, e estamos na quinta posição no mercado, isso se deteriorou e se perdeu. E nas reuniões, eu como gerente regional da linha Rhodia no sul, nas reuniões de gerência, eu defendia muito essa fusão, muito mesmo, e mostrando, lógico, que aquilo era um assunto tratado em alto nível de reunião de gerentes. Daquela reunião para baixo a equipe era tocada com a maior motivação, com o maior trabalho; e gente enxergando que a coisa não dava certo, não vinha dando certo, não vinha dando certo, e separou, eram três equipes, três diferentes, uma equipe de venda, uma equipe Rhodia, uma equipe UpJohn, era um absurdo total. Para você ter uma idéia, eu te cito um exemplo real: uma ocasião eu fui trabalhar em Foz do Iguaçu, e eles visitam os mesmos médicos - eu estava como gerente da linha Rhodia, o meu supervisor, e um representante da linha Rhodia, três; estava o gerente da linha UpJohn, o representante da linha UpJohn, e o supervisor da linha UpJohn, seis; estava o supervisor de venda e o vendedor, oito; oito pessoas para trabalhar uma cidade como Foz do Iguaçu, um absurdo. Então eu discutia muito isso, eu discuti muito, aí eles falaram: "Já que você é o cara que mais brigou" - e é lógico também não foi só por isso, pela minha capacidade, pelo meu trabalho - " Já que você é a pessoa que mais brigou por isso, então você vai fazer o seguinte, você vai fazer essa mudança dentro da Rhodia". Então eu vim em 90 com esse objetivo, de fundir tudo, de fazer uma equipe só... Um pouco antes eles já tinham acabado com a linha UpJohn, mas só com a chefia, supervisores e gerentes, aí eu fiquei gerente das duas linhas, UpJohn e Rhodia, isso em 89; aí, em 90, eles me convidaram para fazer o grande acerto no Brasil, um novo zoneamento, e aí foi um trabalho, foi muito grande o trabalho; e fizemos, graças a Deus deu certo... P - Muita resistência? R - Não, resistência por parte da equipe não tinha, a resistência era mais, pessoas que tem que acabar perdendo até o emprego porque... Houve e tivemos que fazer, tivemos que ter a coragem, tinha o respaldo... Na época não era o Paulella, era o Jean Marie Bernier que era o diretor geral. O Plínio de Carvalho, que está na comunicação da Rhodia, era o meu gerente, e teve esse respaldo, esse suporte e a gente fez; fez e deu certo. A linha começou a prosperar, as vendas começaram a crescer novamente, e isso veio, e aí criamos o projeto... Aí não, em 92, o Bernier, final de 91, aí veio o Paulella com outra mentalidade, completamente fora do ramo; o Paulella trabalhava nos plásticos, engenharia, na química, e veio para farmacêutica, continuando dando todo o apoio, e a empresa só foi crescendo, crescendo. Em 94 a gente criou esse projeto importantíssimo que foi o Businees Quality, foi realmente uma redução de clientes no Brasil e uma valorização dos que ficaram, esse projeto é importantíssimo, mas me parece que acabou dentro da Rhodia, era o projeto BQ - se não acabou vai acabar, porque ninguém conversou comigo, ninguém deu continuidade depois que eu saí -; a gente trazendo cliente dentro da empresa, participando dentro da empresa, discutindo com o operário na fábrica, visitando a fábrica, fazendo uma apresentação em auditório, um programa interessantíssimo, o primeiro programa da indústria nesse sentido. P - Deixa eu ver, levar um cliente para dentro da empresa conhecer. R - Ele vem conhecer a empresa, o programa dele é o seguinte: ele vem um dia, é recebido pela diretoria da empresa, o Paulella e os diretores, depois faz uma visita à fábrica, conhece tudo dentro, e de olho no que ele pode usar dentro da empresa dele - isso o cliente comercial -, aí ele vai para o auditório, faz uma apresentação da empresa dele - o público no auditório é um pessoal, o operário, é qualquer pessoa que vê o nome do cliente -, e depois é aberto a perguntas e respostas; levamos para almoçar na Casa Rhodia e encerra nesse dia, mas o projeto não acaba aí. Daí para frente tem uma série de conseqüências: o pessoal de almoxarifado dele, a recepção de material dele com o nosso, o pessoal de contabilidade, financeiro, tudo que pode ser usado em informática, os "5S" que eles tem muito interesse, que é a casa limpa, isso está tudo em andamento. Então é um projeto interessante que a gente criou e que vinha muito bem. P - O "5 S"? R - É um projeto japonês de limpeza e organização, é um projeto interessantíssimo; eles aproveitam muito isso, projeto de qualidade da fábrica eles usam. Então é muito bonito, muito bonito, e o cliente é valorizado. E o interessante desse projeto, dessa visita, é que em nenhum momento se fala de negócio; se surgir negócio vai surgir naturalmente, mas normalmente não aparece. Porque a que eles estão acostumados, quando visitam uma indústria farmacêutica: eles vêm pedir mais condições comerciais, mais desconto e mais prazo; e nós, por outro lado - nós eu digo a indústria como um todo -, vamos pedir mais venda e menos desconto, e isso não é projeto de qualidade, é qualidade na comercialização, entendeu, um projeto muito interessante. E aí eu vim tocando até 94, e em 94 contrataram o Maluf para o meu lugar. Em 95/96 fiquei um ano e meio cuidando do Estado, da região de São Paulo, e aí fizeram outra besteira, dividiram a equipe novamente, aquilo que tinha acontecido quando compraram a UpJohn, fizeram de novo. P - Dividiram de novo. R - Dividiram de novo. O Maluf, o Alexandre Carvalho, que não está mais na empresa, resolveram criar uma equipe branca e uma equipe azul, um negócio absurdo, tanto que a empresa começou a cair de novo. Aí contrataram uma consultoria chamada Buzallen, trabalhou de janeiro de 96 a junho de 96, para dizer: "Olha, vocês estão errados, voltem ao que era antes, façam uma equipe só, voltem com o projeto Businees Quality com que o Maluf e o Alexandre acabaram, retomem o projeto". Então a empresa perdeu um ano e meio. P - Essa divisão branca e azul foi baseada em que, também na linha? R - Na cabeça deles. Não, na cabeça deles, guerra de beleza, você gosta disso, eu gosto daquilo, você fica com a outra aí. Não deu nada certo; um ficou com a venda, o Alexandre, que não entendia nada de venda, ficou com a venda, o Maluf ficou com a propaganda, com a equipe branca e azul, e uma equipe de venda, exatamente o que foi quando comprou a UpJohn. É um absurdo isso, as cabeças das pessoas... Sabe qual o problema? O problema que eu vejo é as pessoas renegarem o passado; o passado foi feito para você construir o futuro. Eu, por exemplo, que representava o passado, as pessoas tinham medo de conversar comigo, a não ser o Paulella, o Paulella sempre me dando apoio, o falecido doutor Celso, que era gerente médico, sempre me dando apoio; mas os caras que vieram ficar no meu lugar, em nenhum momento, talvez por medo de que eu fosse mentir ou falar... Eu tenho um compromisso, tive um compromisso, e continuo tendo um compromisso muito grande com a Rhodia, certo? A Rhodia para mim é muito maior do que as pessoas, apesar das pessoas fazerem a Rhodia; mas elas também destroem a Rhodia. Então o meu compromisso com a Rhodia não encerrou, porque eu saí há 30 dias atrás, tanto que eu me coloco a disposição do Paulella, me coloquei a qualquer momento... Não está dentro da Rhodia. Essas pessoas tinham medo de conversar com uma pessoa que conhecia tudo de comercialização, que conhecia toda a empresa, então sabe... Não, esse cara acha que está com câncer, se a gente pegar e chegar perto dele... É um negócio interessante viu, até eu converso com as minhas filhas de vez em quando, que é um ensinamento, é um aprendizado; você está no topo, você sai do topo, você está com AIDS, está com câncer, você contamina, e eu sempre tive para ajudar... Caíram na besteira, aí fizeram a besteira de novo, aí tiveram que chamar o Valdemir, que já tinha trabalhado na farmacêutica, há muitos anos que estava na veterinária, me chamaram para eu recuperar o projeto Businees Quality, e voltar fazer a empresa a crescer. Quer dizer, então tem que pegar uma borracha e apagar o ano de 95 da Rhodia. Agora, quem sabe se, no futuro, não vem outro que vai mudar também; é cíclico, isso. Porque como eu te disse, a indústria farmacêutica é muito fácil de trabalhar, ela é muito simplista: você precisa ter bons produtos, o que a Rhodia tem, e uma boa equipe que visite bons médicos, que faça esses produtos sairem; vender é conseqüência da promoção. Não é difícil isso. Aí vem umas pessoas que falam: "Poxa, mas não pode ser assim" O representante da Rhodia é da Rhodia e tem que ficar meia hora na frente do médico Mas o médico não ganha nada com a Rhodia financeiramente, com a Roche, com a outra, com a outra, não ganha, ele ganha receitando bons produtos, o paciente se recuperando, falando para outro, aumentando a clientela, e aí ele passa a ganhar. Mas ele não ganha dinheiro, ele não tem comissão para receitar produto da Rhodia ou da Roche ou da Bayer. Não, "cada produto que o senhor receita o senhor tem 10%", não existe isso; o ganho dele é subjetivo, é objetivo no paciente e subjetivo para a indústria, o que ele pode ganhar é uma passagem para ir num congresso, uma inscrição de congresso, mas dinheiro, dia-a-dia, ele não ganha. Então é fácil, você tem que treinar os caras; é muito difícil as pessoas entenderem isso. P - Como que é isso, mudou muito esse recrutamento, hoje em dia, dos propagandistas? R - Não, a mesma coisa. P - Mesma coisa. Quais que são as habilidades desse homem? R - Nós tivemos também - isso aí foi uma experiência negativa que a Rhodia fez -, o Maluf e o Alexandre contrataram uma empresa chamada Buzallo, que renegou completamente as reservas que eu tinha, que os gerentes tinham, que os representantes tinham. Não, isso aí é paradigma, eu quero uma equipe nova, eu quero uma pessoa neófita no ramo que não entenda nada, eu quero formação, que não entenda nada de propaganda médica, eu vou formar esse cara É muito filosófico, é muito bonito; contratou uma empresa que gastou milhões de dólares, e hoje, se tiver 10% depois de dois anos que ele contratou tudo isso na empresa, é muito. Muitos entraram e não sabiam nem o que quê iam fazer. O recrutamento tem que partir do campo, tem que ser o representante que conhece, que indica o representante da outra empresa, passa por um processo de seleção estruturado ótimo que existe hoje; graças a Deus a Rhodia é uma empresa muito procurada para se trabalhar e seleciona os melhores. Essa empresa nunca tinha trabalhado na indústria farmacêutica; Tomas, chama, existe no mercado, sem críticas a eles... P - Uma empresa de acessoria de recursos humanos é isso? R - Mas foi uma desgraça. Uma condição para ser propagandista: tem que ter carta de motorista. Eu tive dois que não tinham carta de motorista. Mas não te avisaram que você tinha que ter carta?(risos) Era até um absurdo, teve quatro ou cinco que foram para a primeira reunião no Rio de Janeiro, no Sheraton, quando foi lançada essa equipe azul e a equipe branca, voltaram e falaram: "Vocês estão loucos; apesar do salário, eu não vou ficar longe da minha família uma semana, duas semanas." "Mas escuta, você não foi selecionado, não disseram para você que você ia ser propagandista, que você ia ter que viajar, que uma semana por mês ou cada dois meses você ia ter que estar num hotel fechado?" "Não, ninguém me disse nada." O processo é simples, mas é como eu te disse, as pessoas complicam. Qual é o processo ideal hoje - pode ser que amanhã seja outro -, o ideal hoje qual é, mesmo para a pessoa que nunca trabalhou no ramo? Seleciona, vê se ele tem uma aptidão para vender, para propagar. Que a maioria vem e fala assim: "Não, eu quero ser vendedor da Rhodia"; você não vai ser vendedor, você vai ser propagandista, você vai vender idéia. Hoje, não se vende mais, com exceção dos representantes hospitalares, que vendem nos hospitais; mas a linha que está com o Maluf, a linha chamada open care, nessa linha só se faz propaganda, ele não vende nada, não vende nada, vende a idéia para o médico receitar o produto. Então você tem que ter uma seleção de pessoal que vai selecionar o que os representantes recrutaram, e não existe melhor pessoa do que o representante para dizer: "Olha, esse propagandista é bom, esse não é", não existe. O processo é assim, nós tentamos mudar esse processo e demos com o burro nágua, então é muito simples. P - O senhor falou que uma vez que o senhor até contratou uma acessoria para esse perfil do... R - Isso, nós tínhamos uma discussão muito grande na Rhodia; a gente queria conhecer o ambiente do representante, por isso que eu te digo, é difícil, porque nós da empresa podemos trazer mais um representante dentro da Rhodia, porque o cara está em Manaus, esse representante não se sente Rhodia, ele é funcionário da Rhodia mas não está dentro dele, a Rhodia entendeu, ele trabalha para Rhodia mas ele não se sente dentro da Rhodia. Um projeto que você tem que melhorar, a comunicação com ele é difícil, e nós contratamos, na época, uma consultoria que trabalha um pouco nisso, que era a Power e Rosset; acho que era um negócio... não, Power e Rosset não... eu vou lembrar o nome dela. O trabalho deles era justamente fazer isso; eles partiram para o campo, viajaram, foram conversar com representantes, supervisores, viajaram para o interior, para outros estados, e chegaram a essa conclusão: de que a comunidade é muito mais forte do que a empresa em que ele trabalha e outra coisa, não tem segredo, não tem mesmo. Se eu estou lançando um produto hoje, eu dou a literatura para o meu concorrente; é interessante isso, sabe, não há um sigilo, porque o primeiro lançamento dele já é de domínio público, o próprio médico chega no médico da outra, do concorrente e fala: "O senhor vai ficar com essa literatura, o senhor pode me dar?" O médico dá, então é preferível ele mesmo dar do que obter por terceiros, é uma troca de informações muito aberta, muito clara, e eles tem um comprometimento muito forte, inclusive. P - Se encontram em viagens... R - Se encontram, dormem juntos. P - O seu quotidiano é muito próximo. R - Tem cidades, por exemplo, essas muito turísticas, como Salvador, Foz do Iguaçu, são cidades onde, no período alto, você tem uma restrição a hotéis, o turista passa a assumir, então os hotéis em que eles costumam ficar reservam apartamentos, mas com uma condição: "Olha, vão dormir dois ou três"; e eles dormem juntos. E sem ter essa condição mesmo, cidades do interior de São Paulo, norte do Paraná, interior da Bahia, eles dormem juntos, almoçam juntos, visitam médicos juntos, no mesmo roteiro. Não tem aquele negócio: "Não, eu vou visitar antes que ele vá"; eles vão juntos, entra um primeiro, entra o outro. Eles até se respeitam: se você tem lançamento vai na frente, ou se você tem lançamento, quanto tempo vai demorar, vai demorar, vai, então vai por último. Há um compromisso entre eles muito grande, e aí essa consultoria veio e falou: "Olha, isso não adianta", é isso... Eles foram até muito francos, o sistema é esse e não pudemos mudar nada, qualquer coisa que a gente vá sugerir - eles foram muito honestos -, qualquer coisa que a gente vá sugerir, vai atrapalhar o sistema. P - Quanto menos interferisse melhor. R - Quanto menos interferir melhor, porque é como a gente costuma dizer: o representante dá nó no pingo dágua, e o supervisor tem que desatar esse nó. Então são eles, é a vida deles, e até na capital isso existe, nos grandes centros, você pode ver, eles estão em grupos; tem laboratório que proíbe viajar junto. P - É proibido. R - Mas não tem como. Tem gente que consegue material até antes de lançar o produto; tira xerox, manda... Semana que vem vai lançar este. E realmente, mas é bonito. P - É super bonito. R - E não é assim, é lógico que todo mundo aproveita e eles aproveitam o material da Rhodia, a gente aproveita o deles para se defender futuramente, mas o sistema é esse, o processo é esse. E uma coisa que tem aumentando muito é o número de mulheres, que antigamente era muito restrito. P - É meio... Estava sem mulheres no serviço. R - A Rhodia tem, hoje, variando de laboratório a laboratório, uns 20% de mulheres. P - Quando começou a entrar mulher? R - Na Rhodia? P - Na Rhodia. R - Olha, nós começamos acho que em 88/89, depois a grande alavancagem foi em 94, aí houve uma seleção muito grande. Existem laboratórios que tem, para visitar, só médicas mulheres, ginecologistas; no passado tiveram mulheres, mas era só equipe de mulher, Instituto Pinheiros, por exemplo, um laboratório chamado Günther, só tinha mulheres. P - Era uma equipe especial, as mulheres. R - De mulheres. Não tinha homens, só tinha mulheres, era o clube da Luluzinha. P - Mas elas tinham um determinado roteiro... R - Tinham, é como o nosso. P - Específico. R - Não, como o nosso. P - Não era só as ginecologistas, era geral. R - Não, não; na época não, visitaram geral. Em Pinheiros só tinha mulheres... P - Hospital só tinham elas. R - O Günther só tinha mulheres, é uma característica que é boa, os médicos gostam, muda um pouco. P - O senhor lembra, assim, de alguma coisa, alguma história interessante, ou de vendedor, alguma mais pitoresca? R - Ah Histórias tem muitas, muita história... A gente não sabe porque a história se mistura muito com a verdade e ... Uns garantem que é verdade, mas ao mesmo tempo você ouve essa história em outro lugar do país; eu que viajei esse Brasil inteiro... Mas a mais contada é a do médico que era surdo e usava o aparelhinho para aumentar a audição... P - Não conheço. R - E dependendo do propagandista, ele desligava o aparelho e ficava escutando propaganda, isso é história... Nós sabemos que não é verdade isso, mas é muito contada; teve um determinado propagandista que chegou e falou assim: "Bom, ele goza da nossa cara, dependendo do colega que fala ele desliga, e eu vou pregar uma peça nele, eu sou um dos que ele escuta". E entrou no consultório com mais dois ou três, avisou o que ia fazer, e ele foi... por mímica, ele não emitiu o som, só mexia com a boca e não falava nada e o médico batendo no aparelho para (risos) ver se o defeito era do aparelho... (risos); isso é história de propagandista, de viajante... mas tem muitas. Tem histórias até mais verdadeiras, em que a gente participa. Eu mesmo tive oportunidade, quando nós lançamos o Flagyl injetável, aquilo dava uma satisfação profissional, humana, de você - quando lançava o Flagyl, a gente lançava até em centro cirúrgico -, de vestir aquele aparato todo para entrar no centro cirúrgico e o médico: "Dá aqui, me dá um Flagyl injetável, tô começando uma cirurgia, é de risco, é de infecção", de você entrar numa UTI, o paciente está com uma septicemia e você levava amostra ou vendia para o laboratório, e o médico tirar o paciente que tinha uma septicemia, e depois de te levar junto com o paciente, chegava e falava: "Olha, você está vivo graças a esse moço aqui que trabalha no laboratório Rhodia e trouxe o medicamento que você tomou, que salvou sua vida". Então isso acontece muito no ramo, e principalmente o representante hospitalar, ele faz parte do meio, ele tem que fazer parte do meio, ele tem que ser conhecido por médicos e enfermeiros, pelos pacientes, ele tem que ter a penetração dele. Então os grandes representantes da equipe hospitalar fazem parte do hospital, quebram o galho, vão busca o remédio, até remédio que não é da linha dele consegue, sabe... É uma atividade realmente muito criticada, muito criticada, porque você interrompe uma consulta, você interrompe... O paciente está ali, com dor, doente, com febre, passando mal, ele vai entrar na consulta e você entra na frente, isso é o terror da propaganda, é onde a gente realmente tem os problemas, mas o médico aceita isso. Você está em pronto-socorro... Ah Tem outra história a interessante; essa eu vivi aqui em Santo André, e marcou muito minha vida. Estava fazendo propaganda no Pronto Socorro aqui em Santo André, eu e mais dois colegas, nós estávamos no consultório, no Pronto Socorro, e daí a pouco entrou um menino - o menino devia ter os seus 7/8 anos -; ele veio com a bicicleta, a mãe chorando, a avó chorando, a vizinha, o tio. Ele tinha enfiado o pé na catraca ali, não sei o quê ele fez, o pézinho dele foi lá para o meio, e aí carregaram a bicicleta (risos) e o moleque para dentro do consultório, e a ética do propagandista: "Entrou o paciente você sai", principalmente numa emergência, como no pronto socorro. Quando a gente estava saindo, o médico falou: "Não, fica aqui, me ajuda aqui..." Tinha que segurar a bicicleta, e a corrente não era aquela que tem uma pecinha que você solta, era uma corrente... sem meios de soltar; e aí ele falou: "Familiares para fora, nós vamos cuidar do menino". A enfermeira ali, nós quatro, o médico, nós três e mais a enfermeira, ele falou: "Mas o quê eu vou fazer nesse troço?" Não desmonta a catraca, não dá para desmanchar a bicicleta, não tem jeito, e o menininho chorando, soluçando, já tinha passado aquele choque, o sangue não estava saindo mais, aí um colega falou: "Dr. quer uma solução?" " Ah Eu aceito qualquer negócio". "Vamos virar a catraca ao contrário". P - Claro. (risos) R -Joga um anestésico no pé do moleque, segura ele em cima da maca - eu me lembro que eu fiquei segurando o menininho em cima da maca - e vamos ver... P - Que situação (risos). R - "E se jogar um éter aí, não vamos aplicar uma injeção no pé do moleque, joga um éter aí, um anestésico, uma xilocaína, e vira a catraca ao contrário. Que pode acontecer? Por onde ela entrou, por ela vai sair" (risos) E olha, você acredita que deu certo? P - Deu certo. R - É. E aí segura o moleque, aquela bagunça dentro do consultório (risos), gritando com o moleque, e o médico falava assim: "Fala alto com ele que ele não vai escutar; e vai, vai... vrumm Virou o pé ao contrário (risos). Aí a enfermeira limpou tudo, ele deu uma anti tetânica e antibiótico, deu tudo (risos), e sai o moleque com a bicicleta e a família lá fora esperando, olha isso foi muito cômico. E uma outra também que eu me lembro agora que foi muito interessante, isso é próprio das meninas na época da juventude, que brigam com o namorado, tomam dez aspirinas para se matar, e não querem se matar nada, querem dar o show (risos). Foi exatamente no pronto socorro de Santo André: nós estávamos lá - não foi o mesmo médico, foi um outro médico -, e lá vem a ambulância trazendo a menina, a menina desfalecendo, e a gente estava no consultório; entraram dentro, a mesma coisa, fomos sair: "Não, não sai, espera um pouquinho". Põe a mãe, a avó, vizinho, todo mundo chorando: "Ela vai morrer, ela tentou o suicídio". A mãe com a cartela de comprimido na mão, o médico olhou e viu que não era nada, ou era uma aspirina ou uma vitamina que ela tomou e deu o chilique, aí eu me lembro (risos) que a gente estava assim, do lado: "Vamos sair". O doutor: "Não sai não, fica aí um pouquinho". E ela lá na maca... Isso é verídico, é história mas é verídica. E ela na maca, lá na cama, e aí ele começou: "Enfermeira, olha o que ela tomou hein? Isso aqui é muito perigoso. Faz o seguinte: telefona para o centro cirúrgico, que o que ela tomou já deve ter se localizado no cérebro, está na cabeça, e nós vamos precisar abrir e tirar o que está dentro". Olha, sem mentira nenhuma, a menina começou: "Hã, aí... Eu tô melhor, eu tô melhor" (risos). É cômico, sabe. É cômico mas é ... (risos) E já foi levantando, o negócio dela era espirrar do consultório de tudo quanto era jeito: "Porque vai abrir a minha cabeça, eu tomei vitamina, não tomei..." É lógico que tem os casos, tomam uns negócios, mas esse específico, como ele constatou que era um produto que (risos) não ia fazer mal... "Vamos abrir a cabeça dela..." Ela foi que foi levantando: "Olha, a sua filha já está boa, cuida dela, cuida do namorado dela, faça o diálogo" (risos). Isso aconteceu, só isso. Tem muita história... Por isso que é boa essa reunião em que vocês pretendem ir, acho que devem ir, que o quê vocês vão ouvir de histórias é uma coisa fantástica, fantástica, isso é verdade. Em que mais que eu posso ajudar? P - Daí até a aposentadoria foi retomando, acabando com o branco e azul, foi botando a casa em ordem. R - Foi, botamos a casa em ordem. Graças a Deus a empresa está muito bem hoje, a vinda do Valdemir realmente também ajudou, porque é uma pessoa que viveu o ramo; vamos fazer o arroz com o feijão, o bê-a-bá, larga a mão de enfeitar, e vamos trabalhar como se deve trabalhar. E a coisa está um sucesso. E aí, agora, um mês atrás, o Paulella me chamou, fez uma proposta, e a gente parou, depois de 37 anos; mas continuo vivendo a Rhodia, que foi, é a minha vida, eu freqüento o clube da Rhodia e encontro os amigos. Meu filho joga futebol no Aramaçã, que é um clube aqui de Santo André, metade do time é de pessoas que já trabalharam ou trabalham na Rhodia, então a Rhodia nunca vai sair da minha vida, da dos meus filhos e da minha mulher. P - Quando o senhor entrou achava que ia permanecer tanto tempo lá ... R - Eu achava, porque era uma tradição da Rhodia você ficar muito tempo. É lógico que teve períodos em que a gente achou que ia sair, por essas mudança que houve ... Mas eu sempre achei, pelo menos eu acho que até os 30 eu achava, 37 anos, eu acho, que passou um pouco da minha expectativa. É, porque tudo muda, e a gente tem que dar lugar realmente aos mais novos. E um ponto em que você tocou, que eu acho muito importante, é a seleção dessas pessoas que ingressam na empresa. Hoje a empresa já não aceita mais parentes, não sei porque, se deu certo no passado, porque que não pode dar certo agora? É uma dificuldade uma pessoa pôr alguém dentro da empresa hoje mas... O presidente dela, o José Carlos, está fazendo um esforço para restaurar, e a grande palavra dele, o grande lema dele na Rhodia hoje é prazer e orgulho de trabalhar. P - De trabalhar na empresa. R - E realmente eu tive muito prazer e tenho muito orgulho de ter trabalhado na Rhodia, eu conheci o Brasil todo com a Rhodia, minha mulher e minhas filhas conheceram a metade do Brasil com a Rhodia, eu tive um filho em Curitiba, uma raspinha do tacho deve está chegando aí agora que ela foi buscá-lo e eles... Aqui dentro sempre ouviram falar da Rhodia, sempre. Eu ouço a Rhodia desde que eu nasci; eu acredito que o médico que fez o parto, a parteira, trabalhava na Rhodia, casei com a minha mulher na Rhodia. O Paulella sempre fala uma coisa de mim, que eu tive dois casamentos: um com a minha esposa e um com a Rhodia; me separei da Rhodia agora, mas da minha mulher não me separo, porque ela é uma companheira, porque não é fácil uma mulher com filhos mudar, mudar de casa, de um bairro para o outro já é traumático, agora você imagina... P - Mudar de cidade. R - Em cidade, é tudo diferente, apesar de ser o mesmo país; costumes diferentes, comida diferente... Mas foi muito bom, muito bom. Eu acho que a empresa valeu a pena e vale a pena. P - Eu queria voltar só um pouquinho, pegar esse gancho que o senhor deu: quer dizer, o senhor credita, que fez um curso colegial de química... R - Depois fiz faculdade. P - Fez faculdade... R - Fiz administração. P - E acabou batalhando o tempo inteiro para trabalhar com propaganda... R - Ah Sem dúvida. P - E venda. O senhor acha que esse desejo nasceu do que, dessa convivência que o senhor teve com o seu tio, que já fazia esse trabalho de venda? R - Ah Com a família toda, com todo mundo; o de venda mais com o meu tio, e até um tio fora daí, esse que vendia o lança perfume, e um fora da Rhodia. Eu sempre gostei desse lado, eu nunca gostei muito de ficar preso. P - Eu queria voltar um pouco então para essa história pessoal do senhor. Quando o seu pai morreu, o senhor foi morar lá com o seu tio... o senhor foi trabalhar com o seu tio. Que divertimento que o senhor tinha, o que o senhor fazia? R - Ah O meu divertimento era basquetebol, eu jogava basquetebol de segunda a domingo; graças a Deus cheguei até a seleção juvenil de Santo André, meu esporte era o basquete, não era o futebol e não era o vôlei também, porque Santo André era a cidade do vôlei. O vôlei começou no Santo André numa empresa de cobertores chamado Randy, eles eram fanáticos por vôlei, os donos da Randy, e formaram, depois, quando a Randy fechou, a Pirelli. P - Só um minutinho que eu vou trocar a fita (pausa). R - Então o esporte era o vôlei e futebol, mas basquete eu jogava com o irmão do Farid. P - Jogava no clube da Rhodia. R - Não, era uma outra. Nessa época a Rhodia já vinha enxugando o esporte, eu jogava no Panelinha, um clube que tem até hoje aqui, mas o lazer mesmo era namorar... P - É? Como é que eram as paqueras? R - Uma coisa boa. Muito também no clube da Rhodia, o melhor carnaval de Santo André era o carnaval da Rhodia. P - O senhor freqüentou os carnavais da Rhodia. R - Nossa, todos P - Como eram esses carnavais? R - Ah era o melhor carnaval que tinha em São Paulo, primeiro que nós tínhamos o lança perfume de graça (risos), segundo que a gente também não gastava que era para... Trabalhava e aí já não tinha mais o lança perfume, entrava de graça, ou antes porque era o pai ou o tio que trabalhava, então era fantástico, era o melhor carnaval que tinha. Era uma coisa... P - Esse que nasceu em Curitiba. R - Esse aí é o curitibano, uma figura. Mas era assim o carnaval: eram bailes, tinha muitos naquela época, tinha muito o que a turma chama bailinho, que era na casa de família, tinha no clube, e tinha nas casas, era comum, e como a cidade também era pequena, pegava uma casa no sábado, fazia a festinha, o baile; hoje é meio pornográfico fazer festinha, mas na época era bailinho, a gente chamava de bailinho, muito, muito bom. P - Mas nessa... o pai do senhor faleceu o senhor tinha quantos anos? R - Eu tinha 12 para 13, 13 anos, eu tinha feito 13 anos. P - 13 anos. R - Ele faleceu em dezembro de 57, 5 de dezembro, eu fiz 13 anos no dia 27 de novembro. P - Como é que ele era em termos de... R - Ah uma pessoa fantástica. P - Personalidade, a lembrança dele? R - Fantástica, porque uma pessoa que morreu em 1957, 41 anos atrás, e até hoje é comentada dentro da cidade, principalmente pelos ex-rhodianos, tem uma rua com o nome aqui em Santo André... P - Tem uma rua com o nome dele. P - Tem. R - Homenagearam ele, Travessa Vereador Lourenço Rondinelli, e naquela época a política era diferente; primeiro porque não ganhava salário, não tinha salário, e ele não gastava nada na campanha, porque era só ele dizer na Rhodia que era candidato... P - Pronto. R - Tanto que, quando ele faleceu, em 58, ia ter as eleições para prefeito e vereador; a Rhodia elegeu dois vereadores com o voto dele, com os votos que ele tinha. P - Com os votos que ele tinha. R - E foram dois vereadores. P - Da Rhodia, também funcionários da Rhodia. R - Da Rhodia, funcionários da Rhodia. Foram dois vereadores: o Ferreirinha, que é vivo até hoje, e o Norberto Fernandes, que também é vivo. Esses dois se elegeram com os votos que tinha; ele ganhava disparado, tanto que estavam preparando a campanha dele a prefeito e com certeza, segundo dizem, ele ganharia, ganharia. P - E sua mãe, como era? R - A minha mãe sofreu muito na vida, porque meu pai morreu cedo e, antes dele falecer, ele ficou, que vem na minha memória, uns quatro, cinco anos doente. O meu pai teve uma insuficiência renal que o levou a uma hipertensão, e essa hipertensão causou uma hemiplegia, então ele tinha paralisado todo o lado esquerdo, trabalhando na Rhodia, ele não queria deixar de trabalhar, e dirigia um chevrolet hidramático que nós tínhamos. Ele ia daqui a São José do Rio Pardo, que era uma aventura, porque você tinha asfalto até Campinas e depois era terra... P - Tudo terra. R - Minha mãe dirigia, só que ele não deixava, descia para Santos... P - E paralisado. R - Nós tínhamos uma casa. Então ela sofreu muito porque, do que eu me lembre, do último ano de vida do meu pai, ela viveu em hospitais. Tanto que quando ele faleceu, em 57, em início de 57, apareceu o rim artificial, mas só tinha o Hospital das Clínicas em São Paulo, e o rim artificial era quase do tamanho dessa sala, que não é pequena como vocês estão vendo, e a Rhodia conseguia que ela dormisse numa maca, maca que nem essa de pegar jogador no campo de lona, porque não disponibilizava leito e não podia entrar acompanhante no Hospital das Clínicas, já que ele já era um paciente terminal; um rim já estava atrofiado e o outro também, ele ia entrar em óbito a qualquer momento. E a Rhodia conseguiu, com a influência da farmacêutica, para ela dormir, então ela dormia numa maca; eram duas cadeiras, punham a maca, e ela dormia. Ela foi uma pessoa muito sofrida e tinha uma qualidade de vida boa, porque ele era um funcionário de alto escalão dentro da Rhodia, vereador, nós tínhamos um padrão de vida, e com a morte dele - naquela época não tinha seguro de vida, se tinha era muito pouco -, ela teve que trabalhar, dois filhos pequenos para sustentar; nós tivemos foi o apoio desse tio com quem fomos morar. Aí o meu pai já tinha deixado, como ele sabia que ia morrer, ele já tinha deixado tudo pronto; nós tínhamos uma casa com um jardim enorme, nesse jardim já estavam dois projetos de dois sobrados para ela alugar e sustentar eu e meu irmão, o INPS era muito pouco, e ela foi trabalhar. Mamãe morreu quatro anos atrás, uma pessoa muito batalhadora, muito sofrida, perdeu o marido, que era um ídolo, você imagina... P - De que partido seu pai era vereador? R - Acho que ninguém, não. Teve um cunhado dele que partiu para política, mas lá em São José do Rio Pardo. P - Não, mas de que partido que ele era? R - Ah Partido Era o PSP, do Adhemar de Barros. P - Adhemar de Barros. R - Tanto que o Adhemar veio no enterro dele; tinha aquele outro também que gostava muito dele, que era um radialista, morreu há pouco, Pedro Geraldo Costa, veio também. Ele era muito forte politicamente aqui em Santo André, o político mais bem votado. P - Se discutia muito política assim na sua casa, o senhor lembra desse tipo de discussões? R - Não, não; ele nunca colocou esse negócio dentro de casa. Discutia muito esporte, que ele gostava, mas política, não. P - E ele continuou jogando futebol até... R - Não, ele jogou futebol, depois foi presidente do clube da Rhodia acho que umas duas ou três vezes, mas era sempre esporte; jogava basquete, jogou também muito tênis, até ele ter essa hemiplegia, aí parou, mas continuava indo no clube. O clube era a vida dele também. Então é... Palmeirense que nem nós (risos), apesar de ter jogado no São Paulo, o único que é sãopaulino é esse pequeno que entrou, que eu não sei como é que... que acabou aqui dentro de casa sendo sãopaulino, mas ele era uma pessoa muito boa, ele, minha mãe. Nós tivemos uma formação familiar muito forte. P - O senhor tem algum tipo de formação religiosa? R - Sempre fomos católicos; não fervorosos, mas sempre fomos católicos. Freqüentar a igreja aos domingos era uma coisa que ele fazia questão; a gente morava perto da igreja daqui de Santo André, todo o domingo à missa, mesmo quando ele estava doente a gente ia. Que eu me lembre dele, o pouco que eu me lembro, ele era muito brincalhão, muito bom, se dava bem com todo mundo, nunca tivemos... Até teve um fato uma vez que magoou muito a minha mãe, mas magoou muito um funcionário da Rhodia. Nós morávamos aqui perto, bairro Casa Branca - é um bairro que hoje é centro -, e a gente, quando viajava para Santos, começou a ter uns assaltos nosso bairro, naquela época, em 57; aí ele trouxe um guarda da Rhodia, no final de semana ele pagava para esse guarda ficar em casa, e numa dessas idas a Santos, isso uns quinze dias antes de morrer, um mês antes, nós chegamos em casa... Não, nós estávamos em Santos, não tinha telefone lá, desceram e chamaram a gente, que tinha entrado ladrão lá em casa. Chegamos em casa, ele muito espirituoso só brincou, minha mãe super nervosa, eu e meu irmão assustados, e ele brincando, brincando; roubou um monte de coisa: relógio, caneta, caneta Parker - me marcou muito a caneta Parker, porque essa caneta a gente acabou recuperando -, e o segurança estava lá quando ele chegou - ele vinha só para dormir, chegava oito ou nove horas da noite, passava a noite e ia embora; ele saía da Rhodia na sexta-feira, seis horas, ia para casa jantar, e depois ele ia para a nossa casa, era a sexta-feira que a gente descia para praia quando o pai saía da Rhodia. E houve aquele assalto, aquele negócio todo dentro da casa... Também não roubou muita coisa: roubou roupa, roubou mais esse negócio de jóias da minha mãe, relógio, o que tinha na casa; o que marcou foi essa caneta Parker. E aí, quinze depois, papai morreu, e esse que fazia a guarda, esse funcionário da Rhodia, coitado, não teve culpa nenhuma, mas passou, eu me lembro que foi lá pelo dia 15, fazia uns 10, 15 dias que o papai tinha morrido, prenderam o rapaz que era filho do guarda que ia lá em casa. P - Era filho do guarda. P - Era filho dele. R - Ele sabia que ele entrava tal hora, então ele foi, e a única coisa que recuperou, que eu disse, foi essa caneta Parker... P - Que ele fez questão de entregar. R - Mas esse homem chorava tanto, tanto... Primeiro pelo filho, e segundo por ter sido com o meu pai, que tinha acabado de falecer. Então era tudo Rhodia, você pode ver que tudo mexia com Rhodia. P - Era a Rhodia, a importância da Rhodia para Santo André era... R - Era muito grande, era Rhodia e Pirelli. Para fazer compra em Santo André você precisa ter crédito, levava a carteirinha de funcionário da Rhodia, era crédito garantido, não precisava nem avalista, não precisava nada. P - E o senhor conheceu a sua mulher aonde? R - Conheci fora da Rhodia, depois eu vi que trabalhava na Valisère. P - Depois que o senhor foi ver que era da Rhodia. R - Trabalhava... Aí ela... Depois que a gente casou ela parou, porque logo engravidou e foi. Agora, da família, acho que eu era o último dentro da Rhodia, acho que não tem mais ninguém. Como eu disse, acabou essa... Não sei porque. P - É isso... R - Não vê o lado negativo disso, eu nunca vi uma parte negativa disso. Hoje é uma dificuldade; recentemente o Valdemir queria colocar o filho dele, que se formou engenheiro, dentro da Rhodia, não consegue. P - Não conseguiu. R - Eu acho muito difícil, não sei porque. A Rhodia hoje é uma das maiores empresas do país, e cresceu graças a esse sistema. P - A família. R - É, o que é bom. Como no depoimento em que, infelizmente, vocês não estiveram, mas vocês tem a fita, vocês vão ver um deles falar, não me lembro... Eu acho que foi o doutor João Domingues, João Batista Domingues que disse uma frase que marcou para mim naquela entrevista: "Nós somos da época em que nós não vestíamos a camisa da Rhodia, nós tirávamos a nossa camisa para Rhodia." É muito mais forte, e realmente tirava; enfrentei enchente dentro da Rhodia na época que eu trabalhava no laboratório, foram duas enchentes do Tamanduateí, que passa... Inclusive, se você perguntar, hoje não, mas na época você perguntava: "Qual é nome daquele rio que passa ali em Santa Terezinha" "Ah é o rio da Rhodia" Não era rio Tamanduateí, era o rio da Rhodia, era todo mundo da Rhodia; o rio encheu duas vezes e não tinha por onde, abaixava, a gente arregaçava as calças, e entrava naquele barro, lavar, limpar, as pessoas choravam de ver a empresa enchendo dágua, a gente ficava no viaduto ali e via a água... Todo mundo querendo trabalhar e a água... P - Subindo. R - Subindo, quer dizer, tinha amor na empresa, você fazia parte, era parte da tua vida, era a tua vida, não era só eu não. P - E era a família como um todo... R - Como um todo. P - Não depende da têxtil, informação... R - Não, não. Na parte esportiva tinha rivalidade entre a têxtil e a química, porque farmacêutica e química eram uma só. Tinha mas era só, mas no fim o orgulho era dizer: "Eu trabalho na Rhodia", mesmo porque, lá chamava Rhodiaceta. P - A têxtil. R - Você entendeu, a têxtil chamava Rhodiaceta e, na hora de esporte, fazer o campeonato interno, dava cada brigaiada... Mas no fim terminava em churrasco. Festa de natal da Rhodia era uma coisa que mobilizava Santo André inteiro, a Rhodia abria as portas, só recebia presente, filho de funcionário. P - Mas abrir as portas...? P - As festas juninas da Rhodia eram uma coisa fantástica, disputadíssimas, era fabuloso, e os bailes de carnaval, que era o marco da... Mesmo porque, tinha o lança perfume. A peneira Rodinni, peneira Rodinni era uma coisa fantástica, era um negócio de calouro, o Rodinni era o produto da farmacêutica, Francisco Egídio, que foi um cantor, nem sei se é vivo ou está morto, saiu da peneira Rodinni; depois os grandes desfiles de moda que teve, essa Mila Moreira, que é artista hoje, ela começou na Valisère; a Bossa Nova praticamente foi a Rhodia que deu a grande alavancada. Existiam os desfiles, ia cantar o Wilson Simonal, a Elis Regina ... O Simonal, recentemente, num depoimento num programa de televisão, ele lembrou do contrato que ele tinha com a Rhodia, de cantar nos desfiles. O que as empresas procuram hoje em participar da comunidade... A Rhodia era comunidade, a Rhodia e a Pirelli eram o que existia em Santo André. P - Se o morador fizesse um balanço desse período todo - assim, o senhor se relacionou com a Rhodia tanto na infância, dos pais-, a principal mudança seria esta ou teria mais alguma coisa? R - Ah Sim, eu acho que a principal mudança foi... Primeiro que a Rhodia mudou, agora um depoimento pesado, mas que está forte na minha cabeça, e eu acredito desses outros que deram, e o próprio Paulella vai dizer isso, a Rhodia mudou na hora em que os brasileiros começaram a assumir os cargos de direção na companhia; aí podia se falar o que quisesse do francês, que eles achavam que a gente era índio, que comia farofa dizendo que era serragem, mas eles realmente tinham, talvez por necessidade de... e está dentro do país. Mas a partir do momento em que os brasileiros assumiram, a coisa começou a se deteriorar, e eu acho muito difícil, para não dizer impossível, porque nada é impossível, a empresa se recuperar. O Zé Carlos está fazendo um esforço tremendo, o presidente, mas eu acho muito difícil. Eu acho que o forte mesmo é que era uma empresa familiar, não por mim, mas por todo mundo, você tinha orgulho e prazer de trabalhar; quantas e quantas vezes eu não fui trabalhar sem ganhar hora extra. Porque eu trabalhava no laboratório de análise farmacêutica, e tinha um produto que se chamava Nesdonal, era um anestésico, e esse era produção contínua, era sábado e domingo, e eu ia de sábado e domingo analisar o produto lá sem ganhar hora extra, sem nada. Então era ... Porque fazia parte da tua vida, era a tua, esse era o grande orgulho que você tinha; e eu não trabalhava na Rhodia, a Rhodia era minha, era minha, de todos nós, os caras falavam: "A Rhodia é minha empresa". Não é a minha hoje no sentido do trabalho, é que você se sentia dono, você queria ver briga era quando jogava Rhodia e Pirelli. Nossa Senhora, era briga, briga mesmo de tapa... Que ofendia a Rhodia, ofendia a Pirelli, era um negócio... Mas era mesmo, fazia parte da vida e faz ainda, porque espero ainda continuar, torcendo para que ela cresça cada vez mais e vai crescer. P - Aí o senhor se aposentou agora pela Rhodia. R - Aposentei. Não estou desligado da Rhodia porque eu tenho uma complementação da aposentadoria pelo Instituto Rhodia de Seguridade. P - Isso que eu ia falar, o senhor recebe pelo... .. R - Pelo Instituto, o mínimo, porque com mais de 53 anos, a 60 anos, me aposentei com 53 anos e dez meses. P - Mas o senhor entrou ainda no Instituto de Previdência da Rhodia. R - Entrei. P - Aquela complementação da aposentadoria. R - Entrei, que é uma grande coisa, vale por um estímulo jovem, o jovem desconfia disso, ao passo que, se ele começar a contribuir desde já, ele vai ter uma renda... P - Maior. R - Bem maior lá no fim. Porque pelo INPS não dá para você aposentar. É a primeira vez que eu vou receber agora. P - Ainda não tem essa experiência de... R - Ainda não tive o prazer de ir lá. Aposentado eu já estava, eu e o Paulella, desde 95, quando houve aquela ameaça de mudar a legislação; aí o Norival, eu, o Valdemir, o Paulella, o Farid, a gente já... Até nisso a Rhodia foi boa, porque assumiu o compromisso de não demitir a gente que tinha se aposentado. P - Já deu para sentir falta de alguma coisa assim... R - Não, ainda não. Eu tenho feito muitas... Até foi um pouco difícil de a gente marcar, mas acho que, daqui para frente, eu já estou assentando. Tenho alguns convites, não devo parar de trabalhar. Tive um convite agora, um pouco antes de sair da Rhodia, mas aí ia sacrificar mais a família; eu teria que mudar para Goiânia, que é uma belíssima cidade. Mudaria tranqüilamente, mas tem que pensar nesse pequeno aí. Que por mês eu sempre viajava, uma, duas semanas fora; agora não, eu estou terminando uma chácara em Valinhos, mas vou voltar a trabalhar, vou dar uma consultoria. Teve um outro convite para trabalhar fazendo uma palestra com o Alquimin, que trabalhou na Rhodia, mas é lá em Alphaville. Eu estou querendo um pouco mais de comodidade agora; já pensou você ir para Alphaville? O dia em que eu fui para lá eu saí de casa oito e meia para conversar com ele, há duas semanas atrás, quanto a gente ia marcar, eu cheguei onze e meia; demorei três horas, num dia comum, sem nada. Então não, e é um negócio que eu gosto...fazer palestra, falar e... que é a minha profissão. Tem um outro convite de um laboratório aqui em São Bernardo, que eu estou estudando, mas pedi um tempo para ele; quero ver se eu faço uma viagem também mais longa com a minha mulher. Então vamos ver, precisa trabalhar, 53 anos e ganhando o que ganha, não dá viver, então vou, vamos ver. Os filhos graças a Deus estão criados, a mais velha... P - Quem que mora aqui com o senhor? R - Os três, são solteiras, não tem namorado também. P - Quantos anos elas tem? R - A mais velha tem 30 anos, é formada em letras, jornalismo, e está fazendo pós-graduação em letras; professora de redação de português. A mais nova é formada no magistério, fez turismo, fez pedagogia, e o mais novo está na 7a série. A diferença é dez, doze anos para cada um, então está tudo aqui... uma boa família. P - Qual que é o maior sonho hoje seu? R - É o maior sonho mesmo, vou dizer sonho ou preocupação, é que esse menino, principalmente, as duas já estão encaminhadas. Graças a Deus são filhas muito boas, não têm vícios, não têm nada; a minha preocupação com o mundo de hoje é ele, não diria nem sonho, é um desejo, é tudo que a gente procura, eu e minha esposa, joga muito aberto com ele de não se meter em droga, de não se meter... Eu acho que a preocupação de toda a família hoje é realmente que ele se encaminhe, e hoje vocês mesmos, que são jovens, sabem que, mesmo se formando com tudo, o mercado é difícil, mas o sonho mesmo é ele está bem e seguir o que nós seguimos. Eu e a mãe já somos casados há 31 anos, fizemos agora dia 14; é difícil também, principalmente para viajante, ficar muito tempo casado. P - Ela não reclamava muito das viagens? R - Acho que reclama até hoje, isso ela nunca vai reclamar, e é normal, é mentira quem diz que a mulher... Essa é a... filha do meio. Então acho que reclama, com razão, eu não tiro a razão, mas fez parte, é cíclico; tem hora que está bem, tem hora que não vai mas... sempre apoiou. Que nem a gente dizia: em casa as galinhas estavam sempre com os pés amarrados, o bico não, porque as coitadinha precisavam comer, porque vinha o caminhão; vamos mudar para onde? Vamos, joga para cima e vamos embora; e ela sempre topou, então hoje... Meu sonho era voltar a morar no nordeste, eu gostaria. P - Morar para o nordeste. R - Acho que a qualidade... Apesar de ter morado em Curitiba, que Curitiba todo mundo fala, mas Curitiba é difícil para você fazer amizade, cidade maravilhosa, padrão de vida excelente, apesar de que hoje está muito perigosa; eu tive lá em agosto, mas agora a qualidade de vida é como no norte. Nordeste é fantástico; clima, praias. Eu acho que, como qualidade de vida... Porque Curitiba tem... Teve ano em Curitiba que você pegava frio em março, era novembro e dezembro você estava com frio, você tinha que tomar banho de pijama e meia, você não conseguia ficar pelado para tomar banho, era tanto frio que você falava: "Eu vou tomar banho de pijama e meia porque (risos) não dá"; não dava para tomar banho. Mas em termos de cidade é muito bonita, cultura, muito bonita. Mas eu, por mim, pessoalmente, eu acho que eu tive uma excelente vida, não sei se foi a primeira experiência, e tudo o que aconteceu, como eu contei para vocês, do ambiente familiar que estava na época, mas eu tive uma vida muito boa na Bahia, muito boa, adoro Salvador; se não conhecem vale a pena, qualquer uma delas. Natal hoje não sei se já foram ou... Fortaleza está maravilhosa, eu acho que o nordeste tem uma qualidade de vida boa. P - O senhor mudaria alguma coisa nessa sua trajetória de vida? R - Nada Nada, nada. Se eu tivesse oportunidade de viver de novo eu viveria. A única coisa que eu mudaria, talvez, é o meu pai ter visto que eu cresci dentro da Rhodia; para quem começou lavando vidro no laboratório, como estudante de química, e chegar - entre aspas, porque não existia o cargo - a diretor comercial da farmacêutica, eu acho que ia ser um orgulho muito grande para ele. Gostaria que ele tivesse vivido um pouco mais para ver essa trajetória, eu acho que a única coisa. Em termos profissionais não mudaria nada, nada nada; tudo o que eu passei, eu só tive satisfação na Rhodia, eu nunca tive alguma coisa que eu dissesse... Tem aqueles entreveros... Aquelas partes que prejudicam um ponto das pessoas que vêm, mas isso é tudo passageiro. O que tem comprometimento com uma empresa, o que ama a empresa, ele não faz besteira, porque se fizesse besteira, a empresa punha ele para fora, eu nunca tive. Tive, passei por um chefe, e chefes e chefes, gerente, gerente, gerente, nunca tive, sempre fui autêntico, sempre fui transparente, sempre procurei o lado da empresa, mas também o lado das pessoas, e ocupei cargo de chefia na Rhodia desde 1965; pessoas que, infelizmente, eu fui obrigado a demitir, são meus amigos até hoje, então não tem... Faria a mesma coisa, passaria pelos lugares. Tenho a felicidade, através da Rhodia, de conhecer o Brasil inteiro. Tenho um sentimento de não ter conhecido Porto Velho e Cuiabá, duas cidades que eu não conheci, o resto, conhecer, trabalhando de ficar lá, de andar, de ver, de conhecer o interior, de viajar para o interior; não é só a capital não, é viajar mesmo. Conheço parte do mundo, graças à Rhodia; conheci Paris, conheci Caracas, conheci o Chile, conheci a Argentina. Então isso é tudo que a gente tem que pôr no peso. P - Tudo em função do trabalho, tudo pela Rhodia? R - Tudo em função de trabalho pela Rhodia; conheci Miami pela Rhodia. E eu tenho uma característica, para compensar essa ausência... conheci Cancun... essa ausência da esposa nas minhas viagens, eu sempre procurei levá-la depois em férias nos lugares aonde eu já fui. P - Para conhecer. R - Para ela conhecer. E a última que eu fiz foi a Manaus, que eu a levei e ela não... Da parte litorânea ela só não conhecia Manaus, então eu a levei em julho em Manaus, o resto quase todas ela foi comigo depois, em férias. Então é compensador. E modéstia à parte, eu me considero um vencedor dentro da Rhodia, eu tenho certeza de que eu deixei bons exemplos lá dentro, de honestidade, de transparência, de liderança, eu acho que eu deixei; pelo menos pela homenagem que me prestaram na última reunião, em Foz do Iguaçu, ficou muito patenteado isso, e na hora que precisar de mim lá para ajudar em alguma coisa eu estou sempre à disposição. Valeu a pena e vale a pena até hoje. P - Que quê o senhor achou essa experiência, estar contando as experiências do senhor? R - Ah Fantástica, tanto que eu fui o que mais força deu ao Paulella no trabalho de vocês. Eu acho que a história é o passado, é o que eu disse em determinado da entrevista: não se pode deixar de lado, não se pode, se aprende com o passado; no mínimo, você aprende a não cometer os mesmos erros, é o mínimo que você leva. Agora, escutar essas pessoas que trabalharam, que viveram, que enfrentaram, que sofreram; eu acho que tem que ter, não pode, principalmente num ramo, como eu disse a você, que não muda, na parte médica não muda, então escuta, escuta o que a pessoa tem a dizer. Com certeza, se tivessem escutado não eu, mas nós que estávamos na liderança quando cometeram aquela aberração de voltar a cometer o erro da compra da UpJohn, não teriam cometido; mas tinha que... Os que vieram tinham que mostrar algo diferente, e no futuro pode ter certeza que vão fazer de novo, isso faz parte; tem que apanhar para aprender, apanhar nesse sentido de cometer o mesmo erro, porque muda, a empresa muda. A minha geração na Rhodia está se acabando, tem mais quem... O Norival, que não tem o tempo que eu tenho; o Paulella, que tem bastante tempo, mas não viveu a farmacêutica; e o Valdemir, que tem vários anos de farmacêutica, na liderança, lá dentro; hoje nós temos mais o Abreu, que tem um bom tempo, o Tosta, mas que viveu muito, que nem o Norival, eu, e o Paulella; assim acaba. Aí os novos que vêm não querem escutar essas histórias, por isso que isso é bom; bota o vídeo lá e fala, olha, vê o que esses caras... Não vão fazer a besteira que muitas vezes foi feita, que vocês vão tomar prejuízo e é prejuízo mesmo, prejuízo financeiro mesmo. Se a empresa tivesse isto que vocês têm, escutassem o que um doutor Simões, o que aquele pessoal, os pioneiros da Rhodia - que aí você pegou quem começou a farmacêutica, com certeza, no mínimo, para falar -, vamos ver o que aconteceu de errado não vamos fazer. Que não queira escutar o lado bom, porque aí o lado é bom, é bom, mas... escuta o errado: olha, isso aconteceu, fizemos de errado, não podemos fazer isso de novo, e fizemos a mesma coisa e vamos fazer com certeza. Se o pessoal novo não vir essa fita, esses depoimentos, vão cometer os mesmos erros, está bom. P - Bom, foi ótima a entrevista. P - Ótimo. R - Ótimo, obrigado. P - Também agradeço. R - Qualquer coisa estamos a disposição de vocês. (fim da fita RHF-010).
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