Projeto Museu Clube da Esquina
Depoimento de Wagner Tiso
Entrevistado por Stela Tredice e José Santos
Rio de Janeiro, 16 de junho de 2004
Realização Museu da Pessoa
Código do depoimento: MCE_HV016
Transcrito por Bruno Weiers
Revisado por Joice Yumi Matsunaga
P/1 – Então, Wagner, queria começar a entrevista perguntando seu nome completo, data e local de nascimento.
R – Wagner Tiso Veiga. Data de nascimento, 12 de dezembro de 1945 – faz tempo. E local, Três Pontas, Sul de Minas.
P/1 – E você podia falar o nome dos seus pais e qual a atividade que eles desenvolveram?
R – Meu pai era, é, mas foi, meu pai foi banqueiro, né? Banqueiro… Bancário. Ele trabalhava no antigo Banco da Lavoura, depois foi aposentado e depois se tornou mergulhador de pesca. A função dele era mergulhar e desengaçalhar as tarrafas. Então ele pegava aquelas raízes e se tornou um artista, porque ele começou a trabalhar aquelas raízes e botando uma forma bonita naquelas raízes, né, trabalhando. E ele tem uma coleção muito grande até hoje em dia. Se tornou isso depois. E minha mãe era professora de piano, Dona Valda Tiso Veiga. E era isso, professora, ensinou muita gente lá no interior de Minas. Inclusive, eu era o mais rebelde, nunca quis muito estudar, mas ela ensinou na marra.
P/1 – E você acabou não falando o nome do seu pai completo.
R – Meu pai é Francisco Ribeiro Veiga. Ele, dos irmãos é o único Ribeiro, não sei por quê, porque acho que nas famílias do interior tinha aquela coisa de homenagear tios e tal. Ele tinha um tio que se chamava Francisco Ribeiro Veiga e botaram o mesmo nome. Porque todos são Correa da Veiga, só meu pai que é Ribeiro Veiga.
P/1 – E seus pais são mineiros também?
R – São mineiros. Meu pai nasceu em Nepomuceno. Não esse Nepomuceno aqui da Zona da Mata, não. Nepomuceno no Sul de Minas. E minha mãe nasceu em Três Pontas, filha de italianos que vieram da Itália.
P/1 – E Wagner, vocês são quantos irmãos? E qual o nome deles?
R – O primeiro é o Gileno, o José Gileno Tiso Veiga. O segundo sou eu, Wagner Tiso Veiga. Depois vem a minha irmã, já com uma diferença mais longa, de sete anos, a minha irmã Isaura, Isaura Clara Tiso Veiga. Depois, mais longe ainda, o André Luiz Tiso Veiga que é meu afilhado de batismo, para você ver. E o Marco Valério mais temporão ainda, Marco Valério Tiso Veiga, esse é afilhado de batismo do Bituca, do Milton Nascimento.
P/1 – Sei. (risos) É, dá uma diferença boa, então.
R – Dá. Uma diferença do primeiro até o Marco, do Gileno ao Marco a diferença é bem grande.
P/1 – E, Wagner, então você passa a infância toda, nasce em Três Pontas. Qual a lembrança mais antiga que você tem de lá?
R – Você diz de música ou lembrança mesmo?
P/1 – Não, lembrança mesmo.
R – As lembranças antigas são muitas, né, agora, o difícil é você concatenar aqui as ideias, mas eu lembro muito da minha mãe ensinando piano, né? Eu lembro que eu ficava embevecido de ver minha mãe dando aula para o meu irmão mais velho, o Gileno. E eu ficava entusiasmado com aquele som. Ele estudava Chopin, essas coisas, aquilo entrava na minha cabeça e eu ficava bastante... Uma antiga é essa. E outra, uma viagem que a gente fez, eu tinha quatro anos de idade. Uma vez foi toda a família, fomos todos para São Paulo para ficar na casa de uns parentes. Achei uma viagem muito legal, muito interessante. E, essas são bem antigas. E as férias de julho. Geralmente todos íamos para Fazenda da Cachoeira. Isso bem antigamente também. E depois mais tarde, quando eu conheci o Bituca, ele passou a ir com a gente também. Meus primos todos se reuniram, meus irmãos, meus primos e mais o Bituca também, no meio da turma.
P/1 – E como era essa fazenda aí da Cachoeira?
R – A fazenda era fantástica. A fazenda era dos meus tios e minha avó morava lá com meus tios. A gente ficava na fazenda, mas eu já tinha uma coisa assim estranha porque começava a anoitecer e ia me dando um certo pavor. Então eu começava a olhar para o alto do morro e ver as luzes da cidade lá da Cachoeira e a vontade que eu tinha era de ir para cidade, nunca queria ficar na Fazenda. Só gostava da Fazenda de manhã, porque a gente nadava, ia na cachoeira, aquelas coisas todas. Três, quatro da tarde a gente ficava louco para ir para cidade. Era sempre melhor para mim. Eu tenho esse espírito assim de cidade. Eu gosto de cidade. Eu sempre gostei de cidade grande, de civilização, onde tem mais coisas, mais bares e livrarias. Tem mais tudo para se ver, mais cinemas, mais tudo, né? Eu gosto dessa coisa mais de civilização. Mas a fazenda foi muito importante para o núcleo familiar da gente, de fazer as músicas juntos. A gente tocava junto, a gente aprendia uns com os outros a ler. E foi muito importante.
P/1 – Bem, já que você já tocou na música, quando a música aparece para você?
R – Começou aí que eu te falei, minha mãe dando aula para o meu irmão e para outros alunos também. E eu muito pequeno já querendo descobrir novos acordes, mexia lá no acordeom da família, ficava descobrindo acordes. E conheci então dois primos mais velhos que foram fundamentais para me direcionar para um outro lado assim, né? Que é o Djalma Tiso e o Duílio Cougo Tiso também. O Duílio já tinha um espírito assim um pouco diferente da música clássica que se fazia na minha família, minha família tocava muita música clássica, muita música cigana, tinha muito violinista, muito acordeonista. Mas o Duílio já tinha um espírito assim, ele ouvia música americana, acho que uma das únicas pessoas que ouvia música americana. O Djalma ouvia o que se fazia de moderno no Brasil na época, então tinha o quê? Ary Barroso, tinha os grupos do Cazé, de São Paulo. Ele tem discos de músicas paulistas, músicas cariocas já, entendeu? O primeiro contato que eu tive de saber que existia uma figura chamada Paulo Moura foi com a Djalma. O Paulo era novinho e me mostrou um disquinho que o Paulo tocava com o Radamés Gnattali. Isso foi em Três Pontas, eu era menino ainda, né? E também as atividades da Rádio Clube de Três Pontas, que eu era o acordeonista, mais tarde um pouquinho. Na verdade, negócio de data eu confundo tudo. Mas é por aí. Eu era o acordeonista que acompanhava os calouros. Então eu já tinha sempre essa facilidade de acompanhar sem ensaiar, de criar uma introdução. Isso foi muito bom, mais tarde me serviu muito para tocar nas boates do Rio e de Belo Horizonte, que os cantores só davam o tom, você inventava a introdução e tudo. Isso começou na Rádio Três Pontas. E ali também tinha a presença do Bituca que se tornou locutor da Rádio. Mas eu conheci o Bituca antes disso, mas o Bituca era locutor da Rádio.
P/1 – Não, vamos chegar lá, mas ainda estamos no passado.
R – Eu estou com seis, sete anos aí. (risos)
P/1 – O acordeom é o primeiro instrumento?
R – É o primeiro instrumento que eu encarei. Eu sempre fui muito tímido, muito inibido para mostrar. Eu nunca gostei de tocar, eu nunca fui muito de me apresentar em público. Embora eu tenha uma aparência de segurança, porque parece que eu confio muito no meu taco, sabe o que é? Eu sou uma pessoa um pouco inibida, não gosto de ficar mostrando as coisas que eu faço, eu gosto de guardar aquilo só para mim. Mas o acordeom eu tinha mais facilidade de encarar do que o piano porque não tinha piano em lugar nenhum, só tinha no clube da cidade. E eu estudava muito pouco piano porque eu fugia das aulas da minha mãe. Lembro até que minha mandava o Jacaré correr atrás de mim – o Jacaré, nosso amigo Jaca – para correr atrás de mim, para me levar. Jaca era maior do que eu, me levava com um beliscão para tomar aulas com a minha mãe. Mas eu não gostava, achava aquilo horrível. Meu negócio era descobrir acordes e tal. Por isso que eu me liguei nesse pessoal mais velho que gostava de música mais americana e de música do Rio de Janeiro e tal. Mas o acordeom eu encarava, porque eu ficava ali no quartinho sempre tirando as harmonias, tocava o baixo, descobria um acorde, aquilo foi me encantando, a descoberta de acordes, as possibilidades de alguma sequência harmônica. Quer dizer, não como a gente faz hoje, mas eu já tinha uma tendência a harmonizar, a fazer harmonias. Isso para mim era fundamental na música. Então, o acordeom eu conseguia acompanhar muito bem de primeira vista, assim. As pessoas davam o tom, os calouros davam o tom e eu saía acompanhando normalmente.
P/1 – Então, quer dizer, você começa na Rádio com que idade?
R – Eu tinha uns sete, oito anos, por aí.
P/1 – Ah, é?!
R – É.
P/1 – E o que que a sua família achava?
R – A minha família sempre me achava muito atirado, assim um pouco diferente. Primeiro que eu não tinha a técnica que o pessoal da família toda tinha, porque eles todos estudavam, né? E segundo porque eu queria fazer uma música diferente de todas que tinham ali. Eu queria fazer uma música diferenciada, então eles me achavam um pouco estranho. Eu não tocava nos grupos de acordeom das minhas tias. Na audição de piano eu só toquei depois que a minha mãe forçou muito a barra e me fez decorar uma música facilitada, a “Marcha Turca” de Mozart, me deu uma versão facilitada, botou, me fez decorar. E entrei na audição de piano uma vez. Mas nos grupos de acordeom que eu sonhava entrar nunca fui convidado. (risos) Isso não é problema nenhum.
P/1 – E Wagner, você falou então que são muitas pessoas na família que eram músicos?
R – Eu acho que todos. Minha família é oriunda de um, isso eu pedi pesquisa inclusive para o pessoal que estudava na Sorbonne, é uma família oriunda que vem do Leste Europeu. Eu estou dizendo isso para depois falar dos músicos da família. Na antiguidade, esse ramo de andarilhos nasceu na Ucrânia, desceu pela margem do Rio Tisa, que vai da Ucrânia e deságua em Belgrado no Danúbio. Então os povos que circulavam, porque aquelas margens de rio eram chamados de Tisos, né? E teve uma turma que chegou em Três Pontas, que foi o meu avô. (risos) Anos depois, né, com a sequência de gerações. Teve uma geração do meu avô que nasceu em Pádua, na Itália e acabou indo para Três Pontas. Ali formou o clã dos Tisos de Três Pontas. Então, ali é uma região muito musical, e toda minha família tocava um instrumento, tocava no estilo da região, inclusive, e gostava dos clássicos também, família europeia, né? E, que eu me lembre, todos os tios do meu conhecimento, porque depois eu perdi um pouco o contato, não conheço os mais novos, mas todos eles tocavam, sem exceção, da minha geração, todos tocavam, os mais velhos. Da geração seguinte à minha, todos tocaram com muito brio. E meus sobrinhos tocam até hoje, também, né? Agora, não sei os mais novinhos, que eu perdi um pouco o contato, mas todos os Tisos tocam algum instrumento, e bem. (risos)
P/1 – E bem, né?
P/2 – As procissões religiosas em Três Pontas tiveram alguma ação sobre a sua formação musical?
R – Muita. A música sacra entrou. A minha influência era o impacto da música que a gente via no cinema, quando menino, né? A gente via os seriados de cinema, eles usavam muita música clássica, usavam muito Wagner. E aquela música, aquele movimento de orquestra, aquilo me encantava muito. Inclusive, os bandidos correndo atrás dos mocinhos, e sempre tinha uma música muito bem orquestrada que parecia com a cena, aquilo me encantava muito. Então foi um primeiro impacto na minha formação musical. A música sacra teve uma influência muito grande, eu lembro inclusive que – mas uma coisa triste, né, porque sempre pela Paixão de Cristo – às seis horas da tarde a gente ficava triste porque escurecia, ficava aquela música na igreja, os sinos batendo. Mas aquilo entrou dentro da gente, né? Nas procissões, os passinhos, cada família tinha o seu passinho. Eu enfeitava o passinho do meu avô. E o quarteirão da rua, a gente ajudava a enfeitar com flores, né, fazer aqueles mosaicos, aqueles trabalhos com flores, e a procissão passava tocando e cantando. Eu tinha aqueles primos mais velhos que cantavam com sons de tenores, aquelas primas que cantavam com sons de sopranos. Aquilo tudo, claro que você tem quatro, cinco, seis, sete anos, mas todo ano vinha aqui, aquilo vai entrar de alguma forma em você, né? O órgão da igreja, tudo isso faz parte. Eu estudei em colégio de padre, porque formação de músico ali era importante. Músico, que eu digo, não, corais. Tinha que ter corais, tinha aula de música. Então é realmente muito importante essa formação litúrgica, formação sacra, acho que foi importante. Não só para mim, mas acho que usei mais porque eu saía para o mundo para trabalhar e usei muita orquestra, então isso está sempre mostrando as minhas influências. Eu tenho essa oportunidade de mostrar as influências que eu tive.
P/2 – Eu estive em Três Pontas e eu vi que aqueles autofalantes, seis horas da tarde. Eles soltam naquele autofalante a missa, enfim, tem uma reza. Existia isso quando você era criança, essa coisa é muito presente nas cidades do interior, esses autofalantes? Você se lembra?
R – É, tinha sim. Tinha com certeza. Agora me lembrei inclusive de um fato interessante. O que me chamava atenção nos domingos era aquele pessoal que trabalhava nas fazendas e na cata de café, os operários da fazenda, eu via todos eles entrando na igreja. A gente viu eles toda semana trabalhando, aquela roupinha simples, todos sujos, coisa e tal. E todos muito bem vestidinhos, né? Claro que com uma calça curtinha, com o paletó... né? Mas eles todos muito bem arrumadinhos, entravam para missa assim. E aquilo lá me encantava, né? Foi por isso que fiz um tema chamado “A igreja majestosa e os cafezais sem fim”, tirado de versos do meu pai. Meu pai que foi o letrista do meu irmão Gileno, que fez o hino da cidade de Três Pontas. E tem um momento na música que ele fala “A igreja majestosa e os cafezais sem fim”. E isso me inspirou a fazer essa passagem do trabalhador entrando na igreja, né? E a partir daquele momento a música se tornava sacra, né? Porque vinha em uma coisa alegre, uma coisa do trabalhador, porque, engraçado que geralmente no Brasil os trabalhadores pobres que levam a alegria. Os ricos é que levam as cerimônias mais tristes, isso é engraçado, mas tem a ver. O meu objetivo na época foi fazer isso, foram essas as influências que eu tive então.
P/1 – Então, falando das influências, o que mais que a gente pode apontar de influência a partir da Rádio Trespontana?
R – Ah, a influência, mais do que isso impossível, a família de origem do Leste Europeu, influência do clássico, influência da Rádio de Três Pontas, influência do cinema, influência da fazenda, não é, e influência da igreja. Porque, inclusive, você era obrigado a ir à missa, então você perdia a aula de segunda. Inclusive, a gente era otário, né? O padre perguntava: “Você foi à missa no domingo?”. E se eu não tivesse ido eu falava: “Não fui”. Medo de ser castigado, alguma coisa. Aí eu tinha falta na escola, mesmo não estando presente. Quem confessasse que não tinha ido à missa tinha falta na escola. Mas eu, quando não ia, falava: “Eu não fui”. Podia ter falado: “Fui”. Não ia acontecer nada. É isso.
P/1 – E como era o seu dia a dia de criança? Você tinha aula, você tinha a música, e o que mais você fazia?
R – Jogava bola, sempre gostei de jogar futebol. Eu gostava muito de jogar bola, a gente tinha vários timinhos ali. Tinha os times dos bairros, tinha umas peladas bravas, bairro contra bairro. Porque saía fumaça mesmo, né? A gente adorava jogar pelota, jogava nos times do colégio, jogava futebol de salão na praça de esportes. Isso foi direto. Eu sempre tive uma vida assim, dividida um pouco entre música e esporte, né, futebol. Mas eu gostava tanto de música quanto de futebol na época de jogar bola.
P/1 – Até hoje?
R – Até hoje gosto bastante. Não tanto, porque naquela época tudo era fantasia, né? Era fantasia, você falava assim: “Ademir”. Era uma pessoa intocável, era um gênio, você não podia nem chegar perto. Ele foi jogar lá com os milionários em uma época lá, foi jogar no centenário de Três Pontas, contra o time de Três Pontas. Quando ele chegou, a cidade inteira em procissão até o aeroporto para receber o Ademir, entendeu? Hoje não tem mais isso, né, hoje você não encontra. Naquela época tudo era fantasia, você dizia assim de Garrincha, eram santos, eram pessoas intocáveis. Hoje não, você encontra por aí, com todo mundo. Não tem mais aquela fantasia que tinha, né? O jogador de futebol era um gênio ou um santo, uma coisa impressionante.
P/1 – Wagner, você estudou em Três Pontas, em um colégio de padres?
R – É, no ginásio. Eu estudei no Grupo Escolar Cônego José Maria. Era Grupo Escolar em que eu estudei primeiro, né? Depois fiz o curso de admissão e fiz o curso do Ginásio São Luiz. Todo mundo que fez ginásio em Três Pontas estudou.
P/1 – Então aí no ginásio, a relação com a música partiu dos corais?
R – Dos corais. Só tinha coral também, né, mas era importante. Era coral e time de futebol. Mas foi um barato. Depois, eu tive que ir para Alfenas porque não existia o curso científico, que chamava isso na época, né? Três Pontas só tinha o ensino até o ginasial. Que hoje é quarta série que chama. Quinta série em diante, chamava Curso Científico ou Clássico. E eu tive que ir para Alfenas e foi toda minha família comigo, né? Toda minha família teve que ir para Alfenas junto comigo. Eu escolhi ir para Alfenas.
P/1 – E a família mudou para Alfenas?
R – É, essa influência foi minha porque o Gileno, meu irmão, estava em Belo Horizonte morando com a minha avó e meu tio e estava estudando em Belo Horizonte no Colégio Tamoio. Estudava em Belo Horizonte e estudava música com um professor muito conhecido lá em Belo Horizonte, que no momento eu não me lembro o nome. Então ele vivia em Belo Horizonte nesse momento da vida da gente, e eu era nesse momento o filho mais velho. Formei na escola e levei a família para Alfenas para estudar o Curso Científico.
P/1 – Então, vamos voltar para Três Pontas. Podia fazer uma rápida descrição? Quarenta, cinquenta anos atrás.
R – Como era a cidade?
P/1 – Tem muita gente que vai lá e não faz a menor ideia do que é Três Pontas, né? Você poderia me fazer uma descrição de como era Três Pontas no período da sua infância?
R – Três Pontas era uma cidade muito progressista, né? Tinha um prefeito que renovou a cidade toda. Muitos reclamam porque o casario bonito que tinha foi destruído. Mas a cidade é bem progressista, a cidade do café, a cidade do Ouro Verde. E sempre muito festeiros. Os grandes carnavais que tinha lá, o time era campeão do Sul de Minas, o time de futebol. Muito interessante. Por outro lado, é uma cidade muito preconceituosa. Um tanto com a minha família, que eles diziam lá que a minha família é uma família que não trabalhava. Como se tocar música não fosse trabalho, né? “Esses Tiso, ninguém trabalha. Eles tocam por aí, tal e tal.” E mesmo com o Bituca. Eu lembro que ele não podia nem ir ao Clube porque ele é preto, né? Então era uma cidade muito preconceituosa. Foi quebrado isso, com o tempo as coisas se normalizaram. Eu lembro que eu, amigo do Bituca, a gente muito ligado – tinha a Orquestra do Cazé, que era um grande saxofonista – foi tocar no Clube de Três Pontas. Agora, eu queria porque queria ver de qualquer maneira, né? Eu falei: “Pô, eu vou ver isso. Eu quero ver. Mas por outro lado, vou ficar com dó do Bituca”. Porque ele não podia vir. Então eu combinei com o Bituca: “Vamos ficar aqui no banquinho do jardim”, que era em frente ao Clube. E a Orquestra tocava, aí vinham aqueles sons assim diferentes para gente, um barítono, às vezes tinha um trompete mais agudo, tal e coisa. Aí ele ficava assim: “Vê esse som, o que é?”. Aí eu subia lá, olhava, olhava, olhava, “Olha, o saxofonista está tocando no meio, solando, o barítono fica aqui do lado esquerdo do naipe de sax.” Eu ficava contando. Eu era o repórter, (risos) porque ele não podia entrar no Clube, cara, eu achava um absurdo isso. Então eu era o repórter de como as orquestras se portavam. Então eu ia, voltava, ia, voltava, ia voltava, contando as coisas para o Bituca. O Bituca achava aquilo tudo maravilhoso: “Pô, mas como é que é isso?” Muito curioso, né? Querendo saber tudo, como é que acontecia aquilo e eu reportava tudo, falava tudo para ele.
P/1 – E Wagner, como é que você conheceu o Milton?
R – O Milton, foi nessa época em que eu ia para o Colégio, depois para o Ginásio e eu passava sempre em frente ao alpendre dele. Isso diariamente, né? Então eu passava em frente, imediatamente tinha um som, era o Bituca sentadinho assim no alpendre, nos degraus da escadinha, ele sentado e com as perninhas compridas assim. Ele botava uma gaita entre os joelhos, ali ele tocava a melodia, com a sanfoninha embaixo do braço, ele se acompanhava. Eu achava aquilo muito fantástico. “Mas que jeito diferente, que cara estranho, como é que ele consegue fazer isso?” Tocava umas coisas bonitas, tocando gaita e se acompanhando ao mesmo tempo. Ele inventou essa história. E eu sempre tive muita curiosidade. “Pô, eu preciso conhecer esse cara.” E nós tínhamos um amigo em comum e o Bituca estava ensaiando em um conjunto vocal na casa da Quitéria. E eu passava também e ouvia aquilo, som de conjunto vocal, achava aquilo interessante. Até que o Dida, nosso amigo, que cantava nesse grupinho do Bituca, me levou com meu acordeom. Eu cheguei lá com meu acordeom, eu devia ter onze anos aí, dez, onze. Aí sentei lá, eles cantaram e eu comecei a acompanhar junto. E o Bituca gostou daquilo, ele gostou do jeito que eu tocava, acho que combinava com o jeito do grupo, né, aquela coisa toda. Mas aí ele me confessou: “Poxa, eu fiz uma promessa que jamais um Tiso ia tocar comigo. Porque em Três Pontas só Tiso sabe tocar”. (risos) Mas ele me aceitou naquele grupinho e formamos ali uma amizade. E aquele dia descobri coisas, né? Depois ele foi locutor da rádio, a gente ficava escolhendo discos e ouvindo as coisas que a gente mais gostava. Quando a gente ouviu Ray Charles ali pela primeira vez cantando “Stella by Starlight”, a gente só faltou desmaiar. A gente olhava um para o outro e não acreditava. O Bituca falou assim para mim: “Tá vendo, homem também sabe cantar”. Aquilo era muito interessante. E eu conheci o Bituca assim. Aí fizemos amizade, eu fui para Alfenas, levei o Bituca que foi morar lá em casa com a minha família, ficamos lá morando juntos. Fizemos o grupo W’s Boys, eu era o crooner. Todo mundo começava com W, menos o guitarrista, o Dalton, que passou a chamar Walton, e o Bituca que não queria chamar Wilton, achava feito e botou Milton Willer. Era o crooner, o Milton e tocava aquele sininho assim. E ali, a gente fez essa amizade para vida toda e aí foi. Foi para Alfenas, ficou comigo em Alfenas aí depois ele foi a Belo Horizonte, ele viu um grupo de gente tocando muito bem. Quando ele voltou, ele falou: “Temos que ir para Belo Horizonte que tem um pessoal lá que toca muito bem. A gente vai mostrar o que a gente sabe e ainda vai aprender muita coisa”. Aí encarei. Chegamos juntinhos lá de ônibus assim. Chegamos lá em Belo Horizonte, foi cada um para o seu ladinho, procurar sua pensãozinha e tal e ficamos lá. Ficamos em Belo Horizonte fazendo em princípio bailinhos, né, no Ponto dos Músicos. Depois conhecemos... aí já é Belo Horizonte, né?
P/1 – Então, antes da gente ir para Belo Horizonte, vamos falar um pouquinho mais aí do W’s Boys. Onde vocês se apresentavam? Como era essa formação?
R – O W’s Boys era um conjunto de baile. A gente fez para fazer baile, porque a gente tinha a ideia de que tocar era... Embora a gente dissonasse em ser artista. Em Três Pontas eu lembro uma vez que chegou lá Rádio de Três Pontas, um pouquinho antes de Alfenas, um pessoal de uma gravadora chamada Chantecler. Aí tinha algumas pessoas da Chantecler, fizeram shows, aí o Bituca falou: “Já pensou a gente ser contratado pela Chantecler? E depois a gente desfilar na praça de Três Pontas e todo mundo aplaudindo a gente?”. (risos) Eu falei: “Poxa, vamos tentar”. Aí tentamos fazer amizade com o pessoal da Chantecler, mas não deram muita bola para gente não, foram embora e não demos a nossa volta olímpica na praça de Três Pontas. Mais tarde acontece, de outras maneiras mas acontece. Aí fomos lá, fiz um grupo. O Bituca, antes de ir para Alfenas, teve acho que um período no Exército, mas eu fui lá e falei com ele, falei: “Ó, tô com um grupo, tô ensaiando com um grupo, são músicos fantásticos, gente muito moderna, tocam uma música moderna”. O Bituca foi direto, deu baixa e foi direto para Alfenas, né? Aí ficou lá comigo, fizemos lá o grupo. E muitas histórias ali do grupo. Ali fizemos baile por todo o Sul de Minas. Tornamos assim, um grupo tipo assim, tinha algum baile importante na região, eles iam logo atrás dos W’s Boys. A gente ficou muito metido, né, falou: “Poxa, a gente é bom mesmo”.
P/1 – Qual que era o figurino do W’s Boys?
R – De roupa? (risos)
P/1 – É.
R – De roupa eu tenho umas fotos aí. Mas não era nada muito chique, não. Era um blazer barato, uma gravatinha borboleta, era tipo o que a gente via nos discos. A gente via nos discos assim, Biriba Boys, não sei o quê, que a gente tentava imitar pelo menos o figurino ali. Mas tinha dois saxs, um trompete – excelentes – tinha contra-baixo acústico, tinha bateria, percussão, a guitarra, o sininho do Bituca mais a voz. Esse era o conjunto, a gente fazia arranjos assim bem avançados para época. A gente estava começando um pouquinho a ouvir bossa nova. Teve uma vez que a gente estava lá em Alfenas na varanda de casa e aí chegou minha mãe com um disco assim. Eu falei: “Mãe, deixa eu ver”. Ela falou: “Não mostro”. Mas ela foi lá na vitrola e botou o som, botou o disco. Era o Tamba Trio tocando “Moça Flor”, uma coisa assim. A gente também, depois do Ray Charles foi a segunda caída de queixo da gente. Falei: “Poxa! Existe uma música”. Aí começamos a desenvolver também coisas parecidas com essas, né? Mas foi minha mãe que apresentou o Tamba Trio para gente, impressionante. Ela ouviu em uma loja, ela viajou, viu em uma loja, falou: “Não sei o quê lá Bossa Nova, acho que o Wagner e o Bituca vão gostar disso”. Ela desconfiou que a gente ia gostar disso. Aí comprou e levou e surpreendeu a gente com aquilo ali. E foi um dos momentos que foi um outro divisor de águas na vida da gente.
P/2 – No W’s Boys, o que você fazia?
R – Eu tocava acordeom. No clube que tinha piano eu tocava uma ou outra música no piano, mas eu tocava acordeom. E é bom que a gente fazia naipes, né, do saxs, com acordeom. Eu gostava daquelas coisas. Mas era acordeom porque infelizmente ainda não tem nos clubes do interior piano de qualidade para pessoa tocar, entendeu?
P/1 – E qual era o repertório de vocês?
R – Olha, a gente tocava o que tinha de bom na época, né? Os melhores boleros, uma ou outra coisa de Ray Conniff para dançar, a gente era um conjunto de baile. Tocávamos Chá-chá-chá, muitos Pérez parado, tocávamos assim o que tinha de bom para dançar. Ed Lincoln, Walter Wanderley, esse repertório que vinha, isso a gente tocava, já estava tocando esse tipo de coisa. E ao mesmo tempo, essa fase em Alfenas, a gente compôs muito junto. A gente fez muita música junto. Todas no baú. Só tem uma música, talvez tenha uma música que tenha ficado que foi uma música que eu fiz com o Bituca chamada “Aconteceu”. Acho que a Elis uma vez queria gravar, acabou não gravando, acabou gravando “Canção do Sal”. Mas aconteceu, está até nesse disquinho, um disquinho pequenininho que a gente fez. Talvez o primeiro disco independente. O Marilton gravou com a gente, inclusive. O grupo em que o meu irmão tocava também ajudou a gente a fazer esse disco.
P/1 – Era um compacto?
R – Era um compacto daqueles chamado duplo, né? Tinha duas músicas de cada lado. Uma era essa, “Aconteceu”, uma das várias parceiras que a gente tinha. Mas a gente esqueceu tudo.
P/1 – Bem, então você estava contando um pouco do repertório dos W’s Boys, e depois você falou do baú, aí do compacto.
R – Foi uma parceria que a gente teve.
P/1 – Pode.
R – Antes desse compacto aí a gente tinha feito um, esse foi bem antigo mesmo, a gente morava em Três Pontas, mas com esse conjunto do Bituca, o Luar de prata, a gente foi gravar em Alfenas, tinha uma pessoa lá que fazia acetato. Ele gravava numa fitinha e da fitinha ele fazia o acetato. Nós fizemos um disco daquele 78, grandão. Mas uma música só, só de um lado. É o que a gente podia pagar na época. Mas eu nem me lembro mais que música que é. Mas eu lembro que a gente gravou alguma coisa com esse conjunto. Era Luar de prata, que acho que para esse disco passou a ser Milton Nascimento e seu conjunto, eu acho que sim. Porque eu me confundo um pouco com isso, mas acho que é isso.
P/1 – Você tem ele?
R – Não tenho, imagina. Se eu tivesse estava pendurado na parede. (risos) Gostaria de ter, realmente gostaria de ter. Então a gente compôs bastantes músicas que a gente não aproveitou depois porque ele teve uma nova fase, todos pegamos uma nova fase depois de descobrir o jazz, descobrir uma série de coisas de desenvolvimentos de solos e harmônicos que foi entrando na nossa vida. E de novas harmonias e que aquilo ficou um pouco para trás mesmo. Eu ainda sei várias, mas não sei nenhuma que a gente regravou, só tem talvez “Barulho de Trem” que o Bituca no disco Crooner, cantando músicas da época de baile, cantou “Barulho de Trem”. Aí eu fiz um arranjo novo para “Barulho de Trem”, que está também naquele disquinho que eu te falei, o compacto duplo. Tem “Aconteceu” e “Barulho de Trem”, tinha mais umas outras coisas lá.
P/1 – E aí, Wagner, você falou que então começa a aparecer esse desejo de sair de Alfenas e ir para Belo Horizonte?
R – É, precisava, né? A gente estava precisando de um impulso, porque a gente descobriu que a gente tinha que ser músico ou artista. Eu queria ser músico, eu queria aprender muito, saber muita coisa de música, saber tocar muito bem, isso é o que eu queria. Queria aprender a escrever música, queria aprender a escrever arranjo. O Bituca queria saber cantar, mostrar as possibilidades que ele tinha, sempre foi um cantor superinventivo, desde menino. Bituca era um passarinho cantando, era impressionante. E, isso, ele guardou para sempre, entendeu? Mas aí tivemos essa necessidade de procurar novos caminhos realmente. Aí acabamos chegando em Belo horizonte. Em Belo Horizonte começou uma nova fase na carreira da gente. A gente fazia muito baile, com os conjuntos da cidade. E conhecemos um pessoal, começamos a visitar a casa do Nivaldo Ornelas, ele começou a mostrar um monte de John Coltrane, Miles Davis, coisas maravilhosas, aquilo que foi encantando a gente, né? E fizemos então um trio junto com Paulinho Braga, o Berimbau Trio para tocar naquela casa lá no Maletta, Edifício Maletta. Chamava Berimbau a casa, a gente fez o Berimbau Trio. E fora isso eu tocava ali também no intervalo, tinha showzinhos, e no intervalo eu tocava. Eu lembro que, como na época eu estava muito duro, o Bolão, que era gerente da casa, estendia para mim um lençol e eu dormia em uns banquinhos. Agora, imagina o que aquilo me fez mal para o pulmão, né? Eu dormi ali um tempo.
P/1 – Nossa.
P/2 – O Nivaldo Ornelas conta uma história que você e o Paulo Braga iam para igreja dormir. Eu queria que você contasse.
R – Não, porque a gente ficava fazendo baile. Depois do baile a gente ia para o Bar do Adão, Restaurante Adão, ia não sei para onde. Depois ia na famosa zona (risos). Aquilo ia ficando de madrugada e ia dando sono, né? E, na época, tinha várias épocas em Belo Horizonte que a gente não tinha onde dormir mesmo. Ganhava-se pouco, dava para comer e divertir um pouquinho, né? Então a gente ia para igreja e ali a gente fingia que estava rezando, mas estava dormindo. (risos) A gente abaixava e dormia no banquinho, eu e o Paulinho Braga. A gente fez isso várias vezes. Toda vez que a gente estava sem pensão para ir ou estava devendo à pensão, não dava para pagar, tinha que sair. Então ia para igreja, dormia na Igreja São José, salvação, né?
P/1 – E, Wagner, Você falou então do Berimbau, você pode descrever como era o Berimbau? Você lembra?
R – Lembro. Quer dizer, lembro. A gente sempre lembra vagamente, né? O Berimbau, o Bituca tocava contra-baixo. Eu não tocava contra-baixo, eu sei que apareceu um contra-baixo, e como eu sabia fazer escala, eu só mostrei uma escala para ele e ele passou a tocar contra-baixo como se fosse um profissional. E ele cantava junto, os solos dele, as introduções de solos, ele tocava e cantava. Ele até gravou alguma coisa recentemente para relembrar essa época. Ele fazia a melodia cantando junto com o contra-baixo. Muita gente fez isso na guitarra, ou assoviando com a guitarra ou cantando, mas Bituca fez isso no contra-baixo. Era eu de piano acústico e o Paulinho Braga, bateria. A gente tinha um repertório. Muitas vezes esse trio era enxertado pelo Nivaldo Ornelas, era um trio e quando tinha alguma apresentação. Porque fazia showzinho, né? Além dos bailes, fazia showzinho também, a gente ficava cada vez mais metido, né? Então quando tinha showzinho na Secretaria de Educação, esses lugares assim, a gente levava o Nivaldo para enxertar. Agora, o Berimbau também foi onde eu conheci o Marilton Borges. Eu fiquei muito amigo do Marilton, me identifiquei maravilhosamente com ele. O modo de pensar a música, de harmonizar e tal. E a gente fez um grupo que era o Bituca, o Marilton, acho que uma terceira pessoa que chamava Marcelinho, e tinha uma que fazia a quarta voz, era o barítono (com voz mais grave). O Bituca tocava violão, eu tocava piano e os quatro cantavam também no Berimbau, então a gente tinha esse conjunto, chamava Evolussamba, se não me engano, Evolussamba. A gente ensaiava na casa, Edifício Levy, primeiro nas escadarias ali entre um andar e outro. Depois, com as reclamações, passamos a ensaiar em um dos quartinhos da família Borges. E foi ali que começou uma relação do Bituca com a família de um modo geral. A começar do velho Salomão até os mais novos. O Bituca ficou aí. Logo depois disso, eu falei que eu fiquei pouco tempo, logo depois disso eu fui tentar a sorte no Rio. A minha vontade era chegar no Rio e tentar ser músico no Rio de Janeiro. Eu queria provar para mim mesmo que eu poderia fazer isso. E talvez tenha sido o primeiro a ir depois do Chiquito Braga.
P/1 – E, Wagner, eu queria que você contasse um pouco desse momento em que vocês conhecem o Pacífico Mascarenhas.
R A-hã. O Pacífico, eu conheci por duas razões. Uma é que ele frequentava o Berimbau, entendeu? Se entusiasmou com a gente, tornou-se amigo da gente. Eu namorava uma menina ali em Funcionários que morava ao lado da casa do Pacífico. Então, eu estava ali namorando, o Pacífico passava: “Ô, garoto! Tal, tal, tal”. Aí nisso ficamos muito amigos, ele me apresentou o Luiz Cláudio, que foi uma das pessoas que me deram uma guarida aqui no Rio de Janeiro. O grande cantor Luiz Cláudio, grande cantor e compositor Luiz Cláudio, cantor mais da antiga. E então tivemos uma relação. O Pacífico tinha um carinho maravilhoso com a gente, ele fez um outro conjunto vocal para cantar as músicas dele. E a gente até estava gravando um disco com as músicas do Pacífico quando eu vim para o Rio de Janeiro. Eu mudei, gravamos só a metade do disco. Faltava a outra metade que meu irmão fez no meu lugar, o Gileno. Ele me substituiu no grupo. O grupo chamava Sambacana. Um era Evolussamba e esse era o Sambacana. Mas o grupo era do Pacífico, a gente cantava músicas do Pacífico Mascarenhas. Mas nessa de vir para cá, a primeira vez que eu vim, o Pacífico trouxe a gente para gravar um disco de uma cantora chamada Luíza. Arranjos do Moacir Santos. E ele trouxe a gente para fazer coro para isso. Foi aí que a gente conheceu a Elis, na casa da Luiza, onde a gente mostrou “Aconteceu”, o Bituca mostrou a “Canção do Sal”, as coisinhas que a gente tinha ali. E fizemos coro, três ou quatro vozes, para o disco da Luíza e o arranjo é do Moacir Santos. Eu tenho até uma foto disso. E isso foi por intermédio do Pacífico. E depois dessa viagem, a gente voltou. Eu lembro que chegando em Belo Horizonte tinha um clube antes de chegar na cidade, estava o conjunto do Balona tocando, a gente era do conjunto, a gente chegou com roupinha de viagem, Pacífico deixou a gente lá na rodoviária, a gente correu para o clube e encerramos o baile. Tomamos uma broncazinha do Balona, mas deu para fazer a metade do baile ainda. Isso voltando do Rio, né? Aí eu já me encantei com o Rio, “Acho que a minha vida vai ser nesse lugar aqui”. Aí o Pacífico voltou para fazer o disco dele. Eu fiz a metade desse disco, depois fiquei aqui. E me escondi, todo mundo voltou. Eu me escondi. Me vali um pouco do Luiz Cláudio, falei: “Luiz Cláudio, me empresta o quartinho de empregada aí, e tal?”.
P/1 – Você começou morando com o Luiz Cláudio?
R – Não, nem morei lá, um dia ou outro eu fui. Depois eu comecei a circular pela cidade e fiquei amigo de pessoas que me deram ajuda e tal. Mas aí eu não voltei. E eu lembro até uma vez que o Bituca me disse assim... Eu cheguei a voltar para Belo Horizonte, mas para voltar para o Rio, acho que para pegar coisas e tal. Eu já tinha me convencido que ia ficar no Rio. Eu lembro que o Bituca me falou: “Wagner, não tá na hora ainda, falta não sei o quê”. Eu falei: “Não, Bituca, eu sei, mas eu tô ansioso, eu quero ir logo”. E eu fiquei. Eu sei que um ano depois ele foi para São Paulo, teve lá a história dele em São Paulo. Aí só fui reencontrar com o Bituca, eu estava no Pacífico, mas é que pintou esse... Só fui reencontrar com o Bituca na época do festival. A gente tinha um amigo em comum que era Agostinho dos Santos, que era muito amigo meu e do Paulo Moura. E o Agostinho escreveu umas músicas, isso é uma história que todo mundo conhece, o Agostinho inscreveu as músicas do Bituca sem o Bituca saber, aquele negócio todo. Mas o Bituca veio, tinha umas reuniões na casa do Augusto Marzagão, a gente estava sempre com as pessoas ali. Aí ele veio e também ficou, depois de vir para São Paulo. Eu já estava no Rio há uns dois anos. Nessa época eu já tocava com um grupo, já tinha tocado com o Edison Machado Quarteto, com Quarteto e Octeto Paulo Moura, já, nessa época. E nesse ano eu fui já orquestrando o disco da Maysa feito no Canecão. Inauguração do palco do Canecão. Porque era cervejaria e tinha um palco em que os músicos ficavam tocando no meio, rodando, assim. Um negócio bem cafonérrimo. Mas aí fizeram aquele palco de show e quem inaugurou foi a Maysa. E eu e o Paulo Moura fizemos os arranjos, metade do Paulo e metade minha. Eu era o pianista da orquestra e o Paulo era o maestro.
P/1 – Você poderia falar um pouco desse encontro com o Paulo Moura que é marcante para você, né?
R – Muito marcante. Eu estava tocando, não sei se era no Drink com o Cauby ou no Arpege, do Waldir Calmon. Eu estava no Arpege e quando eu saí no meu intervalo para descansar lá fora, tomar um cafezinho no bar, em frente estava aquele mulato bonito me olhando, eu falei: “Poxa, você não é o Paulo Moura?”. “Sou, e tal.” Aí me cumprimentou e falou: “Olha, eu tô precisando de você”. Eu falei: “Pô, (risos) por que de mim?”. “Não, porque as pessoas têm falado por aqui que tem um menino de Minas que toca muito bonito, que harmoniza muito bem e eu quero fazer um teste com você”. Eu falei: “Uai Paulo, que teste é esse?”. “É que nós temos um quarteto chamado Quarteto Edison Machado e o pianista tá indo estudar nos Estados Unidos” – que era o Osmar Nilito – “e nós queremos que você faça uma turnezinha para ver se aprova.” Eu fiquei no grupo, foi uma maravilha, aquilo para mim foi uma grande escola, foi uma vitória. Falei: “Acho que valeu a pena ter fugido, me escondido no Rio”. Eu lembro que aí o Edison foi morar nos Estados Unidos e nós fizemos o Quarteto Paulo Moura e Octeto Paulo Moura, que deu uns quatro ou cinco discos muito interessantes da década de 1960. E o Paulo sempre me incentivou. Ele falava: “Wagner, você é um orquestrador nato, todo arranjo que você faz para pequeno grupo, você direciona para uma coisa grande. Parece que ganham corpo as coisas que você faz. E você tem muitas ideias rápidas para resolver problemas e tal”. Isso é Paulo dizendo. Aí fiquei muito envaidecido com aquilo e falou: “Pô, você tem que estudar orquestração”. Mas eu, preguiçoso como sempre, só pedia algumas dicas, né, “Ó, como é que se distribui?”. E o Paulo me ensinou como se distribuía para os instrumentos todos, a extensão dos instrumentos. Então foi um mestre para mim e agradeço muito esse encontro com Paulo. Agora, nessa época em que eu conheci o Paulo, a gente tinha um trio na noite, que era eu, Luiz Alves e Robertinho. A gente tocava em todas as boates. Sempre que ia para uma boate, um procurava levar o outro. Aí outro mudava, aí chama não sei quem, a gente estava sempre tentando tocar juntos. E esse foi o fio, né, a coluna vertebral do Som Imaginário, foi a base do Som Imaginário, que mais tarde veio fazer o show com o Bituca. Bituca voltando dos Estados Unidos, trabalhando ele e o Marcos Valle, não sei o quê. Aí fizemos esse grupo para gente formar uma corrente forte, de uma coisa forte. O Milton e um grupo que tivesse peso, tá entendendo? E fizemos então o Som Imaginário. Essa parte jazzística e brasileira que era eu, Luiz e Albertinho, mais o Tavito de Belo Horizonte que tinha uma influência muito forte dos Beatles e tocava violão de doze cordas, e o Zé Rodrigues, que era crooner e tocava às vezes órgão, às vezes piano e revezava comigo. Mas ele cantava também. E essa era a primeira base do Som Imaginário em que o Naná Vasconcelos, que gravou o disco, teve que ir para os Estados Unidos e ficou no lugar dele o Waldir Oliveira. E a gente fez aquela temporada de 1970 no Teatro Opinião. Foi o primeiro show do Bituca para público e tal. Digo, com essa formação para público. A gente tinha um feito um show uma vez com o Bituca com o grupo do Paulo Moura, em um lugar que chamava Rui Bar Bossa, em frente ao Zum-Zum.
P/1 – (risos)
R – Achou engraçado? Mas na época tinha um bar em São Paulo, isso era normal. Rui Bar Bossa era ali na Rodolfo Dantas em frente ao Zum-Zum, e era um local de shows de Bossa Nova, e da música da época, né? Mas logo depois do festival, armamos esse show, o Bituca fez o show. Era o grupo do Paulo Moura, o Quarteto 004, Bituca 004, Quarteto Paulo Moura e a Helen Blanco cantando. Isso foi logo em 1967. Logo depois disso que a gente foi fazer Maysa, com Paulo Moura.
P/2 – E você estudou música? Você se considera preguiçoso, como você colocou. O que você estudou de música, a teoria?
R – Olha, a teoria eu fui estudando com o tempo, né? Eu, se fosse pegar hoje, de 1966 para cá que eu escrevo para orquestra, poderia dizer que nesse período inteiro até hoje eu posso ter estudado uns quatro anos de música porque se você reduzir, é. Mas eu ia estudando assim, esse ano aprendia uma coisa, esse outro ano, uma outra coisa. Primeira coisa que valeu como estudo para mim é o seguinte: tudo que eu não gostava, eu jamais escreveria outra vez. Isso é um aprendizado fantástico, né?
P/1 – É.
R – Não é? Depois de trinta anos você vê que valeu a pena jogar muita coisa fora. E as poucas coisas que eu achei que eu achava que funcionavam muito bem, fui guardando, fui guardando, fui guardando, né? O que eu não sabia tecnicamente, ou da coisa de escola e tal, eu perguntava para quem sabia. O Gaia, depois que eu estava na Odeon foi um mestre. “Gaia, como é que escreve isso, como é que faz aquilo? Como é que escreve para harpa?” São coisas que você vai aprendendo durante a vida. Então são quase quarenta anos de escrita para orquestra, quase quarenta anos, vai fazer quarenta anos. Então vamos dizer que eu tenha estudado de fato cinco anos, o que me valeu, né, nesses quarenta anos.
P/1 – Ah, sem dúvida.
R – Juntando tudo.
P/1 – Wagner, vamos voltar então para o disco Milton de 1970, que é o momento do reencontro.
R – Agora eu tenho que... um disco e outro… é esse disco foi qual? 1970?
P/1 – É de 1970, né, que aí vocês já tem o Som Imaginário montado e que vocês se encontram para tocar, não é isso?
R – É, eu confundo um pouco os discos. Esse disco é qual? Um que ele está parecendo um africano? Ou o que ele está na água? Eu confundo um pouco os discos.
P/3 – É, na verdade é o seguinte, foi o disco que veio depois do show do Opinião que lançou...
R – Ah, já tinha o Som Imaginário, Naná e tudo.
P/3 – Exato, que tinha a capa do Stil, aquele desenho.
R – Sei, sei, sei.
P/3 – O Bituca atrás de uma igreja assim.
R – Ah tá.
P/3 – Sabe? Com pincel atômico, capa do Stil. Aquele foi o primeiro disco que entra o Som Imaginário Completo.
R – É, fizemos algumas coisas aí. Aí fizemos uma escalada de discos, né, muitos com o pessoal do Clube da Esquina, a maioria sempre, né? O primeiro arranjo oficial que eu fiz para o Bituca foi a música do Lô Borges, “Nuvem Cigana”, que é no Clube da Esquina, Lô e Milton. Eu lembro inclusive que o Eumir ia escrever para orquestra e o Lô estava muito nervoso porque tinha que ir na casa no Eumir para mostrar as músicas. E o Lô me levou, falou: “Pô, vai lá”. E eu fui lá para dar uma... Aí fiquei lá, o Lô era garoto, era menino, né? Aí o Lô mostrava, o Eumir ficava encantado. Aí eu explicava, não, isso aqui é tal, tal. E eu fiquei junto, o Lô me pediu: “Wagner, vamos na casa do Eumir comigo”. Eu falei: “Vamos, claro”. E fui para o Lô mostrar as músicas para o Eumir. O Eumir escrevia maravilhosamente bem. E, talvez como prêmio, o Lô pediu para eu escrever. (risos) O Lô pediu para eu escrever “Nuvem Cigana”. Acho que ficou bonitinho, ficou muito bonito.
P/2 – Então fala um pouco do Clube da Esquina mesmo, a gravação do Clube da Esquina foi aqui no Rio, né?
R – Foi no Rio, na Odeon. Eu toquei a maioria das coisas no órgão, algumas coisas no piano, mas a maioria no órgão. Nesse Clube da Esquina, os arranjos eram feitos ali no estúdio. Dava um tempo enorme para se fazer disco.
P/1 – É?
R – Não tinha esse problema que existe hoje de hora de estúdio. Não, a Odeon liberava o estúdio para você criar seu disco ali, né? Mesmo porque Milton, Caetano, e muitos outros demoraram muito tempo para vender bem disco. Eles acreditavam no artista, né? Hoje acreditam no produto, mas eles acreditavam no artista. Mas eu lembro que ficávamos ali, o Bituca já trazia as coisas dele praticamente prontas. Aquelas coisas que o Bituca tinha nas vozes e no violão. Eu distribuía para o pessoal do grupo, o baixo vai fazer isso, tal, tal, tal. A mesma coisa com o “Trem Azul”. “Quem vai solar? O Toninho sola aqui. O órgão entra aqui.” A gente distribuía aquilo lá dentro do estúdio, porque não tinha orquestra, né? Os arranjos de base eram feitos lá em conjunto. Isso que era uma maravilha, você via que aqueles discos tinham um calor. Além do som ser analógico, um som gostoso de ouvir, não tem aquela mixagem perfeita e agudinha de hoje, tem aquele calor humano de todo mundo estar junto fazendo música. Porque estão fazendo música dentro do estúdio. Ninguém chegava... Porque teve uma época, mais tarde, que os produtores me ligavam e falavam: “Wagner, eu quero que você bote cordas no arranjo”. “Mas que arranjo? Eu quero saber que arranjo.” “Não, já tá pronta a base, não-sei-quem já fez os metais, o não-sei-quem fez o arranjo de percussão, e você vai botar cordas.” Eu falei: “Pô”. Então é a coisa mais fria do mundo, né, cada um chega ali, bota o seu e sai. Ali, não, no Clube da Esquina parecia um clube mesmo funcionando. Todo mundo trabalhava junto, cada um chegava com suas ideias prontas, os compositores, né, e os músicos participavam, davam ideias, todo mundo tocando junto, fazendo a coisa junta. Isso é que tem esse calor daquela fase. Até o próprio Minas, que eu fiz oitenta por cento das orquestrações, a gente fez aquilo no estúdio, lindo, né, é um disco que tem um calor humano impressionante. E foi quando eu me soltei como orquestrador realmente, “Trastevere” e outras coisas que a gente fez ali, que foram coisas assim que, poxa, deram um campo para eu experimentar. Você já pensou poder experimentar em disco popular? Isso não é normal. Isso acontecia com a gente, isso acontecia essa época, né? O Bituca chegava, ficava horas no estúdio repetindo a mesma música. Às vezes mudava, “Não, o Toninho vai tocar baixo nessa. Não, o Luiz, porque o Luiz...”. Ficava ali junto fazendo música. Parecia que estava na escadaria do Levy, não é? Isso é que era uma maravilha. E depois eu orquestrava aquilo que para mim era uma maravilha. E me dava esse campo: “Agora faça a orquestração que você quiser, porque o ambiente tá aí, agora orquestra isso”, né? É questão de colorir, vamos colorir essa beleza, né?
P/1 – Wagner, ainda voltando à gravação do Clube da Esquina.
R – Clube da Esquina, é aquele Milton e Lô, o primeiro.
P/1 – É, o “Clube da Esquina 1”. Quer dizer, o processo de gravação hoje é completamente diferente, né? Trinta anos passados aí, a tecnologia sofisticou, mas você podia contar como é que era o cotidiano de gravação de um disco no estúdio em 1972?
R – Antes de chegar no estúdio, passava, a gente era um pouco louco, a gente não pode negar, a gente era um pouco louco. Eu lembro que a gente passava horas na casa do Bituca ali, o Bituca ligava um gravador e ficava cantando uma música a noite toda. A noite inteira. Depois a gente ia para o estúdio. Teve algumas músicas do Bituca que ele compôs improvisando, depois botaram a letra, não sei se o Marcinho, talvez. Ele ficava improvisando a noite toda aquilo ali. Juntava aquilo em uma fita, em um gravador. Aí uma vez ele chegou para mim e falou: “Tira daí a coisa”, né? Aí eu pegava aquilo ali, ficava ouvindo, ficava ouvindo, uns compassos misteriosos, tal, aquilo dava uma dor de cabeça para distribuir para o grupo. Eu acho que foi o grande experimento da música brasileira no meu caso, porque não tinha regra. Não tinha regra. Acho que o grande experimento que me valeu para fazer as coisas que eu faço hoje foi esse momento de 1970 a 1975, inclusive, a gente foi para os Estados Unidos fazer o disco do Wayne Shorter, fomos fazer o Festival de Montreux pela primeira vez. Pela primeira vez tinha um cantor brasileiro no Festival de Montreux, que a gente foi fazer com a Flora, o Bituca e o Airto, o Ron Carter e tal. Em 1974 voltamos para os Estados Unidos para fazer o Native Dancer. Foi uma época então de muita coisa, eu tinha feito, em 1970, 1972, os primeiros discos cantados do Som Imaginário, um que tinha “Feira Moderna”, outros que tinham outras músicas. E depois eu tinha feito, quando eu voltei da Europa em uma turnê que eu fiz com o Paulo Moura, logo depois do show do Bituca com o Clube da Esquina no Teatro da Lagoa, eu fiz uma turnê pela Europa com o Quarteto Paulo Moura, depois que eu voltei, eu fiz então um disco, eu compus todo na Europa, chamado Matança do Porco.
P/1 – Matança do Porco.
R – Entendeu? Inclusive, tem no disco ao vivo do Milton que eu acho que é um disco histórico do Bituca, ao vivo, gravado no Municipal de São Paulo com grande... “Milagre dos Peixes” ao vivo. Eu acho que esse disco é um momento histórico. Embora o som não seja de qualidade, porque gravado ao vivo, não era muito costume gravar uma grande orquestra com grupos de guitarra e tudo, o som não é muito bom, mas você vê que as ideias estavam ali, o laboratório estava pronto. Foi a nossa época de laboratório mesmo. Serviu para o resto das nossas vidas.
P/1 – Esse ano faz trinta anos do “Milagre dos Peixes”, né?
R – Esse ano faz trinta anos, né, veja você. Parece que foi ontem. Não, mas muita coisa aconteceu de bom para todo mundo, isso que é importante.
P/1 – Você podia contar mais do “Milagre dos Peixes” que foi também um disco marcante, né?
R – Bom, teve o “Milagre dos Peixes” que foi no estúdio, que teve o problema de censura, e o Bituca gravou tudo, já devem ter falado isso por aí para você, mas ele gravou tudo sem letra, né? Com Naná fazendo percussão, o Som Imaginário mais os músicos agregados ali da turma toda. Agora, o “Milagre dos Peixes” foi gravado em São Paulo. Eu fiz os arranjos de orquestra, Paulo Moura regeu, quer dizer, eu fiz os arranjos do que já tinha ponto. A música, por exemplo, “Milagre dos Peixes” é uma música que já nasceu pronta. Eu tive apenas que, como sempre, usando nosso laboratório, colorir de uma maneira para apresentar para todo mundo ouvir. Mas foi muito legal, porque a gente fez, o que tá no disco é o que foi gravado, não se mexe em nada. Só tem aquele negócio, a gente, com a pouca experiência da gente, na mixagem, sentava todo mundo em volta do pobre Nivaldo Duarte. (risos) Cada um ficava fuçando uma coisa para cima assim, ele tentando segurar, tentando segurar. Aí um puxava o piano, outro vinha e puxava o baixo, aí o Bituca botava a voz lá em cima, tudo. Poxa, o Nivaldo aturava a gente. Acho que depois ele fingia que estava tudo bem, ele mudava tudo. Mas eram sons calorosos, maravilhosos.
P/1 – E, Wagner, depois do “Milagre dos Peixes” tem a turnê para Europa, não é isso? 1974, 1975?
R – Tem. Eu, depende de qual, porque foram muitas, né? Essa foi...
P/1 – Que vocês vão para Montreux, não é isso?
R – Ah não, pois é, eu já falei, a gente foi fazer o Montreux a convite do Airto e da Flora com Ron Carter. Foi o Bituca, eu e o Robertinho Silva. O Robertinho deve ter contado isso, não contou não? A gente foi ensaiar, ensaiamos em Nova York, fizemos arranjos em comum. Tinha música do Chick Corea, e as músicas do Bituca que a gente fez na hora, eu fiz um arranjo na época para música do Ari Barroso chamada “Ia”, mas na realidade é “Na baixa do sapateiro”. E tocamos isso lá em Montreux, tem gravado um disco. “500 Miles high”, que é o nome da música do Chick Corea que a gente tocou. Eu revisava sempre órgão Hammond com piano, com Pat Rebillot, grande pianista de Nova York e a gente ensaiou duas semanas em Nova York, preparamos isso, fomos para Montreux. Naquela época era só jazz mesmo, não tinha negócio de noite disso, noite daquilo, não. Era festival de jazz. E a gente estava incluído nisso, para nossa felicidade. E dali nós voltamos para Los Angeles para fazer o “Native Dancer”, como eu tinha te dito, que era o disco do Wayne Shorter apresentando o Milton.
P/1 – Vamos falar disso um pouquinho, porque isso é um marco.
R – É. Aí chegamos lá em Nova York. Primeiro começa aquela coisa de um enxame de músico para conhecer a gente, porque as novidades do Brasil, “Tem um músico aí, Milton Nascimento, que é a maior novidade, uma coisa espetacular”. Então ia lá Quincy Jones, ia Canon Ball, os grandes músicos ali iam lá para onde a gente estava hospedado e passava a tarde com a gente e tal. Uma vez o Quincy Jones convidou a gente para casa dele, porque ele queria conhecer as coisas. Quando a gente tocou uma música chamada “Maria Três Filhos”, até escrevi a melodia rapidamente para o Canon Ball. Estava o pessoal na casa do Quincy Jones, em Bel Air, eu lembro que o Quincy Jones pediu para tocar para ele entender a rítmica que o Bituca fazia e que a gente fazia junto, que ele não conseguia entender o tempo. O maestro Quincy Jones. Eu fiquei na minha assim. É porque é complicado mesmo, não tem nenhum músico aqui que não estranha ritmo, entendeu? E se você for medir, tá tudo certo, só que intuitivamente ele fazia uma métrica de acompanhamento, que parecia que estava tudo fora do lugar. E o Robertinho fazia um ritmo então. Robertinho é um sábio de ritmo. Ele fazia um ritmo que englobava aquilo ali. E a gente ficou tocando diferente. A gente ficou tocando essa música umas três horas, só essa música, o Quincy Jones tentando entender. Eu só sei que, uma semana depois, o Quincy Jones teve um aneurisma, mas isso não tem nada a ver, foi coincidência. (risos) Foi coincidência, ele se operou, e tal, a maior coincidência. Mas que ele ouviu por umas duas horas “Maria Três Filhos”, ele ouviu. É, mas é porque o Bituca realmente começou a ser conhecido. Eu sei, por exemplo, o que o Bituca causou aqui no Rio, ele causou uma estranheza, não, uma mistura de euforia e estranheza no meio das pessoas que compunham aqui. Grandes compositores pararam de compor para se reorganizar. Porque o Bituca chegou com uma coisa que era um pouco Edu Lobo, um pouco Belo Horizonte, um pouco ele, um pouco Três Pontas, quer dizer, ninguém entendia o que era aquilo ali. Ele chegou com um jeito novo de fazer música e com um jeito de cantar que ninguém nunca tinha cantado ainda, né? Então o Tom Jobim passou um tempo muito grande se reciclando realmente, para fazer depois “Matita Perê”, para fazer não sei o quê, Mas o Tom, ele mesmo deu uma escondida. Vários compositores de alto nível no Brasil, deram uma freada, quer dizer, chegou uma coisa diferente e nova, de real valor, que a gente tem que prestar atenção nisso. Entendeu? O Rio de Janeiro ficou assim um pouco catatônico porque surgiu aquela figura fazendo uma música que ninguém nunca tinha feito, e de um real valor. Então, quer dizer, eu tô falando uma história muito longa, mas eu sei que se causou um impacto muito grande aqui. E depois, com Som Imaginário, com a chegada do Clube da Esquina, com aquilo se “modelizando”, com a música se tornando mais popular um pouco, né? Porque até então, até a chegada do Clube da Esquina no Rio, a música do Milton era um pouco hermética. Não é que era hermética, ela tinha uma qualidade muito grande que as pessoas talvez não entendessem. Hoje em dia, talvez já se ouça normalmente, mas há trinta e tantos anos atrás, era ouvido de uma maneira... “Poxa, tem uma coisa diferente no ar.” Hoje já não é tão diferente porque as pessoas já fazem, o tempo passa, todos vão se ouvindo e vai-se fazendo mais ou menos as mesmas coisas. Mas causou uma espécie interessante. Não sei porque eu peguei esse assunto, porque a gente estava acho que noutro.
P/1 – A gente estava nos Estados Unidos, mas tudo leva a tudo.
R – Tudo leva a tudo. Ah! Eu estava dizendo a impressão que os americanos também tiveram quando viram o Bituca, né? O Bituca interpretando e fazendo a música à maneira dele, a gente ali ajudando.
P/2 – Você disse do Clube da Esquina que causou essa estranheza também, né?
R – Não, o Clube da Esquina não causou estranheza. O Clube da Esquina era uma música que tinha uma extrema qualidade que se juntou à música do Milton e botou a música do Milton para ser ouvida por muito mais gente do que ele era ouvido até então. Entendeu? Isso foi importantíssimo para carreira do Milton e importantíssimo para as pessoas que chegaram juntas, como o Lô, o Beto. Eu tô dizendo os compositores, não estou dizendo os letristas, né, porque é outro departamento, mas para o Lô, para o Beto e para o Toninho, por exemplo, elevou essas pessoas a um patamar artístico muito grande porque o Milton ficou sendo uma pessoa que agora sim ouviam, entendiam e gostavam, o público em geral. Porque até então só ouviam grandes músicos, né, os gênios ouviam Bituca e gostavam. Mas daí em diante, as pessoas começavam a ouvir o Milton e as pessoas que estavam com o Milton e gostarem daquilo que estavam ouvindo. Foi da maior importância para ter um movimento coeso e popular, né? Porque não adianta você fazer um movimento que não tenha uma cara popular. Você tem que chegar às pessoas o mais longe possível.
P/2 – E o que trouxe de inovador à MPB o Clube da Esquina? O que mudou no cenário musical?
R – O Clube da Esquina. Essa mistura, o Milton chegou com harmonias, progressões em quarta, acordes menores com quarta, progressões sem fazer o famoso 2- 5-1. Isso não se explica aqui porque é complicado.
P/1 – Não, pode explicar, o músico que ler vai ficar maluco com isso.
R – O 2-5-1, para resolver as passagens harmônicas, o Milton não fazia isso, ele tinha soluções para isso. E notas que não eram comuns em melodias, entendeu, como o acorde maior, como a quarta aumentada segurando muito tempo, são coisas que ele trouxe para o canto no Brasil e para a maneira de se apresentar. O Som Imaginário deu uma base brasileira-jazzística e trouxe a qualidade roqueira que tinha o Lô e o Beto, por exemplo. O Toninho também está na parte mais jazzística, mas o Lô e o Beto trouxeram para o Clube umas informações roqueiras e de grande qualidade, grande qualidade harmônica. Se você ouvir as músicas do Lô, por exemplo, as harmonias são todas de primeiro nível. O Beto também tem uma inventiva muito grande. Então essa mistura que eu tô falando aqui, esse caldeirão de coisas, foi muito importante para música brasileira. Hoje só se faz uma música brasileira mais universal com mais misturas, não é só chegar e botar guitarra elétrica no estilo, isso é fácil. O difícil é você ter uma série de informações que pouca gente ouviu, misturar aquilo e levar aquilo para o grande público.
P/1 – E, Wagner, tem uma discussão se o Clube da Esquina é ou não um movimento musical. O que você acha?
R – Olha, eu não tenho muita capacidade para discernir isso. Eu sei que o Clube da Esquina era uma vontade de fazer música. Isso começou nas escadarias do Levy, foi lá para esquina de Santa Teresa, depois foi para os estúdios da Odeon, que eu te falava. A gente passava um dia inteiro para fazer, às vezes, duas músicas. Ficava lá conversando, fazendo, tal, tal, tal. Por outro lado, tinha o pessoal, por exemplo, o Marcinho, o Fernando e o Ronaldo Bastos, que levavam essas ideias, entendeu, para um entendimento de linguagem, linguagem que toda música popular tem que ter. A canção por si só, não resolve. E é uma linguagem de fibra, uma linguagem inovadora também para época. Agora, a questão do movimento, eu não sei se era um movimento, mas tinha o interesse de fazer a coisa melhor possível. Porque muitos tipos de movimentos no Brasil, a grande preocupação era ser conhecido do grande público. A nossa preocupação e do pessoal era fazer uma coisa com a maior qualidade possível, sem se importar se o público ia gostar ou não. Essa questão do público gostar foi esse acaso de ter muitas coisas inseridas no mesmo movimento. Aí, talvez possa se tornar um movimento por isso, mas não que “Vamos fazer um movimento, vamos levantar uma bandeira”. Não, nós somos uma turma que gosta de fazer música e vamos fazer música da melhor maneira que a gente conseguir. Música, letra, acompanhamento, solo, entendeu? O Nivaldo, quando solava, era o melhor solo possível, o Marcinho fazia a letra, era a melhor letra possível para aquele tipo de canção, o Fernando, a aproximação do pessoal com o Milton da América Latina, isso tudo acaba se tornando um movimento, mas realmente eu, que eu percebesse não tinha essa intenção. Não vamos levantar uma bandeira, “a música de Minas, somos os melhores”, nada disso. A gente gostava de fazer música, eu gostava de fazer música, gosto até hoje, é o que eu faço, não vivo sem. Então é isso.
P/1 – Eu vou puxar um pouco para cronologia, de novo. Você falou muito de passagem sobre “Minas”, que é um disco que você fez um pequeno comentário, que foi muito legal ter feito e você arranjou parece que oitenta por cento dele.
R – Orquestrei.
P/1 – Orquestrou oitenta por cento dele. Você poderia falar um pouco desse período da produção do “Minas”?
R – É aquela época, um pouco maluca e com muita consciência da gente, né? É aquela época que eu falei em que a gente ficava, o Bituca pegava o violão, ligava o gravador e passava a noite cantando. Minas foi assim, tem vários temas ali que foram assim. É aquele disco que... Eu já falei um pouco sobre isso, foi o momento do grande laboratório, de todo mundo fazer como gosta. E se possível, o melhor possível. Eu acho que nesse momento as canções apresentadas pelo Bituca, pelo Nelson Angelo, e outros compositores que participaram, são as melhores possíveis da época. Eu acho que não se fazia música com tanta qualidade nessa época. Eu procurei fazer as melhores orquestrações que eu podia, dentro das possibilidades que eu tinha. Agora, com toda a liberdade, que eu te falei, não se fazia, nunca se fez disco como o Milton, Clube da Esquina e Som Imaginário fizeram. Com toda a liberdade para o mercado de música popular. Isso é fantástico. Então, é por aí.
P/1 – E, Wagner, vamos falar um pouquinho, porque, assim, eu tenho quarenta páginas de pesquisa sobre o seu trabalho, quer dizer, você tem feito muita coisa, né?
R – É, tenho feito.
P/1 – E a gente tem que fazer um pouco desse apanhado. Então, vamos falar um pouquinho dos seus discos solo.
R – Uhm.
P/1 – Quando surge a necessidade, o momento, de acontecer o primeiro?
R – Bom, a gente tinha o ideal do grupo Som Imaginário, que a gente tinha feito dois discos, depois fizemos o terceiro, “Matança do Porco”, que é só instrumental, com uma mistura já de jazz, Brasil e rock, um disco muito viajante. Era a época da viagem, o disco é viajante. Então eu sonhava com isso. Eu fui morar nos Estados Unidos depois daquela fase.
P/1 – Quando é?
R – Eu fui em 1976 até 1977. Eu fui morar nos Estados Unidos.
P/1 – Em que lugar?
R – Los Angeles, fiquei lá um ano. Quando eu voltei, eu tentei por todos os meios reerguer o Som Imaginário, mas a Odeon não topou porque, um grupo parar seis anos e voltar, achavam estranho. Então a Gisele, minha mulher, pilotou uma ideia de eu fazer um disco. Eu falei que eu não queria, queria retornar ao meu sonho que era o Som Imaginário, eu sonhava com essa viagem do Som Imaginário. Mas aí ela acabou vencendo, mesmo porque a Odeon não queria mais fazer Som Imaginário. Então eu fiz o disco de 1978, que eu trago um pouco de Minas, de Minas que eu digo, de Três Pontas, para essa música que a gente fazia na época. Época dos cafezais, da Igreja Majestosa, das minhas experiências do Zagreb, quando eu vi, passando pela Iugoslávia eu vi Zagreb, as pessoas na rua, muito parecidas com a minha família tocando nas pracinhas, violinos, pandeiros e tal. Eu falei: “Isso aqui é a minha família em Três Pontas”, então eu fiz Zagreb, essas coisas assim, essas experiências. E eu fiz esse disco de 1978, que foi produzido pela Gisele. Nesse disco tem o “Mineiro Pau”, que é um outro momento que mistura a fazenda com o sacro, né? Eu lembro que tinha o “Mineiro Pau” e de repente aparecia o Bituca solando a sanfoninha. Uma música chamada “Seis Horas da Tarde”. E tinha o “Mineiro Pau”, “Seis Horas da Tarde”. Ele fazia a parte litúrgica da coisa e eu fiz a parte da fazenda, que é um cateretê, na realidade é uma umbigada. Então foi essa coisa, esse primeiro disco. O segundo disco, pô, é muito disco, cara, são trinta discos, agora, como é que eu vou fazer?
P/1 – Não, você vai me dizendo os que são marcantes para você. Você vai fazendo a seleção mais sentimental.
R – É, cada um tem uma..., o disco da gente é o seguinte, cara, eu se pudesse editar tudo, dos trinta discos que eu tenho eu faria uns dez, entendeu? Editava, porque é assim, a gente tá sempre experimentando. Eu sou uma pessoa que nunca tive medo de experimentar. Eu, originalmente, vim para o Rio de Janeiro porque eu queria ser jazzista, queria tocar jazz e bossa nova, essa era a minha ideia. E aprendi. Foi aí que eu aprendi com Paulo Moura, Edison Machado, essa turma toda. Essa era a minha primeira ideia. Com o Clube da Esquina, a minha cabeça já virou para um outro lado, que foi um lado mais viajante, que tinha aquele rock lisérgico na época. Aquilo bateu na cabeça de todo mundo. Então começou a ter essas misturas. Eu saí um pouco do jazz propriamente dito para uma fase mais viajante de maneira geral. Mas eu nunca abandonei nenhuma dessas questões, e nunca tive medo de experimentar e nunca tive medo do que o público e a crítica iam dizer. Eu fiz um disco que é uma opereta chamada “Manú Çaruê”, derivada de um personagem do Villa Lobos, Mandú Çarará, que vem de Martim Cererê que vem de outros, né, Saci Pererê. É um personagem de um matuto qualquer que escorrega e cai dentro do computador e ali começa a acontecer uma história e a história do disco e da opereta, que a gente fez ao vivo em um teatro aqui. E, agora é uma música muito louca, é uma música eletrônica completamente, entendeu? No momento eu não tive medo de fazer isso, achava que eu tinha que experimentar isso mesmo. Depois eu fiz o “Baobab”, que eu achava que tinha que ver as minhas raízes mais ciganas, fui para Espanha pesquisar um pouco disso, e as raízes da influência africana no Brasil. Até tem a participação do Salif Keita cantando, tem o Vicente Amigo tocando flamenco misturado com coisa brasileira. Então é uma vida de muitas misturas. E tenho feito disco de tudo, tenho feito disco com orquestra, fiz um disco com a sinfônica, ganhamos prêmio da BR de maior disco do ano. Não é nem melhor disco instrumental, não, melhor disco, melhor produto do ano. Prêmio BR esse disco ganhou, que é um disco que eu fiz sobre rítmica brasileira que eu pego do Nordeste ao Sul atravessando o país todo com a rítmica brasileira e a orquestra presente, né? E fiz discos com octeto e quarteto de violoncelo tocando Tom Jobim, Villa Lobos, fiz Debussy, Foret. Então tenho feito de tudo, não tenho medo de experimentar. Nesse momento estou lançando um disco voltando um pouco à fase de improvisação jazzística, que eu não quero jogar isso fora, é uma coisa que eu tenho desde garoto, para que eu vou jogar fora, não é? Então eu fiz um duo com o guitarrista argentino brasileiro Victor Biglione e estou lançando esse disco nesse momento, né? Vou fazer uma coisa muito interessante que até tô achando engraçado. Eu vou pegar um piano acústico, botar em frente à toca do Vinicius, um piano de cauda inteira, na rua Vinicius de Moraes, antiga Monte Negro e vou fazer ali um duo de piano e guitarra para quem passar na rua, o lançamento do disco vai ser esse.
P/1 – Ah, é?
R – É, tô encantado com essa ideia. Porque não precisa nem ser anunciado, você começou a tocar, as pessoas estão vindo da praia, param ali, tal, todo mundo. Eu tô achando fantástica essa ideia. Então, eu tenho feito de tudo, eu não tenho corrido de experiência nenhuma, eu gosto de tudo que eu faço. As experiências com o Clube da Esquina foram fantásticas, com Paulo Moura e Edison Machado foram fantásticas, as coisas que eu tenho feito com a Orquestra Sinfônica são fantásticas. Eu fiz o disco do Tavinho Moura orquestrando a obra do Tavinho que é uma obra singular, uma obra brasileiríssima, com harmonias sofisticadíssimas. Ele me deu a oportunidade de conseguir orquestrar aquelas músicas dele que são de nível elevado, fazer uma coisa sinfônica com aquilo. Já tá na praça também. E tô aí. Tô fazendo tudo. Tudo de música que você pode imaginar, eu tenho feito.
P/1 – É verdade, a gente pode até falar um pouquinho de cinema, né?
R – Claro.
P/1 – Você fez muitas trilhas, né?
R – É, já fiz bastante.
P/1 – Você tem uma parceria com o Silvio Tendler.
R – É, o Silvio, depois a gente se afastou um pouco porque ele tá fazendo muito curta-metragem, passou um tempo grande fazendo curta-metragem, né? Mas eu tenho uma parceria maior com o Walter Lima Junior. Do Walter Lima, acho que eu tenho uns oito filmes, talvez. O último foi “A Ostra e o Vento”. Antes tinha feito “Ele e o Boto”, “Inocência”, “Chico Rei”, fiz uns oito filmes com o Walter. E tenho feito bastante coisa, fiz um filme agora feito em Diamantina sobre o Diário de Helena Morley.
P/1 – “Minha Vida de Menina”.
R – “Minha Vida de Menina”, mas o filme tem outro nome. E adorei, porque eu fiz valsinhas, fiz valsinhas e música incidental, claro, né, mas fiz muitas valsinhas. O filme do Silvio Tendler, por exemplo, “O Jango”, eu fiz um tema chamado “Tema de Jango” que acompanha o Jango nos momentos dramáticos da carreira dele. Desde o comício da Central do Brasil, que daí derivou o golpe, até o exílio dele, até a morte dele, enterro dele. Que o Bituca parece que se encantou com a música e fez a letra. E a música se tornou “Coração de Estudante”. Ela ganhou um outro rumo, o que ela servia para cinema aqui, ela partiu para outro lado. Ela se tornou a música de um momento político importante, não é, que foi as Diretas Já e acabou sendo a pavana do enterro do Tancredo. Então as coisas coincidem. Foi do Jango, do enterro do Jango e acabou sendo do Tancredo também. Então são essas coisas assim. O cinema em si já faz esse tipo de coisa. Eu fiz, por exemplo, “A Ostra e o Vento”, e fiz uma orquestração. Depois do filme pronto, eu peguei os temas que achava melhor, fiz um enredo reduzido do filme, né, e fiz uma peça sinfônica, um concerto para violoncelo e orquestra. “O Guarani” que eu fiz também para Norma Bengell, para grande orquestra também, eu fiz reflexões sobre “O Guarani”. Ele parte do tema do Carlos Gomes e ganha vida própria. E, cinema é bom para isso, eu tô afim de trabalhar agora em um filme que eu fiz há muito tempo do Caldeira, que é “O Grande Mentecapto”, que é um filme que tem umas músicas que eu quero recuperar e fazer uma peça sinfônica também. Ou um concerto de clarinete, alguma coisa assim com orquestra, mas eu vou fazer também. O cinema é bom porque você reúne uma série de temas ou uma história, você pode se inspirar na história e desenvolver arranjos e orquestrações, para fazer peças para ficar aí, peças para ficar.
P/1 – E para televisão também você fez bastante coisa, não é?
R – Menos, né, teatro e televisão eu fiz menos. Teatro porque eu não gosto. O teatro eu fiz alguma coisa, o “Peer Gynt”, “O Livro de Jó”, fiz umas seis ou sete peças de teatro, mas me incomodava muito porque a música nunca... O cinema você faz minutado, você faz a cena, você vai no cinema, todo dia a música entra naquele local e sai nesse, tá? No teatro, não. Às vezes o texto está lento, o ator está em um dia pior, ele entra depois que a música. Então é uma coisa em que você está sempre nervoso na plateia. Às vezes não dá certo. Mas a gente faz, quando tem alguma coisa muito interessante, a gente faz, né? Televisão, eu fiz, “Dona Beija”, o tema, inclusive o Fernando fez a letra, que é o tema da “Dona Beija”. Da novela eu fiz a direção musical e fiz os temas musicais. Para “O Primo Basílio” eu fiz alguns temas também, “O Sorriso do Lagarto” eu fiz todo, do João Ubaldo com o Talma dirigindo. E tenho feito, mas menos. É mais cansativo. Na realidade eu gosto muito de fazer cinema porque no cinema você se envolve desde o início. Você se envolve primeiro com o diretor falando assim: “Vou fazer um filme, tal, vou fazer. E gostaria que você fizesse a música”. Já começou aí, né? Daí um tempo você começa a encontrar em um bar, tomar uma e tal, essa coisa, conversa sobre o que ele quer, daí um pouco você recebe uma sinopsezinha. Você olhou, já começa, a coisa já começa a crescer. Daí um pouco você recebe o primeiro tratamento do diálogo, não é? Isso, poxa, para fazer música, a música começa ali, quando falou que tinha ideia de fazer um filme. Aí você fica com essa coisa toda. A música vai crescendo, crescendo, você vai na locação muitas vezes. Aí, depois, minuta aquilo tudo, já está com as ideias mastigadas, vai para casa, orquestra e vai para o estúdio. Então cinema tem isso. Cinema é uma maravilha, eu gosto mais de cinema do que das outras coisas. Embora, às vezes, eu faça.
P/1 – E o Tavinho é também um grande trilheiro, né? Eu li uma entrevista dele, ele comenta de várias trilhas.
R – Ele fez várias, ele ganhou prêmios, ele é um grande compositor de trilhas
P/1 – Oito ou nove trilhas. E aí cita você que é um grande criador de trilhas. Tem algum desses filmes que te marcou mais? Tem alguma coisa pronta?
R – Do quê, do Tavinho?
P/1 – Não, das suas trilhas.
R – Ah, poxa. Bom, claro que o primeiro sempre é a “Inocência”, né? Poxa, primeiro filme que eu fiz inteiro porque o “Os Deuses e os Mortos”, que a trilha é do Bituca, de 1969, eu fiz os arranjos para o grupo, né? Foi o Som Imaginário que fez com o Bituca aquilo. E fiz o “Matança do Porco” para esse filme, que o Bituca pediu para fazer um tema ali. Ele falou: “Faz um tema para quando o Othon Bastos passeia com o porco morto pelo vilarejo, pela rua principal do vilarejo, eu precisava de uma música ali”. Eu fiz uma música quase litúrgica (risos) para aquele desfile dele com o porco morto nas coisas, né? Por isso chama a “Matança do Porco”. É errado, a matança do porco é errado, né, no português, mas eu gosto do nome. Porque matança é coletiva, né, tinha que ser dos porcos, né? Mas eu falei a “Matança do Porco”, eu fiz uma representação como fosse qualquer coisa que eu quisesse matar no caso, né? (risos) Então, é isso aí, estamos falando sobre trilhas, né? O “Inocência”, eu tenho um carinho especial, muitas trilhas eu gosto, eu gosto do “Besame Mucho”, que fiz, “Chico Rei”, eu gosto também, mas não é o que eu gosto mais, eu gosto do “Ele e o Boto”, gosto muito, e gosto da “A Ostra e o Vento”, por quê? Porque nas conversas que eu tive com o Walter, ele queria muito clima e nenhuma melodia. Mas não com acordes parados, com movimentação orquestral, né? Então isso me foi um aprendizado. Ouvi muita coisa no gênero que me inspiraram e compus uma peça mesmo para o filme, com muita movimentação, muita tensão, mostrando os climas de cada cena, sem nenhuma melodia, a não ser a abertura que eu pedi para o Chico fazer uma canção. A canção do Chico “A Ostra e o Vento”. É isso.
P/2 – Só uma colocação, o Nivaldo colocou uma questão até pessoal de ele sentir que o músico está sempre em busca, ele nunca acha que a sua obra está boa. Ele falou: “Ah, a gente é meio doido, a gente vive em crise, que para gente nunca está bom aquilo que a gente faz, né?”. Você tem essa sensação?
R – Eu tenho. Eu acho que, como disse o Borges, o criador está sempre à beira de ser pego em flagrante, né? A qualquer momento você é pego em flagrante, quer dizer, o criador se sente sempre um fraudador, né? Eu acho que tem que ser assim. Porque se em cada obra que você fizer, você achar que, definitivamente, está tudo ganho... Eu sempre que..., por exemplo, esses discos do Bituca que a gente estava falando, de São Paulo, “Milagre dos Peixes” e tudo, a gente não tinha certeza que estava fazendo grandes coisas da vida, não. A gente queria fazer as coisas bem feitas. Mas hoje a gente sabe que fez uma grande coisa. Mas eu acho que a gente na realidade, toda vez que eu termino um trabalho, eu falo assim: “Pô, que bosta que eu sou. Pô, se eu soubesse que eu sou tão ruim assim, eu não faria”. Mas depois, o pessoal vem te dar parabéns, vem te abraçar, e o tempo passa e você ouve e aquilo e fala: “É, não estava tão ruim”. Mas a gente sempre quer fazer melhor, realmente, cada obra, cada trabalho que eu faço, eu falo, o próximo eu não... eu aprendi orquestração assim, né, “No próximo arranjo eu não escrevo isso”. E até hoje é assim, até hoje é assim, qualquer coisa ou música que faço, para trilha, tudo, eu sempre tenho restrições brabíssimas, mas eu acho que todo mundo tem. O Nivaldo mesmo citou isso, e porque, está vendo, é porque é isso mesmo. A gente nunca está satisfeito com o que a gente faz. Ou uma coisa nova ou melhorar o seu approach, mesmo da coisa, né?
P/2 – Então, para encerrar, Wagner, fala um pouquinho de você e da sua família. Você é casado...
R – Eu sou casado com a Gisele que é minha produtora. Inclusive, talvez ela seja a idealizadora da minha carreira. A minha carreira, eu sinto que é mais dela do que minha. Ela acredita muito mais em mim do que eu mesmo, entendeu? E ela tem isso como uma vitória, eu acho que é uma vitória dela, a minha carreira, entendeu, do que eu possa ter conseguido de bom, eu acho que eu devo, no mínimo sessenta por cento à ela, o resto fica por conta do que eu sei fazer. Tem uma filha com ela chamada Joana, vinte e três anos, se formou em Direito. Fez agora uma tese maravilhosa sobre as penitenciárias e tal, estamos lá superfelizes com ela, com a formatura dela em Direito. E tenho uma filha de um casamento mais antigo que já está agora com trinta e três anos, a Índia, que vive em São Paulo com a tia dela. Essa é a minha família.
P/2 – E nenhuma das suas filhas tem um pezinho na cozinha (risos), um pezinho na área musical, nenhuma das duas?
R – Tem. A Índia gosta de cantar, mas não está cantando porque ela arranjou um emprego muito bom, ela está se segurando com esse emprego. A Joana também tem muita facilidade para música, ela gosta, mas ela tem uma coisa assim, ela não quer porque eu sou músico, ela falou: “Não, músico é você, eu não vou ser, pronto”. Resolveu e está resolvido. O que é uma pena, mas eu acho que é da personalidade dela, né? “Eu vou ser músico porque meu pai é músico”, ela não quer saber disso.
P/1 – Wagner, a gente passou muito rapidinho, podia falar um pouco mais do disco do “Crooner”, quando você encontra com o Milton e relembra esses tempos todos aí de Minas, né? Você poderia falar um pouco mais?
R – Isso era o repertório dos nossos bailes, o repertório todo dos nossos bailes. Não entenderam muito bem que a gente queria fazer uma homenagem, talvez a nós mesmos e ao Milton, ao passado dele, né? É o passado antes de Belo Horizonte, é o passado de Três Pontas e Alfenas, quando ele era crooner de baile, né? E ele queria botar uma coisa grande daquilo que ele fez, ele queria engrandecer aquilo que ele fez quando garoto, quando menino, quando a gente era menino. Então a gente fez, inclusive, eu fui gravar com a orquestra em Londres, a gente fez um trabalho das músicas, todas as músicas que tocavam na boate de Três Pontas, nos shows dos W’s Boys, ele fez um apanhado do que ele gostava mais de cantar daquela época para aquilo se tornar um disco. O que eu achei fantástico, achei maravilhoso. Eu fiz lá arranjos, me esmerei nos arranjos e tal, fui para Londres gravar os arranjos, cheguei aqui, gravação de Londres, o pessoal ficou encantado, os músicos com os arranjos. E pronto, foi um disco que eu adorei ter feito. Não sei se a crítica gostou como eu gostei, (risos) mas adorei ter feito e fiquei muito emocionado várias vezes, quando a gente tocava Frenesi, entendeu? Quando a gente tocava “Se Alguém Telefonar”, do Alcir Pires Vermelho, eram músicas daquela época, umas músicas muito boas também. “Promessa”, do Custódio Mesquita. Então tinha muitas músicas daquela época, relembrar esses momentos foi muito importante, poder pegar aquilo e engrandecer aquilo, vamos fazer uma coisa grande do que foi a nossa infância, nossa juventude. Pronto. E foi feito, demos tudo de nós. (risos)
P/1 – E, Wagner, o Milton dá uma declaração meio te definindo, ele fala assim: “Wagner é único, no que toca a minha vida ele é a metade dela”. E eu queria que você definisse o Milton.
R – Ela exagera no tamanho. (risos) É, porque, desde menino, a gente se conhece. Do tempo que a gente passou meio colado um no outro assim. O Milton, como eu já disse, como já disse o Beto Mauro, que cinema é cachoeira, O Milton é cachoeira. É uma força da natureza, né, o Bituca é uma força da natureza. É só.
P/1 – Wagner, nós estamos chegando já ao final da entrevista e queria ver se tem algum assunto que a gente não tocou que você gostaria de colocar.
R – Eu falei tanta coisa, não me lembro nem a metade do que eu falei. (risos)
P/1 – Eu tô sentindo falta desse lado mais pitoresco, depois que acabava os shows ou os ensaios, você contou muito pouco disso, da confraternização dos músicos, desse outro lado. Você deve ter histórias engraçadas aí.
R – Mas de quando? (risos) De quando isso?
P/1 – Isso fica a seu critério, você deve ter um bom repertório de histórias divertidas, engraçadas, envolvendo vocês e os músicos.
R – Não, o Marcinho estava falando de pelada, aquelas peladas que a gente jogava lá e eu lembro que o Bituca ia assistir. Não, primeiro ele me viu treinar no Alfenense, ele fez uma bandinha, toda vez que eu pegava a bola, eles tocavam uma música, fazendo jogada boa ou ruim, aí a plateia adorava aquilo, né? Ele fez uma bandinha, umas quatro pessoas iam e toda vez que eu pegava a bola nos treinos do Alfenense, a bandinha tocava, toda vez, jogada boa ou ruim. Futebol, também, Bituca não é de futebol, mas por acaso acontece, a gente jogando aquelas peladas lá em Belo Horizonte, o Bituca ia sempre ver, né, ele ia com a gente, ele estava sempre querendo ficar com a gente, e teve uma vez que faltou uma pessoa e só podia ser o Bituca. “Bituca, você vai ter que entrar aí no gol, você vai ter que entrar.” Ele falou: “Não! Mas de jeito nenhum, não sei o quê”. Aí ficamos meia hora convencendo ele de entrar no jogo, né? Então ele ficou lá no gol, fizemos uma turma de cá outra de lá, né, então ele ficou no gol lá do futebol de salão. A primeira bola que teve assim, eu peguei do meio de campo e chutei para o lado dele. Ele fez assim, a bola bateu na mão dele e na trave. Ele não falou nada, ficou quieto, saiu e foi embora. Saiu e foi embora direto. Não sei se o Marcinho lembra disso, mas isso foi verdade. Teve uma vez também que a gente terminando um baile lá com o W’s Boys, eu subi na cachoeira, cachoeira, ó, uma caixa-d’água enorme que tem lá, subi lá em cima da caixa-d’água e fingi para o Bituca que eu ia me atirar. Eu estava bêbado e falava: “Vou me atirar, agora!”. Aí o Bituca fingiu um desmaio, ele deitou no meio da rua e ficou fingindo que desmaiou. Aí eu fiquei com dó, desci lá e falei : “Ô, Bituca, não se preocupa, eu estava brincando”. Essas historinhas, tudo bobagem, tem muita. (risos)
P/1 – Então conta mais uma.
R – O Bituca nunca fumou, né, então quando terminou um baile, a gente foi tocar no Clube Operário lá em Três Pontas, aí terminou tarde, a gente falou: “Bituca, vamo pra zona?”. O Bituca: “Não, não”. Arrastei o Bituca para zona. Aí ele ficou tão nervoso, e falou: “Wagner, me dá um cigarro, aí”. Só fumou um cigarro na vida, foi esse. E foi embora também, ficou apavorado lá na zona. Isso foi em Três Pontas, vê quanto tempo faz.
P/3 – E os apelidos? Os casos? (risos)
R – O Bituca, a gente arranjava muito apelido para ele.
P/3 – Esses apelidos são sensacionais.
R – Não, mas isso é porque a gente brincava com ele, chamava ele de Antonio Viug, que era, Vetuperacto Manícolas Prospectos, Ludwig Van Betucius e assim por diante, tem uma porrada de apelidos fantásticos. Darmida também, como é que era?
P/3 – Escariotes Darmida.
R – (risos) Tinha esses apelidos.
P/3 – Niumento Nasce at Pucas.
R – É, Niumento Nasce at Pucas. Tem um monte. Como é que eu vou lembrar?
P/1 – O transcritor tá adorando.
P/2 – E você, tinha um apelido?
R – Eu tinha um que meu irmão me botou, como é que era? Um era Bantam Xavier, esse eu avançava em todo mundo, matava. Eu estava jogando bola no terreiro, brincando com as galinhas, eu gostava de brincar com os galos do meu pai. Ele chegava na janela lá em cima: “Bantam Xavier!” (gritando) Eu saía correndo e pegava ele. E agora eu tinha um apelido, que todo mundo tinha, né, o meu irmão era Josu Azualopes a Um Dois Três. Eu era Guinale Andraca Paracatucatu Cro Cro Cro Quatro Cinco Seis, e assim ia. Deixa eu ver quem mais… Tinha um monte, Frajola Eleotérico Papa Capa Às Suas Ordens Vacalheiro Quero Dizer Cavalheiro Seis Sete Oito. Então sempre tinha assim. Altivo Penteado, era meu tio, né, Altivo Penteado Vinte e Dois Vinte e Três Vinte e Quatro, umas coisas. Mas isso é coisa da garotada. Isso eu tô falando coisa de quinze anos, quando tinha quinze, um sacaneando o outro.
P/1 – E dessas viagens aí, excursões, turnês, deve ter muita história engraçada também, né?
R – Ah, história sempre tem, né mas como é que eu vou lembrar disso aí, sempre tem uma história. Uma história, não sei se é engraçada. O Bituca estava proibido de beber lá em Los Angeles e andava bebendo e o pessoal dava bronca nele. Então ele começou a pedir leite. “Vou gravar mas quero levar leite.” Aí a gente gravando o disco do Wayne Shorter lá, cantando e toda hora tomava leite. Aí eu fui lá e dei um gole, era Vodka com leite. “O Bituca tá muito preocupado com a saúde tomando leite.” (risos)
P/1 – E, o Wagner, nós estamos fazendo dentro do site um dicionário, que o Marcinho batizou de Dicionário Anárquico do Clube da Esquina. Tem os verbetes mais variados, Toninho Horta, no verbete que ele fez, ele deu uma definição de guitarra.
R – Uai, tá doido.
P/1 – E eu queria que você desse uma definição de piano.
R – Piano? Como é que eu vou definir o piano? Primeiro, ele é o instrumento mais antigo que a gente conhece aí que nunca cai de moda, né? Agora, o piano é uma orquestra tocada por uma pessoa só. O piano é uma orquestra, você tem duas claves, duas mãos, dois pés, para fazer expressão, né? E você faz ritmo, acompanha, sola. Então ele é uma orquestra completa tocada por uma pessoa só.
P/1 – Uma boa definição.
R – Ah, mais ou menos. (risos)
P/1 – E, Wagner, o que que você achou de dar o seu depoimento para o Museu do Clube da Esquina?
R – Adorei, rapaz, eu gostaria de ter feito assim com mais uns quatro, né, para gente bater aquela... “Não, mas aquilo.” Porque você vai lembrando de coisa. “Você lembra daquilo? Você lembra disso aqui? Bá, bá, bá, bá.” Mas de qualquer maneira foi bom que eu falei bastante da minha carreira de uma maneira geral, do envolvimento que eu tive com esse pessoal todo, né, não só com esse pessoal mas como falei de tudo. Falei um pouco de cada coisa que eu fiz na vida, então, melhor impossível.
P/1 – A gente agradece a sua entrevista.
R – Pô, eu que agradeço. Eu que agradeço a oportunidade de poder ter falado isso tudo.
P/3 – Valeu, Wagner. (batendo palmas)
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