Dentre as incontáveis histórias guardadas na memória da família do cidadão Anton Nino Martins Campos, o patriarca "Tunino", consta que, em determinado período de sua juventude alguém perguntou-lhe sobre seus documentos pessoais. A resposta do moço, simples e sem rodeios, soou algo constrangida por ser negativa, tendo ele, então, tentado explicar melhor a questão, em termos mais ou menos assim: "... Pois eu tinha a certidão de nascimento que, por cuidado, resolvi confiar à guarda mais segura no interior duma capelinha lá do povoado onde eu morava, àquela época; daí, que num daqueles dias, aconteceu duma danada mula entrar justamente ali, na capela, procurando o que comer, e não é que o desgraçado do bicho foi devorar justo aquele meu papér, que eu contava tar muito bem guardadinho lá dentro? Pois que, assim, desde então, eu fiquei no mundo de mãos abanando, sem nenhum documento que me valesse quando me pediam argum papér pro registro do nome certo."
Dessa fatalidade, recontada aos lampejos da memória de Dona Aida, a octogenária matrona da família -- por estes tempos já trivó, e firmemente arraigada à vida, para a felicidade geral da descendência formada à sua cepa --, o que decorreu foi que o cidadão Anton Nino passou por repetidos aborrecimentos, pois fosse quem fosse a assentar o seu nome, jamais o fazia corretamente: saía "Antoninho", ou "Antônio" simplesmente. E tantas foram assim que, dizia ele, acabou "largando mão" de tentar corrigir tais assentamentos. Posteriormente porém, foi Dona Aida, viúva de direito, quem experimentou sérios dissabores pelos registros incorretos do marido, sobretudo quando para habilitar-se ao pensionamento previdenciário.
Assim, conta ela que um determinado senhor, representando certa repartição do Órgão competente, chamado a analisar tão importante questão para a sorte dela, olhou-a detidamente por alguns momentos -- certamente muito angustiantes para a requerente daquele benefício...
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Dentre as incontáveis histórias guardadas na memória da família do cidadão Anton Nino Martins Campos, o patriarca "Tunino", consta que, em determinado período de sua juventude alguém perguntou-lhe sobre seus documentos pessoais. A resposta do moço, simples e sem rodeios, soou algo constrangida por ser negativa, tendo ele, então, tentado explicar melhor a questão, em termos mais ou menos assim: "... Pois eu tinha a certidão de nascimento que, por cuidado, resolvi confiar à guarda mais segura no interior duma capelinha lá do povoado onde eu morava, àquela época; daí, que num daqueles dias, aconteceu duma danada mula entrar justamente ali, na capela, procurando o que comer, e não é que o desgraçado do bicho foi devorar justo aquele meu papér, que eu contava tar muito bem guardadinho lá dentro? Pois que, assim, desde então, eu fiquei no mundo de mãos abanando, sem nenhum documento que me valesse quando me pediam argum papér pro registro do nome certo."
Dessa fatalidade, recontada aos lampejos da memória de Dona Aida, a octogenária matrona da família -- por estes tempos já trivó, e firmemente arraigada à vida, para a felicidade geral da descendência formada à sua cepa --, o que decorreu foi que o cidadão Anton Nino passou por repetidos aborrecimentos, pois fosse quem fosse a assentar o seu nome, jamais o fazia corretamente: saía "Antoninho", ou "Antônio" simplesmente. E tantas foram assim que, dizia ele, acabou "largando mão" de tentar corrigir tais assentamentos. Posteriormente porém, foi Dona Aida, viúva de direito, quem experimentou sérios dissabores pelos registros incorretos do marido, sobretudo quando para habilitar-se ao pensionamento previdenciário.
Assim, conta ela que um determinado senhor, representando certa repartição do Órgão competente, chamado a analisar tão importante questão para a sorte dela, olhou-a detidamente por alguns momentos -- certamente muito angustiantes para a requerente daquele benefício --, e então pôs-se à consulta cuidadosa dos papéis com dados incompatíveis a ele colocados, para o seu decisivo pronunciamento. Por fim, depois da espera sofrida de Dona Aida, eis que o homem chamou pela funcionária imbuída da questão, dizendo: "Pode, pode fazer." E assim a coisa ficou resolvida -- conclui Dona Aida o seu relato. (Agora, nessa passagem, cá com meus botões, fico eu a imaginar uma voz muitíssimo conhecida da gente, a cochichar, sibilante, junto ao ouvido daquele referido senhor burocrata de plantão: -- Ora, meu caro, isso tudo é coisa minha, sim senhor ... Vamos lá, homem, MANDE FAZER). Devo admitir que tais pensamentos me trazem grande conforto espiritual.
As personagens Anton Nino e Dona Aida, protagonizadoras deste minúsculo conto -- por sua vez baseado num "causo" autêntico --, vieram de receber tais nomes fictícios por assim melhor convir ao foro íntimo do narrador; suas observações pessoais, o autor-narrador fê-las inseridas no próprio desenvolvimento da descrição, no intuito único de oferecer maior clareza às passagens da história real. De forma que, quaisquer semelhanças com pessoas e com suas respectivas vidas seriam apenas coincidências, às quais o autor antecipadamente reservaria suas escusas, descartando hipóteses de utilização indevida.
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