P1 - Então, Zé? Acho que eu vou chamar você de Zé. Fala para a gente começar, o teu nome completo, data e local de nascimento.
R - O meu nome é José da Cruz, eu nasci em Sete Barras, região do litoral paulista. A referência mais próxima é a cidade de Registro, né? Nasci em 25 de novemb...Continuar leitura
P1 - Então, Zé? Acho que eu vou chamar você de Zé. Fala para a gente começar, o teu nome completo, data e local de nascimento.
R - O meu nome é José da Cruz, eu nasci em Sete Barras, região do litoral paulista. A referência mais próxima é a cidade de Registro, né? Nasci em 25 de novembro de 1951 e estou com 53 anos de idade.
P1 - Me fala um pouco do seu pai.
R - Meu pai chamava-se Justino José da Cruz. Uma figura, para mim, memorável, inesquecível, né? Sinto muito o legado que ele me deixou na vida. Valores culturais, valores inerentes à família. Grandes virtudes ele me passou. E ele trabalhou também no Grupo Votorantim. Entrou em 56, se aposentou em 75, né? 20 anos de serviço mais outros tempos que tinha em outras empresas completou a aposentadoria dele. Então é uma pessoa para mim, uma figura para mim memorável, inesquecível.
P1 - E o que é que ele fazia na Votorantim?
R - Ele trabalhava na área de estamparia. Ele operava uma máquina chamada Ramiose, que fazia um trabalho preliminar básico nos tecidos, antes de ir para a estamparia. Chamava-se pano cru na época, né? E ele era um dos operadores dessa máquina, né?
P1 - E qual que era a formação dele? Ele chegou a estudar?
R - Não, não. Ele não tinha. Ele tinha o primário assim completo. Ele veio de uma, ele nasceu em Santana de Olhos D”Ägua, né? Veio de uma região rural. Não tinha uma formação escolar não, né? Não teve tempo. Trabalhava muito desde criança, né? E não teve tempo de estudar. Essa facilidade que eu tive de estudar na vida ele não teve, né?
P1 - E como é que ele chegou na Votorantim?
R - Bem, ele conheceu a minha mãe em Ribeirão Preto e ela tocava em uma orquestra, tocava violino, e ele tocava violão em uma outra orquestra. Naquele tempo os bailes nos bairros em Ribeirão Preto eram muito comuns, né? E em uma dessas eles se encontraram, né. E ali se conheceram, namoraram, casaram-se em Ribeirão. Depois ele esteve em São Paulo, né. Era a época da revolução. E pelas dificuldades encontradas para sobreviver ele veio para São Paulo procurar uma vida melhor, né. E acho que foi nos anos 50, início dos anos 50, o governo estava colonizando terras no litoral. E ele aventurou-se então a levar. Desligou todo o vínculo que tinha com Ribeirão Preto, São Paulo, né? E a gente foi, a minha família já estava completa. Só eu não tinha nascido ainda, né. Meu irmão nasceu em São Paulo, minhas irmãs em Ribeirão e daí a gente foi para o litoral paulista, Ribeira de Guape, né? Lá próximo à Registro. Naquela região. E lá que eu nasci. E depois, logo que eu nasci, também estava ruim a colonização de terra lá, né? Aí que ele veio. Nós passamos em São Miguel Arcanjo, em outros locais. Até que ele veio para o então distrito de Votorantim. Não era um município ainda. E isso em 53, 54, né? E ele veio. Passou algum tempo, acho que alguns meses tentando a sorte em Votorantim. Não tinha a expansão industrial que tem hoje. E depois, em 56 ele já tinha um certa idade, mais de 40 anos, ele conseguiu um emprego na então fábrica de tecidos. Na carteira profissional, até que eu trouxe para documentar um pouquinho isso aí. Aí ele entrou na fábrica de tecidos. Em 56. Na fábrica de tecidos ele acabou levando o meu irmão depois, posteriormente para trabalhar na área de elétrica. As minhas irmãs, as três passaram pela tecidos, né? E só a minha mãe é que não passou pela tecidos. Então foi assim que ele chegou no então distrito. Em 53, 54. E ali a gente enraizou, em Votorantim, né? Viu a cidade, a empresa crescer, a cidade desenvolver e foi ali que a gente enraizou. Foi assim que a gente chegou em Votorantim e lá foi o ponto final dele.
P1 - E qual que é a tua imagem de Votorantim, assim, as primeiras imagens de Votorantim?
R - Da Vila Industrial? Do bairro? Isso? Ah, eu passei a minha infância, eu acabei de rever algumas fotos agora no livro que eu trouxe para ilustrar um pouquinho e a minha infância, né? Era um distrito, uma vila pacata, tranqüila, bem interiorana mesmo. Ali eu fiz os meus estudos básicos no primário. Hoje, na casa que eu moro, eu moro em frente à escola que eu iniciei meus estudos primários, né? E para mim era uma vila tanqüila, pacata. Tenho grandes recordações de lá. E eu me lembro que tudo girava em torno da fábrica de tecidos. A fábrica mãe que deu origem ao Grupo Votorantim depois, ela iniciou no século XVIII. Então a minha vida foi sempre assim ligada ao Grupo Votorantim, né? Não só quando eu entrei no grupo, mas também desde 56, indiretamente nós dependíamos. O emprego do meu pai era na Votorantim, né? Então a Votorantim que hoje é cidade para mim, né? É onde eu enraizei, passei a minha infância, né? Depois saí da cidade, em 65, fui para um seminário em Jaú estudar. Eu tinha vontade de ser padre, né? Então a minha família providenciou para que eu fosse para um colégio em Jaú, né? E em Jaú eu fiquei três anos fora, né? Mas nas férias eu vinha, né? E uma das coisas que não deu certo a minha continuidade dos estudos lá em Jaú é porque eu tinha muita ligação. Não conseguia tirar da minha memória a minha família, a vila, as brincadeiras. Eu era muito ligado, né? Não conseguia me concentrar nos estudos necessário, né? Por isso é que eu voltei. Eu retornei em 67, né? Então começou a minha adolescência em Votorantim. Fui estudar no Colégio Salesiano São José em Sorocaba. Depois, no Ginásio, colegial, voltei. Fiz em Votorantim mesmo. E Votorantim, para mim, a cidade. Para mim, quando eu falo em Votorantim, de cidade ou do grupo, é quase que a mesma história para mim, né? E se confunde também com a história da minha vida. Está muito unida.
P1 - E você lembra como é que era o cotidiano do teu pai?
R - Ah sim. Sem dúvida. O meu pai trabalhava na empresa, nos 20 anos que ele ficou lá e aposentou, ele trabalhava no segundo turno. Ele entrava às 13 horas e saía às 22. E chegava às 10. No período da manhã ele estava sempre com a gente, com a família, né? Ou fazendo compras ou passeando, né… A gente curtia muito, naquele tempo, de sair com o pai na infância, lugares pitorescos como a cachoeira na beira do rio. Aliás, eu morava em uma casa que ficava na beira do rio. Do Rio Sorocaba. E pessoa muito religiosa, da Igreja Católica. Aos domingos, toda a nossa família, nós colocávamos uma roupa melhor, a roupa de domingo, a roupa domingueira. Para deslocar-se até a igreja. Que ficava em frente à portaria da fábrica de tecidos. E isso, para nós, era religioso. O meu pai, como membro dessa igreja ele era catequista, ele dava aula de catequese para as crianças. E em nossa casa funcionava uma classe de catequese. Então eu cresci um pouquinho vendo o meu pai. Se doando à comunidade, às crianças, às pessoas. A minha mãe também. Os dois vêm de uma família religiosa, né? Então a minha vida era isso. O cotidiano do meu pai era isso. Era trabalho, família e igreja. Sempre foi. E, eventualmente tinha uns passeios. Passeava em algum lugar, a gente falava, usava um termo antigo, piquenique, né? Fazia lá uma cestinha com lanche e ia passear perto da represa de domingo. Era uma festa. Para a gente, então a minha lembrança do meu pai em seu cotidiano é muito viva. Ali em Votorantim na então Vila Industrial, no então distrito.
P2 - E a vida? A Vila oferecia lazer para os operários, vocês tinham uma...?
R - Usava-se um termo naquele tempo, né? Nos anos 60, até o final dos anos 60 início de 70 usava-se um termo de que a Votorantim era uma mãe. Por quê? Porque naquele tempo, quando, a nível de Brasil eu quero crer. Não havia essa estrutura para a vila operária. E lá já tinha. E empresa, a fábrica de tecidos dava as duas Vilas Industriais que deram origem à cidade Barra Funda, onde eu resido hoje, e Chave, né? As casas eram da empresa e quem trabalhava na fábrica, era operário, tinha direito de morar em uma casa, né? A fábrica oferecia fazer, tinha o cinema, tinha o cinema que funcionava na Barra Funda era da empresa. Depois, foi passando o tempo e mudou para um salão mais próximo da fábrica e depois ele passou a ser o Clube Atlético Votorantim, também da fábrica, com vínculo na fábrica. Onde a família Votorantinense, tradicional, cresceu divertindo-se nos bailes carnavalescos daquele tempo. Era um clube familiar, hoje não é mais. Já não tem tantos bailes lá também. Estão fechados. Mas o forte do lazer de Votorantim era o futebol. Esse livro recente, lançado por João dos Santos Junior, ele lança um desafio como historiador, dizendo que o futebol, os jornalistas, os historiadores falam que foi quem trouxe foi o... Não pronunciar direito em inglês.
P2 - Charles Miller.
R - Charles Miller, da Inglaterra. Mas esse historiador rebate dizendo que antes de Charles Miller trazer o futebol para o Brasil e para São Paulo, lá no então distrito de Votorantim já se praticava o futebol. E é trazido pelos próprios ingleses que lá passaram, porque lá foi forte a imigração italiana também. Mas os ingleses também. A imigração italiana, atuando mais em uma mão de obra mais comum, como servidores, como ajudantes de tecelagem etc.
E os ingleses mais com a parte de engenharia, a parte mecânica, de manutenção, né? Tanto é que o chamado Paredão da Light que hoje é da Usina de Tupararanga CBA, ele foi construído no século XVIII pelos ingleses. Da qual,
alguns ficou o nome de rua. Nome de imigrantes ingleses que passaram por lá e fizeram a história acontecer também. Então, o forte do lazer na então Vila Industrial, que era patrocinado pela empresa era o futebol realmente. De lá vem o Antigo Savóia, né? É um time formado por italianos que lá bateu grandes equipes no então estádio Clube Atlético Votorantim.
Era tudo da fábrica. Era a fábrica que oferecia o lazer do futebol, a bocha, o cinema, as grandes festas. A Festa Junina de Votorantim, que tem até hoje, hoje ela perdeu um pouquinho a sua característica de festa típica. Ela está um pouco mais modernizada, não é mais. Mas até os anos 70, ainda próximo à fábrica, faziam-se festas juninas bem voltadas dentro do contexto folclórico, com quadrilhas, baile caipira e etc. E tudo isso era a empresa que sediava. Depois de um certo tempo, essa festa, como era religiosa, a fábrica afastou-se e deixou que a igreja fizesse essa festa. Mas ela tem a sua origem,
empresa é que incentivou, que começou a fazer a festa junina em Votorantim junto com a igreja. Depois de um certo tempo a fábrica afastou-se e então a igreja começou a fazer. E hoje não é mais. Hoje pertence, ela já faz parte do calendário turístico de Votorantim e é bancada pela prefeitura, pelo município.
P1 -
E fala um pouquinho do transporte. Quer dizer, nessa?
R - Olha, o transporte também está ligado à indústria porque quando o então patriarca da Votorantim, antes dos Morais, o Pereira Ignácio comprou a massa falida do Banco União,
entre os séculos XVII e XVIII. Junto com esse patrimônio já havia a ferrovia. A estrada de ferro elétrico da Votorantim. É a primeira ferrovia eletrificada do Brasil, é a menor ferrovia do mundo, ela consta no livro dos recordes. E, naquele tempo, digamos até a década de 60, era o único transporte que se tinha por lá. Uma viagem para Sorocaba, que é o município mais perto, era feita por bondes. Os famosos bondes verdes que tinha, né? A estação, o Centro Antigo de Votorantim tinha a estação de trem, a igreja na pracinha, o coreto. Ali naquela rua junto com a fábrica, e pertencente à fábrica as casas estavam também a delegacia, o cartório, a Casa Paroquial. Tudo girava em torno disso aí. E o transporte era a estrada de ferro elétrica da Votorantim, que transportava não só passageiros. A Votorantim tinha armazém no bairro da Barra Funda e também, depois, posteriormente em Santa Helena onde, em 36, veio a fábrica de cimento. E todo o transporte de mercadorias, de mudança de morador, inclusive o carro fúnebre. Morria alguém, ia para Sorocaba no Carro fúnebre pela ferrovia. E eu cheguei a ver o que sobrou desses carros. Porque eu entrei na Ferrovia em 74, porque eu sou da ferroviária, da via férrea da Votorantim. Eu cheguei a ver esses bondes que sobrou. No meu tempo, depois quando veio os anos 70, quando começou a crescer os bairro e etc, então a empresa que quis lançar o ônibus lá intermunicipal fez um acerto porque o que acontecia? Os operários da fábrica de tecidos que foi a primeira e posteriormente a da Cimentos e da Votocel, eles eram transportados por esse bonde. Havia o bonde dos homens e o bonde das mulheres. Eram separados. Em horários diferentes, todo esse operariado as três fábricas eram transportados pelos bondes. Depois, por dificuldades de locação, o então gerente daqui quis lançar o transporte coletivo, o ônibus, ele fez um acerto com a fábrica de tecidos. Então acabou o transporte de bonde por operários. E entraram os ônibus. Os ônibus começaram a fazer o transporte dos operários. Mas havia pouquíssimos táxis em Votorantim naquele tempo. Havia dois ou três pontos com quatro ou cinco carros, mais antigos. O transporte começou, realmente, é o ferroviário. Foi assim em torno da ferrovia que foi crescendo a cidade toda, né? Dando origem. E essa ferrovia pertencia, pertencia e pertence até hoje à Votorantim. Ao Grupo Votorantim.
P2 - José, ela fazia Votorantim, Sorocaba e só?
R - Sim. Ela fazia, veja bem. Ela inicialmente ela fazia, ela atendia a fábrica de tecidos. Depois, com o advento da fábrica de cimentos, por essa ferrovia então a ferrovia foi ampliada. E ela tem hoje 13 quilômetros de linha. Ela vai de Sorocaba a Santa Helena, né? Santa Helena é um bairro de Votorantim onde localiza-se a Cimento Rio Branco. A antiga fábrica de cimentos Santa Helena. Que hoje é a Cimento Rio Branco. Então essa ferrovia, ela vai de Sorocaba a Santa Helena. O bairro de Santa Helena, que é Votorantim. E começou com a ferrovia. Depois que vieram os ônibus.
P1 - E as mulheres o que é que faziam na fábrica?
R - Olha, as mulheres na fábrica, elas tinham função importante. Naquele tempo era assim um privilégio para as moças, para as jovens, para as mulheres, trabalhar de tecelã na fábrica de tecidos. A função de tecelã era assim, naquela época, era o grau mais alto que uma mulher poderia fazer dentro da fábrica na área de produção, evidentemente. Havia na área de administração as jovens que trabalhavam em escritório, escriturárias. A maioria eram homens. Mas havia também algumas jovens por meio de algumas moças, né? Mas a área de produção, onde estava concentrado o maior efetivo feminino, o máximo que se chegava era ser tecelã, né? Tecelã na então tecelagem. Operar os teares antigos, né? Depois vieram os teares ingleses, que eram mais modernos. Mas os antigos, então a mulher chegava a tecelã. E, realmente, como a tecidos era o centro em torno do qual girava tudo, as mulheres na área da empresa trabalhavam na fábrica. Não tinha opções como hoje se tem, não havia todo esse avanço que hoje tem.
P2 - Você conheceu a sua esposa na fábrica?
R - É. Eu entrei no Grupo Votorantim em 72, na estamparia, onde conheci minha esposa. Ela trabalhava de amostradora, né? E eu entrei de auxiliar de estampador, né? Auxiliar de operador de máquina que estampava tecido, né? E lá é que eu conheci ela. Conheci em 72, em 17 de dezembro de 72, quando eu conheci. A gente se conheceu ali, namoramos durante acho que três anos. E acabamos casando em 75. Meu pai trabalhou na fábrica, meus irmãos também. Meu irmão também. Meu sogro, minha sogra, meu cunhado trabalharam também lá.
P2 - Espera aí. Antes disso você falou que você queria ser padre. Vamos voltar lá.
R - Sim, sim. Daí eu voltei, fiz meus estudos, né? Continuei sempre muito atuante na comunidade, na igreja católica, onde sou até hoje. E trabalhei, no primeiro jornal trabalhei como repórter, o primeiro jornal de Votorantim, o antigo JV, me identifiquei com jornalismo. Quer dizer, eu trabalhava, na época em uma fábrica de tecidos não era do Grupo Votorantim. E a minha obsessão era comunicação, jornalismo. Não sei porquê. Eu nasci. Desde o meu primário eu sempre tive facilidade de escrever redação, sabe? A professora colocava aqueles quadros lá, narração a vista de uma gravura. Então eu inventava historinhas, fazia comentários sobre os desenhos. Sempre foi o meu forte, tudo o que relacionava a literatura, à gramática, à língua portuguesa, eu tinha uma queda natural. Em compensação, as ciências exatas, matemática, física e essas coisas aí, química eu obrigado a ter na minha grade escolar mas era sempre ali, sempre raspando, né? Com notas assim suficientes para passar. Mas nessa área de comunicação eu sempre de dei bem. E depois, posteriormente, concluindo os meus estudo também. Continuando sempre ativo na mesma empresa participando de grupo de jovens, Fazendo trabalhos ligados a grupos culturais também. Quando eu entrei na estamparia, que eu conheci a minha esposa, eu estava fazendo colegial na época, depois eu conclui o colegial. E saí do grupo e voltei na ferrovia. E quando eu passei para a parte operacional para a parte administrativa, eu fui obrigado a ter conhecimentos básicos de contabilidade que eu não tinha. Então, naquela época eu vim estagiar aqui nesse prédio, aqui um semana, na contabilidade que funcionava aqui em cima, na parte de cima para poder entender um pouquinho a parte de caixa e de almoxarife que eu é que tinha que fazer porque era um escritório pequeno. A via férrea era pequena na época, um escritório. E aí eu fiz contabilidade. Me formei em contabilidade. E toquei a minha vida normalmente. Estudei. Concluí meus estudos pretendia fazer letras, comecei a fazer e não consegui. Faltou um pouco de verba, né? Coragem eu tinha, faltava verba os livros eram um pouco caros e naquela época a minha esposa fazia magistério e eu optei por ficar em casa olhando as minhas filhas e deixar que ela concluísse o estudo dela com o magistério, né? A gente foi levando assim. Sempre um procurando colaborar com o outro, né? Não tínhamos casa. Compramos essa casa financiada aqui na Barra Funda porque a minha esposa nasceu nesse bairro que a gente mora. Agora, com a minha possível aposentadoria a gente vai sair de lá. Mas até então ela nasceu lá e ela está morando lá. Dois quarteirões para baixo da casa onde ela nasceu é onde a gente mora, em frente à escola. É isso o que tem sido a minha vida ligada lá em Votorantim.
P1- E volta um pouquinho lá na ferrovia. Qual que foi o teu cargo lá na ferrovia?
R - Eu entrei na ferrovia na parte operacional. Não era época de informática, né? Trabalhava com uma máquina antiga, marca Royal ainda, no escritório fazendo faturamento. A ferrovia puxava, já tinha na época já. Ela não tinha mais o material rodante dela. Ela já tinha uma parceria com a antiga Fepasa. As locomotivas, o material rodante que eram as gôndolas, os vagões, que puxavam então o cimento, o material da fábrica de cimento, né? A estação de Votorantim era em Votorantim. Mas a ferrovia ela puxava cimento da fábrica de cimento para Sorocaba, passando para a Fepasa. E ela trazia uma parte em Jaguaré e a outra parte do cimento ensacado nas filiais. E a minha função era a parte operacional. Eu faturava e fazia o controle. Monitorava os trens. Livro antigo, né? Parecia livro de cartório de casamento, uns livros grandes, e eu registrava tudo ali. O movimento dos trens, dos vagões, a saída, a carga e fazia o faturamento. Havia uma receita. Ela era uma seção, não era um departamento, mas tinha que gerar uma receita interna e eu é que gerava essa receita nos livros lá. Quando nós fomos para Sorocaba, deixando a Votorantim, isso em 77, eu passei da parte operacional para a parte administrativa. E eu fazia de pouco um tudo. Trabalhava na área de RH, trabalhava um pouco na área de contabilidade, né? E depois estudei um pouquinho contabilidade. Aí tive que fazer contabilidade e eu era o caixa do departamento da Via Férrea. Nessa função eu fiquei até 91 quando, em 30 de outubro de 91 a gente saiu da estação de Sorocaba… Então em 77, em 30 de outubro de 91 a gente saiu da antiga estação
de Sorocaba, onde era a sede da Via Férrea, e fui para onde estou hoje, na fábrica de cimento. E continuei nessa função. Só que a ferrovia, aos poucos ela foi entrando assim em extinção, né? Foi diminuindo carga. Ela dependia muito da FEPASA, né? Até que em 97, 98 ela parou. Acabou a ferrovia.. A parte operacional parou. E aí eu tive que me adequar à fábrica de cimentos. A minha seção era a área de serviços auxiliares, né? Eu continuei na área administrativa na função de.. Aí então assumi. Aí veio a função de chefe. Por um pouco tempo, quando a gente foi para Santa Helena, que a ferrovia continuava, eu fui promovido para chefe do tráfego. Até eu brinquei com o pessoal que a palavra tráfego ou tráfico é a mesma coisa, mas o pessoal falava assim: "Olha pessoal, eu sou chefe do tráfico mas não é de drogas, é dos trens. É dos trens, né?". Eu é que fazia monitoramento do trem, que coordenava, via a necessidade de carga: "Olha, precisa de 10 vagões aqui, na fábrica". E então eu mandava 20. Eu é que fazia a programação. Depois essa função minha acabou. Por quê? Porque no ano de 98 eu estava de férias, voltei e a ferrovia acabou, a sessão estava acabando. Aí a gerência me chamou e, pelo meu perfil de pessoa muito ligada à comunidade, aos segmentos sociais, principalmente pelo perfil religioso, né? Ligado à comunidade, eu fui indicado para coordenar o Projeto Renascer. O que é que é o Projeto Renascer? É um projeto que queria ajudar a fazer a reintegração social dos presidiários. Fizemos uma parceria com o Presídio Danilo Pinheiro de Sorocaba. E trabalharam 25 presidiários comigo na fábrica, na área de reflorestamento, plantio de árvores, cuidar do meio ambiente, jardinagem e tal. Nada ligado à fábrica. Trabalhava na fábrica mas não tem ligação com manutenção ou com produção e nada. Mas sim na parte de paisagem, meio-ambiente e conservação. Esse projeto renascer foi muito marcante para mim. Eu creio que o meu lado emocional, ele ganhou muitos pontos marcantes e profundos nesses dois anos e meio de projeto que por mim passou em torno de 250 presidiários. Como projeto, o que é que ele faz? Ele reintegrava o preso à sociedade. De que forma? Oferecendo trabalho, então
gente pagava a mão de obra deles. Era pago um salário mínimo. Dava uma cesta básica para a família. A gente chamava eles no termo jurídico correto é reeducando. E eram presidiários do semi-aberto já. E dava uniforme, calçados, transporte, refeição, café da manhã e o almoço. E eu é que coordenava. Eu é que entrevistava quando chegava na empresa e eu é que via a conduta do reeducando e decidia se ele tinha que ir embora ou se ele tinha que ficar. Como não tinha nenhum vínculo trabalhista era fácil. Se um deles não servia, pedia para vir outro amanhã e aquele lá ficava lá, sabe? E na época eu passei a ser então supervisor. Eu fui promovido. E eu e o então gerente Lauro Roberto Volaco da fábrica, né? Lauro Rubens Volaco, que hoje também está desligado já. Nós quisemos informar a sociedade local sobre esse projeto. Achamos interessante porque iria dar uma boa imagem da empresa. A empresa sempre teve uma boa imagem junto à comunidade local. Havia também oposições, é claro, como sempre há. Mas de um modo geral ela sempre teve assim um respaldo da comunidade local de Votorantim. Então nós divulgamos o projeto em Votorantim. Eu fazia palestra para a OAB, Ordem dos Advogados do Brasil, para os vereadores, a prefeitura, associação de bairros, associação dos aposentados, Lions, Rotary, Sorocaba e Votorantim. Então nós mantivemos os segmentos sociais importantes e informados desse projeto. E todos acharam esse projeto ótimo. O projeto teve uma repercussão muito grande. Até hoje a TV Cultura ainda reprisa filmagens feitas na fábrica com os reeducandos lá na Prainha, cuidando da árvore. Para o próprio sistema carcerário, isso aí foi um ponto muito positivo porque eles mandaram para a gente um relatório e eu mandei um relatório para eles do projeto. E eles mandaram um relatório para a secretária dos presídios de São Paulo, onde dizia assim que está comprovado que o sistema, se ele continuasse com esse intuito de oferecer um trabalho reeducando para reintegrar à sociedade, isso realmente aconteceu. E eu tive a prova de que muitos que passaram por lá e saíram em liberdade, realmente se recuperou. A ponto de uns irem com a esposa e os filhos visitar o orquidário onde ele trabalhou lá. E eu é que acompanhava ele até lá.
P1 - E você sabe de onde é que surgiu a idéia desse projeto dentro da Votorantim?
R - Sim. O então diretor de meio ambiente, Osório. Ele percebeu que a atividade fabril da fábrica de cimento acabou. Como ia acabar acontecendo, causando prejuízos e estragos ao meio ambiente. E ele pensou de uma forma, como diretor de meio ambiente ele tinha essa visão, ele pensou em uma forma de resgatar isso, de recuperar isso. Onde não tem mais árvore, vamos plantar as árvores. Tinha um lugar lá que era mata nativa. Então aquela poluição do cimento, que hoje já não tem mais. Mas naquele tempo havia uma poluição
muito forte. E ele teve essa idéia. E disse: "Bom, como a empresa ela causou um prejuízo para o meio ambiente, nada mais justo que ela faça um projeto, um programa, que venha resgatar isso". Aí ele pensou nos presidiário, porque eles também cometeram delitos na sociedade e estão tentando se recuperar e estão pensando em fazer uma parceria unindo o interesse da empresa, que é resgatar o meio ambiente com os reeducandos que querem se reintegrar à sociedade. E foi esse, o Projeto Renascer surgiu assim. Por isso é que tem esse nome Renascer. É claro que antes do projeto inicial, tivemos cuidado, quando me incumbiram desse trabalho eu passei um pouquinho as diretrizes que seriam interessantes, sugestões que eu fiz. E uma delas foi fazer contato com a prefeitura de Sorocaba que já utilizava a mão de obra dos reeducandos para limpeza de rua. Mas nós fizemos um projeto melhor em qualidade, do que aquele da prefeitura. Nós fomos lá e vimos que não funcionava. E depois fomos no presídio conversar com diretor, ver se daria para viabilizar essa parceria. Aí eles disseram para nós como é que funcionava, né? E foi assim que começou. Mas a idéia quem idealizou foi o Osório. Depois teve o apoio do então gerente o Lauro. E daí eles começaram a falar: "Olha, precisamos de uma pessoa que coordene isso para nós, que veja essa parte humana". Porque a gente não pode. A gente tratava esse pessoal aí com muito respeito. Tanto é que, no princípio, nem acesso a ficha deles eu quis ter para não ter preconceito. Já que eu vou fazer, vou colocar o cara para fazer limpeza na minha sala, no escritório, por exemplo, se ele tem uma ficha, por exemplo, de que cometeu um roubo. Eu já não ia ficar tranqüilo, né? Apesar de saber que está em recuperação...
P1 - E você coordenava todo esse projeto além das suas funções?
R - Coordenava. Além das minhas funções ligadas à área de limpeza industrial, tomar conta da equipe, etc. Tinha um supervisor, o Sr. Osório era o supervisor. Mas o Projeto Renascer era eu que coordenava e estipulava o lugar para trabalhar, fazia escala, cuidava de fazer o pagamento deles o depósito lá, o valor. Tudo isso aí eu que cuidava e eu que administrava. E mantinha a sociedade informada. Vinha um pessoal fazer visita, queriam saber como é que funcionava o projeto, visitar o orquidário, a Prainha que eles atuaram lá, tudo. Esse projeto ele foi um momento da história da fábrica de cimento muito marcante para todo mundo que participou dele,
não havia preconceito, eles foram bem acolhidos pelos trabalhadores, eles almoçavam com a gente no refeitório. Providenciamos um alojamento para eles. E mantínhamos uma disciplina muito dura. Nós tratávamos eles de um modo muito humano, muito respeitoso, mas sem haver um envolvimento afetivo. Porque o preso ele é muito carente. Qualquer oportunidade que ele tenha de pedir alguma coisa, que ele tem de fazer uma chantagem emocional ele faz. Então a gente tinha um treinamento específico para isso. Não só eu. Havia um encarregado que estava sob minha orientação de ficar com a equipe lá fazendo o serviço. Então o encarregado também era orientado a isso. Em ter uma relação de respeito, né? Incentivar, mas sem haver um envolvimento afetivo. Senão o reeducando aproveita disso.
P2 - E esse projeto não foi estendido para outras unidades?
R - Não, não.
P2 - Olha, o projeto deu certo. Ele trouxe, no meu relatório que eu fiz para a diretoria da Votorantim, ele trouxe muito mais pontos positivos do que negativos. Houve alguns fatos assim que comprometeram um pouquinho o projeto. Mas ele terminou em 2002, se não me engano, em 2001. A empresa alegou que o custo estava um pouco alto. E ela recebeu orientação superior de dar uma reduzida, enxugada nos custos. E daí pensou-se em diminuir um pouquinho o custo. Aí a gente reuniu eu e os reeducandos em uma sala. Alguns deles começaram a chorar porque os caras realmente eram apaixonados. Vestiram a camisa do projeto alguns deles. E o motivo alegado foi esse. Redução de custos. Então ele é um projeto que deu certo. E empresa não acabou com esse projeto porque houve pontos negativos, mas porque houve redução de custos e reduziu o efetivo primeiramente de 25 para 20, depois para 12. E assim foi acabando o projeto. Mas foi um projeto, na minha opinião, vitorioso, vencedor e que só elevou a imagem da empresa junto com a sociedade local.
P1 - Agora fala um pouquinho de Santa Helena. Você falou de Votorantim, da sua mudança para lá. Como é que era?
R - Santa Helena. Para mim, como criança, jovem, adolescente, eu tinha uma visão assim um pouco tenebrosa de Santa Helena. Por quê? Naquela época o bairro Santa Helena ele não tinha uma fábrica, naquele tempo não tinha os possantes frutos que tem hoje. Naquele tempo a poluição era muito grande. Então Santa Helena, para mim, ela era isso, morro, vegetação e casas totalmente coberta com aquele pó de cimento branco, sabe? Então eu não gosta de Santa Helena naquele tempo. E algumas vezes até mesmo em festas de igreja, meu pai levava a gente lá em festas de igreja, algum piquenique de bondinho, a gente ia passear de bonde. Mas tinha uma coisa lá que nos encantava. Mesmo com a poluição, a represa. Chamada Represa da Prainha. Dessa margem da Prainha é que motivou, para mim a história minha vencedora do concurso do livro da Votorantim, né? Do Papa Amarelo. A história minha começa ali na beira da Prainha, ali é que estava o jacaré.
P1 - Você não quer contar essa história?
R - Ah, é uma passagem muito rápida. Quando eu entrei na linha férrea em 74, eu trabalhava em escritório, né? A gente não era ligado a manutenção da linha. Então tinha lá a peãozada de linha, né? E alguns acessórios da ferrovia, têm nomes técnicos. Mas entre a peãozada eles têm nome comum. Então havia o nome de jacaré, macaquinho. Na minha cabeça, quando eu estava na central do escritório, com uma semana de serviço. É isso que eu conto na história. Aí chegou o bonde Santa Helena com os funcionários que estavam em serviço e iam terminar o expediente ali. E eu estava redigindo um relatório de um trem lá e eu escutei o encarregado falar com o chefe dele: "Wil, você conseguiu pegar? Trazer o jacaré?". "Ah, conseguimos sim". "Deu trabalho?". E ele falou: "Olha, deu trabalho porque tivemos que usar a alavanca de ferro para colocar em cima da prancha, né?". Eu redigindo e ouvindo isso, com dez dias de serviço, na minha cabeça eu imaginei e falei: "Putz, pegaram um jacaré!". Porque o cara falou que eles estavam na beira da Prainha. Porque na beira da Prainha tinha, tem até hoje lá um lugar que serve de depósito para material ferroviário. Mas na minha cabeça eu não conhecia nada da via férrea. Aí quando quatro e meia, que o pessoal foi embora, eu saía às cinco, então ficou eu e o então chefe, agente de gestão, o Sr. Antônio que coordenava os bondes. Aí eu fui lá e falei: "Senhor Antônio, será que não dava para a gente, o senhor deixar eu ver no pátio lá o jacaré?". O cara é ferroviário antigo, escolado. E virou para mim e: "Que jacaré?". Eu falei: "É que eu escutei falando que pegaram um jacaré com alavanca de ferro lá em cima, deu do trabalho,
pegaram na Prainha. O que é que vão dizer com ele? Vão levar lá em Sorocaba?". Porque em Sorocaba tinha lá o jardim dos bichos na época, onde tinha lá um jacaré. Na minha cabeça, quando eles falavam que iam lá em Sorocaba, mas eles iam usar esse acessório na ferrovia em Sorocaba próxima com a 15. Ali ficava o Jardim dos Bichos, né? E eu falei, pensei: "É o jacaré que capturaram e vão levar lá, né? Que capturaram". E aí, na hora ele já, ele captou a história, né? Daí ele chamou o camarada que trabalhava no trem lá, o Severino, outro também irreverente, gozador aí chegou e: "O rapaz do escritório quer ver o jacaré que pegou lá em cima lá. É grande o jacaré?". E ele, eu percebi que ele deu uma piscada para o cara. Aí ele falou assim: "Olha, nem onde eu nasci lá perto do Amazonas eu vi um jacaré desse tamanho. Para o senhor ter uma idéia, senhor Antônio, o jacaré, ele deu uma mordida no cabo da picareta, e chegou a cortar no meio o cabo da picareta". Na minha cabeça eu falei: "Nossa, deve ser aquele jacaré de papo amarelo, aqueles grandões, gigantes na minha cabeça, né?". E nessas alturas ele foi conversando comigo e já era seis da tarde. Fiquei lá interessado no jacaré. Estava escurecendo, era tempo de inverno, né? Estava começando o inverno e a gente tinha atravessar o pátio porque o trem estava lá do outro lado acomodado. Aí para atravessou eu e ele, esses dois aí. E do outro lado estava a prancha. O que é que é prancha? Prancha é um vagão sem as paredes laterais que é usado para transportar ferramentas, né? E estava coberto de uma lona. Ele falou assim: "Olha, o jacaré está embaixo da lona ali". E eu falei: "Mas está amarrado?". "Está amarrado". Aí eu cheguei equilibrando por cima do trilho, com medo para levantar a lona. E de repente, senti aquela coisa que abocanhou o meu tornozelo,
eu dei um pulo, gritei, caí do lado e os caras morreram de dar risada, né? Ele veio, eu pensando no jacaré, com medo e o cara veio e grudou no meu tornozelo por baixo, né? Eu quase caí do trilho. Gritei, e os caras tinham um certo respeito porque escriturário, naquela época: "Ô, o cara é escriturário, né?". E aí eles começaram a conversar comigo, né? Fiquei nervoso e aí ele falou: "Olha Zé, eu vou explicar o que é que é Jacaré". Daí eles me ergueram lá. Na verdade é um AMV, aparelho de mudança de via. O trem vai em uma linha e vai passar para outra. Nesse local onde ela vai passar para outra tem um dispositivo chamado AMV, que é uma chave que você vira e joga o trem para outra linha, como ele lembra o formato de um jacaré, então era jacaré. Mas na minha cabeça de ferroviário iniciante jacaré era um papo-amarelo perigoso, essa é a história que eu coloquei. Se você pegar da via férrea o termo garrote. Se eu perguntar para vocês o que é que é garrote vocês vão falar para mim: "Garrote é um novilho, é um bezerro novo". Ele assim é conhecido no interior. Na Via Férrea
o garrote é quando o trilho, pela dilatação do calor levanta e forma aqueles calombos, né? Aquilo lá é garrote. Então tinha um camarada lá, essa história também eu tenho, chamado Sérgio, que começou a trabalhar na via férrea, vinha do serviço, chegou de volta lá e eles iam embora para terminar o serviço. E daí o encarregado chegou e falou assim: "Olha pessoal, põe a ferramenta aí porque vamos ter que voltar para o trem porque tem um garrote lá e vamos ter que tirar senão é perigoso para o trem, né? Para esse colega meu, o Sérgio, também é a mesma coisa comigo. O garrote é um bezerro. E ele falou assim: "Olha, eu não vou poder ficar hoje. O senhor desculpa, eu vou ter que ir embora porque a minha esposa está doente". E quando ele passou por mim ele falou para um cara: "Viu, guarda um pedacinho pra mim lá do garrote lá". E o cara também falou: "Ah, pode deixar, né?". E foi embora. Outro dia sentou perto de mim e falou para o cara: "Viu, você guardou para mim um pedacinho do garrote lá". "Que pedacinho do garrote?". Ele falou: "Não, vocês não pegaram um garrote lá, né? Fizeram um churrasco?". "Mas que churrasco, não sei o que é que você está falando, né?". Aí é que o outro viu e: "Não, rapaz. Não confunda a cabeça do cara. Garrote não é bezerro, filho da vaca, são os calombinhos do trem. Quando o trem dilata, o calor, o trilho levanta. Isso é garrote.”. Aí se você falar para mim: "Ah, tem macaquinho na via férrea?". Tem. Mas não é macaquinho que sobe em árvore, né? Macaquinho é o trinco da parede de manobra. Onde ele prende a chave, ele tem um formato de um macaquinho. Então o pessoal chama de macaquinho. E até nota fiscal que a gente comprava tinha escrito macaquinho também. Mas na verdade era trinco, era trava para chave da parede de manobra. Essas coisas pitorescas de ferrovia, né? Além de perguntar, com um mês de serviço perguntei para o cara, né? Como é que eles faziam para comprar trilho de curva, né? Daí o cara deu risada. "Pô, trilho de curva não tem, rapaz! Todos os trilhos são retos, né?". É que ele é colocado na curva mas ele é forçado com essas alavancas de ferro, né? Na minha cabeça tinha trilho de curva também.
P1 - Volta um pouquinho para Santa Helena. Você começou a falar… Qual é que é a diferença? O que é que havia de específico em Santa Helena?
R - Olha, Santa Helena, na minha época de infância de adolescência, o que me atraía lá era a represa. E de vez em quando meu pai trabalhava na segunda turma da fábrica, ficava sozinho, aproveitava, pegava carona nos bondes escondido. Não tinha dinheiro para pagar a passagem e pegava carona nos bondes, né? Ia até Santa Helena para curtir a represa. Para nós, garotos, mergulhar na represa era a melhor coisa do mundo, né? Mas a vila em si não me atraía. Quando em 71, antes de entrar no Grupo Votorantim eu estava desempregado e eu fui procurar emprego em Santa Helena, disse que tinha vaga lá. De fato trabalhei em Santa Helena uma semana, no laboratório, como amostrador e daí eu tinha que ter... uma semana, né? Eu trabalhava dois dias no administrativo e depois trabalhei no turno noturno. Para mim, pegar um ônibus na época e ir até Santa Helena, eu chegava a quase chorar de desgosto, né? Porque o bairro era feio, nossa, toda aquela poeira. Hoje já com estou lá desde 91, Santa Helena acabou a Vila Industrial, a Vila Operária não tem mais. O que é que sobrou do bairro? Sobrou a Igreja católica, porque naquela igreja, parece-me que ela foi preservada a pedido da D. Neide de Morais porque parece que um dos netos foi batizado ali, se não em engano. Na outra rua de trás que também tinha uma igrejinha da Congregação Cristã, foi preservada porque mora uma família lá, e o resto da Vila acabou. Então nos últimos tempos do bairro Santa Helena eu gostava. Eu ia lá, curtia a história, o saudosismo do pessoal mais antigo. Contavam histórias pitorescas de Santa Helena. Entre elas, como a nossa região lá, a povoação começou no século XVI. Agora me fugiu o nome do primeiro povoador lá que chegou. Eram bandeirantes ainda e foi Pascoal Moreira Cabral, eu lembro, o povoador. Então havia uma figura chamada Capitão Mor. Não lembro bem qual era a função dele dentro do povoamento daquela época do Brasil, ainda um Brasil colônia. Em Santa Helena ficou muito notória essa figura. Então naqueles tempos de 60, 70, os antigos adoravam contar historinhas de fantasma, porque viu Capitão Mor na Via Férrea, em cima da máquina. Porque viu o Capitão Mor na beira da represa. Então era uma coisa assim, era uma coisa de louco, né? Falava em Capitão Mor e o cara tinha medo de noite. Não tinha muita iluminação. O cara andava para aqueles trilhos perto da represa e falava que, o vento assoprava e falavam que era o Capitão Mor que estava cantando e coisas assim. Santa Helena. Mas para mim não foi muito marcante. Mas eu diria, a Vila Industrial de Votorantim é onde eu cresci a minha infância, a minha adolescência. Depois, com a emancipação, Votorantim já começou a crescer, tanto expandindo pelos bairros como a população também. Hoje a Votorantim está em torno de 110 mil habitantes, se não me engano, e ela já perdeu um pouquinho aquela característica de vilarejo industrial. Nos últimos cinco, 10 anos criou-se avenidas arrojadas, com todo esse aspecto de modernidade. Então ela já perdeu um pouquinho do seu caráter. O centro antigo de Votorantim é hoje aquilo que é a Alpina, porque a Votorantim arrendou o patrimônio para Alpina, e Santa Helena que é o bairro em questão, onde eu trabalho até hoje, não tem bairro. É só empresa, o pátio, estacionamento para caminhões e a igreja que sobrou lá como marco histórico, patrimônio histórico religioso que sobrou lá em Santa Helena.
P1 - E você falou que trabalhou só uma semana?
R - É. Porquê? Eu, na época, tinha trabalhado de empreitada na então fábrica Votocel. Trabalhei um dia só lá em uma empreitada para conseguir emprego. Eu queria estudar e queria trabalhar. Então, por que é que eu parei uma semana lá? Porque eu fui trabalhar de amostrador. O curioso é que hoje, lá em Santa Helena, onde eu já estou desde 91, uma das salas, a sala que eu ocupo é
o antigo laboratório. Nesse laboratório, a sala que hoje eu ocupo era do antigo chefe que tinha lá e que era meu chefe naquele tempo. E a função do amostrador, ele tinha que a cada um hora pegar o material, argila, o cimento da ensacadeira. Amostra do clique. Trazer no laboratório, passar por um pequeno moedor, um britador ou miniatura de britador para ver, passar para o químico, fazer análise de produto. E isso era contínuo. A cada uma hora você tinha que sair. Terminava aqui e já estava na hora de buscar o no britador, voltava de lá e ia na ensacadeira. E eu trabalhava no terceiro turno. Entrava às cinco da tarde. E era longe para eu vir buscar. E eu consegui para depois de quatro dias, cinco dias eu cheguei e entreguei o material, o meu capacete, a minha botina para o cara e falei: "Chega para mim". Eu estava saindo e encontrei com o chefe. E ele falou assim, ele estava contente: "Olha, você está indo bem, está com uma semana". E eu falei: "Já estou de saída já". Mas ele não pensou que eu estava de saída da empresa. "Não, depois a gente conversa". "Não, não, não, já estou saindo já". E ele falou: "Por quê?". "Ah, é muita canseira para mim. Arruma, põe uma bicicleta aí para eu andar porque daí eu vou de bicicleta e é melhor. Daí ele perguntou se eu queria trabalhar no, de cileiro. "O que é que é Cileiro?" Aí ele mostrou para mim e ficava lá em cima. Tem uma descarga lá naquele pó lá. "Eu falei lá em cima? Não, eu não quero não". E fui embora, né? Quando eu arrumei emprego na Via Férrea, em 74, aconteceu uma coisa curiosa. Eu trabalhei na fábrica de tecido e estamparia e, na época eu trabalhava na área de produção. Tinha cinco vagas na área administrativa para escriturário, falava-se escriturário. E teve teste para escriturário do escritório no sábado à tarde. E eu fui lá fazer. Era uma prova por escrito, uma carta pedindo emprego e blá, blá, blá. Continhas básicas lá, matemática lá e datilografia. Eu era datilógrafo. Quer dizer, era não, eu deixei o curso de datilografia, eu era catador de milho. Mas eu era rápido viu? Até hoje eu digito com esses dois dedos aqui mas sou rápido. Então eram cinco vagas. E eu consegui me classificar em oitavo lugar. Fiquei na estamparia
mesmo mas já tinha, mas eu nem lembrava disso. Depois eu saí e nem me lembrava disso. Quando eu fui pedir emprego na Votorantim de novo, falaram: "Mas você não trabalhou na estamparia?". Trabalhei na estamparia mas saí por causa de saúde, não quis comprometer meu nome na empresa e achei melhor sair em uma boa, né? E daí o meu sogro, seu Onofre, já falecido, na época eu queria ficar noivo inclusive. Estava pensando em casamento mas eu estava desempregado, só estudando. Como é que eu ia fazer... E meu sogro trabalhou na fábrica aposentado, e ele tinha uma certa amizade com o gerente, o senhor Matias Genola, que então era gerente da fábrica. E o Sr. Matias Genola, pelo poder que ele tinha não só na empresa, pela função dele na empresa ele era uma pessoa poderosa na cidade. Tanto é que ele é o pioneiro da luta pela emancipação de Votorantim. Ele estava à frente pelo Grupo Votorantim, né? Ele é uma celebridade na história da emancipação de Votorantim. E era uma pessoa assim toda poderosa, né? Para chegar nele era difícil. Mas domingo de manhã ele vinha na fábrica. E quando ele saía com o carro dele na portaria então, naquela hora, as mulheres iam pedir emprego para os filhos, para o marido. O pessoal ia ali esperar na fábrica, esperar ele ali. E meu sogro falou assim: "Olha meu amigo, domingo de manhã você vai lá que eu vou falar com o Sr. Matias". Às vezes ele atendia a gente, ele tinha um carro, um Galex na época aquele carrão antigo, né? E ele atendia você andando devagarzinho, você tinha que andar acompanhando o carro para poder falar com ele, né? E então o meu sogro falou com ele e daí ele falou assim para mim: "Você não trabalhou na estamparia?". E eu falei: "Eu trabalhei na estamparia". "Por que é que você saiu?". E eu falei: "É porque eu tive problema de saúde, né? Então para não arrumar encrenca eu saí". Daí ele falou assim para mim: "Você aceita qualquer função?". "Aceito". "Mas você não é estudante?". E eu falei: "Sou". E se eu colocar você para fazer faxina nos banheiros no ?". E eu falei: "Eu faço qualquer coisa. Eu quero é trabalhar, né?". Daí, como eu respondi... Ele pegou, um papel de cigarro do bolso, um papelzinho azul de cigarro e escreveu assim: "Via Férrea, MG". Um papelzinho disforme, né? E isso aí era o poder na minha mão, né? E aí ele falou assim: "Vem segunda-feira na sessão e entrega isso aqui". E o meu sogro pediu para ele, né? Daí o meu sogro agradeceu, ele foi embora e o meu sogro falou: "Você está empregado!". Aí eu falei: "Mas será que não tem que fazer entrevista?". E ele falou: "Não". Naquele tempo não tinha RH. O Matias escreveu lá: "Via Férrea MG". Aí eu cheguei no RH, falava-se seção pessoal na época. Aí o cara me atendeu e falou: "Olha, eu vim procurar, eu trouxe isso aqui". Aí
o cara falou, o cara era novo, né? "O que é que é isso aqui?". "Isso é do gerente da fábrica aí". Daí
o chefe pessoal viu lá e daí eu falei: "Ai, não, não, não, pode pegar os documentos e empregar ele aí. Está empregado, né?". Quando eu vi Via Férrea, eu cheguei em casa e falei para o meu pai: "Pai, arrumei emprego". "Onde você vai trabalhar?". "Na Via Férrea". E o meu pai falou assim: "Não vai trabalhar na Via Férrea". "Por quê?". "Eu trabalhei na Mogiana cinco anos, você não vai agüentar. Você é estudante, tem mãozinha fina. Você vai trabalhar com picareta, com soca, com trilho, você não vai agüentar". Eu falei: "Olha pai, o meu sogro arrumou e agora eu não vou fugir, né? Eu vou honrar a minha palavra e vou trabalhar". Fui fazer exame médico e o médico perguntou se eu tinha doença contagiosa. Eu falei que não. Aí ele escreveu aprovado, certo? Eu cheguei na Via Férrea, eu fui com uma roupinha melhor e levei uma roupa. Porque na fábrica de cimento, eu fui trabalhar em laboratório eu achava que era serviço limpo e não era. Tinha que trabalhar com uma roupa mais inferior. então na Via Férrea eu cheguei, ciente de que eu ia trabalhar no serviço braçal, né? Aí o homem que trabalhava no escritório chamava-se Pedro M. Paim, já falecido, né? Tinha uma caligrafia muito bonita no livro. E eu disse à ele: "Eu vim começar a trabalhar". Daí eu falei: "Onde é que eu posso me trocar?". E daí ele falou: "Por quê se trocar?". E eu falei: "Eu não vou trabalhar com essa roupa aqui". E aí ele falou: "Por quê?". "Ué, eu não vou trabalhar com essa roupa aqui". "Por quê? Você trouxe uma roupa melhor?". E eu falei: "Não. Eu trouxe uma roupa mais suja, né?". E aí ele falou: "Não, você vai trabalhar de escriturário no meu lugar. Eu vou sair daqui". Eu lembro que eu falei para ele assim: "Aí, alguma alma lá em cima se salvou porque eu vou trabalhar de escritório, de escriturário". E eu entrei na Via Férrea como escriturário, né? E assim foi até que depois aí da parte operacional e fui para a área administrativa e tudo. Mas foi assim que eu comecei. Na Via Férrea.
P1 - Fala um pouquinho do teu sogro. O que é que ele fez na Votorantim?
R - Meu sogro trabalhou na área de manutenção dos teares. Perto da tecelagem havia um corredor ensinando onde ficavam os motores que acionam toda a fiação e os teares, né? O meu sogro ele era especialista em fazer emenda com rebite daquelas polias do motor, que eram grandes, né? E elas arrebentavam. E não podia parar. Então ele era especialista em fazer rebite de fazer essa. A vida inteira trabalhou nisso de fazer essa manutenção. Tanto é, que quando ele aposentou, queriam que ele ficasse trabalhando porque não tinha quem fizesse isso. Era um serviço artesanal praticamente colocar o rebite naquela polia e fazer a emenda, né? E a minha sogra era tecelã. Eles trabalhavam ali e logo se conheceram também. A Votorantim Tecidos tem muito disso. Geração a geração de pai. Como é que funcionava o emprego na Votorantim tecidos? O pai pedia para o gerente arrumar para o filho dele, o filho entrava. Aí pedia para arrumar para o filho dele e assim vai. Uma geração, duas gerações e muitas gerações passaram pela fábrica de tecidos. Era assim que funcionava.
P1 - E em que ano que o teu sogro entrou?
R - Ele entrou em 27 e se aposentou em 63. 35 anos de serviço. Foi o único emprego da vida dele.
P1 - E como é que ele chegou lá em Votorantim?
R - Ele veio, ele nasceu em Itu e o pai dele foi trabalhar na Votorantim. Era encarregado dos guardas, o Vitório. E o pai dele é que levou a família para lá. E por isso é que ele começou a trabalhar lá. Eles eram oriundos da zona rural da cidade de Itu.
P1 - O pai dele já trabalhava na Votorantim?
R - Já trabalhava na Votorantim. Ele era chefe dos guardas da portaria e a minha sogra mistura um pouquinho de ascendência italiana e portuguesa. Migrantes europeus, que também vieram para Votorantim procurar emprego e estabeleceram, criou a família aí toda.
P1 - E tem alguma história desse chefe dos guardas?
R - Olha, ele chamava-se Vitório. A única história que eu lembro dele… Eu não conheci ele, é lógico, não é do meu tempo. O meu sogro contava que ele tinha o apelido de papagaio porque ele falava muito. E conta-se que, quando falava papagaio, ele era chefe dos guardas da portaria, né? Ele virava uma fera. E que uma vez ele se envolveu. Não sei se a pessoa ofendeu ele, eu sei é que chegou até polícia para levar para a cadeia para falar lá com delegado porque ele chegou acho que a agredir um cara. Xingavam ele de papagaio e ele ficava bravo. Porque na fábrica, o apelido não é assim pejorativo, maldoso. É mais carinhoso. Na Estamparia quadro, quando eu entrei em 70 e, só para ilustrar um pouquinho, em 72. Naquele tempo era moda Jovem Guarda, né? Cabelo comprido até aqui o pescoço, cabelo grande, cabelão cheio assim… aqui, né? Calça boca de sino com aquele cinturão, aquelas estrelas que chegavam até a machucar a barriga da gente. A calça aqui era justíssima e aqui embaixo abria 50 de boca, né? Boca de sino. Sapato com salto de 40 centímetros. É assim que a gente ia trabalhar. A gente ia trabalhar assim, na estica, né? E quando eu entrei na estamparia, por causa do cabelo comprido, eu trabalhava na máquina de estamparia e era muito calor. Então de vez em quando eu ia no quarto tomar um café, naquele tempo eu fumava, ia fumar um cigarrinho lá e eu passava pela chamada cozinha. Cozinha era onde se misturavam as drogas e preparava-se a tinta. E tinha um torneira muito grande, enorme e a minha mulher trabalhava do lado assim. E que como era calor e eu trabalhava sem camisa, eu chegava lá e molhava o cabelo e… Bom, o pessoal apelidou de Pardal. Na firma anterior por causa da igreja me chamavam de Zé Padre. Na estamparia era Pardal. No colégio onde eu estudei em Jaú, o apelido, por ser meio mole, meio moleirão assim, era Zé Pachola. Tive muito apelido na vida, né? Eu brinco com o pessoal que antigamente falavam Zé Padre e hoje eu fui rebaixado. Hoje eu sou diácono, né? Então eu rebaixei um grau na hierarquia da igreja aí, né? Então o negócio de apelido dentro da fábrica, então quando percebiam que você não gostava do apelido daí é que pegava. Mas eu não dava bola. Brincava. O pessoal falava Pardal e eu balançava a cabeça, então não pegava, né? Mas a minha mulher por ser magra, muito alta e loira, falavam Grinalda para ela. Até quando casou: "Vamos no casamento da Grinalda lá".
P2 - Um momentinho para a gente trocar a fita.
R - Pois não.
P1 - Aí você está me falando de uma outra Votorantim praticamente, né? Porque em uma Votorantim em que era o sogro que pedia emprego para o genro e você se casava com a sua colega de trabalho, enfim, o que é que são essa duas Votorantims?
R - Veja bem, como é que funcionava? Quando eu era ainda, na faixa da minha adolescência, eu já saía da escola na faixa dos 12 anos por aí eu saía da escola 11h e eu vinha até uma casa porque, como é que naquela época os garotos ganhavam trocadinho? Era em torno da fábrica. Como? Levando almoço, levando janta, levando marmita. Tinha vez que você pegava dez marmitas na mão de um assim ó, para pessoas. Cada um você ganhava no final do mês um trocadinho em dinheiro, né? E como a gente não tinha, naquele tempo não havia globalização, não havia essa expansão industrial, essa coisa louca de comunicação hoje, o nosso mundo era aquele. Então qual era o nosso sonho para ter uma independência? Um dia chegar: "O que você vai ser quando crescer?". "Ah, vou trabalhar na fábrica de tecidos". Era o sonho de todo o garoto naquele tempo, nos anos 60. Havia, naquela época, em Votorantim uma coisa que depois perdeu-se e para mim foi uma pobreza muito grande isso que aconteceu. Nós tínhamos lá bancado pela fábrica o SENAI, Escola Profissionalizante. Quantos profissionais passaram pelo SENAI que ficava na Barra Funda e de lá saíram para outros Estados em carreiras gloriosas na área de manutenção, de mecânica, de elétrica. Passaram por um curso profissionalizante em Votorantim no SENAI. Então o nosso sonho era esse: Ou ir no SENAI ou trabalhar na fábrica. O SENAI também é garantir uma vaga na fábrica. Mas era por cunha. O pai pedia para o filho, o filho pedia para o outro filho e assim ia. Para o irmão, e assim ia. Famílias inteiras formaram na tecido e saíram de lá e passaram por lá. Então, quantos a gente tinha esse sonho ainda, a gente entrava na fábrica, como a sua convivência era a fábrica. Aos domingos você ia à igreja, que ficava perto da fábrica, ou você ia no cinema que era da fábrica, que ficava em frente à fábrica, ou você ia no antigo Largo Bolacha, na Praça do Coreto que era tudo da fábrica. Ali você convivia, as mesmas pessoas que você trabalhava na fábrica você convivia na praça e conhecia. Então se conheciam, se paqueravam, ficavam noivos e casavam. Interessante que o então gerente Matias, às vezes, ele até intervia, era chamado a intervir em brigas familiares. O gerente é que ia lá apaziguar diz, ah, havia essas coisas também de convidar o gerente para ir lá em casa tomar um cafezinho, né? Apaziguar, dar conselho. Ele era assim um pouco de semiDeus para a gente lá. O pessoal falava assim que era Deus no Céu e o Matias em Votorantim, né? Pelo poder econômico que e;e tinha e a influência que ele tinha nas casas, né? Como a casa era da fábrica a empresa estipulava a norma, né? Não podia ter briga, né? A família tinha que viver pacificamente. Incentivava-se que tivesse uma religião. Lá em Votorantim as duas igrejas históricas lá que deu origem foi a católica e a presbiteriana. E depois chegou também a Congregação Cristã. As três igrejas tradicionais que começou no Vilarejo lá. Então o operário da Votorantim ou ele era Católico, ou ele era Presbiteriano
ou ele era Evangélico, né? E a empresa, de uma certa foram, ela manipulava toda a vida cultural, a vida familiar de você. Mesmo que você não quisesse você estava atrelado à fábrica, né? Porque a gente não tinha opção também de ir para outro lugar. Então tudo girava em torno da fábrica. A fábrica era o meio de viver, a fábrica era o lazer. Você ia fazer uma... Eu me lembro quando eu fui fazer na década de 60 na igreja, na catequese, a primeira eucaristia a primeira comunhão, que a gente fala, a primeira eucaristia. O que era nosso sonho? Fazer a primeira comunhão porque daí a gente ia poder entrar dentro da fábrica, no interior da fábrica, que era um mistério para nós para ir no restaurante antigo e tomar chocolatada que a fábrica dava. Então a gente tinha ciente aquela coisa: "Ai, daí eu vou poder entrar na fábrica". Para nós passar o muro da fábrica era como se fosse assim um algo místico, algo sagrado para nós, né? E a gente imaginar como é que era lá dentro. Os caras contavam, né? Os colegas mais (inaudível) um pouco que entravam e trabalhavam com 14 anos, naquela época admitia-se mão-de-obra de menor, né? E era uma glória. O cara com 14 anos, que estava em mudança de voz: "Eu trabalho na fábrica de tecidos". Para nós já era alguém diferente. O cara já ia ter uma autonomia, já tinha o seu dinheiro, já comprava uma roupa melhor. Então ele era para nós uma referência e um estímulo. "Ai, eu quero também crescer e entrar na fábrica". Então tudo era em torno da fábrica. Futebol, lazer.
P1 - E no SENAI era difícil entrar?
R - Não, não era não. Não era dificuldade. Hoje tem mais dificuldade no SENAI. Naquele tempo não. Lógico que esse SENAI ele destinava-se na época, era restrito a filhos de operário da fábrica de tecidos. Se estivesse a idade adequada e tivesse vaga disponível, naquele tempo tinha bastante vaga, né? Então você ia lá porque o SENAI ia te dar uma bagagem profissional para você trabalhar na própria fábrica de tecidos, ou quem sabe na Cimento ou na Votocel. Onde seu campo de atuação era maior no caso, né? Na área elétrica, manutenção mecânica. O SENAI te dava isso. Então a Votorantim era uma escola que gerava uma mão-de-obra para ela poder aproveitar na fábrica. Mas muitos profissionais desses deixaram a cidade, trabalharam na Votorantim, pegou uma... naquela profissão. E saiu de lá, e saiu vitorioso, trabalhou em outro Estado, fazendo a própria empresa deles assim por causa desse ensinamento básico do SENAI.
P1 - Mas havia vaga para todos os interessados?
R - Olha, eu não saberia te dizer com precisão isso. Mas era tipo assim, se havia um percentual na fábrica de tecidos, fazia assim. Um percentual equivalente aos filhos talvez a média de dois filhos por funcionário eram as vagas que eles tinham no SENAI na época. Depois foi decaindo. Depois foi, diminuíram um pouquinho esse contingente aí, né?
P2 - E esse Matias aí que você já falou várias vezes. Fala um pouco dele.
R - Matias… Ele é para uns, vamos dizer aquilo que é verdadeiro. Deus para uns e diabo para outros, né? Semi-Deus, né? Meu pai, que trabalhava na fábrica, não gostava dele. Operário que trabalhava e daí começou a vir movimento sindical, né? E começou a falar que a fábrica explorava os operários na época. Então meu pai tinha muito essa linha de esquerda também na época e não gostava muito. Mas respeitava, respeitava. Lembro quando ele veio a falecer o meu pai foi até o enterro dele e tudo, sabe? Mas o Matias, eu tive pouco contato com ele. Por quê? Como ele era assim um tipo de um Semi-Deus, para você chegar nele era difícil. Tinha um grande salão de escritório. Os escriturário trabalhavam na mesa de frente para o chefe. Então tinha um chefe principal aqui e dois auxiliares como paredão. E atrás tinha uma porta grande, pesada, enorme como um templo onde você entrava e entrava na gerência. A gerência era um salão, como esse aqui, enorme. Tinha uma mesa enorme. Ele era miudinho e subia atrás da mesa, né? E eu entrei lá uma vez só. A perna tremia assim, parecia que você estava em um recinto sagrado. Eu entrei uma vez para falar com ele. Porque eu trabalhava na Via Férrea. E, em frente à Via Férrea tinha um vilarejo de casas que hoje não tem mais. Era o chamado antigo Jardim Bolacha, E tinha três casas vazias. Eu intencionava em ficar noivo e casar e morar naquela casa. Ou pagar aluguel para a fábrica, né? Ou comprar se ela vendesse, né? E também eu estava querendo um aumento na época no meu salário. Tinham falado que iam dar um aumento mas não deram. Olha, mas para chegar nele você tinha que passar por um chá de banco com aqueles chefes lá. Era chefe daqui, chefe dali, até chegar nele, né? E quando eu entrei, meu primeiro contato com ele não foi muito amigável. Eu cheguei para ele, ele estava sentado na mesa assim. E ele falava sem levantar os olhos: "Pode falar". Parecia um confessionário. Aí eu disse a ele quem eu era, etc, lembrei do meu sogro, né? Não lembrava. Era muita gente que passava por ele. E daí ele falou, esperou eu falar e falou que a casa não estava à venda, etc. Negou, né? E eu saí de lá eu saí pisando em ovos, né? Eu saí bravo, agitado. Mas como eu precisava trabalhar e… não, vamos arrumar uma casa lá na Barra Funda e vamos ficar, né? E já para o pessoal da minha esposa, do meu sogro, até hoje eles falam bem do Matias. Tinha gente em Votorantim lá que, se você pegar, por exemplo, o Ator Paulo Betti, por exemplo. Ele foi um dos que a empresa bancou na época, ajudou. Então, assim como ele muitas outras pessoas que tiveram relacionamento com ele, é claro, ele não podia fazer da empresa uma obra social, né? ele tinha uma postura como ditador, como administrador naquele tempo com mão de ferro, né? E ele não podia fazer. Mas era assim. Quem ele cismava de ajudar, ele ajudava e nossa, ajudava bastante até, né? Mas ele é assim uma figura, uma mitologia dentro da história de Votorantim. Tanto do Grupo Votorantim como da cidade.
P1 - E você sabe qual é que foi a trajetória dele na Votorantim? Quando ele entrou?
R - Olha, ele começou, segundo dizem na história, como office-boy. Servia cafezinho para escriturário. Sempre foi uma autodidata e uma pessoa de QI muito avançado, muito inteligente. Ainda jovem ele já galgou funções importantes como chefe de escritório na fábrica de tecidos. Com a inteligência que ele tinha e a esperteza de investimento ele conquistou a confiança, o afeto, a amizade da família Morais, né? E com o Dr. José. E à partir dali é que ele começou a fazer carreira dentro da Votorantim. Ele chegou a cargo de diretor no Grupo Votorantim. Era autodidata, estudou sozinho. Era muito ligado à filantropia. Ajudou muita gente fora da empresa, na área filantrópica, ele ajudou muita gente. Botou muita gente para estudar, incentivou muita gente, né? E então eu diria assim: "Toda pessoa tem as suas virtudes e os seus defeitos, né?". E ele é uma pessoa, claro, é uma celebridade na história da cidade, do município e da empresa. Tinha seus defeitos mas tinha grandes qualidades. Um grande filantropo, um grande autodidata, era muito inteligente. O pessoal falava que ele era uma enciclopédia ambulante, né? Sabia de cór o esquema de produção de tecidos, né? Era o gerente que ia em uma seção e sabia orientar um funcionário, sabia ajudar. Pessoa muito bem relacionada na sociedade. Fez uma trajetória brilhante e gloriosa na Votorantim. E o nome dele com certeza hoje ainda é lembrado e reverenciado pela Clã dos Morais, como diz ele, né? Até a geração que está aí com certeza reverencia o Matias. Foi uma grande expressão. Quando eu, na Via Férrea, ele já estava um pouquinho com esclerose. Já estava um pouquinho esquecido, né? E ele ainda trabalhava de terno e gravata, né? E ele foi na ferrovia uma vez só, no escritório lá, mas ele estava um pouquinho assim já perdido já imaginando que a memória não funcionava mais. E a outra vez que eu vi ele, estava no (inaudível) com as (inaudível), já tinha saído da Votorantim. Ou então o genro dele tinha um depósito de bebidas, né? E eu olhei e não reconheci. Ele estava se movimentando por causa da doença já. E eu fui conversar com ele e ele me conheceu. Ele estava nítido mas ele não conhecia mais cumprimentar por causa do derrame, né? E ainda pegou a minha mão, apertou. E o genro dele falou: "Olha, ele está lembrando de você". E depois de um certo tempo ele faleceu. Antes de falecer, na época da emancipação, ele tinha um inimigo ferrenho que se chamava Juvenal de Campos, que depois foi Deputado Estadual. O Juvenal, naquela época era oposição. Ele era vereador de Sorocaba e era contra o desmembramento. A oposição negava que a fábrica, que a cidade seria uma oligarquia dos Morais e etc. E o Juvenal era um inimigo, ele se acidentou na fábrica. Ele trabalhava na fábrica e se acidentou. Perdeu um braço, né? E ele era o inimigo ferrenho da fábrica do Matias. E uma coisa bonita que o jornal estampou na época, quando o Matias estava enfermo, agonizante, o Juvenal foi até ele e eles se reconciliaram ali na cama, né? O Juvenal explicou a luta dele, o Matias também entendeu. Então eles se agrediram muito bons boletins na época, junto ao povo. E o episódio bonito que eu lembro, e isso vem muito marcante para mim nas pessoas que fizeram a história de Votorantim é que antes de falecer, o Juvenal procurou o Matias e se reconciliou ali na cama, no leito do hospital ele se reconciliou. Alguns dizem que foi depois ele faleceu. Algumas das histórias que eu sei do Matias, né? Ele é uma lenda viva, né? Tem pessoas que poderiam dizer muito mais histórias mas eu não. Me relacionei pouco com ele, né? Peguei praticamente os últimos anos dele na empresa como gerente, como diretor, né?
P1 - E você tocou no assunto do Movimento Sindical.
R - O sindicalismo na nossa região lá, ele surgiu naquela época por conta de muitas greves, muita revolução, muita... O sindicato tinha muita força naquela época. E naquele tempo, o que foi nos anos 80 o ramo de Metalúrgico, naquele tempo era o ramo de tecidos. Porque a produção de tecidos no Brasil era muito grande na época, né? E Sorocaba, a região de Sorocaba, a qual Votorantim participava, era um grande produtor de tecidos a nível nacional. E também exportava-se para fora, né? Então, logicamente, que onde tinha essa área de tecidos, aumentou o sindicalismo naquela época. E o Sindicato, além de fazer a discussão salarial junto à classe patronal, tinha também uma assistência, né? Tinha lá colônias de férias na praia, oferecia barbearia, serviço de enfermaria na época. Então o sindicato ele completava um pouquinho às vezes aquilo que não tinha na empresa ele complementava nessa área. Ele era muito mais assim assistencialista do que a função do sindicato propriamente dita, nos anos 80, de reivindicar. Mas havia, naquela época, não na minha época, na época do meu pai, né? Havia muito radicalismo, tiveram muitas brigas em porta de fábrica, ferimento, morte. Eles faziam greve, fechavam e não deixavam entrar operário, né? E o meu pai contava e eu não me recordo bem disso. Eu não peguei. Eu já peguei o sindicalismo já dos anos 80, né? Tinha uma negociação forte de greves mas já uma greve de mais de diálogo também, né? Mas naquela época o sindicalismo realmente era forte. Mas só que era o ramo fabril. O que foi a metalurgia nos anos 80 era, naqueles anos 50, 60 o sindicato na área fabril.
P1 - E você lembra de ter participado de alguma história que teu pai tenha contado sobre esse momento anterior?
R - Não. O que eu me lembro, não o sindicalismo, mas eu me lembro muito. Está muito vivo na minha memória os anos 62, 63, 64, 65. 64 por causa da Revolução Militar, né? Mas nos anos 62 e 63 começou os líderes locais de Votorantim que chamava (inaudível), chamava junto com Matias e outros líderes comunitários. O próprio padre que tinha lá, o italiano Antônio, começaram a se reunir em reuniões clandestinas para articular emancipação, né? E eu me lembro que meu pai era vanguardeiro e ele participava desse movimento de vanguardeiro. E quando nós tivemos o plebiscito, a fábrica entrou na luta para valer. E ela estava vestidos para mulheres na cor verde e azul. Era um branco com um coraçãozinho, eu queria falar do coração escrito: "Sim à nossa divisa!". E todas as operárias, as filhas, a família usava essa roupa. E para os homens eram camisa com esse mesmo tecido. Eu tinha, eu usava a camisa, meu pai usava, meu irmão usava, a minha mãe usava o vestido. E a gente saia para a rua em comícios a favor da emancipação. E nesse comício distribuíam doce, bala. Para nós era uma festa, né? E quando teve o plebiscito e o sim ganhou, não lembro a margem. Tem no livro, não lembro a margem de votos que teve, veio a carreata de São Paulo da Assembléia Estadual para declarar a emancipação de Votorantim. E quando votou foi um carnaval de rua para a gente, né? Então teve churrascada, baile da emancipação, né? E o meu pai participou ativamente. A gente ia junto com ele por nesses bailes pela rua. Dançavam no meio da rua. A bandinha vinha tocando, o povo na rua dançando, cantando, todo mundo soltando rojão e o pessoal da oposição sumiu de lá. Não sei para onde eles foram, né? E curiosamente, o primeiro prefeito de Votorantim ele veio desse grupo de líderes que comandou a luta de emancipação. Pedro Augusto Rangel. Ele morava na casa de esquina onde eu moro. Ele morava aqui e a casa dele era de esquina. E mais depois, no segundo mandato, o grupo de oposição, na época da emancipação cresceu e virou o antigo MDB. Movimento Democrático Brasileira. E o outro lado era a Arena. Aliança Renovadora Nacional, né? Então remanescentes do Grupo de Emancipação, o pessoal da Arena e a Oposição MDB. Curiosamente, no segundo mandato do prefeito, na segunda eleição que teve, e daí por muitos consegui vencer a eleição. Os líderes conseguiram emancipação. Mas depois o pessoal da oposição pegou e assim foi até os anos 80, 90 a oposição. Em Votorantim. o prefeito atual, o Jair Cassola e depois, antes dele tinha um que era oposição mas apenas dois prefeitos, que eram da situação, que lutaram pela emancipação. A maior parte da vida de Votorantim, da vida política de Votorantim estava na mão da oposição. O pessoal da oposição é que pegou o poder depois. É interessante. Então, na minha memória de luta sindical não. Mas do meu pai lutando pela emancipação, a bandeira Siga a Nossa Divisa, a banda que tocava. Tinha comício todo dia na praça e era carnaval mesmo, sabe? A alegria de ter a uma cidade emancipada era muito bonito. E isso, a luta pela emancipação, na minha cabeça, eu tinha meus oito ou nove anos, né? Está muito viva, muito presente.
P1 - Bom, eu queria fazer um último bloco que é sobre a Votorantim hoje, né? Como é que você vê a relação entre os valores da família e o dia-a-dia da Votorantim?
R - Olha, fazendo uma comparação com esse tempo que eu fazia referência agora, no bloco anterior, existe essa questão do laço familiar. Não vou dizer que não existe, né? A festa de fim de ano, eu acho que daquilo que expressa essa identidade familiar muito forte da Votorantim com o colaborador, no momento a maior expressão é a festa de dezembro, do final do ano. Quando a gente se reúne com toda a família, com os colaboradores e vai fazer um almoço lá, né? Mas não é assim esse laço forte que tinha lá no passado. Ele existe. Agora, quando começou na Votorantim, digamos, o projeto memória, aquele concurso de história. Isso foi criando, esses concursos que envolviam família, isso foi fortalecendo um pouco os laços familiares que não eram. Porque o que você tinha. A relação com a empresa, na minha vida e do meu pai, por exemplo, sempre passou por dois canais. Pela razão, pelo intelecto porque é uma relação de patrão e empregado. Isso é óbvio dentro da relação de trabalho. Mas também passou pelo coração, a parte afetiva. É racional mas também é emocional. Por quê? Porque a questão da família. Então, nas fábricas da região lá e eu acredito que, da qual mantém um pouco mais esse laço ainda hoje porque foi fortalecido nos últimos, digamos, nos últimos 10 anos por exemplo com eventos, comunidade e família. Empresa cidadã é um outro projeto que tinha e que envolvia a família também. A Cimento Rio Branco, a antiga Santa Helena onde eu trabalho hoje, na minha opinião, naquela região, é que mantém um pouco mais esse vínculo. Eu não sei como é essa questão do vínculo familiar na VCP Votocel que é do grupo também. Eu não sei como é que é. Eu sou suspeito a dizer. Mas no meu modo de ver, a Cimento Rio Branco ela está conseguindo de maneira gradativa resgatar esses valores familiares. Mas, no meu modo de ver, não vai chegar naquele tempo na Vila Industrial quando realmente família e empresa eram quase que uma coisa só. Estava muito ligado. Hoje não. Hoje há vínculos mas eles não são tão fortes como naqueles tempos dos anos 50, 60 assim. E eventos como o Projeto Memória, que a gente participa aqui. Aquela história, concurso de contos abertos, poesia aberto aos familiares, isso na Cimento Rio Branco é muito forte. E a família vai junto festejar, vai na festa de fim de ano, né? Então existe assim. Existe uma relação forte, um vínculo entre família e empresa que inclusive vem sendo resgatado pela Cimento Rio Branco coisa de cinco, 10 anos para cá, né? Mas que ainda não é aquela coisa assim pura, ingênua dos anos 50, 60, né?
P1 - E como é que você vê a entrada da quarta geração?
R - Olha, eu acho que a entrada da quarta geração na Votorantim, vamos dizer assim, quando você joga uma pedra em um lado ela forma aquelas ondas que vão se expandindo, né? Então eu acho que ela é mais forte nas grandes metrópoles onde a empresa mantém os seus núcleos do que no interior. Por que digo isso? Eu fui conversar com o Antônio Ermírio de Moraes Filho, eu não sei se ele é da quarta geração ou não. O filho do Dr. Antônio; acho que ele é da quarta geração, né? Não sei. Eu fui conversar com ele assim de maneira bem tranqüila porque eu sou membro do Instituto Votorantim. Então tivemos um evento no final do ano, em Dezembro, aqui em São Paulo e eu fui participar, fazer um curso de reciclagem lá. E ele estava lá. E nós pudemos trocar uma idéia rápida, né? Eu vejo assim que a quarta geração do Grupo Votorantim ela entra para manter e fortalecer essa tradição de se produzir de uma produção diversificada. A área metalúrgica, bem diversificada como é característica do Grupo Votorantim expandindo-se lá para fora já. Mas eu vejo assim que eles estão, eu percebi isso pelo menos na conversa com o Dr. Antônio Filho, que há uma preocupação com o social. Não se falava da Votorantim dos anos 70, 60 não se falava em Meio Ambiente. Não se falava. Falava-se em segurança, mas era aquela coisa formal, fria, né? Não se falava em meio ambiente, não se falava em parceria social, não se falava em investimento na área social. Então eu acho que o que marcou a terceira geração e está marcando a quarta eu acho que é essa abertura para o social, essa consciência de que a empresa faz parte de uma sociedade. Não é uma coisa fria de capital, de relação de capital trabalho e produzir. Mas hoje se fala de meio ambiente. Está aí na nossa Nascimento Rio Branco lá o (Noza?), que é uma coisa muito forte voltada para a saúde, segurança e meio ambiente, né? As condições de trabalho hoje, acredito que seja fruto dessa quarta geração são outras. Existem muito mais condições seguras de trabalho hoje, conforto. Se você pegar a Cimento Rio Branco, a Santa Helena a 30 anos atrás? Como é que era o almoço? O almoço ia por bonde. O bonde que levava. Ele saía de Sorocaba e ia pegando a refeição. Havia uns bauzinhos de madeira. A de Santa Helena era azul. A Votocel era, se não me engano era verde. Não, a Votocel era amarelo e a tecido era verde. Então pegava-se essas maletinhas ao longo do percurso e sabia que a azul era Santa Helena,. né? E na hora do almoço cada operário sentava no jardim lá embaixo da árvore para almoçar a sua marmitinha. Hoje você tem um refeitório, você tem uma equipe de cozinha de serviço, você tem uma ótima refeição lá. Então eu acho que essas conquistas na área social, na própria condição do trabalhador é fruto de luta, de empenho, de ideal que está na terceira e quarta geração, dos (inaudível). Porque hoje me dia uma empresa que não tem essa preocupação com meio ambiente, com segurança, com saúde, etc, né? Com essa questão social, está aí o Instituto Votorantim na sua caminhada vitoriosa na minha visão de ver aí. Com grandes parcerias as quais na região lá eu tenho acompanhado, os projetos que a gente acompanha lá. Eu acho que isso tudo é fruto exatamente da terceira e quarta geração na minha visão.
P1 - Você quer falar um pouquinho da sua atividade no Instituto?
R - Olha, a minha atividade no Instituto começou em 2004 praticamente quando eu vim participar do primeiro evento aqui em São Paulo, na região dos Jardins para me inteirar de como era, né? E como eu tenho, por que é que eu... Eu entrei como concorrente e acabei sendo aprovado. Por quê? Porque na época eles pediram para gente mandar um currículo como a minha relação com a sociedade. E eu tenho muita relação muito profunda por causa de estar nesse âmbito de igreja, e ser uma liderança na igreja, e ser uma atualidade como (inaudível) permanente. Muito trabalho com o povo, trabalho social, grupo de jovens, a gente acaba sendo conhecido na cidade. Então a gente está muito inserido nesse lado social. E por aí é o perfil que o Instituto aprovou e me chamou para fazer esse trabalho. A gente têm visitado as instituições, fizemos um evento em um hotel lá em Sorocaba. A iniciativa, na verdade, foi da VCP, da Votocel mas junto com a gente. Por quê? Como Sorocaba é o nosso foco de atuação e lá nós temos dois comitês. O comitê da Cimento Rio Branco e da VCP, da Votocel. A gente decidiu fazer uma parceria, junta os dois porque o foco de ação é o mesmo. E isso resultou em grandes trabalhos positivos, né? É claro que eu sou obrigado a dar mão à palmatória que é o Comitê do Instituto Votorantim da VCP Votocel caminhou muito mais à frente. Mas depois talvez aprendendo um pouquinho com eles nós criamos uma certa autonomia. Então eu e a Eliane, do sistema é que somos os dois membros do Instituto. E respondemos tanto pela área da Cimento Rio Branco, de Santa Helena, como de Salto. Porque de Salto o comitê desfez. O funcionário saiu e não tem ninguém. A gente responde por Salto e Sorocaba, né? E isso para mim foi uma grande riqueza porque eu comecei a ter contato mais de perto, mais profundo com essas causas sociais. Eu estive essa semana aqui em um bairro de Votorantim chamado Vila Nova, nós somos parceiros do Projeto Pérola que é Inclusão Digital. Onde foi inaugurada uma sede recente lá. O Projeto Pérola é um projeto que já tem uma caminhada acho que de quatro ou cinco anos de inclusão digital e nós somos parceiros deles nessa área aí. Nós entramos com um valor mensal para ressarcir as despesas que eles têm com expediente no dia-a-dia, né? Então é gratificante você ir em uma inauguração e você tem contato com as pessoas carentes que estão assistidas por aquela entidade. E a gente é apresentado para elas como parceiros. E eles vêm, agradecem, sabe? Com pessoas bem humildes, simples. A gente percebe assim no olhar delas que elas têm um sonho. Os adolescentes têm um sonho de ser incluído digitalmente, de fazer um trabalho digital, né? De aprender informática. Então o Instituto, nessa parte ele tem propiciado para mim assim nessa parte emocional, grandes momentos da minha vida de contato com essas pessoas carentes. Visitar escola, o ano passado foi feito parceria com o Caminho das Águas. Nós bancamos uma escola lá e eu fui com as crianças conhecer a represa de (inaudível), né? Como eu conheço, eu fui um pouquinho de historiador junto à eles da escola, né? Eu fui falando durante o trajeto a Vila Industrial, como aconteceu, onde nasceu. Esse aqui é o Rio Sorocaba. Esse aqui é o seu afluente, o córrego Cubatão. Aqui é o caminho que vai para a represa Votocel. Esse paredão é do século XVIII e a criançada começou a prestar atenção e aprendendo. Então foi muito legal. O Instituto me fez passar uma experiência muito positiva, muito marcante, que eu vou levar para a minha vida para sempre nesse contato com a área social aí.
P1 - E sobre o Projeto Memória?
R - Ah, o Projeto Memória, a minha primeira, o meu primeiro contato com o Projeto Memória realmente foi aquela história o papo amarelo que foi
o terceiro lugar lá na história. Por quê? Quando o Projeto Memória foi na minha empresa, na minha unidade fazer cabine e ver depoimentos eu estava de férias. Foi o mês de julho e eu estava viajando, não estava lá. Avisaram eu por telefone mas eu não tinha como, né? E quando eu retornei eu lembro que dentro do Projeto Memória havia esse concurso de contos Votorantim para mim. E aí eu falei: "Como será que é essa história?". Aí eu comecei a imaginar o papo amarelo que eu já contei aqui e outras histórias. Aquela do meu pai lá o (inaudível) das raposas. Os caras quiseram assustar eu e eu não sabia que o meu pai trabalhava na seção. Por fim eu é que apliquei o xaveco nele lá, né? Entõa o meu primeiro contato com o Projeto Memória foi, inicialmente essa história. Depois fui convidado a vir participar em dezembro daquele evento aqui. A linha... fazia a linha do tempo, né? A minha história da Votorantim e sempre tive, por trabalhar na ferrovia, sempre tive. A política do Projeto Memória tem tudo a ver comigo. Eu gosto muito da linha do Projeto Memória porque eu gosto de preservar, eu tenho os jornais antigos na minha casa, eu guardo, eu preservo. Eu vejo matérias que eu fiz lá nos anos 60, 70. E, por exemplo, na igreja que a minha filha participa também ela vai em outra paróquia. Porque ela é jornalista e ela é responsável pelo jornal da igreja. E nesse jornal da igreja, nos anos 70, 80, ele é que era responsável pelo jornal. Então ela não sabia. Eu tenho um arquivo em casa do Jornal Paróquia e Ação e todos fazendo uma matéria no jornal atual que era chamado o Túnel do Tempo. Eu pego fatos importantes da década de 80 no contexto de igreja e ponho no contexto atual, porque ela é responsável pelo jornal, né? Na minha vida de Votorantim também é assim. Então eu acho que a política do Projeto Memória, eu me identifico muito forte com ela. E eu estou para aposentar. Eu pedi a aposentadoria em 17 de novembro. Não veio ainda, né? A minha idéia inicial é desligar-me da empresa. Mas como eu vim aqui e me empolguei e também o que me empolga na Votorantim é a área de comunicação, né? Eu estou no aguardo de talvez um convite que talvez vão fazer para mim para trabalhar um pouquinho na área de comunicação. Aí, é claro, evidentemente, é possível que eu fique um pouco de tempo mais na empresa se eu trabalhar nessa área, que é a minha praia, né? Para mim seria um prêmio. Eu trabalhei na área de comunicação muito tempo atrás. E poder unir o útil ao agradável dentro da empresa onde eu trabalho na minha reta final para mim vai ser um prêmio se isso viabilizar. É claro que também se isso não viabilizar eu saio da Votorantim realizado por tudo o que eu fiz lá, por tudo o que eu represento para a empresa, a empresa representa para mim. Essa coisa de família, essa identidade muito forte que tem e eu saio realizado, né? Mesmo que eu não trabalhe nessa área eu vou sair realizado com certeza.
P1 - E o que é que você sentiu quando você soube que você ganhou o prêmio.
R - Ah, foi... Olha, eu não vou ser modesto. Quando eu vi que nos índices de premiação havia uma máquina digital, eram os cinco primeiros lugares, né? Eu falei para a minha esposa: "Eu vou ganhar essa máquina porque eu vou dar tudo o que eu tenho nessa história aí". Como eu já tinha uma afinidade com a literatura dos anos 80 e já ganhei inclusive contos na região promovido pela prefeitura, SENAC. Poesias e contos, etc. Eu falei: "Eu vou fazer uma historinha...". Só que eu lembro que o regulamento pedia, não precisa ser um literato. É uma historinha básica, é dizer a sua experiência. Eu falei: "Eu vou dar uma historinha bem iniciante, né? Não vou usar assim vocábulos muito complicados'. Vou botar uma historinha bem simplezinha". Parte dessa história do papo amarelo é verídica. Vamos dizer assim, a minha inspiração ela é verídica. Mas é claro que eu fantasiei um pouquinho. Usei um pouco de recurso da fantasia literária e dei uma fantaseadazinha, né? Mas eu fiz essa história, eu fiz o susto das raposas, lembrando o meu pai na fábrica de tecidos e aquela uma que é um palavrão o nome dela porque lembra o nosso folclore, né? Que o Caipora faz parte do folclore brasileiro bem recente. Eu mandei essas três histórias. Eu tinha certeza de que o Susto da Raposas é que ia ganhar. Porque fazia referência à uma história ocorrida na fábrica de tecidos em 75. E, para a minha surpresa, das três histórias aquela que na minha opinião, no meu modo de ver era mais fraca foi a vencedora. No dia que eu recebi o e-mail do RH eu não trabalhei. Eu não fiz mais nada na fábrica. Fiquei eufórico, eu saí mostrando para todo mundo, passava e-mail para todo mundo, e me parabenizou e foi toda aquela coisa, né? E aí depois a premiação demorou, né? Mas quando foi a premiação o gerente reuniu a gente no refeitório, né? E aí tivemos que falar um pouquinho da nossa vida. E eu lembro que foi o primeiro contato com o gerente, com o hoje gerente Osamrino, né? E foi muito gostoso. Eu fiquei, essa história aí, em cima dessa aí eu fiz mais umas cinco ou seis, né? E essa história ela reavivou em mim a veia literária que eu tinha perdido um pouquinho. Por conta dessa história eu estreitei mais meu laço com o jornal, porque eu já trabalhei no jornal e mantenho o laço no jornal até hoje como colaborador. E daí que eu criei essa vontade de fazer um livro, e daí que eu criei as reflexões atuais que é com os meus botões, pseudônimo, meu, um sonhador. Que hoje é vinculado na Folha de Votorantim em um site de São Paulo no Jornal Tribuna de Itapeva. Ele coloca as minhas reflexões o evangelho do sábado quando eu assino como
(inaudível) permanente, como (inaudível)_ da igreja e de terça e quinta o jornal faz em segunda edição a minha reflexão filosófica com meus botões. Que eu abordo outros assuntos. E posso dizer que esse projeto de com meu botões, que é esse personagem aí, que é um botão que eu converso com ele. Na história ele está sempre aqui no fundo desse bolso. E nesse site MPB Brasil aqui de São Paulo, o coordenador do site desenhou o Marechal, deu vida para o Marechal. Ele é um botãozinho azul, ele está lá no site, né? O texto. E como eu coloco muito que ele tem um óculos que cai na ponta do nariz quando ele fala, então o autor do site colocou esse botãozinho em movimento e ele fala assim, tem um cabelinho branco, né? Botãozinho e ele é filósofo um pensador. E ele está sempre no fundo do bolso. E quando você debate com ele sobre algum assunto ele fica pendurado aqui na beirada. E daí ele volta para o bolso de novo. É uma história, com mil botões que saiu... Esse projeto, eu ia dizer isso, ele nasceu motivado por essa questão do projeto memória, da história de contos. Eu já acendi a minha veia literária e etc, né? Mas uma das histórias, só para contar um delas. Foi publicada umas duas semanas na Folha. Eu guardei até agora. No Natal fiz um especial com o Marechal também que saiu no jornal lá. A história é "O Segredo do Marechal", onde eu fiz uma imagem literária e o Marechal conta. O personagem pergunta para ele: "Você tem uma veia cristã, fala de virtudes, fala de fraternidade, reconciliação. Mas você tem um pouquinho. Como pode um botão ter esses sentimentos?". Aí o botão fala assim: "Olha, eu estava preso na manga do paletó de um homem muito famoso. A assinatura dele podia mandar alguém para a cadeia, deixar alguém rico, muito importante". E eu era, o botão fala: " Eu era dessa manga". E o personagem fala para ele: "Mas como?". Você não tem, você mostra muita humildade. Princípios cristãos de que você não é uma pessoa poderosa e orgulhosa". E aí ele fala assim: "É que depois eu fui dado. O paletó ficou velho e eu fui dado para uma família mais pobre, com um nova mentalidade". E durante o trajeto à casa da família pobre, dentro de um saco plástico o botão falando, né? O Marechal falando. Eu escapei. Arrebentou a linha. E eu fiquei com medo. Então eu fui me esconde no bolso interno do paletó e lá eu fiquei bem quietinho todo esse tempo. E esse paletó foi dado para uma família e uma homem que usa o meu paletó ele só me vestia para ir à igreja. Era um paletó, para ele pobre, era um paletó muito bom, vistoso, né? E então o botão fala: "Como eu fiquei todo esse tempo com o homem, ele não sabia que eu estava ali, o botão falando, no bolso interno que fica sobre o coração, todo o conhecimento, essa carga afetiva, os ensinamentos filosóficos dos bons princípio de caridade cristãos eu peguei do coração do homem e fiquei em cima dele para sempre, né? E daí o botão fala assim no fim da história: "E no dia do seu enterro eu só não fui enterrado junto com ele, porque o paletó estava lá porque o filho caçula, chorando descobriu-me e tirou-me de lá em prantos guardando-me como lembrança do seu pai". Aí o personagem fala assim para ele no final, suspirando: "Pois é meu caro Marechal, vou também confessar um segredo. Esse filho caçula era eu". Isso é a história do Marechal, né? Esse projeto com Mil Botões que tem um botão que fala comigo, né? Com o personagem que eu criei, ele veio por conta desse livro de contos do Projeto Memória. Só um parênteses, antes, quando eu sai do jornal eu montei uma coluna de humor chamado pavio curto. Eu era o Degão. Personagem irreverente, mexia com político. Quase o mesmo estilinho do humorista da folha de São Paulo, o Macaco Simão da qual eu era e sou um grande fã. Então eu tinha uma coluninha irreverente, uma coluninha que fazia sucesso na época, né? Os políticos ficavam loucos porque eu fazia a tirada em cima dele, né? E as colunas tinham muito tempo no jornal, né? E depois como o pessoal falou: "Olha Zé, essa imagem sua de humorista, irreverente". Porque eu usava termos pesados lá, né? Mas não com maldade, né? Então pessoal falou, olha, essa imagem sua de cara irreverente não casa agora. Você é um… uma pessoa pública, né? Pensou o cara descobrir que você está fazendo? "Ah, você é o Degão que escrevia umas palavras meio chulas na coluna lá". Aí e também… Depois que eu passei a ser o jornalista na igreja eu me ocupo muito o tempo. Não tinha mais tempo. Eu tive que deixar o jornal. Não podia domingo fazer matéria de esporte. Como é que eu vou fazer matéria de esporte aqui e correr para a igreja e fazer batizado. Não tinha como, não dava para conciliar. Mas eu mantive o freio de mão muito tempo. Parei uma vez, voltei de novo. Verba de política então, a política de pavio curto era muito. A vinheta dele era uma dinamite que vinha presa com um paviozinho assim quase estourando. A minha colega é que produziu essa vinheta, né? E depois então eu não tinha mais coluna no jornal. Mas uma vez eu fiz um casamento na, em uma igreja muito, muito e estava cheio de gente, Toda a sociedade estava lá, né? E o dono do jornal que era amigo meu ele estava lá também. Ele não é da igreja mas ele estava lá no casamento. E depois ele fez uma coluna elogiando a celebração que eu presidi, que eu tenho uma boa oratória, né? Que eu não era mais aquele cara tímido, que eu tinha uma boa oratória, falava com convicção do casamento, estimulava o casal a casar e etc, né? E daí ele falou: “por que é que você não volta a escrever no jornal?”. Daí eu peguei e falei; "Ah, eu vou voltar. Mas não como humorista, né? Porque não dá mais". Aí eu voltei como colunista religioso mesmo, né? E já vão três anos todas as edições de sábado a minha reflexão sobre o evangelho está lá para a pessoa ler, refletir. Só que é um texto, ele não é restrito à Igreja Católica. Ele é cristão. Então tem espíritas que lêem a minha matéria, tem católicos, tem budistas. Tem bêbados que lêem a minha matéria e também gostam, tem boêmios. Todo mundo gosta lá e lê. É uma matéria bem aberta que engloba o cristianismo não restrito à Igreja Católica. E, de agosto para cá, aproveitando a época sa campanha eleitoral eu criei esse personagem aí, o sonhador com a idéia de falar sobre a política na época. E desenvolvi esse projeto aí e isso já está com 100 histórias. Eu já fiz o contato com a editora. Eles querem que eu mande o material para eles avaliarem para ver se dá para fazer o livro, né? São 100 histórias avulsas. Tem outros projetos de livros que eu parei. Que eu fiz e parei. Histórias, romance, né? Floriava a cabeça. E sempre foi aí o meu. Mas só para ilustrar e dizer que o Projeto Memória foi quem me despertou a veia literária que estava em mim um pouquinho perdida, né?
P1 - E o que é que você achou de dar esse depoimento aqui para nós?
R - Olha, fiquei preocupado quando tomei conhecimento, que eu liguei para cá ontem, né? E eu falei: "Nossa, o que é que eu vou falar lá, né?". Preocupado com alguns aspectos históricos, datas, às vezes a gente não lembra bem e etc, né? Mas olha, eu me senti honrado, me sinto importante, feliz por estar aqui vivendo esse momento, participando com vocês desse resgate da história da Votorantim e dizer que realmente para a gente que vem de uma Vila Industrial, a história da Votorantim e a nossa história se confundem um pouquinho. Na vida pessoal, na vida familiar a história praticamente é quase a mesma, né? Dizer que se o Grupo Votorantim hoje é um grupo vencedor, eu também sou um vencedor. Eu também faço parte. Eu sou o Grupo Votorantim também.
P2 - Então obrigada.
R - De nada. Eu é que agradeço.Recolher