P/1 – Vera, boa tarde. Primeiro eu gostaria de agradecer de você ter aceitado o nosso convite, de vir ao Museu para dar essa entrevista e começar pedindo para você falar para a gente seu nome completo, local e a data do seu nascimento.
R – Meu nome é Vera Regina D´Egmont de Moraes, nasci aqui em São Paulo, em 28 de junho de 1942.
P/1 – Vera, qual é o nome dos seus pais?
R – Meu pai chamava-se Rubens Van Varemberg D´Egmont, era de descendência belga e italiana, e minha mãe, Zilah Teixeira Correa D´Egmont, bem brasileira o Teixeira Correa, e o D´Egmont do meu pai.
P/1 – E qual que era a atividade deles? O que eles faziam?
R – Meu pai ele foi funcionário federal a vida toda, ele era auditor fiscal, mas ele também teve atividades comerciais, digamos assim. Então, ele trabalhou com venda de terras, com loteamentos. E teve um sítio uma vez que foi uma experiência muito interessante, que ele comprou de uns italianos em Jundiaí. Então, esses italianos lá dentro tinham vinhedos, tinha uma pequena fábrica de vinhos, que era um encanto. Era uma construção toda de pedra, muito alta, com uns tonéis imensos de madeira. Não sei por que, mas eles, os italianos, chamavam aquela pequena fábrica de cantina. Eu nunca soube por que, porque eu era bem pequena, mas eles a chamavam cantina. Então, meu pai teve essa segunda e terceira atividade. Era um homem, assim, muito inteligente, muito empreendedor, querendo que os filhos realmente tivessem asas e batessem as asas, sabe? Ele sempre nos impulsionou para frente. Minha mãe foi uma pessoa maravilhosa, porque ela perdeu os pais aos três anos de idade, naquela famosa epidemia de febre espanhola, que matou muitas, muitas pessoas. Então, foi educada por tios. Ela morava na época na região de Ribeirão Preto. Foi realmente uma pessoa lutadora, muito inteligente. Ela também exerceu várias atividades, ela foi, por exemplo, professora em fazendas, porque na região de Ribeirão Preto tinha muitas fazendas. Teve uma experiência interessantíssima que o tio que a criava ele foi diretor dos sanatorinhos lá em Campos do Jordão, então, ela passou anos morando lá com o tio e a tia e aquilo para ela foi, assim, uma experiência que ela nunca esqueceu. A vida inteira ela falou da beleza de Campos do Jordão, dos campos, do frio, de tudo. Então, a minha mãe quando ela sentava para conversar com a gente, a gente esquecia do tempo, porque ela tinha tanta coisa na vida dela para contar, o que ela tinha feito para contornar as dificuldades de uma criança órfã de pai e mãe tão jovem assim. Então, foi para mim um senhor exemplo.
P/1 – E os seus avós paternos, você chegou a conhecer?
R – Eu conheci minha avó, que era o lado italiano. Ela chamava-se Giulia Marguerita Maria Viena e quando o meu pai nasceu, pouco tempo antes ela ficou viúva. O meu avô, pai do meu pai, ele era engenheiro e ele inclusive veio ao Brasil por convite do então presidente da república na época, porque ele era um engenheiro, assim, acredito que bastante bom, porque recebeu esse convite, né? Agora vocês imaginam, né? Como deveria ser difícil esse Brasil agreste, você se enfiar mata a dentro para abrir estradas. Então, a minha avó ia junto, os meus tios mais velhos. Era uma vida dura, a minha avó (risos) ela relata que não era fácil. Eles tinham que morar em casas, sabe esses acampamentos como hoje existe nas construtoras? Claro, que coisa muito menor, mas já existia naquela época. Então, tinha que ser casa em cima de palafitas, porque tinha todas as espécies de animais no mato, cobras e tais. E no fim ele acabou vitimado por um acidente com dinamite, que se usava para se abrir mesmo estrada, fazer tudo. Aí, minha avó ficou. Pouco tempo depois o meu pai nasceu, ele foi o caçula, e a minha avó ficou com cinco filhos para criar. Então, ela teve a saga dela também! Porque ambos eram de famílias europeias, se bem que ela veio criança para cá, mas a família do meu avô ficou lá, quer dizer, auxílios, assim, eram bastante difíceis. Embora o meu avô fosse de uma família, digamos assim, uma família diferenciada na Bélgica. E o meu bisavô, foi muito interessante isso, porque quando meu avô veio, veio o meu bisavô também junto, ele tinha um nome bem belga, ele chamava Florimon, e meu avô chamava-se Josef. E ele também era engenheiro. Então, esse fato interessante aconteceu (risos). Vieram os dois para cá.
P/1 – Você sabe como os seus pais se conheceram?
R – Eu sei. Minha mãe morava em Ribeirão Preto e meu pai, por ser funcionário público federal, ele era transferido de tempos em tempos para outras cidades. Fazia parte lá do rodízio mesmo formatado dentro do instituto no qual ele trabalhava. E a minha mãe era muito bonita, tinha uns olhos verdes muito bonitos, assim. Meu pai disse que se apaixonou pelos olhos dela. Ainda bem (risos). E foi lá que eles se conheceram e casaram lá mesmo. Depois vieram para São Paulo, onde eu nasci. Depois meu pai foi transferido para Santos e São Vicente. Depois, você falou em Araraquara agora a pouco, né? Também morei em Araraquara em função do trabalho do meu pai. Então, foi isso (risos).
P/1 – E você tem irmãos?
R – Hoje eu tenho um irmão que se chama Luís Fernando, ele é dentista, casado, tem duas filhas lindas. Tive uma irmã, chamava-se Maria Lúcia, mas ela faleceu há muitos anos. Ela tinha 30 anos. Ela estava estudando na Inglaterra e ela faleceu lá. Então, ficamos só nos dois, eu e meu irmão.
P/1 – E como é que era você nessa escadinha?
R – Eu era a mais velha, depois meu irmão, depois a Lúcia. Meu irmão é cinco anos mais novo que eu e minha irmã era seis anos. Então, eu era a mais velha.
P/1 – Como que era ser a irmã mais velha? Primeiro a sua casa aqui em São Paulo onde é que era? Como é que foi quando os seus irmãos foram chegando?
R – Foi assim, na verdade, eu morei... Quando meus pais moravam aqui que eu nasci. Nós morávamos num apartamento em Santa Cecília. Aí, depois fomos para Santos e São Vicente. Então, já começamos a morar numa casa muito gostosa, era uma rua, assim, uma porção de casas muito bonitinhas. Era gostoso! Na frente tinha um descampado, um lugar gostoso mesmo. E São Vicente é uma cidade muito pequena. Eu não tinha irmãos ainda, aí, quando nós mudamos para Araraquara, aí, nasceram. Quer dizer, na verdade, os meus irmãos nasceram em São Paulo, os partos eram em São Paulo e depois a família voltava para casa (risos). Aí, em Araraquara foi interessante, porque sabe aquelas casas do interior assim bem grandes? Um jardinzão, um quintalzão, pomar. Então, a gente morou em duas casas, assim, muito agradáveis! Então, dava para ter cachorro. Eu tive assim: porquinho de estimação, cabrito de estimação (risos). Depois, lá pelas tantas eles sumiam, ninguém me contava a verdade, entende? “Mas cadê o porco?” “O porco já estava muito grande foi para uma fazenda”. Bom, acho que devem ter matado o pobre do porco. O cabrito acho que não, mas o porco sim. A gente dava banho no porco, punha laço de fita, porque era o nosso animal de estimação! Nessa época eu tinha uma galinha, chamava-se Cinzenta. Super de estimação! Quando nós mudamos de lá foi o drama não trazer a galinha. Ah! Foi um drama! E ela brincava muito com a gente, tinha um quadrado de areia grande, que o meu pai tinha feito para nós com uma árvore, e o balanço e uma barra, uma barra para fazer ginástica. A galinha balançava, a gente punha a galinha em cima da barra de fazer ginástica (risos), sabe? Então, eu tive aquela infância gostosa! Meu pai tinha, assim, um galinheiro todo bonitinho com tela e tudo, e na época que tinha pintinho era, assim, uma festa! Coisa mais linda! Ele criava aquelas galinhas vermelhas. Criava assim, tinha uma dúzia. Então, foi uma infância muito boa à medida que foi no interior com espaço, escolas gostosas.
P/1 – E falando, assim, do seu cotidiano de criança nessa época, o que é que vocês gostavam de brincar? O que é que tinha ao redor da casa?
R – Olha! Por exemplo, como o quintal era muito grande, o jardim também agradável, mas principalmente o quintal era muito grande, então, metade dele era gramado e, aí, ele tinha um pequeno murinho assim. E aí, começava a parte de pedra, que era uma pedra vermelha, aonde o meu pai, então, construiu um quadrado bem grande com areia, que era para a gente brincar de fazer montinho, e o que bem entendesse. Então, a gente brincava muito assim. Eu gostava muito de brincar de boneca, então, meu pai me fez um fogãozinho de tijolo. Aí, eu tinha uma bateria pequenininha, sabe? E eu tentava cozinhar. Eu pequena, brincava muito de boneca. Essa altura os meus irmãos eram bem mais jovens do que eu, mas então, eu acompanhava as brincadeiras deles também. A gente jogava bola, ia na piscina de clube, entendeu? Eu me lembro muito dos meus irmãos andando de velocípede, de bicicletinha. As galinhas com pintinhos realmente eram um sucesso! (risos) Então, a gente ficava bastante atrás deles. Era essa coisa gostosa.
P/1 – Como é que era o Centro de Araraquara? Vocês iam para lá com a família?
R – Olha só que coisa boa: essa casa, a primeira casa que morei em Araraquara, ele era em frente à pracinha, onde tinha um Teatro Municipal. Então, era interessante porque tudo que chegava a cidade para ir ao Teatro Municipal, de uma certa forma a gente tomava conhecimento. Via pessoas saindo, entrando, as companhias, por exemplo. Eu me lembro que uma vez veio uma companhia de marionetes italianos, e que foi um sucesso na cidade. Então, nós fomos assistir até mais de uma vez. Era um teatro infantil. E o colégio. O colégio para nós era assim muito bom. Chamava-se Colégio Progresso, e ele também tinha uma área muito grande. O colégio era grande, a área de lazer era grande. Então, eu me lembro que havia uma parte, não sei se era areia ou se era terra, não me lembro mais, mas cheia de mangueiras. Então, eu me lembro que a gente tinha um lugar onde a gente brincava de praticar salto a distância, mas tinha mesmo aquela rampinha para você correr e saltar, sabe? Tinha uma pequena horta. Então, quando eu entrei, eu digo eu porque eu entrei muito antes dos meus irmãos. Então, quando eu entrei no jardim de infância, era uma graça, porque eu não me lembro quantas vezes por semana a gente punha um avental diferente em cima, um avental todo xadrezinho e a gente ia para essa hortinha. Era o máximo! Você começava a mexer na terra, com alguns pequenos instrumentos. Então, a minha vida, assim, girava dentro da minha casa, que eu gostava muito, e o colégio! Que preenche a vida da gente essas duas coisas, só o colégio é meio período.
P/1 – E como que era para você ir para a escola? Quais outras lembranças que você tem em relação às aulas? A ir para lá?
R – Olha! Eu gostava muito do colégio, porque eu era do tipo boa aluna, interessada em aprender. Eu achava lindo, amava a escola, os cadernos, os livros, entendeu? Então, eu me lembro que aquilo enchia muito a minha vida, aquela vontade de aprender, de fazer as lições bem feitas, de ir nas festinhas da escola. Meus pais participavam. Minha mãe eu tinha texto de português para estudar e, claro, para apontar as palavras que eu não conhecia, então, eu cresci meio que com o dicionário do lado, meu pai e minha mãe diziam: “está aqui, você procura que você acha”. E aí, a minha mãe ia me tomar o texto perguntando pelas palavras que eu tinha grifado, para saber se eu tinha aprendido o significado. Mas é isso, eu realmente gostava muito de estudar. Eu me lembro que a gente tinha amigos, que iam, assim, em casa. Amigos dos meus pais e que tinham filhos com os quais a gente convivia. Aí, depois tinha a minha avó, minhas tias e meus primos que moravam aqui em São Paulo. Então, iam para Araraquara, principalmente a minha avó, para passar temporadas com a gente! Um mês, dois meses, três meses. Como era italiana ela fazia massa muito bem. Então, eu aprendi, eu me lembro no quintal de casa, naquela parte que era gramado, portanto não tinha pó, ela colocava uma mesa grande, que eu acho que devia vir da cozinha, e ela cortava a massa, ela punha a massa para secar, ou talharim. Enfim, qualquer tipo de massa que estivesse fazendo. E a gente achava o máximo ajudar! Ela não deixava cortar, mas a gente pegava a massinha e abria, porque você tem que espalhar em cima da mesa para aquilo secar. Então, quando a minha avó estava lá era muito bom, porque ela cozinhava muito bem (risos)! E sabe como é que é avó com netos, né? A gente sempre em torno dela.
P/1 – E você falou que gostava de ter todas as suas coisinhas da escola sempre arrumadinhas, a mochila com os livrinhos, o caderno.
R – Eu curtia muito aquilo! Muito. Os livros encadernados, aliás, encapados. Então, a minha mãe na época fazia isso para mim, que eu não saberia fazer, a lancheira. Sabe quando você curte a vida escolar? (risos) Até porque o colégio era muito agradável, quando você é um aluno estudioso, geralmente você não tem problemas na escola (risos).
P/1 – Aí, então, como que eram os rituais de começo de ano? Vocês saiam juntas para ir comprar essas coisinhas? Ou ela que trazia?
R – Sim, até porque era uma cidade do interior, embora Araraquara fosse uma bela de uma cidade. Hoje eu não conseguiria avaliar que tamanho ela tinha há tantos anos atrás. Então, a gente saía sim, ia comprar os cadernos, os lápis, os plásticos, que não existiam contact ainda, ou os papéis para encapar material. Vez ou outra a mala era nova, certamente a lancheira deveria ser nova todo o ano, que a lancheira não aguenta muito, é de plástico.
P/1 – E como é que foi, então, o seu desenvolvimento? Vocês chegaram a mudar de volta de Araraquara? Até que época vocês ficaram lá?
R – Olha. Nós mudamos, fomos para Jundiaí em função de uma transferência do meu pai. Eu devia ter o quê? Uns 13 anos, eu não me lembro direito. Treze, 14 anos. Aí, eu sai daquele colégio que eu gostava muito mesmo, e fui para um colégio que nos indicaram em Jundiaí, mas era um colégio de freiras, freiras vicentinas. E eu estranhei terrivelmente! Porque você já não podia brincar tanto, já não tinha aquele tanque da areia para pular, não tinha os balanços para balançar, entendeu? (risos) E, por coincidência, imagina só? Eu não sei se a madre, mas enfim, uma daquelas freiras, ela me chamou, porque ela viu o meu sobrenome e ela lembrou-se, vê se pode? Que ela tinha conhecido o meu avô, pelo sobrenome, porque ela era belga. Foi muita coincidência! Mas eu não fiquei mais do que um ano no colégio, porque realmente eu não gostei muito mesmo! Aí, eu fui para um colégio que na época era um orgulho você estudar, que era o Instituto de Educação, que era um colégio público, e foi onde eu fiz o ginásio e fiz na época chamava-se ginásio e colegial. E era um colégio muito puxado mesmo, sabe? Era um colégio onde você tinha que estudar muito, e tinha muitos bons professores pelo seguinte, como era a última etapa antes de São Paulo, e os professores que fazem carreira eles vão mudando de colégio e de cidade através de uma pontuação, uma coisa assim, então, quando os professores chegavam em Jundiaí, eles já tinham muita experiência, eram professores bastante bons, sabe? Aí, depois eu fiquei sabendo que alguns professores nossos eles se tornaram professores da PUC, da USP, uma coisa assim. Era gente muito boa. Então, eles nos prepararam bastante bem.
P/1 – E como é que você menina sentiu essa mudança de Araraquara para Jundiaí?
R – Esse primeiro ano não foi gostoso mesmo! Porque o colégio eu não me adaptei, e também a casa não era naquele molde de casa que eu tinha me acostumado, com aquela larguesa. Embora Jundiaí fosse interior, já não eram tão interior! Porque é muito próximo de São Paulo. Mas depois que eu entrei no Instituto de Educação, aí, eu passei a gostar, porque você passa a conhecer os colegas, a interagir com outras pessoas, começa a conhecer a família dos colegas, então, você começa a ter uma vida social sua, independente dos conhecimentos dos pais. Independente dos amigos dos pais. Enfim, eu me adaptei, eu me centrava muito nos estudos, que era o que eu gostava de fazer. Nessa época eu já estudava piano. Estudei piano 11 anos, e os últimos acho que dois anos, eu fazia exames em Campinas no conservatório da Dona Olga Normanha. Era uma pianista, tinha sido uma pianista de nome, e o conservatório dela era bastante interessante. Ah! Eu esqueci! Eu comecei a tocar piano em Araraquara, não foi em Jundiaí, Jundiaí foi na sequência, e eu me lembro que era um lugar muito bonito. Era um conservatório, eu não me lembro se era municipal, se não era municipal, mas eu me lembro que o maestro, diretor, era o maestro Tescari. Olha! Eu nunca esqueci o nome dele e a gente tinha uniforme. Então, era uma blusa branca, que tinha uma clave de sol aqui, e uma saia pregueada marrom. E a gente tinha que ir às aulas de piano com aquele uniforme. Tinha que fazer exame, tinha que fazer prova (risos), mas foi uma coisa muito bonita, porque no conservatório também havia área de artes plásticas. Eu me lembro que eu estudava em cima, mas no salão embaixo era o pessoal de artes plásticas. Então, era lindo! Você via gente com prancheta, gente modelando escultura. A casa era uma casa antiga, bonita, me lembro era um sobradão. Então, eu subia pela escada para estudar lá em cima. Aí, quando nós mudamos para Jundiaí, que eu continuei com os estudos de piano, aí, eu descobri o balé clássico, mas não para mim, porque meu pai falou: “Sinto muito” eu falei: “Mas eu me encantei” “Você já tem anos de piano” não sei se ele fez bem ou fez mal, eu jamais ia ser uma bailarina, mas eu fiquei tão encantada com aquilo, que eu fazia o seguinte: eu saía da minha sala para ficar espiando as aulas de balé! Isso é uma paixão que dura até hoje, eu sou apaixonada por balé clássico, principalmente. Mas isso começou lá em Jundiaí aonde eu fazia aula de piano, vê se pode? Eu levava severos pitos, porque frequentemente me pegavam fora do piano assistindo as aulas de balé. São boas memórias.
P/1 – Então, você quando pequena o que é que queria ser quando crescesse?
R – Nessa época que eu descobri o balé eu queria ser bailarina clássica. Nossa senhora! Mas eu não tinha o menor jeito, teria sido um horror! (risos) Então, olha! A gente passou por aquela de querer ser tudo. Teve uma época que eu achei lindo, eu falei: “Eu posso ser concertista”. Meu pai falava muito isso: “Eu ficaria tão feliz que você fosse concertista”, mas eu não tinha o talento para ser concertista. Eu estudei 11 anos de piano, entendeu? Não posso esquecer de uma professora que eu tive, maravilhosa, que foi a Maria Carlota Orsi. Ela era boa pianista, até começou uma carreira de concertista, que não foi adiante. Então, teve uma época que eu até pensei com um certo entusiasmo, mas como eu não tinha esse talento, realmente, não foi uma coisa que realmente tivesse me motivado a seguir. A gente passa por aquela fase que a gente quer ser tudo, né? Então, eu queria ser uma época (risos), como eu lia muito, eu achava lindo ser correspondente estrangeira, de preferência aqueles que vão para os lugares perigosíssimos! Como a gente vê hoje na televisão, que é um horror! Então, eu me imaginava assim, eu li uma vez um romance que havia uma correspondente estrangeira no Saara. Eu achei aquilo o máximo. Imagina? Vocês conhecer os beduínos, você dormir em tendas, quer dizer, pura coisa de criança, depois adolescente. Aí, quando eu fiz 18 anos eu já estava razoavelmente encantada pelo direito, porque como eu gostava muito de escrever meu pai me dizia assim, minha avó, minha tia, “Olha! Você gosta de escrever, gosta de falar, acho que você devia ser advogada” (risos) Não é por aí, mas realmente eu comecei a me encantar pela profissão. Aí, eu saí desse colégio, desse instituto, realmente em sempre tive maior orgulho de pertencer a ele. Aí, eu estudei alguns meses feito uma maluca para entrar na faculdade. Graças a Deus eu entrei. Entrei lá no Largo São Francisco, que era onde eu queria. Eu acho que eu devo ser do tipo romântico, porque Largo São Francisco tem uma linda história. Então eu entrei lá, foi aquela alegria, porque você quer entrar na primeira vez, mas você não sabe se vai conseguir. Consegui, graças a Deus. Agora, depois eu exerci advocacia por uns oitos anos mais ou menos, mas aí eu vi que não era realmente aquilo que eu queria. Por quê? Você vê, você fica muito... Por exemplo, aquilo me remetia trabalhar onde? No Centro da cidade. Claro que onde eu estudei, que foi a faculdade de direito, já era no Centro, mas depois o dia-a-dia do advogado não é fácil. Ou você tem realmente uma aptidão bastante grande para isso. Então, eu comecei a me sentir assim meio sufocada, porque é do escritório para os fóruns, é muita gente, é muita fila, é muito burocracia. Porque na época não havia especialidade como tem hoje, não havia mesmo. Por exemplo, direito ambiental, era uma coisa que não existia. Então, as modalidades de direito que existiam realmente era assim: era estudo, estudo e mais estudo. É uma rotina puxada. E como eu sempre gostei muito de natureza, de espaços abertos, eu vi que aquilo, que o meu dia-a-dia não era exatamente aquilo que eu tinha idealizado para mim. Mas eu não parei de trabalhar por isso, eu mudei para Serra da Cantareira, continuei trabalhando, mas era muito difícil que a distância era muito grande. Aí, quando eu tive a minha terceira filha eu parei. Parei porque era a época que eu tinha que parar. Eu estava com bebê em casa, na época não era fácil morar na Serra da Cantareira, não tinha nem telefone, para vocês avaliarem. Mas aí, surgiu, inesperadamente, a proposta de uma amiga vizinha, cujo filho montava cavalo, era um ótimo cavaleiro. Ela chegou para mim e disse: “Você tem conversado comigo que você está chateada, porque você parou de trabalhar, não sabe se vai voltar, um pouco pela distância, um pouco porque você não estava feliz com esse trabalho e eu resolvi montar uma loja de material de equitação”, na verdade, ela ia comprar uma loja de uma pessoa que ela conhecia, que estava saindo do Brasil. “Você quer ser minha sócia?” Então, na hora que ela me disse pareceu estranho, nunca teria pensado naquilo, mas acontece que a minha filha caçula nessa época já tinha começado a montar cavalos. Eu mesmo que a tinha levado. Eu sempre gostei muito da figura cavalo, eu me lembro que quando pequena eu achava aquilo lindo! O cavalo sempre me encantou, sempre me fascinou. Acabou que eu concordei com a ideia dela, só que no último momento ela desistiu. Eu disse: “Bom! Agora que estou nisso agora eu vou.” Então, eu fiquei com a loja sozinha. Na verdade, abrimos uma outra razão social, um outro nome fantasia, que hoje é Salto & Sela. Olha, eu posso dizer que eu adoro o que eu faço! Já são mais de 20 anos. Eu me encontrei muito nesse trabalho, porque a atividade empresarial antes de tudo é dinâmica, é tudo menos monótona. E me proporcionou o convívio com o esporte, que era isso que eu queria. Não com o esporte propriamente dito, mas não uma coisa tão burocrática, como era, por exemplo, o exercício da advocacia. Aí, a minha filha começou a montar, se encantou pelo esporte, começou como lazer, mas realmente foi levando a sério aquilo e eu muito junto dela, comecei a montar também. Então, realmente essa atividade se transformou para mim em uma coisa muito boa, muito positiva e prazerosa. Eu comecei a ver o que o esporte faz pelas pessoas de positivo. Eu fui entrando nesse universo e à medida que eu conhecia, eu fui vendo o quanto era interessante, o quanto era positivo, o quanto era variado. Porque não é só o mundo do esporte, você tem um mundo do lazer, tudo associado à figura do cavalo. Você tem a lida de campo de quem tem um sítio ou fazenda. Então, essa parceria homem cavalo é uma coisa que existe desde tempos imemoriais, então, a figura do cavalo foi se tornando cada vez mais importante à medida que eu fui conhecendo o que ele já tinha feito pelo homem desde tempos muitos longínquos como um parceiro extremante importante no sentido de aumentar a força física do homem, de transportá-lo, de ajudá-lo nas atividades do dia-a-dia e a mitologia também do cavalo é muito interessante.
P/1 – Antes da gente entrar mais afundo nessa outra etapa de vida, eu queria voltar atrás, quando você falou que, então, conseguiu passar na faculdade. Quais eram suas atividades de juventude? Como é que foi a mudança para São Paulo? Você veio sozinha? Como é que foi?
R – Não. Foi assim: a minha avó havia falecido e eu tinha uma tia super querida, que muitos anos morava com essa avó, que era a mãe dela. Então, a minha tia tinha a casa e o filho dela, o único filho dela, já tinha casado e ela sempre falava: “quando a Verinha vier estudar em São Paulo”, porque ela dava como certo que eu ia estudar em São Paulo (risos), “Vem morar comigo”. Foi isso que eu fiz. Na verdade, no primeiro ano eu ainda não mudei, eu não tinha comprado a ideia, meu pai e minha mãe também não. E o que é que eu fazia? Eu ia todo dia para São Paulo. E como eu sempre tinha morado em cidade do interior eu tinha horror do trânsito de São Paulo! Aí, meu pai quis me dar um carrinho e eu falei: “Nem pensar! Não quero dirigir em São Paulo até pelo menos eu me acostumar”. Então, eu vinha tranquilamente de ônibus, o ônibus passava na frente da minha casa, já parava, eu vinha para São Paulo, aí, depois do almoço, no meio da tarde eu voltava para Jundiaí. Depois de um ano ficou cansativo, aí, eu comecei a ficar com a minha tia, eu ficava de segunda a sexta, sexta à tarde eu já voltava para minha casa.
P/1 – E como foi esse período com a sua tia? E a adaptação de sair de casa?
R – Foi interessante, porque minha tia muito cheia de cuidados comigo. Claro, Imagina! “É uma cidade grande, uma menina do interior, então, pelo amor de Deus! Todo cuidado é pouco.” (risos) Então, ela queria saber o nome das pessoas que eu conhecia, que eu comecei a conhecer na faculdade. Algumas ela conhecia o nome de família, então localizava, sabia quem era. Como é que eu posso te dizer? Claro que eu achava exagerado os cuidados da minha tia, porque para sair era um custo: “Com que vai? Aonde vai? Que horas chega?”. Coisas assim. Mas nada que a gente não tivesse conseguido transpor. Ela sempre foi uma tia muito, muito querida, porque era com ela que eu saia, principalmente com ela, quando morava no interior e vinha passar férias em São Paulo. Então, nós vínhamos a teatro, nós vínhamos a concertos. Ela tinha amigas muito interessantes, sabe? Pessoas cultas, viajadas, quer dizer, pessoas com quem era muito gostoso conversar. Mesmo pequena eu gostava de conversar com elas. Nessa época que eu era menor eu tinha uma mania por palavras cruzadas, que eu peguei da minha avó. Então, quando eu passava férias com a minha tia, às vezes, ela me levava para praia junto com umas amigas e tudo, e todo mundo lá pelas tantas ficava envolvido na bendita palavra cruzada e no jogo de dama. (risos) Mas eles achavam ótimo, eram simpáticos. Eu era a única criança, então, eu tinha bastante atenção nisso. Essa adaptação com a minha tia não teve muito problema, porque a gente já tinha convivido muito, ela estava sozinha, o único filho já tinha casado.
P/1 – E em relação à adaptação a cidade?
R – A cidade eu sempre fui apaixonada por São Paulo. Eu vinha a pé, naquela época existia um transitozinho, eu vinha a pé e achava lindo sair do Largo São Francisco, eu vinha andando pelo Centro da cidade, passava no Largo do Arouche, Rua do Arouche e chegava a Santa Cecília, onde a minha tia morava. Então, eu vinha olhando tudo, as lojas, as livrarias, os restaurantes. Eu sempre fui encantada por São Paulo, mesmo hoje, infernal do jeito que está, eu adoro morar aqui. Eu era feliz, gostava da cidade, ela me fazia bem. Porque eu enxergava que aqui havia oportunidade para tudo, tudo que você quisesse parece que a cidade proporciona.
P/1 – No resumo anterior que você fez e falou bastante da sua vida, da guinada que deu no nascimento da sua terceira filha. Onde você conheceu o seu esposo? Onde vocês saíam?
R – Foi assim, os meus pais tinham uma casa já há muitos anos em Itanhaém, uma casa de férias, de veraneio. E tinha uns amigos, e aí, um dia um rapaz simpaticíssimo, filho de um amigo vizinho, levou um colega de faculdade. Esse rapaz fazia engenharia e meu marido fazia medicina. Aí, levou o meu futuro marido. Realmente foi amor a primeira vista, porque em quatro meses nós ficamos noivos, (risos) mas aí demoramos três anos para casar, porque ele era estudante de medicina, e eu estudante de direito. Ele tinha que terminar a faculdade, depois fazer a residência, entendeu? Foi uma coisa muito grata na minha, vida tê-lo conhecido. E esse amigo continua amigo por muito tempo.
P/1 – Agora eu queria saber, assim, você falou que foi rápido o período de namoro até o noivado. O que é que vocês faziam passeando aqui em São Paulo já de volta das férias, do momento que vocês conheceram?
R – Nós como família ou com o meu futuro marido que já era noivo?
P/1 – Com o seu noivo e família.
R – Estudante de medicina não tem muito tempo para passear, porque tem que estudar muito. Mas assim, a gente gostava de cinema, depois eu descobri que ele não gostava, mas eu gostava de teatro e de ópera, então ele ia (risos). Depois que eu descobri, acho que ele ia arrastado, não que a gente fosse tanto assim. Porque na faculdade eu tinha uma turma muito boa, muito interessante, e nós saíamos para esse tipo de programa, também. Não só isso! Então, quando eu conheci o meu marido, eu disse: “o que eu gosto de fazer é isso” “está ótimo, vamos fazer”, então, íamos para a casa dele, íamos para minha casa, íamos para Itanhaém, porque a gente continuava tendo aquela casa lá. Aí, passei a conhecer os amigos dele, que foi muito bom, são amigos que ele tem até hoje, isso já é mais de 40 anos passados. Por sua vez eles já tinham suas namoradas, as noivas, então formamos um grupo muito gostoso.
P/1 – E como foi o casamento? E depois a sua vida já casada? Começando a exercer o direito, apesar de você contar que já trabalhou e tudo.
R – Bom! Casamos, montamos lá um apartamento muito bonitinho e tudo, mas é claro que a gente tinha que se submeter à rotina de médico, porque na época ele estava fazendo a residência, que são vários anos. Mas não demorou muito, uma coisa que foi muito boa para ele, ele foi convidado para trabalhar como monitor na Faculdade de Medicina da Santa Casa, que estava praticamente começando. Então, foi ele e o catedrático que tinha dado aulas para ele, enfim, eles foram montar a cadeira de endocrinologia na Faculdade da Santa Casa. Foi um período para ele muito bom, mas também de muito estudo, muita responsabilidade, que ele era bastante jovem, mas eu passei a conviver, então, com os alunos dele. Foi muito interessante, porque como meu marido era na época, ele não era tão mais velho que os alunos. Então, nós passamos a conviver com essas pessoas, saia um pouco juntos. Não muito, porque realmente o pessoal da medicina não conta muito com a vida social (risos), porque é puxada a profissão. Nessa época nós já tínhamos comprado uma casa em Búzios, no tempo em que ninguém falava em Búzios. Ninguém. Mas um dia nós fomos passear, tiramos umas férias e fomos passear naquela região dos lagos, que é Cabo Frio, Araruama e tudo. E nos apaixonamos por Búzios, que realmente na época ainda era uma vila, não tinha nada. Para você avaliar, não tinha uma única venda! Não era nem supermercado, não mereceria o nome de supermercado, era venda! Então, as pessoas tinham que ir a Cabo Frio de ônibus, os locais, para compras as coisas. Não tinha nada! Não tinha telefone, mal tinha luz elétrica, mas o lugar era lindo. Então, (risos) foi meio que uma loucura no sentido, assim, de que era longe demais. Tinha acabado de ser feito o primeiro condomínio de Búzios e nós nos encantamos. Fomos passear, conhecemos o condomínio, que era pendurado em cima de uma colina de frente para o mar. Casinhas tipo rústico, lembrando, assim, uma vila portuguesa, que a inspiração foram as vilas portuguesas. Loucamente resolvemos comprar a casa, porque é longíssimo para você ir. É muito longe. E para passar férias ou alguns dias lá, a gente tinha que levar absolutamente tudo! Desde ovo! Você tinha que levar uma compra de supermercado inteira (risos), algumas coisas congeladas, tipo carne, frango e tudo, porque não tinha nada. Se você não quisesse ir duas ou três vezes para Cabo Frio para comprar as coisas, você tinha que levar aqui de São Paulo. Então, a gente até trocou de carro, comprou aquelas vans bem grandes para caber a bagagem. A gente levava e a essa altura os dois primeiros filhos, porque a terceira ainda não tinha nascido. E lá algumas vezes a gente convidava os amigos, convidávamos parentes, primos e tudo. Algumas vezes foram os alunos do meu marido, e era muito agradável mesmo, porque o lugar é tão bonito que todo mundo se encanta. Então, ficava todo mundo, assim, curtindo o lugar, era uma coisa boa. Hoje é muito maior, mas na época, quase 40 anos atrás, era muito lindo, porque era muito rústico.
P/1 – E como foi para você ser mãe? Quando você ficou sabendo da notícia?
R – Eu tive uns percalços nesse particular. Eu na verdade antes de ter o meu primeiro filho eu perdi dois bebês, por um problema de saúde, que depois a gente veio a descobrir. Então, a minha gestação ia até dois anos e meio e não passava disso. Então, eu fiquei muito chateada, muito aborrecida, fiz uma porção de exames. Meu marido, obviamente, tinha ótimos contatos, com médicos, professores e tudo. Descobriu-se o que era. Bom, aí eu tive o meu primeiro filho e, antes de ter a segunda, eu perdi outro bebê. Quer dizer, realmente foi uma coisa um pouco difícil. Mas também a alegria de você ter os filhos, depois você já nem lembra do que passou, não é verdade? Já nem lembra. Na época que nasceu esse primeiro filho eu voltei a fazer uma coisa que eu não tinha terminado. Eu, ainda morando no interior, comecei a fazer Aliança Francesa. Aí, eu fiz os quatro primeiros anos, porque depois tem a segunda fase, que são os outros quatro anos, que é literatura, que na primeira fase é mais língua, mais gramática, depois literatura que chama-se Nancy, como tem o Cambridge. Aí, eu voltei quando eu tive o meu primeiro filho. Eu me lembro que ele tinha meses e a gente se reunia em casa para estudar. Olha! Foi uma grande curtição esses quatro anos de Aliança Francesa (risos), realmente foi! Não só porque eu tenho amigas até hoje, duas ou três dessa época, como também você descobria novos horizontes. Então, na própria Aliança tinha um teatro, onde você podia assistir peças, claro, tudo em francês, tinha livraria francesa, que é maravilhosa ali por perto, na Barão de Itapetininga. Então, é um novo horizonte era, assim, na General Jardim. Um lugar gostoso, você poderia ir até a Praça da República, num tempo que você podia andar na Praça da República. Então, é um pouco de corrida, que tinha a casa, o marido, filho, Aliança (risos), mas era bom. Então, isso que eu ia te falar, eu já tinha achado, digamos assim, um lugar, um escritório para eu começar advogar, mas foi quando eu tive o meu primeiro problema. Eu tive um aborto, perdi o nenê, o médico falou: “Por um tempo você pode esquecer de trabalhar, que certamente você vai ter que fazer repouso.” Então, a advocacia naquela época foi deixada um pouco de lado. Depois é que eu retomei e trabalhei uns oito ou nove anos mais ou menos.
P/1 – Você estava contando que casou, não falou onde era sua casa? Onde era a sua primeira casa?
R – Era ali no Pacaembu. Uma rua ainda meio tranquila.
P/1 – Porque depois veio a mudança para a Cantareira. Como é que foi essa mudança?
R – Não. Antes da mudança para a Cantareira, nós mudamos para a Rua Pamplona. Antes da Avenida Paulista, ainda num trecho tranquilo da Pamplona. Depois que você chegava na Paulista e descia é que já era um trecho muito cheio de comércio, mais barulhento. Mas quando nós mudamos para esse apartamento foi muito gostoso, foi quando nasceu a minha segunda filha, então ela inaugurou o apartamento. Depois é que a gente mudou. Na verdade, a gente mudou para um terceiro apartamento e antes da minha terceira filha nascer, eu estava grávida dela, que nós mudamos para a Serra. Aquilo foi uma aventura mesmo, porque na verdade a gente mudou para experimentar. Porque um dia fomos passear e a Serra é muito bonita, entende? Acabamos parando numa imobiliária, para pedir algumas indicações, e um corretor acabou nos falando de casas para vender, mostrando uma casa para vender (risos) e depois de um tempo nós compramos uma casa, mas a título de experiência. E nunca mais saímos. São 30 e tantos anos já.
P/1 – E como foi essa mudança? Como é que era essa casa?
R – Saímos de apartamentos para morar na casa e isso era o bom de tudo. Uma casa térrea, com jardim. Na Serra da Cantareira a gente tem Mata Atlântica, então você tinha uma parte da mata dentro de casa, ali no jardim. Piscina, aquela coisa agradável. Muito sol, gramado, entende? A oportunidade de voltar a ter cachorros. Eu tive cachorros a vida inteira, mas morando em apartamentos não tinha como. Mas foi difícil, porque nós compramos a casa, começamos a fazer uma pequena adaptação na casa e logo depois a minha filha nasceu. Aí, foi um pouco difícil mesmo, porque auxiliares domésticas, dificílimo. Você não conseguia trazer ninguém da cidade para subir a Serra, que a Serra até hoje não tem condução, não tem ônibus. É um negócio meio complicado. E não tinha telefone. Foi nessa época que, um dos motivos, eu tinha começado a advogar, mas nessa época que fui para lá eu ainda tinha algumas ações, alguma coisa que eu tinha que ir e voltar, então eu descia até Santana, deixava o carro, pegava um metrô descia na Sé, ia ao fórum, voltava. Quer dizer, era meio complicado, aí realmente eu parei. Olha, foi difícil, mas ao mesmo tempo tão diferente! Chegava, por exemplo, no inverno e lá é entorno de quatro a cinco graus mais frio do que aqui em baixo, então, chegava no inverno era como se você estivesse em Campos do Jordão. Era aquela história de pegar lenha, por na lareira, sabe? Então, a Serra para nós até certo ponto representa um estado mental de férias, sabe? É interessante, até hoje às vezes eu sinto, eu olho e digo: “Estou fora do mundo.” Só que férias. Claro que tem o lado super difícil, até hoje não tem ônibus, tem coisa que não existe! A questão de uns dois ou três meses, meses não anos, é que abriu um pequeno empório, não dá nem para chamar de supermercado porque é pequenininho, não muito longe da minha casa. Mas o perfil lá é assim, você anda, anda e não vê comércio. Abriu esse pequeno empório e há uns poucos anos atrás também uma turma de corajosos resolveu abrir um pequeno shopping, mas shopping mais de serviços e não de lojas, entende? Claro que teve uma grita na época, muita gente não concordava: “A gente não quer a Serra civilizada, que vai subir muita gente, sabe se lá quem vai subir.” Então, existe muito disso na Serra, de preservar aquele ambiente, preservar, digamos assim, de muita gente subir a Serra, e talvez fazendo barulho. Quer dizer, coisas assim que acontecem, digamos assim, em prejuízo de uma paisagem campestre. Quando você começa a ter muitas pessoas freqüentando. Mas a Serra a gente não conseguiu sair de lá, ensaiamos (risos), entendeu? Porque seria muito mais fácil eu venho trabalhar aqui em baixo. Para nós também é em cima e embaixo: “Olha eu vou descer, eu vou para a cidade”. Então, é diferente.
P/1 – Então, chegamos a essa fase que você começou a namorar a ideia com sua amiga, vizinha, de ir para uma nova empreitada e buscar o comércio. Como é que foram as primeiras idas à loja? Como é que foi esse período?
R – Foi assim, conforme eu te falei essa caçula que nasceu quando nós mudamos, ela já estava com sete anos e eu a levei a uma hípica lá na Serra mesmo para ela começar a fazer um esporte, até porque ela tinha uma defasagem de idade para os irmãos de cinco, seis, sete anos, para que ela tivesse uma coisa dela, um mundinho dela, porque os irmãozinhos já estavam um pouco mais velhinhos. Como ela se encantou muito com isso, eu comecei a frequentar, comecei a montar e tudo. Quando esse convite chegou, a gente já estava bem mergulhado nesse ambiente, mas restrito. Na época era restrito ali à Serra. Então, eu assumi o negócio. No começo eu pensava assim: “Como vai ser?” Porque eu, a rigor, alguma coisa eu já conheço do esporte. Os equipamentos, estava mais ou menos acostumada com as competições que eu via nas hípicas, que a minha filha também tinha começado a fazer, porque você começa esse tipo de provinha desde cedo, qualquer esporte você começa as provinhas desde cedo. Mas no começo eu até me assustei um pouco, porque tudo tem seu lado técnico, então são os acessórios, as embocaduras, por exemplo, seja freio, seja bridão. É algo bastante técnico, que você tem que saber que tipo de embocadura determinado cavalo precisa, entendeu? Porque tem cavalos que tem especificidades, então um puxa a cabeça para esquerda, outra para a direita, o outro cisma de ficar com a cabeça mais derrubada você tem que levantar. Eu me lembro que eu ficava receosa, dizia: Nossa! Eu tenho muita coisa para aprender!” Eu ficava, realmente, talvez os dois, três primeiros anos, eu não sei, eu me preocupava que eu sabia que a minha formação era muito diferente daquilo, entendeu? E eu ia ter que aprender um bocado de coisa, então eu comecei a ler umas revistas técnicas, uns poucos livros que tinha sobre o assunto, comecei a conversar com pessoas que montavam bem a cavalo, com boa técnica.
P/1 – Antes de falar da loja, você falou começou a montar. Como é que foram seus primeiros momentos em cima do cavalo? Você se lembra como é que foi a sua primeira aula?
R – Eu amei! Eu olhava as pessoas galopando e dizia assim: “Eu nunca vou conseguir fazer isso”, entendeu? Primeira vez que consegui, a gente fala “pediu galope”, é um movimento de pernas, a primeira vez que fiz o cavalo galopar eu me senti, assim, eu nem sei te explicar! Sabe quando você se sente nas nuvens? Eu falei: Meu Deus! Acho que eu criei asas, porque eu estou galopando!” (risos), então foi muito positivo. Porque desde criança eu namorava cavalos, entendeu? Eu via uma foto eu via um desenho, eu parava para ver. Então, eu lembro que os livros da coleção de Monteiro Lobato, e foi muito importante na minha vida. Eu ganhei aquela coleção dos meus pais, eu tinha sete anos, eu me lembro até hoje. Era um caixote desse tamanho que eles me deram no natal, e o Monteiro Lobato ele realmente soube ensinar história, mitologia, geografia, ciências, ele soube passar aquilo para as crianças de uma forma fantástica. Então, eu me lembro que na mitologia grega tinha o Pegasus, eu me lembro que aquele cavalo com asas, assim, que tinha ilustrações nos livros dele. Aquilo era uma visão! Tinha outros cavalos famosos na história que me encantavam, eu dizia: “Olha que parceria maravilhosa!”. O mito do centauro, meio homem, meio cavalo. Monteiro Lobato soube compor histórias tão bonitas, ligadas ao centauro. Então, tudo aquilo realmente já me tocava, sabe? A figura do cavalo realmente já me parecia muito bonita, muito especial.
P/1 – A loja ficava lá na zona norte, lá perto da Cantareira?
R – Não. Ela fica onde ela é até hoje, na Avenida Santo Amaro. É assim: na verdade ela é encostada em Moema. Ali no endereço consta como Vila Nova Conceição, mas ela é assim: desse lado é Moema e ali é Vila Olímpia, tem esse pedacinho onde nós estamos que administrativamente é Vila Nova Conceição, mas elas sempre foi no mesmo lugar.
P/1 – E qual que era o nome antes? Quais as adaptações que você teve que fazer, não só na sua formação, que já contou um pouquinho, mas no espaço físico para aquilo ficar a sua cara? Ou do seu jeito?
R – No começo eu não modifiquei muito as coisas, até porque a loja não é grande. Não é, assim, aquele espaço enorme, onde se diz: “aqui eu posso brincar com a decoração, por isso para cá e para lá”. Não, não é assim. Então, como o espaço é pequeno tem que ser muito bem aproveitado, não tinha muito o que mudar. Depois com o tempo eu levei, por exemplo, um móvel antigo, levei um quadro, mudei a cor das paredes, fui começando a fazer pequenas modificações. Hoje, claro, ela tem um ar diferente, de 20 e tantos anos atrás, mas não proporciona muita aventura no sentido de modificar ou decorar, entendeu? Agora ela é uma loja que tem um material técnico, porque precisa ter, esses assessórios de couro que também tem suas especificações técnicas, cada uma tem a sua finalidade. Temos os vestuários, tanto para homem, quanto para mulher, quer dizer, na verdade a gente tem todo o material necessário para se andar a cavalo, tanto para pessoas, como os materiais para o cavalo, aquilo que ele usa, ele usa capa, ele usa manta, ele usa protetores de rim, para o peso do cavaleiro ficar um pouco amortizado.
P/1 – E qual que era o nome da loja antes?
R – Ela chamava-se Equestrian, mas depois nós mudamos. Quer dizer, na verdade a gente não comprou a empresa, entendeu? Então, nós abrimos uma empresa nossa, eu quis que fosse um nome brasileiro, então por isso ela se chamou Salto & Sela. Eu achei que tinha que ser em português, então, eu comecei do zero.
P/1 – E como foi a idealização do nome? Como é que se chegou no nome?
R – Pois é. Foi um bocado pensado, tivemos que pensar, pensar e no fim me veio esse nome, eu comecei a gostar do nome. Eu perguntei a outras pessoas que disseram gostar do nome, acostumamos com o nome, fiz o registro é uma marca registrada. É isso.
P/1 – Ela tem um logo esse nome?
R – Tem um logo muito bonito! Depois eu mostro para vocês, é assim: é o nome Salto & Sela e o “A” ele se eleva e forma um obstáculo, então, tem um cavalo saltando em cima do “A” e foi alguém muito bom na área que fez esse desenho para nós, entende? Então, o nosso material gráfico, cartões, papéis, tem o logo estampado, as sacolas.
P/1 – Eu queria saber um pouco mais do funcionamento da loja, como é que estão distribuídas as coisas? O material técnico? As roupas? Como é que é o espaço da loja? Se tem um balcão ou estante? Estoque?
R – Na verdade o balcão tem onde é o caixa, onde tem o computador, onde as pessoas, por exemplo, pagam as suas compras, entendeu? Onde tem o telefone. Mas ela não tem um balcão propriamente dito que o vendedor fique desse lado e o cliente do outro. Eu tenho dois ou três móveis antigos, eu tenho uma cômoda grande, eu tenho uma mesa antiga, uma mesa de ferro interessante redonda, onde os materiais ficam expostos. Então, eu procurei dividir assim: vestuário de um lado, que são as calças especiais, que chamam-se culotes, as camisas de provas oficiais, porque no dia-a-dia, você obrigatoriamente, isto é, desde que esteja uma hípica organizada, daí o obrigatório, você tem que montar com um culote, que é uma calça justa que ela necessariamente ela segura aqui o abdômen, porque você sobe e desce em cima da sela. Então isso é feito para isso mesmo, para conter a parede abdominal. Você tem que montar de botas. Agora camisa, por exemplo, você pode montar com qualquer uma: camiseta, camisa pólo. Mas nas provas é obrigatório um uniforme, e esse uniforme quem determina é a FEI, Federação Equestre Internacional que, na verdade, é quem normatiza todas as confederações dos vários países, que por sua vez normatizam as federações estaduais. Claro que não é um modelinho, mas é assim: tem que ter uma casaca, tem que ter uma camisa para as mulheres que o colarinho é alto, lembra aquele o colarinho de padre, sabe? O culote tem que ser branco ou bege, não pode ser um preto. Isso para competir, para provas oficiais. Tem que ter a bota, o capacete de proteção, o chicote que você precisa pelo menos para tocar o cavalo, não se fala em bater no cavalo, é para ele entender mais ou menos os seus comandos e luva. Então, a luva, por exemplo, não é obrigatória, mas é muito boa de usar, porque ela aumenta a aderência, você segura melhorar as rédeas, e quando as mãos transpiram a rédea não escorrega, porque você está de luvas. Então, nós dividimos a loja assim, procuramos dividir dessa forma: vestuário, botas e capacetes, luvas, o chicote e as meias. Você tem que montar com uma meia longa, que acompanha o tamanho da bota. E do outro lado, por exemplo, os couros, as selas, os assessórios que são cabeçadas, rédea, peitoral, barrigueira, as mantas, as capas dos cavalos, os protetores, porque eles precisam de protetores aqui, porque no salto, às vezes, eles batem na trave, na madeira, digamos assim, e pode machucar. Nós temos materiais de limpeza, limpeza e tratamento para os couros e também limpeza dos cavalos, higiene dos cavalos. Então, tem shampoo, tem creme rinse, tem um preparado que você aplica feito com citronela, porque as moscas incomodam muito os cavalos pousam muito nas orelhas, então, às vezes, isso numa prova distrai terrivelmente o cavalo, porque ele fica irritado com aquilo. Por isso que tem esses produtos. Tem produtos para dar brilho no pelo, tem assim uma bela parafernália para tratar bem os cavalos. (risos)
P/1 – Eu queria saber primeiro da parte de roupas, de onde ela vem? Quem é que escolhe o material? Fornecedor? Quem são esses fornecedores?
R – Olha! É assim: nós temos materiais nacionais e materiais importados. Inclusive, alguns anos atrás, nós tínhamos até uma oficina bem organizada para fazer esses culotes, porque o culote tem uma modelagem completamente diferente de uma calça cumprida. Ele tem que ter um protetor aqui, é uma modelagem bem diferente, não é muito fácil. Então, durante uma época nós fabricamos alguns culotes, nós tínhamos uma modelagem, uma ou duas ou três boas, tínhamos algumas costureiras. Chegamos a fabricar bons culotes, como também fazemos o material de couro. Sela não! Nunca fizemos sela, mas todos os outros assessórios necessários. Acontece que a invasão dos importados é um fato, realmente é um fato. Então, mesmo nessa época da confecção nós já tínhamos alguns materiais importados. Até hoje a gente continua fazendo aquilo que a gente chama de culote escola, que é o culote básico para principiante, seja criança, seja adulto. Temos outra marca nacional bastante boa. Agora, a grande maioria é importado, não tem como você fugir muito. Até por causa do problema do preço. Por incrível que pareça, às vezes, o importado consegue sair mais em conta do que o nacional, porque ele é fabricado na Índia, porque ele é fabricado na China, e todo mundo conhece o papel, principalmente, da China no nosso mercado aqui. Camisas não. Embora tenha importadas, a gente tem uma fornecedora de camisas ótima! São camisas lindas. É uma amazona, quer dizer, uma mulher que entende da moda, digamos assim, de equitação, então ela faz camisas muito lindas e, realmente, elas têm a nossa preferência, entendeu? Casacas, por exemplo, que seria o blazer, mas que no nosso esporte são chamados casacas, eles têm que ter um corte um pouco diferente, um pouco mais largo nos ombros, porque no movimento do salto essa parte de ombro é longa e ela tem que ser um pouco mais ampla, se não você corre o risco até de puxar a costura e fica desconfortável mesmo. Então, nós temos casacas importadas, temos casacas nacionais muito boas. Nosso material de vestuário é tanto masculino, quanto feminino. Por exemplo, os culotes podem ser unissex, ou masculino ou feminino. As camisas não. Claro. São diferentes. Dos homens obrigatoriamente, se for de manga cumprida, tem que ter o punho e a gola brancos. Se for manga curta é só a gola que é branca. O que mais eu posso falar?
P/1 – Eu fiquei curiosa para saber qual é a diferença do culote normal para o escola? O que é que tem de diferente?
R – Não, é que o culote escola é, assim, feito de um, digamos assim, artigo menos caro, porque às vezes você se depara com essa situação: os pais vão comprar uniforme para os filhos: “Olha, não sei se meu filho vai continuar, eu prefiro comprar um uniforme que não seja caro”, entendeu? Então, a gente tinha essa solução, fazíamos um culote que é um material bastante bom, quer dizer, as pessoas durante anos compraram esse culote, entendeu? Mas não é um culote tão caro quanto um culote importado, em que você paga um monte de impostos em cima. Então, são culotes agradáveis. Tem gente que diz assim: “Eu adoro a textura desse culote, porque é mais macio, ele não é tão grosso”, porque às vezes você montar no calor com culote grosso não é agradável. Agora, fazendo um parêntese, ele é grosso porque tem uma finalidade. O tecido grosso é para proteger as suas pernas do atrito, porque você fica o tempo todo fazendo força, pressionando as pernas nas selas. Parte dos comandos você faz com as pernas, com o joelho, os comandos para o animal. Por isso que esse nosso culote escola, que a gente chama de escola para o que é? É um artigo não tão caro e o principiante, digamos assim, ele ainda não precisa de um culote que tenha, assim, mais tecnologia embarcada nele, como o tipo de tecido, se o tecido, digamos assim, se ele estica para vários lados. Porque isso tudo tem importância, entende? Na medida em que o culote tem elastano nos dois sentidos do tecido ele se torna mais confortável, ele não segura você aqui no joelho e nem aqui na largura. Então, um culote escola é um culote que tem uma boa elasticidade, mas para começar o tecido é nacional, nós compramos aqui, entendeu? Não pagamos imposto de importação. É um culote muito bem feito, muito agradável, mas de preço menor, e que não precisa ser um tecido tão elaborado, tão cheio de tecnologia.
P/1 – E falando, assim, da parte dos cavalos, dos couros, de onde vem esse material? Esse couro? Porque aqui a gente tem bastante produção de couros. De onde eles vêm? As selas?
R – Olha, nós temos muitos fabricantes de selas, até porque o Brasil é imenso e por esses brasis a fora tem gente que até hoje o único meio de transporte é o cavalo. Então, você encontra muitos seleiros, esse é o nome que a gente dá, muitos seleiros em “N” localidades, que fazem essa sela que a gente chama de tipo passeio. São selas maiores, a maioria delas tem aquela alça aqui que a gente chama de Santo Antônio, têm outras que tem o pito, que é para o vaqueiro enrolar o laço. Essas selas são feitas por seleiros, claro, nacionais, brasileiros, em “N” localidades do Brasil, entendeu? Temos as selas de salto, que são selas já mais elaboradas, porque são menores, elas têm que ter um balanceamento bastante correto, até para você não desequilibrar, nem ir para frente, nem ser jogado para trás. Então, aí já é um capítulo mais restrito, entendeu? A gente tem bons seleiros sim, mas não tanto quantos desse tipo de sela de passeio, ou sela de rédeas, ou sela de campo, ou sela de trabalho, entendeu? Isso, por exemplo, nós vendemos na loja e são todas nacionais. As selas que nós chamamos do tipo inglês, que são essas menores, por que vocês sabem que a Inglaterra teve uma grande influência no esporte a cavalo, né? A modalidade salto, inclusive, nasceu na Inglaterra com os caçadores de raposas que se dedicavam ao nobre esporte, que hoje é realmente um esporte execrado, e essa caça obviamente se dava nos campos, com obstáculos naturais, riacho, troncos caídos, sebes que eles tinham que saltar. O uniforme, aliás, das provas oficiais, veio da Inglaterra. Era o vestuário desses caçadores de raposas, inclusive o capacete, enfim, todo o traje a inspiração, o modelo é inglês. Então, voltando à sela que se chama tipo inglês, é uma sela menor que se usa para equitação propriamente dita. Se bem que tudo é equitar! Toda a pessoa que monta cavalo na verdade é um equitador. Mas essas selas menores elas têm esse nome de inglês e se diz selas para equitação. Na verdade tudo é um pouco equitação, tudo é a arte de montar. Mas essas selas menores, a maioria realmente é importada, entendeu? Então, por exemplo, a Bélgica, a Inglaterra certamente tem uma tradição muito grande nesse tipo de montaria. A nossa Argentina aqui, sabe? Que eles têm uma tradição na criação de cavalos, principalmente cavalos de corrida. E de pólo! O esporte polo, na Argentina é muito famoso, é muito bom. Então, com tudo isso eles tem know-how em fazer selas, em fazer esses assessórios, em fazer botas, entende? É um fornecedor importante, graças a Deus, bastante próximos da gente. Então, na nossa loja nós temos algumas selas nacionais, que são bem feitas, são seleiros que estão aí há muito anos, mas temos as importadas também, que também são lindas. Agora, são mais caras. Certamente que são mais caras.
P/1 – Você estava contanto para gente dos seus produtos, quem são seus fornecedores. Eu queria saber como funciona a questão do estoque? Como é que é feito a compra desses produtos? Se eles vem por demanda? Se tem uma época que vende mais?
R – Isso é uma pergunta interessante, porque a nossa atividade é sazonal. Como ela é muito ligada às escolas de equitação e ao calendário oficial da federação, nós seguimos o calendário bastante de perto, já vou explicar melhor o que é isso, então é uma atividade sazonal. Por exemplo: dezembro e janeiro são meses muito fracos para a compra, por exemplo, de uniformes. Contrário: você também tem pessoas de fora de São Paulo que vem passar férias em São Paulo, então é a oportunidade que elas têm de visitar as lojas e fazerem compras, mas sempre o movimento é mais fraco do que fevereiro em diante. Então, em fevereiro a gente tem a abertura do ano hípico, geralmente se dá numa das hípicas grandes, ou Santo Amaro, ou Hípica Paulista, ou Clube de Campo São Paulo. Geralmente é na primeira quinzena de fevereiro. Por quê? A prática do nosso esporte ela se dá assim: nas hípicas propriamente ditas, então, nós temos grandes hípicas, algumas já com muitos anos de existência, e a cada dia mais aparecem hípicas menores. Melhor dizendo, são centros hípicos, em que uma pessoa que gosta do esporte, ela monta uma estrutura aonde ela tem cocheiras para abrigar cavalos, ela tem os picadeiros, para que as aulas sejam efetuadas, ela tem que ter tratadores para tratar dos cavalos, professores para dar aula. Então, o ano todinho, de fevereiro até a última semana de dezembro, na verdade, ainda tem uma prova, que é o encerramento oficial da temporada. O ano todo você tem atividades em todas essas hípicas. Então, o calendário de provas é muito cheio. Por que é que isso nos afeta diretamente? Primeiro porque é um motivo para as pessoas se organizarem e comprarem seus uniformes, seus materiais e tudo. Segundo porque faz parte desse mundo todo você acompanhar as provas, porque nós temos aquilo que a gente chama de loja móvel, quer dizer, na verdade são tendas que a gente tem com a logomarca da empresa, onde você coloca uma boa quantidade de material e, segundo esse calendário, e segundo as conversações que você tem com donos de hípicas e tudo, você vai fazendo a sua agenda anual das provas das quais a empresa quer comparecer. Algumas você é convidado, certamente. Outras já faz parte do contexto você ligar e “Olha, estou com o calendário do ano, me interessa ir nessa prova, nessa determinada data. Para você também é bom” coisas assim, esse tipo de atividade é bastante ativa, quer dizer, acontece muito. Então, nós giramos, mais ou menos, em torno das provas. Que é que o faz as pessoas dizerem: “Nossa! O meu culote não está bom, a minha bota já gastou muito. A minha cabeçada não está legal. Eu preciso repor o meu material”, porque todo mundo quer ir às provas muito bem uniformizado, bem arrumado, porque é um ocasião muito festiva. Porque para um aluno que faz aulas o mês todo, o grande acontecimento para ele é ir a uma prova, onde ele vai testar o seu próprio nível, onde vai observar os outros, onde ele vai receber comentários do seu instrutor. Os pais gostam muito das provas, porque, digamos assim, eles estão vendo ali concretamente os resultados dos treinos dos filhos, se vai indo bem, se vai indo mal, se tem jeito ou não tem jeito para o esporte. Então, a nossa atividade comercial gira muito entorno disso, do calendário. Como dezembro, a não ser a primeira semana que tem a prova de encerramento, e janeiro não tem provas, realmente a atividade cai bastante. Porque os cavalos têm que descansar também. Eles têm que sair das hípicas, onde eles ficam em baias, para ir para, por exemplo, alguns haras, algumas fazendas, onde eles ficam soltos. E é uma maravilha para o cavalo desestressar, galopar, ele fica feliz da vida! Está em férias. (risos)
P/1 – Então, como é que funciona o estoque?
R – Voltando a pergunta, né? Olha, como nós saíamos bastante para provas, então, o que é que acontece? Na segunda-feira você retorna ao estoque, você passa tudo pelo computador, você vê o que é que você vendeu e, aí, você vê o que é que precisa repor, entendeu? Temos fornecedores muitos bons que realmente entregam os materiais com rapidez. Então, é dessa forma que a gente faz: “Vendeu? Precisa repor”. Ou quando há produtos novos, os fornecedores avisam: “Estou trazendo tais e tais materiais novos, está no meu site, ou vou mandar um e-mail para vocês verem” entendeu? Aí, você vai avaliar o artigo, se você acha bom, se não acha, quer comprar ou não quer comprar, entendeu? Como em qualquer comércio, você tem que ficar a par das novidades, dos artigos que saem que são interessantes e que você também precisa ter! Você não pode ficar, digamos assim, fora das novidades. Você tem que ter mesmo aquelas peças boas que é recomendável ter. Então, o nosso estoque é bom, porque nós temos essa loja móvel, e temos também a nossa loja virtual, que é o nosso site. Então, às vezes, a pessoa, por exemplo, entra no site para fazer uma compra, mas ela quer a coisa com urgência: “Olha, eu quero para amanhã”, às vezes até dá para chegar, se for aqui do lado de São Paulo até dá. Então, você tem que ter um estoque bastante atualizado para que você não falhe com os clientes, para as pessoas que estão acostumadas a comprar conosco.
P/2 – E Vera, você tinha falado que muito desses produtos são importados. Nesse caso dos produtos importados também existem representantes para esses fornecedores? Ou vocês entram em contato direto?
R – Nós já fizemos importações diretas. Agora, eu vou te dizer que é bastante trabalhoso, extremamente burocrático. Uma vez, por exemplo, nós estávamos fazendo uma importação direta, o certificado de origem que é um documento que sem o qual o material não é desembaraçado aqui no Brasil, por um acaso ele foi parar no Estado Unidos! Foi um horror! Até aquele documento voltar, tudo preso na alfândega... Então, não é fácil. Já fomos também representante de uma grande empresa norte-americana, a Miller´s. Éramos na época o único representante na América do Sul, então, era muito prazeroso, porque o nome da empresa estava no catálogo deles que corria o mundo, foi bastante interessante. Até que em 1999, não sei se vocês chegam a lembrar disso, mas houve uma explosão do dólar, então foi um horror, porque a nossa mercadoria estava toda na alfândega para desembarcar, ai meu Deus! Só faltou dobrar o preço de tudo! Aí, também os fornecedores foram se organizando melhor, entendeu? Nós temos um fornecedor bastante forte, uma pessoa muito organizada. Então, nós passamos da importação direta para comprar de importadores. A coisa ficou mais fácil, talvez mais cara, certamente, porque antes nós fazíamos a parte de serviço, hoje nós compramos não só a mercadoria, como o serviço prestado.
P/1 – E falando ainda dos produtos, como são feitas as embalagens? O pessoal entrou na loja e comprou uma sela. Como é que eles carregam a sela ou esses equipamentos embora?
R – É assim: nós temos caixas de papelão com nosso logo, nosso endereço e tudo, temos sacolas de papel craft bastante fortes, que cabem, por exemplo, uma bota, a caixa de uma bota cabe lá dentro. Já a sela tem que ir numa caixa, então, as pessoas às vezes dizem: “Ah não! Eu vou sair daqui e ir para hípica”, então, aquilo é colocado numa sacola. Em época de natal a gente faz uma sacola, por exemplo, de tecido, uma coisa um pouco mais elaborada, porque às vezes as pessoas dão a sela de presente. Agora essas embalagens que a gente tem, essas sacolas craft, elas podem ser perfeitamente usadas para presentes, são sacolas básicas, mas bonitas, entendeu? Várias pessoas compram para presente, aí, a gente tem sacolas de vários tamanhos, e você vai acomodando material dentro delas.
P/1 – A gente falou dos produtos e tal e dessa saída das selas, mas quem são os clientes? De onde eles vêm? Você pode categorizar? Se você já percebe quando ele está entrando se ele é do tipo que monta ou do tipo que passeia?
R – Olha! Dependendo da roupa com a qual ele entra: “Bom, esse é cavaleiro ou amazonas de todo dia, de terça a domingo”, porque a pessoa sai da hípica de culote, botas, espora, entendeu? Então, você já sabe que é um habitué de todo dia. Agora, qual é o público? O público é o grupo de praticantes de escolas ou dos centros hípicos, porque nas escolas você não precisa ter o seu cavalo, na mensalidade que você paga está incluso o uso do animal que é da hípica. Na hora de comprar todas as pessoas são iguais, apenas essa pessoa que monta em escola ela não vai comprar material para cavalo, porque ela não tem o cavalo, então ela tem interesse no material próprio para ela. Compra os uniformes, ela compra luvas, ela vai ver uma meia, tem uns cintos muito bonitos, capacetes de vários níveis de segurança e de valor também. Tem o lado vaidade, então a gente tem o que chamamos de moda montaria. São algumas camisas que remetem ao universo do cavalo, então são camisas, camisetas, camisa polo com desenhinho, tem um lenço bonito que é uma estampa toda de cavalinhos, que até é difícil achar para se comprar. Então, tem as pessoas que são alunos de equitação, isto é, aula de aprender a montar bem com técnica; já tenho os praticantes, as pessoas que fazem competição a bastante anos; tem as pessoas do lazer, que aliás são simpaticíssimas, porque elas não tem aquela, digamos assim, aquela obrigação, obrigação que a pessoa se põe a si mesma de ser competitivo. Então, eles são felizes, eles montam por lazer, eles montam numa chácara, numa fazenda, em lugares. Mesmo nesses centros hípicos tem pessoas que não querem entrar em provas, elas querem ir lá montar num cavalo e ir passeando. E tem os fazendeiros, ou pessoas que trabalham em fazenda. Então, eles precisam dessas selas maiores, que a gente chama de sela de passeio, para percorrer os cafezais, as plantações, correr atrás do gado, entendeu? É até uma minoria. Por quê? Eu avalio que lá onde elas têm as fazendas, os sítios e tudo, também devem ter fabricantes de selas, então são artigos mais rústicos, porque não são artigos para hípica, são artigos para fazenda. Agora, tem coisas maravilhosas aí feitos Brasil a fora.
P/1 – E quem são seus concorrentes, ali perto da hípica tem outras lojas? Qual é a sua relação com eles se eles existem?
R – Eles existem sim! (risos) Temos vários concorrentes. Não tem segmento que não tenha concorrente. Então, esse corredor da Santo Amaro é chamado de corredor das grandes hípicas, na verdade, ele tem duas. Ele tem a Hípica Paulista, aqui muito perto da nossa loja, e a Santo Amaro bem mais lá em cima, que são realmente hípicas de referência, são de primeira qualidade, Então, os outros lojistas, eles também giram entorno dos mesmos objetivos que nós temos, que é levar a sua loja móvel nos torneios, nas competições. Por quê? Porque ali você tem um fluxo maior de pessoas. Porque você tem, por exemplo, um campeonato estadual, um campeonato brasileiro, você tem pessoas que vem de vários lugares do Brasil. E São Paulo é a Meca das compras. Então, as pessoas vêm também para comprar. Vêm os cavaleiros, vêm as amazonas, vêm as famílias também. Geralmente quando é criança, claro, é impensável viajar sozinho, então vêm com as famílias, as famílias compram. Se a criança ia comprar uma camisa, a mãe se encanta e compra três! Então, essas ocasiões elas reúnem uma boa quantidade de pessoas que vivem o esporte, realmente, de terça a domingo. Porque eu estou para ver esporte que é mais apaixonante e bom, sou eu que estou falando, (risos) do que o esporte a cavalo, porque ele tem o poder de agregar as pessoas. Porque você coloca, por exemplo, um filho para montar cavalo, você não vai largar sozinho na hípica, não é verdade? Pelo menos com alguém, uma companhia, um adulto, até porque existe um risco, inerente a qualquer esporte. Você está andando numa bicicletinha de meio metro de altura, você pode cair e quebrar o pé. Mas de qualquer forma a presença do cavalo parece uma coisa tão grande, assim, perto de uma criança pequena, desperta um pouco mais o cuidado dos pais. Então, é um esporte que agrega muito as pessoas. E essas pessoas, essas famílias, porque vai a família inteira assistir as provas das crianças, ou das pessoas da família, elas se reúnem num evento, então elas gostam de encontrar as lojas ali com seu material exposto. Você vê: vem uma pessoa de outro estado, se hospeda num hotel perto da hípica, para ver quatro, cinco dias de provas, quer dizer, é isso que acontece. Muito mais gostoso e fácil para ela encontrar as lojas ali na hípica com suas tendas montadas do que ter que pegar vários endereços para ir atrás dessas mesmas lojas. Agora, voltando a Avenida Santo Amaro, realmente tem mais duas lojas lá. Exatamente por causa da proximidade das hípicas. Agora, tem outras lojas em outros bairros. Ninguém consegue trabalhar sem concorrente, não tem jeito. (risos)
P/2 – Só relacionar um pouquinho o tipo de cliente com o produto, você falou de toda uma gama de produto que é necessária tanto para o esporte, quanto para a atividade em si. Existe nesse segmento, vocês oferecem um tipo de produto mais personalizado? Um culote para um tipo determinado de pessoa? Ou um determinado produto para um tipo de cavalo específico? Como é que é?
R – Existe isso sim. Existe, por exemplo, a customização de artigos. Nós fazemos muito isso. As capas que os cavalos usam seja para proteção contra mosca, seja para inverno, ou seja aquilo que se chama capa de premiação. Então, a pessoa é premiada, se classifica bem numa prova e põe uma capa no cavalo. Esse tipo de material e as mantas, a gente personaliza muito. Então, vai ou o nome da hípica, ou o nome do cavalo, ou o nome do patrocinador. Camisas também, bonés, agasalhos. Isso a gente faz sob encomenda, por exemplo: se o cliente, homem ou mulher, adulto ou criança, você sabe que é um atleta competitivo, mais ou menos: “Eu vim aqui comprar culote para prova no fim de semana”, então você já sabe que tem que ser branco ou bege. Você não pode oferecer um preto, marinho, vinho, qualquer coisa assim. Já sabe que você tem que oferecer uma camisa de prova, que é um uniforme oficial, tem que ter uma casaca. Não adianta dizer: “Vai ficar tão bonito esse agasalho”, ele não vai usar casaco, a não ser que você diga: “Olha, se você quiser, se tiver precisando, a gente tem uns agasalhos também”, mas se ele disser que precisa um uniforme completo, ele ou ela, você tem que oferecer as peças certas. Você não pode fugir do modelo, entendeu? Bota também, bota tem que ser longa para prova. Geralmente as pessoas usam sempre, mesmo fora de prova, usam as botas longas, mas, por exemplo, tem botinas, aliás bastante bonitas com perneira, mas você não pode oferecer isso para alguém que chega dizendo: ”Eu vou entrar em prova e preciso renovar o meu calçado”. Você não pode dizer: “Eu tenho uma botina com perneira linda!”. Você sabe que não é naquela ocasião. Até pode dizer para ele: “Olha, para outra ocasião, chegou uma perneira com uma botina linda, você quer ver? Está aqui”, você mostra. Mas realmente é uma venda orientada.
P/1 – Para essa venda orientada, então, eu queria saber agora dos seus funcionários. Quem são eles? Como é que é feito o treinamento? Se existe algum?
R – Tem que haver um treinamento, nada assim tão profissional, mas de modo geral todos os funcionários que nós temos, que estão há bastante tempo conosco, entraram sem saber nada! Então foram aprendendo um pouco comigo, uma pouco com a minha filha que foi uma amazona bastante ativa durante 12 anos, e também, assim, alguns fornecedores nós conseguimos que eles recebam os vendedores, por exemplo, nas suas oficinas. Então, vai ver como o seleiro trabalha, porque se ele entender como a sela é feita, quais são os pontos positivos daquela sela, o que ela oferece de conforto, de ergonomia para a pessoa, eles vão saber, obviamente, explicar muito melhor isso para os clientes, portanto vão atendê-lo melhor, vão dar uma orientação mais fundamentada. Eles também, por conta da loja móvel, todo final de semana, não todos, porque existe um rodízio, eles estão assistindo às provas, porque as tendas ficam montadas na frente das pistas. Então, aquela dinâmica toda ajuda você a entrar no universo do cavalo. Aí, eles vêem uma pela nova que chegou, que alguém trouxe do exterior, que alguma loja já tenha. Eles observam espontaneamente. Agora, eu procuro passar para eles, há varias revistas do segmento, então eu passo para eles. Claro que eles não lêem todas e nem tudo, mas sempre tem artigo de fundo técnico, onde eles podem aprender que tipo de manta, que tipo de capa, que tipo de cabeçada, que tipo de embocadura, quer dizer, isso são subsídios para que eles aprendam melhor do esporte com o qual eles trabalham também.
P/1 – Então, da sua loja a gente falou como ela é, o que ela oferece, os funcionários. Quero saber quando o cliente está na etapa final, chegou no balcão, como é que faz para pagar? Se teve mudança durante esses últimos 20 anos na forma de pagamento?
R – Ah, teve! Teve pelo seguinte: o cartão de crédito é uma tristeza, (risos) porque parte da rentabilidade vai para a administradora do cartão. É assim: boa parte da venda é em cartão de crédito. Por sorte, tem clientes que não gostam de cartão de crédito e pagam em dinheiro ou em cheque, mas realmente a maioria é em cartão de crédito. Eles podem parcelar. Isso é uma tônica brasileira, que parece, parece não, a gente com certeza já exportou para os outros países, que isso não existia. Compra parcelada não existia em outros países. (risos) Então, eu achei muita graça, porque a Tiffany que é essa super joalheria milionária, o primeiro lugar no mundo, o único lugar no mundo onde eles fazem vendas parceladas é no Brasil. A França já adotou agora isso oficialmente, vendas parceladas. Então, parcela-se, lógico! Porque isso viabiliza as vendas e, por que não?
P/1 – Agora sim, você falou da relação da sua filha enquanto amazona, que ela começou pequeninha e veio o interesse. Qual foi, então, a relação dela com a sua loja?
R – Foi o seguinte: em função dela eu comecei a participar diariamente desse mundo do cavalo, porque eu a levava quase todos os dias na hípica, outros dias era eu quem ia montar e ela me acompanhava, entende? Então, o entusiasmo dela, o encantamento dela pelo esporte, se tornou meu também, se tornou meu porque foi um esporte que ela começou a praticar com responsabilidade, com uma certa habilidade. Ela foi uma amazona bastante competitiva, ela se dedicava muito! Nós tínhamos três cavalos que ela montava praticamente todos os dias, treinava-se com afinco. Ela foi campeã paulista, ela foi campeã brasileira. Ela foi uma boa amazona e, a medida que você vai convivendo diariamente, eu te digo que era diariamente, você vai se encantando! A magia do esporte e do animal realmente ela vai se impondo cada vez mais. E isso serviu de um estímulo, de uma motivação muito grande. Porque a meu ver eu não tenho, assim, uma loja onde eu vendo materiais, entendeu? Como é que eu enxergo a minha empresa? Eu enxergo assim: o esporte é modelador do caráter, é formador do caráter. Eu enxergo assim. Então, eu comecei a perceber os benefícios que o esporte despertava nas pessoas: disciplina, regularidade nas atividades, foco, atenção, sangue frio. Porque você tem que ter sangue frio, você tem que aprender mais a perder do que ganhar. Isso é um grande treino para a vida. Então, essa motivação com esse conteúdo psicológico, pode-se dizer, embora verdadeiro, do esporte, foi aquilo que me encantou. Eu na vida nunca pensei que ia me transformar em comerciante, eu me lembro que há muito anos atrás eu dizia: “Se tiver que vender alguma coisa eu vou morrer de fome, porque eu não sei”, mas esse encantamento por via travessas é que me motiva nisso. Por exemplo: eu me encanto quando vejo uma criança entrar na loja, às vezes, tem uns ticos de gente de dois anos e meio, três anos, não é que os pais queiram, a criança é maluca por cavalo! Vê um cavalo e fica encantada, entendeu? E os pais têm medo, porque uma criança pequenininha assim. A não ser que seja filho de cavaleiro e amazona, que quase que nasce sentado em cima de cavalo. Então, é uma graça. Você vê as crianças e põe o capacete, põe a luvinha, e põe a botinha. Aquilo é o começo do esporte, então eu acho um mundo bonito do lado do que o esporte representa. Claro que tem suas fragilidades, seus problemas como qualquer área na vida, mas a parte positiva é grande. Então, foi isso que me encantou e isso que motiva, quer dizer, começou com a minha filha por quê? Porque eu vivia o dia-a-dia dela, e o cavalo se tornou familiar por causa dela e também porque eu montava, embora nunca tenha sido competitiva como ela. Nunca competi, era lazer mesmo. Eu só queria a aprender a montar bem, digamos, dentro dos limites.
P/1 – É muito comum de essas lojas especializadas em algum esporte, que nem você falou de colocarem na manta os patrocinadores. Vocês chegaram a patrocinar algum esportista? Como é que é feito isso?
R – Sim, várias vezes! A coisa se dá assim: ou o cavaleiro, ou a amazona se comunica pessoalmente com você num concurso, ou te manda um e-mail: “Olha, eu sou o fulano de tal, estou procurando um patrocínio para prática do meu esporte”. É claro que ele vai se dirigir a alguém que possa fazer isso, pelo menos em relação a materiais, que é o que a gente tem. Então, por exemplo, já patrocinamos... Bom, minha filha não vale! (risos) É o clássico paitrocínio! Mas ela sempre saltou e os três cavalos tinham o nosso nome, entendeu? Então, o nome da empresa vai antes. Ela tinha, por exemplo, um cavalo chamado Congo. Você coloca Salto & Sela Congo. Então, aquilo que é falado primeiro num júri é o nome do patrocinador. E os cavalos têm passaporte, eles têm documento de identidade, para eles poderem ir viajar e onde as vacinas que são tomadas são colocadas, porque existe uma vacinação severa, que não pode deixar de ser feita. Então, no passaporte é colocado o nome do patrocinador e aquilo tem uma validade de “X” tempo. Depois, se você quiser renovar, você e a pessoa que você patrocina, esse patrocínio é renovado. Então, patrocinamos já pessoas que se destacaram, que foram campeãs, por exemplo, em Cross Country, que é uma modalidade campo mesmo. Mais foi salto. E eu realmente gosto muito de escola de equitação. Eu acho realmente uma coisa formidável, bonita. Gosto de ver aquilo. Então, mais de uma vez, a gente já patrocinou escolas. E o que é que a gente faz? A gente fornece para a escola todo material necessário para os cavalos. Por exemplo, os instrutores eles usam a camisa da hípica com o nosso logo, boné, agasalho. As mantas e as capas do cavalo, todas levam o nosso logo, entende? As camisas dos alunos.
P/1 – E qual a importância comercial de patrocinar um esporte, de dar força para o esportista?
R – Olha, é como de qualquer patrocínio, quer dizer, existe a questão da visibilidade, é lógico! Então, por exemplo, nós patrocinamos durante vários anos um rapaz que foi campeão brasileiro, campeão sul-americano, bicampeão sul-americano de várias modalidades. Quer dizer, você associa o seu nome a um cavaleiro de valor ou amazona de valor, conhecido no meio hípico. E aquilo se torna bom para ambas as partes, ele porque mostra que uma empresa acredita nele a ponto de colocar o nome junto dele, e você porque caminha junto com um atleta de ponta. Mas não só os de ponta! Por exemplo: às vezes, você escolhe alguém que você conhece a história, que você acha que vale a pena participar do começo do esporte dele. Então, você realmente faz isso, você personaliza o material dele, você dá os materiais até um certo limite. É uma questão de ajudar. A equoterapia foi muito, muito importante para a gente desde muitos anos. Por exemplo, o trabalho de conclusão de curso de uma outra filha, não dessa que foi amazona, foi sobre a equoterapia e a sua relação com a loja Salto & Sela. Então, até hoje a gente continua participando, até certo ponto fazendo um patrocínio para a equoterapia também em termos de materiais, porque eles precisam de mantas especiais, entendeu? Olha, que interessante, a gente chegou a participar da Reatech, que é aquela feira de equipamentos especiais. Alguém, digamos assim, bastante forte no meio da equoterapia nos convidou a participar. Por quê? Porque nós temos materiais específicos para equoterapia. É uma sela adaptada, estribo adaptado, rédeas adaptadas, a manta, isso a gente faz sempre. A gente faz esses materiais, entendeu? Aí era motivo para falar mais meia hora, acho que não dá. Porque a equoterapia é fantástica! Acho que vocês já devem ter ouvido falar e lido e tudo. É um universo dentro de um universo. Então, merece todo o apoio, toda visibilidade. Merece mesmo! E é maravilhoso! Você vê o trabalho dos terapeutas, dos psicólogos, dos instrutores. Olha, é doação demais! Porque, às vezes, as pessoas têm uma paralisia cerebral grave, as pessoas praticamente não têm contato com o exterior, não tem movimentos. É claro, não são só crianças, são adultos mesmo. Então, você vê uma criança, um adulto, que mal fala, mal se senta numa sela, o professor vai atrás e ele na frente, você diz: “Dedicação demais”. De cada lado vai um fisioterapeuta, um psicólogo. É um trabalho de equipe. Então, não tem como você não participar de uma coisa dessa, sabe? Não é só o lado feliz e fácil. Esse lado maravilhoso da equoterapia realmente a gente tem que colaborar. Não dá para ficar insensível.
P/1 – E voltando as questões da loja, qual é o canto da loja que você se identifica mais? Que você acha mais bonito? Ou gosta mais de ficar?
R – É assim, minha loja é pequena, eu já te falei. Mas eu gosto de tudo. Tem um banquinho antigo que eu mandei fazer de pinho de riga, que é uma graça. Então, de vez em quando, não sobra muito tempo é verdade, mas cinco minutos dá para sentar. Tem o cantinho do café, que tem um café expresso muito gostoso. Na verdade eu gosto de circular pela loja, ver se está tudo em ordem. A gente tem um pequeno mezanino, que nós fizemos para aumentar o espaço, então eu subo lá vejo o que está sendo feito, que sempre tem lá um funcionário, digamos, monitorando a loja virtual, entendeu? Porque aquela loja virtual funciona. A loja virtual é como se fosse outra loja, então você tira o pedido, você se organiza, você vai ao estoque, você monta os pedidos, aquilo vai para a expedição, vai para caixas adequadas ao tamanho, depois vai para o correio é expedido. Quer dizer, é um trabalho dinâmico. A loja não é uma coisa monótona.
P/1 – Como é que surgiu, então, essa loja virtual? Por que a necessidade?
R – Porque a informática é um fato, chegou para ficar e ponto. Então, nós percebemos há vários anos atrás a necessidade de estar na internet. Começamos com um site, apenas para tornar a nossa loja conhecida, visível, expor os nossos produtos, servir de canal de comunicação. Depois a transformamos numa loja virtual. Porque existem “N” lojas virtuais e a gente vê como são úteis. Aí o trabalho já é um pouco mais difícil, tem bastante tecnologia embutida nisso. Aquele cuidado de todas as horas atualizar dados, reformar. Agora a gente vai começar uma reforma no site para que ele fique mais moderno. E fizemos isso para usar uma ferramenta para ver se ela tinha sucesso. Eu acho que ela teve um sucesso relativo. Então, é como se diz uma pessoa do meio de cavalo, é como se a gente tivesse uma loja em cada lugar do Brasil, porque onde você está você acessa o site da loja virtual. E é muito bom ver como você consegue, às vezes, resolver o problema das pessoas. Então, liga uma mãe lá de Manaus: “Olha, eu esqueci de encomendar, mas minha filha daqui uma semana tem uma prova e preciso disso e daquilo”. Quando você vê todo mundo está correndo, motivado. Os funcionários estão acostumados a correr, um pega isso, o outro pega aquilo, vai para a expedição, faz a nota. Agora tem as benditas notas fiscais eletrônicas, que são terrivelmente trabalhosas para fazer. Mas vimos que era necessário era bom fazer a loja virtual.
P/1 – Como é que, do seu ponto de vista, você acha que a sociedade vê o comerciante? Qual é a importância do comércio?
R – Olha, vou te dizer uma coisa... Engraçado. Essa palavra comerciante, a gente não usa muito. Acho que quando eu comecei a ter uma loja nós pegamos a época do: “Você tem uma empresa”. Antigamente você tinha uma firma. Eu sei que você está usando uma palavra que, obviamente, ouve e é o foco do trabalho de vocês, mas hoje em dia usa-se muito empresário. Empresário você liga com empresa, empresa você liga com trabalho, com dinamismo, com tudo. Olha, como eu valorizo a minha atividade eu espero que os outros a valorizem também. (risos) E dentro do nosso segmento a gente sabe que temos a nossa importância, como bons fornecedores de materiais. Nós procuramos ser os mais íntegros possíveis, temos uma boa política de troca, que isso é importante, valorizamos demais o cliente. A gente até brinca: “Entrou um cliente, pode estender um tapete vermelho na hora, porque é uma pessoa que nos escolheu”, você concorda? Entre tantas lojas ele escolheu a nossa, então ele tem que ser tratado assim. É a minha visão. E também é uma atividade que me deixa feliz pelo seguinte: as pessoas quando entram lá, faço uma comparação com a maternidade. Na maternidade parece que todo mundo está sorrindo. Você está no hospital por um motivo feliz, digamos. Quando as pessoas entram na nossa loja eu percebo que elas entram contentes. Às vezes, a pessoa está sonhando com aquele dia de comprar material, a criança de ser matriculada na escola. Nós tivemos uns clientes muito interessantes. Eram operadores de bolsa. Eles saíam estressadíssimos da bolsa, então eles iam à loja no fim do expediente e entravam tão felizes: “Ah, que bom! Aqui é o meu recreio. Vou comprar o meu material, vou comprar material para o meu cavalo”, Então, existia uma ou outra situação assim: “Eu vou guardar no porta-malas, porque a minha mulher não pode ver se não ela vai dizer assim: O quê? Outra vez comprando materiais para os cavalos?” (risos) São situações assim, que a gente curte muito, que ajuda, digamos assim, de encontro a sua pergunta, a valorizar a minha atividade. A gente às vezes até esquece que essa palavra comerciante é a adequada. Foi o começo de tudo. Comerciante ou empresária, o que quer que seja, eu valorizo aquilo que eu faço, porque eu sei que é uma atividade importante para bastante pessoas, viabiliza práticas importante para essas pessoas. E práticas saudáveis.
FINAL DO CD I
P/1 – Então, Vera eu queria agora perguntar, assim, há mais de 20 anos a loja no mesmo ponto, eu queria saber o que é que mudou na avenida? Se você percebeu mudanças na região?
R – Olha, a Avenida Santo Amaro, para dizer a verdade, ela é muito feia. Ela corre no meio de bairros importantes, bonitos, de boa arquitetura e tudo. A Avenida em si, ela é feia. Mudança importante nesses anos foi o corredor de ônibus que não existia, a Avenida Hélio Pellegrino que está uma quadra e meia abaixo da loja e que na verdade, lá na frente, na continuação, você tem a Faria Lima. Uma praça há uma quadra da loja, na esquina com a Faria Lima, que tornou aquele pedaço muito bonito, com uma vegetação bonita. Agora, de muito, muito pouco tempo para cá, a Santo Amaro está se modernizando, ou assim, melhorando o aspecto de arquitetura de alguns imóveis. Acredito que daqui uns anos a avenida vai ficar muito bonita, mas através da reforma dos imóveis que já existem. Alguns são derrubados e dão origem a construções, assim, mais bonitas, mais modernas. O aspecto geral dela não mudou muito, pelo menos ali na faixa onde a gente transita. Agora, para baixo é como eu te falei, como nasceu a Avenida Hélio Pellegrino, aquele pedaço ficou muito bonito. Para a esquerda você vai para Faria Lima, e para a direita subindo um pouco a mesma Hélio Pellegrino você vai dar no Ibirapuera. Então, um ou dois quarteirões depois da esquina com a Santo Amaro a gente já tem quadras muito bonitas, prédios muito bonitos, uma arborização, assim, de valor. Agora eu acho que é um tremendo ponto comercial a avenida ainda. E para nós é muito importante estar lá por causa das hípicas. A gente está entre duas hípicas muito importantes.
P/1 – E em relação ao comércio da região? Tinham coisas que existiam e hoje não existem mais? Ou ao contrário, que passaram a existir agora, nesses últimos anos?
R – De umas semanas para cá foram derrubadas uma ou duas casas mais velhas, um estacionamento velho, e vai sair ali um prédio de escritórios que me parece bastante bonito, mas bem na esquina pertíssimo da loja. Um ou outro restaurante, um enorme Burger King, (risos) mas que é uma arquitetura bonita, toda colorida, melhorou a esquina. Agora, de um modo geral, eu acho que é um comércio tradicional, que está há muitos anos lá. E à medida que eu saio da loja e vou indo lá para cima em direção a Avenida João Dias, eu noto coisas diferentes. Então, prédios, é a mesma Avenida Santo Amaro, mas à medida que vai lá para João Dias, lá para Águas Espraiadas eu vejo já. Eu reparo muito nisso, porque eu gosto muito de arquitetura. Eu vejo prédios novos, eu vejo paisagismos bonitos e diferentes ali, bancos, seguradoras. O nosso trecho eu acho que continua, assim, mais tradicional.
P/1 – Voltando, assim, a sua vida pessoal. O que é que você faz no seu dia-a-dia? Como é que distribui suas atividades?
R – Uma certa ginástica. (risos) A minha empresa, realmente, ela tem uma importância bastante grande. Ela às vezes se torna prioritária, porque são obrigações a cumprir, metas a apresentar. Claro, eu procuro me dividir e também tem esse aspecto quase que social da loja, que é você contatar com as hípicas, você frequentar os concursos. Eu não preciso, claro, de concursos de sexta a domingo, até porque tem concurso o ano inteiro, tem cinco ou seis concursos por semanas em hípicas diferentes, mas esse trato social é importante. Eu gosto de fazer isso também. Então, eu vou às hípicas, eu contato as pessoas, seja com a diretoria, seja com a escola, com os professores, com as pessoas que eu conheço lá dentro, quer dizer, a empresa ocupa uma boa parte do meu tempo. Eu amo minha família, lógico, tenho duas filhas maravilhosas, tenho três netos. Então, todo o minuto que eu posso, até eu estava na casa de uma delas, por isso que eu mudei o endereço. E elas reclamam: “Mãe, pelo amor de Deus, você vai trabalhar outra vez?” eu digo: “Gente! É o meu trabalho! Eu não posso largar”. Procuro me dividir. Moro longíssimo, que é a Serra da Cantareira, então eu gasto um bom tempo no trânsito, em média quatro horas por dia. Nós temos um apartamento pequeno aqui em São Paulo que serve de ponto de apoio, como hoje. Aliás, hoje eu vou dormir na casa da filha, o meu neto exigiu: “Não vó. Você volta para cá, você vai contar o que você falou, a gente quer saber. Eu quero te mostrar o trabalho de escola”. Nas férias a gente, graças a Deus, a gente consegue ir para Búzios. E todo mundo ama de paixão. É longíssimo! Vocês devem conhecer, não? Você chega lá morto. Olha, se vocês não conhecem fica aqui o convite, realmente, de coração! Porque a minha casa fica lá, tem uma pessoa que toma conta, mas seria realmente um prazer se vocês quisessem conhecer a casa, passar uns dias. O convite é para os três. É mesmo! É um lugar tão bonito, que às vezes eu penso que é um desperdício, porque a gente consegue ir no máximo quatro vezes por ano. A gente ia mais. Hoje parece que o tempo encolheu. Então, eu gosto de viajar bastante para fora do Brasil. A gente viaja aqui, procuramos fazer assim, meu marido e eu, uma viagem para dentro do Brasil e outra para fora. Então, agora semana que vem eu vou para Califórnia e para o México, que a gente ainda não conhece. Estou entusiasmadíssima para ver! A gente, meu marido e eu, já lemos meia dúzia de guias. (risos) Mas sempre as áreas que a gente vai tem muito de natureza. Então nós vamos percorrer uma estrada litorânea que dizem que é belíssima na Califórnia, que é de São Francisco para Los Angeles. Vamos dar uma passada no Yosemite Park, que é lindíssimo! Só conheço por fotografias. Quando a gente viaja eu também procuro conhecer os jardins botânicos, então a gente tem essa ligação com a natureza, é uma coisa importante no meu trabalho. O que mais que eu faço? Chega também. (risos)
P/1 – Então, você falou que tem as duas filhas, o que é que elas fazem? Os netos, alguns deles?
R – Um faz os esportes radicais que o pai gosta, quer dizer, inicia-se. Escolheu alguns. Então, é escalada, skate, bicicross, essas coisas assim. É pequenininho, tem dez anos, mas é magro, ágil que nem o pai. O pai não é do mundo do cavalo. (risos) A filha do meio ela fez relações públicas, ela trabalhou um bom tempo numa empresa muito interessante, que ela se deu muito bem. Depois, a outra fez hotelaria, essa que montava, essa que era amazona. Depois, interessante, assim com eu, vê como são as coisas. Porque eu dei uma mudada completamente na minha formação, nada a ver. Eu acho que aportou, claro, coisas para mim, eu uso coisas, sedimentos, daquilo que eu estudei, daquilo que eu aprendi para executar o meu trabalho hoje. E elas também mudaram, elas tomaram conhecimento de um técnica muito interessante chamado kinesiologia. É uma espécie, digamos o quê? De uma terapia aplicada, é uma coisa muito, muito interessante. Claro que não cabe aqui eu ficar falando. Então, elas partiram para esse tipo de coisa, fizeram a formação nisso, aí a mais velha inclusive dava cursos, dava aulas. É assim, por exemplo, tinha médico, psicólogo, nutricionista, quer dizer, pessoas que foram aprender uma outra ferramenta para exercer as suas próprias profissões. Então, é isso que elas fazem. O filho mais velho está comigo há muitos anos na empresa. Ele faz a parte dele, que é bastante importante, principalmente a loja virtual. Essa parte de informática é mais com ele. Meu marido é médico. Graças a Deus hoje está trabalhando um pouco menos. Até para a gente viajar! Porque se não como é que a gente viaja? (risos) E a gente adora sair para comer em restaurantes bons, sair com amigos. Para isso sobra tempo.
P/1 – E o que é que a senhora acha, assim, de ter um filho acompanhando a empresa? Indo lá? Participando do negócio?
R – Olha, isso foi muito bom. Na verdade, os três passaram pela empresa. Os três passaram. As meninas, principalmente, não como uma profissão futura, mas pode se dizer uma participação e um treinamento. Então, os três passaram pela parte administrativa, digamos assim, mas também aprenderam a vender, porque a minha empresa é uma empresa familiar. Hoje menos familiar do que já foi, mas no começo trabalhamos eu, a minha cunhada, já uma das filhas, poucas horas por dia, porque ela fazia faculdade, depois saiu e foi estudar fora, ficou um bom tempo fora. A caçula a mesma coisa. E o rapaz, o meu filho Eduardo, é que continuou mais tempo. Hoje ele está montando um outro negócio. Como ele gosta muito de esporte de aventura, ele está montando alguma coisa nessa área. Então, a participação dele talvez venha a ficar bem menor. Mas hoje a empresa está mais bem estruturada, a gente está profissionalizando a empresa, por exemplo, com um consultor. Temos funcionários bem antigos.
P/1 – E quais foram as lições que você tirou ao longo de sua nova carreira? Nessa área de vendas?
R – Olha, eu cheguei a conclusão que não adianta às vezes a gente planejar muito as coisas. Porque eu jamais pensei que ia ter essa ocupação. Eu percebi que o imprevisto, o bom imprevisto até faz parte da vida da gente. Quando a gente é muito mais nova a gente não quer aceitar isso. Você acha que tem o poder de direcionar a sua vida do jeito que você quer, para onde você quer. E no fim eu não trabalhei com nenhuma das três áreas em que eu me diplomei, seja piano, seja francês, seja direito. Eu fui fazer uma coisa absolutamente fora do meu dia-a-dia. Talvez por causa disso: o inusitado, o diferente, o meu encantamento pela natureza e pelos animais tudo bem, e realmente aquela comunhão entre eu e a minha filha caçula. Eu vendo ela crescer no esporte, ela se encantar pelo esporte, tudo isso formou um caldo que me fez achar que realmente o imprevisto foi muito bom para mim. E que eu usei, digamos, aquilo que eu consegui e aprendi em outras áreas para tentar ser uma boa empresária. Claro que a gente erra muito, tem seus belos tropeços, até porque eu entrei numa área que eu não conhecia nada ou muito pouco, mas eu acho que foi muito bom. Continuo achando que trabalhar, a gente pode até mudar o verbo, eu acho que você ter uma atividade organizada, que te exija um foco e uma disciplina é muito bom. Muito bom para sua formação interior e para dar alegria, por que não? Agora, problemas tem aos montes! Porque é imposto, não sei mais o quê, é tudo quanto é coisa que acontece aqui no Brasil. Então, o negócio é você conseguir ser flexível, quanto mais consegue mais enfrenta melhor as coisas. Então, é isso. É uma atividade que eu desenvolvo razoavelmente bem. Claro, ninguém é super expert naquilo que faz, mas eu acho que conduzo a minha empresa num nível razoável de responsabilidade, de atenção ao público e ao cliente. De respeito realmente. Porque a gente procura realmente respeitar minúcias do cliente. É importante para ele, passou a ser importante para nós. E eu acho que nessa doação, que não deixa de ser uma entrega naquilo que você está fazendo, daí que a gente tira muita alegria. Porque no fim você acaba fazendo bons relacionamentos, até amizades. A gente fez boas amizades por conta disso, de um bom relacionamento, um relacionamento correto, digamos. É claro que a gente deve ter feito bobagens e erros e tudo, mas acho que os clientes simpáticos devem ter perdoado. Outros talvez não devam ter perdoado, talvez nunca mais tenham pisado na loja, mas eu quero dizer que intencionalmente a gente sempre tentou acertar. Para mim eu sabia que era um passo muito diferente que eu estava dando, então eu não podia me dar ao luxo de errar. Eu já tinha feito uma opção já numa idade que eu não era uma jovenzinha, então eu falei: “Hoje eu tenho obrigação de saber o que eu estou fazendo”, e foi dando certo.
P/1 – E qual que é o seu maior sonho?
R – Que pergunta! (risos) Gente, eu não sei. Olha, eu digo não sei porque acho que, graças a Deus, boa parte dos meus sonhos eu realmente realizei. Tudo com um bocado de esforço. Nada foi tão fácil assim. Agora sonho, continuar tendo meus filhos, meu marido, e o restante, algumas pessoas queridas da família por perto, bem de saúde, realizados. Ver os meus netos crescerem, assim, realmente fazendo coisas que os realizem, que os deixem felizes. Eu da minha parte eu especialmente espero poder viajar cada vez mais. Tem muita coisa para conhecer.
P/1 – Tem alguma coisa que você não falou, que gostaria de deixar registrado em relação ao que a gente conversou? A loja, a empresa, a família?
R – Não, acredito que não. Como a gente vai abrindo parênteses e colchetes e outras coisas na conversa, não sei se alguma coisa faltou fechar. Às vezes, você pode ter perguntado alguma coisa e eu desviei, fiquei no desvio e não voltei para o ponto principal. Eu não me lembro. Eu acho que foi uma coisa muito prazerosa. Estou me sentindo assim, eu falei: “Meu Deus! Estou falando faz duas horas! É isso mesmo?” (risos) Eu acho que é uma coisa muito agradável, então fiquei realmente feliz com o convite de vocês. Eu falei: “Que coisa inusitada, que ótimo isso!” Aliás, agradeço. De uma certa forma eu acho que tenho que agradecer para vocês, porque é um registro, um registro adi eterno. Porque se isso não for apagado está aí! Então, eu agradeço realmente que tenha tido, que eu tenha uma história de vida que mereceu essa atenção de vocês. É claro que eu poderia falar mais duas horas, você não tenha dúvida! Mas não é o caso. (risos) Tem tanta coisa que a gente podia pinçar: “Aquilo foi interessante, aquilo foi bonito, aquilo foi importante”, mas é impossível.
P/1 – Então, Vera, em nome do SESC São Paulo e do Museu da Pessoa, a gente agradece demais essa sua vinda aqui, essa sua colaboração na entrevista. Obrigada.
R – Muito obrigada mesmo.
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