P/1 – Roberto, eu queria agradecer a sua presença aqui, em primeiro lugar. Para começar, eu queria que você dissesse o seu nome completo, o local e a data do seu nascimento.
R – O prazer é meu, a alegria é minha, meu nome é Roberto Livianu, eu nasci em São Paulo, no dia 27 de julho de 19...Continuar leitura
P/1 – Roberto, eu queria agradecer a sua presença aqui, em primeiro lugar. Para começar, eu queria que você dissesse o seu nome completo, o local e a data do seu nascimento.
R – O prazer é meu, a alegria é minha, meu nome é Roberto Livianu, eu nasci em São Paulo, no dia 27 de julho de 1968.
P/1 – E o nome dos seus pais?
R – Meu pai, Ernest Livianu, nascido em Bucareste, na Romênia, e a minha mãe,
Allegra Sylvie Livianu, nascida no Cairo, Egito.
P/1 – Você poderia falar um pouquinho sobre eles?
R – Tanto o meu pai como a minha mãe judeus, o meu pai advogado, falecido há quatro anos, e o meu pai, ele passou a guerra escondido no porão da casa, ouvindo os soldados levando os judeus pros campos de extermínio. E aí, no pós-guerra, ele viveu um tempo em Israel, cinco anos viveu em Israel, depois, em 1955, imigrou pra América do Sul, onde ele viveu em Montevidéu durante nove meses, e depois ele acabou vindo pro Brasil, ele e um primo que morava em Montevidéu, e chegou no Brasil em abril de 56. Ele, aliás, naquela época isso era uma coisa muito mais viável do que hoje, porque o vestibular era diferente, o meu pai falava latim, porque o romeno é um idioma muito próximo do latim, aliás, eu falo romeno também, e ele ingressou na Faculdade de Direito da USP um ano e oito meses depois de chegar no Brasil sem falar português, sem ter dinheiro nenhum e sem conhecer ninguém, né? Então depois eu fui estudar na mesma faculdade que ele, aí fez a carreira dele como advogado. A minha mãe nasceu no Egito e ela, o irmão e os pais saíram de lá na época do Nasser, quando foi nacionalizado o Canal de Suez, e os judeus, principalmente, mas também pelo fato de serem cidadãos franceses, foram expulsos e tiveram muito pouco tempo pra se retirar do país. E aí os judeus nessa condição eram levados pra Gênova, na Itália, onde eles ficaram durante alguns meses, até conseguirem um visto, a princípio o meu avô tentou obter um visto pra vir pro Chile, que tinha uma prima que morava lá, mas houve burocracia pra conseguir esse visto e alguém falou do Brasil, que era um país que estava acolhendo os imigrantes. E aí surgiu essa possibilidade e conseguiu um visto pro Brasil e eles vieram pro Brasil, em época, eu não sei exatamente o ano que vieram, mas em época próxima do meu pai, mas vieram por razões diferentes, por motivos diferentes, e acabaram se conhecendo porque trabalhavam no mesmo prédio, no mesmo local, que era uma incorporadora imobiliária. E a minha mãe, ela, quando eu e meu irmão éramos crianças, ela não trabalhava, depois ela foi trabalhar na Faculdade de Direito da USP, foi funcionária da USP, aposentou, minha mãe é viva e o meu pai é falecido.
P/1 – Você comentou dos seus avós, você teve contato com eles?
R – Tive contato mais intenso com os meus avós maternos, a minha avó materna é viva, tem 94 anos, aliás, eu tenho boas lembranças do convívio com a minha avó. A minha avó, ela, inclusive, foi, no início da vida aqui em São Paulo, procuravam ocupação pra sobreviver, e a minha avó era uma pessoa muito culta, é uma pessoa muito culta, foi professora de Francês, aliás, eu estudei Francês com ela, ela foi governanta da casa do Senador Suplicy, ela trabalhava pra Dona Filomena e ela ajudou a criar o Senador Suplicy, trabalhou durante um tempo lá. Então eu tive mais contato com meus avós maternos, com a minha avó Celina e meu avô Mayer, o meu avô, ele morreu no dia seguinte à minha posse no Ministério Público, ele teve um AVC e morreu. A minha avó, ela está viva, mas tem muitos problemas de saúde, ela está numa casa de repouso, mas tive mais contato com eles. Meus avós paternos, eles faleceram quando eu era criança, o meu avô morreu eu tinha cinco anos e a minha avó, quando ela morreu, eu tinha oito anos. Eu tenho lembrança da imagem deles, da minha avó um pouquinho mais, mas não me lembro muito de contato com eles, mais com meus avós maternos.
P/1 – Você comentou dos seus pais imigrantes, eles conversavam com você, contavam histórias de como era São Paulo ou o Brasil na época em que eles chegaram?
R – Não, eu não tenho memória deles fazerem esse tipo de relato, isso eu não me lembro.
P/1 – Qual é o nome do seu irmão?
R – O meu irmão Ricardo, o meu irmão Ricardo é dois anos mais novo, ele é advogado, casado, tem dois filhos, aliás, um pequeno, que tem um ano e meio, é o Rico, Ricardo também, e o mais velho, que tem dez anos, que é o Guilherme.
P/1 – Agora a gente vai voltar lá pra sua infância, eu queria que você dissesse como era o Roberto criança.
R – A lembrança que eu tenho da infância, eu tenho lembrança do tempo que morava na Rua Lisboa, ali em Pinheiros, e eu morei ali até os oito anos de idade, tenho alguma vaga lembrança disso. Estudei no Colégio Dante Alighieri desde o jardim de infância, entrei no Dante com cinco anos de idade e morava lá na Rua Lisboa, me lembro vagamente, de brincadeiras na rua. Sempre fui um menino muito estudioso, na escola eu sempre fui um menino muito estudioso, era uma criança muito tímida, uma criança muito travada, com dificuldade de sociabilidade, e sempre fui muito estudioso, né? Estudei sempre no Dante Alighieri, desde o jardim até o colegial, e aos oito anos nós nos mudamos pra Rua Ministro Rocha Azevedo, nos Jardins, era um apartamento bem próximo do Dante. Aliás, eu me lembro que da janela ali da cozinha dava pra escutar o toque do sino, porque ali tinha, é um colégio muito tradicional, que fez cem anos, e logo na entrada do colégio tem o sino e o Seu Marino, que era uma figura legendária da escola, ele tocava o sino, que era o aviso pra todas as classes, era o início, todo mundo dentro da sala pra começar a aula, e o Seu Marino tocava o sino. Esse toque do sino era possível escutar lá da cozinha desse apartamento que eu morei dos oito anos até os 23, quando eu me casei. Então aí eu me mudei pra aí e eu ia a pé pra escola, que era muito perto. Sempre fui um menino muito estudioso, muito tímido, eu não tive namoradas, é outra época da relação entre as pessoas, muito mais difícil o contato, sabe, e eu tenho esta lembrança, gostava da escola, estudava de manhã, acordava bem cedo, de tarde fazia as lições e tal. Você não tinha internet, não tinha ainda, começou na minha adolescência, a questão de videogames, mas eu não tive videogames, não, eu era um menino realmente voltado pra estudo mesmo.
P/1 – Dentre essas brincadeiras da rua tinha alguma preferida?
R – Brincadeiras da rua, preferida, naquela época tinha, eu me lembro lá na Rua Lisboa, isso eu tenho a lembranças, que tinha, eu gostava, tinha a coisa de brincar de rodar pneu na rua, e a molecada brincava e ficava todo sujo, com aquela coisa de rodar pneu, tinha os carrinhos de rolimã também, que era bem perigoso, mas a turma gostava, né? No Dante, eu me lembro que eu sempre gostei de futebol, jogava junto com a turma lá, a gente sempre ia passar férias no Guarujá, na praia, desde criança, desde muito pequeno, e lá tinha uma turma de amigos, e a gente sempre jogava futebol na praia, aliás, eu tenho contato com alguns desses amigos até hoje, da turma lá do Guarujá, das férias, né? Então eu gostava de jogar futebol, torço pro São Paulo, sempre acompanhei as coisas do futebol, tinha brincadeiras de criança, hoje em dia isso não é, eu não sei se funciona ainda, mas a gente gostava muito de brincar de pega-pega, de esconde-esconde, eram coisas. Até no Guarujá, eu me lembro que tinha queimada, então tinha essa coisa, era uma turma bacana de amigos lá e eu tinha bastante contato, porque passava três meses por ano por lá, passava dezembro, janeiro e julho, né?
P/1 – Seu irmão brincava com você também?
R – Brincava, o meu irmão ele tem um temperamento diferente de mim, ele é mais retraído ainda, ele não gostava muito de futebol, então eu lembro que entrava no jogo, a gente zoava com ele de atrapalhador (risos), coitado, a gente zoava com ele mesmo.
P/1 – Qual é a sua primeira lembrança da escola?
R – Primeira lembrança da escola, eu tenho lembrança da escola, inclusive do jardim, eu me lembro que tinha uma professora, que era uma professora muito bacana, a Professora Márcia, eu me lembro inclusive do jardim. Óbvio que são lembranças vagas, distantes, mas eu lembro desde o jardim, lá no Dante Alighieri, o jardim, o pré-primário. Estabeleceu-se uma relação muito forte porque foi uma escola em que eu vivi desde os cinco anos de idade até os 17, né, então toda essa coisa da infância, da adolescência lá, quer dizer, uma relação muito forte com a escola, era um lugar que vivia muitas descobertas, muita intensidade ali, as coisas das aulas, ocupava uma parte importante realmente da minha vida, eu lembro bem.
P/1 – Você tinha alguma matéria preferida?
R – Olha, eu era ótimo aluno de Matemática, gostava muito de Matemática, apesar de ter seguido a carreira do Direito, gostava muito de Matemática, era muito bom aluno, dificilmente tirava menos do que nove nas provas. Tanto que no colegial eu e meu irmão, teve uma época que ele também gostava, era ótimo aluno, nós chegamos a dar aulas particulares de Matemática pra o pessoal que tinha dificuldade, eu lembro até que a gente fez um cartãozinho: “Roberto e Ricardo, aulas particulares de Matemática”. E depois que eu entrei na faculdade, eu tinha conseguido uma bolsa no Curso Intergraus e o dono do Curso Intergraus, que existe até hoje, o Professor Machado, ele me convidou pra dar plantão de dúvidas, então eu era plantonista, eu ajudava o pessoal que tava estudando pro vestibular tirando dúvidas de Matemática, Física e Química. Química, eu não era grande coisa, mas tem coisa muito lógica dentro da química, a questão das reações químicas, tabela periódica, né, então fui um bom aluno e durante um ano ainda fiz essa monitoria lá no curso, né? Eu gostava e sempre tive facilidade com números, isso eu acho que sempre é bom, em qualquer carreira que você esteja, ter habilidade, ter facilidade com números é algo sempre bom, né? Hoje o meu filho estuda Engenharia Mecatrônica na Poli, que é um curso dificílimo e tal, ele é muito bom com números, um aluno muito inteligente.
P/1 – Você comentou de colegial, então vamos passar mais pra adolescência, juventude. O que você fazia pra se divertir, quais eram os amigos, quais eram os programas?
R – Eu tive alguns amigos, sim, na escola, e tive amigos lá no Guarujá, tem um amigo, que é amigo de infância, que eu tenho contato até hoje, não é um contato, assim, de todo dia, mas de vez em quando a gente se vê, que é o Henri, nós somos amigos desde os, acho que desde os quatro, cinco anos de idade até hoje, e é amigo lá do Guarujá, tenho contato até hoje. O Marcelo, o Fábio, lá do Guarujá também, outro dia a gente até marcou um jantar e nos reencontramos, né? E no Dante eu vivi várias fases de amigos, tem uma turma que eu tenho amizade, me encontro até hoje de vez em quando, o Marcelo Araújo, o Gregório, o Renato Rangel. O Marcelo Araújo, inclusive, ele estudou comigo desde o primário até o final e depois fizemos faculdade juntos, entramos, fizemos Direito na USP, estudamos juntos e tenho contato até hoje, ele é advogado. Então mais ou menos essas pessoas, assim, que eu tinha mais amizade, mais proximidade.
P/1 – Como é que foi essa decisão de fazer Direito?
R – Olha, desde a juventude, desde a adolescência, esta coisa da justiça é algo que sempre, sempre me tocou, eu sempre me senti profundamente incomodado com situações injustas, desde jovem, muito jovem. Eu lembro que isso me gerava inquietações, eu não conseguia ficar indiferente a situações que me pareciam injustas, então já havia esta percepção e o meu pai também é advogado. Não tinha um contato tanto, de saber das coisas do meu pai, do escritório dele, mas é advogado, de uma maneira ou de outra você tem contato com isto, porque os pais, eles representam modelos que você observa. Mas, ao meu ver, o fator determinante foi esta coisa muito minha de me sentir realmente tocado por estas coisas das injustiças, e sempre fui uma pessoa preocupada em tentar apaziguar estas situações, ter uma atitude procurar, de alguma maneira, apaziguar e procurar o caminho do justo. Além disso, no colegial, eu achava importante, acabei me submetendo a um teste vocacional que eu achei bom, achei que foi uma coisa boa, porque surgiu uma ideia no colegial em relação à carreira diplomática, né? Não sei te dizer exatamente porque, mas em algum momento surgiu essa ideia, eu cheguei a pensar em seguir esta carreira, se bem que não é um curso superior, é uma opção de carreira que você faz mais pra frente, mas diante desta ideia e da falta de convicção, vamos dizer, com 16, 17 anos você não tem convicção absoluta. Então descobri essa questão do teste vocacional, achei que era bom, e me submeti ao teste vocacional feito por um psicólogo, e o teste apontou Direito e Diplomacia realmente como dois caminhos. Então fui fazer Direito e me identifiquei bastante com o curso, achei que aquilo tinha realmente muito a ver comigo e sempre me dediquei com profundidade aquilo. Na verdade, acho que esse é um traço meu, eu sou uma pessoa muito intensa, então pra mim não existia a hipótese de fazer o curso só pra assinar, sair, não, eu queria mergulhar naquilo tudo ali, havia uma vontade de conhecer tudo aquilo que era apresentado. E é um mundo novo, se você compara com aquilo que você estuda na escola com o que se apresenta num curso de Direito, ainda mais no começo, você tem matérias que trazem desafios muito novos, Sociologia, provocações filosóficas, Introdução ao Estudo do Direito, Economia. Então tudo muito novo, e no começo parecia difícil, parecia que era, que ia ser complicado encontrar aquele caminho de completar aquilo e absorver aquele conhecimento, porque é um degrau significativo do ensino médio pro ensino superior. Mas isso é num primeiro momento, depois você vai se ambientando, os seminários e tudo, é uma coisa que me, o curso me agradava bastante, né? Eu fui simultaneamente, não tanto assim por opção, mas por uma questão dentro de casa, fui trabalhar com o meu pai, não era exatamente aquilo, não foi uma coisa que eu escolhi, mas eu fui trabalhar com o meu pai no escritório dele, ele tinha um escritório de advocacia, né? Ali eu tive oportunidade de lidar não só com coisas do Direito, aliás, não lidava tanto, mas foi uma primeira experiência administrativa, porque tinha uma imobiliária, então lidava com questões administrativas, questões de administração de condomínios, locação de imóveis e fazia de tudo, ia pra rua, fazia de tudo, trabalhava muito desde cedo e fazia faculdade de noite. No meio do curso, eu mudei pra manhã, porque eu chegava arrebentado na faculdade e comecei a perceber que não tava rendendo o que deveria render, aí a segunda metade do curso eu fiz de manhã e fiquei com o meu pai no escritório até o quarto ano. No quarto ano, surgiu uma oportunidade e eu fui fazer estágio no Ministério Público, e me identifiquei imediatamente, porque eu percebi, ao longo do curso, que eu tinha, que a minha vontade, o meu caminho era seguir uma carreira pública e não a advocacia, né? É uma bela carreira a advocacia, mas eu me sentia mais identificado com carreira pública.
P/1 – Só pra gente não perder essa questão do público, como é que foi pra você esse degrau entre o colegial e o superior, o vestibular, como você se sentiu com essa entrada numa universidade pública? Como foi pra você?
R – Foi uma experiência bastante difícil, porque eu era um bom aluno, era estudioso, mas eu me preocupava muito com o vestibular, porque eu enxergava ali que era difícil por causa da concorrência e pelo caráter episódico do vestibular, se você não está bem no dia, de repente todo um investimento, todo um estudo, e você não consegue. Eu conseguia enxergar isso e eu mesmo procurei um cursinho, porque eu sentia necessidade de me fortalecer nos testes, eu tinha um pouco de dificuldade com questões teste. Eu escrevia bem, gostava de redação, gostava de escrever, mas os testes, eu enxergava ali algumas armadilhas, então pra eu me preparar melhor para enfrentar isso eu procurei um cursinho. Tinha um professor lá do Dante, Professor Túlio, professor de Biologia, que dava aula no Curso Intergraus, eu fui conversar com ele e pedi a ele se havia a possibilidade de conseguir uma bolsa no cursinho e aí fiz um teste, fui bem no teste, consegui essa bolsa. Então o segundo semestre do colegial, simultaneamente ao colegial, eu fazia o cursinho, então estudava de manhã e de tarde ia pro cursinho, chegava de noite em casa, só estudando, de manhã até à noite, pra me preparar. Prestei o vestibular apenas para a USP, só para a Fuvest, hoje eu percebo que isso foi um erro, mas as circunstâncias da minha vida levavam pra isso, que eu queria estudar na USP, acabei prestando só a USP e, graças a Deus, eu acabei passando no primeiro vestibular. Mas realmente eu enxergava que aquilo era um degrau alto mesmo pra subir, mas eu procurei me preparar da melhor maneira, porque, enquanto eu via muitos amigos da escola, muita gente levando no oba, oba, muita festa, eu nunca fui de viver isso. Aliás, se voltasse no tempo, eu gostaria de ter vivido mais, ter feito mais bagunça, sabe, eu devia ter feito mais bagunça nessa época, no tempo da faculdade, eu sempre fui muito sério, muito estudioso e tal. Então tinha uma condição boa de enfrentar isso, porque eu não tinha estado no colégio a passeio, então tinha absorvido conhecimento. Aliás, era pra eu ter passado numa posição muito boa no vestibular, mas no dia da prova, eu não sei exatamente porque, mas eu gostava de poesia e me deu na veneta a ideia de na redação escrever uma poesia e não era permitido e eu tirei dois na redação, isso me derrubou. Se eu tivesse tirado um sete na redação, que óbvio que eu tinha condição de tirar, eu teria passado entre os cinco primeiros, mas, como eu fui muito bem no geral, então, mesmo com essa nota baixa, e naquela época o vestibular, as matérias tinham pesos, redação tinha peso oito pra Direito, então isso me derrubou a média geral. Mesmo assim eu passei numa posição intermediária, tinha acho que 450 vagas, eu passei em duzentos e pouco, não fui lá pro fim, agora, se tivesse tirado um sete, um oito, passava entre os primeiros, com certeza. Mas aí foi, fiz a travessia, entrei na USP com 17 anos e toquei em frente, continuando na pauleira, porque fazia o curso de noite, trabalhava o dia inteiro, então era bem cansativo.
P/1 – No início da sua carreira profissional você trabalhou com o seu pai, como é que era ter o pai como chefe? Como era essa relação?
R – Difícil, o meu pai era uma figura muito forte, muito autoritária, foi difícil.
P/1 – Aí você se encaminhou pro Ministério Público.
R – É, aí eu descobri, surgiu essa oportunidade de fazer o estágio no Ministério Público, fui estagiário do Antônio Herman Benjamin, que é hoje é ministro do Superior Tribunal de Justiça, uma pessoa muito inteligente, muito culto, muita vivacidade, e aprendi bastante com esse estágio. Logo no início do estágio, já me identifiquei com a carreira, a visão do promotor de justiça, percebi que aquele era o meu caminho, percebi a minha vocação de trabalhar nesta dimensão, de defender a sociedade, de procurar fazer um trabalho voltado pra promover transformação, pra trazer justiça de uma forma coletiva e numa carreira pública, né? Então me identifiquei muito rapidamente e não tive a menor dúvida, tanto que não prestei nenhum outro concurso, eu só prestei concurso pra promotor de justiça, e fiz estágio lá por um ano, na promotoria criminal, e comecei a estudar, né? Terminei a faculdade, me dedicava ao estudo, estudava dez horas, 12 horas por dia, com o edital do concurso na mão, no primeiro concurso quase passei, fui até a fase oral, no segundo concurso eu passei, entrei no Ministério Público com 23 anos de idade, aliás, esse mês eu completo 23 anos de carreira.
P/1 – Qual foi a sensação de passar nesse concurso tão jovem?
R – Foi uma sensação extraordinária, o dia que eu soube da aprovação, por várias circunstâncias da minha vida, aquilo foi realmente um marco, eu estava conquistando, estava conquistando a minha, um sonho, estava conseguindo fazer com que aquele caminho que eu tinha imaginado se realizasse. Realmente foi um sentimento de extrema felicidade e, apesar de tão jovem, por ter vivido muitas experiências pessoais desde novo, eu me sentia, eu não me sentia imaturo pra exercer aquela função, não. Eu me sentia em condições de cumprir aquele papel, que era um papel bastante difícil, complexo e que eu sempre encarei com extrema seriedade, nunca vi, em qualquer trabalho que eu fiz, em toda a minha carreira, como algo menor ou burocrático. Eu mantenho a mesma paixão pela minha carreira todos os dias, então não diminuiu o meu sentimento de responsabilidade, procurar fazer o melhor, de ver graça em todo trabalho que eu faço. Então eu realmente me sinto muito feliz e vocacionado para a carreira de promotor de justiça.
P/1 – Como é a rotina do seu trabalho?
R – Eu já passei por praticamente todas as etapas da carreira de promotor, o início da carreira, o primeiro cargo que a gente ocupa é de promotor de justiça substituto, a carreira de juiz é exatamente igual, juiz substituto, o substituto, ele é um tapa buraco. Então um promotor saiu de férias, então alguém tem que cobrir esta lacuna, ou a promotora está de licença maternidade ou houve uma promoção, o cargo está vago, então no início da carreira você pode ser designado pra atuar em qualquer cidade do estado, né? Então são períodos curtos, de 15 dias ou de 30 dias, em que você vai cobrindo esses buracos, como você chegou ali e tem que assumir o trabalho, você não conhece o acervo, você não conhece os processos. O processo chega pela primeira vez, então você tem que saber do que se trata aquilo ali, você nunca manuseou, é diferente de você está há cinco anos trabalhando num lugar, você já conhece os teus casos, você já falou antes, né? Então é mais fácil você dar sequência, porque você já conhece quais são as demandas, quais são os conflitos, quais são os processos, você deu início a aquele processo, é bem diferente você chegar, pegar um acervo que você está intervindo pela primeira vez, né? Então esse é o começo da carreira, aí você vai ter a possibilidade de assumir como titular numa cidade pequena e vai avançando pra cidades maiores, concursos por antiguidade ou merecimento, então vai galgando esses degraus, né? Eu fui substituto na região de Santos, aliás, é uma experiência interessante, tem um aspecto interessante nisso, porque a gente vê, desde jovem, a praia como um lugar de prazer, de recreação, então é um outro olhar você ver aquilo ali como um lugar em que você recebe ali um adolescente que cometeu um assalto, estupros, né? Então você vê uma outra dimensão daquilo, que não é visível quando você vai à praia pra se divertir, então nessa mesma praia onde você se diverte, onde você toma banho de mar, onde você joga bola na beira do mar, existem assaltos, existem homicídios, existe tráfico de entorpecentes, existem maus tratos a crianças, então tudo isso que são situações de drama, né? O promotor de justiça, ele lida com dramas, dramas familiares, dramas sociais, desrespeito a direitos da sociedade, corrupção, problemas ambientais, né? Então esse é o nosso métier, atuar em processos em que há interesse da sociedade, o promotor defende juridicamente a sociedade, causas de interesse coletivo, né? Então no início da carreira eu trabalhei no litoral, trabalhei em Santos, trabalhei em Vicente de Carvalho, ali na região periférica do Guarujá, trabalhei em Itanhaém, trabalhei em Mongaguá. Então foi um período inicial da minha carreira e assumi como titular numa pequena cidade no Vale do Ribeira, cidade de Juquiá, uma cidade paupérrima, de uma região que você não tem atividade econômica, as pessoas vivem do plantio do chá, da banana, do palmito, então muito analfabetismo, muito problema social, muitas ruas não asfaltadas, as pessoas não têm acesso à educação, uma série de problemas, né? Pra você ter uma ideia, não tinha hotel na cidade, eu dormia no fórum, né?
P/1 – Qual foi a sensação de sair de uma cidade tão grande quanto São Paulo e ir pra uma cidade tão pequena?
R – É uma sensação realmente difícil, um desafio, porque cheguei lá, inclusive, naquela época eu não estava dirigindo ainda, eu fui começar a dirigir alguns anos depois e eu cheguei lá de ônibus. Aliás, não, na época, não cheguei de ônibus, não, o primeiro dia, quando eu cheguei lá, eu era recém-casado e a minha então esposa me levou, com algumas coisas, ali, pra eu me virar, eu não sabia o que eu ia encontrar, se ia encontrar hotel, e aí eu percebi que o esquema era aquele, né? Tinha o gabinete, a mesa, a minha cadeira, a cadeira que eu atendia as pessoas do público, uma pequena divisória de madeira e do lado uma caminha, um banheiro, era aquela condição que havia possível na cidade. O juiz também morava lá, então eu morava lá, tinha uma senhora na copa que preparava as refeições, a gente almoçava lá, jantava lá, era aquilo, conviver com aquela situação de pobreza e sem muita divisão entre o trabalho e o descanso, né? E aí nos finais de semana voltava pra casa, na época recém casado, com uma filha recém nascida, ou seja, um começo de vida, eu me casei durante o concurso, então tudo aconteceu nessa, aos 23 anos fui promotor, casei, no ano seguinte fui pai. Então esse começo da vida profissional realmente foi assim, mas, como eu estava entusiasmadíssimo com a carreia, nada parecia inatingível, todos aqueles processos, tudo pra mim eram descobertas, era extremamente prazeroso. Mesmo diante da dificuldade, e há uma dificuldade especial ali, porque é uma cidade pequena e tem um promotor, então não tem um colega do lado pra trocar ideia, você tem que encontrar o caminho, encontrar a solução. Tudo bem, você pode pegar o telefone e ligar, mas é chato você ficar ligando, incomodando, então vai procurando encontrar a solução, me ajudou o fato de ter feito estágio na promotoria, porque aí eu já conhecia como é que funciona a rotina de um processo, as coisas mais elementares do dia a dia, ali, cotidiano, então eu tinha esse conhecimento das coisas mais elementares do trabalho. Mas realmente foi chocante essa chegada, esse início de trabalho em Juquiá, nós estamos falando de fevereiro de 1993, foi bastante difícil, né? O que me animava é que naquela época havia a perspectiva de fazer a carreira rapidamente, de evoluir, de subir os degraus da carreira rapidamente, então eu sabia que eu não ia ficar muito tempo lá e de fato eu não fiquei. Fiquei apenas dois meses e aí me promovi pra cidade do degrau seguinte, a cidade média, Paraguaçu Paulista, ali perto de Assis, de Marília. Foi o período que eu mais trabalhei em toda a carreira, porque é uma cidade com muitos conflitos, com muitos problemas sociais, uma cidade com 50, 60 mil habitantes, que, pela magnitude social, é uma cidade que teria que ter três juízes e três promotores, aliás, acho que hoje tem, só que tinha só um e há muito tempo esse cargo não era provido, porque ninguém aguentava o volume de trabalho, né? Pra você ter uma ideia, eu tinha a chave do prédio do fórum, eu era a primeira pessoa a entrar no fórum e era a última pessoa a sair, trabalhava 16 a 18 horas todos os dias e dormia num hotel ali do lado do fórum. Então era um volume de trabalho descomunal, absurdo, trabalho acumulado, audiências, processos, inquéritos, naquela época a gente fazia, a gente atuava até em homologações de rescisão de contrato de trabalho, porque isso podia ser feito ou no sindicato ou no Ministério Público, até disso a gente tinha que falar. Habilitação de casamento, a pessoa queria casar, aí tinha um procedimento prévio de habilitação de casamento, o promotor tinha que verificar aquilo, né? Então foi realmente uma coisa, ainda bem que eu tomei cautelas, porque, para eu me promover, eu precisava me certificar que o trabalho estava em dia, então, assim que eu cheguei, eu peguei uma certidão e quando eu me inscrevi pra promoção eu peguei outra certidão que mostrava que a situação era absurda, só que eu tinha diminuído o volume. Então com o confronto das certidões estava documentado que, apesar de haver um acervo, tinha havido diminuição, porque eu trabalhava num ritmo alucinante, né? Então fiquei também, graças a Deus, apenas dois meses vivendo isso, e aí fui pra cidade já da Grande São Paulo, que era Itapecerica da Serra, que foi o período, assim, digamos, foi o período mais longo, eu fiquei lá três anos e dois meses, mas de uma intensidade de trabalho brutal. Uma cidade muito violenta na Grande São Paulo, muitos homicídios, e ali eu era promotor que atuava no júri, então eu fazia os processos de homicídio de seis municípios, além de Itapecerica, Embu das Artes, Taboão da Serra, Embu-Guaçu, Juquitiba. Quer dizer, era uma região que tinha muita criminalidade, muita violência, um juiz complicado, com quem eu trabalhei, que não respeitava muito promotor, então exigia muito de mim.
P/1 – Como você conciliava tanto trabalho com a família?
R – Era difícil, era muito difícil nesta época, praticamente todo dia levava trabalho pra casa, eu resolvi me mudar, ir morar com a minha família em Itapecerica, nós achamos uma casa pra alugar. Se de um lado tinha esses aspectos ruins, é uma cidade muito agradável, muito verde, então eu morava como se fosse numa chácara, então tinha essa coisa da qualidade de vida. Só que a minha esposa tinha escritório em São Paulo, tinha que ir e voltar, ou seja, não íamos ficar muito tempo desta maneira, porque era muito complicado, muito pesado, ficamos morando lá cerca de três anos, eu acho. Aí mudamos pra São Paulo, eu me promovi pra São Paulo, fiquei trabalhando três anos e tanto lá, muito, realmente muito trabalho, e aí, quando viemos pra São Paulo, aí eu fui trabalhar no júri em Santo Amaro, né? Comecei a lecionar na faculdade, na UNIP, e aí uma etapa que começava a diminuir um pouco a loucura do trabalho, porque havia muito trabalho, mas não se compara. Porque eu fui pegando as cidades que, se eu quisesse ficar esperando uma cidade melhor, ia demorar muito pra fazer a carreira, eu quis fazer uma carreira rápida pra chegar rápido em São Paulo e de fato eu cheguei em São Paulo com quatro anos e meio de carreira. Hoje, pra chegar em São Paulo, pela situação atual da dinâmica da carreira, um promotor leva dez a 12 anos, naquela época consegui chegar, porque eu peguei o que apareceu. E aí cheguei e não só teve essa mudança em relação ao trabalho, que era muito volume, mas era normal, eu comecei a participar da vida política do Ministério Público, comecei a me envolver nas lutas políticas dentro da carreira. Logo que eu entrei na carreira, eu já tomei conhecimento que havia um grupo progressista, um grupo que discutia e criticava muitas questões, e o discurso desse grupo me impressionou. Tanto que eu me lembro que eu, com oito ou nove meses de carreira, eu recebi uma carta desse grupo oposicionista, eu tenho essa carta guardada até hoje, o vigor do discurso, a contundência, a profundidade da mensagem me impressionou, e eu me aproximei e faço política dentro do Ministério Público até hoje, junto com esse grupo mais progressista e que chegou ao poder no Ministério Público e permaneceu no poder durante 12 anos. Durante esses 12 anos, inclusive, eu integrei o gabinete do procurador geral como assessor, cumpri várias, exerci vários papéis dentro do gabinete, políticos, papéis, também assessoria jurídica, mas foi um período em que eu aprendi muito, né? Porque uma coisa é você fazer um processo de uma cidade, outra coisa é você cuidar da gestão de uma instituição a nível de estado, um estado com 40 milhões de habitantes, com problemas, com complexidades. Então vivi a experiência de coordenar a informatização do Ministério Público, vivi a experiência de coordenar a assessoria de comunicação, e aí eu descobri que isso é uma coisa que eu gosto muito de fazer, né? Eu lido com comunicação dentro do Ministério Público já há 15 anos, fui assessor de comunicação e percebi esse gosto por lidar com isso e aí me envolvi em outra jornada de trabalho, que foi a jornada do Movimento do Ministério Público Democrático, que é uma associação, que no ano que vem completa 25 anos de vida, e que eu tenho atuado com muita intensidade no Movimento do Ministério Público Democrático. Aliás, dá pra fazer uma entrevista toda sobre essa jornada, mas, resumindo, é uma entidade que nasceu em 91, com o objetivo de aproximar o Ministério Público da sociedade, de educar em Direito, educação popular de direitos, então desenvolve muitos projetos de formação de líderes comunitários, seminários, debates, participa de movimentos como o movimento que culminou com a aprovação de Lei de Acesso à Informação Pública, Lei da Ficha Limpa. Tem um envolvimento profundo com o combate à corrupção, difusão do discurso do respeito aos direitos humanos, então há uma atividade bastante intensa e profunda. Eu me identifiquei muito com a causa do Movimento do Ministério Público Democrático e me envolvi, atualmente sou o presidente, espero que seja o último mandato, porque não é razoável que uma entidade dependa de uma única pessoa, né? Eu gosto de atuar nos projetos em que eu estou inserido ali, mas eu me preocupo bastante com a formação de novas lideranças pra tocar em frente este trabalho, que é superimportante e que eu acho que tem que seguir em frente, né? Eu não falei, e é necessário falar também, que, além de ter me envolvido com a política dentro do Ministério Público, ter trabalhado junto com os procuradores gerais Marrey e Rodrigo Pinho e o Filomeno, também, além de ter sido professor, que eu comecei a minha carreira de professor em 94, e durante dez anos lecionei, eu quis me aprimorar como professor e eu fui, apresentei um projeto de pesquisa de doutorado na USP. Esse projeto foi aprovado, eu cursei o doutorado e o projeto era sobre o controle da corrupção, fui orientado pelo Professor Miguel Reale Júnior, que foi Ministro da Justiça, e defendi a minha tese de doutorado em 94, na Faculdade de Direito da USP. Ou seja, desde 97, eu tenho, eu me aproximei muito e mergulhei profundamente no tema do combate à corrupção, além de atuar como promotor neste assunto, mas eu fui estudar este assunto com profundidade, né? Fui estudar, elaborei a minha tese de doutorado, a tese foi publicada no Brasil e na Europa, e desde então tenho participado com muita ênfase nas discussões sobre este tema, tenho escrito, tenho discutido, tenho ido a universidades, a ONGs, tenho participado realmente com muito entusiasmo deste tema. Até que em 2012, já dando um grande salto, eu idealizei e lancei uma campanha nacional de combate à corrupção, né? Naquela ocasião, quando foi lançada a campanha, em junho de 2012, eu fui entrevistado pelo Jô a respeito disso e aquilo que era pra ser uma campanha de conscientização acabou tendo um alcance muito maior, se percebeu que havia uma necessidade de que aquilo tivesse uma sobrevida, a campanha, ela vive até hoje. Nesse momento que eu estou falando aqui com vocês, eu estou conversando com uma série de pessoas, estimulado por várias pessoas, eu estou construindo um novo organismo, que eu pretendo fundar até o final do ano, que é o Instituto Não Aceito Corrupção, que é um organismo que vai se dedicar a três eixos de trabalho, que é o eixo educativo, de políticas públicas e pesquisas dobre o tema da corrupção, né? Então a ideia é criar uma associação que se dedique profissional e cientificamente a este assunto, oferecendo caminhos, propondo mudanças legais, educando as próximas gerações, examinando cientificamente o assunto, construindo conhecimento a respeito disso, pra dar uma contribuição pra melhoria do controle da corrupção. Esse projeto, hoje, ele absorve muita atenção minha, eu estou juntando parceiros e procurando os meios pra poder fazer com que o Instituto, ele aconteça, a ideia é fundá-lo no final do ano, se possível coincidindo com o dia internacional de combate à corrupção, que é 9 de dezembro. Então isso é uma coisa que vem absorvendo muita energia minha nos últimos anos, né, tenho me dedicado bastante, escrito muitos artigos, dado muitas entrevistas, tenho lutado bastante em relação a esse tema, pra dar minha contribuição.
P/1 – Com relação à entrevista, como é que foi essa experiência de conversar com o Jô? Você lembra o dia como é que foi?
R – Lembro, lembro muito bem, né? Aliás, já que você falou de entrevista, eu há muitos anos leio a Folha de São Paulo, leio a Folha, de vez em quando leio outros conteúdos, mas sou assinante da Folha há muitos anos, eu sempre ficava observando aquele Tendências e Debates e vendo aqueles artigos, sempre gostei muito de escrever, e imaginando se um dia teria um artigo publicado ali, né? E aconteceu de ser publicado o meu artigo ali em 2009, e hoje já são 14 artigos publicados, eu colaboro frequentemente com o jornal e, por conta dessa coisa toda, de ter vivido essa vida política dentro da instituição e trabalhado com comunicação, foi um caminho natural começar a me expor e dar entrevistas e me posicionar sobre esses diversos temas, né? Então isso já vem acontecendo com muita naturalidade, além da atividade docente, palestras, já dei palestra pra até mil pessoas, então isso é uma coisa que vem acontecendo com bastante frequência, aliás, é uma atividade que pra mim é muito prazerosa, a atividade do compartilhamento do conhecimento, né? Então eu assisto o Jô há muitos anos, sempre o admirei muito, quando fui convidado fiquei extremamente feliz, aliás, eu me lembro bem do dia dessa entrevista. A entrevista tinha sido marcada, se não me engano, pra uma quinta-feira e era quarta-feira, eu estava fazendo audiências lá no fórum criminal e recebi um telefonema da produção, eles estavam super preocupados porque tiveram lá um contratempo e o entrevistado daquele dia não seria mais entrevistado. Então eles me pediram encarecidamente para que eu antecipasse a entrevista para quarta e não estava programado, eu tinha outras coisas naquele dia, inclusive tinha combinado, os meus filhos iam junto, o meu irmão ia junto. “Não, não, nós mandamos os carros pra buscar o seu irmão, buscar os seus filhos e tal, precisamos que você venha para cá hoje”, eu, pra colaborar, fiz todo um esforço para ir naquele dia. Eu tinha uma grande admiração pelo Jô, acho uma figura inteligentíssima, cultíssima, é uma pessoa que tem um conhecimento enciclopédico, e realmente muito, uma figura, um monstro da televisão, né? Então realmente, ao chegar ali, eu vou te dizer que na hora que ele diz: “Venha para cá”, né, isso dá uma, dá um friozinho na espinha, é bem verdade, o programa não é ao vivo, mas quando você se aproxima daquele monstro carismático realmente é... Mas não era o primeiro desafio, eu me senti ao mesmo tempo muito feliz e muito seguro, porque eu ia falar de um assunto que eu tenho domínio, eu não estou falando de algo que eu não tenho a menor noção. Então eu estou me comunicando sobre uma coisa que eu acredito profundamente, que é uma bandeira de luta da minha vida, então acreditando, com fé nesta segurança, neste conhecimento, eu fui, me sentei e conversei com ele sobre aquele assunto, e foi realmente um momento bastante especial, né? Tinha já sido entrevistado pro Jornal Nacional, quando houve aquele caso do trote na Faculdade de Medicina da USP, na época eu era assessor de comunicação e coube a mim falar a visão do Ministério Público, transmitir pras pessoas as informações em relação àquela denúncia, né? Então, quando houve esse caso, houve bastante mídia, todos os canais e foi complexo porque eu não conhecia o caso. Uma coisa é você ser o promotor do caso e falar de um caso que você atuou, outra coisa é você ser o porta-voz de um processo complicado, nove volumes de muita investigação, que você não conhece, né? Então o caminho que eu encontrei ali foi explicar pras pessoas qual era a acusação, porque havia uma questão muito técnica nesta acusação que era a questão do dolo eventual, que é diferente do dolo direto. O dolo eventual, que está presente nas hipóteses de racha, por exemplo, a pessoa assume o risco de produzir o resultado. Então eu procurei dar essa explicação, porque me pareceu que para a sociedade eles precisavam entender este aspecto e não entrar em minúcias fáticas, que isso seria examinado pela justiça, então eu procurei proceder desta maneira. Agora, o que eu acho também que me ajudou muito nessa entrevista do Jô, e em geral, eu acho que é procurar ter bastante tranquilidade, bastante humildade e senso de verdade. Eu acho que você precisa falar com naturalidade e transmitir verdade no que você diz, quanto mais você transmite verdade, que é de fato o que você vê, sem procurar mascarar fatos ou situações, mas ser verdadeiro, ser sincero, eu acho que isso sempre, sempre foi muito útil, importante e eficiente na transmissão desta mensagem.
P/1 – Você comentou da presença dos seus filhos e do seu irmão nessa entrevista, fala um pouquinho sobre os seus filhos.
R – Isso é muito importante, eu falei muito do trabalho, mas os meus filhos, eu não tenho nenhuma dúvida de que os meus dois filhos representam o que eu fiz de melhor em toda a minha vida, né? Eu tenho muito orgulho dos meus filhos, eu tenho amor, muito carinho pelos meus dois filhos. Eu fui pai muito jovem, eu me casei muito jovem e fui pai muito jovem, a minha filha nasceu quando eu tinha 24 anos, a minha filha Ligia, que hoje tem 22, e o meu filho Rodrigo nasceu, eu tinha 26 anos, ele tem hoje 20, né? Então realmente este sentimento de ser pai é algo realmente transformador e a existência tem outra dimensão depois que você vivencia essa experiência, antes de ter filhos e depois de ter filhos, o próprio sentido da vida se modifica, o sentido da vida, de você viver e cuidar da tua vida e governar a tua vida e realizar as coisas na tua vida, muda totalmente de sentido quando os filhos vêm, né? Porque é uma sensação até difícil de descrever, mas é uma sensação, óbvio que traz responsabilidade, óbvio que existem ônus, óbvio que há dificuldades, no início da vida existe uma dependência muito grande. Eu sempre procurei ser um pai presente, participativo, dividindo os ônus com a minha então esposa, mãe deles, presente na vida escolar deles, acompanhando tudo, até que eles chegassem a adquiri a independência. Mas, por outro lado, além de ser uma coisa indescritível do ponto de vista do que isso representa, de uma nova vivência, de uma nova responsabilidade, o sentimento de amor, de ter trazido ao mundo duas pessoas pelas quais eu tenho grande responsabilidade e quero que sejam pessoas do bem, que construam boas coisas e, mesmo os amando infinitamente, e é uma coisa pra sempre, mas eu também sempre tive muita clareza de que eu precisava cria-los para o mundo. Eles não eram brinquedinhos meus e que vão está aqui ao meu alcance, porque qualquer aspecto de, sabe, de: “Não, lindinho”, não é, eu sempre enxerguei com muita clareza que eu precisava prepara-los para o mundo e cada vez mais viver é um desafio complexo, ainda mais pra quem está chegando e não tem esta dimensão. Você se sente muito responsável, eu me senti, sempre me senti muito responsável por isso e procurei fazer o melhor pra que eles adquirissem condições de enfrentar a vida, de serem pessoas boas, pessoas éticas, com princípios, preocupação com integridade, com o semelhante, com o senso de humanidade da vida, né, sempre procurei cuidar muito disso, né? É bem verdade que a vida se encaminhou de uma maneira que não foi a projetada inicialmente, eu me separei da mãe deles, e eu retardei essa decisão de me separar porque, na minha visão, quando eu tinha essa intenção, eles eram muito crianças e aquilo poderia ser muito danoso pra eles. Então conscientemente eu retardei isso, para que eles tivessem melhores condições de lidar com esta situação da minha separação, mas desde o momento em que isso aconteceu, já se vão seis anos e meio, eu tenho procurado fazer tudo o que eu posso pra proteger a nossa relação e marcar a minha presença, continuar cumprindo os meus papéis etc. Eu vejo que eles hoje já são adultos e vejo com muita felicidade que são pessoas de bem, são pessoas que vão se encaminhando pra vida e isso me dá muita alegria, eu tenho muito orgulho deles, eles são realmente um capítulo importantíssimo da minha vida e são motivo de grande felicidade pra mim, vê-los adultos. Ainda que eu não possa estar com eles com a intensidade que gostaria, porque eles têm a própria agenda de vida, mas procuro sempre estar com eles, a gente sempre se encontrar, saber da vida deles, estar junto, estar perto, isso é algo extremamente importante pra mim.
P/1 – Pensando nas origens da família, os seus filhos, você, os seus pais, seus pais migrantes, vocês têm alguma relação com a cultura judaica?
R – Sim, veja, a questão do ser judeu, sentir-se judeu, existe uma questão que eu acho que pra todo judeu é muito forte, o sentimento de pertencimento ao povo judeu, isto é uma coisa que sempre foi muito forte, muito viva e muito vibrante em mim. Eu me sinto pertencente ao povo judeu, tenho orgulho de ser judeu, tenho orgulho de dizer que sou judeu, um povo que tem história e que deixa, as leis judaicas deixaram um legado pro mundo, uma base ética de muitas leis. Agora, eu não sou um judeu praticante da religião, porque na minha casa não havia a prática religiosa, os pais da minha mãe, eles eram muito praticantes, aliás, a minha avó, hoje já muito idosa, o meu avô falecido, mas ali na casa dos pais da minha mãe havia a prática do judaísmo muito intensa, na minha nunca houve. Portanto, eu digo a você que eu não fui educado no judaísmo, eu sempre soube disto, quando tinha 11 pra 12 anos, o meu pai me colocou num curso na Congregação Israelita pra me preparar pro bar mitzvah, o bar mitzvah é um rito de passagem pra vida adulta pro judeu e eu fiz o bar mitzvah aos 13 anos, na Congregação Israelita. Foi um período pra mim muito rico, porque eu vivi as coisas do judaísmo lá na congregação, mas foi este período, não é que isso tivesse transformado e me tornado um judeu fervoroso, praticante, eu me sinto pertencendo à comunidade, às vezes vou à sinagoga. Hoje, como promotor de justiça judeu, tenho tido uma atuação, intervenção importante junto às questões do judaísmo, quando surgem situações de antissemitismo, de intolerância, eu tenho uma proximidade muito grande com as lideranças da comunidade judaica, né? Agora, é uma situação um pouco diferente, tem muitas que há isto, mas em casa não houve, então não há milagre de transformação, as coisas funcionaram desta maneira. Eu acredito no judaísmo, acredito nos princípios, mas eu, sinceramente, eu não sou praticante.
P/1 – Roberto, agora, nos dias de hoje, o que você faz nesses momentos em que você não está trabalhando, o que você gosta de fazer?
R – Eu gosto muito de cinema, eu gosto muito de viagens, eu tenho procurado cuidar da minha saúde, fazer caminhadas, eu vim morar perto do Parque da Água Branca, frequento bastante o parque, gosto muito de arte, de cultura, de música, de frequentar restaurantes, gosto de comer bem, este tipo de coisa, são coisas que me divertem, gosto muito da leitura, teatro.
P/1 – Como é o seu dia a dia? Você acorda, qual é o andamento do seu dia normalmente?
R – Normalmente de manhã eu procuro fazer uma atividade física, eu faço exercício com um personal que vem até a minha casa, faço exercício com ele três vezes por semana, nos outros dias procuro fazer uma caminhada, alguma coisa neste sentido. Como todo mundo, eu estou conectado aí na internet, nos e-mails, nas mensagens, interagindo com as pessoas, eu sou uma pessoa muito ligada na comunicação, estou o tempo todo interagindo, me comunicando com as pessoas, acompanhando o que está se passando dentro desse universo de preocupações que eu tenho. Vou todos os dias, atualmente, faço meus processos e cuido das coisas do MPD lá na sede do MPD, que é a ONG que eu sou presidente, então fica no centro da cidade, eu vou pra lá, lá eu cuido dos meus processos, preparo os meus pareceres, cuido dos projetos do MPD, cuido das parcerias, das reuniões e tudo mais e no final do dia volto pra casa. Moro sozinho, meus filhos vêm de vez em quando, mas moro sozinho, atualmente não estou namorando, depois que eu me separei tive algumas namoradas, mas neste exato momento não estou namorando, né? Levo uma vida social, saio bastante, tenho os meus amigos, de vez em quando viajo, leio, cuido bastante dessas coisas nas quais eu acredito, desses projetos, procuro fazer a minha parte.
P/1 – Dessas viagens que você fez alguma de marcou em especial?
R – Fiz uma viagem recente que me marcou bastante, com meu filho, pra África do Sul, marcou bastante por várias questões, primeiro porque, se eu tivesse a oportunidade de fazer uma escolha de conhecer alguém do planeta, seria o Mandela, é uma pessoa cuja a história de vida eu tenho profunda admiração. Então estava verificando com o meu filho, que a gente estava planejando há um tempo fazer uma viagem, e aí chegamos num comum acordo em relação à África do Sul e fomos pra África do Sul. Primeiro ficamos um dia e meio em Johanesburgo, onde conhecemos o Museu do Apartheid, as coisas do Mandela, verificar tudo o que aconteceu ali no pós-apartheid, tudo aquilo me impressionou bastante, que eu vinha acompanhando, tudo mais. Quando houve a notícia da morte do Mandela, eu me emocionei muito, chorei e fiquei muito impressionado e mexido com tudo aquilo, então esta viagem impressionou, não só por isso, nós fizemos safáris também. É muito interessante essa coisa, parece que você está voltando às origens da criação da civilização, de você estar ali no meio dos animais e tal, então foi uma viagem muito bacana, muito marcante. Pra vários lugares, eu gostei muito de conhecer Paris, a França, a minha mãe tem a cidadania francesa, eu tenho cidadania francesa também, então gostei muito de conhecer Paris, gostei muito de conhecer Roma, uma cidade maravilhosa, como tem lugares aqui dentro do Brasil que são muito agradáveis. Eu adoro o Rio de Janeiro, um lugar que eu já fui algumas vezes e eu acho extraordinário, um lugar maravilhoso, entre outros lugares, Salvador é um lugar que eu gosto muito, eu gosto muito da Bahia, do povo da Bahia, gosto muito do Nordeste, eu acho que o povo nordestino é um povo maravilhoso, com quem eu me identifico muito. Muitos lugares, eu acho que viajar é uma coisa muito agradável, muito prazeroso conhecer outras culturas, outras visões de mundo, tenho vontade de viajar bem mais.
P/1 – Pensando agora em futuro, se você tivesse que me dizer hoje qual é o seu maior sonho.
R – São muitos sonhos, são muitos sonhos, quero viver bastante, com boa qualidade de vida, saúde, procurando me cuidar pra poder ter uma longa jornada, com boa qualidade de vida, quero conhecer muitos lugares, tenho vontade de encontrar uma pessoa pra reconstruir a minha vida, e ser feliz ao lado, desta pessoa. Quero ver meus filhos formados, com a vida profissional encaminhada, felizes, quero realizar, concretizar essas coisas, essas bandeiras pelas quais eu luto, melhorar a questão da corrupção, que é algo que eu me dedico muito, ver o Brasil com mais justiça, com menos corrupção, procuro fazer a minha parte pra que estas coisas melhorem. É um conjunto de coisas, né, na área profissional, na área pessoal.
P/1 – O que você achou dessa experiência de contar a sua história pra gente?
R – Muito interessante, muito interessante, é um exercício até, de uma certa maneira, de autoanálise, tem um viés até um pouco psicanalítico, porque você reviver a tua história é muito interessante, mas eu não tenho medo de fazer isso, faço isso com bastante tranquilidade, não tenho medo de expor isso. O que eu fico imaginando é a dimensão da publicidade disso, que estamos falando aqui, eu estou conversando, mas no pós-entrevista haverá a dimensão da publicidade dessa história. Mas eu me orgulho da minha história, eu quero a cada dia, quando eu olhar no espelho, ter mais orgulho ainda da minha história, da minha vivência, procuro fazer o melhor pra contribuir pra uma melhora, uma construção do bem, então tenho muito orgulho da minha história, das coisas que eu faço e procuro fazer sempre mais. Eu acho que isso é um traço do judeu, o judeu, ele nunca está satisfeito, ele tem uma permanente inquietação, ele quer buscar sempre mais, o mais difícil, ele tem uma história, o judeu tem uma história de sobrevivência, passou pelas diásporas, pelas perseguições, eu acho que esse é um pouco o traço do povo judeu.
P/1 – Então, Robert, em nome do Museu da Pessoa, eu gostaria de agradecer muito a sua participação.
R – Muito obrigado, é uma honra pra mim, uma alegria e foi uma experiência enriquecedora.
P/1 – Obrigado.
FINAL DA ENTREVISTARecolher