Museu da Pessoa – Conte sua história
Histórias de Esperança – 29 anos do Projeto Criança Esperança
Depoimento de Adriana Soares Neves
Entrevistada por Tereza Ruiz
Santos 10/12/2014
Realização Museu da Pessoa
Entrevista HECE_HV_36
Transcrito por Ana Carolina Ruiz
P/1 – Primeiro, Adriana, fala pra gente o seu nome completo, data e o local de nascimento.
R – Meu nome é Adriana Soares Neves. Eu sou de Santos e eu nasci em quatro de julho de 1974.
P/1 – Agora o nome completo da sua mãe e do seu pai e se você souber data e o local de nascimento deles também.
R – Minha mãe se chama Vecemília Bhering Soares, meu pai é Pedro Rubens Dias Neves, já falecido. Minha mãe nasceu em 6 de abril de 1949 e o meu pai no dia 23 de maio de 1946.
P/1 – O que os seus pais faziam profissionalmente, Adriana?
R – Bom, meu pai iniciou bem cedo na rede bancária, então começou como mensageiro e se aposentou como gerente de banco. Minha mãe é esteticista, ligada sempre na área da saúde e faz diversas coisas também, além disso, mas o foco dela mesmo é a área da beleza.
P/1 – E como é que você descreveria os dois pra quem não conhece? O temperamento, o jeito deles.
R – Olha, meu pai era uma pessoa muito justa, muito honesta, muito trabalhadora, muito certinha. Então eu falo que quem me conhece vai conhecer os meus pais, porque eu consegui tirar um pouquinho de cada um. Minha mãe já é mais ousada, mais determinada e mais guerreira, enfrenta as coisas mais de frente. Então eu acho que os dois fizeram essa mistura e vai praticamente ser o que eu sou hoje.
P/1 – Você sabe qual que é a origem da sua família? Os seus antepassados da onde vieram.
R – Sim. Pelo menos o que me passaram por parte da minha mãe meus avós são espanhóis. Então minha bisavó veio da Espanha, não lembro a cidade exata, mas veio da Espanha. Meu avô por parte de mãe é piauiense, daqui do Brasil mesmo. Então teve essa mistura, mas minha mãe é de Santos também, mas da minha mãe é parte da Espanha mesmo. Agora, meu pai já é de origem portuguesa, então já veio da sequência, mas é parte mesmo também de avô e bisavô. Meu pai já nasceu em São Vicente.
P/1 – E a história do seu nome? Você conhece? Você sabe por que você se chama Adriana? Quem que escolheu esse nome?
R – Sei porque nome na verdade é o nome da minha tataravó, só que todo mundo tinha expectativa de eu ser menino, então era pra ser Adriano. Como antigamente não tinha esse negócio de ultrassom pra saber o sexo, nada, quando viram que era uma menina aí só simplesmente trocaram o final e ficou como Adriana.
P/1 – Você tem irmãos?
R – Tenho duas irmãs, uma mais nova e uma mais velha, uma de 33 anos outra de 44 e tenho um irmão por parte de pai, que hoje ele se chama Pietro, que ele tem 18 anos.
P/1 – E qual que é o nome das suas irmãs?
R – A mais nova é Lisandra e a mais velha é Patrícia.
P/1 – Conta um pouco pra gente como é que era a casa da sua infância, em que você passou a infância, a casa, o bairro. Descreve um pouco mesmo.
R – Então é como eu falei, eu nasci em Santos, porém eu falo que foi feita, planejada em Porto Alegre, então aí só esteve em Santos pra eu nascer por conta que a minha avó morava aqui. Então a minha infância todinha, aí eu retornei pra Porto Alegre, então a minha infância inteira foi no Rio Grande do Sul. Eu morava numa casa bem espaçosa, porque meu pai por trabalhar em banco ele tinha uma vida melhor. Era um prédio, mas eu morava no térreo, um imóvel bem grande, então tinha espaço pra brincar. Eu falo que eu pude aproveitar muito a minha infância, era eu e a minha irmã mais velha somente, minha irmã mais nova nasceu já tava morando em Santos. A gente brincava, eu lembro que tinha uma represa... Represa não, é tipo Sabesp, é um morro, então a gente descia de papelão, brincava, como Maria moleque mesmo, não tinha aquele negócio muito só de bonequinha, de casinha, a gente aprontava bastante. Mas minha irmã mais velha e eu como era mais nova tinha que ir na aba dela, onde ela ia eu ia atrás.
P/1 – Quais que eram as brincadeiras? Conta um pouco pra gente do que vocês brincavam.
R – Além dessa de escorregar, que uma das melhores diversões da gente era escorregar mesmo pelo morro abaixo, a gente brincava não só nos parquinhos como também tinha também brincadeira de boneca, de pega-pega, de esconde-esconde. Desenhávamos muito. Uma coisa que a gente fazia muito, os moradores não gostavam muito dessa brincadeira porque a gente fazia desenhos no chão com pedacinhos de folhagem, tudo que achava no chão, a gente fazia a primavera, fazia vários desenhos na calçada, só que a gente fazia aquilo e não recolhia, e ia embora. Então os moradores não gostavam muito porque tinham que ficar limpando, né? Mas esse tipo de brincadeira mesmo, bem infantil.
P/1 – O que vocês faziam de desenho na calçada com essas folhinhas?
R – Como a gente pegava muitas flores a gente costumava fazer muitas paisagens tipo jardins, árvores, coisa mesmo de florestas. Era mais focado nesse tipo de desenho, até por conta do que a gente encontrava na rua, que não eram sujeiras e sim sobras de árvores, de plantas. Às vezes a gente até achava bituquinha de cigarro que a gente pegava a parte de dentro pra fazer os caulezinhos das coisas. Mas era isso.
P/1 – E aí você começou a frequentar a escola com que idade, Adriana?
R – Desde o maternal, eu não sei que idade que eu tinha, mas desde o maternal. Desde o início eu e a minha irmã sempre estudamos, minha mãe sempre fez questão de que a gente entrasse na escola desde cedo. Foi maternal, jardim, foi uma escola particular lá em Porto Alegre, a gente podia participar de escola particular.
P/1 – Quais são as primeiras lembranças que você tem da escola?
R – Da escola? Nossa, eu tenho um monte de lembrança. Eu tenho uma que a gente brincava muito, desenhava muito e uma coisa que eu achava muito legal que a gente participava de teatro, então tinha as apresentações no final do ano. Dia das Mães, aqueles momentos, aquelas datas mais importantes. E era muito gostoso porque eu ficava muito empolgada, ansiosa, não existia timidez, a gente simplesmente fazia, mas só de ver minha mãe lá na plateia pra poder me assistir, que era a primeira coisa que eu fazia quando subia no palco, até emociono porque a gente se lembra da época. Isso eu trago até hoje pra mim, porque os meus filhos vão fazer alguma coisa eu faço questão de estar lá presente, eles têm que me ver, eu pareço uma chacrete, fico fazendo o maior auê pra eles verem que eu estou ali pra eles ficarem felizes. E a gente percebe como os filhos procuram os pais, quer dizer, a primeira coisa que eles fazem quando eles sobem no palco eles ficam olhando tentando localizar os pais, ou alguém que represente muito pra eles estar ali assistindo.
P/1 – Você se lembra de alguma dessas peças? Você tem alguma recordação de um papel ou uma peça em específico?
R – Tem. Eu lembro uma em Porto Alegre, quando eu tava em Porto Alegre, que eu fiz A Branca de Neve, eu era um dos anõezinhos. Desse tamanho, imagina eu um anãozinho. Era um dos anõezinhos. Foi uma coisa muito bacana. Eu não lembro bem a música. Teve do Chapéuzinho Vermelho que eu cheguei a fazer também. E teve uma que eu já morava aqui em Santos, que foi no Dia das Mães, que a gente fez aquela música até do Comer, Comer, depois cantamos aquela... Uma música bem conhecida agora que não vai me perguntar que eu não vou lembrar, que toda mãe chora quando escuta, uma música antiga. Aí eu lembro que minha mãe estava presente e só de olhar pra ela eu já chorava no palco como se fosse eu assistindo a peça. Mas geralmente que eu lembre mesmo, que eu lembro até da fantasia, eu me lembro da cor, eu estava toda de azulzinho, o duende era todo azulzinho. Duende não, o anãozinho era todo azulzinho. Então foi muito bacana.
P/1 – Você lembra qual dos sete anões você era?
R – Não porque tinha mais de sete anões lá em cima.
P/1 – Tinha muitos anões.
R – Eram muitos anões, então não tinha um nome específico, era mais por conta da dança que a gente fazia. Então teve a historinha, mas não eram só sete, então não tinha como eu saber quem eu era.
P/1 – E essa música que você falou que é uma música conhecida você não lembra nem a letra, o que dizia, nada?
R – Não. Não vou lembrar. Do Dia das Mães, mas eu não vou lembrar todas. Eu sei que aquela: “Minha mãezinha querida, mãezinha do coração, te adorarei toda vida, grande emoção”. Acho que é mais ou menos isso. Essa eu lembro que essa foi a música que eu cantei pro dia das mães, que é muito bonita.
P/1 – Você se mudou de Porto Alegre pra Santos você tinha que idade?
R – Eu estava completando sete anos. Eu fiz sete anos já aqui em Santos. Meu pai pediu... Naquela época pra você subir de cargo, mudança de cargo não mudava você só de bairro, você tinha que mudar de cidade, então os meus pais viajavam muito por conta disso. O tempo maior que ele ficou foi realmente em Porto Alegre, foram esses sete anos que eu vivi lá. Depois ele veio pro Estado de São Paulo, em Poá, não era nem Santos na verdade, foi em Poá, aí minha mãe preferiu ficar em Santos por conta até da minha avó, o recurso era melhor mesmo e a gente veio pra cá. Foi quando minha mãe já estava grávida da minha irmã mais nova e minha irmã nasceu naquele mesmo ano que a gente se mudou.
P/1 – E aqui de Santos como é que era a casa em que vocês vieram morar?
R – Então, aqui já não era em casa, a gente veio pra um apartamento, né? O apartamento era bom, era espaçoso, era de dois quartos, normal. Era um espaço no Canal 1 aqui de Santos mesmo, perto de um orquidário que foi um lugar muito bacana onde eu brinquei muito na minha infância, lá também depois que eu vim pra cá. Era do meu point preferido ficar lá no orquidário. A gente pegava as amizades, procurava lugares escondidos, fazia piquenique escondido porque não podia comer lá dentro por causa dos animais, então a gente sempre fazia tudo que não podia, mas numa inocência gostosa.
P/1 – Como é que era esse orquidário?
R – Então, o orquidário é um espaço que mantém animais, Mico-leão-dourado, alguns bichinhos além das plantações. Então ele também tem exposições de orquídeas, por isso que é orquidário. É muito conhecido aqui em Santo por causa disso, na época tem um tipo estufa onde você passa, ficam todos os tipos de orquídeas. Tem exposições, às vezes tem até concurso da melhor orquídea e tudo. Então era um espacinho supergostoso que naquela época era gratuito pra entrar, eu não pagava pra entrar então tinha entrada livre. Hoje não, hoje existe um custo, não sei se são cinco reais, tal, mas existe um custo pra entrar até por causa da manutenção. Mas era um espaço supergostoso. Como era um quarteirão quase de esquina da minha casa, minha mãe permitia que a gente pudesse ir sem ninguém ir junto. Morava próximo a praia, era duas quadras, mas pra lá já era mais perigoso, então o lugar que a gente ficava geralmente era ali. Ou era no mezanino do prédio ou era no orquidário brincando, que aí já mudou bastante, eu não tinha aquela liberdade que eu tinha em Porto Alegre, apesar de Porto Alegre ser uma capital, mas era totalmente diferente, o costume é totalmente diferente.
P/1 – O que era diferente? O que você sentiu de diferença quando você mudou? O que você lembra?
R – Muita. Muita. Eu tenho 33 anos acho que em Santos, ainda não me acostumei com essa cidade. Aliás, não é bem com a cidade, é com as pessoas. Eu trouxe uma referência que eu não sei se hoje mudou em Porto Alegre, mas eu trouxe uma referência de Porto Alegre de respeito, de amizade, as pessoas são mais solícitas, são mais acolhedoras. Aqui não, aqui eu tive muita dificuldade de adaptação uma por conta da forma como eu falava, porque eu vim de lá falando o ritmo... O ritmo não, o tipo de linguagem do sul, então não era menino, menina, era guri, guria. Falava mexerica era bergamota, então falava, brigadeiro era negrinho. Então até o pessoal entender o que eu estava falando eu tive bastante dificuldade na sala de aula. Mas, além disso, que é uma coisa até que normal, essa adaptação, mas as pessoas mesmo. Então o que aconteceu? Eu confiava muito em todo mundo e eu sofria muito por isso porque as pessoas não eram como eu estava acostumada a lidar com as pessoas de lá, mais família, mais acolhedora mesmo. Havia essa diferença... Havia não. Existe ainda essa diferença muito grande nas pessoas daqui do litoral. Aí você acaba com o tempo aprendendo, então sabendo separar, não discrimina nem nada, mas você começa a aprender. Mas é ruim porque eu estava acostumada a ser eu mesma naturalmente sempre e nem sempre você pode ser por conta das pessoas que estão a sua volta.
P/1 – E na escola aqui? Como é que foi? Como é que era a escola que você passou a estudar quando você se mudou?
R – Então, quando eu vim pra cá como eu vim no meio do ano foi difícil achar escola, a gente veio de uma escola particular de lá, aí minha mãe só conseguiu encontrar vaga pra mim e pra minha irmã numa escola do estado, que era a Marquês de São Vicente que fica ali no Canal 2. Eu entrei naquela escola eu odiei aquela escola, eu odiei. Eu sempre fui de estudar, sempre gostei de estudar e eu não queria ficar ali naquela escola, não gostava daquela escola. Não por não ser particular, sabe, mas justamente por conta das pessoas, o tratamento que acontecia lá dentro. Não era de violência, nada disso, mas eu via que era aquela coisa fria, eu já sentia aquela coisa que não era como eu tinha os meus amiguinhos lá, aquela professora mais dócil, aquela professora que tinha mais paciência com a gente. Então eu queria fugir, fugir. Teve um dia que eu fugi mesmo, que eu consegui fugir porque eu não queria ficar lá.
P/1 – Como é que foi isso? Como é que você fugiu?
R – Bom, quem tinha mania mais de fugir era minha irmã mais velha, minha irmãzinha já não gostava muito de estudar. Então eu aproveitei um dia que ela fez isso e ela pulou o muro e eu pulei o muro com ela. Então eu falei que eu não queria ficar na escola, eu chorava, chorava todos os dias. Eu não sei nem como é que eu passei de ano, finalizei o ano naquela escola porque eu não estudava, eu não queria saber de nada, era muito ruim. Não era por conta da merenda, que lá era merenda, estava acostumada a levar lanche, aquela coisa toda. A merenda até que era gostosa, a sopa era gostosa, mas era realmente o tratamento, era muito frio, não era aquela sensação humana que você sentia. Aí eu terminei o ano, aí falei pra minha mãe que eu não voltava mais pra lá de jeito nenhum, que ela me mudasse de escola que eu não queria ficar lá. Aí ela buscou pro ano seguinte outras escolas, ela encontrou o Marza que era um colégio particular que hoje em Santos não existe mais, fechou, mas era uma escola tradicional. E pra entrar naquela escola você tinha que fazer um teste pra ver se você estava apto a acompanhar a série que você ia entrar. Como era em Porto Alegre, em Porto Alegre hoje você entra com seis anos na primeira série, naquela época seis anos já entrava na primeira série em Porto Alegre, aqui não, só com sete. Então eu tinha sete eu estava indo pro segundo ano e eu tinha que estar no primeiro. Por conta de eu não ter estudado acho que esse meio período de ano anterior eu acho que prejudicou tanto eu como a minha irmã, mais eu porque a minha irmã já não estudava mesmo. Eu fiz o teste, eu e a minha irmã, e as duas não passaram no teste. Aí a escola falou: “Se quiser ficar aqui elas vão ter que repetir o ano tudo novamente. Ou vai pra outra escola e continua a série”. Aí é a escolha da mãe. Aí minha mãe fez a proeza de eu fazer tudo de novo o primeiro ano, minha irmã fez tudo de novo o quinto ano. Então eu acabei perdendo um ano de estudo, ou ganhando, não sei o que poderia ser melhor, tendo que fazer tudo novamente. Aí eu estudei mais uns dois, três anos, meus pais se separaram, aí eu acabei... Meu avô era um dos donos de um colégio aqui em São Vicente particular, conseguiu bolsa pra mim e pra minha irmã, que daí separação já acaba fragilizando todos os segmentos da nossa vida e a gente acabou estudando nessa escola. Então da terceira série até o quinto ano eu fiquei nesse colégio Brasília que era aqui em São Vicente, que é bem do ladinho do quartel, tal. A gente morava no Canal 4, fazia todo um percurso, quase uma hora e pouco de ônibus pra vir pra escola.
P/1 – Nessa fase você teve algum professor marcante? Desde o começo da vida escolar até a quinta série.
R – Então, nesse colégio Brasília eu tive um, mas de forma negativa, não positiva. Teve uma que eu fiquei com muita raiva dela.
P/1 – Por quê? O que aconteceu?
R – Porque eu estava no quinto ano na verdade e eu fui sempre aquela criança que hoje eles falam que é criança de prédio, né? Aquela criança que não era de rua, não tinha malandragem, não tinha nada. E eu sempre fui estudar só que eu sempre fui muito quieta, sempre ficava na minha, eu não era de bagunçar, eu não era nada, pouco falava na sala de aula. E eu lembro ela era professora de português e teve uma prova de um livro, ela deu um livro pra gente ler e deu uma prova de um livro. E eu sempre ficava nervosa, lógico, a maioria das crianças fica e eu tinha lido o livro, eu nunca fui bem em português, língua portuguesa, nunca, sempre tinha um erro de vírgula, de pontuação, enfim. E eu lembro nessa época eu olhava pros lados, os meus colegas, eles estavam olhando o livro e eu também olhei o livro, falei: “Todo mundo está olhando, acho que eu também posso olhar”. Não vi por maldade e nada. Eu pegava as respostas no livro, de tão inocente que eu era eu copiava até as vírgulas, tudo certinho. Então como a professora sabia que eu não era boa, quando ela viu minha prova ela falou: “Essa menina colou”. O tal de colar que eu nem sabia o que era isso na época. Aí ela me chamou, falou: “Adriana, você copiou do livro?”. Quando ela falou copiou do livro falei: “Pronto, fiz alguma coisa de errado”. Aí eu neguei, falei: “Não. Não fiz nada disso”. Aí ela chamou uma colega minha que era uma das melhores da sala de aula pra achar onde estava no livro o que eu tinha escrito. Aí descobriu realmente que eu tinha copiado todas as vírgulas certinhas. Aí eu fiquei muito mal porque eu me senti exposta. Foi muito ruim aquele momento. Aí eu fiquei para recuperação por causa disso, eu nunca tinha ficado para recuperação na minha vida. Então demorei bastante pra gostar da língua portuguesa novamente por conta dela. Mas mostrei pra ela que não era que eu não tinha estudado, tanto é que na recuperação eu fui super bem, mas é por conta que eu fui totalmente inocente e eu não quis entregar os outros colegas, senão eu teria que entregar todo mundo então acabei levando a culpa. Aí fiquei com raiva dela e da minha amiga que ajudou a me prejudicar, que por sinal o nome dela era Patrícia, o mesmo nome da minha irmã mais velha. A minha irmã mais velha sempre aprontou muito comigo, muito. Ela judiava na verdade de mim ao ponto de me mandarem vestir... Ela me vestia de mendiga e mandava eu pedir dinheiro na rua, minha irmã, lá em Porto Alegre. Então eu era maior catatauzinho lá, eu era gorduchinha, então ela me mandava pedir dinheiro na rua. Até hoje ela fala que judiou muito de mim. Eu falei: “Agora tu não fazes mais isso”. Porque eu sou mais alta que ela agora, falei agora não faz mais isso, né? Mas foi isso.
P/1 – E depois, eu te interrompi bem... Acho que você ia comentar de algum outro professor marcante.
R – Então no Marza eu tive uma da primeira série que até hoje em dia eu estava procurando ver se eu a achava, porque pelas redes sociais a gente tenta achar todo mundo, mas eu não lembro o nome dela todo. Mas eu tive uma professora chamada Odila que foi que realmente me acolheu no Marza, que toda aquela impressão que eu tive da escola anterior ela conseguiu tirar. Então eu voltei a gostar da escola como eu gostava antes. Ela foi uma professora que me marcou muito, que me acolheu mesmo, deu aquele carinho parece que de mãe mesmo, de ter paciência, de conversar bastante e te acolher quando você precisa, quando você está triste vê que você está triste. Não se preocupava tanto só com a didática, preocupava-se com o aluno, isso que foi muito bacana.
P/1 – E nessa fase de infância, Adriana você lembra o que você queria ser quando crescesse? A primeira vez que você pensou numa profissão.
R – Olha, eu não sei se toda criança pensa isso, mas eu acho que toda criança quer ser professora quando pequena, né? Eu pensava em ser professora sim, achava maior legal, tudo. Passou muita... Nesse período todo, a última coisa que eu pensava em ser era assistente social, isso você pode ter certeza. Foi uma coisa, um achado eu resolvi ser assistente social.
P/1 – A primeira coisa você acha que foi professora?
R – Foi professora. Isso é certeza.
P/1 – E você sabe por quê? Você lembra se você tinha algum exemplo, alguma professora que você admirava? Por que será que você teve essa ideia na infância?
R – Então, eu pensava em ser professora porque eu via a minha professora ensinando a gente, aquela paciência que ela tinha, sempre estar corrigindo, refazendo, e eu achava muito bacana, eu falava que eu queria fazer isso pelas pessoas. Eu queria ajudar as pessoas a aprenderem. Nunca imaginei que de repente eu ia ajudar as pessoas como assistente social, mas já tinha eu acho aquele sentimento de ajudar, de ser útil pra alguém e eu via que o professor fazia isso. Como o meu mundinho era só escola, então parece que se limitava no ensinar, não nas demais coisas que eu poderia estar fazendo. Eu acho que hoje, pensando o porquê daquilo eu acho que foi por causa disso. Eu já tinha esse sentimento de querer sempre ajudar alguém que precisasse.
P/1 – Nessa fase de infância ainda você se lembra de alguma história e alguma experiência que tenha te marcado? Uma história que tenha ficado na memória, um episódio que você tenha vivido, um momento?
R – Na minha infância? Olha, tenho flashes, digamos que eu tenho muitos flashes. Eu me lembro da época que o meu avô morou comigo, que ele adorava que eu coçasse as costas dele com escova, então eu ajudava bastante, ele ficava lá coçando. Ficava uma toalha no ombro, que ele suava muito, pedia pra eu pegar aquele escovão de banho e ficava coçando as costas dele. Eu adorava o meu avô, faleceu eu tinha quatro anos, mas eu lembro fácil, veja como é que toda essa situação, apesar de ser tão novinha. Eu era muito apegada a ele, muito, né? Ele meio com aquele jeito meio rústico de ser porque ele é de Piauí, então era aquele nordestino, aquela coisa bem gritante, não era nem um pouco delicado, mas ele tinha um carinho, ao mesmo tempo eu me sentia muito protegida. Porque meu pai passava o dia inteiro fora, meu pai trabalhava o dia inteiro, minha mãe não trabalhava, cuidava da gente, mas minha mãe nunca teve aquele ritmo de sentar e brincar comigo. Meu avô não, meu avô brincava comigo, minha irmã já era quatro anos mais velha, já era bem mais espaventada, bem atirada, vivia dando dor de cabeça pra minha mãe, eu sempre cobrindo ela em todos os erros que ela fazia pra ela não apanhar, não tomar uma cintada. A única pessoa que realmente tinha mais paciência de brincar comigo era o meu avô, então isso eu lembro muito, muito mesmo. Tanto é que se falar assim: “Você se lembra de mais coisa da época?”. Não. Não vou lembrar. Lembro-me dos meus aniversários que as fotos não negam, porque a maioria das vezes, minha mãe sempre falava assim, procurava a Adriana, cadê a Adriana? Estava dormindo. No meio da festa eu sempre dormia, eu me enfiava debaixo da mesa, eu me enfiava em algum lugar, quando ia procurar a Adriana, a Adriana estava dormindo. Mas era uma festa super alegre, a gente é muito festivo, minha família toda gosta muito de festa. Mas é que a minha vida foi muito... Apesar de eu ter tido infância, tudo, não tem muita coisa nova porque eu não viajava, era escola, casa, casa, escola, às vezes na casa de um amigo, de um vizinho que era amigo dos meus pais, a gente ia, brincava. Da infância, uma que eu falo que a minha irmã aprontava muito, teve um dia que ela rabiscou toda a parede, mão, tudo com canetinha, minha mãe foi brigar com ela, ela começou a fugir pela casa, minha mãe atrás dela pra poder bater, eu que nem uma barata tonta tentando seguir alguém, uma das duas e não conseguia. Como eu morava em térreo minha irmã pulava uma janela, minha mãe ia atrás, saía por outra porta e ia e ela fugiu pra rua. E saiu. Minha mãe não conseguiu alcançar. Aí minha mãe perguntava: “Cadê a sua irmã?” “Não sei”. Eu sabia onde ela podia estar porque eu sabia onde era a casa da amiga dela que ela gostava sempre de brincar, mas sempre protegendo todo mundo. Aí eu falava pra ela: “Não, mãe, eu não sei. Não sei.” abaixava a cabeça “Não sei. Não sei”. Aí chegou o meu avô, aí meu avô falou: “Onde está a sua irmã?” “Não sei”. Aí a minha mãe: “Ela sabe. Ela não quer falar”. Ficava naquele lance. Aí o meu avô falou: “Se você não falar quem vai apanhar és tu”. Parei pra pensar, né? O jeito vai ser eu falar. Aí fui, que eu levei o meu avô até lá a minha irmã. Trouxe a minha irmã pelo braço com aquele jeito rude dele, minha mãe deu uma bela de uma cintada: “Você vai ficar sem comer”. E a deixou sem comer, foi pro quarto chorando e aí ela falava pra mim: “E você não ajude a sua irmã”. Porque ela sabe que eu sempre ajudava. Aí jantei toda quietinha, de sobremesa tinha uma maçã, aí o que ela resolveu? Vou pegar a maçã, né? Mas eu não comi a maçã, eu escondi a maçã pra levar pra minha irmã, coitada, ela estava lá sofrendo, apanhando, sem comer. Levei escondido. Só que minha mãe já conhecia a filha que tinha, então eu dei um tempinho e fui lá no quarto. Quando ela pegou que viu que eu tinha dado a maçã, bom, sobrou pra mim a cintada. Eu que apanhei, fiquei de castigo junto com ela. “Isso é pra você aprender a não me desobedecer”. Mas não tinha jeito, era involuntário, eu via alguém precisando eu submetia lá e fazia, não importa a consequência, eu ia sofrer ou não. Então são partes mais da minha irmã que eu acompanhava por eu ser muito sossegada. Muito. Sempre muito sossegada.
P/1 – Essa é a sua irmã mais velha?
R – A mais velha. A mais nova eu não tive muito contato com ela quando ela nasceu porque ela nasceu e com dois anos meus pais se separaram e a minha mãe por ter que trabalhar fora ela ficou mais morando com a minha avó, mãe da minha mãe, do que em casa. Então a gente se via de final de semana, então a gente não teve uma convivência de troca, de brincar, nada disso. Apesar de que a gente tem uma diferença de sete anos de idade. Mas eu já a acolhi, não sacaneava que nem a minha irmã me sacaneava. Então eu fui ter um contato maior mesmo, mais próximo com minha irmã mesmo agora em fase adulta praticamente. Depois que ela foi mãe, eu tenho um sobrinho de 11 anos, que a gente começou a ter um contato mais próximo mesmo, que as diferenças foram se minimizando. Eu peguei uma bronca muito grande porque ela tinha tudo, minha avó tinha uma situação de vida melhor, pois ela pode ter tudo, eu nunca tinha nada, então a filha do meio sempre sofre porque primeiro é a mais velha, a mais nova, a do meio sempre sobra na história. Então eu tinha certa revolta por conta disso. Minha mãe fala que o que eu não dei trabalho, mais nova eu dei quando eu era adolescente porque eu comecei a brigar, eu reclamava, eu enfrentava, não levava desaforo pra casa. Sempre fui muito contra o sistema da família. Então se todo mundo achava que eu tinha que ir por ali eu ia pro outro lado. Então a ovelha negra da família era a Adriana, né? Até o pessoal começar a entender que essa minha revolta era uma revolta por conta do que eu ouvia das minhas irmãs e eu não tinha a mesma coisa se passou muitos anos. Pra isso eu precisei estudar, casar, ter tudo que eu tenho, que das três irmãs a única que é formada sou eu, a única que tem pós-graduação sou eu, a única que conseguiu comprar o seu apartamento com muito custo fui eu. Eu nunca precisei, entre aspas, 100% de alguém. Lógico, a gente sempre precisa de alguém, mas a maioria das minhas coisas, a minha vida eu vivi sozinha. Então a ovelha negra que achavam que ia ser aquela revoltada que não ia chegar a lugar nenhum, é a que conseguiu mesmo seguir o trilho e alcançar todos os seus objetivos, os seus sonhos.
P/1 – E você nessa fase de infância ainda foi bem quando os seus pais se separaram, né? Nove anos você tinha, é isso? Dois anos dois que sua irmã... Dez anos...
R – Dez anos. É. Dez anos mais ou menos.
P/1 – E como é que foi isso pra você? Como é que foi esse processo? Que lembranças você tem? Qual que foi a sensação?
R – Então, eu não sei, eu trago uma coisa comigo que eu aceito... Não é que eu aceito, eu entendo eu acho que as situações de uma forma muito mais tranquila do que qualquer eu acho... Até das minhas outras duas irmãs. Eu me lembro da situação, do momento realmente que aconteceu a separação, eu dormia, como eu falei pra você eu sempre fui muito dorminhoca, tanto é que o meu apelido era Nani e Naninha, que eu só vivia dormindo. Então eu só lembro minha mãe me acordando e falando: “Vamos embora. Vamos embora”. Não sabia nem o que estava acontecendo. Quem vivenciava as discussões, a maioria das discussões de família com a minha mãe e meu pai era a minha irmã mais velha. E eu lembro na hora que eu estava saindo que meu pai fala: “Não. A Adriana fica”. Que eu era a xodó do meu pai. A minha mãe: “Ela vai comigo”. Eu lembro que eu fiquei naquele... Eu na verdade queria ficar pra continuar dormindo (riso), eu não queria ir por conta disso. Aí até eu entender o que era a separação, que eu não ia estar com os meus pais mais no dia a dia, mas não foi tão difícil aceitar porque o meu pai vivia mais fora do que em casa por conta do trabalho, então eu não criei vínculo muito com o meu pai. Lembro quando ele me ensinou a andar de bicicleta, mas eu já tinha 12 nos, 13 anos, já estava até separado, mas eu não tive aquele negócio de pai com filho. Meu pai eu não tive. Meu pai vivia mais em São Paulo do que aqui, era só fim de semana que eu o via, então não tinha mesmo esse contato. Então acho que pra mim foi de certa forma tranquila a separação. Entendia, respeitava, torcia pra que os dois arrumassem alguém logo e crescesse. Só não torci muito quando fui pega de surpresa, por eu ser o xodó do meu pai, ninguém queria contar do meu pai, meu pai estava namorando. Eu só fui saber quando meu pai estava namorando uma semana antes dele casar, então eu me senti traída. Então você imagina, uma pessoa que primeiro, tinha acabado de passar pelos seus 15 anos, seu pai tinha prometido pra você uma festa e não fez e você descobre depois de dois meses que ele vai casar uma semana depois com festa e tudo. Então juntou tudo, a traição com a tristeza de que ele deixou de fazer uma festa de 15 anos que você tanto queria, de valsa, tudo, e saber que... Utilizar, que você saber não, isso é uma dedução minha, que ele deixou de fazer, gastar comigo pra poder gastar no casamento com aquela outra que estava me traindo. Então essa parte foi a mais difícil pra mim, aceitar isso tudo. Foram brigas e brigas, inclusive essa briga durou até mesmo quando ele morreu. É como se eu não tivesse perdoado ele por essa traição que ele fez comigo. Respeitava por ser meu pai, mas eu cortei as relações, foi um basta, como se eu fosse a ex-mulher mesmo, falei: “Eu que sou a ex-mulher dele”. Essa parte foi a mais difícil. Tanto é que a esposa dele quase não fala comigo, eu não tenho contato direto com o meu irmão, eu falo pelo Facebook, a gente tem essas relações, mas contato, contato mesmo a gente não tem porque eu brigava com ela, eu a enfrentava, eu a culpava de tudo, que ela tirou o meu pai de mim, ela que isso. Aquela revolta de adolescente mesmo que não entende a situação, que a pessoa fez da melhor forma possível, na verdade eles estavam querendo me poupar porque queriam que eu não sofresse, mas não adiantou, foi pior, né? Era mais fácil ter falado antes, eu ter sofrido, mas pelo menos eles estavam falando bem antes pra mim eu tinha aceitado acho que de uma forma melhor a situação. Mas é aquele momento, foi o único momento que eu percebi que mexeu bastante comigo, foi me sentir traída. Mentiu pra mim, né, enganação. Mas isso foi a parte mais difícil mesmo.
P/1 – Queria saber que mudou na sua vida nessa fase de transição da infância pra adolescência pensando um pouco até a quinta série você fez num colégio, depois teve uma mudança de colégio, ne? E essa é bem essa passagem da pré-adolescência pra adolescência, o que mudou na sua vida em termos de hábitos, de amigos, de lazer? Quais que foram as principais mudanças? De temperamento...
R – Eu acho que teve uma mudança pra mim muito grande. Porque eu tive uma infância que hoje as crianças não têm, com liberdade, você podia brincar, você tinha tempo pra brincar, não era cobrado nada a não ser o respeito com o adulto, ser educada, não falar quando um adulto tiver falando. Se mandar sair tinha que sair, não tinha que ficar na sala. Então fora isso, eu tinha toda liberdade de brincar, ia pra escola, tinha que estudar, mas depois eu ficava com o tempo livre pra brincar. Quando eu vim pra Santos, que começou toda essa diferença e logo em seguida meus pais se separaram, eu tinha um padrão de vida, não que eu senti a perda financeira, não foi isso, mas que nem você falou, muda o costume, muda toda a sua rotina, todo o seu hábito. Os amigos, as pessoas, as festas que você ia você não vai mais, os amigos que você vai já nem sempre, são poucos que você ainda tem contato. Você perde o contato com essas pessoas. Morava no Canal 1, fui morar no Canal 4, mudou totalmente, né? Fui estudar em São Vicente. Então eu acredito... Eu acredito, não. Foi uma mudança muito drástica pra mim, mas como eu falei, eu sempre fui de olhar a situação de uma forma muito positiva. Eu não colocava um peso, não dramatizava a situação. Na verdade eu a observava e tentava me adaptar. Mas, lógico, a gente sente, pô, antigamente eu passeava, antigamente eu ia até um restaurante, hoje eu não vou mais. Hoje eu vejo, quando os meus pais se separaram, por exemplo, eles tinham um apartamento, era financiado, meu pai ao invés de deixar, vamos supor, no nome dos filhos pra gente continuar morando lá não quis, foi ruim porque não aceitava a separação. Minha mãe teve que alugar um apartamento, é você entrar num apartamento que antes você entrava e tinha geladeira, fogão, sofá, cama, tudo, você entrar num apartamento você não encontrar nada. Minha avó comprou uma cama pra gente poder dormir e um fogão pra fazer comida até a separação sair e decidir o que é seu e o que é meu. Meu pai teve a capacidade de dividir até talheres, então eram 12 talheres, meia dúzia pra você, meia dúzia pra mim. Então isso achei muito absurdo do meu pai, mas eu não interferia porque isso eu tinha um entendimento, apesar de ser muito nova, que isso era coisa deles, não era minha. Eu não comprava pra mim essa situação. Eu continuei estudando, eu consegui a bolsa, fui até o quinto ano. Aí do quinto ano eu pedi pra estudar num colégio mais próximo porque estava muito puxado o que eu gastava de condução indo pra lá e pra cá. Minha irmã parou de estudar. Então pra eu ir sozinha pra São Vicente já era mais complicado. Aí eu consegui fazer com que meu pai pagasse também uma escola pra mim pra eu não ir pro estado, eu continuei numa particular, numa de bairro, mas também muito boa. Aí terminei o meu ginásio lá. Então teve, teve muita diferença então...
P/1 – E sair você fazia alguma coisa? Fora o estudo pra se divertir saía com amigos? Como é que era o seu cotidiano em termos de lazer?
R – Então, enquanto adolescente eu vivia naquela época que você não podia ficar até tarde na rua. Minha mãe era um pouquinho bem rígida nisso ainda. Lógico que a gente ultrapassava, contava uma história triste pra ela acreditar, claro que ela não acreditava, mas a gente achava que acreditava. Mas eu tinha que chegar sempre cedo em casa, então até os meus 18 anos era no bairro mesmo. Então eram os amigos vizinhos ali de prédio onde eu morava, da rua, do colégio, então a gente costumava muito ficar sentado na frente do prédio conversando, brincando, mas eu percebia que já não tinha mais aquelas brincadeiras que eu fazia antes. Então aquelas brincadeiras de pega-pega, de esconde-esconde, essas coisas eu já não fazia mais porque aquelas pessoas daquela região, daquela idade ou e Santos, não sei, já não tinham mais esse perfil de brincar. Era mais bater papo, não existia celular nem Tablet, nada, então a gente passava o dia no Stop, brincava de Stop, isso ainda fazia. Killer é uma das brincadeiras que a gente ainda fazia, mas era bem rara, bem rara. Era mais bate-papo, ouvir música, conversar, mais nada.
P/1 – Festinha na casa dos amigos tinha, no bairro?
R – Não. Não tinha. Quando eu fazia o meu aniversário, então como eu não podia pagar pra ninguém então sempre fazia aquela festa que cada um traz alguma coisa, então isso eu fazia questão. Eu nunca exigia nada, mas até hoje eu faço questão que o meu aniversário não posso deixar passar em branco, seja com um bolinho de fubá da padaria, mas tem que ter um bolinho e cantar parabéns. Então era um momento em que eu chamava todo mundo na minha casa, então teve festa em casa, festinha, colocava musiquinha, tinha música lenta. Nesse período eu lembro que eu ia muito, que eu sempre gostei de dançar, minha irmã mais velha ia pra matinê e ela tinha que me levar junto. A sorte dela é que eu gostava, então não atrapalhava. Então ela ia lá namorar os meninos e eu ficava lá que nem uma tonta esperando ela voltar. Mas era a parte onde também era um lugar que eu ia, nas matinês de discoteca na domingueira que também era muito...
P/1 – Onde era que vocês iam?
R – Então, eu comecei a ir num clube aqui em São Vicente até que começou a abrir no Gonzaga, que é uma das regiões nobres aqui de Santos. Tinha umas discotecas novas que andaram abrindo, agora eu já tinha os meus 14, 15 anos, minha irmã já tava... Minha irmã casou com 17, já estava casada até, com 15 anos ela já estava casada. Então comecei eu a sair sozinha. Então minha mãe trabalhava, eu pegava o dinheiro no final de semana, pedia pra ela e ia pra discoteca. Então ia três horas da tarde, oito horas acabava, a gente já vinha pra casa, que era o meu castigo...
P/1 – Você estava falando, pra gente retomar então, das domingueiras, né?
R – É. Então, eu ia muito pras matinês. Como minha mãe sabia que eu gostava tanto, se eu fizesse alguma coisa de errado minha mãe tirava a matinê. Só que minha mãe trabalhava naquela época também com corretagem, venda de imóveis, tal, e ela trabalhava no Guarujá. Então às vezes ela falava assim: “Você vai ficar em casa, não vai pra matinê”. Não me dava o dinheiro pra eu ir pra matinê. Ah, mas eu tinha a pachorra de olhar, mexer nos bolsos dela tudinho procurando moedinha pra juntar só pra eu ir pra matinê. E eu ia pra matinê. Quando ela descobria era uma bronca só, mas era uma coisa que eu gostava muito. Gostava não, gosto até hoje de dançar, de ouvir música. São coisas que me fazem muito bem. Tranquilizam-me, é uma terapia, acho que é musicoterapia? É isso mesmo. Musicoterapia. O que me mantém no equilíbrio é a música e a dança, porque você mexe com toda a sua estrutura, você se desliga do mundo, né? Você só presta atenção no ritmo e começa a gostar, então é uma coisa que me faz muito bem. Então toda vez que alguma coisa me incomoda eu vou atrás de uma música, coloco um microfone, coloco um fone, coloco alguma coisa assim e fico escutando música até me acalmar.
P/1 – O que você gostava de escutar e de dançar na época?
R – Ah, música. Era mais eletrônica que tocava na época. Não era samba nem pagode, nada disso, eram músicas eletrônicas mesmo de discoteca. Então não lembro agora o nome de uma música, não me pergunte por que eu não vou lembrar, mas a gente dançava muito aquelas de passinho que todo mundo dançava igual, era uma coisa super legal. Era um desafio quem conseguia acompanhar aquele outro que tava fazendo um passo novo e eu sempre conseguia dançar tudo que todo mundo fazia porque eu gostava muito, eu tenho uma facilidade muito grande só de observar aprender. Era mais eletrônico mesmo. A lenta era gostosa quando a gente tinha algum gatinho, alguém pra dançar junto, senão a gente ficava lá achando o pior momento da discoteca era a lenta. Na matinê mesmo havia isso. Só que minha mãe também é uma pessoa que gosta muito de dançar, então ela frequentava muito já o que chamavam antigamente de Baile da Cebola, Baile da Terceira Idade, aquela coisa que era mais pra idoso, tocava bolero, MPB, umas músicas mais antigas mesmo da época dela. E como eu tinha uns 14 anos, tudo, o que ela fazia? Ela me levava à noite, porque era à noite, não tinha com quem me deixar, ela me levava junto. Minha irmã já era casada então eu tinha que ir junto. E eu ia e curtia muito, gostei muito daquelas músicas. Achava até mais legal do que a discoteca que eu ia. Eu curtia aquelas pessoas dançando, os trajes que eles iam porque eles tinham toda uma preparação, não era de qualquer jeito que eles iam praquele baile, os adultos naquela época. Então era o sapato social, era o terno, aquela calça de linho bem passadinha. As mulheres de saião, vestido, aquela coisa bem social mesmo. E dançar, fazer aquele espetáculo na pista dançando aquelas músicas e eu curti muito. Tanto curti que assim, não tinham nem 18 anos que eu comecei, quando eu pude começar já a entrar à noite, eu comecei a frequentar bailes que tocavam essas músicas e eu começava a dançar esses tipos de música. Então aprendi, aqui é dança de salão que eles chamam, né? Eu comecei a aprender com a minha mãe e com o pessoal, os amigos da minha mãe me tiravam pra dançar, eu fui aprendendo e danço até hoje isso. Curto muito. Sinto muita falta porque você não encontra mais isso. Hoje em dia você não encontra mais um lugar decente que tenha ou flashback ou então esse tipo de baile pra dançar são raríssimos que você encontra, muito raro mesmo.
P/1 – Teve alguma canção desses bailes que tenha te marcado? Uma canção favorita.
R – Olha, não. Favorita não diria que eu tinha porque eu gostava de dançar, então não importava a letra da música, importava o ritmo. Se o ritmo dava pra eu dançar aquilo que eu gostava eu dançava. Eu dançava às vezes a lambada, dançava o bolero, dançava... O que vinha eu dançava, não tinha jeito, qualquer coisa, era salsa, era samba rock que eles chamam hoje. Então importante não era a música, na verdade era o ritmo, era dançar, eu tinha que dançar. Então eu fazia espetáculo com o pessoal, eu era bem mais magra, eu podia fazer um monte de coisa que hoje eu já não aguento mais. Eu dançava, jogava pra cá, jogava pra lá, ia por debaixo das pernas. A gente fazia show, espetáculo mesmo sem ganhar nada. Pelo contrário, você ainda pagava porque você tinha que pagar pra entrar. Mas era uma coisa assim que não tinha igual, não existe, hoje eu não consigo. Hoje se eu falo assim, mesmo se eu parar e tal, eu vou sair, pra onde que eu vou? Eu não sei, porque qualquer lugar que você vá hoje o pessoal só está sentado ou em barzinho bebendo, você não vê mais esse tato, esse contato humano. Se tem é por algum interesse e não assim por simplesmente prazer, aquele momento, curtir o momento, aquela situação. Hoje eu não vejo, não consigo encontrar nenhum lugar desta forma.
P/1 – Onde que eram esses bares que você frequentava com a sua mãe?
R – Um lugar que a minha mãe me levava muito se chamava Chão de Estrela. Não existe mais. Era uma pista ótima pra dançar, isso segundo ela que era especialista nisso, mas era o Chão de Estrela, ficava na Epitácio Pessoa no Embaré, então era um lugar muito bonito. Aí depois dali a gente começou a ir, existia uma discoteca aqui em Santos que é uma referência em Santos, chamada Loft. Não existe mais também, mas ela ficou marcada na cidade, tanto é que hoje existe um projeto que uma vez acho que por mês ou dois meses acontece o que eles chamam de Reviver da Loft. Então passa toda a sequência de música que passava na época, eles passam nesse dia que acontece aqui. Então eu comecei a frequentar essa discoteca. Os donos lá conheciam a minha mãe, tudo, chegou uma hora que eu era VIP. Então ia na terça porque terça dava aquilo, quarta dava pagode, na quinta era Quinta Romântica que eles chamavam que era esses tipos de música de dança de salão, aí na sexta já era rock, no sábado era eletrônica e no domingo era domingueira. Então todo dia era um dia, tinha um motivo pra eu ir pra lá e eu não pagava mesmo, então era melhor ainda. Foi muito bom. Minha vida era isso, era estudar, tive que trabalhar cedo que minha mãe me colocou pra trabalhar cedo, foi outra resistência que eu tive, não por trabalhar e sim porque eu não entendia porque minha mãe me obrigava a trabalhar sendo que eu a escutei falando pra minha irmã que ela só tinha que trabalhar porque ela tinha parado de estudar e ela não ter nenhuma filha vagabunda em casa. Então ela tinha que trabalhar. E eu não entendia por que eu estudava e por que eu também tinha que trabalhar com 15 anos, mas ela me obrigou. Aí me ameaçava, se eu não trabalhasse eu tinha que morar com o meu pai, eu não queria morar com o meu pai, então eu tive que trabalhar. Então eu tive muita resistência por isso, essas diferencinhas começaram a me revoltar, entre outras, uma por ter coisa demais, a outra não tinha e fazia o que queria, aprontar, mas porque era noiva podia sair, eu que estava só no meio da coisa era obrigada a cumprir o castigo. Então eu me sentia muito injustiçada na família. E isso por um lado foi bom, porque a revolta na época mexeu muito com a minha família porque eu batia de frente mesmo, se eu quisesse fazer uma coisa eu simplesmente fazia. Mas por outro lado me deu forças que minhas outras duas irmãs não têm. Eu sei enfrentar a vida, encarar a vida de uma forma que as minhas outras duas irmãs não têm, por ter tido proteção mais do que eu. Então hoje, lógico, depois de um tempo a gente começa a reconhecer tudo que acontece na nossa vida á atrás. Naquela época a gente coloca vários empecilhos, julga, critica, reclama, mas quando a gente começa a parar pra pensar, analisar a sua vida hoje, o que você foi, você começa a compreender muitas coisas e que foi muito bom. Foi muito bom. Poderia ser diferente? Eu gostaria que pudesse ser diferente, menos árduo porque eu sofri, não digo sofrimento, mas eu passei por situações com a minha mãe que as minhas outras irmãs não passaram. Desde fome, sabe, de você não ter o que comer em casa. Minha irmã casou, a outra ficava com a minha avó, quem sofreu mesmo, passou por tudo fui eu. Despejo, você não conseguir pagar aluguel. E corre atrás de aluguel, e faz mudança, embrulha tudo. Então foram várias situações difíceis que eu passei na minha vida que as minhas irmãs não vivenciaram. Vivenciaram de longe e ainda criticando, e criticando a minha mãe. E eu não admitia isso, não admitia ninguém falar da minha mãe. Até hoje não admito que alguém fale da minha mãe, não só por ser minha mãe, mas por entender toda a garra, toda a dificuldade que ela teve e entender o porquê que ela passou por tudo aquilo. É por escolha? Às vezes é por nossas escolhas que a gente passa pelas coisas, mas a gente tem que respeitar as escolhas das pessoas, não só criticar. Então eu aprendi, eu acabei virando o homem da casa, então eu que trocava o botijão, eu que trocava tudo. Tudo que eu pouco sei hoje foi por que eu tive que aprender na garra.
P/1 – Qual que foi esse seu primeiro emprego com 15 anos?
R – Foi numa empresa de rádio. Na verdade não era empresa de rádio, a pessoa era locutor de um rádio, da Guarujá na época, tocava até meio dia música só samba. Ele tinha um escritório musical de produção e precisava de alguém que ficasse datilografando naquela época ainda. Minha mãe sabia que eu era boa nisso, tanto é que eu fazia técnico de processamento de dados, então tinha um domínio melhor nessas coisas. E nessa época eu fui trabalhar com ele, nessa época foi legal porque eu passava a tarde toda escutando música, então não foi difícil pra eu trabalhar lá. O mais difícil foi quando no ano seguinte ela queria que eu trabalhasse numa imobiliária, num escritório, então eu estudava eu acho que à noite, é, eu estudava à noite, ela queria que eu trabalhasse durante o dia todo. Que o técnico de processamento de dados que eu fiz era à noite no Objetivo. E ela então queria que eu ficasse o dia inteiro, que eu tinha que trabalhar. Então você imagina você de férias, todo mundo de férias você tendo que trabalhar com 15 anos. Foi muito difícil, eu não aceitava aquilo. Cheguei um dia pra minha mãe falei: “Mãe, eu não vou mais trabalhar, eu não quero”. Ela falou: “Você vai.” “Eu não vou.” “Você vai”. Aí ficou aquela coisa, você vai, não vou, vai, não vou, eu falei: “Tá, eu não vou”. Só que o que acontece, eu tinha a chave, eu que abria o escritório. A minha responsabilidade que hoje eu falo que é a única que eu acho que a culpa maior que eu tive foi essa, que ao invés de eu ir lá pelo menos levar pro rapaz da empresa a chave e dizer: “Olha, eu não venho mais.” mesmo contra a minha mãe, o que eu fiz? Eu guardei a chave dentro da gaveta do meu quarto, peguei a minha mochila com o meu walkman, um mini órgão que eu tinha, caneta pra desenhar e saí, fui pra praia. Fiquei lá sentada, estava de calça, tudo, não fui pra ir pra praia, fui pra praia porque o mar me acalma, é outra coisa que me acalma. Sentei lá, coloquei o meu fonezinho de ouvido, fiquei tocando musiquinha no meu órgão, fiquei desenhando, olhava lá o desenho do mar, ficava tentando copiar, muito mal, mas ia lá relaxar e isso foi passando o dia. Eu sumi, não dei notícia, não tinha celular na época pra te achar. Eu sumi e eu não queria voltar pra casa, eu briguei muito feio com a minha mãe que eu não ia, que eu não ia, que eu não ia e não fui. Isso já eram dez horas da noite, eu passeando pela orla da praia encontrei um amigo meu que era até segurança dessas baladas que eu ia, ele falou: “Pô, Adriana, o que você está fazendo aí?” “Nada. Briguei em casa, saí de casa não quero mais voltar”. Aquela revolta. Aí ele conversou comigo: “Não, tu não vais poder ficar aqui. É perigoso, já são dez horas da noite, tal. Vem embora comigo”. Aí fui com ele até a casa dele, ele me deu um copo d’água, deu uma coisa pra eu comer porque eu tava sem comer nada, ele disse: “Agora você vai voltar pra casa.” “Não vou voltar pra casa. Não, minha mãe vai querer me bater, vai brigar comigo, eu não quero. Não vou voltar a trabalhar.” aquela coisa de resistência. Só que eu conhecia todo mundo ali da região, meus amigos todinhos minha mãe conhecia. Nesse ínterim que eu estava totalmente fora ela já tinha alarmado todo mundo, mandou todo mundo me procurar e eu não sabia de nada disso, né? Todo mundo atrás de mim, ninguém me achava. Até que eu estava chegando perto de casa um dos meus amigos me viu, falou: “Pô, Adriana, onde tu estavas? Tua mãe está que nem uma louca atrás de você e tal. Está com a tua foto já pra ir pra polícia que não sabia onde você tava.” “Eu briguei com ela, não quero voltar”. Estava resistente de não voltar, o pessoal: “Pô, Adriana, volta. Conversa com ela, está maior preocupada, está com medo e tal.” “Não, ela vai querer me bater então alguém vai lá. Se ela prometer que não vai me bater eu entro em casa”. Aí eu não sei quem foi falar com ela, ela falou que não ia me bater, aí eu falei: “Então está bom. Agora eu volto”. Aí eu voltei. Ela falou: “Não vou te bater porque eu prometi que eu não vou te bater, mas já liguei pro seu pai, o teu pai vai resolver a situação aqui”. Eu falei pronto, meu pai nunca veio aqui em casa pra me chamar a atenção, o que vai acontecer comigo agora? Estou ferrada. Imagina. Meu pai chegou: “Filha, você não pode fazer isso...”. Quando eu percebi que ele não ia me bater, que ele não ia fazer nada de grave, aí vi aquela da malandragem, falei: “Ah, pô...”. Relaxei. Mas eu expliquei, falei: “Eu não quero, pai, eu não quero trabalhar, eu quero estudar, eu quero viver minha vida. Eu estou estudando”. Enfim, minha mãe: “Me fez passar vergonha porque o rapaz ficou querendo entrar no escritório, não entrava, não sabia onde estava a chave”. Enfim, essa foi a pior parte, não foi o não voltar a trabalhar. Mas no momento mesmo a gente não pensa nisso, a gente pensa em mil coisas, acha que é pessoal, acha que é só contigo, está contra você e você não para pra pensar nas consequências disso tudo, dos seus atos.
P/1 – Você falou que você fazia um técnico de noite, por que não era o colegial? Era o técnico no lugar do colegial? Como é que era isso.
R – Então, quando eu terminei o colegial... Porque quando eu tive 15 anos, fiz 15 anos a minha mãe até se assustou quando eu falei isso, eu falei: “Mãe, eu já sei o que eu quero pra minha vida. Eu quero uma moto...” que eu sempre gostei de moto, aprendi a pilotar com 14 anos “...eu vou trabalhar, vou comprar minha moto, vou comprar o meu apartamento. Se eu casar eu quero casar de vermelho e se eu não casar até os meus 25 anos eu vou ser mãe solteira”. Quando eu falei isso, imagina, com 15 anos, mas nunca tive nada, tal, fui ter relação depois dos 18, mas naquela eu já tinha trilhado a minha vida, não sabia que profissão que eu ia ser, mas eu sabia que eu queria alcançar essa... Essas eram as coisas que eu queria conquistar na minha vida, que ia ser mãe, que eu ia ter meu apartamento, que eu ia ter minha motinha, enfim, ia ter minha profissão porque pra eu comprar eu tenho que trabalhar, né? Isso passou. Então quando eu terminei a oitava série eu ainda não sabia o que eu queria fazer e todo mundo: “Vai fazer uma faculdade”. Eu já tinha feito um ano de Microcamp que é um curso de informática, eu já tinha feito um ano e tinha gostado muito e gosto muito de tecnologia e eu falei: “Não quero. Não sei o que eu quero fazer, eu não vou fazer qualquer faculdade”. Então eu sempre fui muito incisiva nas coisas, não sei, não sei, não vou fazer.
P/1 – Mas isso com 15? Por que a faculdade você entraria aos 18.
R – Isso. Eu estava indo pro colegial.
P/1 – Pro colegial. Aí você não fez o colegial?
R – É. Então, antes de fazer o colegial, eu estava na oitava série, então eu já tava pensando: “Bom, eu não sei o que eu quero fazer, então eu vou fazer um colegial técnico que enquanto eu não souber o que eu quero pelo menos eu tenho uma profissão.” que seria técnico em processamento de dados. Foi isso que eu pensei na época. Então naquela época tinha ou técnico em processamento de dados ou magistério. Falei não, magistério, professor, não. Daí descobri que passar o dia criando coisinhas pras outras coisinhas fazerem não ia dar muito certo comigo. Falei não, não combina mais comigo isso, então fui fazer técnico de processamento de dados. Como eu tinha feito um ano de Microcamp, gostei muito de informática, falei: “É um caminho que eu vou me dar bem”. E vim fazer o colegial técnico, só que o colegial técnico só era à noite, não tinha de dia, então ia passar o dia inteiro praticamente ociosa. Aí pra não passar ociosidade minha mãe me obrigou a trabalhar contra a minha vontade.
P/1 – E esse trabalho de datilografia na rádio você datilografava o que?
R – Às vezes era contrato, às vezes era algum texto que ele tinha que falar como locutor mesmo, a gente preparava alguma coisa. Às vezes eram até mesmo letras das músicas. Às vezes tinha poesia que ele falava na hora na locução. Atendia telefone pra fazer algum contato, eram mais mesmo coisas bem básicas mesmo, bem tranquilas. Não era nada absurdo, não era explorada. O lugar não era muito bom pra trabalhar, eu via que era uma casa, mas era muito apertadinho, era muito fechado, não era uma coisa expandida, moderna, nada disso, era uma coisa assim bem... Não é comercial... Não sei, não vou saber agora o nome, mas é um lugar assim bem simples, bem doméstico, não era empresarial, que você via que era empresarial, era como se você fizesse o seu escritório dentro da sua casa. Era uma coisa bem simples. O lugar era esquisito pra ir trabalhar e eu ia a pé. Era perto de casa, mas era um lugar complicado mesmo, mas eu nunca tive medo de andar pelas ruas apesar dos riscos que eu sabia que podia ocorrer, eu nunca tive esse receio, sempre tive muito cuidado com isso.
P/1 – Você lembra como você gastou os seus primeiros salários desse trabalho na rádio? Ou o primeiro salário como é que você gastou?
R – Na verdade eu não gastei, minha mãe pegava todo o meu dinheiro. Inclusive esse que eu saí, que eu abandonei ela falou que não ia me dar um tostão só por eu ter feito aquilo tudo, até hoje eu não vi um tostão do dinheiro. Então comigo eu não gastei nada. Eu fui gastar, trabalhar mesmo, gastar um dinheiro comigo pela primeira vez foi quando eu estava já no colegial mesmo que eu precisei fazer estágio, aí eu consegui um trabalho numa contabilidade, eu fui registrada pra trabalhar na contabilidade, mas ao mesmo tempo eu fiz um contrato de estágio na parte de informática, então eu juntei o útil ao agradável. Isso eu já tinha 17 anos. Aí foi uma decisão minha, eu queria fazer o estágio, eu queria trabalhar, aí já partiu de mim, não foi obrigação. Aí sim, aí eu consegui convencer o pessoal da contabilidade a abrir conta pra todo mundo, naquela época eles abriam conta em banco, aí eu com 17 anos, imagina, ter uma conta em banco, melhor coisa do mundo, né? Meu pai trabalhava na rua de trás no banco, eu trabalhava na rua da frente na contabilidade. Aí eu consegui o meu talão de cheque, minha mãe tinha que assinar comigo porque eu era menor, mas meu talão de cheque, minha conta no banco, meu dinheiro. Aí eu lembro que logo quando chegou o meu cheque a primeira coisa que eu quis fazer foi comprar um sapato pra mim em três vezes, mas naquela época três vezes eram juros absurdos. Era loucura fazer em três vezes, o ideal era fazer à vista, mas era o que eu podia fazer, fui comprar em três vezes. Então aquele orgulho de você assinar o cheque, primeiro cheque, assinou com medo até de errar, eu comprei esse sapato.
P/1 – Como é que era esse sapato?
R – Era sapatinho tipo como se fosse uma sapatilha. Não uma alpargata. Era um sapato fechado porque estava perto do inverno mesmo. Então era um sapato fechado, eu estava sem nenhum fechado e eu lembro que eu fui falar com o meu pai, falar: “Pai, olha...” peguei até um ônibus com ele aquele dia porque às vezes eu ia tomar café na casa dele, ele já era casado com a outra esposa. Então às vezes eu pegava o ônibus com ele, passava lá, tomava um café, ia direto pra escola à noite. Aí eu fui mostrar pra ele: “Olha, pai, que eu comprei esse sapato.” “Como é que você comprou isso?”. Aí eu falei: “Com meu cheque, paguei em três vezes.” “Por que você comprou em três vezes? Por que você não falou comigo? Olha os juros que você...” gerente de banco, né “...o juros que você pagou, porque não sei o que”. Aquilo acabou comigo, acabou porque você estava toda contente: “Mas, pai, foi meu primeiro sapato com o meu dinheiro”. Pra ele não serviu essa felicidade, essa conquista. Pra ele estava mais preocupado com os juros, com a preocupação do gasto que é o perfil dele mesmo, sempre foi essa parte financeira. Por isso que eu falo que eu peguei um pouquinho de cada, porque eu tenho um controle financeiro muito grande, mas não chego a esse ponto, mas muito grande com isso e ao mesmo tempo eu tenho essa garra de enfrentar a vida da minha mãe que é batalhadora pra caramba. Então eu consegui pegar essas duas coisas que eu considero melhores dos dois pra aderir na minha vida. Aí eu comprei esse sapato, ele ficou muito bravo e eu fiquei muito brava, fiquei chateada com ele por conta disso. Foi onde eu tive uma das primeiras brigas com ele, depois de casado... Quer dizer, quando casado eu não briguei com ele na verdade, eu só fiquei chateada, não queria saber, ignorei, cortei relações por conta disso. Aí foi quando eu tive a primeira briga com o meu pai mesmo, que aí eu trabalhava nessa contabilidade, nós íamos pro Hopi Hari... Não. Pro Playcenter, na época era Playcenter.
P/1 – Se você puder só retomar, você tava falando dessa vez que vocês foram fazer uma excursão pro Hopi Hari...
R – Então, eu trabalhava na contabilidade então surgiu uma excursão pra ir pro Playcenter e eu não tinha máquina fotográfica, meu pai tinha. Aí eu liguei pro meu pai, falei: “Pai, você pode me emprestar a máquina fotográfica que eu vou viajar pro Playcenter, tal, eu queria tirar foto.” “Não, filha, tudo bem. Passa aqui na saída que a gente vai até em casa, você toma um café lá e tudo bem”. Só que nesse mesmo dia aconteceu um fato dentro do trabalho que eu quis trocar com o meu pai, falar pro meu pai. Por quê? Como eu falei eu fazia estágio lá também de informática e eu imprimia, fazia uma tabela pra uma indústria, então uma tabela de preços, era quilométrica a tabela. Toda vez que você ia imprimir você perdia acho que umas duas horas imprimindo que eram aquelas impressoras seriais, né? E se passava horas, naquela época você não é que nem hoje, você imprime e faz outra coisa no computador, quando você mandava imprimir não se fazia mais nada, você tinha que esperar acabar a impressão pra continuar fazendo alguma coisa. Aí o que eu fiz? Eu ia ter prova, então aproveitei aquelas duas horas que eu ia ficar sem fazer nada pra estudar. E um dos sócios da contabilidade ficou bravo comigo quando me pegou estudando e eu fiquei muito chateada com isso. Eu falei poxa, não é justo, eu não deixei de trabalhar pra poder estudar, que ele falou pra eu estudar outra hora, estudasse em casa, estudasse na hora do almoço, menos naquele momento. Eu fiquei muito chateada, não respondi pro dono, lógico, a gente tem respeito, mas eu fui comentar isso com o meu pai. Então quando eu peguei o ônibus pra ir pra casa dele eu... Eu já estava na casa dele tomando café, eu comentei com ele, falei: “Pô, pai, aconteceu isso, que eu fiquei chateada porque eu não deixei de trabalhar”. Aí ele vira pra mim, já tinha falado do sapato, né, aí vira pra mim e fala: “Mas se eu fosse o seu patrão eu ia fazer a mesma coisa”. Aí eu olhei pra cara dele, falei: “Não. Eu não acredito que eu estou escutando isso. Eu penso que eu vou escutar uma palavra de conforto do meu pai e ele é que fala, confirma que eu estava errada”. Aí eu fiquei muito chateada. A gente conversando, ele querendo explicar como é que era a máquina, só que esse chateado duas vezes, uma no ônibus quando eu falei do sapato, quando eu cheguei em casa eu tomei essa de novo na cabeça, então eu já comecei a ficar resistente com a situação. Aí ele pegou a máquina pra me mostrar, tudo. Eu falei: “Não, pai, eu já sei mexer na máquina.” “Você já sabe, já está maior de idade, já tem até cheque”. Ainda falou assim. E a mulher dele lavando roupa lá do lado e eu na cozinha tomando café com ele. Eu falei: “Já sei, pai. Eu conheço, tal”. Eu não lembro exatamente qual foi a fala que ele virou e falou pra mim: “A sua mãe não te dá educação”. Aí quando ele falou que minha mãe não me dá educação na frente da mulher atual dele, bastou pra mim. Então briguei, sabe quando você bate o copo na mesa, derruba tudo, eu levantei já brava falando um monte, falei quem era ele pra falar da minha mãe, aí comecei a defender minha mãe, já comecei a falar da mulher dele: “Mulher é essa, mulher é minha mãe que fazia isso, fazia aquilo, essa daí não faz nada”. Enfim, lavamos a roupa suja ali. Aí ele me mandando ficar quieta, eu não ficava quieta, ele falava que ia me bater, eu falei que ele não seria louco de me bater, porque aí eu cresci. Aí eu falei pra ele: “Você não é louco de me bater. Você não falou que eu já sou maior de idade? Bate pra você...”. Aí comecei a enfrentar. Aí eu cheguei pro meu pai, virei as costas: “Eu vou embora daqui. Não fala mais comigo. Não quero mais saber do senhor”. Aí saí. Saí e fui embora, mas da casa dele até a minha casa, vamos supor, era acho que quase um quilômetro andando. Eu não lembro como é que eu cheguei na minha casa. Cheguei em casa, joguei-me na cama chorando, minha mãe perguntou o que tinha acontecido, eu nada, ela: “Você foi no seu pai?” “Fui”. Então ela já sabia o que tinha acontecido, né? Não falou mais nada. “Você não vai pra escola?” “Não vou”. E fiquei muito brava aí não falei mais com o meu pai desde então. Não falei mesmo. Eu cortei relações. Tudo. Por vários fatores, desde a época dos meus 15 anos, daí veio tudo à tona, sabe quando você começa a trazer tudo à tona? Aí o meu pai tentava falar comigo, eu não queria, eu falei: “Eu não vou falar mais com o meu pai”. Aí eu soube que ele ia cancelar a minha matrícula do último ano da escola, aí eu falei: “Ele vai fazer o que? Não vai fazer isso. Ele está pagando o meu estudo, ele não está fazendo mais nada e eu sei que ele tem condições de pagar. Se não tivesse era outra história, agora tu vais cancelar por que o meu último ano do colegial? Estou pra me formar você vai acabar com o meu estudo? Ah, não vai mesmo”. Aí eu fui até a agência dele, enfrenta-lo, falei: “Você não vai cancelar.” “Vou.” “Você não vai.” “Vou”. Aí eu já aumentei o tom de voz dentro da agência onde ele trabalhava: “Se o senhor fizer isso aí o senhor vai poder esquecer que tem uma filha chamada Adriana”. E virei as costas. Ele não cancelou, acho que ele ficou com medo de perder ali, acho que ele já viu minha filha é brava, eu acho que é melhor eu respeitar. Mas aí eu nunca mais falei com o meu pai. Nunca mais. Ele tentava falar comigo eu não falava. Ele ficou doente, teve diabete, aposentou-se por invalidez, não foi por tempo de serviço, chegou a ficar quase cego por conta da diabete, morreu por infarto porque a diabete subiu muito, aí teve infarto e acabou morrendo. Morreu em Pariquera-Açu, ele já não morava mais aqui, tinha vendido aqui e comprado uma casa lá, morava com a mulher dele lá e o filho dele. Só que a morte dele não me abalou, porque eu me fechei tão grande, tantas decepções que eu tive que hoje eu falo besteira tudo isso, mas naquela época pra mim era uma coisa muito grande que eu não senti falta, o meu pai morreu e era uma pessoa como se fosse um amigo, pai de um amigo, um tio, alguma coisa assim. Só que foi um grande erro meu pensar isso, que não tinha mexido comigo. Mexeu e mexeu muito e eu não sabia. Tanto mexeu que depois que ele morreu assim minha vida começou parece que a andar pra trás. Nada eu conseguia, nada dava certo, nenhum emprego que eu parava dava certo. Se eu tinha um namorado não dava certo. Eu comecei a me tornar uma pessoa tão rancorosa, tão... Aquela alegria da Adriana de brincar, de festeira, foi morrendo aos pouquinhos, eu não percebi, né? Com tudo isso que aconteceu. E eu questionava isso, falei puxa vida, eu quero me divertir, quero voltar a ser aquela Adriana, mas lá dentro queria, mas na hora da prática eu não conseguia, travava, eu me fechava, eu só chorava. Como se fosse característica até de depressão. Então eu vivi muito, vivi muito, tive muitos momentos felizes na minha vida, muitos, muitos, muitos, só que eu não entendia por que eu de repente não tinha motivo pra estar triste. Não é por perder o emprego ou não ter ninguém, não tinha motivo, eu simplesmente estava triste. Eu brinquei, eu tive Mobilete, eu andei de Mobilete, brinquei, fiz racha com a molecada, a gente brincava, eu ria, fazia festa surpresa pra um, brincava com a outra. Não tinha. Aí o tempo foi passando. Meu pai morreu em 2001, eu já tava na faculdade, foi uma conquista minha, até porque antes de eu fazer... Eu acabei o colegial minha mãe me encheu o saco pra eu fazer faculdade, porque toda mãe não sei por que insiste tanto pro filho fazer logo quando sai do colegial uma faculdade. Eu não queria porque eu não queria, não queria, não queria. Agora, pentelhou tanto a falar: “Adriana...” “Está bom. Eu vou fazer”. O que eu vou fazer? Não tenho a mínima ideia do que eu queria fazer, mas eu tinha que fazer, minha mãe queria que eu fizesse. Aí prestei Fuvest, Vunesp, uma era pra psicologia e a outra era, que não tinha nada a ver uma coisa com a outra, era radialismo... Era jornalismo, radialismo e relações públicas. Não tinha nada a ver comigo, nada, mas era o que estava lá, uma amiga minha acho que ia fazer, eu falei: “Vai essa então, vamos marcar essa”. Fiz, gastei inscrição mesmo na verdade só pra agradar a minha mãe porque eu sabia que eu não ia passar, porque eu não estava estudando, eu não queria e simplesmente fiz por que ela queria que eu fizesse. Isso eu acho que é um erro muito grande dos pais, eles têm que saber respeitar o tempo dos filhos, ajuda-los a se orientar e não obriga-los a fazer alguma coisa. Eu fiz as provas, tal, não passei, com certeza, eu ia sem dormir porque eu ia da balada direto fazer prova, mas enfim. A minha vida foi passando. Tive um relacionamento com 19 anos eu vivi seis anos, era pra ter uma filha de 20 anos, mas eu perdi minha gestação. Eu tive muitas perdas, muitos cortes no meio da... Muitas interrupções no meio da minha história, não conseguia fazer uma coisa linear, um começo, meio e fim.
P/1 – Eu quero só voltar um pouquinho quando você termina o colegial. Você contou agora que sua mãe queria que você prestasse uma faculdade, você prestou, não entrou e aí você prestou outra logo em seguida ou não, você ficou só trabalhando? Como é que foi esse momento antes de você efetivamente entrar na faculdade e aí qual que é o momento que você decide o que vai prestar e fazer a faculdade mesmo?
R – Eu passei então, saí do colegial que ela pediu pra eu prestar, não passei, não quis. Logo em seguida, que nem eu falei, eu estava com um relacionamento que eu parei, deram seis anos daí eu não quis mais nada. Nesse relacionamento eu cheguei a prestar Fatec que era de tecnologia, até pra tentar conseguir um emprego porque estava difícil conseguir um emprego. Então trabalhei em vários lugares, trabalhei com padaria, em padaria, trabalhei como caixa, trabalhei em pizzaria ajudando na parte da cozinha. Minha mãe já teve restaurante, já teve salão de beleza, então eu estava sempre junto trabalhando. Então eu já trabalhei em loja, enfim, eu já trabalhei com tanta coisa que eu falo que eu não sei até onde é bom trabalhar em tantas coisas diversificadas como eu trabalhei ou ruim, porque a gente acaba não se especializando em alguma coisa, mas amplia conhecimento. Aí eu tentei Fatec, Fatec eu queria, até que queria passar, mas não passei. Separei-me dessa relação, quando eu me separei dessa relação foi quando eu decidi, falei: “Não, agora eu quero fazer uma faculdade”. Só que quando eu falei que eu queria fazer uma faculdade eu decidi fazer arquitetura, queria fazer arquitetura. Falei: “Vou fazer arquitetura”. Eu estava convicta, falei: “Mãe, resolvi fazer agora faculdade e é arquitetura que eu quero”. Ponto. Beleza, aí minha mãe o que ela fez? Ela contou pra um primo meu que estava na época fazendo Direito dessa notícia, porque ele era um incentivador nato meu querendo que eu fizesse faculdade. Então quando ele soube que eu ia fazer a primeira coisa que ele foi, foi me procurar: “Pô, Naninha, que bom, prima, que você vai fazer, tal. Pô, mas arquitetura? Tu gostas tanto de ajudar as pessoas, atrás da justiça, sou suspeito a falar por que você não faz Direito?” “Ah, não. Direito não combina comigo, tem que ler muito, esse negócio de português eu tenho trauma. Não vai dar muito certo. Não, Direito eu não quero”. Aí ele falou: “Então está bom”. Ele saiu e voltou com uma revista pra mim que é Guia do Estudante. “Quando você tiver um tempinho dá uma olhada aí que tem várias profissões, você vai dando uma lida pra você definir antes de você chegar e falar é isso mesmo que eu quero.” “Está bom, primo. Obrigada”. Enfiei no guarda-roupa, não dei trela, porque eu queria fazer arquitetura. Aí teve um sábado que um amigo meu...
P/1 – Então se você puder só retomar dizendo essa coisa, sua mãe foi contar pro seu primo que você queria prestar faculdade.
R – Isso. Aí meu primo tentando me incentivar a fazer Direito e eu falei que eu não tinha perfil pra ser advogada porque eu não ia querer ficar defendendo pessoas erradas. Dizer que eu não ia atender pessoas erradas também não sei eticamente falando se eu poderia, então eu não queria ir contra os meus princípios. Direito eu não ia fazer até porque tinha uma dificuldade também com língua portuguesa, esse trauma, né? E ele me deu uma revista do Guia do Estudante que eu não dei muita atenção na verdade, coloquei na coisa, eu estava convicta em fazer arquitetura. Eu gosto de criação, eu gosto de montar, desmontar, em casa tudo eu que monto, tudo eu que desmonto, eu que pinto parede, eu que quebro ali, quebro lá. Então eu tinha decidido que eu ia me dar bem em arquitetura porque eu gosto disso. Só que no dia anterior um amigo meu me ligou, ele trabalhava numa ONG, num abrigo, e perguntou se eu não queria passar uns dias lá que eles sempre precisam de voluntários lá. Meio período, manhã só, o período da manhã. Eu falei: “Eu vou. No sábado de manhã eu vou”. E fui. Passei o dia lá... Dia não. Era pra passar só a manhã e eu passei o dia todo lá. Eram crianças, que o nome da instituição era Anjo da Guarda, só que de anjo da guarda quando eu entrei ali eu não vi nada, eu vi uma associação muito triste, cheia de grades, uma coisa escura. Não vi o que eu imaginava ver quando eu entrasse lá dentro. Eu acho que foi praticamente a minha primeira relação com uma instituição, com o terceiro setor, com uma ONG, né? E eu fui lá ajudar aquelas crianças, umas crianças bastante rebeldes, as crianças te mordiam, cuspiam, cheias de piolho, cheias de um monte de coisa. Quanto mais elas me mordiam eu falava pra elas: “Você vai continuar me mordendo? Está bom. Enquanto você me morde eu te dou um monte de beijo”. Era a minha troca. E o que era pra ser meio período eu passei o dia inteiro lá, sem querer ir embora, eu queria mais era ficar lá. E saí muito feliz porque eu saí com as crianças que mais me mordiam, mordendo-me e me cuspindo me beijando. Então valeu ser mordida o dia inteiro. Então foi o primeiro contato social que eu tive que foi muito importante pra mim. Eu saí de lá, viemos andando, eu e um amigo meu, esse meu amigo, viemos conversando, tal, falamos: “À noite vamos sair? Vamos num barzinho?”. Vamos pro barzinho, fomos pro barzinho, ouvimos música, bebemos, eu, ele mais meia dúzia de pessoas que a gente sempre tinha grupos muito legais e aí de lá eu fui embora. Quando eu cheguei em casa já era de madrugada...
P/1 – Você falou que você saiu e aí quando chegou em casa...
R – A gente foi pra um barzinho, passamos a noite lá conversando, tomamos um chopinho, tal, aí eu voltei pra casa já era madrugada só que sem sono. Aí o que eu fiz? Eu resolvi pegar, falei: “Vamos folhear a revista. Não tem o que fazer, vamos folhear a revista ver se o sono vem”. E lá tinha um teste vocacional pra fazer, sabe com esses “xizinhos” que você faz? Depois de um dia de cansaço, você relaxou num barzinho com alguns chopes já tomados, eu comecei a responder as perguntas. Lia, respondia sem pensar, que a melhor forma de se responder uma coisa é sem pensar mesmo. Aí quando foi dado o resultado apareceu que eu tinha aptidão pra psicologia, terapia ocupacional e esse tal de serviço social que eu não sabia a mínima ideia do que era, que pra mim assistente social era concursado, não era uma profissão. Aí eu olhei psicologia, que eu já tinha prestado uma vez, já era uma coisa que me chamava a atenção, mas falei: “Não. Não quero. São sou aquela de ficar sentada ouvindo alguém falar. Não. Não vai combinar comigo isso. É muito pouco, eu vou ajudar uma pessoa por ver. Não. Não vai dar muito certo”. Aí vi terapia ocupacional que lembrava muito o magistério, ficar fazendo um monte de coisas artesanais pras pessoas através da terapia fazendo alguma coisa melhorar. Eu falei: “Não. Não é isso que eu quero”. Aí quando eu li o serviço social eu falei não, foi na hora, quando eu li o perfil que eu vi que esse profissional tinha a oportunidade... Era um profissional que realmente ajudava a direcionar, orientar e direcionar as pessoas, o cidadão pra um futuro, uma vida melhor, realizações de sonhos, conquistas, aí eu falei: “É isso. Eu vou conseguir atender um coletivo”. Eu vou atender muito mais gente, vou poder ajudar muito mais gente. Então foi ali que eu desisti, na hora eu desisti da arquitetura e falei que eu ia fazer serviço social. Aí eu já amanheci com isso na cabeça, já amanheci esperando só o vestibular vir pra fazer a matrícula e me inscrever pro vestibular. Ninguém até hoje entendeu, nem eu exatamente, o que realmente me despertou. Eu sei que eu li, falei: “Não é isso que eu quero”. E é isso que eu fiz. Do nada mudei totalmente da água pro vinho. E fiz o vestibular, que eu esperava também não passar porque fazia uns sete anos que eu tinha parado de estudar, acabado o colegial, não tinha feito cursinho nem nada, mas consegui. Não passei na primeira, na primeira chamada e nem na segunda, até achei que eu não ia aparecer na terceira, mas eu consegui entrar. Só que quando eu fui fazer faculdade eu trabalhava, mas eu ganhava 250 reais, trabalhava meio período só na oficina do meu cunhado, que ele me deu essa oportunidade, ele precisava de alguém, e pra me ajudar ele não podia pagar muito então ele pagava isso na época, isso em 1999, que foi quando eu prestei vestibular. A faculdade já era 400 e pouco, quase 500 reais e eu não tinha a mínima ideia de como é que eu ia pagar aquilo porque eu não tinha pai, não tinha ninguém pra me bancar, muito menos a minha mãe, ela não tinha condições, coitada. Aí uma amiga minha que fazia publicidade falou pra mim: “Adriana, entra. Depois a gente vê como é que faz”. Ela falou pra mim: “Viu eu?”. Ela deu ela como exemplo, tal, falei: “Bom, ela falou que dá. Então vou”. Acreditei nela e fui. Fiz vestibular, passei, só que pra eu pagar a matrícula era 426 eu acho que na época, tinha que pagar matrícula até uma data de novembro eu acho que quando você passa e eu não tinha o dinheiro. Aí foi quando eu pedi pra minha avó, minha avó morava em Minas aquela época ainda e eu pedi pra minha avó, falei: “Vó, a senhora pode me emprestar até eu receber?”. Quer dizer antes de prestar o vestibular, fiz o vestibular sem saber que eu ia passar, mas daí eu comecei a trabalhar com o meu cunhado e estava chegando já o Natal eu comecei a trabalhar também além do meu cunhado numa loja de Natal pra eu poder aumentar realmente a renda que se eu passasse eu sabia que eu ia precisar de dinheiro pra pagar. Eu não ia receber até o dia máximo que eu tinha que fazer a matrícula e pedi pra minha avó. Minha avó disse que não e eu sabia que a minha avó tinha pra me emprestar. Então foi mais um não que eu recebi. Eu chorei muito, eu falei: “Pô, eu não acredito que eu vou deixar de fazer uma coisa...”. Aí fiquei com muita bronca da minha avó, poxa, se fosse a minha irmã mais nova tudo dava certo, tal. Tanto é que ela fez três inscrições pra minha irmã em faculdade, que minha irmã não continuou, e ela que bancou tudo. Por isso que vinha a revolta, eu acho que eu tinha motivos. Enfim, só que a minha irmã na época, a mais nova, estava trabalhando no Itaú, ela estava até bem no Itaú. Aí eu pedi pra ela, ela recebeu o 13º dela. Aí eu pedi pra ela, falei: “Olha, faz o seguinte...” “Ah, Adriana, esse dinheiro eu ia usar pra ceia de Natal em casa. Então eu te adianto isso, você banca essa parte na ceia.” “Fechado”. Então foi minha irmã que me deu o dinheiro pra eu poder garantir minha matrícula. Aí fiz a matrícula, comecei a faculdade.
P/1 – E como é que foi a faculdade pra você? O curso e a experiência da faculdade? O que você achou?
R – Muito boa. Muito boa. Eu sinto muita falta. Muita falta mesmo daquela época de faculdade. Muita. É um pouco contraditório falar do serviço social, com as reações às vezes que a gente pega das próprias pessoas que fazem o curso, o próprio profissional mesmo que fala tanto de lutas de direito, de cidadania, tal e às vezes se esquece de defender a própria classe, a própria categoria. Mas foi uma experiência maravilhosa, não foi difícil, não foi uma faculdade difícil. Eu praticamente não tive caderno, eu sempre fui uma aluna que eu nunca precisei de caderno, ficar anotando, porque eu tenho uma grande dificuldade que se eu escrever e você falando comigo ou eu gravo o que você me fala ou eu escrevo o que você está falando, os dois eu não consigo. Então eu prefiro escutar porque eu aprendo mais você falando pra mim do que eu copiando. Se eu achasse que tinha que escrever algum tópico, uma coisa pra eu me lembrar depois sim. Salvo algumas matérias mais teóricas que aí você não tinha como fugir, você tinha que copiar mesmo porque era decorativa, não era de memorização, de decoração, então você tinha que saber mesmo. Mas foram quatro anos muito bons, eu me envolvi na militância estudantil, desde o começou eu fui do centro acadêmico, fui representante de sala. Então já fui muitas lutas pela Unisantos aqui de Santos, uma universidade que antigamente era muito conceituada, hoje ela perdeu um pouco de força, de referência aqui na baixada, mas também era a única que tinha serviço social na época. Então eu briguei muito já por mensalidade, brigando pelos direitos dos estudantes. Adorei muito essa parte, acho que foi muito importante pro meu crescimento. Pra você ver as partes ruins que acontecem nesse meio e as coisas boas que podem acontecer quando você faz a luta direito, briga pelos seus direitos de uma forma correta. Aprendi muito, tive muitos amigos, mas por conta daquilo que eu falei antes do meu pai, que eu não sabia que tinha me afetado tanto, eu era uma pessoa muito difícil de lidar, eu não aceitava que ninguém errasse. Ninguém podia errar, perto de mim ninguém, nem eu, muito menos eu. Eu me cobrava cada vez mais, então era difícil ter uma companheira de estágio junto comigo porque eu acabava brigando muito porque ela não fazia, eu não aceitava o erro dela, ela tinha que acertar, simplesmente acertar. Eu não pensava como ela poderia fazer isso e ela tinha o direito de errar. Aquela época eu não conseguia observar dessa forma. Então eu tive algumas desavenças, sim, com alguns colegas de lá, mas ao mesmo tempo outra parte da classe se deu super bem comigo porque eu também fui muito festeira. Então do serviço social eu era a única que saía na sexta-feira, ia pro bar da esquina beber cerveja, porque o resto ninguém ia. E era uma classe praticamente... Praticamente não. Dominada por mulheres, tinha só um homem que se formou comigo no meu grupo. Mas foi muito bom, eu aprendi muito. Meu trabalho de conclusão de curso foi diferente de muitos porque a maioria das pessoas que fazem faculdade geralmente quando vão fazer o trabalho de conclusão de curso seguem o estágio onde está. Eu não quis seguir o estágio, apesar de eu ter feito em comunidades, sempre fiz em comunidades o meu estágio porque eu trabalhava. Então eu tinha que cumprir estágio, eu tinha que trabalhar pra pagar a faculdade, então eu fazia nos finais de semana o meu estágio. Então sobravam os Necons, que é um núcleo na comunidade da Unisantos mesmo que permite pros alunos que não têm condições de fazer durante a semana fazer no final de semana. Então eu trabalhei, fiz estágio em comunidade, fiz estágio dentro de escola, fiz estágio na secretaria de educação da Praia Grande com serviço social. Trabalhei também numa ONG também ligada um pouco na educação. Foi onde eu comecei a me identificar muito na área de educação também, o quanto é importante o serviço social dentro da educação, que infelizmente ainda não reconheceram isso. Então já o meu TCC o que eu quis fazer? Pela minha dificuldade de fazer estágio, pela minha dificuldade de questionamento dentro da sala de aula com os professores. Por exemplo, eu queria muito a área do presídio, a área de presídio, tal, eu queria muito trabalhar nessa área e todo o meu trabalho de pesquisa, tudo que eu fazia eu tentava seguir essa área e quando eu pedia orientação pros meus professores os professores não sabiam. Por quê? Porque o maior número dos meus professores estava focado na área da saúde, que era o mais predominante na época do serviço social era na saúde, não era nem terceiro setor. Em 2000, 2002 ainda era a área da saúde onde predominava mais a minha área. Só que eu não queria saber da área de saúde, eu queria outra coisa. E daí o que eu fiz? No meu trabalho eu resolvi estudar as áreas que o serviço social poderia atuar e como ele poderia trabalhar, se ele precisaria ter uma especialização, o que ele precisaria se ele quisesse escolher uma área que não fosse a saúde, por exemplo. Então quais são as áreas e o que ele precisaria pra trabalhar em outras áreas. Então foi um trabalho bastante teórico, fizemos pesquisa em campo com vários profissionais. Fiz um levantamento através do Creas pra tabular os profissionais hoje formados em que segmentos estavam trabalhando, que áreas estavam trabalhando, onde predominava mais o profissional, onde faltava profissional e poderia ser inserido. Então o meu trabalho de conclusão foi ligado a isso. A gente concluiu que pode fazer, o pessoal pode trabalhar em qualquer área, ele tem base pra trabalhar em qualquer área só que ele precisa sim aperfeiçoar algumas informações perante o segmento que ele vai. Está no criança e adolescente tem que saber o ECA, está na saúde tem que saber da previdência, está no idoso tem que saber o estatuto do idoso. Enfim, você tem que se especializar em algumas outras partes pra poder fazer um bom trabalho, mas nada impede que eu que nunca trabalhei na saúde não possa trabalhar na saúde. Eu tenho competência e capacidade pra isso, eu só preciso depois pegar os livros e começar a ver os direitos da pessoa através das leis que pertencem aquele segmento. E naquela época a gente não conseguiu localizar o assistente social no esporte, que hoje já existe. Então é uma coisa muito bacana que se hoje fosse fazer outro trabalho a gente já ia perceber que já existe profissional hoje nessa área. Então eu acabei me formando nisso. Só que quando eu me formei eu já...
P/1 – Quando você se formou...
R – Quando eu me formei eu não fui direto trabalhar na minha área porque em 2003, eu me formei em 2003. Em 2003 eu fui trabalhar na Prefeitura contratada num abrigo. É uma casa de passagem que atende criança e adolescente em situação de vulnerabilidade, seja da rua, perdida, a gente a recolhe, acolhe e depois a leva pra cidade de origem ou pra sua casa se for o caso aqui em Santos. Então como eu tinha entrado lá e era um contrato quase de quatro anos então eu não segui minha área e eu tava noiva, tava prestes a casar, então eu preferi manter os quatro anos e assumir minha área só depois que acabasse o meu contrato. Isso foi uma opção minha.
P/1 – Como é que foi essa primeira experiência profissional no abrigo? Teve alguma situação ou alguém que tenha te marcado em especial, alguma história?
R – Tem. Eu falo que foi uma escola pra mim. Foi um dos melhores lugares que eu já trabalhei, antes da Proeco aqui. Foi um lugar que um imenso aprendizado que eu tive de conhecer umas realidades que às vezes se você trabalha em outro lugar você não teria esse acesso. Eu trabalhei quatro anos lá. Eu entrei em 2003, eu não estava casada ainda, eu era noiva, eu atendia... Quando eu cheguei no abrigo era um abrigo só que atendia meninos e meninas, depois foi desmembrado. E aquela turminha que era uma turminha da barra pesada mesmo, pelo menos segundo como eles passavam pra mim. Pra mim e pra todos. Pesado eu digo de revolução, de rebeldia, como é que o pessoal fala, os presídios fazem quando...
P/1 – Rebelião?
R – Rebelião, né? Rebelião. Faziam aquelas coisas bem difíceis, se tivesse uma faca te apontavam a faca. Eram adolescentes e crianças bastante complicados, bem comprometidas mesmo. Só que quando eu entrei eu passei por uma seleção de 300 currículos pra 12 pessoas, foi dinâmica, foi entrevista, foi currículo até que teve, depois quando fomos selecionados, teve o chefe da casa na época que era um assistente social, o João, e nos entrevistou... Entrevistou não, falou com a gente. Então algumas coisas que ele falou que ficou muito marcado pra eu poder trabalhar lá, não só lá, em qualquer lugar que eu vá. Uma delas é justamente falar que aquelas crianças são crianças que têm valores totalmente diferentes dos nossos, que a gente não podia nada do que fosse da fala deles a gente tinha que trazer pro pessoal, a gente tinha que aprender a ouvir aquilo e entender que aquilo é a linguagem dele, seja xingando, falando palavrão, mandando-te pra qualquer lugar, é o jeito deles falarem, é a forma que eles se comunicam. Essa primeira fala dele, esses pequenos detalhezinhos que ele falou foram muito importante pra mim, porque quando eu fui trabalhar lá, lá dentro, entrei mesmo na fogueira que falei: “Meu, agora eu vou me queimar”. Eu parei, fiquei olhando toda aquela realidade e me lembrando do que ele falou pra mim. Eu tive um comportamento bem diferente de muitos que estavam lá dentro. Tanto é que eu escutei no começo coisa assim: “Você passa a mãe na cabeça. Você faz tudo que eles querem.” “Não. Eu não faço tudo que eles querem. Gente, eu sou nova, acabei de chegar, não os conheço, eles não me conhecem, como é que eu posso chegar aqui achando que eu sou um guarda, dizendo o que eles podem, não podem, tem que parar, não tem que parar? Não posso fazer isso. Eu tenho que conquistar a confiança deles. Então é chegando perto deles, não batendo de frente que eu vou conseguir chegar neles. Aí a hora que eu chegar neles que eles sentirem confiança aí eu posso até mandar e desmandar que eles não vão levar isso como uma afronta. Vão me respeitar e sabe que é o meu papel aquele ali dentro”.
P/1 – Você se lembra de alguma situação específica que tenha sido mais desafiadora ou mais marcante com alguma criança?
R – Então, como eu sempre fui uma pessoa muito tranquila, na hora do desespero, pode estar pegando fogo aqui agora você vai ver que eu vou sair devagarzinho, sem correr, eu sou supertranquila. Tiveram situações desses adolescentes mais difíceis, faca na mão, garfo. Isso logo no começo. Tiveram outros casos mais pra frente que eu já comento. Enfrentando um operador social, um agente comunitário que era o nosso caso e eu consegui chegar perto dela e falar: “Meu, larga isso.” “Eu não vou largar. Tia, sai daqui.” “Eu não vou sair. Você vai largar isso”. Teve bastante resistência, tudo, mas eu falando sempre no tom baixo, conversando com eles, falando, falando, que ela: “Por você eu vou largar, mas fala praquela Fulana de tal, não sei o que...”. E falando um monte de coisa, xingando tudo pra isso. Eu falei: “Tá. Vamos conversar. A gente pode resolver isso de outra forma, mas me dá isso daqui. Não vá se prejudicar mais. Dá aqui”. E me devolvia depois de uma longa, não é assim tão rápido como eu falei, mas com muita resistência, mas eu conseguia recuperar isso. E as meninas ali com 14, 13, 14 anos tudo grávidas. Pra ir pro médico era uma briga porque elas não sabiam nem o que era isso, o que elas iam fazer no médico? Imagina, vai num ginecologista pra uma menina de 14 anos, imagina. Por mais que ela saísse com qualquer um que pudesse aparecer na frente ali era totalmente diferente, era uma insegurança, era um desconhecido pra elas. Então eu que geralmente as acompanhava até lá, as meninas com perguntas das mais simples, o que seria um corrimento, o que seria uma infecção, o que seria isso e você vê que elas não sabiam de nada. Quando elas cresciam achando que eram tudo, você via que eram simplesmente ali atrás uma menina. Então eu me pegava nessa menina, eu não me pegava naquilo que elas mostravam, que queriam que a gente visse. Aí era através disso que eu conseguia trabalhá-las e modificando um pouco a forma delas pensarem. Hoje inclusive teve uma filha de uma que eu atendi lá, que eu vi nascer, que eu levei pra fazer o parto, que foi da Proeco. Foi sem perceber. Quando eu vi o nome da pessoa eu falei: “Essa pessoa eu acho que eu conheço”. Aí que eu descobri que a mãe da menina era a que eu tinha atendido no abrigo lá comigo. Mas enfim, aí tiveram outros casos, um que foi bastante complicado, a gente abrigava um adolescente que não era de Santos, mas tinha problemas de saúde mental. Ele quebrava vidro, ele se cortava, ele se rasgava por completo, era bastante complicado. Eu lembro que eu cheguei uma vez no plantão e o pessoal todo em movimento, falei: “O que está acontecendo?” “O Fulano de tal sentou no meio da rua ali, não quer levantar.” “E ninguém foi lá tirá-lo?” “Mas ele não quer vir.” “Não é possível. Não. A gente não pode deixá-lo no meio do negócio.” “Mas ele é louco, ele é isso, ele pode fazer isso, está falando que vai fazer aquilo.” “Gente, mas a gente não pode ficar aqui sentado”. Aí eu saí, fui lá do lado dele: “Fulano de tal, levanta.” “Não. Não vou.” “Ah, você não vai levantar?”. Eu sentei no meio da rua junto com ele. “Está bom. Então vamos ficar eu e você sentados aqui no chão até você levantar”. Aí ele olhou pra minha cara, acho que essa é mais louca do que eu. Eu falei: “Meu, vamos levantar, o que está fazendo aqui? Vamos entrar lá, comer um lanche, fazer alguma coisa. Vamos lá comigo”. Mas isso uma coisa longa, tá? Não foi assim tão rápido não. Depois de muita insistência e acho que ele foi se acalmando com a conversa, batendo papo, batendo papo, até que ele resolveu adentrar comigo. Lógico, pra quem tem problema de saúde mental o surto daqui a pouco acontece de novo, mas eu consegui tirar por quê? Porque eu falei não adianta eu ficar, eu tenho que chegar ao nível dele, eu tenho que abaixar na altura dele e tentar que ele junto comigo me acompanhe e veja que eu sou igual a ele, que eu não sou diferente, que ele possa confiar e sair comigo. Então isso são coisas que ninguém me ensinou, é uma coisa que eu acho que é nato, que nasceu comigo. Quando acontece a situação eu tenho esse comportamento. Então isso foi outro caso também que me marcou bastante. E tem mais um que eu falo que eu carrego pra vida toda, que hoje eu não tenho mais contato com ele, eu gostaria muito até de ter, ele tinha uns 13, 14 anos mais ou menos quando eu o conheci lá. Era um menino negro, dente bonito, branco, eu sei que ele não deixava ninguém chegar perto dele, ninguém encostava nele. Ele tinha casa aqui em Santos, tinha um pai, mas ele tinha dificuldade. Ele era usuário de crack, às vezes ele usava, é onde ele dava os perdidos. Então às vezes ele aparecia no acolhimento, mas como ele tinha casa a gente sempre levava pra casa dele, ele não ficava muito tempo lá, mas ele vira e mexe estava lá por conta até do uso. Só que daí com o tempo nós ganhamos, o acolhimento ganhou vários computadores, então eu fiz uma sala de CPD, de computadores. Eu falei pro chefe da casa se eu pudesse dar uma oficina pra eles, a criança, o adolescente que tivesse lá se eu pudesse arrumar uns jogos pedagógicos, essas coisas, e eu os ensinar a usarem no meu próprio plantão. Ele falou que tudo bem. Então eu montei essa sala. Ele foi um dos que fez parte da oficina. Eu percebi que ele não sabia nem escrever o nome dele, então ele começou a aprender a escrever o nome dele com o teclado. Ele começou a se conhecer, a se identificar, a encontrar a sua própria identidade através do computador. Ele começou aos poucos, não foi assim rápido, foi lá aprendendo, tal, foi criando confiança, no começo: “Não. Não quero.” “Vamos lá”. Aquela coisa bem de insistência e paciência. Só que o tempo foi passando e esse vínculo foi se concretizando com o tempo ao ponto de que assim, quando ele cometia alguma infração, roubou uma bicicleta, alguma coisa, porque ele tinha que se apresentar no Ministério Público, a única pessoa que conseguia levá-lo lá era eu, ele não ia com mais ninguém. Ele não me deixava encostar nele, porque eu beijava todo mundo que entrava lá, toda criança eu abraçava, eu beijava, mas ele não deixava eu chegar, mas ele era o único que deixava eu ir com ele. Aí precisou tirar o RG dele. Vamos lá. Fui eu que fui com ele também, passei por todo esse processo de construção de vínculo e educacional ao mesmo tempo, porque ele foi se descobrindo nesse período, bem devagarzinho, mas foi. Só que daí teve uma vez que o pessoal me ligou, eu estava em casa, não era o meu plantão e falando: “Adriana, por favor, ele tem que se apresentar no Ministério Público, ele disse que não vai, que não vai, que não vai. Ele precisa ir senão vai complicar.” “Eu estou indo aí”. Eu morava perto, fui até lá. Falei: “Vamos lá.” “Não vou, não vou, não vou.” “Meu, eu vou com você. Você vai e volta comigo, eu não vou te deixar lá. Vou estar contigo”. Aí ele olhou bem pra mim: “Tudo bem. Pegou, trocou-se e foi”. Só que eu não sabia exatamente, eu sabia que ele tinha que se apresentar, eu não sabia exatamente o que podia acontecer lá, os riscos que ele tinha. Se eu soubesse dos riscos minha abordagem ia ser diferente. Aí eu fui pro Fórum, só que ele era tão bobão, tão inocente que ele não era aqueles meninos malandros que usam crack, doutor, senhor, já trata excelência, já traz aquela postura que sabe como é que a juíza quer ser tratada. Ele não, ele era superbobão mesmo, ele deu passos errados na vida porque faltou um norte mesmo, se tivesse norte não tinha caído nessa. E a juíza começou a fazer pergunta pra ele, ele deu uma risada. Mas não risada alta, sabe aquela risadinha nervosa que você dá? Talvez por não saber o que responder. Pronto. Bastou pra juíza entender que aquilo era desdém dele, ou seja, estava tirando sarro dela. Bastou isso, quando ela pega e fala que ele ia sair dali preso, ia pra Febem. Quando eu escutei aquilo eu olhei pra cara do advogado e eu não podia abrir minha boca, porque eu só era acompanhante, eu não podia fazer nada. Eu falei: “Meu Deus do céu”. O meu mundo caiu, não só o dele, porque eu fiz uma promessa, comprometi com ele que ele ia e ia voltar, que não ia acontecer nada com ele. Como é que eu olho pra cara dele agora sendo algemado na minha frente? Meu mundo aquele dia caiu. Caiu completamente. Eu saí do Fórum até o acolhimento chorando. Fui chorando, chorando, chorando, sem entender, sem aceitar aquela situação. Eu saí de lá e fui falar com o advogado: “Como é que você permite? Por que você não explicou pra juíza, falasse alguma coisa ou me orientasse, orientasse...”. Enfim, a gente tenta encontrar coisa pra que aquilo não chegasse aquele ponto. Mas não teve jeito. Como tudo que é ruim tem o lado bom da coisa, ele foi realmente pra Febem, ficou uns dias lá, mas como era uma coisa leve ele não ficou muito tempo, ficou alguns meses só, aí até que um dia eu soube que ele ia sair da Febem. Ou seja, se ele ia sair da Febem ele ia vir pro acolhimento e ele ia chegar bem no meu plantão. Aí veio aquela dúvida: “Como é que ele vai olhar pra mim? Será que ele vai querer falar comigo?”. Será que aquele trabalho todo que eu tive de conquista de vínculo vai permanecer ou acabou? Isso que foi muito emocionante e marcante, porque ele voltou da Febem aquilo foi muito bom pra ele ter ido pra Febem. Eu acho que é o que ele precisava mesmo era ter ido, apesar que pra mim aquele momento foi uma coisa ruim. A primeira coisa que ele fez quando ele chegou ao acolhimento que ele abriu a porta, que ele me viu ele veio me dar um abraço. Aí então, meu filho, aí desmoronou, né? Não tinha como eu me segurar. Uma pessoa que não encostava em ninguém, ninguém conseguia encostar, a primeira coisa que ele faz quando te olha, te dá um abraço. Respondeu todas as perguntas, não precisei falar mais nada. Então eu sei que de centenas de crianças que passaram por mim, aquela eu sei que eu fiz uma diferença. Então pra mim valeu. Valeu os três, quatro anos que eu tive lá. É isso. Vou parar que eu vou borrar minha maquiagem daqui a pouco.
P/1 – Você comentou já umas duas vezes que nessa casa desse trabalho você tava noiva, né?
R – Isso.
P/1 – Aí queria saber como é que você conheceu o seu noivo.
R – Eu conheci o meu ex-marido, meu noivo na época, na verdade numa balada. Numa quinta romântica naquela que toca música bolero, samba, pagode, porque geralmente os casais dançam mais junto do que separado. Ele não dança nada, não foi assim que eu o conheci. Na verdade eu tinha ido a faculdade numa quinta-feira, eu tive aula até de Direito naquela época, que a gente também tem essa disciplina na faculdade, eu cheia de livros, tudo, minha irmã mais nova queria muito ir pra discoteca que na época se chamava Pelicano a que nós fomos. Eu não tava muito a fim de ir, mas ela me falando: “Vamos, vamos, vamos.” “Está bom”. Como uma irmã um pouquinho mais velha, vamos seguir a irmã mais nova. Eu peguei os meus livros, falei: “Eu vou sair da faculdade, então me encontra lá que eu vou”. E nós fomos. Já fui toda produzida pra faculdade e de lá eu fui pra lá. Só que eu não estava a fim de sair, eu não estava nem de dançar aquele dia, eu só fui mesmo porque a minha irmã estava pedindo muito pra eu ir. E eu fiquei mais sentada do que em pé, do que dançando, eu estava muito cansada, sabe quando não está aquele pique? Aquele dia não era pra eu sair de casa. Eu sentei e fiquei lá, encontrei o pessoal, o pessoal veio conversar comigo, brincava, levantava um pouquinho, mas logo eu ficava sentada com os meus livros tudo em cima da mesa. E foi muito engraçado que três pessoas vieram falar comigo aquele dia e duas delas se chamavam Marcelo, que é o mesmo nome do meu noivo na época que eu estava falando. Os dois também se chamavam Marcelo. Até que chegou esse terceiro que é o meu noivo, que também era Marcelo. Só que o que chamou a atenção dele disse que não veio falar... Isso era a desculpa dele, eu disse que é a cantada mais furada que eu já ouvi, né? Ele se interessou por um livro que estava em cima da minha mesa e não por mim, pelo livro se ele podia ver o livro. Eu falei: “Pode. Está aí”. Só que era o meu xodó, que era de Direito, eu falei: “Vê, mas eu fico de olho pra você me devolver.” “Tudo bem”. Só que a gente começou a conversar, só que a minha irmã conheceu outra pessoa também nesse dia, inclusive é o pai do filho dela. Ela não está hoje com ele, mas na época foi o pai do filho dela. E ele estava de carro, tudo, estava tão gostoso o bate-papo lá que a gente fechou o baile, já estava amanhecendo e a gente estava lá ainda. Estavam levantando cadeira já. Ele: “Eu levo vocês em casa”. Falou pra mim. “Não precisa. Vou embora, tudo”. Aí o Marcelo que é esse que a gente ficou conversando a noite inteira falou: “Vamos...”. “Você mora onde?” o menino perguntou pro Marcelo “Onde ela mora?” perguntou onde eu morava. Eu falei: “Eu moro ali no Canal 3.” “Ah, eu moro por ali”. Mentira, ele morava no Canal 1, não tinha nada a ver com o Canal 3. Está bom, então vai todo mundo junto. Então foi aí que a gente se conheceu e começou a se encontrar mais vezes. Ele pegou meu telefone, eu fui embora, depois que eu fui saber que ele morava no Canal 1, eu nem sabia, pra mim ele morava ali perto, eu achando que ele ia descer, ele ia andar duas quadras e estava em casa. Imagina, ele teve que andar pra caramba até em casa. E a gente começou a realmente sair, tudo, começamos a namorar. Logo em seguida eu fiquei noiva, eu fiquei noiva muito rápido. Eu o conheci, vamos supor, em agosto, em novembro, dezembro ele já estava me aparecendo com a aliança de noivado. Foi até um susto pra mim, mas tudo bem, como aliança pra mim não tem peso nenhum no meu dedo, que vale mais é palavra e sentimento e não o que está no dedo, mas se pra ele era importante aí tudo bem. Ele já queria casar no ano seguinte, isso foi em 2002. Eu falei: “Não. Eu vou terminar a faculdade. Se for pra eu pensar em casar vai ser só depois”. Tudo bem. Passou 2003 todo, a gente se organizou pra casar em 2004. Aí eu casei um dia antes do meu aniversário, eu faço dia 4, eu casei dia três de julho de 2004.
P/1 – Como é que foi o casamento de vocês? O dia mesmo, teve uma cerimônia? Como é que foi?
R – Teve, que foi mais um sonho realizado, que eu te falei, um daqueles meus sonhos passados lá. Eu casei de vermelho, o vestido de noiva foi vermelho e isso foi um critério meu que se eu não casasse de vermelho eu não ia casar. Ou eu caso do jeito que eu caso senão eu não caso. Ele concordou, a avó dele achava que era carnaval: “Você acha que é carnaval?” “Mas eu quero casar assim”. E eu fiz o meu vestido de noiva vermelho. Simples, não foi nada absurdo, mas eu casei como eu queria. Eu casei na messiânica, ele também era messiânico, então foi uma cerimônia mais voltada a oriental do que essas tradicionais, foi uma cerimônia muito bonita. Foi um momento muito mágico mesmo, muito cansativo porque de manhã você vai pro civil, à tarde você casa na igreja e foi muito corrido. Apesar de ser julho era um calor que nem hoje, um calor muito grande, o meu vestido era tipo medieval, era manga comprida, a gente achando que era mais fresquinho, não esperava estar aquele calor que estava. Mas foi muito bacana. Não saiu 100% como eu queria, mas foi bonito, valeu. Valeu porque foi tudo construído por mim, por ele, a gente construiu tudo junto. Não teve festa em buffet. Na verdade acabei tendo duas festas no dia, uma que ele trabalhava numa pastelaria em frente a casa dele na época e a mulher do dono da pastelaria faz aniversário junto comigo dia quatro de julho. Então primeiro eu fui tirar foto, mas depois eu passei lá. Quando eu passei lá a família dele que era de Limeira iam embora, não iam ficar. Então eles pediram pra gente ficar um pouco lá, cantaram parabéns pra mim, cantei parabéns lá também, aí fiquei na pastelaria, eu lá vestida de noiva, as meninas: “Ah, a princesa, a princesa. Ela parecia uma princesa”. E dela eu tinha combinado com o pessoal de ir pra uma balada, eu fui até de noiva e tudo, que eu ganhei dois camarotes que lá também o dono de lá era conhecido da minha mãe, então eu ganhei o camarote, ganhei uns quatro champanhes, ganhei o bolo dos músicos que eram conhecidos nossos também, deram um bolo de casamento. Eu falei: “Olha, eu não tenho dinheiro pra pagar pra ninguém, quem quiser ir vai, mas cada um paga o seu”. E assim foi o meu casamento, a festa. Então quando eu cheguei no evento, no bar, eu não queria chegar tarde, eu queria chegar com a casa vazia, mas o fotógrafo que filmou e tirou foto no meu casamento era amigo nosso. Ou seja, o que era pra ser rapinho, eu tirei foto na Bolsa do Café, tirei foto na praia, enfim, eu tomei quase a noite inteira tirando foto. Eu cheguei na festa que era pra eu chegar, vai, dez horas da noite, fui chegar quase meia noite na festa. Então já estava cheia a balada. Aí entra o meu ex-marido que é mais alto que eu, todo vestido de terno, está eu de vestido de noiva, o pessoal achava que era contratado do bar pra gente está lá e não era. Depois que eles foram perceber que era festa de casamento. Também a valsa foi lá, eu joguei meu buquê lá dentro, foi muito divertido, muito diferente. Eu conto pras pessoas: “Eu não acredito que você fez.” “Fiz.” “Você não gastou nada?” “Não. Não gastei nada, só gastei pro meu casamento na igreja, o resto cada um pagou o seu”. E foi muito feliz, foi muito legal, muito mesmo.
P/1 – Vocês tiveram lua de mel?
R – Não. Não tivemos porque eu tinha que trabalhar, ele também tinha que trabalhar, tive só aquele período de quando você casa, você ganha uns dias. Então eu não... E também ou fazia casamento ou a gente fazia a viagem. Como a gente tinha planos... Quer dizer, na verdade tinha não. Hoje eu percebo que o plano era só meu, não era dele, por isso que não deu certo a gente ficar junto. De comprar um apartamento, a gente alugou um apartamento na época, tinha um monte de coisa, tinha que terminar de pagar a faculdade que apesar de estar formada eu estava pagando ainda. Então tinha um monte de detalhe que a gente quis fazer certinho, casar certinho, mas sem viagem, sem nada. Só que daí eu engravidei na núpcia. Tudo que era pra ser depois foi tudo antes. Então meu filho logo em 2005 já nasceu. Então já mudou toda a minha rotina de novo, tudo que eu pensava em fazer foi interrompido por conta da gravidez, nascimento do meu filho.
P/1 – Como é que você descobriu que estava grávida? Como é que foi o momento?
R – Não foi... Foi um susto. Porque eu não estava com expectativa de estar grávida. Ah, mas você não sabia? Você não prevenia, você sabia que podia ficar. Claro, a gente sabia disso, mas a gente não esperava, tanto é que eu estava com a minha cartelinha lá esperando pro anticoncepcional, pra gente tomar logo que vier, mas não deu. Não veio. Não veio, eu falei: “Meu Deus do céu, tem alguma coisa de errado”. Mas a última coisa que eu queria pensar era isso. Como eu sempre tomei remédio, tudo pra evitar uma gravidez mesmo, só que três meses antes eu tinha parado, justamente falam que é pra desinchar, pra caber no vestido de noiva, né? Foi isso que eu fiz, eu parei três meses pra ver se eu desinchava um pouquinho pra ficar bonita no dia do casamento. Mas logo quando eu casei eu já tava com cartelinha esperando pra voltar a tomar novamente, porque não tinha perspectiva, não tava planejado naquele momento. Eu queria comprar um apartamento, esperar mais um tempo, tal, pra depois pensar em ter um filho. Não saiu como eu queria, mais uma vez não saiu como eu queria. Tudo bem. Aceitei, lógico, como é que eu não vou aceitar uma gravidez, filho sempre é bem vindo, por mais certo ou errado, prevenido ou não prevenido, planejado ou não, um filho eu acho que realmente é benção de Deus, de alguém, que ele tem que estar ali. Então tu tiveste a missão lá, a permissão de ser mãe, então você tem que fazer o teu papel.
P/1 – E a gravidez como é que foi?
R – A gravidez eu engordei muito, peguei 30 quilos, esses 30 quilos eu não consigo perder mais, está uma briga pra perder esses 30 quilos. Mas foi supersaudável, eu trabalhei num acolhimento, ainda estava no acolhimento, eu ia lá enorme, todo mundo falando que eu era louca, que eu tinha que pedir licença. Imagina, os meninos me ajudavam, os desabrigados me viam não me deixavam carregar peso, não deixava nada. Foi supertranquilo, eu só parei mesmo de trabalhar porque a minha bolsa estourou, então não tinha como, aí tive que entrar de licença. Meu filho nasceu muito grande, nasceu com quatro quilos e 300, foi muito grande mesmo.
P/1 – Como é que foi o seu parto?
R – Foi cesárea. Eu queria normal, natural. Meu sonho era fazer parto natural. Ele nasceu em março, em janeiro a médica já tinha falado pra mim pelo ultrassom, que o peso e tamanho dele já era de uma criança pronta pra nascer, mesmo fora do período. Já estava muito grande. Aí no dia que estourou minha bolsa que eu fui pro hospital que é público, no Guilherme Álvaro, o médico, estagiário que lá também é uma escola, hospital de escola então assim tem muitos estagiários lá também. Então na hora eles mediram minha pressão, estava lá 13 por alguma coisa, falaram que tava alta. Aí viram os ultrassons do meu filho, viram que o meu filho era grandão, aí viram meu último exame de glicose que eu fiz logo após meu chá de bebê, então eu tinha comido um monte de doce, estava alterado, vai, estava 110, estava alterado, não estava com diabete nem nada. Aí eles deduziram que eu era diabética, deduziram. E mesmo falando que não parecia aquela pessoa que encheu a cara e falou que não bebeu, não adiantou nada. Eu entrei como patologia com risco de eclampsia, um monte de risco lá e me colocaram pra fazer cesárea, que hoje eu agradeço depois que eu vi meu filho pessoalmente eu falei: “Meu Deus do céu, se fosse natural eu estava ferrada”. Mas foi cesárea, mas foi supertranquilo, tanto é que eu fui tomar anestesia o próprio médico falou, anestesista falou que não tinha gordura. Se pegar aqui atrás você não via gordura nenhuma, eu só estava muito inchada, eu estava demais de grande. Eu não conseguia levantar a minha perna assim, alguém tinha que levantar minha perna pra me colocar na maca de tão pesada que eu estava, tão pesada. Aí meu filho nasceu super bem, ficou um pouco no neonatal pelo tamanho dele, ele ter nascido de 36 semanas não de 40. Então eles seguram um pouquinho pra ver se está tudo bem, mas não teve nenhum problema que pudesse apontar, com ele nem comigo, foi tudo tranquilo.
P/1 – E aí como é que foi ser mãe? O que mudou na sua vida?
R – Muda tudo. Não tem nem comparação. Muda completamente. Só que quando eu soube que eu ia ser mãe eu passei minha gestação inteira estudando, mas estudando várias coisas sobre criança, sobre gestação, sobre depois do primeiro mês, do segundo mês. Por quê? Porque mais uma vez eu não queria ser manipulada pela família: “Ah, isso não pode, isso pode, isso não pode...”. Meus filhos não tomavam mamadeira, meus filhos não usaram chupeta, meus filhos não usaram quase nada. Comeram logo cedo, eu não amassava nada. Tudo que eu pude, que eu acreditava que era bom pra eles e não que me falavam eu fazia. “Fecha a janela, não pode vento”. Não. É bom vento pra ele sentir, ruim é quando ele está quentinho e vem o golpe, aí é o problema, mas você já está num ambiente circulando o ar não tem problema nenhum. “Você é louca. Você é isso”. Meu filho no começo tinha muito problema de respiração e o pediatra falou assim, ele estava vomitando muito e aí o pediatra falou: “Bom, se ele não tomar soro você...” e eu estava com a avó dele por parte de pai no dia do pediatra “Se ele não tomar soro não tem problema, dá pipoca com soda que é a mesma coisa”. Nossa senhora. Pra ela foi a morte isso. “Esse médico é louco. Como dá soda e pipoca.” “Dona Josi, presta atenção, sal, água, né? E acaba fazendo, não deixa de fazer um pouco do soro”. O importante é a criança estar hidratada, mesmo que seja besteirol, alguma coisa, dá pra ela, pra ela comer. Mas era muito difícil essas coisas, então eu batia muito, ainda continuei batendo de frente por conta disso, porque eu queria uma coisa que eu considerava melhor pro meu filho e a família dizia que não, que eu estava errada. Eles só não se metiam porque eles sabiam que eu batia de frente, fazia do meu jeito, não tinha acordo. Então essa é a parte que eu vencia, mas eu tive muita dificuldade, principalmente no início por conta disso, de eu querer seguir uma coisa bem natural, bem tranquila, sem estresse, sem colocar medo, sem ameaça, sem colocar de castigo. Meus filhos não sabem o que é Bicho Papão, não sabe: “Tem cachorro lá, não pisa...”. Eles não sabem o que é isso e se alguém falar perto deles eu não admito que fale, não coloque medo, eles não têm que aprender com medo, eles têm que aprender com o certo, eles têm que entender o que é e saber. Tanto é que eu nunca precisei tirar nada da minha casa, material de limpeza debaixo de nada, bibelôzinho das coisas, nunca precisei tirar. Meus filhos nunca foram aqueles de arrancar tudo, quebrar tudo, não. Lógico, abrir armário e tirar as panelas e fazer barulho isso eu acho que qualquer criança faz, mas desse risco de não mexer por quê? Porque eu orientava. “Olha, o fogão aqui é quente”. Quando estava bem morninho eu mostrava, eu colocava ali, fazia: “Está vendo? É quente. Então quando eu falar que é quente não toca”. Então é só eu falar quente eles já iam pra longe. Era a forma que eu encontrei pra criá-los e sem colocar medo.
P/1 – E a sua segunda filha quando veio?
R – Então, eu me separei meu filho tinha dois anos. A gente teve muitas diferenças de valores, principalmente quando estava ligado a parte financeira, ele gastava demais eu não. Eu tinha prioridades pra pagamentos de coisas, ele tinha outra, o desgaste era muito grande por conta financeira e eu não aguentei, falei: “Não. Eu não casei pra ficar me aborrecendo com isso, ou alguém cresce comigo e junto, as ideias juntos, porque senão não dá certo”. Como eu sempre trabalhei, sempre fui independente, já tinha vivido seis anos com outra pessoa, eu tinha uma história de vida que eu não precisava de alguém comigo, eu queria alguém que construísse comigo, se não fosse aquela pessoa nada ia me prender a ficar com ela, muito menos filho. “Ah, mas tem teu filho.” “Meu, filho é filho. Marido não é nem parente”. Não vamos misturar. Aí eu me separei. Aí veio um primeiro desafio, que aí é enfrentar um dia a dia com uma criança de dois anos, você tendo que trabalhar, pagar todas as contas, apartamento financiado, que eu tinha conseguido financiar o apartamento. Eu falei pra ele que a única coisa que eu ia exigir dele é que aquele apartamento fosse meu, porque foi uma parte de doação de vida da minha avó e a outra parte quem estava pagando era eu, ele não deu um real pra isso. Então achei muito justo ele não querer nada daquele apartamento, mesmo ele tendo direito por conta de ser casado comigo. A gente concordou, tal. Aí minha vida se tornou o que? Trabalho. Aí o meu contrato venceu na Prefeitura, eu me vi sem trabalho, então pra eu não ficar sem trabalho eu comecei aquelas vendas diretas que você conseguia dinheiro mais imediato, eu precisava de dinheiro pra ontem. Então comecei a vender Avon, quando eu vi eu estava vendendo... Eu comecei a vender tanta coisa que minha casa parecia mais um depósito de mercadoria do que qualquer... Era linha da Embratel, era Avon, era Hermes, enfim. Perfumes da Cazo, Balsamo, tinha um monte de coisa. Não tinha como eu não vender alguma coisa porque eu tinha tudo, eu brinco só que mais um pouco eu ia vender a minha mãe porque tudo que precisava: “Ah, eu tenho. Está aqui”. Mas era muito desgastante isso. Era bom porque eu ficava em casa, eu tinha mais tempo pro meu filho, podia levar pra escola, eu fazia o meu trabalho em horários alternados, isso foi uma coisa muito boa, mas o desgaste não vale e a insegurança financeira também não vale. Aí eu comecei a buscar, cheguei a conclusão, falei: “A partir de agora eu vou entrar na minha área”. Foi onde eu procurei a minha área. Aí eu consegui uma vaga numa creche pra trabalhar como assistente social, mas fiquei um mês e pouco lá. E dali eu consegui trabalhar numa ONG em Cubatão, a ONG Sociedade São Vicente de Paulo em Cubatão onde foi um desafio bastante grande pra mim porque eu tive que administrar quatro projetos sociais lá. Pra quem é marinheiro de primeira viagem, porque por mais que eu já era formada desde 2003, isso acho que foi em 2008, eu não tinha experiência prática sozinha, sempre tinha um supervisor, um colega de trabalho. Mas se ver sozinha numa situação e administrar quatro projetos sociais não foi nada fácil. Mas com a minha tranquilidade, sabe, respiro, eu observo muito a situação, o meu contexto em volta, então isso me ajuda muito a resolver as coisas que são os desafios novos pra mim. Eu trabalhei oito meses lá, mas como toda instituição passa por, não renova o projeto, não tem como eu continuar te pagando, existem os cortes, então você acaba perdendo. Deixei lá, eu falo que eu deixei lá um bebê, mas não um bebê de gente, um bebê que foi um projeto aprovado pela Petrobras que funciona até hoje, eu fico muito feliz de saber disso. Fico triste por não ter participado dele, mas só de saber que foi o meu primeiro projeto, pra Petrobras. Era difícil naquela época escrever um projeto pra Petrobras e ser aprovado, porque é bem complexo o formulário deles, e saber que o teu projeto foi aprovado, ainda mais saber que ele ainda funciona até hoje, está favorecendo vários adolescentes lá de Cubatão. Então pra mim já valeu ter passado esses oito meses lá. Aí eu comecei a procurar de novo emprego, fiz várias entrevistas, vários lugares, o pessoal: “Arruma qualquer coisa, vai ficar desempregada”. Como eu tinha o seguro desemprego do outro eu tive mais calma. Aí foi quando eu comecei a fazer... Fiz uma entrevista pela Proeco. Eu tinha feito com o Projeto Guri em São Paulo, estava quase, já tinha passado por duas entrevistas, faltava a terceira só, chamaram-me em janeiro pra passar pela Proeco. Aí a pessoa que me entrevistou foi muito rude, muito seca, não teve tato pra entrevista e falava coisa como se fosse um subemprego, ou seja, eu tinha que trabalhar por X e... Não. Eu tinha que trabalhar não sei quantas horas e eu tinha que ter uma disponibilidade no outro dia pra ficar até não sei que horas pra pagar Y. Aí eu fiquei olhando pra cara dela, falei não, espera aí, eu não estudei seis anos da minha... Quatro anos da minha vida, cismei com seis, quatro anos da minha vida pra ganhar isso e fazer tudo isso que ela quer. Falei não, eu tenho que valorizar minha profissão, pra fazer isso eu vou ser balconista, eu falei assim, ganho a mesma coisa e não tenho a responsabilidade que eu quero. Eu falei: “Está. Está bom”. E saí. Isso foi em janeiro. Aí continuei procurando, passei pela segunda entrevista no Projeto Guri nesse período, aí eu estava fazendo cursos de liderança que eu fiz muito curso pelo Sebrae, eu tenho programação neurolinguística, então eu fui fazendo vários cursos nesse interim. Aí foi fevereiro, janeiro, fevereiro, março, acho que foi em março, março ou abril, uma coisa assim, a Valéria, que é a fundadora da Proeco, ligou pro meu celular, eu estava no meio do curso, eu nem sabia quem era a Valéria, não tinha a mínima ideia de quem era ela, falando que eu tinha deixado um currículo lá, se eu podia fazer uma entrevista, tal, que era da Proeco. Eu falei, meu, não tem três meses que eu fiz entrevista lá, estão me chamando de novo pra fazer outra entrevista? Falei: “Está bom. Eu vou”. Ligou, eu vou. E eu voltei a fazer a entrevista. Aí quem me entrevistou já foi outra pessoa, aquela equipe todinha que estava naquela época tinha saído, toda, toda, toda e tinha uma equipe nova lá, tinha uma assistente social e uma psicóloga. Aí me entrevistaram, perguntaram se eu queria participar de uma dinâmica de grupo, tal. Falei: “Beleza, eu participo”. Aí nessa dinâmica de grupo, eu não gosto muito de dinâmica de grupo, até aplico um monte, mas eu participar eu não gosto muito. Aí ela mandou fazer um cartaz, fazer umas colagens e eu não gosto muito de me expor e eu sei que aquilo era pra elas saberem quem eu era e eu não gosto disso, prefiro que você pergunte pra mim, eu fale pra você do que você me mande fazer essas coisinhas. Aí eu fiz assim de caso pensado, né? Ela viu que eu fiz, acabei muito rápido, sabe aquela coisa assim que você não está muito a fim de fazer? Mas estava todo mundo fazendo, eu não ia ser diferente. Fiz. Eu não fui chamada, não fui escolhida, quem foi escolhida foi uma colega minha que eu conheço muito bacana. Fiquei feliz que tinha sido ela, tudo, só que ela não ficou uma semana que ela acabou tendo um desentendimento com outra pessoa, que também não está mais na Proeco, naquela época. Aí disse que essa assistente social falou pra ela: “Poxa, pra não ter que passar por seleção tudo de novo, dessas que estavam aqui, quem você indicaria vir pra cá?”. Aí ela falou de mim: “Chama a Adriana. Só que olha, a Adriana é assim...”. Porque eu sou muito certinha, muito justinha. “A Adriana é assim, assim, assim. Então ela não é diferente de mim, então eu não vou ficar porque eu não gostei do jeito que a moça lá me tratou, aquela pessoa, tal, eu não preciso disso, eu vou pra outra área”. Aí me chamaram, talvez até muito contragosto até da própria pessoa que me selecionou porque viu que eu não estava muito a fim de participar. Mas como eu tive uma boa referência preferiram me chamar. Aí eu comecei a trabalhar na Proeco. Cheguei também de paraquedas, a equipe que estava sabia muito pouco da Proeco porque a equipe anterior foi um dos problemas, dificuldades que a Proeco passou, a equipe todinha que saiu destruiu muito as informações que nós tínhamos, o histórico, por exemplo, de famílias foram perdidos. Pra fazer um levantamento todinho de tudo que tinha e tentar recuperar foi muito difícil, até por que a gente tinha convênios, a gente tinha que prestar contas e a informação não tinha porque foi eliminada, a gente não tinha como provar nada disso. Então eu praticamente reconstruí o atendimento familiar no CRAS que era uma casinha que a gente atendia lá embaixo, no Bom Retiro. Então foi um começo bastante complicado, eu fiz mais até administrativo do que serviço social. Aí eu só lembro que a que era minha coordenadora, a assistente social, virou pra mim e falou: “Você vai ficar cuidando disso.” que era das famílias referenciadas pela assistência social. O que seria isso? Nunca fiz isso na minha vida. Só que ela também não, ela era do RH, ela não atendia nada da assistência. Qual era a minha vantagem? Como eu me formei aqui, a maior parte, acho que 90% da rede eram pessoas que eu conhecia, que tinham se formado um ano antes ou comigo, um ano depois, sabe? Então eram pessoas conhecidas. Aí o que eu fiz? Comecei a ligar pro povo pra pegar explicação. Alguém tinha que me explicar como é que funcionava esse negócio aqui, esse convênio. Aí foi onde eu fui pegando informação e fui administrando as coisas e que deu muito certo. Então alguém me perguntava uma coisa eu sabia. Só que meu primeiro ano na Proeco foi praticamente mais administrativo, organizando toda a parte mesmo de família, de número de matriculados, que a gente atendia a criança na unidade, tal, tal, tal, do que mesmo atuando como assistente social. E que eu não me arrependo, não. Eu achei ótimo. Falavam muito: “Não trabalha, não faz isso”. Pelo contrário, com esse trabalho administrativo que eu tive que fazer, porque eu não sei trabalhar sem saber o que eu estou mexendo, eu tenho que conhecer onde eu estou senão não tem como eu fazer alguma coisa, permitir, vai, quando a Valéria ligava lá do balcão, porque eu nem conhecia a Valéria, foi difícil eu ver a Valéria pessoalmente porque ela ficava num galpão com o pessoal com as atividades, eu ficava atendendo a família numa outra casa. E ela às vezes ligava: “Quantas crianças nós temos de família pra por no relatório, alguma coisa assim”. E a coordenadora nunca sabia. “Ah, espera aí, passa pra Adriana”. Por quê? Porque a Adriana fez o levantamento no computador, tal, tal, tal. Então teve toda uma construção, sabe? Eu senti muito pela instituição de ver o jeito que a equipe técnica deixou aquele setor. Foi muito difícil, mas eu precisava dar um jeito, precisava ajudar a instituição porque se batia até uma fiscalização e não tivesse aquela informação podia até achar que a instituição não estaria sendo leal. Pelo contrário, tudo que estava ali estava realmente acontecendo, existia, só que as informações foram eliminadas. Precisei recuperar tudo isso, graças a Deus eu consegui praticamente eu acho que 100% das informações e a gente pode realmente voltar a fazer um trabalho normal.
P/1 – Queria que você falasse um pouquinho pra gente qual que é o seu trabalho hoje aqui na Proeco.
R – Hoje? Hoje eu sou assistente social também, mas eu não atuo tanto como. Hoje eu estou com um papel mais na parte de recursos humanos, porque a Proeco cresceu e tem a tendência de crescer muito mais, então há uma necessidade de ter um profissional que cuide dos nossos funcionários em todos os segmentos que eles precisem. Utilizo a parte da assistência pra necessidade social deles e utilizo recurso pra direcioná-los pelos seus direitos e deveres dentro da instituição, que não foge muito do que o assistente social faz. Mas eu acabo direcionando um pouco mais. Então eu cuido mais da parte de contratos, de entrevistas, de demissões, de orientações, de capacitações se for necessário ou de indicações de capacitações. Então toda essa parte de dúvidas referentes a horas trabalhadas, se é férias, se não é férias, se é folga, se não é folga. Enfim, tudo que é relacionado aos funcionários aqui, as atribuições que eles fazem aqui a gente constrói, eu com o Hélio, a gente está sempre trabalhando junto com isso pra cada um saber o seu papel aqui dentro, saber a importância do seu papel aqui dentro. Às vezes o pessoal pode achar que sou da limpeza e não é tão importante como aquele que de repente está aqui na administração. Totalmente ledo engano, né? É tão importante quanto, que se não é ele isso aqui não estaria limpo, você não estaria sendo recebida de uma forma agradável. Eles são mais importantes do que qualquer outra pessoa. Então o meu papel é valorizar também cada um que está aqui dentro, ajudar a motivá-los pra que eles consigam entender, conhecer e fazer o seu papel aqui da melhor forma possível. E trabalhar no terceiro setor hoje é difícil a pessoa entender. Quem escolhe o terceiro setor pra trabalhar deveria ser por aptidão, não por opção. Por quê? Porque o terceiro setor é totalmente diferente de uma empresa. Não tem como você comparar. Aqui é uma construção, é uma luta diária. Não é uma luta por quem vende mais, é uma luta mesmo social que você luta pra estar todo ano em pé. Se você bobear você o ano que vem não está mais aqui. E existe muito percalço que acontece no meio do caminho, né? Muitas dificuldades que a instituição passa por falta de ter desde conveniados até mesmo profissionais que trabalham com a gente, de parceiros. É uma coisa que a gente tem que saber lidar com isso, acreditar e estar unido pra vencer isso. Então quem trabalha no terceiro setor tem que ter esse entendimento que aqui é uma família, aqui a gente trabalha junto. Ou a gente está junto ou não está, não tem meio termo. Que está no meio termo não dá pra ficar no terceiro setor ou aqui na Proeco pelo menos. Você tem que estar junto mesmo, eu sou assistente social, sou do RH, fico com a gestão aqui em cima, mas se eu tiver que lavar um banheiro ou varrer, fazer uma comida pro pessoal comer, eu vou de boa. Por quê? Porque eu estou aqui pra colaborar, eu só tenho uma referência, uma atribuição aqui pra manter a organização, mais nada. Eu sou igual a você, qualquer pessoa que está aqui dentro. Então um tem que ajudar o outro. Um ficou doente: “Ah, ficou doente, folgado, tal”. Não. Vamos lá suprir o lugar dele hoje porque ele tá fazendo falta, vamos suprir porque a coisa precisa continuar andando, não dá pra parar. Não dá pra esperar a pessoa voltar pra continuar. Se der é ótimo, mas dificilmente dá. Você tem que continuar.
P/1 – Queria saber se nesse tempo que você tá, seis anos você falou, né, na Proeco, se você consegue se lembrar de um ou dois exemplos de situações que você viveu que foram importantes também, ou significativas pra você do ponto de vista pessoal e profissional. Atuando aqui mesmo. Eu não sei, algum atendimento, algum pai que você tenha conhecido, alguma criança ou uma situação no ambiente de trabalho mesmo.
R – Olha...
P/1 – Que tenha trazido algum aprendizado ou que tenha simplesmente sido forte, ficado marcado.
R – Aprendizado aqui é todo dia. Não tem como dizer qual foi um dia que teve um aprendizado. Aqui todo dia a gente está aprendendo uma coisa nova porque a Proeco, não sei se é a Proeco, mas eu entendo que a Proeco é uma caixinha de surpresa todo dia que a gente chega aqui. É tanta coisa boa que às vezes acontece e ao mesmo tempo já teve muitas coisas ruins que aconteceram, que a gente pode dormindo achando que chega lá está tudo bem, chega aqui aconteceu uma catástrofe, né, a gente não sabe o que aconteceu. É o surto às vezes de um funcionário, é alguma coisa que não deu certo, a Proeco já foi roubada por profissionais que trabalharam aqui, já teve situação bastante delicada. Já perdemos muito, já teve ano que a gente não teve convênio, tivemos que sobreviver na raça. Então todo dia é um desafio, um aprendizado, não tem como. A gente trabalhou muitos anos atendendo criança, família, diretamente. Hoje a gente ainda atende, mas já não é como a gente fazia antes, até por conta dos convênios que vêm, então a gente tem que se adaptar aos convênios. Antes do Suas ser implantado, que é o Sistema Único de Assistência Social, a gente tinha convênio que atendia famílias referenciadas, ou seja, o mesmo que o CRAS hoje faz nós também fazíamos, mas agora por conta do Suas a gente não pode fazer mais, só pode fazer atividades de fortalecimento de vínculos. A gente deixa de atender a família, a parte de atender família agora seria no CRAS, não a gente. Então o máximo que eu faço como assistente social depois que entrou o Suas é justamente isso, eu atendo a família que a Proeco atende, que até o ano passado a gente atendia também aqui. Ou se eu estou numa escola, alguém precisa de mim, eu vou lá e atendo aquela família, mas o meu papel maior é o que? Eu oriento e encaminho pro serviço, eu não posso mais fazer o acompanhamento como eu fazia antes, sendo que eu fazia isso e era uma coisa maravilhosa. Como a gente fazia diferença na vida daquelas pessoas. Era uma equipe, era eu e a psicóloga, era uma equipe psicossocial, a gente trabalhava em conjunto e por esse projeto a gente fazia um trabalho pra 60 famílias. Então 30 ficaram com ela, 30 ficaram comigo, a gente discutia o assunto tudo junto. E dentro essas 30 que eu atendia... Dentro dessas 60 tem um benefício aqui em Santos chamado PNF, que é o Plano Nossa Família, que alguém da família recebe o benefício pra se capacitar pra alguma profissão e tem até um ano e meio mais ou menos de renovação, de seis em seis meses eles renovam, até três vezes eles renovam pra você se capacitar e mudar sua realidade de vida, não depender mais do benefício. Então isso é uma proposta, é um projeto da prefeitura de Santos que oferece pra comunidade. E eu cuidei de 15 pessoas, consegui 15 vagas nesse programa, então inseri 15 pessoas nesse programa e que é onde eu posso falar que eu tive mais contato mesmo de experiência e ver alguma transformação. Das 15: “Ah, Adriana, as 15 se deram bem?”. Não. Com certeza uma boa parte delas continuou com a mesma vida recebendo o benefício, mas eu tive uma pessoa que ela estava em situação de depressão, ela estava, sabe, com dificuldade no relacionamento em casa. Ela sofria, ela apanhava em casa do marido, ela não conseguia sair dessa relação e ela participando do curso, ela foi primeiro fazer segurança, vigilante, que vigilante é segurança. Ela quis fazer isso: “Você tem certeza?”. Eu até brinquei: “Não é pra matar o marido, não?”. Aprender a atirar e matar o marido dela. “Não, Adriana, eu quero aprender, tudo”. E esse atendimento que foi acontecendo durante esse um ano e meio mais ou menos, que tinha que ter uma reunião mínima uma por mês pra um grupo e sempre que precisava eu estava aberta pra eles irem ao Proeco me procurar pra conversar, tirar dúvida, orientar, tá desesperada vem conversar com a gente aqui. Ela foi uma que fez segurança, ela fez curso de vigilante, depois ela fez curso de bombeiro civil, só que os últimos seis meses que ela deveria estar comigo ela não ficou, nem ela nem ninguém porque eu tive que abrir mão de todo o meu convênio por conta do Suas, eu tive que devolver todas as minhas famílias pro CRAS. Isso foi muito ruim porque eu tinha criado um vínculo, eles quando souberam disso ficaram muito incomodados, eles tinham quase um atendimento VIP, sendo que no CRAS não tem como acontecer isso porque são cinco mil, dez mil famílias pra dois, três técnicos atenderem. Não tem como fazer isso. E nós não. Lá a gente ia na casa, tomava cafezinho, conversava, batia papo, eles se sentiam protegidos com a gente, sabe, com uma segurança com a gente, coisa que não acontecia com o CRAS. Não é queixa deles, não, mas é uma realidade. Então eles se sentiam muito ruim, eles não queriam, mas eu falei: “Desculpa, eu não tenho opção. Não é eu quero, eu preciso fazer isso, eu devo fazer isso”. E os assistentes sociais, os técnicos, não necessariamente um assistente social que recebeu as minhas famílias, eles ficaram a mercê da minha avaliação pra prorrogar o programa ou não e do entendimento deles. Eu tinha um entendimento das coisas. O dinheiro era pra um curso, era pra uma capacitação. Não adianta eu te dar um dinheiro da capacitação se você está passando por uma situação muito complicada ou de repente teve uma ventania, você mora lá no barraco da palafita e caiu tua parede, você precisou do dinheiro pra comprar um negócio. Como é que eu vou dizer você não compre? Não posso incentivar, mas como é que eu posso simplesmente falar: “Esse dinheiro é especificamente pra isso e vou deixar você sem teto”? Então nem sempre dá, a gente tem que saber ter um jogo de cintura, não é ser permissivo porque não poderia, mas sim orientar aquela pessoa que hoje ela vai pegar esse dinheiro pra fazer isso, mas depois ela tem que arrumar um jeito de substituir isso pra continuar o curso. Então existiam os combinados que a pessoa tinha que cumprir, as condicionalidades pra ela cumprir. Só que nem todo técnico pensa como eu, então são pessoas de repente recém formadas ou inseguras, não conseguem ver desta forma ou têm medo de se prejudicar e quer seguir a cartilha 100% como ela é escrita. E aí quem acaba saindo prejudicado às vezes é a família. Então eu sei dessa pessoa que ela se deu bem, ela conseguiu se separar do marido, começou a construir uma nova história pra ela através desse apoio que a gente deu. Teve caso de criança, porque a psicóloga atendia mais as crianças e eu costumava ficar mais com os adultos. Então ela tem muitas histórias com as crianças. Eu tenho um contato com os adolescentes que a gente atendeu, que a gente fez um trabalho muito bacana com eles através de vivências mesmo, de dinâmicas, de discussão, trabalhamos consciência. Então se criou um grupo que antes eles tinham dificuldade até de se relacionar entre si, mesmo se conhecendo há décadas, sendo vizinhos, eles não sabiam lidar, pra lidar às vezes era até brigando, batendo-se, xingando-se. E com esse trabalho que a gente fez de praticamente seis meses com eles, toda semana encontrando com eles fazendo esse trabalho eles mudaram o comportamento, começaram a ampliar o conhecimento. Hoje eu tenho pessoas que já são maiores de idade, não são mais adolescentes, já são jovens, que teve um recente que teve aqui e falou, ele tem uma banda de música, ele tocava também na Proeco que a gente tinha maracatu, samba, tal, e ele falou: “Poxa, como foi bom o momento com você e a Paula”. Que a tia Paula, que eles falam tia Paula que era a psicóloga. “Como foi bom pra nós hoje aquilo que vocês passaram pra gente, porque o que serviu pra gente chegar onde que tá hoje”. Então essa fala pra mim responde, pra mim não vale mais nada. Pronto. Acabou. Serviu. Eu fiz o meu papel. São todos? Não. Uns viraram mãe, que a gente sabe que virou mãe mesmo, mas com certeza com outra visão, com outra perspectiva de vida, não só eu ela colocou o filho no mundo, é mais um filho, vou criar e pronto, daqui a pouco estou fazendo outro. Não. Eu coloquei o filho no mundo, tudo bem, não me preveni, devia ter prevenido, mas eu com certeza sei que ela vai olhar aquela criança com outro olhar que antes ela olharia. Então isso foi muito legal. Não tem só como dizer, não teve como não ser marcante um incêndio que teve no Mangue Seco em 2010 que a gente era bem próximo do mangue, praticamente 80% ou mais das pessoas que a gente atendia lá a família era de lá. Então era umas quatro horas, cinco horas eu acho que começou o incêndio e tomou conta de toda a palafita lá. Foi uma coisa muito grande, muito grande. Se você quiser depois procurar até na internet dessa época, em maio de 2010, como foi grande, como muitas famílias ficaram sem nada naquele momento. O sofrimento daquelas crianças, daqueles adolescentes, daquelas famílias de olhar e perceber que perderam tudo. Assim, eu não pensei, eu tinha só o meu filho, eu não tinha minha filha, tinha meu filho pequeno, liguei pra minha vizinha, falei: “Fica com o meu filho que eu não tenho hora pra voltar”. Então todo mundo da Proeco se mobilizou pra apoiar todo mundo. Se precisasse colocar gente pra dormir na Proeco a gente deixou a disposição, é que a assistência tomou conta da situação, a gente não precisou, uns tinham parentes, tal, mas a gente se mobilizou todo mundo pra dar esse acolhimento, esse apoio pra essas famílias que eles perderam... Tão começando a ter apartamento só agora, começou a liberar uns apartamentos aqui, CDHU acho que foi liberado mês passado, alguma coisa assim, pra algumas famílias que perderam as casas em 2010. Esse tempo todo eles estão tentando sobreviver ou reconstruir sua vida depois que perdeu tudo. Então foi bem marcante essa época também.
P/1 – Queria que você falasse um pouco, já tem bastante disso que eu vou te perguntar agora na sua fala, mas se você pudesse falar um pouco mais sobre qual que você acha que é a importância do trabalho que a Proeco faz pras crianças, pras famílias e pra escola? Pra comunidade, pra família e pras crianças. Qual que é a importância que esse trabalho tem na vida delas? Se traz mudanças, que tipo de mudanças? O trabalho que vocês desenvolvem.
R – Então, a Proeco tem um tripé chamado família, escola e comunidade. Ela construiu, iniciou dentro de uma escola como um projeto social justamente com o intuito de trazer alguma transformação, seja na escola, na família ou na comunidade. Então através da educação, que um dos nossos carros chefes é a educação além da assistência, é levar através da brincadeira essa transformação. Então as crianças que passam pela Proeco a gente percebe que elas têm aqueles... Voltando um pouco assim, as famílias que a gente atende são famílias muitas vezes desestruturadas, com alguns desajustes, com dificuldades, ora pai preso, ora a mãe tem vários filhos com vários pais, é totalmente perdida. Ora mora em situação difícil, desemprego, fome, trabalho infantil, enfim, acontecem várias coisas na história dessa criança e quando ela tá com a Proeco, no momento em que a Proeco entra em ação mesmo com as atividades dela a criança simplesmente acho que parece que esquece tudo que vive. Ela se permite ter aquele momento de alegria, de felicidade, de ser criança, que às vezes é passado despercebido. Então a criança aprende, ela aprende brincando. A Proeco permite isso, você aprender a gostar das coisas, aprender valor das coisas, aprender a ver as coisas de uma forma mais colorida, não esse preto e branco ou cinza que às vezes é a vida delas. Nós temos muita... Teria que ver na verdade, se você vir a Proeco hoje, que a caravana da Proeco, não digo antes que antes tinha os projetos da Proeco, mas hoje o nosso trabalho é através da caravana da Proeco. Se você visse a caravana da Proeco chegando numa comunidade ou inflando um brinquedo numa escola e aquelas crianças olhando aquela coisa enorme se inflando, crescendo, o sorriso, o brilho que aparece no olhar já diz tudo. Já responde qualquer coisa. A gente vê o quanto elas precisam daquele momento e quanto aquilo é importante pra elas, que com certeza elas vão pra casa, não vão com o olhar triste, não vão com aquele sentimento triste, vão com o coração mais alegre. Então é isso, a missão da Proeco é fazer isso, é transformar as crianças através da brincadeira pra deixa-las mais feliz e crescendo. Como ela é, como eu te falei, ela é da educação, então como ela vai na escola, a gente trabalha junto com o conteúdo, programa pedagógico da escola, só que através da brincadeira, então ela começa também a aprender através da brincadeira o educar, o estudar sem precisar ser aquela coisa traumatizante. Ela consegue chegar numa sala de aula, quando o professor for falar alguma coisa, ela vai associar com aquilo que ela aprendeu através da contação de história, através da tecnologia, que também através do Tablet que a gente dá, através da música. Através de todas as oficinas que a gente oferece, até mesmo pelo taekwondo pela disciplina, ela começa a interiorizar isso e aplicar na sala de aula e na vida dela. A gente faz um trabalho meio que inverso, né? Ao invés de vir já da escola pra nós pronto a gente o leva prontinho praticamente pra dentro da sala de aula e na família.
P/1 – E qual que você acha que é a importância do apoio do Criança Esperança pra Proeco?
R – Nossa, muita. Quando a gente recebeu, pelo menos quando eu soube pela primeira vez que a gente recebeu o apoio do Criança Esperança foi assim, quase que inacreditável. Como a gente estava até conversando, às vezes a gente nem acredita que é possível estar acontecendo isso e quando é mesmo que acontece a gente fica: “Meu Deus do céu”. Será que é tudo isso mesmo? Será que eles vão fazer jus? Será que vai ser tudo certinho? Será que a gente vai conseguir mesmo? Pô, e agora? Como é que a gente vai... Será que a gente vai conseguir dar conta dessa responsabilidade agora com o Criança Esperança. Foi uma coisa muito boa quando a gente recebeu o apoio do Criança Esperança a instituição estava passando uma fase bastante complicada. O Criança Esperança veio pra somar de uma forma tão positiva e trouxe como referência pra instituição, abriu portas pra instituição. A instituição pode concretizar sonhos que antes ela talvez achava que não ia conseguir pra levar todo o projeto como a gente queria sempre levar, com os brinquedos, porque todos os brinquedos praticamente nossos são via Criança Esperança, graças a eles a gente pode ter essa estrutura que hoje a gente apresenta nas comunidade e nas escolas. Eu acho que o Criança Esperança foi tudo pra instituição. Veio mesmo pra fazer o bem, pra ajudar a instituição simplesmente, sabe, continuar acreditando que a nossa luta vale ainda a pena continuar lutando. Vale a pena a gente acreditar ainda. Porque às vezes a gente está... mas a Proeco em si a gente trabalha dia a dia acreditando numa coisa, mas parece que parceiros, pessoas, não dão o devido reconhecimento do nosso trabalho. Às vezes passa a impressão de que parece que o nosso trabalho é mais um, pra terceiros, não pra nós. A gente acredita muito no nosso trabalho, acredita muito na educação, a gente acredita muito na criança, nessa pessoinha que tá aí se formando que vai ser o nosso futuro amanhã. O Criança Esperança nos permitiu continuar caminhando, continuar concretizando esse sonho e a permanência, essa sequência de apoio que a gente tá tendo só tá mesmo nos fortalecendo cada vez mais e mostrando que nós estamos no caminho certo. Porque é um reconhecimento acho que a gente precisava, de alguém perceber que realmente o nosso trabalho é um trabalho que vale a pena, que realmente é merecedor e que essas crianças precisam de uma educação diferenciada.
P/1 – Você enxerga mudanças e transformações na Proeco a partir do momento, comparando um antes e depois do apoio do Criança Esperança, você acha que vocês tiveram modificações e transformações a partir do apoio, porque foram possibilitadas, ou impulsionadas, ou ajudadas pelo apoio?
R – Sim. Foi muito clara essa mudança, sabe? Deu pra gente perceber porque foi em dois mil e... Nós estamos em 2014, né? 2014, 2012... 2012 acho que foi a primeira vez que a gente foi contemplada, não é isso? Então, a gente estava acabando de sair de uma casa onde a gente estava que era cedida, a gente teve que entregar aquela casa, tivemos que correr atrás de uma casa que era alugada. Sem condições, sem convênio, sem muitos parceiros... Tinha um monte de parceiro, a gente teve Telefônica muitos anos, sempre tivemos, tivemos vários parceiros, mas pra pagar um aluguel, por exemplo, não tínhamos parceiro. Pra pagar de repente um profissional não tinha um parceiro. Então a gente passou um momento bastante difícil e quando a gente recebeu isso que eu falei, que isso foi um presente naquele ano que foi no finalzinho de 2012, foi um presente que foi pra justamente acho que falar: “Não. Não desistam. Continua que vocês estão chegando lá”. Alguém parece que veio pra nos avisar mesmo, falar: “Continuem, vocês estão no caminho certo. Eu estou aqui pra ajudar vocês pra isso”. E eu sinto que ajudou muito. Muito. Não só questão financeira, lógico que vem pra gente conseguir concretizar o nosso trabalho, o nosso projeto, mas como o Criança Esperança mesmo, as pessoas começam a ver a instituição com mais respeito que às vezes não tem, às vezes a pessoa não valoriza mesmo, então eles começam a respeitar. E fora que tudo em volta a gente percebe assim, começa realmente a acreditar, fala: “Poxa, o Criança Esperança? Não, sério?”. As pessoas começam a ter outro olhar até mesmo... Pessoas físicas. Não digo só parceiro, não. Pessoas físicas começam a ter outro olhar também pro nosso trabalho. Os próprios pais que a gente atende: “Poxa, olha, o Criança Esperança?” “É. O Criança Esperança”. Então o pessoal fica até atento na televisão pra ver o seu filho filmando lá, tal. Você vê que realmente a mudança é clara. Eu acho que pra qualquer instituição que consegue ter esse apoio do Criança Esperança é abençoada. Ela recebe uma benção muito grande.
P/1 – Tá certo, Adriana. Eu vou encaminhar agora pras questões finais. São duas perguntas que a gente sempre faz pra encerramento, antes eu só queria que você dissesse o nome dos seus filhos e falasse do nascimento da sua filha.
R – É, que eu não falei, né?
P/1 – É. Pra gente fechar.
R – O nome dos meus filhos, um é o Marcos Vinícius, está com nove anos e meio, que ele faz questão de dizer isso. Maria Eduarda faz quatro anos agora em janeiro, dia 22. Ela nasceu dia 22 de janeiro de 2011. Ela já nasceu numa turbulência na minha vida. Foi um relacionamento também que não deu certo, eu acabei depois que eu soube que eu estava grávida. A gravidez dela foi mais difícil que a do meu filho, foi uma gravidez de risco. Essa de fato concretizou a questão de supostamente diabética, pressão alta, fiquei mais internada do que trabalhando, onde eu tive um apoio muito grande da instituição nesse momento. Tenho muito que agradecer a Proeco por conta disso, pelo apoio que me deram. Ela é linda, eles são lindos, ele você já conheceu, ela então é formidável. São minha motivação diária pra enfrentar o dia a dia e são duas criaturinhas que eu olho e falo: “Está aí a esperança. Está aí a esperança”. É por aí que a gente tem que ir. Então tudo que eu passo tanto aqui na instituição, tudo que eu aprendo, tudo que eu vejo, tudo que a gente recebe eu transmito pra eles da mesma forma. Eles vivenciam porque eles ficam muito aqui, nas férias então tão sempre aqui comigo. O Marcos então veio com três anos praticamente, com a idade da minha filha hoje, ele conhece todas as fases aqui. Ele participou das atividades da Proeco, ele teve toda essa vivência legal aqui dentro, de batuque. A Maria Eduarda vivenciou dentro da barriga, ela já aprendeu batucando, gosta de uma música, de dançar, eu acho que tem muito a ver com o que ela vivenciou desde a gestação aqui dentro. Mas são pessoas que eu morro por elas, são minha vida.
P/1 – E agora a nossa penúltima pergunta que é quais são os seus sonhos.
R – Virgem Maria, meu sonhos. Hoje em dia a gente está mais sonhando pros filhos do que pra nós. Meu sonho é a gente conseguir conquistar, a gente... É tanta coisa que a gente quer começar... Meu sonho é continuar conseguindo ser feliz, que a gente consiga ter paz porque no dia a dia da gente tudo a gente pode alcançar, tudo. Nosso sonho, não importa qual seja ele, a gente alcança acreditando nele, mas se a gente não tiver paz, não tiver saúde, tranquilidade e fé pra acreditar nas coisas, não adianta eu falar dez sonhos pra você aqui que eu não vou alcançar nenhum deles. Eu tive muitos sonhos, como eu já contei alguns, e praticamente só não comprei minha moto ainda, mas praticamente todos eu realizei. Tenho o meu apartamento, tenho o meu filho e casei de vermelho, só não comprei a moto. Tenho minha profissão hoje, mas o meu sonho é ver os meus filhos bem, encaminhados, com segurança. Meu sonho é ver aqui a Proeco cada vez mais concretizando a própria missão que ela tem, e eu to aqui lutando junto com eles pra isso. A gente conseguir implantar de fato a metodologia nas escolas como a gente quer, fazer que a educação comece a ter a sua transformação através do nosso trabalho, que a gente seja realmente um agente transformador também na educação. Eu não sonho muito na verdade, eu acho que o meu sonho é quase que diário, então se eu a cada dia conseguir acordar bem e dormir bem, em paz, acho que a gente já tem tudo pra agradecer. Eu acho que é isso. É ser feliz, o resto a gente leva.
P/1 – E por fim como é que foi contar a sua história? O que você achou da experiência?
R – É muito bom, viu, contar, reviver alguns momentos. Pode ver que a gente se emociona, não tem como, eu estou aqui segurando pra não chorar em alguns momentos. A gente percebe quanta coisa a gente passa na vida que a gente deixa no esquecimento por conta da rotina. A gente relembrando algumas informações do passado a gente... Agora ficou difícil. A pergunta mais difícil foi a que mais emocionou. Quantas vezes a gente perde tempo com pequenas coisas, com brigas, aborrecimentos. Pela própria ignorância do conhecimento mesmo, como a gente às vezes perde muito fazendo isso na nossa vida e que a gente podia fazer diferente. Mas o lado bom de tudo isso é que a gente cria experiência e a gente pode fazer diferente a partir de agora, né? E é isso que eu penso. Eu acho que a gente erra justamente... Ainda bem que a gente erra, porque aí pelo menos você sabe que errou e sabe melhorar. Então a gente nunca erra, ou acha que nunca erra, a gente não se permite a mudança, não se permite o crescimento. Tudo que eu passei, passei um bom bocado, acho que o que eu falei foi fichinha, eu acho que até eu to falando coisa mais boa do que ruim, mas acho que não vale ficar reforçando as coisas tristes que acontecem na nossa vida. Até porque aconteceu naquele momento a tristeza, hoje não, hoje minha meta é ser feliz mesmo, isso ninguém vai me tirar. E pra eu ser feliz é eu superar e conseguir ressignificar muitas coisas, é por aí que eu vou. Eu acho que é isso.
P/1 – Tá bom. A gente encerra por aqui então. Muito obrigada.
R – Obrigada vocês, viu?
FINAL DA ENTREVISTA
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