IDENTIFICAÇÃO
Muhamad Amin Baccar. Local de nascimento: Santa Cruz do Sul, no Rio Grande do Sul. Data de nascimento: dois de junho de 1932.
FORMAÇÃO / INGRESSO NA PETROBRAS
A minha primeira formação foi como engenheiro químico. Eu me formei em 1953, em Porto Alegre, na Faculdade de Engenharia do Rio Grande do Sul. Posteriormente, fiz o concurso em fins de 1957 para a Petrobras. Fui aprovado e terminei tirando o curso em Geologia do Petróleo, que a Petrobras patrocinava. Esse curso era dado pela Universidade da Bahia, com professores americanos de Stanford, durante dois anos, porque se partia do pressuposto que os componentes do curso, normalmente engenheiros e bioquímicos, já tinham conhecimento das cadeiras básicas da engenharia. Aprendíamos, praticamente, geologia voltada para o petróleo. Havia vários cursos que a Petrobras oferecia, um dos quais era Engenharia de Refino de Petróleo. Foi pra esse curso de refinaria de petróleo que fui aprovado. Mas havia a possibilidade de trocar e resolvi estudar geologia, porque era uma ciência nova que não existia no Brasil até então. Ela me daria, talvez, oportunidades futuras. A minha idéia era fazer o curso, ficar na Petrobras os dois ou três anos que o contrato exigia, e voltar pro sul. Só que fiquei até aposentar.
No fim do curso, a Petrobras, ao seu exclusivo critério de escolha, determinava a ida dos alunos pras várias regiões onde tinha atividades. Teve gente que foi pra Alagoas, Amazonas e Maranhão. Dependendo de onde estavam, a Petrobras decidia onde recolocava o pessoal. A Bahia foi minha sorte. Era a unidade mais importante, pois tinha alguma produção de petróleo e atividades de refino – a Refinaria Landulfo Alves já estava em atividade. Eu fui designado pra ficar na Bahia e trabalhar numa equipe de geologia de superfície.
TRAJETÓRIA PROFISSIONAL
Geólogo de superfície
Na época, os professores eram geólogos de superfície. Quem conseguia notas melhores no curso, em geral,...
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Muhamad Amin Baccar. Local de nascimento: Santa Cruz do Sul, no Rio Grande do Sul. Data de nascimento: dois de junho de 1932.
FORMAÇÃO / INGRESSO NA PETROBRAS
A minha primeira formação foi como engenheiro químico. Eu me formei em 1953, em Porto Alegre, na Faculdade de Engenharia do Rio Grande do Sul. Posteriormente, fiz o concurso em fins de 1957 para a Petrobras. Fui aprovado e terminei tirando o curso em Geologia do Petróleo, que a Petrobras patrocinava. Esse curso era dado pela Universidade da Bahia, com professores americanos de Stanford, durante dois anos, porque se partia do pressuposto que os componentes do curso, normalmente engenheiros e bioquímicos, já tinham conhecimento das cadeiras básicas da engenharia. Aprendíamos, praticamente, geologia voltada para o petróleo. Havia vários cursos que a Petrobras oferecia, um dos quais era Engenharia de Refino de Petróleo. Foi pra esse curso de refinaria de petróleo que fui aprovado. Mas havia a possibilidade de trocar e resolvi estudar geologia, porque era uma ciência nova que não existia no Brasil até então. Ela me daria, talvez, oportunidades futuras. A minha idéia era fazer o curso, ficar na Petrobras os dois ou três anos que o contrato exigia, e voltar pro sul. Só que fiquei até aposentar.
No fim do curso, a Petrobras, ao seu exclusivo critério de escolha, determinava a ida dos alunos pras várias regiões onde tinha atividades. Teve gente que foi pra Alagoas, Amazonas e Maranhão. Dependendo de onde estavam, a Petrobras decidia onde recolocava o pessoal. A Bahia foi minha sorte. Era a unidade mais importante, pois tinha alguma produção de petróleo e atividades de refino – a Refinaria Landulfo Alves já estava em atividade. Eu fui designado pra ficar na Bahia e trabalhar numa equipe de geologia de superfície.
TRAJETÓRIA PROFISSIONAL
Geólogo de superfície
Na época, os professores eram geólogos de superfície. Quem conseguia notas melhores no curso, em geral, era escolhido para ser geólogo de superfície. Os que tinham algumas aptidões e melhores conhecimentos eram encaminhados para geologia de poço de exploração. E aqueles que não tiveram um treinamento tão proveitoso ficavam como geólogos de desenvolvimento. Dependia das características da pessoa e da necessidade da Petrobras. Essencialmente, da necessidade da Petrobras. Na época, a geofísica era muito incipiente. Os poços pioneiros, as descobertas, eram oriundos praticamente de geólogos de superfície. A maior parte dos chefes de equipe era americana, cujo contrato estava se esgotando, e eles queriam substituir por brasileiros.
BAHIA
Na Bahia, fiquei até 1968. Inicialmente, como geólogo de superfície. Depois de três anos, a Petrobras me re-alocou. Aqueles que falavam um pouco melhor o inglês iam pras equipes de geofísica. Para equipe de geofísica fomos: eu e o Wagner Freire. Tudo lá na Bahia, trabalhando na Bahia. Tinha que falar inglês melhor do que os outros, porque todo o curso de geologia foi em inglês. Esse trabalho de geofísica era uma fiscalização, por parte da Petrobras, e um aprendizado também. Naturalmente, nós lutamos, eu e meu colega, contra a dificuldade, porque o americano não dava nada de graça, não ensinava nada, a gente tinha que ir descobrindo tudo pra poder fazer. A meta da Petrobras, em longo prazo, era colocar brasileiros. Eu fiquei, primeiro, trabalhando numa equipe sísmica de refração e depois numa equipe sísmica de reflexão. Existia também uma outra equipe de geofísica, que se chamava de gravimetria. Alguns colegas foram encaminhados para essa equipe. Nesta época, a geologia de superfície começou a declinar, porque a área mapeável da Bahia era pequena, 11 mil quilômetros quadrados, e a geofísica, não só no Brasil como no mundo, começava a tomar vultos maiores como uma ferramenta útil e presente em toda a exploração de petróleo. Hoje, então, ela é imprescindível.
GEOFÍSICA
Na equipe de superfície, a geofísica tomou a primazia. A geofísica não substituiu a geologia, porque cada um da equipe buscou uma coisa diferente. Quando a estrutura onde está o petróleo não se mostra na superfície, você não consegue mapear. Muitas delas estão enterradas há alguns milhares de metros. Então, a geofísica, em geral, e a sismografia, em particular, são de extrema utilidade. E na plataforma continental é imprescindível.
PLATAFORMA CONTINENTAL / REVISÃO DE INTERPRETAÇÃO
A Petrobras dessa época já estava se orientando pra ir pra plataforma continental. Como não achavam quantidades grandes de petróleo em terra, a recomendação do Relatório Link, era ir pra plataforma continental. A Bahia já estava mapeada. Mas as bacias, às vezes, causam surpresas. Hoje se trabalha na Bahia com algum sucesso. É um sucesso pequeno, mas é um sucesso. Eu estava dizendo que a Petrobras passou a ir pra plataforma continental em 1958, a sismografia muito rudimentar, e já tinha feito algumas linhas sísmicas ao longo do Espírito Santo, algumas na Bahia, em São Marcos no Espírito Santo, e uma no Maranhão. No Espírito Santo, tinha feito também alguns levantamentos de gravimetria. Baseado no dado de 1958, por volta de 1966, eu resolvi fazer uma revisão. A interpretação que fiz dos dados do Espírito Santo diferiam da interpretação vigente e aceita aqui no Rio de Janeiro pelos técnicos estrangeiros – interpretação dos americanos, porque não tinha brasileiros. Brasileiros éramos nós, guris com 10 anos de empresa. Mas eu ousei dizer que a interpretação que tinham feito era diferente da minha, e que a minha seria provavelmente a certa. Dei as minhas razões técnicas, porque achava que teria mapeado um domo de sal. Naturalmente, o pessoal do Rio de Janeiro, alguns colegas brasileiros, e a maior parte americana, não aceitavam aquela interpretação. No entanto, outros colegas da Bahia, aceitaram. Isso causou certo frisson e muita discussão técnica. Mudou a direção de exploração da Petrobras, e o novo diretor passou a ser o Carlos Walter Marinho Campos. Eu tinha trabalhado pouco tempo com ele na Bahia. Ele acreditou que eu estivesse certo e resolveu furar o primeiro poço da plataforma para provar o que dizia: se era domo de sal ou não, porque isso mudaria a concepção da história geológica das bacias. Furou e deu domo de sal. Hoje isso é corriqueiro. O poço foi furado no Espírito Santo Submarino 1, o ESS-1. Foi o primeiro poço offshore furado na plataforma continental. Foi furado pra comprovar a existência de domos de sal na plataforma continental brasileira. Eu acho que isso foi em 1968.
ACOMPANHAMENTO DO POÇO
Depois que a gente descobre no papel com os dados, só fica esperando bons resultados, as notícias. Outros colegas acompanharam, furaram o poço. Já começavam a se especializar, cada um no seu nicho de trabalho. Eu, por exemplo, nunca estive na plataforma desse poço, mas a alocação, a perfuração e a interpretação – dei sorte – foram minhas, e deu o que se esperava. A Petrobras começou, em 1968, a se deslocar para o Rio, porque ia fazer uma equipe só pra cuidar da plataforma continental.
DOMOS DE SAL
Quando se descobriu que havia domo de sal na Bahia, se mudou inteiramente a maneira e o modo de fazer a pesquisa de como o petróleo devia ser encontrado em quantidades. Principalmente, porque os Estados Unidos estava furando no Golfo do México e todo o petróleo de lá era associado ao domo de sal. A expectativa foi imensa. E nada como um fato para corroborar a teoria, porque até então era só uma expectativa. Quando furou, se comprovou e acabou a expectativa. Todo mundo sabe. Hoje os dados sísmicos são extremamente melhores do que os usados naquela época para interpretar, e se sabe que toda a plataforma continental está cheia de domos de sal. Na grande maioria, esses campos de petróleo são associados a isso. Mas já é história. Depois que se descobre tudo fica óbvio. Foi uma época de muita discussão técnica. Houve um choque de percepção.
Essa turma nova – gente como o José Ignácio [Fonseca], e da minha turma pra baixo, que hoje já não é tão nova – acreditava nessa nova perspectiva. Mas a turma anterior, que fez muita coisa certa e teve muito mérito na Petrobras também, não acreditava nisso, porque não havia na parte terrestre, no parte on-shore do Brasil, nada que sugerisse esse tipo de coisa. Na época, a concepção geológica era muito estreita, não só no Brasil, como no mundo todo. A gente se guiava muito pela escola americana, porque os professores eram americanos. A escola americana não admitia o que hoje se chama de separação continental, “continental drift”, porque tinha sido um geógrafo alemão, um europeu, que desenvolveu e defendia a teoria. Hoje isso é um fato aceito. Depois os americanos se convenceram, em 1970. Ele começou a pesquisar e comprovou que foi isso mesmo. Hoje a teoria é aceita no mundo inteiro. Eu estava dizendo isso, porque a turma antiga tinha uma outra concepção da geologia. Houve uma mudança mesmo, não só no Brasil, como no mundo inteiro.
PLATAFORMA CONTINENTAL
A Petrobras, para ir pra Plataforma Continental, começou a trazer gente dos distritos e fundou o Seplal, que só cuidava disso. Essa sigla já não existe mais. Mas o primeiro campo comercial que se descobriu foi Guaricema, em Sergipe. Hoje é considerado um campo muito pequeno, mas foi um marco histórico, porque demonstrou que na plataforma também tinha óleo. Depois, o resto era gastar dinheiro em pesquisa e preparar as pessoas. A Petrobras sempre foi muito feliz na preparação do seu corpo técnico. É um negócio extraordinário, até hoje a Petrobras persegue a pós-graduação, o preparo do pessoal técnico muito bem. Foi isso que levou a essas grandes descobertas e a Petrobras a ser pioneira em águas profundas, porque nunca descuidou dessa parte. Para falar da história da Petrobras é bom entrevistar o senhor Seabra Moggi, que foi um realizador. Ele foi o realizador do antigo Cenape, que depois se transformou, e hoje é o Cenpes. Aquilo é um nicho de tecnologia mundialmente reconhecido.
Em 1969, vim pro Rio de Janeiro. Nessa altura dos acontecimentos, já não havia mais estrangeiros na parte exploratória da Petrobras, só brasileiros. Apesar de sermos gente nova com 10 ou 15 anos de experiência, o que era muito pouco em termos de petróleo, tivemos que assumir várias funções de relevo. E me coube a parte de interpretação em geofísica, que começou na plataforma. Naquela época, para dar uma idéia, só se perfurava até 50 metros de profundidade, 200 metros era algo inalcançável, até inimaginável Essas coisas mostram como evoluiu. Havia aquela linha que falei que ia até o “Plateau de São Paulo”, mas o chefe da exploração não queria. Como me dava bem com o diretor da Petrobras, o Aroldo Ramos da Silva, fui conversar com ele. Ele morava perto da minha casa e pegávamos o ônibus da Petrobras juntos. Eu tinha certa intimidade com ele, que era então superintendente da perfuração de Salvador. Era um cara brilhante, um rapaz novo, mas brilhante. Ele terminou como diretor da Petrobras; um dos diretores mais brilhantes que a Petrobras teve. Eu falei e ele aprovou a linha, apesar de ser um negócio que entrava a 360 quilômetros mar adentro. Se 200 metros era água profunda, imagina entrar 300 quilômetros mar adentro Uma loucura
O que não havia, e hoje tem, é posicionamento exato do navio. Agora com o GPS você vai pra onde quiser e sabe exatamente onde está, com uma diferença de um metro, um metro e meio. É uma precisão absoluta. Naquele tempo, era na base do sextante e manter a bússola no mesmo lugar. Você poderia estar fora uns cinco ou 10 quilômetros, mas pra um reconhecimento geral era suficientemente bom. São coisas que a gente deu sorte de fazer e deram certo. Nós fizemos uma linha pra ver se tinha uma bacia sedimentar, e tinha lá longe. Isso foi na costa de São Paulo. O “Plateau de São Paulo” é uma feição fisiográfica conhecida na geologia há muito tempo. Feito essa parte, começou o trabalho na plataforma. A primeira descoberta foi em Sergipe, onde se concentraram os trabalhos geofísicos. Depois, se fez um reconhecimento em toda a costa. Prolongou-se linhas até 200 metros de lâmina d’água, e se estendeu mais mil metros. Nesta época, as descobertas estavam custando a aparecer, porque as únicas descobertas eram Guaricema e outros campos pequenos em Sergipe. Os campos posteriormente descobertos em Campos eram mais pra dentro do mar.
BRASPETRO / PRIMEIROS PASSOS
A Petrobras resolveu se internacionalizar e criou um pequeno grupo, capitaneado pelo senhor Geonísio Barroso. Ele me levou pra trabalhar como geofísico e o José Maria de Lima Perrella como geólogo. Havia um acerto entre o governo brasileiro e o governo iraquiano pra levar o Brasil pra lá. Foi numa época em que o Iraque tentou se abrir. Já tinha uma equipe francesa lá, e eles convidaram a equipe brasileira, a Petrobras. E assim se criou a Braspetro. Nós três começando a pesquisar no exterior.
EXPLORAÇÃO OFFSHORE / PRIMEIROS ANOS
Logo que começou a se pesquisar essa parte de Plataforma, houve aquela euforia. A plataforma tinha o delta do Rio Amazonas, que se pensou que fosse como o Golfo do México. Pensou-se que aquilo era um negócio fantástico, mas os primeiros poços não deram a resposta que se imaginava. Não deram, porque não se tinha conhecimento da geologia que hoje se tem. Havia um desconhecimento, não havia poços pra furar. A geofísica trabalhava, no máximo, até 200 metros. Quanto mais profundo mar adentro, a resposta da geofísica é melhor e é mais fácil de interpretar. Na medida em que você vai pra costa, fica pior, mais difícil de interpretar. Estava demorando e não existia tecnologia pra furar poço de 200 metros, naquele tempo. O negócio era uma sonda chamada jack up, que bota os pés no chão e levanta 30 metros, 40 metros. Sergipe tinha dado alguns campos, mas todos os campos eram pequenos, a gente sabia perfeitamente que se tinha que descobrir campos gigantes, grandes, que só foram descobertos por volta de 1973, 1974. Quando o campo começou a aparentar aquele trend. Foi aí que deslanchou.
BRASPETRO / IRAQUE
Eu não gosto da palavra “convidado”. Nunca fui convidado pra coisa nenhuma na Petrobras. Eu recebia telex: “Você está transferido no dia tal pra cá”. O máximo que você discutia era a época: mais um mês ou menos um mês. Para o Iraque foi: “Você vai trabalhar no Iraque agora. Vai trabalhar nessa parte internacional, ver umas áreas no Iraque”. Fui com tudo pronto, porque o Iraque nos ofereceu três áreas, e tínhamos que discutir se eram boas, tínhamos que saber a localização, se era mais 20 quilômetros pra lá ou mais 30 quilômetros pra cá, o tamanho delas. Fomos com a cara e a coragem, não tinha nada selecionado. Fomos eu, o Perrella e um terceiro rapaz, o Phortos Lima, que era da área de compra de petróleo, da parte comercial da Petrobras. Nós já tínhamos contato com eles, porque a Petróleo era uma grande compradora de petróleo no Iraque. Costumávamos dizer que éramos os três mosqueteiros, porque fomos pra lá sem saber o que fazer, sem saber o que estava pela frente. Ninguém tinha conhecimento na Petrobras do negócio.
Nós fomos em 1971. Isso é uma história comprida, a Braspetro foi criada bem depois. Nós somos anteriores a Braspetro. O contrato com o Iraque foi feito com a Petrobras, e depois a Petrobras passou pra subsidiária. Nós fomos lá pra ver a área. Trouxemos os dados aqui pra Petrobras e a coisa foi evoluindo. Eles também não tinham muita prática em negociações, tinham medo, desconfiavam de tudo. O Iraque estava se abrindo para o mundo, então, eles estavam desconfiados de tudo. Terminamos acertando quais eram as áreas – três áreas –, depois escolhemos quais eram os limites dessas áreas. Claro que a gente começou a ter idéias depois que fomos lá ver a geologia. Eles também tinham nacionalizado, fazia pouco tempo, as reservas deles, e também não tinham gente. Mas a Petrobras fazia as coisas, às vezes, meio na cara e na coragem.
HISTÓRIA / CAUSOS / LEMBRANÇAS
Uns quatro ou cinco anos depois que estava lá pelo Iraque, alguém na Petrobras descobriu que eu falava árabe. Meu pai é libanês. Aprendi com ele a escrever, a ler e a falar. Pelo menos a falar a parte familiar. Mas a Petrobras nunca se preocupou em saber quem falava árabe. A companhia deu sorte, colocou por acaso alguém que sabia. Quando foram para Angola, mandaram um brasileiro branco. A Petrobras se deu conta que tinha geólogos pretos depois. Vocês têm que entrevistar o Jaconias Queiroz, ele trabalhou em Angola muito tempo. É negro, legítimo, não tem nem como dizer que é uma mistura de branco com negro, ele é negro puro. Por que não o levaram pra lá? O homem tem um cartaz, em Angola, fantástico até hoje. Ele representa vários interesses angolanos, porque agora está aposentado. Quer dizer, nós tínhamos um geólogo. Em vez de botar ele logo no início, só botaram na segunda vez. Se nós temos gente preparada e mais identificável com eles, porque não mandar esse tipo de gente?
IRAQUE
O que acontecia no Iraque era interessante. O Iraque devia muito a Petrobras, e deve até hoje. Eles são muito agradecidos a Petrobras, pelo seguinte: quando o Iraque nacionalizou o petróleo, eles tinham exportado petróleo para Itália. O navio chegou na Itália e a companhia, que foi nacionalizada, entrou com o embargo do navio do petróleo, dizendo que o governo iraquiano não tinha direito de vender petróleo que não era dele. O navio ficou parado e eles perderam dinheiro. Nessa mesma época, o governo iraquiano estava fazendo um navio pequeno na Espanha. Quando o navio ficou pronto, a Petrobras fretou esse navio pra trazer óleo da Argélia pro Brasil. Quando eles começaram a trabalhar, a Petrobras foi o primeiro cliente, fretou um navio. O Brasil também importou o petróleo do Iraque, o navio veio pra cá. Nessa época, a companhia nacionalizada também entrou na justiça dizendo que o óleo era roubado, que o governo iraquiano não podia vender. E entrou na justiça aqui do Rio de Janeiro. Parece que o juiz que ia resolver o caso era meio suspeito. O Geisel era o presidente da Petrobras. Eu sei que o governo brasileiro disse que tinha interesse no caso e este foi parar em Brasília para o juiz federal decidir. O Brasil decidiu que o país tinha o direito de nacionalizar o óleo e que o óleo era iraquiano. Com isso, o Brasil foi o primeiro país a reconhecer o direito soberano do Iraque sobre o óleo deles. O juiz da Itália também levantou o embargo e, depois disso, o Iraque começou a exportar óleo para o mundo inteiro. Eles sabem que devem muita coisa ao Brasil. O brasileiro é muito bem visto lá, começa por aí. Estrangeiro, em geral, eles têm um pé atrás, principalmente americano, esses que já têm uma tradição guerreira. Tem esse tipo de coisa, mas o Brasil é muito bem visto.
Eu nunca morei com minha família no Iraque. Quando nós assinamos o contrato, finalmente, depois de um ano e meio de discussões, eu fiquei lá pra montar o escritório e vim embora, porque outra pessoa estava indo pra ficar permanentemente lá. Isso deveria ser uma coisa rápida, só que começou a dar problema dentro dos trâmites políticos, falava-se na época que teve gente contra alguma coisa, houve algum embaraço. Em vez de ficar um mês, que seria o razoável, eu fiquei sete meses lá. Nesse meio tempo, eu montei o escritório, porque eu não tinha dúvidas que iria sair. Como se sabe, era um regime forte, era só uma questão de tempo. Eu montei o escritório, contratei as equipes francesas pra fazer o trabalho, porque francês era bem visto lá, fiz os programas de geofísica, toda a programação de trabalho para os dois próximos anos, de tal maneira que quando foi aprovado, já estava tudo engatado, e um mês depois já estávamos trabalhando. Nesses sete meses eu me dei bem. Primeiro, nós tivemos um apoio muito grande do Itamaraty através do embaixador Assunção. Esse embaixador, que faleceu agora aos 91 anos, há pouco tempo, ele era uma pessoa muito interessante, muito sabido. E ele já tinha servido em vários lugares, mas com a Revolução [Golpe Militar de 1964] parece que ele não era bem visto, e terminaram jogando ele lá pra Síria. Ele acumulava a função do Iraque, então, ele também foi lá, fez a sua pressãozinha, e terminou saindo o contrato. E nós fomos pra lá. Os sete meses em que estive lá não tive dificuldade nenhuma. Primeiro eu falei: “Vamos ver como eles me enxergam”. Eles me enxergam como muçulmano e árabe como eles. Pra eles eu não sou um estrangeiro. Agora, vai um brasileiro que não fala o árabe e é cristão.
IRAQUE / COTIDIANO
O meu árabe dava pra falar no dia-a-dia. Não dava pra negociar o petróleo. Naturalmente, sempre nos tratavam bem. Durante as negociações – de vez em quando tínhamos que nos reunir com eles – eu dizia: “Olha, entendo um pouco de árabe. Se vocês quiserem falar, nós saímos e vocês tratam aqui na mesa”. Durante a negociação do contrato, eu e o senhor Barroso íamos pra lá. Só na última ida que levamos um advogado para acertar a parte jurídica. No outro lado da mesa tinha umas 10 ou 12 pessoas sentadas, pra você ver como era o negócio. Assim era e nunca tive dificuldade, porque era visto de maneira diferente. Era um país super vigiado, eles praticamente conheciam toda a sua vida. Se saísse de casa, o cara sabia que horas você saiu, com quem e como foi. Era tudo vigiado. E assim continua até a pouco. Naquela época, o país era governado pelo mesmo partido que estava até pouco tempo, o governo Baat. O chefe de governo era o tio do Saddam Huissen, que depois de 1975 ou 1976, se aposentou e passou o governo para o sobrinho, o Saddam, que continuou até ser deposto pelos americanos.
TRAJETÓRIA PROFISSIONAL
Como era sediado no Rio e era o chefe de geofísica, eu ia para todos os lugares onde tinham geofísicos. Por exemplo, ajudei a negociar o contrato do Egito, logo depois, com o José Ignácio. Aí já tinha a diretoria constituída da Braspetro. A Braspetro foi constituída em 1972, onde fizeram uma coisa formal com a diretoria. Eu fiquei nos quadros da Braspetro. Mais tarde, depois de dois ou três anos, o Perrella não quis mais ficar e voltou. Não se sentia confortável de viajar o tempo todo e voltou pra Petrobras, porque nós éramos empregados da Petrobras cedidos a Braspetro.
BRASPETRO / PRIMEIROS PASSOS
A Petrobras resolveu se internacionalizar e criou um pequeno grupo, capitaneado pelo senhor Geonísio Barroso. Ele me levou pra trabalhar como geofísico e o José Maria de Lima Perrella como geólogo. Havia um acerto entre o governo brasileiro e o governo iraquiano pra levar o Brasil pra lá. Foi numa época em que o Iraque tentou se abrir. Já tinha uma equipe francesa lá, e eles convidaram a equipe brasileira, a Petrobras. E assim se criou a Braspetro, começando a se pesquisar no exterior.
BRASPETRO / PRIMEIROS ANOS
Uma vez o Brasil estando no Iraque ficou mais fácil de outros países convidarem a Petrobras. A Petrobras nunca foi vista como uma companhia monopolista. Ela não ia lá pra tomar dos outros, era uma companhia estatal, que tratava de igual pra igual. Terminamos indo depois pro Egito, pra Líbia, pra Argélia e pro Irã. O segundo contrato foi do Egito. Tinham as áreas que queriam oferecer pra gente. Nós fomos dessa vez para analisar os blocos, o Perrella como geólogo e eu como geofísico. Na época, levei o Wagner Freire, formado no mesmo ano que eu, que depois foi diretor da Petrobras. Nós fomos juntos pra escolher o bloco. Escolhemos os blocos no Egito, que não eram nada econômicos. Montamos o escritório, ficamos lá três anos. Por onde a Petrobras passa, o que tem ela descobre. Não tem esse negócio de ficar devendo, ela faz um trabalho bem feito. Ali onde estávamos não tinha óleo, naqueles três blocos não tinha. O Egito praticamente só tinha petróleo no Mar Vermelho, que já está todo tomado pelas grandes companhias. Naquela época, a Eni [Empresa italiana] estava explorando o delta do Nilo, onde se descobriu gás há pouco tempo. Como era o gerente de geofísica da Braspetro, passava um mês fora e um mês aqui. Esse mês fora eu ia pro Iraque, quando eu não demorava mais tempo porque a atividade era maior. Às vezes, ia até o Irã, passava no Egito, Líbia, Argélia, e vinha pro Brasil. Porque a estrutura era diferentemente de hoje, toda a atividade de interpretação era feita no distrito e íamos lá pra fiscalizar, pra ver se estava andando como queríamos. Lá tinha uma estrutura pequena, duas pessoas, e nós íamos pra ver se estava tudo bem, pra sugerir alguma mudança, porque em geral eram pessoas com um pouco menos de experiência do que nós.
IRAQUE / GERÊNCIA DE EXPLORAÇÃO
No primeiro ano no Iraque ficou como gerente de exploração o Luiz Oscar Salgado Miranda, já falecido, e o João Vitor Campos, que era o chefe do escritório. Depois, foi o Guilherme Estrella. Eu tenho uma fotografia dele com sua filhinha pequena. Hoje ela já é casada e tem filhos. O Guilherme Estrella ficou lá dois anos e pouco também. O Kazumi Miura também foi. Passou uma porção de gente. Nós escolhíamos aqui e nós colocávamos pessoas com perfil que pudessem dar certo.
CAMPO DE MAJNOON
O grande sucesso da Braspetro foi a descoberta de Majnoon. É interessante, porque que me lembre, nunca ninguém na Petrobras nos perguntou o que fizemos pra escolher aquela área. Engraçado, não tiveram curiosidade. Eu e o Perrella escolhemos. Nunca me perguntaram e eu também nunca disse, disse em particular pra um amigo ou outro. Ele não foi escolhido por acaso. Eu briguei para mudar os limites, mais pra cá e mais pra lá: “Vamos botar mais 20 quilômetros aqui pra cima pro norte”, porque achava que podia ser melhor. Depois, na última hora, tinha um campozinho de petróleo deles, que eles ficaram: “Mas esse campo aqui foi descoberto pelo homem do tempo, não pode entrar”. Quiseram fazer um dente: “Pode fazer o dente, não tem problema”. Porque o que eu queria era aqueles 10 quilômetros pra cima. A verdade é que se fez a exploração, tinham duas áreas muito boas, e uma terceira área que nós sabíamos que era carne de pescoço, seria só pra gastar dinheiro de exploração, pois não tinha nada. Essa área que era carne de pescoço é essa área que se chama Bagdá Faluja, onde tem uma mortandade tremenda, perto de Bagdá. Tinha uma área perto dos franceses, que pegamos, porque eles tinham descoberto muito óleo e nós achávamos que era a melhor. E a outra, a segunda melhor, que tinha boas indicações, deu o campo de Majnoon. Eu deixei o programa geofísico de sísmica pronto, foi feito aquele programa e se descobriu o campo de Majnoon. O campo é de uma facilidade fantástica de ser descoberto, porque é simples. A figura geofísica, qualquer criança vê. Se você diz: “Olha essa linhazinha e vai riscando em todas as outras seções que foram feitas”, o cara faz, porque é muito simples. As figuras geométricas do Oriente Médio, nessa área sul do Iraque, são de uma simplicidade fantástica. São de um tamanho fantástico também, porque é muito grande. O Campo de Majnoon foi a maior descoberta mundial da década de 1970. Aquilo era muito maior do que pudéssemos imaginar, devia ter uma reserva que é o dobro da brasileira atual, só esse campo. É um negócio inacreditavelmente fantástico. A maioria dos campos no Oriente Médio é assim. O Iraque tem vários campos, mas daquele tamanho é o maior. Tem vários maiores que aquele. O Oriente Médio é um troço fantástico. Pra quem tinha as dificuldades de interpretação como tínhamos no Brasil, aquilo era brincadeira de criança. Aquilo era o mesmo que tomar bala de criança.
VENDA DE MAJNOON
O contrato exigia que, uma vez coberto o período de dois anos de exploração, fizéssemos um relatório de avaliação pra começar o desenvolvimento. Nós chegamos a fazer esse relatório. Nosso relatório teve 14 volumes bem, grossos, um negócio fantástico. E isso só da descoberta de Majnoon, não era de tudo que se descobriu em seguida. Quando estávamos preparados para começar o desenvolvimento, que íamos gastar dinheiro, apareceu um artigo no Jornal do Brasil, uma entrevista com o então Ministro da Fazenda, um barítono, dizendo que não tinha dinheiro para fazer aquele trabalho; que ia precisar de um bilhão e meio de dólares pra fazer o desenvolvimento da primeira fase do Majnoon. O Governo Geisel estava começando a ter dificuldades, a inflação já começava, e tinha a dificuldade de ser em dólar. O Brasil não queria. Naquela época, eu era o superintendente de Majnoon, porque quando falava em Iraque eu tinha que tomar conta. Comecei a conversar com os japoneses pra empresa Mitsubishi entrar com o dinheiro. Até conseguimos o interesse deles, porque também tinham interesse no petróleo do Iraque. Mas o Governo brasileiro achou que não valia a pena, que não tinha dinheiro. Na época, o Iraque já tinha comprado a reserva dos franceses, e ofereceram pra eles. Foi um mau negócio pro Brasil, foi mal negociado, foi feito com pressa. A diretoria da Braspetro foi contra a negociação açodada, porque queriam negociar com mais calma, para trazer mais dinheiro e mais vantagens para o Brasil. Mas o [Shigeaki] Ueki resolveu fazer sozinho, fez e vendeu. Foi a um preço muito barato, passando por cima de toda a opinião da diretoria da Braspetro. Inclusive, logo depois o Ueki destituiu toda a diretoria da Braspetro. Isso já foi em 1980. O iraquiano comprou aquelas reservas. Ainda redigi – sozinho – um contrato que nos dava direito de explorar lá, mas já não fui eu quem assinou o contrato, foi o [Joel] Rennó, que era diretor da Braspetro, nomeado presidente no lugar do Dr. Geonísio Barroso. Como a diretoria foi destituída, achei que fazendo parte daquele grupo inicial, deveria sair da Braspetro, e pedi para voltar pra Petrobras. Voltei pra Petrobras em 1981.
BRASPETRO / PRIMEIROS ANOS
No Egito, trabalhamos três ou quatro anos e não descobrimos nada. Devolvemos a área e saímos. Na Líbia, ocorreu o mesmo, trabalhamos vários anos na Bacia de Murzuq e na Bacia de Searth, não descobrimos nada e também saímos. Na Argélia, tinha um bloquinho que não era grande coisa desde o início. Fizemos uma descoberta pequena e que não era econômica, e também saímos. Na época, não estive envolvido, mas tinha atividades na Colômbia. O José Ignácio cuidava mais diretamente. O José Ignácio [Fonseca] não se metia muito na parte do Iraque, ele viajou pra lá algumas vezes, mas não se envolvia. A não ser como diretor, quando tinha que aprovar as coisas. Ele não ficava naquele dia-a-dia, mas se envolveu com as atividades de um parceiro nosso, que não era lá muito honesto. A Braspetro, por exemplo, tinha atividades de Madagascar associada com a Chevron. A Petrobras como sócia botou o geólogo, o Álvaro Teixeira, que hoje trabalha no IBP. E tinha uma atividade no Irã associada à Mobil. Mas foram descobertas pequenas. A da Mobil foi uma descoberta grande, mas que não interessou. A Braspetro – minha interpretação – por erro da pessoa responsável pela área, deixou passar os limites do tempo e teve que devolver a área.
IRAQUE / COTIDIANO
Eu voltava umas seis ou sete vezes por ano. Depois, houve um problema interno da Braspetro no Iraque, que não interessa aqui, mas tivemos que fazer quase uma intervenção. Eu fui pra lá ajeitar as coisas. Fiquei lá quatro meses. Nesse período, fiz uma re-arrumação toda do escritório e das atividades. Quando todas as coisas ficaram andando redondinhas, conseguiram um gerente pra ficar morando lá com a família. Quando fiquei lá, quatro ou cinco meses, levei minha mulher junto. Eu morava num hotel. Aquela foto do churrasco ainda foi em Bagdá, porque o escritório ficou inicialmente em Bagdá, quando estava na fase exploratória. Depois que se achou o óleo, nos mudamos. Lá só tinha o escritório com uma secretária, um ponto de chegada no país, e de lá embarcava no trem ou no avião pra Basrah. Toda a atividade passou a ser em Basrah. Aí já tinham muitos brasileiros, uns 20 ou 25, com suas famílias. Basrah era muito mais atrasada do que Bagdá.
Bagdá era uma cidade interessante. O museu de Bagdá era muito bonito, muito bem organizado. É um país em que a civilização era lá, então, tem muita coisa, apesar de o que foi roubado ou levado por outros para Europa. Mas tem muita coisa. A comida é um pouco diferente do que se come em qualquer restaurante árabe no Brasil. Aqui a comida árabe é melhor do que a de lá. É como a comida italiana, você come melhor aqui do que lá.
ESCOLA NO IRAQUE
Quando estávamos em Basrah, tinha muitos brasileiros com famílias grandes. Nós resolvemos botar um colégio que reconhecesse o ensino brasileiro. Houve outra discussão, tinha gente que queria mandar o pessoal brasileiro estudar no exterior. Mas terminou vingando o bom senso e botamos o colégio Anglo Americano. Os professores do Colégio Anglo Americano davam aulas e moravam lá, pagos pela Petrobras. Os professores eram brasileiros e os currículos eram de acordo com o Colégio Anglo Americano. Eles tinham uma filial no Iraque que era reconhecida. Quando saíram do Iraque e voltaram para o Brasil, o ensino deles foi reconhecido e continuaram no Anglo Americano. Esse Anglo Americano, na época, era do Ney Suassuna, esse mesmo senador que agora está dando bronca. Eu tive muito contato com ele. Quem tomava conta desse colégio, na realidade, era a senhora dele, uma moça muito bonita e competente, que foi assassinada em 1976 por uma falsa blitz na Barra. Pra você ver que essas blitzs de criminosos já vêm desde então, não é de hoje. Há muito tempo eles fazem isso.
CONFUSÃO NA MESQUITA
De cada lugar eu tenho uma história. Algumas não dão pra contar; outras, eu tenho que disfarçar um pouco. Nas primeiras viagens que fizemos pro Iraque, com o Perrella e com o outro – os 3 mosqueteiros –, tinha acabado o Ramadã, que é a época sagrada [dos muculmanos] em que fazem jejum. Depois do Ramadã tinha uma festa – duram alguns dias essa festa – naquele pátio da mesquita. A mesquita é cercada. Era uma das mesquitas mais bonitas que existem no mundo inteiro. As famílias ficam ali comendo sanduíche, colocam um tapete no chão. Toda a família fica ali: mulher, filho e criança correndo. Nós fomos visitar essa mesquita e fiz questão de entrar, porque sou muçulmano. Tirei meu sapato, falei em árabe com o guarda, entrei pra conhecer e notei que o rapaz que estava conosco, nosso guia, estava apressado. Quando entrei na mesquita, os outros dois ficaram lá fora. Dei minha máquina fotográfica para o Perrella cuidar, porque na mesquita não pode entrar com máquina fotográfica. Quando saímos, o pessoal dali tinha descoberto que aqueles dois brasileiros não eram árabes, eram cristãos, e estavam com uma máquina fotográfica. Já tinha gente se formando para dar uma surra neles quando nós chegamos. O guia disse: “Não Eles são brasileiros, estão comigo”. Saímos pela porta e fomos embora correndo. O guia disse: “Por que você não voltou?”. Eu disse: “Eu não tenho culpa se vocês são infiéis. Sou muçulmano, tenho direito de entrar em qualquer mesquita. Vocês como católicos que não podem”.
HISTÓRIAS DO DESERTO
O clima do Iraque, no inverno, é mais ou menos como o do Rio Grande do Sul. Não neva em Bagdá, mas neva no norte. Lá é frio, chove muito, mas no verão tem dia que faz 53º C. Legalmente, nunca faz mais de 55ºC, porque, a partir dessa temperatura, o empregado tem direito a uma taxa extra e só trabalha seis horas por dia, ao invés das oito horas. Então, nunca dá mais que 55º, fica em torno dos 54ºC. Mas tem dias de 55ºC. Eu pegava seguido, 50º “é pinto”. Um dia, o Walter Mello pegou um caminho mais curto para ir a Majnoon, não foi pela estrada, e deu uma pane no motor. A sorte foi ele ter levado muita água. Ele ficou debaixo da sombra do carro, porque não tem árvore, o sol é inclemente. Ele via os caminhões passando há um ou dois quilômetros, mas ninguém o via. Se não fosse um carro daqueles passando por lá que o avistou, ele teria morrido de sede.
Outra história aconteceu no deserto do Egito. Quando o pessoal ia para o deserto, no Egito, tinha que avisar e ficava uma turma de plantão do Ministério da Aeronáutica por causa do perigo. Um colega nosso, saiu de noite, em uma colina, o carro dele pifou. Lá de baixo viu as luzes da sonda, achou que estava a uns três ou quatro quilômetros, e disse: “Vou a pé”. Era à noite. Só que no deserto, com o calor, a miragem, você tem a impressão que as coisas estão muito mais próximas a você do que na realidade elas estão. Você caminha e as coisas vão se afastando. Pois bem, o cara foi caminhando, caminhando e caminhando. Amanheceu. A sorte dele é que com uma hora depois do amanhecer chegou à sonda, porque senão teria morrido de calor no meio do caminho, não teria chegado. Se pegasse mais uma meia hora de sol, morria. Já tinham aviões atrás dele, porque tinham saído à noite para chegar em uma hora e não tinham chegado. Quando soubemos que ele estava perdido, veio a notícia da sonda que tinha chegado. Porque senão morre mesmo. O deserto é inclemente, se você não fizer absolutamente tudo como deve ser, você morre, não tem jeito. A primeira coisa que se leva é água. Nós fomos uma vez com um colega de perfuração pro Iraque. Ele contando é gozado. Ele foi com outros engenheiros pro lugar onde íamos furar, ver onde colocariam a sonda, as facilidades do terreno e tal. Pararam onde tinha um tonel de água com uma cuia, um vaso com que o cara pega e bebe a água. Você acha que o cara joga fora a água que sobra? Não, dá pro outro, ninguém joga água fora. Lá a água é um bem raro, eles já se criam sabendo que a água é um bem precioso. Interessante, totalmente diferente de nós.
HISTÓRIA / CAUSOS / LEMBRANÇAS
No Egito, quando a gente negociava com eles, notava que as pessoas escreviam no papel com lápis, anotavam e depois apagavam. O Egito era tão pobre, que não tinham papel pra escrever. Eu dizia: “Mas vocês não têm papel?”, “Temos”. Mas eles escreviam a lápis e depois apagavam. Dois ou três dias depois, apagavam aquilo para reaproveitar o papel. Era a pobreza que estavam passando na época, depois daquelas guerras que tiveram. O Egito era um país bem mais pobre. O Iraque era um país pobre, mas você não via miserável, não via pedinte na rua, não via ninguém pedindo nada. Outro fato do tempo em que estavamos lá: saia do carro, batia a porta, podia deixar o que quisesse dentro do carro que ninguém mexia.
TRAJETÓRIA PROFISSIONAL
A diretoria da Braspetro saiu, um mês depois pedi demissão e voltei pra Petrobras, pro E&P, área de exploração, a minha área. Só que quando saí, era chefe da geofísica. Quando voltei, era peão. Eu tinha que provar de novo que entendia daquilo. Eu tinha uma outra idéia: “Pomba, sou uma das pessoas mais experientes na Petrobras. Vou voltar pra lá como peão. Todo mundo vai me olhar como uma raposa dentro do galinheiro”. Eu tinha que ter muito cuidado pra não melindrar ninguém. Mas novamente a sorte me ajudou. Eu comecei a procurar uma área para trabalhar: “Fica aí, faz o que você quiser”. Aquelas histórias de Petrobras. Eu procurei uma área em que ninguém estivesse trabalhando: “Eu não vou pra Campos, porque vou ser mais uma raposa dentro do galinheiro”. Peguei uma área no Acre, que estava abandonada há uns cinco ou seis anos, e uma área no Rio Grande do Norte, terra, também abandonada, que os velhos no meu tempo diziam não ter óleo e que não era econômico. “Bom, vamos ver essas áreas”. E ninguém estava trabalhando, aquela área estava abandonada. Peguei os dados e comecei a trabalhar. Pedi pra alguns estagiários, e me disseram: “Faz o seguinte, quem é que vai trabalhar contigo?”, “Vou procurar estagiários”. Procurei gente que estava entrando na Petrobras – guri novo – para ensinar a trabalharem direito, porque os outros já eram viciados. Cada um tem a sua maneira de trabalhar. Ensinei a meninada a fazer como queria. E, foi interessante, dei sorte.
RIO GRANDE DO NORTE
Naquela época, tinham descoberto Mossoró. Na cidade tem um hotel muito bom, onde tinham furado um poço para procurar água que deu óleo. Chamaram a Petrobras, que disse que era óleo mesmo, mas que era pouco e não valia a pena. Furaram outro, um poço raso, duzentos ou trezentos metros. E tinha aquele óleo, mas ninguém dava bola, porque disseram que não era econômico. Eu resolvi ver por que tinha dado aquele óleo. Fiz uma nova concepção, porque a parte de geofísica daquela bacia tinha sido feita em 1978, tinham furado uns cinco ou seis poços e não tinha dado nada. Peguei aquela área, aqueles dados antigos e comecei a estudar. E vi que não era nada daquilo. Eu disse: “Ah Esses caras estão procurando errado”. Fiz a minha concepção de como devia se testar o óleo lá e bati outro recorde na Petrobras. Quando você consegue trabalhar uma área, se você dá no período de um ano duas ou três locações, é muito. É muito trabalhoso fechar os dados técnicos todos e justificar uma despesa dessas. Estudei aquela área e disse: “Vou dar 36 locações”. E dei 36 locações numa única seção, todas aprovadas. Só que as minhas locações eram diferentes das outras, eram de 300, 400 e 500 metros, no máximo mil metros de profundidade, tudo era raso. Eu já tinha conversado com o chefe da perfuração, meu amigo, e ele montou duas sondas em cima de caminhões pra furar esses poços rasos. No terceiro poço raso acharam petróleo, quatro ou cinco campos de petróleo. Depois disso me nomearam chefe da geofísica de novo. Foi outro capítulo totalmente diferente na Petrobras. Hoje, poucos poços em terra no Rio Grande do Norte produzem 45 mil barris. É a região de produção em terra maior do Brasil. Há de 20 anos que está assim. É o negócio do “aprenda a ver as coisas”. Você tem que olhar e ver o que os outros não viram. E a maioria não vê.
INTERNACIONALIZAÇÃO
A Braspetro, quando se internacionalizou, era uma companhia pequena. Ela não produzia nem 500 mil barris de petróleo. Era uma companhia pequena como outra qualquer. Depois que descobriram os campos gigantes, tanto aqui quanto no exterior, a Petrobras começou a ser vista de maneira diferente. A Petrobras sempre deu um treinamento muito bom pros seus técnicos, principalmente, na parte de exploração. Esse treinamento propiciou avanços tecnológicos de ponta na parte de águas profundas; a Petrobras é pioneira em todo o mundo, ninguém faz como ela. A Petrobras sempre esta um passo a frente da Shell, que é a segunda. Isso é muito importante. A Petrobras se tornou, com as descobertas aqui, uma companhia gigante. Isso é um algo que no passado não podia ser por causa da lei. Era uma companhia de energia, porque tinha petróleo. Voltou à petroquímica, de onde nunca deveria ter saído. Um dos erros da época da ditadura era a distribuição. A Petrobras está em tudo, ela é um polvo como qualquer companhia grande de petróleo, está sempre crescendo. Ela tem que se internacionalizar, porque é grande demais. Hoje ela é um elefante.
COTIDIANO DE TRABALHO
Desde que entrei na Petrobras, agia sempre como se a companhia fosse minha. Eu sempre fui muito duro com os meus colegas, sempre fui um crítico feroz dos meus colegas. Eu sei que alguns têm ressalvas em relação ao meu nome, mas todos que trabalharam comigo, me adoram. Por quê? Porque assim como chamava atenção para o serviço mal feito, elogiava claramente quando faziam um belo serviço. E nisso, em particular, sempre tive sorte, sempre tive uma equipe muito boa trabalhando comigo, não posso me queixar. Jogava pesado sempre, jogava duro. Como chefe da geofísica, depois, gastava cerca de 90% do orçamento da exploração com geofísica. A geofísica é muito cara, porque a perfuração de um poço pioneiro, o custo do poço não é da exploração, a perfuração faz parte da produção. Eu gastava muito dinheiro, tinha que cuidar muito, porque o dinheiro não era meu, era da empresa, tinha que render.
Nós chegamos a ter até 10 equipes de sísmica de exploração trabalhando em terra, sendo que cinco ou seis na Amazônia. Foi caríssimo. Tivemos duas equipes de offshore trabalhando continuamente em dois navios, gente treinada pra muita coisa, uma máquina de fazer bem o serviço e gastar pouco. Gastar pouco, em termos; a gastávamos 180 milhões de dólares por ano. Mas aquele dinheiro rendia, simplesmente, modificando a maneira de trabalhar. Quando assumi a geofísica, uma equipe sísmica de terra fazia uma média mensal de 64 quilômetros por mês, quando saí fazia 140 quilômetros por mês pelo mesmo preço de custo. Você vê que barateou o custo de geofísica, porque o segredo era treinar gente e fiscalizar. Sempre tive muita sorte na Petrobras devido à época que entrei. Testemunhei, participei do crescimento da companhia quando ela começou a ir para offshore. Depois, quando ela foi para o exterior, quando voltei, a companhia já estava em offshore. Eu já trabalhava em águas profundas e, novamente, fui ser chefe da geofísica, na parte operacional de terra e mar, numa época que essa geofísica era o principal, como agora continua sendo um instrumento de pesquisa em petróleo. Estava sempre no meio desses grandes acontecimentos e grandes descobertas. Isso é muito bom.
APOSENTADORIA
Me aposentei em 1989. Depois montei com um colega uma empresa de consultoria. Mas nos separamos e fiquei sozinho com a empresa. Ele montou outra companhia de representação. Fazíamos trabalhos pra essas empresas novas que vieram para cá. No início, tinha mais serviço. Eu tinha um contrato com uma empresa chamada Unocal, a maior independente americana, mas que terminou sendo comprada pela Chevron. A Unocal era a maior empresa independente do mundo, ela foi comprada agora. Antes de vir pro Brasil, ela me contratou e trabalhei uns oito anos com eles, até que desistiram de ficar no Brasil e foram embora. Um ano depois, foi vendida para a Chevron. Agora tenho pouco serviço, mas me mantém ocupado.
INTERNACIONALIZAÇÃO
A história da Braspetro se divide em várias partes: a primeira, da sua criação até a saída do Iraque, que durou mais ou menos uns 10 anos, de 1971 a 1980. De 1980 a 1990, houve uma segunda fase. Depois, de 1990 até os dias de hoje. São três fases distintas. Na primeira fase, a Petrobras era uma grande importadora de óleo, principalmente, do Oriente Médio. Ela orientou a Braspetro a ter concessões naquele país, porque se comprava bastante óleo e, eventualmente, para que pudesse fazer uma troca comercial. A Interbrás foi criada pra isso, mas não vingou. A diretoria da Petrobras resolveu substituir toda a diretoria da Braspetro, numa penada só. O Shigeaki Ueki foi o causador de tudo isso, trocou todo mundo. Então, começou uma nova fase na Braspetro. Nessa segunda fase, a Braspetro não teve grandes avanços, se limitou a continuar o que já estava sendo feito e, timidamente, houve dois passos que talvez tenham sido importantes mais adiante, que foi a criação da Petrobras América, a Petrobras América Inc, e a ida para o Mar do Norte. A ida para o Mar do Norte também não foi uma iniciativa vitoriosa. A Petrobras América se limitou a participar com outras companhias na exploração de blocos no Golfo do México, sem que ela fosse operadora. A terceira fase da Braspetro, depois de 1990, é fase de crescimento quase que explosivo, quando a Petrobras começou a investir realmente no Mar do Norte e começou a ir com mais ênfase na parte oeste da África, na parte offshore. A Petrobras já dominava bem as águas profundas e cada vez mais profundas, o conhecimento já era grande, por isso a escolha do oeste da África. Fez também tímidas incursões pela Ásia – que também não deram certo –, e houve um crescimento muito grande na América Latina. Na terceira fase, se deu ênfase à América Latina e ao leste da África. O Oriente Médio passou a ter uma importância muito reduzida.
IMAGEM DA PETROBRAS
A Petrobras passou de uma companhia de petróleo comum – como tantas outras pequenas de mundo subdesenvolvido – a uma grande companhia de petróleo. Quando foi descoberto o primeiro campo gigante de Majnoon, eu me lembro que a Braspetro recebeu uma carta do Link – ele ainda era vivo – endereçada ao Doutor [Geonísio] Barroso, dizendo que qualquer companhia de petróleo para ser grande tinha que ter uma descoberta gigantesca, e aquela descoberta credenciava a Petrobras pra isso. Logo depois, na década de 1980, começaram a ser descobertos os campos de Marlin e Albacora, campos gigantescos na plataforma continental brasileira. A Petrobras passou de uma companhia de petróleo qualquer para uma grande companhia de petróleo. Veio crescendo explosivamente, não só da parte de exploração e produção, no país e no mundo inteiro, como na parte de distribuição e na petroquímica. A Petrobras é importante na petroquímica associada a outras grandes companhias de petróleo. Foi aberta a exploração no país para as companhias estrangeiras também entrarem. A Petrobras comprou a Perez Companc, na Argentina, e se atirou na América Latina, porque só tinha praticamente a Bolívia, uma operação tímida no Equador e alguma coisa também tímida, na década de 1970, em Trinidad e Tobago. Ela passou a ser uma presença constante. Houve então a transformação da Petrobras de uma companhia de petróleo para uma companhia de energia. Hoje ela é um dos gigantes, ninguém fala em petróleo no mundo sem citar a Petrobras, com respeito. Ela é considerada uma das grandes companhias. Nessas três fases, a Braspetro também sofreu com o crescimento da Petrobras; decorrência do próprio crescimento.
TRAJETÓRIA PROFISSIONAL
Eu sempre tive muita sorte na Petrobras devido à época que entrei. Eu testemunhei e participei do crescimento da companhia quando ela começou a ir para offshore e quando foi para o exterior. Depois, quando voltei, a companhia já estava em offshore, trabalhando em águas profundas. E, novamente, fui chefe da geofísica, na parte operacional de terra e mar, numa época que a geofísica era o principal, como continua sendo um instrumento de pesquisa em petróleo. Estava sempre no meio desses grandes acontecimentos e grandes descobertas, e isso é muito bom.
SÍSMICA 3D
Como era chefe da geofísica, das operações em geofísica, a prospecção offshore era praticamente da geofísica, que estava sobre meu comando. Eu me lembro, por exemplo, que convencemos a direção da Petrobras a fazer coberturas muito extensas em 3D. A idéia não foi minha, foi de um outro colega, mas eu açambarquei essa idéia. Eu me lembro muito bem que fui chamado pelo superintendente, que disse: “Você está patrocinando umas idéias subversivas de fazer 3D”. Era uma atividade de exploração caríssima naquele tempo. Só se fazia em campos pequenos, em cima do campo, porque era muito cara. Eu digo que a idéia não é minha, mas acho que o futuro da sísmica é esse. Hoje está mais do que provado. Mas o superintendente acabou aceitando a hipótese e nós começamos. A idéia veio de várias pessoas, mas se originou na turma que cuidava da Bacia de Campos, onde estava a maioria dos geofísicos. Talvez essa idéia tenha sido capitaneada pelo André Romanelli Rosa, um geofísico muito bem preparado, um dos primeiros PhDs em geofísica da Petrobras. Ele trabalha até hoje e é muito bem preparado teoricamente nessa parte de interpretação. Mas, na verdade, isso é feito no mundo inteiro, mas a Petrobras foi uma das pioneiras nessa maneira, no uso do 3D.
PARCERIA COM A MARINHA BRASILEIRA
Na época desse crescimento, quando voltei à geofísica da Petrobras, houve a ida do Brasil à Antártica. O Brasil já tinha a Antártica como um posto avançado, porque segundo o Tratado da Antártica, quem se estabelecesse permanentemente fazendo pesquisas, teria direito no futuro a fazer alguma coisa também. O Brasil tinha uma sede que funcionava o ano inteiro e uma área da Marinha, chamada Sirme, que cuidava dos recursos do mar, estava nos projetos da Antártica. O Sirme tinha uma secretaria que se reunia em Brasília todos os meses, com gente de tudo quanto é ministério, dos quais o representante do Ministério das Minas e Energia era da Petrobras; e eu representava a Petrobras. Nós sempre estávamos presentes nessas reuniões. Nessa época, surgiu a idéia de mandar um navio oceanográfico da Marinha pra fazer um levantamento na plataforma. O navio se chamava Almirante Câmara, que depois desses trabalhos terminou afundando. O problema era aparelhar o navio e esse trabalho coube à geofísica. Nós aparelhamos o navio com aparelhos sísmicos da Petrobras, o que faltava compramos, e colocamos pessoal técnico especializado. A Marinha deu o navio e o suporte logístico, nós fazíamos a parte técnica. Nesse navio, foram só funcionários da Petrobras. Como ainda havia dúvidas de que só a nossa turma pudesse comandar todas as operações, contratamos uma companhia de geofísica americana. Dois técnicos americanos vieram trabalhar conosco no navio, no caso haver algum problema mais sério nos equipamentos, porque alguns deles eram de última geração. Mas eles não foram úteis. Nós gastamos dinheiro para ter uma garantia. E lá se foi o navio.
Fizemos um levantamento extenso de geofísica na Antártica. Eu era o chefe da missão, mas acompanhava aqui do Rio. Fui ao Ushuaia, uma cidadezinha no pé da América do Sul, onde os navios que vinham da Antártica faziam posto de abastecimento e voltavam. Numa dessas vindas, vimos os dados coletados, fizemos pequenas correções nas programações geofísicas que achamos que valia a pena e ele voltou pro mar para os levantamentos. Ele fez uma ou duas missões, mas a primeira teve grandes resultados, inclusive, uma nova bacia sedimentar offshore da Antártica, que batizamos com o nome de Almirante Câmara.
Aí entra uma parte política extremamente delicada, porque ninguém pode explorar comercialmente a Antártica. Mas todos os países estão lá para aprender a conviver com o frio e eventualmente explorar. A Antártica é maior que a América do Sul, é um continente. Aí vem o cinismo internacional, todos aqueles levantamentos se acham puramente científicos, mas aquelas descobertas ou trabalhos que podem ter eventualmente algum valor comercial futuro, contam só algumas coisas e o resto é segredo total, apesar do tratado da Antártica dizer ser de livre troca de informações. Essas descobertas que a Petrobras fez na Bacia de Almirante Câmara são a mesma coisa. Que eu saiba, os dados e os registros que se obtiveram lá, só a Petrobras tem. Pelo menos, no meu tempo, só nós tínhamos. Para o país não interessa a divulgação. Poucos sabem o que fizemos, qual foi o resultado, mas para os outros, sempre estamos estudando e não está pronto. É aquela história. Os resultados realmente não são divulgados. É uma bacia sedimentar profunda, mas não sabemos ainda se tem um campo lá. Pode ter óleo, porque é uma bacia sedimentar que não se sabia que existia e nós descobrimos. Essas coisas é que contam ponto, então, fica todo mundo calado. O petróleo só pode estar em bacia sedimentar. Mas para ter petróleo tem que ter gerador, reservatório, movimentação tectônica e tem que ter ocorrido em épocas apropriadas. São raríssimas as bacias sedimentares que não tem nada. Temos a impressão que pode ter condições de ter petróleo lá. Mas vamos ficar só nessa parte, por enquanto. Mas é uma informação que a Petrobras detém há mais de vinte anos.
Paralelamente, havia uma determinação da ONU de fazer um levantamento da plataforma continental, pra determinar o limite econômico de cada país – já que países como o Brasil reconhecem as 200 milhas como mar territorial. Os EUA reconhecem só 11 milhas ou 16 milhas, e assim pelo mundo afora, é uma salada de fruta. A ONU determinou logo o que seria a área exclusiva de pesquisa e pediu que todos os países fizessem determinações à sua plataforma. Nós aproveitamos esse navio da Marinha, a determinação da ONU e a disposição da Petrobras. Fizemos um levantamento de toda costa brasileira, tanto é que quando expirou o limite dado pela ONU, em 1998, o Brasil já tinha feito isso há muito tempo e sabia exatamente o que tinha lá. Fomos um dos primeiros países a fazer.
A ida a Antártica foi uma escapada que nós demos. Só pode trabalhar lá no verão. Passou-se dois anos fazendo esse levantamento, depois a Marinha equipou, com o auxílio da Petrobras, um outro navio sismográfico. Foram dois navios operando para fazer esse levantamento da nossa plataforma e o seu limite comercial, na década de 1980. Até o início dos anos 90, houve interpretações espalhadas pelo mundo todo. Isso é disponível, a ONU reconheceu o trabalho que foi apresentado. Hoje essa delimitação da costa econômica brasileira está bem determinada, graças ao serviço da Sirme, da Marinha brasileira e da Petrobras, que conjuntamente fizeram esse trabalho. É um trabalho muito importante pro país, para petróleo mesmo. Claro que a ficamos conhecendo melhor os limites externos que temos das nossas bacias sedimentares. A Petrobras também usufruiu os conhecimentos adicionais para a busca de petróleo, mas se fez esse trabalho para a Marinha. Foi um trabalho muito importante, não só para a Petrobras como para o país inteiro. Fizeram-se linhas perpendiculares espaçadas a cada 50 quilômetros, ao longo da costa, e várias linhas paralelas à costa, uma amarração dos perfis para poder fazer uma interpretação. Também foi feita a vistoria de espessura sedimentar, pra ver onde terminava, porque a ONU definia várias maneiras de achar esse limite. E em águas profundas também tinha estudo do solo oceânico, foi um trabalho muito importante. A Petrobras, claro, usufruiu dos resultados. A Marinha também usufruiu para outros fins, bélicos ou de segurança, porque apesar de ser uma determinação da lâmina d’água e de sísmica rasa, que serve para petróleo – colocamos a gravimetria e magnetometria, porque isso também serve para petróleo. Ao mesmo tempo em que se fez um levantamento, fizeram outros dois levantamentos juntos que não foram divulgados, porque não interessa, só interessava para a ONU. Agora, esses dados são de propriedade da Petrobras e da Marinha. Até hoje estão lá.
TRAJETÓRIA PROFISSIONAL
Eu fui assistente da diretoria da Petrobras durante um período muito curto. Foi um período muito conturbado na Petrobras, porque foi no período do Collor. Não houve nada de importante.
EXPLORAÇÃO OFFSHORE
Nessa ocasião, o Carlos Walter já era o superintendente de exploração e representava uma nova mentalidade dentro da Petrobras. Porque tinha a antiga mentalidade e ele representava a nova mentalidade. Ele acreditou naquela interpretação que tinha feito da Plataforma Continental, que era um domo de sal, o que modificava todo um conhecimento aceito e reconhecido antes. Ele montou o primeiro poço marino, o Espírito Santo Submarino, pra provar que tinha muito sal, o que hoje é de conhecimento geral, tem no mundo inteiro. Isso abriu novas perspectivas, porque em petróleo existe muita coisa de como os outros fizeram. Tinha óleo no Golfo do México, tinha óleo offshore no delta do Níger, do outro lado da África. A gente imaginava, os geólogos, que as grandes ocorrências de óleo no Brasil seriam no delta do Amazonas, no delta do São Francisco e no delta do Rio da Prata. No começo, as equipes sísmicas trabalhavam nessas faixas. Em 1968, as equipes sísmicas iam todas em navios pequeninhos, de 40 metros de comprimento. Aquilo jogava que era uma barbaridade, era uma casca de noz dentro do mar. Os equipamentos que se tinha permitiam levantamentos de até 50 metros, porque não havia maneira de localizar o ponto em que estava o navio. Era feita uma triangulação por rádio freqüência. Então, se começava a fazer os levantamentos e se chegava a uma lâmina d’água de até 50 metros, depois daquilo havia pouco interesse.
Posteriormente, nós conseguimos convencer o superintendente Carlos Walter a estender aquelas linhas sísmicas em até 200 metros. Depois de muita discussão, ele resolveu mudar, porque também era muito caro fazer isso. A maioria das linhas já era atirada para 200 metros. Começou a se notar que as estruturações que existiam, a maioria, era além de 50 metros. Nesse meio tempo, se descobriu pertinho da costa, em Sergipe, o Campo de Guaricema, um campo muito pequeno. Hoje talvez nem começássemos a explorar, mas naquela época foi muito importante por ser o primeiro e próximo a Sergipe. Sergipe tornou-se um foco de atenção, se fez muita sísmica ali e se descobriu vários campos de petróleo, todos de tamanho pequeno. Mas a Petrobras fincou o pé na plataforma, tanto que os campos descobertos mais tarde em Campos, foram acima de 50, 80, 120 metros. Depois disso, entramos cada vez mais mar adentro, a tecnologia de aquisição de dados começou a permitir que se fosse pra lá: “Se descobrir campo podemos furar e produzir”. Isso foi levado e a Petrobras quase sempre capitaneando essa nova tecnologia. A Petrobras se especializou em águas profundas. Os grandes campos de petróleo estão a mil e pouco metros de profundidade: Marlim, Albacora e Roncador. Todos são campos gigantes em águas ultra-profundas. Hoje não há mais limite, você pode ir pra qualquer lugar do mundo e não tem problema nenhum. A perfuração não era o problema, mas a produção. E a Petrobras capitaneia a tecnologia de produção em águas profundas, sempre está um passo a frente dos outros.
CAPACITAÇÃO TÉCNICA
Gostaria de falar um pouco sobre o treinamento que a Petrobras deu. Ela dividia o treinamento em grandes partes, principalmente na parte de exploração. O treinamento, desde a época do Link, quando ele viu que não tinha escola de geologia, muito menos de geologia do petróleo, pegou os empregados da Petrobras que tinham algum conhecimento de geologia e mandou pros Estados Unidos. Foram José Ignácio, Carlos Walter e Carlos Alberto. Essa turma mais antiga fez curso de geologia no exterior. Desde aquela época, já havia uma preocupação em preparar gente. A Petrobras criou em 1957, 1958, 1959, o centro de treinamento da Petrobras, que hoje se chama Cenpes, através do Doutor Moggi – uma pessoa muito boa, ele operacionalizou o treinamento sistemático na Petrobras. Ele fez um convênio e colocou cursos de geologia do petróleo reconhecido pela Universidade da Bahia. Se formaram várias turmas de geólogos na Petrobras. A primeira turma foi a que se formou em fins de 1958. A minha turma, do Álvaro Teixeira e outros, se formou em fins de 1959. Depois, teve mais uma turma do Miura, em 1960. Naquela época, era difícil arrumar gente para trabalhar na Petrobras. Fazia-se propaganda no Brasil inteiro, nas faculdades e universidades de engenharia, para que o pessoal viesse pra Petrobras. Essa foi uma primeira fase. Todo mundo falava bem do Carlos Walter, porque a segunda parte da exploração começava com ele na parte offshore. Mas a grande coisa que ele fez foi o treinamento. Ele era obcecado por treinamento. Ele não fez pós-graduação, aquilo era a obsessão dele. Mandava gente para os Estados Unidos pra fazer pós-graduação, mestrado, doutorado e o treinamento aqui no Brasil.
Nessa época, já começavam a se formar cursos de geologia no Brasil inteiro, no Sul, São Paulo, Rio de Janeiro, Bahia e em Recife. Quando começou a aparecer escolas de geologia, a Petrobras diminuiu a escola dela. Ficou fazendo escola só para geólogos admitidos, pra dar um treinamento em petróleo. Havia um curso para equalizar e dar conhecimento de petróleo. Esse foi um dos primeiros, depois teve em Minas. Hoje tem escolas de geologia em todo o Brasil, mas naquela época era um problema seríssimo. Posteriormente, por causa da geologia, ele começou a necessitar de gente especialista em geofísica, porque na Petrobras o geólogo que sabia falar um pouco melhor inglês e que tinha mais facilidade em matemática, era encaminhado pra geofísica. A Petrobras continua dando incentivos aos geólogos para que se formem em geofísica, que é a melhor combinação. Mas já existem matemáticos estudando geofísica, porque são pessoas mais teóricas. E se formou no Brasil inteiro, também, pós-graduação em geofísica para geólogos na Bahia, no Rio de Janeiro e em Ouro Preto, patrocinados pela Petrobras. Hoje existem cursos de pós-graduação em todos os lugares. A Petrobras sempre forneceu o pessoal ou pagou professores especialistas, reconhecidos no mundo, pra dar aula. Ela continuou com essa parte de treinamento muito avançado. É isso que tem dado à Petrobras a excelência. A idéia era ter entre o Cenpes, a Petrobras e o Departamento de Exploração, uns 20% com pós-graduação. Hoje a Petrobras tem mais um pouco do que isso, acho que são 22% que já trabalham com pós-graduação. É isso que está tocando a Petrobras pra frente.
IMAGEM DA PETROBRAS
Na época da “campanha do petróleo é nosso”, eu era estudante e corri da polícia por causa disso. A Petrobras não era um emprego, a Petrobras era nossa Hoje, a maioria dos caras que estão aí não vêem a Petrobras como uma algo nosso, vêem a Petrobras como mais uma empresa. De vez em quando, gente que está há muito tempo na Petrobras, de repente, pede demissão, depois de usufruir treinamento, cursos e oportunidades, e vai trabalhar numa companhia de consultoria americana. Isso decepciona muito. Hoje – quando digo hoje, são os últimos quinze, vinte anos – essa turma já não é mais a mesma, não tem a Petrobras como uma “camisa para vestir”, tem a Petrobras como um emprego. É aquela história, é chato dizer que no meu tempo era assim e assado, mas nós ficávamos 28 dias no campo e quatro dias de folga. É claro que isso era até desumano, mas hoje o cara vai pra plataforma trabalha 15 dias e tem 21 dias de folga. Aquilo passou a ser uma operação suplementar, porque ele pode ser comerciante nos outros dias de folga. Eu me lembro, por exemplo, quando era chefe da geofísica, do sindicato sempre querendo mais. Eles brigavam para as equipes de sísmica de superfície terem folgas iguais às equipes de mar. Inicialmente, trabalhávamos três dias e tínhamos um de folga, então passou para dois dias por um, e depois os caras queriam um por um, e conseguiram. O cara trabalha 15 dias e passa 15 dias em casa passeando. Existia bom-senso do outro lado. Em várias oportunidades que queriam fazer dois por um, chamei os caras do sindicato e falei: “Olha, nós estamos economizando dinheiro do jeito que fizemos. Nós conseguimos uma produtividade muito grande dando bônus pros empregados e pros caras das máquinas, e o custo da geofísica caiu verticalmente. Agora, se você botar dois por um, o custo de mão-de-obra é muito grande, tem que ter muita gente. Eu não vou conseguir fazer esse mesmo trabalho por esse mesmo preço, vai custar mais caro pra Petrobras e custar mais caro para o país”. Durante o meu tempo permaneceu três por um, nunca passou disso. Hoje já está um por um. Os que me substituíram não tiveram argumento, falam cada vez mais nesse negócio de “a Petrobras é rica, deixa pra lá”. Poucos são aqueles que ainda vestem a camisa da empresa mesmo.
TRABALHO, BONUS E PRODUTIVIDADE
Quando assumi a geofísica, ela vinha tendo um enfoque diferente do que era dado antigamente. Isso a gente via no exterior, onde eu trabalhava. E aqui dentro as coisas andavam mais devagar. Quando me deram a chefia, eu disse: “Bom, vou implantar o que vi e como deve ser feito”. Na época em que comecei a trabalhar pra ser o chefe da operação geofísica interna tínhamos 11 equipes de terra e grande número delas na Amazônia, que são caríssimas, tem 360 a 400 empregados cada uma. O custo é alto, porque é apoiada por helicópteros, um apoio extremamente caro. A primeira coisa que fiz foi dar um treinamento pro pessoal que entrava, para eles saberem exatamente o que deveriam fazer no campo, o que antes era meio fluido. Dizia exatamente o que o cara ia fazer. O empregado era admitido na Petrobras, após um concurso nacional, passava por um curso teórico, era colocado no trabalho de campo, aprendia alguma coisa, voltava para o curso teórico e depois começava a ser treinado mesmo. Nesse meio tempo, modificamos os contratos com as companhias, porque quase todas eram brasileiras misturadas com as estrangeiras. Não tinha só a equipe brasileira, tinha estrangeiros também. Nós modificamos os tipos de contrato. O contrato era feito pagando um preço básico pra certa quilometragem que se fazia por mês. Nós já sabíamos quanto que se podia fazer de quilometragem. Mas a cada quilômetro que se fizesse a mais, os empregados ganhariam um bônus sobre o salário, e os americanos, a empresa, ganhariam um bônus sobre o preço do equipamento. Aquilo foi se adaptando em um ou dois anos, de maneira que ficou um chamariz fantástico. A equipe de terra, que antes produzia no país 68 quilômetros, em média, passou a produzir 240 quilômetros por mês, com qualidade igual, ou melhor, que antes. Por que a quilometragem era maior? Porque o cara sabia que se produzisse mais, ia ganhar mais. O cozinheiro, que não tinha nada a ver com o campo, quando a equipe chegava de noite pra comer, queria saber como tinha sido o trabalho, se a produção tinha sido boa. Todo mundo passou a viver o trabalho em equipe. O cozinheiro também tinha a participação dele, tantos porcento sobre o salário. O americano, o dono do equipamento, também tinha interesse em botar mais equipamento, porque sabia que ia ganhar mais dinheiro. Por isso que deu aquele negócio. É claro que passei a gastar por mês muito mais, mas por quilômetro produzido, o que me interessa, o valor caiu pra um terço, um quarto. O que antes três equipes produziam, passou a ser produzido por uma equipe só. A coisa funcionou e todo mundo ficou contente, todo mundo ganhava mais.
TRABALHO DE CAMPO
Os empregados que tinham folga de dois por um, naquela época, a maioria ficava 180 dias no campo. Eles faziam os acertos do dinheiro com os chefes, para que o salário deles fosse mandado pra família, porque em geral eram maranhenses. O empregado maranhense é muito bom, eles ficavam no campo. Agora, o bônus, eles não davam pra família, ficava com eles. Ficavam jogando carteado todo dia à noite e viviam felizes. O operário de campo de sísmica é um povo engraçado, você pode tirar o couro deles durante o dia – o trabalho é terrível –, mas se chegar de noite e eles puderem tomar um banho e jantarem uma comida boa, estão satisfeitos. Em um programa de sísmica, se tem um banhado, alguém tem que atravessá-lo; o cara atravessa com os troços na cabeça, com água até o peito, botando geofone, fazendo furos pra botar explosivos. É um trabalho terrível Na Amazônia, o cara ainda tem que cortar picada pra limpar. Agora, o jeito de trabalhar mais difícil que vi foi no Espírito Santo. Você chega lá, começa a conversar com o operário, um é de Aracajú, outro é de não sei onde. Todos eles se conhecem. É engraçado, é uma turma onde todos se conhecem. O cara soube que a equipe está em tal lugar, ele já tinha trabalhado há dois anos atrás numa outra no Rio Grande do Norte, vem, se apresenta, e diz: “Eu trabalhei na equipe tal, com o doutor fulano”, “Aceito”. Porque ele vai lá, já vai ter vários amigos que conhece e se encaixa. É um grupo que trabalha junto. É impressionante.
HISTÓRIAS / CAUSOS / LEMBRANÇAS
Na equipe sísmica, quando entrei na Petrobras, o acampamento era feito em barraca de lona. Os operários moravam numa barraca grande que cabiam 20 ou 30 em cada barraca, cada um com sua cama e mosqueteiro. Mas os engenheiros tinham uma barraquinha menor com duas camas em cada barraca. Nós tínhamos um topógrafo, mentiroso como só ele. Aliás, quase todo topógrafo é mentiroso que é uma barbaridade Vivia contando “causos” da Amazônia. Esse topógrafo contava que na Amazônia, um dia estava trabalhando – ele era grande e gordo – e resolveu tirar uma “pestana”. Encostou-se numa árvore e começou a dormir. Daqui a pouco, começou a sentir um negócio e continuou dormindo. Quando acordou era uma onça que estava cheirando ele. Só que era mentira. Ele era um cara engraçado. Primeiro, porque ele roncava muito. Roncava de tal maneira que a barraca dele ficava a uns 50 a 60 metros longe da dos outros. Mesmo assim, a gente ouvia os roncos. Isolávamos a sua barraca; ficava tudo em linha e a dele ficava lá longe. Era uma bela pessoa, o pessoal gostava muito dele, mas como todo topógrafo, era mentiroso que era uma barbaridade.
HISTÓRICO PETROBRAS / AVALIAÇÃO
Como uma companhia estatal, que tem o governo como principal acionista, o cargo de presidente da Petrobras quase sempre foi preenchido politicamente. Eu acho que o único que não foi indicação política foi o Doutor Geonísio Barroso. Ele foi colocado pelo Jânio Quadros, que durou pouco tempo. O resto, que me lembre, foi politicamente. Quando dá sorte e o político tem visão, tudo bem. Mas, infelizmente, nesses 50 anos que acompanho a Petrobras, acho que só tiveram três presidentes que deram certo, mesmo colocados politicamente. O primeiro foi o Juracy Magalhães, o primeiro presidente da Petrobras. Foi o homem que trouxe o Link e começou a fazer o esquema de treinamento para o pessoal da Petrobras. Ele era muito ligado ao treinamento. Esse foi um dos grandes nomes que a Petrobras teve, era um político sagaz. O baiano é sagaz.
O segundo presidente a quem a Petrobras deve o que ela é hoje é muito pouco conhecido, chama-se Marechal Ademar de Queirós, que hoje empresta o nome à sede, colocado pela ditadura na chefia da Petrobras. A Petrobras deve a sua existência a ele, porque quando o presidente Castelo Branco governava, houve uma grande pressão, principalmente pelo Roberto Campos e outros, para que a Petrobras fosse privatizada e vendida. O decreto de privatização da Petrobras já estava pronto e foi entregue para o Marechal Castello Branco. O que pouca gente sabe – eu soube por acaso – é que o presidente da Petrobras era amicíssimo do Castello Branco, uma das eminências pardas do país. Ele nunca apareceu, mas tinha uma força política dentro e fora do Exército fantástica. Quando esse projeto já estava na mesa do Castello Branco para ser assinado, como fez muitas vezes, ele telefonou para o Ademar de Queirós e perguntou o que achava sobre aquilo. Ele disse que não devia assinar, porque a Petrobras tinha um corpo técnico excepcional e que esse negócio de dizer que todos eram comunistas era conversa fiada, porque devia ter uma meia dúzia nas refinarias que eles já tinham eliminado. Disse que a Petrobras tinha que continuar estatal. O Castello Branco simplesmente rasgou aquele decreto, que nunca saiu e que nunca ninguém ficou sabendo por que não saiu. Foi por causa do Marechal Ademar de Queirós, com quem depois tive oportunidade de conviver, uma pessoa de uma simplicidade fantástica. Era impressionante como um cara com tanto poder na mão pudesse ser uma pessoa tão simples. E a força dele era grande. Quando o Geisel era presidente da Petrobras, um presidente de autoridade, ele era conselheiro. Eu me lembro de quando fomos apresentar o prospecto do Majnoon. Éramos três pessoas: Doutor Barroso, o Perrella e eu. Como fiz os cálculos manualmente – bolados por Perrella, que estruturou o negócio – me designaram para fazer a apresentação para a diretoria da Petrobras. Eu fui lá e apresentei o projeto. Acharam que seria um grande projeto, mas chegou o negócio chamado “rate of return” [taxa de retorno] – qual seria a lucratividade que esse projeto deveria dar pra nós? Quanto achava que deveria ser? Eu disse pra ele: “As grandes companhias americanas trabalham dentro desse intervalo x a y, nós achamos que deve ser tanto”. Nós, quer dizer, os que trabalhavam lá, que discutiam com o Barroso. O Geisel parou e disse: “Parece um bom número”. Virou-se para o Marechal Queirós: “E o senhor Marechal, o que o acha?”. Ele era do conselho. O Marechal disse: “Eu também acho que está bom”. O Geisel virou para toda diretoria e disse: “De hoje em diante o número que a Petrobras vai usar como retorno de seus projetos será tantos porcento, só que não vai aparecer na ata”. Porque isso é uma das coisas mais fechadas que uma companhia tem. Acredito que até hoje seja o mesmo número. Nunca apareceu escrito, pouca gente fala nele, e não se discute aquilo até hoje. Eu não sei qual é o número que a Petrobras usa pra retorno dos seus investimentos, mas acho que ainda é o mesmo.
O terceiro presidente da Petrobras, de grande valia, e que pouco se fala, chama-se [Henri Philippe] Reichstul. Eu não o conheci pessoalmente, nunca convivi com ele, mas sei o que aconteceu, porque tinha vários amigos na diretoria que me contavam. Foi o primeiro cara que percebeu que a Petrobras não tinha um plano de contas confiável. Quando fui chefe da geofísica, procurei saber quanto me custava uma equipe sísmica trabalhando, da própria Petrobras. E a maneira como os caras apropriavam os custos, era uma maneira exótica. Eu disse: “Não”. Já que não podia modificar a maneira de como a Petrobras apurava os custos, eu fiz dentro da minha divisão, uma estrutura de custo paralela e identificava as companhias privadas. Pra poder comparar a minha equipe, só de gente da Petrobras, com as equipes dos outros. Eu sei que era exótico mesmo. Porque aquilo foi feito ao longo do tempo, não foi ajustado e havia outras coisas completamente erradas. Só sei na equipe sísmica, por exemplo, um caminhão de 24 meses, na Petrobras era 60, uns troços malucos feito nos primórdios, que não foram readaptados. Mas o Reichstul modificou toda a estrutura de custo, de avaliação, de desempenho da Petrobras. Ele fez o que hoje se chama de transparência com o mercado. Foi como ele disse: “A Petrobras é um monstro do navio. Agora pode ser um Titanic que vai afundar quando bater”. Eles não tinham parâmetros de gerenciamento, isso foi modificado inteiramente nesse período. Essa estrutura que ele colocou na Petrobras foi importante pra uma companhia que hoje é mundial. Hoje a Petrobras, sem nenhum esforço, responde a todas as exigências que qualquer companhia de petróleo precisa para ter suas ações negociadas na bolsa de Nova York. Por quê? Porque ela está estruturada adequadamente. E o último movimento dessa estruturação foi feita agora com a renegociação da Petros, quando criaram juízo e fizeram uma reestruturação. Porque do jeito que estava era insolúvel também. Ainda não está bem solúvel, mas está muito melhor do que era. Eu não sou da FUP, não tenho nada que ver com eles.
IMAGEM DA PETROBRAS
Eu trabalhei 33 anos na Petrobras e a tratava como se fosse minha companhia. Se ela fosse minha, faria exatamente o que fazia. É uma companhia excepcional, que realmente toma conta dos empregados. Mas tem muito abuso por parte do sindicato. A Petrobras tem que se cuidar pra não virar uma Varig e ser comida pelos empregados. Pouca gente percebe que para ganhar dinheiro tem que dar alguma coisa em troca: trabalho. Pelo que me contam, hoje está havendo um aparelhamento em toda a Petrobras. Hoje é o PT, mas já foi a UDN, já foram outros partidos. Encheram a empresa de gente terceirizada, sem qualificação, sem necessidade. Isso é um problema muito sério, não é por causa do PTB. O PTB está agora com raiva dele. Mas se não fosse ele, e fosse outro, iriam fazer a mesma coisa. Esses partidos são todos iguais. Como se diz lá no Sul: “É tudo vinho da mesma pipa”. É isso que o pessoal tem que ter cuidado. A companhia não é um saco sem fundo, tem limite pra tudo e esse limite nem sempre é obedecido. Tomara que dê certo. Até hoje deu, não há razão pra não continuar dando. É só de vez em quando aparecer uma pessoa que corrija o rumo adequadamente.
PROJETO MEMÓRIA
Eu acho uma coisa interessante. Principalmente, porque vai ser aberto ao público, vai ter opinião de muita gente, algumas divergentes entre si, mas alguém no futuro poderá ver o que aconteceu com a Petrobras, fazendo uma média. Porque fulano disse aquilo, beltrano disse aquilo, e podem ver o que aconteceu de fato durante esse período. Minha perspectiva é muito estreita, só da parte de exploração. Você tem a parte de produção, a parte de petroquímica, que fizeram uma besteira enorme com a Revolução[ Golpe Militar de 1964]. Fecharam a petroquímica e agora estão reabrindo. Claro que tem que abrir. Tem a parte de refino, que é muito importante, e a parte de transporte, que no passado era a Fronape, que hoje foi transformada em Transpetro e já tem uns dutos de petróleo. Se todo mundo der sua opinião, acho que dá pra ter uma boa visão.
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