IDENTIFICAÇÃO Meu nome é Sebastião Faria Pedroza, sou nascido em Itajubá, mas natural de Paraisópolis. Meu nascimento é 13 de maio de 1978. É que o hospital de Itajubá, na época, tinha mais recursos que o hospital da minha cidade. Era tradição das mulheres quererem ter filhos lá, acontecer aquela prevenção, o jeitinho mineiro: “antes prevenir do que remediar”. Por isso, a minha mãe só foi lá, me teve e voltou para Paraisópolis, onde eu me criei até os catorze anos. Com catorze, vim pra São José dos Campos. FAMÍLIA Meu pai é Venceslau Pedroza de Almeida e minha mãe Maria Rosária de Faria. Meus avós, por parte paterna, José Simões de Almeida e Marina Simões Pedroza de Almeida, e materno, Benedito Pereira de Faria e Ana de Faria. Eram todos ligados na área da pecuária envolvendo o setor de criação de gado e plantações, tudo voltado na área rural. Meu bisavô paterno já pegou um pouco da época da escravidão; até na fazenda antiga tem um pedaço da senzala, então já vem uma tradição da área do campo mesmo. Minha mãe foi criada, meu pai foi criado tudo na fazenda. Isso em Minas, na cidade de Paraisópolis. Depois, com a morte dos meus avós, os meus pais se separaram, desde que eu tinha quatro anos, e com a morte dos meus avós minha mãe resolveu desligar um pouco de lá. Como tinha um tio em São José, a gente mudou. Meu pai continua até hoje em Minas, na mesma fazenda onde ele nasceu; continua tendo a vida dele lá mesmo. A origem da família tem um pouquinho, se não me engano, de italiano, mas é bem pouquinho; está bem na casca mesmo, não tem tanta influência já não. Meus bisavós já são nascidos no Brasil, então é coisa de tataravô mesmo, não tem muito que puxar. Tenho irmãos do primeiro casamento do meu pai com a minha mãe: são duas meninas e dois meninos. Agora, meu pai se casou novamente e tem mais dois irmãos. Os mais novos até que a gente...
Continuar leituraIDENTIFICAÇÃO Meu nome é Sebastião Faria Pedroza, sou nascido em Itajubá, mas natural de Paraisópolis. Meu nascimento é 13 de maio de 1978. É que o hospital de Itajubá, na época, tinha mais recursos que o hospital da minha cidade. Era tradição das mulheres quererem ter filhos lá, acontecer aquela prevenção, o jeitinho mineiro: “antes prevenir do que remediar”. Por isso, a minha mãe só foi lá, me teve e voltou para Paraisópolis, onde eu me criei até os catorze anos. Com catorze, vim pra São José dos Campos. FAMÍLIA Meu pai é Venceslau Pedroza de Almeida e minha mãe Maria Rosária de Faria. Meus avós, por parte paterna, José Simões de Almeida e Marina Simões Pedroza de Almeida, e materno, Benedito Pereira de Faria e Ana de Faria. Eram todos ligados na área da pecuária envolvendo o setor de criação de gado e plantações, tudo voltado na área rural. Meu bisavô paterno já pegou um pouco da época da escravidão; até na fazenda antiga tem um pedaço da senzala, então já vem uma tradição da área do campo mesmo. Minha mãe foi criada, meu pai foi criado tudo na fazenda. Isso em Minas, na cidade de Paraisópolis. Depois, com a morte dos meus avós, os meus pais se separaram, desde que eu tinha quatro anos, e com a morte dos meus avós minha mãe resolveu desligar um pouco de lá. Como tinha um tio em São José, a gente mudou. Meu pai continua até hoje em Minas, na mesma fazenda onde ele nasceu; continua tendo a vida dele lá mesmo. A origem da família tem um pouquinho, se não me engano, de italiano, mas é bem pouquinho; está bem na casca mesmo, não tem tanta influência já não. Meus bisavós já são nascidos no Brasil, então é coisa de tataravô mesmo, não tem muito que puxar. Tenho irmãos do primeiro casamento do meu pai com a minha mãe: são duas meninas e dois meninos. Agora, meu pai se casou novamente e tem mais dois irmãos. Os mais novos até que a gente não tem muito contato. Depois que eu vim pra São José fica um pouco tumultuado porque trabalha, estuda, é aquela correria louca, não sobra muito tempo. O pouco que eu vou lá, eu passo na casa deles, converso. Os irmãos meus de lá são mais novinhos; agora é que estão começando a entender, começar a conversar, ainda têm meio receio quando a gente chega, “Ah, não vai tomar o meu espaço”. Não é bem assim. Mas eu acho que mais pra frente vai ter um contato legal porque não tem preconceito, pelo menos da minha parte, porque é como se diz...: parente, a gente herda; amigo, a gente escolhe. A gente tem que acostumar com tudo que está em volta da gente. INFÂNCIA Vivi na fazenda. Grande parte. Quem sofre muito com esse reflexo hoje são as minhas namoradas, porque lá eu tinha um sistema: de segunda a sexta-feira você ficava na cidade; chegava sábado de manhã, ia pra fazenda; era sábado e domingo na fazenda. Isso era uma coisa rotineira na minha vida e hoje em dia, é tão normal que chega o final de semana, eu não quero sair pra balada. Às vezes, a gente sai, mas eu sinto mais prazer de ir pra fazenda, montar um cavalo, dar uma olhada na criação, do que sair na noite, ver gente. Então, hoje, o reflexo maior da minha infância, quem sofre são as minhas namoradas. Em Paraisópolis, na minha infância, nós tínhamos uma casa no centro da cidade. Daí, chegava o final de semana, desde pequeno, quando minha avó não ia, tinha algum tio que ia e levava. Mas era raro o sábado que não ia. A gente fazia o inverso do povo da roça: o povo da roça ia pra cidade e a gente ia pra roça. No tempo da cidade, quando criança, ia na missa, pegava a bicicleta, a gente ia pros bairros que era mais gostoso, estrada de terra, era poeira, era barro, sem dizer o tradicional futebol - eu acho que é raro as crianças que não tiveram a oportunidade de jogar bola. O cotidiano meu era basicamente de poucas brincadeiras em casa; mais na rua porque cidade de interior, cidade de 12 mil habitantes, saía da escola, almoçava: rua O dia inteiro eu estava jogando bola, andando de bicicleta e algumas vezes em casa brincando de carrinho - que isso faz parte também da infância da gente. Na fazenda sempre tinha uns limites que a gente não podia ultrapassar em questão de andar a cavalo, perto do asfalto, então a gente tinha um limite pra chegar perto, mas criança gosta de desafio. Chegava na fazenda, primeira coisa já era correr atrás de cavalo; a gente gostava - gostava não, até hoje tenho esse amor por cavalos. A gente chegava, já queria pegar cavalo e andar e minha avó dava os limites: “Onze horas tem que voltar pra poder almoçar”. Depois tinha que esperar fazer a digestão pra sair de novo. Na parte da tarde, a gente saía pra andar a cavalo, ia até a cachoeira e ficava lá. Quando tinha alguma obrigação para fazer - a gente mais atrapalhava que ajudava os tios - , mas a gente procurava ajudar. O primeiro cavalo que eu tive foi a égua Baia. Eu tinha seis anos. Meu pai, na época, fazia muito negócio com cavalo, e num desses foi embora a Baia, mas sempre tem um cavalo que diziam: “Esse é seu”, mas era até a hora de vender. Hoje eu tenho um cavalo que é meu porque é fruto do meu trabalho. Esse eu considero mais meu do que os que eu tive, porque os que eu tive chegava um dia e: “Não, não é mais seu”. VIDA ATUAL Hoje, meu irmão é mais voltado para a área de cavalos. Ele é treinador de cavalos e a gente loca um sítio em São José. Meu cavalo fica lá - a gente tem tipo um hotel de cavalos. Cheguei a ter três cavalos, mas de vez em quando você tem que dar fim pelo custo exagerado. A gente é muito apaixonado, mas fui diminuindo, e agora eu estou com dois. TRABALHO Na fazenda a gente sempre ajudava a fazer alguma coisa. Na época de novembro, por exemplo, tem vacinação de gado e como estava lá, ajudava. Também chegava e tinha que arrumar a cerca: a gente ia, mesmo pequeno, não tendo noção, os tios mostravam aquilo pra gente, que não era só lazer, pra gente não ter aquela imagem: fazenda de fim de semana, você vai e só tem as coisas boas, mas pra nós, desde pequenos, já foram os tios muito severos, mostrando o caminho do serviço. Chegava e tinha que tratar também de porco, galinha, até mesmo limpar - que era a coisa que eu mais detestava, porque tomava um tempo e era mais sacrificante - , como parte das obrigações. FAMÍLIA Lá era separado. Como a família é grande, com vários primos, pra não dar muita briga, sempre ia um primo de cada casa. Então era eu e meu primo, que é como se fosse meu irmão. Daí ninguém agüentava, porque já era mais entrosado e já levava os outros pra não dar tanto peso pra eles. Quando eu falo nós, é mais os primos do que os irmãos. EDUCAÇÃO Estudei em Paraisópolis. Primeiro o pré foi no colégio de madre, que existe até hoje lá. Depois passei pra um grupo até a quarta série, e então para um ginásio lá. Hoje mudou muita coisa em relação ao ensino. Na ocasião, no grupo, eu tive aula com uma prima minha. Teve uma vez que eu fiz uma baderna lá e ela me catou pela orelha - da minha casa até a escola dava, mais ou menos, quase um quilômetro - , ela foi puxando minha orelha da escola até a porta da minha casa. Essa foi uma cena que marcou muito minha vida. Como diz: “fez por merecer”, não foi à toa não. A escola era rigorosa, tanto que depois eu passei pro ginásio e, por azar meu, a inspetora de alunos era tia minha. Então a cobrança era grande, tanto que eu não agüentei: com nove meses de escola, já afinei a viola e falei: “Ah, não é pra mim não, isso de estudar”. Afinei a viola quer dizer: desisti. Tentei de novo, não consegui. Foi, mais ou menos, esses empurros aí. MIGRAÇÃO Com catorze anos eu mudei para São José. Eu tinha um tio meu aqui em São José, que era estabelecido desde os anos 70. Ele falou pra minha mãe: “Não tem tanta opção para seus filhos aí; pelo menos aqui, vai ter mais campo pra eles”. Daí minha mãe resolveu, muito magoada com a perda dos pais: “Vamos tentar, pior do que está não fica”. E, graças a Deus, se olhar pelo balanço final, valeu muito à pena ter vindo pra cá. Eu já conhecia São José de vir acompanhar meus avós quando iam ao médico, mas nunca tinha andado na cidade. Era mais de chegar e ficar na casa de um tio, ficar brincando. Eu era criança, então não conhecia. Daí quando a gente veio pra conhecer aconteceu um fato muito engraçado. Meus amigos falam assim: “Você é jacu mesmo”. Meu tio morava num apartamento de frente para o banhado, na avenida principal. Eu acordei cedo - porque na casa dos outros, por mais que você esteja acomodado, você nunca está bem; acho que não há nada melhor que a cama da gente - acordei cedo, época de janeiro, saí na sacada - ele morava no 16º andar - olhei na sacada, aquele nevoeiro baixo, não enxergava nada, eu falei: “Nossa acabou a cidade”. Porque eu não tinha reparado no banhado. Daí, aquela neblina: “Nossa, que fim de mundo que minha mãe vem me trazer. É aqui que nós vamos morar”. A partir daí nós começamos a conhecer a cidade. Eu sou muito xereta, de sair, ficar andando, bater perna. Eles ficavam preocupados porque eu nunca tinha vindo. Não é que nem cidade pequena, que se você se perde alguém te acha e te leva pra casa. Mas, foi muito boa a experiência: um mês depois, a gente já mudou. A adaptação foi muito difícil pra mim, eu senti bastante. Fui a pessoa que mais sentiu porque chegava fim de semana, não agüentava ficar em São José. Pegava, se não tinha dinheiro pra ir de ônibus, pegava e descia na estrada, ia de carona embora pra Paraíso. Minha mãe ficava desorientada. Pedia carona de dedinho porque lá já é costume. Quando eu ia pra fazenda da minha avó, quando meus tios não iam, ou ia de bicicleta ou senão descia na beira da cidade e ia de carona. Ia pro centro de lazer que tinha lá. Quando era época de calor, que a gente ia, descia quando estava com preguiça e pedia carona. Isso foi uma coisa que a gente cresceu vivendo. Apesar de não fazer tanto tempo, não havia tanto risco como há hoje. Realmente, as pessoas não tinham tanta maldade. Eu andei dois anos na base da carona. Não na Dutra. Ali tem a estrada que vai pra Monteiro Lobato, que é uma saída que a maioria dos meninos anda, a gente não gostava de ir pela Dutra porque aumenta em muito a viagem. Descia lá - é uma estrada mais estreita, tem um posto de gasolina - , sempre ficava ali. Ali ficava duas, três, às vezes quatro horas esperando a carona pra ir. Depois que estava lá, não queria ir embora. Grande parte da carona era em carro pequeno. Às vezes, coincidia de pegar com um conhecido - que tem bastante gente que vem; a gente fala Minas, mas é perto, uma hora e vinte de moto, uma hora e meia de viagem. Tem muitos produtores que fazem queijo e trazem doce pra vender aqui, então a gente sabia. Eu, pelo menos, depois que me habituei a pegar carona, sabia o dia que fulano ia e o horário. Então já descia lá e ficava esperando. Tinha catorze anos. Minha mãe, nossa, ficou doida. Eu dei bastante trabalho, acho que dos meus catorze aos dezoito anos ela penou bastante. FAMÍLIA Meu pai, na década de 80, logo que ele se separou da minha mãe, ele saiu de Paraíso e veio pra Caçapava. Daí ele tinha fazenda ali e mexia muito com criação: trazia cabrito do norte de Minas pra implantar aqui no Vale do Paraíba. Ele ficou uns dez anos, acredito eu. Nessa época, todas as nossas férias de julho, dezembro, a gente vinha ficar aí. JUVENTUDE Não tinha muitos amigos. Mais eram os vizinhos, mais próximos. Na escola em São José, com dois meses, já não quis saber mais de estudar. Foram adaptações diferentes: cidade nova, você saí de uma cultura que você... Eu falo que se eu tiver a oportunidade, eu quero criar meus filhos numa cidade como lá. Hoje, eu tenho sobrinhos e você vê que não tem tanta perspectiva de uma infância gostosa. Não que não vá ser feliz, mas ela vai ser muito mais... Porque lá você tem uma liberdade que criança precisa; muitas coisas você aprende. Se via lá sozinho, a gente pegava a bicicleta e andava quinze quilômetros no dia. Hoje, se você falar que vai andar quinze quilômetros em São José, o pai tem um ataque do coração. Então tomei esse choque de adaptação. Com isso, eu não me sentia bem, meu refúgio era ir pra lá. Era aquele negócio: eu nunca quis vir. Hoje eu agradeço porque está sendo muito melhor do que se eu estivesse lá, só que naquele tempo... A gente não sabe muito o que vai ser bom e o que não vai ser. Por isso, o meu refúgio, quando dava aquela depressão: “Vou pro Paraíso, que lá eu me sinto bem”. Tinha os amigos vizinhos e eu não me adaptava muito por causa disso: porque eu não queria estar bem em São José, eu não queria expandir essa amizade, pra não conseguir ficar, então era mais fugir mesmo, de ter que ficar em São José. Os seis primeiros meses não tinha grupinho, amigos. Depois minha adaptação veio porque eu sempre fui muito ligado a rodeio, desde pequeno. Chegava final de semana, depois que eu chegava da fazenda, no domingo, na minha cidade - tinha um recinto em Paraisópolis e lá os peões iam treinar - e aquilo ali, eu fui crescendo naquilo; e na época, eles levavam os bezerros menores e eu também já comecei a montar. Isso foi crescendo dentro, junto comigo, com a minha infância. Além do mais, meu pai foi peão também. Ele saiu e eu herdei dele essa vontade, esse gosto pelo rodeio, e com isso, fui me adaptando. Quando eu vim pra São José, eu procurava o quê? Quando não ia pra Minas, eu procurava onde tinha rodeio em São José e ia atrás. Nisso, eu fui conhecendo o pessoal e nesse meio eu me entrosei. Foi quando eu consegui ficar mais em São José: ficava de segunda a quinta. Chegava quinta, eu ia viajar pro rodeio, falava pra minha mãe que ia pra Paraíso, mas não ia nada, ia viajar. Dos catorze aos dezessete anos eu andei bastante, andei atrás de rodeio pra fugir de São José. Eu ia pra montar. A gente dava uma mão pras pessoas, na área da montagem, da estrutura. Em troca disso, eles davam a inscrição pra gente, sem aquela burocracia que existe, fazia vista grossa e deixava em troca do serviço, a mão-de-obra. Porque eu era pequeno, mas consegui através disso. Daí, a gente foi deslanchando. TRABALHO Em São José não tinha tanto rodeio. A companhia em que eu trabalhava ia atrás de fazer muito rodeio no estado do Rio de janeiro. Descia e ficava um mês, depois voltava, ficava quatro ou cinco dias em casa, e voltava de novo. Era o momento em que o Rio estava descobrindo o rodeio. Então, nesse tropeiro, eu consegui fazer bastante eventos nessa área. Em São José, mesmo, sempre foi uma média de cinco, seis por ano porque cidade grande... Se for picotar pelos bairros, tinha uma variedade maior. Em São José, geralmente, eles faziam os rodeios na região norte, na região sul, em todas as regiões. Na área central era mais difícil. Bairro de Santana, o Novo Horizonte, que é um bairro mais afastado, Jardim Minas, Parque Industrial, também é bem perto do centro. Mais afastado mesmo é a região do Novo Horizonte porque a zona norte já está bem perto do centro, e na zona norte tinha um clube que era só desenvolvido pra isso, chamava Clube do Alto do Santana. Isso, hoje, não existe mais. No princípio fui melhor. Depois eu comecei montando em touro e descobri que é o gado [o] mais difícil da história. Todo mundo é assim. Daí, o tropeiro também tinha rodeio de cavalo e meus resultados eram melhores em cavalos. Eu passei a disputar o rodeio em cavalo e com o passar do tempo, ao invés de eu ir me aperfeiçoando e querendo estar mais dentro, eu fui me desligando. Isso aconteceu no finalzinho de 92, 93, 94 em diante. Eu já ia a menos rodeio; eu ia uma vez por mês, porque eu já estava mais adaptado a São José, ficava mais em casa. Fui me desligando mais do rodeio por ver que, por mais que eu gostasse, eu acho que ali não ia me dar o futuro que eu planejava. Então, eu falei: “Vou fazer duas coisas ao mesmo tempo”: voltei a estudar e ia uma vez por mês, pra não me prejudicar tanto nas aulas. Com isso fui desligando. Aos dezoito anos, acho que foi um foco tão grande da minha vida, que pá: deu um branco, vamos mudar o sentido da vida, vamos ver o que foi feito de bom, o que foi feito de ruim e procurar melhorar daqui pra frente. Tirando uma média, eu tinha um aproveitamento de uns 30%, eu tinha um aproveitamento nessa faixa. Até hoje, de vez em quando, eu faço umas apresentações. É uma coisa que eu costumo dizer, que é pior que qualquer vício: você não consegue desligar. Ainda mais eu, que trabalho no meio mesmo, vendendo acessórios. Por isso que eu acho que eu cresci tanto no mercado: porque eu gostava tanto e era uma maneira de eu estar perto sem fazer o que eu queria, mas eu estava convivendo com as pessoas que eu gostava, as pessoas que falam a mesma língua. Então foi se tornando mais fácil. Hoje, que eu não dependo mais disso, do rodeio, o meu percentual aumentou para 80%. De dez cavalos que eu monto, hoje eu caio de dois. Isso aí, se fosse numa época atrás, eu não tinha largado mão do rodeio. Só que hoje, eu tenho consciência que aquilo ali é puro hobby, mesmo que andar de bicicleta. É um hobby que muita gente não gosta: “Mas é perigoso”. Perigoso se você não sabe o que está fazendo. Se perguntar se eu tive alguma fratura, alguma coisa: eu nunca tive, graças a Deus. Não é que não vá acontecer mas eu, graças a Deus, nunca tive uma fratura, nunca fiquei afastado por motivo de rodeio. O tropeiro era o Genésio Caxias. Tem esse nome porque ele era o dono da companhia. Tropeiro tinha a tropa. Isso vem daqueles que carregavam as coisas no lombo do burro. No rodeio surgiu o tropeiro por ser tropa. Quem tem uma estrutura metálica virou tropeiro, é o nome do empresário, hoje virou o empresário, se globalizou. Ao invés de ser tropeiro, agora é o empresário do rodeio. Na realidade, o tropeiro, se você for buscar o que é, é quem mexe com tropa e o empresário é outra pessoa. Pra mim, tropeiro é o organizador; é quem vai atrás. Só que hoje, como tem a terceirização de tudo, isso aí já não existe. O tropeiro hoje é o que menos faz: ele só leva a tropa dele, presta o serviço e vai embora, porque quem organiza mesmo as grandes festas já não são mais eles. Tem uma linguagem específica do rodeio. Agora já melhorou bastante. Basicamente gira em torno de gírias, por exemplo “abeia” - é o mais usado até hoje, até em baile a turma usa esse termo - é a pessoa que está no meio, acha que sabe e não sabe nada. A gente fala peão “jaine”, peão de abertura, peão de sexta-feira, monta um dia só no rodeio. “Mala de loco”, que é a pessoa que monta no animal e consegue alcançar o objetivo, que é os oito segundos, mas não consegue dominar o animal, fica pendendo de um lado para o outro. Os termos mais utilizados são o “abeia”; o “mala de loco”, que não domina a montaria; peão jaine. Por que jaine? Porque Jaine sempre ia aos rodeios pra fazer a abertura, então isso aí ficou um pouco marcado também. E se você for puxar tem várias outras gírias, tem bastante coisa que se utiliza. O peão sobe no cavalo e tem que ficar oito segundos. O objetivo dele é oito segundos. O julgamento ocorre da seguinte forma: 50% da nota depende do animal, e os outros 50% do peão. Avalia o grau de dificuldade que o animal proporcionou e o grau de equilíbrio com que o peão dominou a montaria. Assim ele avalia a nota de zero a cem pontos. Então, o cavalo mais bravo, que salta mais, que dificulta mais... Porque, às vezes, o cavalo salta alto, mas ele só vai no mesmo sentido, e não dificulta. Agora, o que dá vários tipos de salto já dificulta mais a montaria. E se o peão dominou melhor a montaria, ele vai ter maior nota. E o peão tem uma obrigação, que é o esporear, ele tem que esporear o tempo todo da montaria. Não escolhe o cavalo que você vai montar, é tudo na forma de um sorteio. Os animais, todos eles, têm nome e são numerados. Horas antes de o evento acontecer, sai um sorteio. E esses animais são responsabilidade do tropeiro. A mesma coisa com o touro. Só o equipamento que o peão utiliza que é dele, o resto já vai da parte do tropeiro. Na montaria de cavalo, o peão usa a espora, a rédea, a calça de couro, os estribos, chapéu, colete de proteção - que hoje grande parte deles usam. Basicamente é isso. O cara que vai montar o touro soca a mão porque ali ele passa uma cola, pra não escorregar a mão na corda. Na hora que ele está batendo, ele tá compactando mais essa cola. Minutos antes, ele passa um pó, que chama breu, e quanto mais ele apertar, vai dar mais firmeza, vai escapar menos, que é muita pressão, muita força naquele momento. Tem uma técnica pra cair. É importante saber cair porque, por exemplo, o peão de touro machuca mais por causa disso, cai mais, se ele já sabe mais ou menos como cair, ele vai se machucar menos. Hoje é até mais fácil montar do que antigamente. Quando eu comecei não tinha equipamento nenhum de segurança. Hoje tem tudo, hoje se modernizou muito, é um esporte que muita gente diz: “Ah, é caro”. Mas só que são os produtos de prevenção. Se você for analisar, depois que você se machucar, você vai gastar muito mais do que no equipamento em si. Hoje tem centro de treinamento, você não precisa... Na minha época, você tinha que ir para o rodeio pra aprender a montar. Não tinha onde treinar, a não ser em fazenda, e aprender da maneira errada. Hoje não: hoje é como jogar futebol, se você quiser ter um treinador pra te ensinar, você vai ter esse treinador. No meu tempo, você tinha que ir na cabeça de todo mundo. É aquele negócio: quer queira, quer não, as pessoas estão ensinado pessoas pra disputar com elas, então não vai ensinar da maneira correta mesmo. Quase todas as cidades têm o tropeiro. Hoje tem o tropeiro, tem o centro de treinamento, porque ele precisa treinar os animais dele também, e geralmente nessas cidades tem uma pessoa que já viveu disso e o cara sabe. Se você procurar, você consegue descobrir quem que é, e a partir daí você vai saber se as pessoas são capazes de te ensinar ou não. Mas quase todas as cidades hoje têm onde você treinar. São José tem dois lugares; Caçapava tem um; Taubaté... Taubaté, eu acredito que não tenha, mas Pinda já tem. É que cresceu muito o rodeio. Agora, por causa da economia do país, deu uma estabilizada, não está aumentando, mas ele está numa proporção muito boa. Até uns trinta anos, o peão de touro, trinta, 35 anos. Peão de cavalo tem com 45 anos montando até hoje. Vamos pôr a média de até 38, 39 anos como a idade que o peão pode montar. Nas provas de cavalo esporte, aí não: aí até com uns setenta anos, se o cara quiser laçar, consegue. Porque já não é um esporte que depende tanto do preparo físico. Depende, mas não agride tanto a saúde da gente. Isso aí é um esporte que está em crescimento, está em alta, vem aumentando cada vez mais e se fortaleceu muito. As mulheres não montam. Tem algumas que tentam. Não é preconceito. As mulheres: “Ah, vocês são tudo machistas”. Não é. É, realmente, um esporte muito... Tem coisa mais radical que mulher consegue fazer, só que aí é muita força. A pessoa que nunca montou acha que não é, mas é muita, realmente. É uma distribuição de força muito grande, e a mulher, a estrutura da mulher é mais frágil do que a estrutura do homem. A estrutura física, não o resto, a inteligência não tem nem o que comparar, tanto que no esporte, no cavalo, tem uma prova que é só voltada pra mulher, que chama prova de três tambores. É voltada só pras mulheres. Tem homens que fazem, mas é um esporte voltado mais pra mulher. Agora, nas montarias mesmo... Tem caso de mulheres que montam, mas só que não é uma coisa que tenha tanta cultura porque realmente as mulheres vão indo, chegam com dois, três anos e elas vêem que não agüentam, o corpo não vai acompanhando. Porque judia muito, desgasta muito a gente mesmo. Não é questão de machismo. Tem toda condição, mas só que - principalmente a montaria de touro, o touro pesa, em média de oitocentos a novecentos quilos - distribuir a força para um animal daquele, é bem difícil. O tempo de participação da mulher é curto. Depois a mulher vai cair na realidade, ver que tem outra coisa mais interessante pra você fazer dentro do rodeio, você participar, do que você ficar competindo. É um suicídio, porque você vai chegar com trinta anos e vai estar toda estourada. Se você pegar, vai, viver até sessenta: metade da sua vida você já acabou. Então por isso que eu acredito que não tenha evolução no rodeio na parte de montaria. Na parte cronometrada já tem mulher que laça. Aí que eu falo: já abriu mais ramificação, foi vendo: “Aqui eu acho que eu vou me dar bem”. Tem uma prova que chama rédeas, tem bastante participação de mulher; no enduro ocorre participação de mulher; no hipismo. Então, dentro, tem bastante. Agora, na montaria de touro que não tem muito espaço pra crescer, porque realmente é muito violento. Só por esse motivo. No público tem bastante mulheres. Nas festas, se for analisar, se não der 60% de mulheres e 40% de homens, é bem próximo disso. JUVENTUDE Os bailinhos de garagem, eu tive lá em Paraíso. Depois que eu vim pra São José, não corria atrás disso aí porque eu não me sentia bem. Acho que a partir do momento que você começa a saber o que é certo, o que é errado, o que é bom, o que é ruim, você vai atrás do que é bom; o que é ruim você vai deixando pra trás. Isso, pra mim, como não faz muita diferença na minha vida, eu deixei de lado. Eu não ia muito atrás, mesmo porque, todo fim de semana tinha rodeio pra ir. Então, se eu realmente quisesse sair, eu ia atrás do rodeio. Isso até dezoito anos. Com dezoito anos eu já comecei a trabalhar no setor de loja country. A princípio, minha prima já tinha a loja em São José, uma chapelaria tradicional na cidade, Casa são Jorge, e aí que acontece... Surgiu a primeira loja em São José, foi instalada em 1996. Eu entrava na loja e ficava alucinado, eu me via trabalhando lá. Daí quando saiu, era perto do meu bairro, e nessa época, em 1996, já tinha a explosão do country em São José, tinha uma casa noturna que promovia bailes todas as semanas e eram super bailes. Então eu já me via, eu entrava e ficava alucinado, entusiasmado, fazia a paixão, o coração bater mais forte. Daí, em 97, ia abrir uma loja no shopping - e por isso que eu falo, tem um pouco do destino nessa história - porque a arquiteta que projetou a loja era amiga da minha prima, e conversando e tal, daí ela falou: “Estou selecionando o pessoal pra trabalhar na loja”. E a minha prima: “Nossa, eu tenho uma pessoa que é ideal”. E tanto que no processo seletivo da loja já tinham sido escolhidos todos os funcionários, e depois que eu fui apresentado pro dono, faltando uma semana pra loja abrir, ele falou: “Não, gostei muito de você, eu vou tentar te encaixar”. Me mandou pra matriz, que é Presidente Prudente: fiz o teste, fiquei lá uma semana e, graças a Deus, deu tudo certo. FAMÍLIA Essa Casa São Jorge, que vendia chapéu, era do tio do meu pai. Desde, de, se não me engano, 1947. Foi do pai dele e passou pra ele. Vendia chapéus e materiais esportivos também. Daí, na década de 90 é que eu conheci minha prima. É tão engraçada essa história, porque a família era muito grande e por causa de eu não ter muito interesse de ir atrás - era mais para o lado do meu pai, prima do meu pai - , e por não ir muito atrás, eu não sabia que eu tinha muitos parentes em São José, não sabia onde encontrá-los. Um dia eu fui na loja dela pra olhar um chapéu, pra comprar, e tem um boné meu que tem o meu sobrenome dentro: Pedroza. Daí eu estava experimentando o chapéu e coloquei o boné em cima do balcão, ela pegou o boné e olhou: “Pedroza”. Ela falou: “Porque esse Pedroza seu é com Z?”, aí eu expliquei e ela falou: “Mas, Pedroza com Z, de Paraisópolis, só pode ser primo”. Puxou e realmente era. Ali começou um contato mais forte. Ela tinha vontade de entrar no country, mas não tinha noção por onde começar. Como eu já estava no meio, fui dando alguns toques pra ela. Ela achou legal, investiu, correu atrás, e deu seqüência. Depois disso, nunca apareceu oportunidade de eu trabalhar com ela. Esse meu tio, da Casa São Jorge, conheço muito pouco a história dele. O que eu sei é que veio do pai dele, passou pra ele, depois ele foi tocando. Com sessenta anos parou um pouco e passou pras filhas. Depois as filhas, não sei direito, não quiseram tocar mais - foi queda de movimento, alguma coisa relacionada, desse tipo. Mas, essa minha prima Fernanda até hoje trabalha no comércio, trabalha numa loja em São José, lá no Center Vale. Sei que tinha chapéus de tudo quanto é jeito, de todos os modelos, tanto que, até hoje, as pessoas comentam que em São José tinha uma loja boa. E eu sei que é a loja dele porque era uma loja tradicional. Vendia todos os tipos, todas as marcas, modelos de chapéu. Entrava lá e tinha chapéu social, tinha boina, tinha todos os modelos. A gente abrange mais a área voltada pro country, mesmo. TRABALHO Na loja do shopping eu fiquei dois anos e pouco. Chamava Cowboy, lá no Shopping Colinas. O primeiro impacto foi forte, em termos de mídia, mas só que é um lugar que não combina tanto com o público-alvo da gente, porque é um público pequeno, restrito, e é uma controvérsia com o shopping e o meio rural. Aquele choque urbano e rural, no princípio, houve um pouco de rejeição. Agora o povo já está mais habituado a ir em shopping. Eu mesmo não ia em shopping, eu ia pra comer McDonald’s ou pra ir em cinema; fazer compra, nunca. Porque o que eu queria comprar não tinha pra vender - começava por aí. E pra passar e ver vitrine, não tem graça, pelo menos pra mim. Mas mesmo assim foi uma loja que deu certo, chegou na época certa. Os produtos, na época que saiu, eram 70% importados. Em 98 teve aquela explosão do dólar, e foi uma loja que sofreu bastante com isso. Eu sempre perguntava pros donos: “Mas por que não tem esses mesmos produtos fabricados no Brasil?”. Eles falavam: “Porque não tem ainda público pra tudo isso. Então a gente que precisa de grandes empresas pra estar injetando dinheiro, pra sair um produto de qualidade”. Hoje já é o inverso: 90% de uma loja country já é de produto nacional e só 10% é importado. COMÉRCIO Até hoje os consumidores em potencial são os criadores de cavalo, os competidores dos esportes voltados para a área do cavalo e o público de baile. Cresceram muito as festas noturnas voltadas para o country, em São José. São José parou esse ano, porque não tem uma casa noturna voltada pra isso, que faz só o trabalho do country. 96, 97 até o ano de 2000 tinha uma grande casa. Depois, 2001, 2002 tinha outras casas que conseguiam fazer bailes. 2003 agora, a explosão está em Taubaté, Taubaté está uma febre do country agora. A turma viaja, a maioria do pessoal que compra na loja vem passear em Taubaté, porque São José parou, deu uma esfriada. O público mesmo é quem vive, que tem isso como estilo de vida e não como moda, porque o público da noite tem isso mais como moda. No meu caso: eu tenho não porque é legal; é porque é realmente um estilo de vida. Eu nasci nesse meio, cresci e até hoje permaneço. Tanto que eu vou pra faculdade, chego assim. A turma até, a princípio, todo mundo acha meio estranho, acha que é só aquele dia. Agora não, tanto que esses tempos os professores estranham, porque quando eu não vou de boné, já acham que eu não estou na aula, já ficou identificado. Tem bastante gente que adota isso como estilo de vida mesmo, e não como moda. Tem variações nesse estilo. Se você pegar na árvore genealógica de qualquer família, todo mundo teve um avô, uma avó que teve fazenda, ou tem um tio... Então você vê, você sente isso aí em São José, uma cidade grande. Grande parte da cidade hoje é de público urbano, só que você vê pessoas que não têm nada a ver, que entram na loja: “Eu tenho um primo que ia amar, eu tenho um tio que ia gostar”. Se você puxar, todos nós viemos de uma família que um dia sobreviveu da terra, que viveu lá no mundo rural, que graças à industrialização se afastou um pouquinho. Mas todo mundo tem um pouquinho, um sanguinho de roça ali na veia. Uma área que é complicada para nós, no country, é a área feminina. É uma área pouco explorada, não pelos varejistas e sim pelos fabricantes, porque eles não apuram mais, não entram tanto nesse mercado. Eles esquecem que o cara que consome tem uma esposa, esquece que o cara tem uma filha, esquece que o cara tem uma irmã. Eles só objetivam no consumidor que é o peão, esquecem do que está ao redor dele. O público feminino é um pouco mais restrito, devido à carência de materiais, não porque não tenha mulher que goste. Eu enfatizo isso sempre com todos os meus fornecedores. Tem que investir mais, mesmo porque a mulher consome mais, mulher tem mais facilidade pra gastar do que o homem. Dentro da loja, hoje, 100% dos meus produtos são country. Saiu muita coisa de modinha, principalmente na área feminina. Pra você ter uma idéia, camiseta em V masculina eu não compro pra pôr na loja porque eu já acho que é uma coisa que vai sair um pouco fora do segmento do country. Poderia vender muito bem e ia conseguir vender, mas eu procuro ter produtos sempre voltados para o meu setor, que é o setor country, tanto que você vai lá, tudo faz lembrar um pouco de cavalo, faz lembrar esse estilo, porque eu não quero fugir muito da cultura. Um pouco do rodeio hoje fugiu do que era antigamente, que era o folclore, era a festa do peão de boiadeiro. Hoje ninguém mais lembra que isso era folclore. A gente tem que valorizar a cultura nossa, porque é uma coisa tão bela. Eu penso comigo, uma cultura que eu acho bonito demais é do povo do Sul. O amor que eles têm à terra deles é uma coisa impressionante. Eles valorizam mesmo a cultura. No country aconteceu uma expansão muito grande e a turma esqueceu um pouco esse lado, está deixando morrer um pouco a raiz disso. Agora está tendo alguns movimentos de tropeirismo que estão resgatando um pouco, um pouco porque grande parte, eu tenho por mim, que está acabando porque virou um show business, falam só em megaeventos. Antigamente o rodeio sobrevivia só do encontro dos peões. Hoje, se não tem um grande show atrás, já é mais difícil acontecer. Acrescentou o show business como a explosão do evento, associou o rodeio e o show, mas eu tenho por mim que ele tem condições de sobreviver sem o show. Só que é um casamento: só tem condição se a gente voltar a valorizar a época do folclore. A moda feminina no country é muito masculina; é baseada no que o homem usa. Tanto que as mulheres entram na loja e falam: “Aqui só tem camisa bonita pra homem Falta você entrar na área feminina”. Eu assisto muito fitas de rodeio americano, videoclipes, e você vê que as mulheres, às vezes, vestem saia, bota, e fica bonito. Aqui no Brasil não consegue rodar isso porque não tem uma marca que trabalhe em cima disso, que mostre que é possível ser usado. Daí, as mulheres acham que usando isso está fora, é brega. Não é, aquilo é o lado feminino. Até mesmo aqueles vestidos longos com bota, o chapéu mais delicado para mulher... Recentemente eu tive que brigar com um fornecedor meu pra ele desenvolver um chapéu mais voltado pra mulher, porque entra mulher na loja: “Qual é o chapéu feminino e qual que é o masculino?”. “É tudo unissex.” É unissex pra nós vendedores, mas não é. Realmente, o rosto da mulher é mais delicado, a fisionomia da mulher é mais delicada, então tem que ser uma coisa mais delicada. Em relação às botas, é a mesma coisa: eles fazem uma bota mais voltada para o padrão de pé masculino, não de pé feminino. As calças não: as calças já é um mercado que está crescendo bastante, já vem alguma coisa com detalhes, já é o country fashion, que já está crescendo bastante. Essa área, eu tenho por mim, que já é uma grande conquista de nós, varejistas. Por causa disso já estão investindo mais, uma parte mais delicada. Nas mulheres precisa de algo mais. TRABALHO Um pouco eu já tinha trabalhado no comércio, porque quando eu tinha doze anos, como eu não queria estudar, minha mãe falou: “Então você vai trabalhar”. E comecei a trabalhar numa leiteria perto da minha casa, um distribuidor de leite. Pegava uma caixa de leite, ensacava o leite, colocava numa caixinha e levava de bicicleta nas casas. Esse foi o primeiro contato com o público, com o comércio. Quando eu resolvi parar com o rodeio e dar continuidade ao meu estudo, comecei a trabalhar no mercadinho: mais contato ainda com o público. E eu costumava modelar chapéu. Porque o chapéu, geralmente, vem reto. Daí você põe no vapor e dá o molde pra ele. Sempre que tinha chapéu pra modelar, na loja da minha prima, ela ligava e eu ia lá e fazia. Nisso já começou o meu entrosamento com o setor de vendas, já estava vendendo um serviço meu. Depois foi se tornando mais fácil, porque eu acho que a partir do momento que você está fazendo uma coisa que você gosta, é mais fácil você aprender. O primeiro mês de trabalho meu foi em dezembro, uma loucura. Trabalhava das dez da manhã até as onze horas da noite. Acho que aprendi do jeito mais difícil. Mesma coisa do que jogar você lá no meio da água - eu aprendi a nadar desse jeito - te joga lá no meio: “Agora se vira”. Tinha uma estrutura, o gerente e as outras pessoas também tinham noção de venda, mas não tinham noção do produto; eu tinha noção do produto e não tinha noção de venda. Então foi meio que um entrosamento forçado que no fim, graças a Deus, deu certo. Então eu corri atrás. Aos poucos fui fazendo curso pra melhorar um pouco o atendimento, porque lidar com o público, eu acho que é uma das profissões mais complicadas que tem. Cada pessoa você tem que tratar de uma maneira: a mesma teoria que eu uso pra você não serve pra ela, então é um pouco complicado. Eu não agrado todo mundo, mas uns 75, 80% eu acho que eu estou conseguindo agradar. EDUCAÇÃO Eu fiz um curso de comércio pelo Senac, que foi de um dia. Depois o shopping também trouxe um palestrante. Aí, uma vez por ano, eu procurava fazer, porque é bom pra você dar uma reciclada, porque o comércio estressa muito a gente. Às vezes, você está fazendo alguma coisa errada e você não percebe; você vê uma pessoa falar alguma coisa e, realmente, é aquele negócio. Só não aprende quem mente pra si mesmo. Por exemplo: eu sei das minhas deficiências, e se eu vou numa palestra e o cara está falando algo que eu não quero que seja pra mim, eu vou estar mentindo pra mim. Então foi aí que eu fui melhorando, aos poucos, por causa disso. Todo ano, cada seis meses, eu sei que tem uma palestra. Nem sempre dá pra gente ir porque, às vezes, o custo é alto, ou naquele momento você não está podendo gastar. Mas eu procuro sempre, pelo menos uma vez por ano, freqüentar uma palestra dessa, que é bom pra dar uma mexida com você, porque você precisa cada vez de mais estímulos pra dar seqüência no dia-a-dia. TRABALHO Fiquei na loja do shopping de dezembro de 97 até março de 2000. Eu saí da loja numa terça-feira à noite, por uma porção de desavenças na rede, porque a loja tinha uma aqui em São José, uma em São Paulo e uma em Presidente Prudente. Nesse momento, eu estava em São Paulo. Em Presidente Prudente tinha alguma coisa dando errado e os donos acharam que o problema estava nos funcionários, então os três gerentes foram mandados embora. Conseqüentemente, os três melhores vendedores das lojas foram mandados embora. Numa dessas entrou a forca em mim, mas foi a melhor coisa que aconteceu. Ali, naquele momento, meu mundo acabou, abriu um buraco grande. Peguei meu carro, enchi com as minhas coisas em São Paulo e fui embora pra São José. Cheguei e falei: “Nossa, e agora?”, desabei, pra mim acabou. Fiquei no sítio de um amigo meu pra dar uma refletida, e quando foi na segunda-feira à noite, eu fui num baile que, na época, era no bingo de São José. Toda segunda-feira tinha country - por isso que eu falo, São José já teve um boom, porque tinha festa segunda, terça, quarta, quinta e sexta, de você não conseguir ficar em casa. Como eu estava à toa, não tinha nem hora pra acordar no outro dia, eu falei: “Eu vou numa festa”. Cheguei na festa assim, estou lá... Uma coisa aprendi com um cliente meu que falava muito assim: “Trate bem o seu cliente de hoje que ele pode vir a ser seu patrão amanhã”, e hoje, meu patrão foi um cliente meu, vendi várias vezes pra ele. E eu estava na festa, passeando, ele falou: “Uai, que você está perdido aqui?”. E eu falei: “Tô aqui”; “Mas você não está em São Paulo?”. [Há] 60 dias atrás, ele tinha feito uma compra comigo. Falei: “Não, eu saí, não deu mais certo, vim pra cá”. “Não acredito Você não sabe o que estamos armando aqui? Nós vamos montar uma loja aqui em São José.” “Mas, quando?” “Daqui a vinte dias eu abro a loja.” Falei: “Legal, parabéns, bacana”, e ele falou: “E aí? Está disposto a trabalhar?”. Falei: “Só se for pra começar amanhã”. Porque era uma coisa que eu gostava muito. Aí, deu certo. Nesse meio-tempo houve a negociação, e até hoje estamos lá, firme e forte, cada vez mais procurando ficar lá, enraizando. Enraizei que nem a árvore que tem lá na frente. COMÉRCIO Eu acredito que uma loja country tem que ter variedade... Eu acho que o comércio tem que ter variedade pra atender o seu público. No começo a loja trabalhou mais a área de vestuário: calça, camisa, cinto, bota, chapéu, fivelas, carteiras, miudezas, chaveiros - esses acessórios. A gente foi vendo, com o passar do tempo, a necessidade de ter artigos pra cavalo também. Foi onde a gente começou a entrar: na parte de selaria, parte de xampu, produtos pra hidratar couro e ferramentas. O mercado do cavalo, hoje, cresceu muito. Existem muitas ferramentas que facilitam o manejo, diariamente. Então, a gente procura ir atrás dessas coisas pra trazer mais, porque às vezes a pessoa vai lá e compra uma calça; de repente, precisa de uma coisa pro cavalo e vai unir o útil ao agradável. Todas as agropecuárias trabalham no manejo de cavalo, mas loja no setor country já não tanto. Então a gente via essa deficiência do mercado. Porque você gosta de comodidade, você entra em um hipermercado porque você sabe que ali você vai encontrar tudo quanto é tipo de produto que você necessita pra aquele momento. A gente foi vendo que havia necessidade de ter produtos pra cavalo, produtos pro cavaleiro também. Abrange também um setor de medicamentos, um setor de ração, já, para poder atender mais as necessidades ainda. Isso virá depois, um passo por vez pra ver o dia de amanhã e permanecer sempre, porque às vezes você quer dar dez passos e não consegue chegar no seu objetivo. Você dando um por um, você vai chegando mais rápido. Essa loja está no centro. Por que no centro? Porque ele já viu que no shopping funcionava, só que não era 100%. Eu falo, mas existe gente assim, existe e eu sou prova disso. Eu sou uma pessoa que vai ao shopping somente pra ver cinema e pra comer McDonald’s. Na rua você já pega o público A, B e o C. O público C, geralmente, não vai no shopping; é o público que tem a renda per capita menor, pessoal que mora na roça mesmo, trabalha a semana inteira e chega uma vez por mês e quer consumir alguma coisa. Às vezes ele se inibe de ir no shopping. Isso aí realmente acontece, não só aqui em São José, acredito que nos grandes centros também. São José talvez mais, porque tem bastante cidadezinha pequena perto. A loja já tem faz três anos e oito meses. Um pouco desse sucesso foi a localização. Foi aquele negócio: foi montada no lugar certo, tanto que a gente nunca fez uma publicidade grande. Hoje a loja é bem conhecida em nível de Vale do Paraíba. Tem clientes do Vale do Paraíba inteiro, tem clientes até do começo do Rio de janeiro, do sul de Minas. Se pegar, indo pra Grande São Paulo, tem também. Então, foi por causa da localização, porque o público é restrito. Em São José não tinha loja country. Onde tinha? Em São Paulo. Juntava três, quatro amigos, juntava em um carro e ia em São Paulo consumir. A gente adotou essa teoria pra São José também: as cidades pequenas não tinham loja; eles têm que consumir em algum lugar, e então vêm para São José, uma cidade mais fácil de você andar do que São Paulo. Hoje já não acontece, hoje no Vale do Paraíba, eu creio que todas, quase todas as cidades, têm uma loja country. Só que se você tem um produto que é diferencial, você atrai. Tem cliente hoje que consome comigo e vem de Pinda, de Cachoeira Paulista, do sul de Minas. O fornecedor, o atacadista country, não tem a visão que os varejistas têm. Ainda hoje eu estava conversando com um cliente meu a respeito disso: “Por que o produto country é tão caro?”. Não é que é caro. Já começa pelo impacto: a primeira vez que você vai comprar, você não tem noção do quanto custa, do quanto vale. Todos os produtos são desenvolvidos com as melhores matérias primas que existem no mercado. Não pegam um similar, que vai durar menos; eles querem fazer melhor o country, com essa percepção de ter uma coisa cada vez melhor, e não fazer um produto similar que a vida útil dele vai ser menor. Você compra uma calça jeans e se você não tiver o mau uso dela, a calça vai durar quatro, cinco, seis anos. O fornecedor não tem o ponto de vista que podia fazer uma calça pra durar três anos e custar a metade do preço... É mais por causa do lance da perfeição, de ter um produto com qualidade, durabilidade longa. Porque um produto que dura dois anos já deu muito mais do que tinha que ter dado, a pessoa já usou bastante dele. Isso na parte de roupa, na parte de calçados, você já consegue encontrar produtos com preços para públicos A, B ou C, porque daí já entra na parte do couro, já entra onde a turma conhece mais. O caso do chapéu já é mais especifico, porque a lã, essa matéria prima é cara. Daí, se você faz com um produto similar que vai durar três, quatro meses, a pessoa fica brava. A gente já trabalhou com mais barato, e não é legal você vender uma coisa que amanhã ou depois o cliente vai voltar pra reclamar porque o produto não durou. A gente vai te mostrar o barato e o caro e vai explicar pra você qual é a diferença entre um e o outro, daí cabe a você decidir o que é melhor pra você e pro seu bolso. Mas há uma deficiência nos produtos mais baratos no meio country. O meu estoque não é informatizado. Nós estamos ainda meio pré-históricos. Você tem que usar a inteligência. As pessoas chegam e perguntam: “Tem máquina de preencher cheque?”. A gente fala: “Tem a Bic”. Mas no estoque, você vai fazendo um balanço, mensalmente, pra saber o que está bem, o que está vendendo, o produto que você precisa ter. Porque eu no dia-a-dia costumo anotar o que foi procurado e eu não tenho. Isso é uma coisa que eu aprendi com meus antigos patrões: um cara chega e pede, e se você não anota, depois você não lembra, porque é muita informação. Trabalho na área de compra e venda de produtos, então eu tenho que saber o que está vendendo e o que eu tenho que comprar, aí eu vou fazendo as minhas anotações. A turma fala que vai me dar um caderno novo porque o meu está um bagaço, mas eu gosto dele. Se você chega e pede alguma coisa, eu vou anoto seu nome, seu telefone e o produto, porque logo que eu consiga, independente de compromisso, eu ligo: “Oh, está aqui o seu produto, se houver interesse da sua parte, pode passar aqui”. Então é mais na base do rascunho, ainda, não está informatizado. É difícil dizer o que mais vende, é um pouco relativo. Porque o chapéu é o que tem a vida útil... Chapéu e bota são os que menos vendem, pela durabilidade. A calça e a camisa, você sente necessidade porque você não vai na mesma festa repetindo a calça e a camisa. COSTUMES O boné no country é uma coisa herdada dos americanos, mas você tem que saber onde você vai e com o que você vai. Você compra um chapéu e vai no shopping, depois chega um engraçadinho e faz uma piada com você, você vai se sentir ofendido, e geralmente uma ofensa troca outra e aí resulta numa coisa pior. Então você usa um bonezinho: vai chamar menos atenção. Aqui ainda chama atenção porque não é tanta gente que usa. Agora, se você cai no interior de São Paulo, região de São José do Rio Preto, Presidente Prudente, você vê bastante uso de chapéu na rua. Mesmo assim, o uso de boné lá é grande também. Não tem muita diferença do estilo country americano e do country brasileiro. Hoje o brasileiro está bem americanizado, segue como exemplo, acompanha, porque o brasileiro acompanha o americano não só no country, mas também em outras coisas. Não é que eles são os melhores - porque a gente já conseguiu provar que não são - mas porque eles conseguem fazer produtos de qualidade, produtos aceitáveis. A gente tem uma tradição forte no Vale do Paraíba, que é o tropeirismo. Eu acho que o Brasil nasceu em cima de lombo de burro, cresceu em cima do lombo de burro. Se você for resgatar, o que eles usavam, hoje já não se usa tanto, usa quem valoriza o tropeirismo. Mas o country - tanto que a palavra já vem deles, dos americanos... Por exemplo, a festa de Peão de Boiadeiro, volto naquilo que eu falei: o nosso rodeio era folclore, chamava festa do Peão de Boiadeiro; hoje é Rodeio Show, que já é coisa de norte-americano. Se tivesse continuado na tradição de festa de Peão de Boiadeiro, eu acho que as roupas que nós estávamos usando eram as roupas que o povo de antigamente vestia. As botas por fora da calça, o lenço no pescoço - mais ou menos isso aí. Mas não seguiu, não deu continuidade ao que nós já tínhamos. COMÉRCIO Eu gosto um pouco de desafio. No mercado de hoje você tem que fazer a diferença em algo. Eu costumo muito fazer pós-venda, esse produto muito difícil, digamos assim. Sempre tem uma coisa que você não vai conseguir encontrar porque até mesmo é imaginação, a pessoa imagina tanto aquele negócio, que nem ela mesmo sabe o que é: “Sabe, eu queria uma coisa assim, mais ou menos assim”. Só que a gente, não a gente o varejista, o atacadista ele não pode viver em cima de um gosto, ele tem que trabalhar em cima do que se faz. Sempre tenho umas encomendas pendentes, que a gente procura. Nossa vontade de vender é tão grande quanto a do atacadista, só que o atacadista quer vender de mil, a gente quer vender de uma peça e satisfazer o cliente, que é aquele que compra hoje, compra daqui a seis meses, daqui um ano. Sempre tem cliente que compra comigo. Já tem uns sete anos que eu estou no meio, cada cliente meu eu planto uma semente, cada vez que ele volta, eu rego ela. Mas quando meus atacadistas dão suporte, eu consigo alcançar todos os objetivos dos clientes, todas as vontades deles. O pedido difícil mais recente é o caso de um chapéu de mulher mesmo, que eu obriguei o fornecedor. Ele falou: “Mas você vai pagar o preço do normal?”. “Não estou perguntando o preço, eu quero o chapéu e vai vender.” Foi um chapéu desenvolvido em cima do molde do masculino, só que o que eu fiz? Diminuí a aba, pra poder ficar um pouco mais feminino. Porque as mulheres chegavam - os homens também, todo mundo - a primeira vez que vai botar um chapéu: “Não me sinto bem”. Mas é lógico, você está com uma coisa que tem dez centímetros de cada lado da sua cabeça, então todo lugar que você olhar você vai ver a sombra dele, então conseqüentemente não vai te fazer bem. Eu acho que você tem que trabalhar em cima do que não está dando certo. O que não está dando certo? Mulher vem experimentar chapéu: “Mas tem que ser isso mesmo? Parece coisa de homem”. Foi quando eu imaginei: “Vou pensar num chapéu de aba menor, mas com o molde do masculino”. Porque elas gostavam do molde e não gostavam do tamanho. Isso foi uns dois meses de briga com o fornecedor: “Faz, faz, faz”. “Não, não vou fazer.” “Não tem problema, o preço é tanto, então pode fazer, não tem problema.” Fez, e pra todo mundo, hoje, que eu mostro o chapéu, fica encantado. O chapéu ficou bonito. Agora eu estou numa briga dessa com chapéu de criança também. Porque tem moda country de criança. Tem, ela só não cresce mais porque é tão caro quanto a de adulto. Eu acho que poderia ser feita de um material inferior, porque as crianças crescem rápido. Mas tudo que o adulto tem, a criança também tem. Não se acha nas lojas por causa do preço mesmo, por causa do custo. A gente tem uma seçãozinha kids lá. É um resuminho de cada coisa porque é um produto que não se vende com tanta freqüência. Tem procura, principalmente, na época de meio de ano. Época de maio, junho e julho vende, porque você vê, é uma coisa que foi perdida também da nossa tradição, que foi a quadrilha nossa. Pelo menos aqui em São José, o resto eu não sei, estou respondendo por São José. Virou dança country, os pais ficam loucos porque chegam lá e falam: “Essa professora inventou essa festa country”, e encarece, porque na quadrilha gastava quinze reais e a roupa da criança estava pronta. [Agora] com quinze reais não consegue nem comprar o cinto da criança. É a influência do country americano até nas crianças de hoje, nas escolas. As crianças nem têm contato com cavalo e já são obrigadas a usar o country que os americanos usam. Porque perdeu a tradição da nossa festa junina. Eu dançava quadrilha em festa e adorava; agora tem que dançar na festa country. O cinto, a matéria-prima dele é a crina do cavalo, isso aqui é feito nacional hoje, mas já foi importado. Os primeiros que vieram, vieram importados. Você vê que o mercado brasileiro cresceu, que eles estão conseguindo fazer o que os americanos fazem. Essa fivela minha é importada. Tem similar, e se eu colocar as duas, uma perto da outra, você não sabe distinguir qual é uma, qual é outra. O jeans country é caro. Usa um sistema entrelaçado, costura dupla. Tem que ser mais resistente senão ele não agüenta montar o cavalo. A camisa é normal, camisa de tricoline, pesa a marca. O boné é nacional, mas desenvolvido em cima de um molde americano também, a copa um pouco mais alta, a aba estampadinha. A princípio, quando você usava isso na rua, a turma achava: “Nossa, o Carnaval é onde?”, porque lá eles gostam de umas coisas mais extravagantes, que chamam mais atenção. A bota, essa minha é importada, mas tem nacional, igual, idêntica, tanto que por causa da Embraer, vêm uns americanos na loja, que gostam, descobrem e vão lá, os cara vêem a bota: “Nossa, idêntica, idêntica”. E é um produto que melhorou bastante. Tudo o que o americano tem, o brasileiro tem capacidade de fazer igual ou melhor. Tem um amigo meu que trabalhou comigo e mora hoje nos Estados Unidos. Ele não gostava do country, e passou a gostar depois que ele começou a trabalhar. E hoje, ele está lá e fala assim: “Se você vir aqui, você vai endoidar”. Porque diz que as lojas americanas são gigantescas. Diz que tem loja de botas que é uma esquina inteira, porque lá não é só o country que costuma usar bota. A maioria das pessoas, devido ao clima que é mais frio, usam bota. Hoje tem bastante fornecedor nacional. Não chegam a cem, porque não tem público pra tudo isso, mas hoje você tem uns quinze que brigam de igual pra igual. Pra quem há seis anos atrás tinha três, quatro, hoje ter quinze... Isso porque o country é bastante divulgado somente no estado de São Paulo - e esse ainda é um detalhe. Por exemplo, no estado do Paraná tem bastante tradição, no estado do Mato Grosso também, só que a economia forte do mercado country, do segmento de loja, é no estado de São Paulo. Esses fabricantes têm uma parte em São Paulo e alguma parte no Paraná. No estado de Minas, que a cultura já devia ser um pouco mais forte, não tem tanta força quanto o estado de São Paulo. A economia de São Paulo é mais forte que as outras economias também. Mas está crescendo. Você vê: o primeiro chapéu que eu comprei, 1994, eu tive que encomendar, veio dos Estados Unidos, não tinha importador, demorou noventa dias pra chegar. Hoje não: hoje a gente não precisa nem querer ter o importado porque o brasileiro é tão bom quanto um importado. No meu tempo era status você querer ter um chapéu americano. Hoje os produtos nacionais são bons, não precisa sair daqui pra comprar coisas boas, tem grandes fornecedores no Brasil. O produto mais caro são as botas feitas do couro de avestruz. É o que tem de mais exótico no country: couro de avestruz. Essa bota é a mesma coisa que você estar de tênis. Eu falo pra turma, a turma fala: “Ah, você está mentindo, isso aí é conversa de vendedor”. Não, no dia em que você colocar uma dessas no pé, você não vai querer tirar, pôr outra coisa, porque realmente é um couro bem macio. Tem vários modelos: o mais simples custa na faixa de mil, mil e cem reais. Tem fábrica em Araçatuba, tem fábrica em São José do Rio Preto, tem fábrica em Franca. Vendo uma média de seis, sete por ano, dessas botas. Por exemplo, esse ano de 2003, eu vendi só duas. Outro dia estava conversando com um atacadista que falou que caiu bastante, principalmente depois que o dólar voltou a subir de novo - porque é cotado no dólar porque o couro vem da África, se eu não me engano. Vem da África porque o Brasil tem criação, mas não tem abatedouro ainda. Eles têm que mandar lá pra fora, morre lá, depois volta pra cá. Então é um pouco complicado. CIDADES São José dos Campos São José, a nível Brasil, é uma das melhores cidades que você tem pra morar. Em 2001, que houve o corte da Embraer, o mercado sentiu. Isso refletiu na noite de São José. Tinha uma casa em São José que fechou, não sei por que motivo. Taubaté já não sentiu tanto. Não sei como é que está o comércio aqui em Taubaté... São José, quando a gente abriu, tinha oito lojas, agora só tem duas no segmento country, só tem duas. Nas cidades vizinhas também houve um impacto. Taubaté teve esse boom porque veio com um cara com sangue novo que é bom pro mercado. Isso aí ajuda bastante, porque a pessoa vai, injeta um dinheiro e vê que se ele plantar, se ele semear, se ele cuidar da plantação dele ela vai dar frutos lá na frente. É o que tá acontecendo. Teve o boom, saiu a casa noturna, todo final de semana tem baile. Hoje eu acho que cada 45 dias ele faz um megashow e, graças a Deus, esse megashow está trazendo reflexos pra São José porque o pessoal está vindo pra cá - e está vindo bastante gente, não é pouca gente. Recentemente teve esse baile em Taubaté, que veio o Rio Negro e Solimões. Eu acredito que tinha umas 10 mil pessoas pra algo mais. É um lugar bem grande, chama Sítio Dom Carmel - é num sítio. É um sítio afastado daqui de Taubaté. Lá deve dar uns doze, treze quilômetros, tudo asfaltadinho, tem uma baita estrutura. É ao ar livre. O show grande é ao ar livre, aí tem um galpão que é pra todo sábado e aí tem show country lá. Esse galpão comporta, eu acredito, umas 2 mil, 3 mil pessoas. E esse ano ele construiu um palco. Cimentou tudo lá fora pra fazer grandes shows, e ele tem conseguido. Esse ano ele já fez cinco shows e todos os shows deram resultado. Eu acredito que nenhum deles deva ter tido prejuízo, senão ele não teria feito outros assim. A gente contribui porque eles precisam dum certo apoio, que ele já sentiu que só Taubaté não vai tocar a casa dele. Ele precisa abranger o Vale do Paraíba, então ele busca apoio onde? Nas cidades vizinhas. E é em cima do quê? Do público-alvo dele porque é um público mais restrito, mas se você faz um trabalho em cima dele você consegue ter retorno, então ele vai nas lojas country, põe postos de venda de convites, divulga na rádio... Em São José eu acredito que ele deva ter tido uma excelente venda em todos os bairros. Daí eu acho que ele teve uma venda boa por causa disso aí: esse trabalho. E daí já vira rotina: a pessoa já sabe que tem, que lá quando tem show grande é bom, pode e vai comprar. Isso aí são as parcerias, aqui a gente fala “a troca de favor”. Eu estou ajudando uma pessoa que está no meu segmento, independente se a pessoa compra uma camisa nova; se ele cada vez mais fortalecer o movimento, amanhã ou depois eu vou comer o fruto disso aí, então eu acho que a partir do momento que tiver uma união e todo mundo pensar em conjunto, pensar no mesmo objetivo, não só o country vai pra frente, o Brasil vai pra frente. COMÉRCIO Meu público tem idade entre os vinte e os trinta anos. Tem um percentual novo, mas a média é vinte, trinta anos - que depois de trinta a pessoa já casa e daí já vai dar continuidade à família. O horário de funcionamento - a turma fala: “Ah, você é meio preguiçosão” - é das nove às dezoito. O comércio nosso é um comércio específico. Eu costumo dizer, não é um comércio que você está passando e: “Ah, acho que eu tenho que comprar alguma coisa aqui”. Das nove às dezoito, de segunda à sexta; aos sábados, das nove às catorze. Antes eu ficava até as 16. Vendo com cartão. O cheque hoje está se estreitando bastante. A melhor forma de pagamento minha, hoje, é no cartão de crédito. Tem crediário, tem o cheque, tem o cartão de crédito. O crediário é por financeira, mas a taxinha é bem pequena. Tem várias formas de pagamento. Eu costumo dizer: o mais difícil é achar mercado, que a forma de pagamento é a mais fácil. Os chapéus, antigamente, vinham tudo em caixas; hoje vem em caixa individual. Eu prefiro que eles venham todos retos porque nem todo mundo gosta do chapéu modelado. Então, o que acontece? Se ele já vem modelado, na hora que você põe ele no vapor, vai dar alguma resistência, ele vai fazer alguma coisa que vai prejudicar, não vai ficar 100%. Se ele vem reto, não: você vai pôr no vapor, vai trabalhar o molde e vai fazer de acordo com o que a pessoa quer. Molda o chapéu na hora. É como se fosse uma massa, uma massinha de modelar. Você amolece a massa primeiro, depois você dá a forma. O chapéu basicamente é isso aí: ele vem duro, daí você põe no vapor e vai amolecendo, depois você vai dando forma a ele, aos pouquinhos. Tem forma própria pra isso, só que a forma ou é oito ou é oitenta, e nem sempre agrada todo mundo. Então, como eu adquiri já uma prática de fazer à mão, a gente faz à mão esse processo. RELAÇÃO COM O COMÉRCIO Gosto de fazer compras de produtos para a loja. Pra mim nem tanto, eu acho que porque a gente trabalha em loja de roupa e é um pouco complicado... Nossa, você vê tanta coisa bonita Pra loja, as roupas masculinas, eu compro pensando em mim, e é um pouco errado. Você não pensa tanto no lado do vendedor, pensa mais no lado do comprador, porque você começa a ver muita coisa. Nossa, esses dois primeiros anos, meu salário ia todo em vestuário meu. Minha mãe chegou a pedir pra mim: “Pelo amor de Deus, pára de comprar que não tem mais onde pôr”, porque é uma coisa exagerada. Não é que é exagerada, você cada final de semana está num lugar, sexta, sábado e domingo, e daí você sempre quer estar bem. Estar bem, geralmente, já vem acompanhado de coisa nova ou alguma coisa desse tipo, então essa vontade de comprar é tanta. Esses últimos anos têm sido bem light em relação a compras. Eu acho que por ter consumido muito já, em algum certo tempo, acho que isso aí veio diminuindo um pouco. Só que se eu falo pra você que eu não adoro comprar coisa nova, eu estou mentindo, porque quem que não gosta de sair às compras? Sempre que eu vou comprar, eu procuro me identificar com algo. Vamos supor: tem um baile e eu não tenho alguma camisa que me agrade na loja. Daí eu vou no shopping, porque a camisa no country não tem muita diferença pra camisa que se usa aí. Então, você consegue comprar algumas coisas. Eu vou no shopping porque é onde é o maior centro do varejo. Ao invés de você achar dez, você vai achar mil camisas pra você comprar. Pra comprar camisa, eu gosto mais do Shopping Colinas. Tem menos lojas e, pelo menos, todas as vezes que eu fui comprar, eu consegui comprar. No Center Vale, nem todas as vezes que eu fui comprar alguma camisa, eu consegui. O Center Vale atende muito mais gente, tem muito mais loja, é muito mais diversificado. Mas pra mim o que me satisfez mais até agora foi o Colinas. AVALIAÇÃO Comércio O comércio é a grande faculdade da minha vida, foi o que eu vivi. Eu tenho só 25 anos, mas a carga que eu tenho em cima das costas é bem grande. Tem gente - eu falo que eu converso com pessoas que têm trinta, 32 anos e a pessoa não consegue ter uma visão bem assim. Pra mim, eu pretendo terminar minha vida no comércio. Infelizmente, o comércio é o setor que mais sofre. O governo não apóia em nada, os bancos judiam, castigam o comércio. A inadimplência, então, nem se fala. Mas faz sete anos que estou atrás de um balcão, e você aprende muito. Você consegue tirar bastante coisa boa, porque você convive com bastante gente. Então, se de todas as pessoas você conseguir captar as coisas boas que elas têm, você tem muito a crescer. Antigamente, quando não tinha a indústria, todo mundo vivia do quê? Do comércio. Eu falo pra você: quando eu passo na porta de uma loja de algum ponto e ouço desculpa que ali já foi um comércio um dia, aquilo ali me entristece muito, sabe, porque aí você pode ter certeza que alguns empregos foram tirados, algum objetivo de vida foi destruído. Porque se está fechado, o cara não conseguiu chegar no fim do emprego, entendeu? Então, isso aí me entristece muito. AVALIAÇÃO Entrevista Achei bacana. Eu queria parabenizar vocês, um projeto maravilhoso que eu acho que veio resgatar uma coisa que eu acho que é tão bonita, uma coisa que influencia bastante, que é o comércio. É o que eu falo: falta ter apoio da mídia, da publicidade em cima do comércio, porque é um setor que tem muito, já deu muito ao Brasil e tem muito a dar, e pode fortalecer cada vez mais. Isso ai é maravilhoso. Nossa, eu fiquei superfeliz de ser convidado por vocês. E de parabéns mesmo, o projeto é muito bom.
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