Projeto Memória: Companhia Vale do Rio Doce
Depoimento de Cândido Cotta Pacheco
Entrevistado por José Carlos Vilardaga e Claudia Resende
Rio de Janeiro, 17 de abril de 2000
Realização Museu da Pessoa
Código da entrevista CVRD_HV020
Transcrito por Cristina Eira Velha
Revisto por Wini Calaça
P/1 - Então, a primeira pergunta é o seu nome completo, data de nascimento e local de nascimento.
R - Cândido Cotta Pacheco, Serra do Salitre, Minas Gerais, 13 de julho de 1937.
P/1 - O nome dos seus pais?
R - Antônio Cotta Pacheco e Tayde Alves de Ávila.
P/1 - O senhor conhece a origem da sua família, seu Cândido?
R - Conheço, sim. Nós temos até uma certa história da família. Mas na realidade é o seguinte: o nome Cotta Pacheco é um nome muito característico, você não encontra esse sobrenome em qualquer lugar. Você encontra Cotta separadamente, você encontra Pacheco separadamente, mas o sobrenome Cotta Pacheco, ele é um sobrenome diferente. Então a família, basicamente, que eu sei, meus pais, meus avós, vieram de Santo Antônio do Monte, em Minas Gerais, foram para aquela região lá de Serra do Salitre, Uberlândia. Tem o Rondon Pacheco, que foi governador de Minas, é meu parente, está certo? Agora o interessante é o seguinte: que os nossos parentes em Uberlândia descobriram que Amsterdam tem uma família de Cotta Pacheco, exatamente o mesmo sobrenome, entendeu. Agora Pacheco é espanhol, português. Agora Cotta eu não sabia de onde era, para mim era italiano. Não, mas é francês. É francês, entendeu? Então, essa conjunção desses dois nomes é que dá origem a essa família de Cotta Pacheco. Cotta Pacheco no Brasil é meu parente, de uma certa maneira é. E eu tenho por outro lado a família de Ferreira do Amaral, o pessoal que gosta de música, uma família grande, todas são de família muito grande. Todos gostam da música. Segundo meu pai sempre gosta de uma biritinha, alguma coisa por aí, sabe? Na realidade são pessoas que...
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Depoimento de Cândido Cotta Pacheco
Entrevistado por José Carlos Vilardaga e Claudia Resende
Rio de Janeiro, 17 de abril de 2000
Realização Museu da Pessoa
Código da entrevista CVRD_HV020
Transcrito por Cristina Eira Velha
Revisto por Wini Calaça
P/1 - Então, a primeira pergunta é o seu nome completo, data de nascimento e local de nascimento.
R - Cândido Cotta Pacheco, Serra do Salitre, Minas Gerais, 13 de julho de 1937.
P/1 - O nome dos seus pais?
R - Antônio Cotta Pacheco e Tayde Alves de Ávila.
P/1 - O senhor conhece a origem da sua família, seu Cândido?
R - Conheço, sim. Nós temos até uma certa história da família. Mas na realidade é o seguinte: o nome Cotta Pacheco é um nome muito característico, você não encontra esse sobrenome em qualquer lugar. Você encontra Cotta separadamente, você encontra Pacheco separadamente, mas o sobrenome Cotta Pacheco, ele é um sobrenome diferente. Então a família, basicamente, que eu sei, meus pais, meus avós, vieram de Santo Antônio do Monte, em Minas Gerais, foram para aquela região lá de Serra do Salitre, Uberlândia. Tem o Rondon Pacheco, que foi governador de Minas, é meu parente, está certo? Agora o interessante é o seguinte: que os nossos parentes em Uberlândia descobriram que Amsterdam tem uma família de Cotta Pacheco, exatamente o mesmo sobrenome, entendeu. Agora Pacheco é espanhol, português. Agora Cotta eu não sabia de onde era, para mim era italiano. Não, mas é francês. É francês, entendeu? Então, essa conjunção desses dois nomes é que dá origem a essa família de Cotta Pacheco. Cotta Pacheco no Brasil é meu parente, de uma certa maneira é. E eu tenho por outro lado a família de Ferreira do Amaral, o pessoal que gosta de música, uma família grande, todas são de família muito grande. Todos gostam da música. Segundo meu pai sempre gosta de uma biritinha, alguma coisa por aí, sabe? Na realidade são pessoas que gostam de curtir a vida, né? E basicamente isso aí marcou muito. Na realidade para mim, a minha história, da origem da família, passa por aí, por esses dois ramos.
P/1 - E esse pessoal que está em Amsterdam tem algum contato, alguma informação?
R - Nós não tivemos contato com eles, mas eu tive o cuidado, passando em Amsterdam, eu fui na lista telefônica, e realmente existe lá, família exatamente com o mesmo sobrenome. Deve ser alguns portugueses, espanhóis, alguma coisa assim, que derivou para aquele lado de lá, né? Mas mostra que na realidade essa família, ela deve ter vindo já com esse sobrenome ou de Portugal ou da Espanha, alguma coisa por aí.
P/1 - E a atividade dos seus pais?
R - Olha, meus pais... a atividade deles sempre foram comerciantes ou professores, está certo? Na realidade, a família do meu pai, principalmente a parte Cotta Pacheco, é um pessoal, assim, bastante bem qualificado em termos intelectuais. Todos dão bons profissionais, uma parte muito grande da família faz curso superior. Todos sobressaem quando vão para a parte de ensino. Então essa é uma característica, assim, bem marcante da família. E Amaral é um pessoal muito dado à comunicação, à relacionamento, essa coisa toda. E para o lado da minha mãe é um pessoal muito trabalhador. Então, eles falam que eu na realidade fui uma mistura do pessoal do meu pai com o pessoal da minha mãe, né, com essa energia para trabalhar, parece que não é muito do lado do meu pai, não, é do lado da minha mãe. E isso explica bem, foi uma observação de uma irmã minha, porque nós somos uma família... Nós somos doze, meu pai quebrou, nós passamos uma situação muito difícil, que a gente olhava, não sabia onde ia dar aquilo. Minha mãe doente, o irmão mais velho bebia, ele é alcoólatra. A gente olhava aquela (escadinha?): “Onde vai dar esse negócio?” A gente, tem coisa que acontece que a gente não sabe explicar direito. O mais velho deixou de beber, casou, tanto que ele aposentou como gerente do Banco do Brasil. E nós fomos puxando cada um, hoje lá em casa todos os irmãos têm curso superior.
P/1 - Todos têm curso superior?
R - Todos têm curso superior, exceto um que adoeceu.
P/2 - O senhor é qual irmão?
R - Eu sou o segundo. Eu sou o segundo. E eu na realidade ajudei a puxar a turma todinha, ajudei todos os irmãos, entendeu? Então é uma coisa muito boa, sabe, a gente tem uma série de facetas que ajuda a gente nesse caminhar. A gente, na realidade, hoje olha para trás e a gente realmente participou da construção da família, da situação da família, e tudo.
P/2 - Você passou a infância em Serra do Salitre?
R - Passei a infância em Serra do Salitre.
P/2 - Como era a infância lá?
R - Olha, eu sempre fui um moleque bem travesso, eu gostava muito de estilingue, eu gostava muito de matar passarinho, eu gostava muito de ir para as fazendas dos meus tios. E não era um bom estudante na época, não. Eu gostava mais da, digamos, da traquinagem da criança do que propriamente estudar. Mas foi gozado. Eu, na realidade, meu pai, por exemplo, ele teve uma atitude muito positiva comigo. Ele deixou eu fazer a opção. E o dia que eu fiz a minha opção, acabou. A partir daí, eu fui bom estudante, não perdi mais ano, está certo? Passei direto no vestibular, só fiz um vestibular, terminei o curso, comecei a trabalhar logo. E minha vida foi um desenrolar, assim, que eu digo, tranquilo. Mas eu fiz a opção. Isso aí para mim foi muito importante. Talvez premido por aquela situação toda, de dificuldade, é que talvez tenha me direcionado bem. Mas o meu pai, ele deu, digamos, uma base de relacionamento familiar muito importante para a gente. O relacionamento dele com a minha mãe para a gente foi, quer dizer, uma direção para a gente em termos de vida, né?
P/2 - E com os irmãos, como é que era a convivência?
R - Olha, o relacionamento... Ainda somos doze irmãos muito unidos. Tanto é que hoje nós, por exemplo, optamos não vender a casa do meu pai e da minha mãe, para a gente ter um local onde a gente possa reunir basicamente uma vez por ano. E a gente, todo ano, a gente reúne lá. Vai a turma toda, vai os sobrinhos. E interessante: os sobrinhos novos, às vezes eles curtem mais do que a gente. A alegria deles, a satisfação de estar ali naquele contexto familiar, sabe? É um negócio realmente muito bacana, muito gostoso, né? Reúne, têm irmãs que toca violão, eu também toco alguma coisa, gosto de cantar, entendeu? Então aquilo ali realmente é uma curtição tremenda. Teve um ano que nós fomos todos os irmãos, os doze irmãos, com aquela tralha de sobrinho, de tudo. Um espetáculo a reunião, sabe?
P/2 - Essa casa em Serra do Salitre?
R - Em Serra do Salitre.
P/2 - Como é que é essa casa?
R - Essa casa é o seguinte: é uma casa grande, que meu pai tinha família grande, a casa é grande. Agora, ela tinha uma varandinha atrás, que era uma varandinha muito mixuruca, muito, assim, muito derrubadinha. E aí, um primo que é médico, que é também muito ligado à gente, gosta muito de pescaria, gosta de contar as mentiras de pescaria também, né? Ele reuniu lá uma vez com a gente, falou: “Gente, vocês podem, por que vocês não fazem uma varanda adequada aqui?” Aí surgiu a varanda. Nós fizemos uma varanda, que hoje é o ponto de encontro, é uma varanda imensa, muito boa, nós fizemos um negócio adequado. Essa varanda, hoje a gente, por exemplo, réveillon a gente vai para lá, o réveillon é na varanda, aquele varandão imenso, é som. E aí, resultado: a vizinhança toda, os parentes, enche de gente a casa lá, né, é uma coisa muito gostosa.
P/1 - Seu pai tinha comércio do que, qual era o comércio do seu pai?
R - Papai era comerciante. Papai foi uma pessoa que... ele foi filho caçula, e na realidade meu avô, se ele educou bem os filhos dele, com o meu pai ele pecou. Na realidade meu pai foi um homem que tem uma história, assim, totalmente diferente, meu pai achou, na juventude dele, achou um diamante, que é uma coisa que se você conta parece mentira. Meu pai era caçula, com todos os defeitos de caçula, meu avô carregava meu pai para todo lado, na realidade ele nunca disciplinou o meu pai. E meu pai começou, junto com um amigo dele, namorar duas irmãs. E esse amigo dele era filho de um fazendeiro. Aí um belo dia, esse futuro meu tio propôs ao meu pai deles fazerem uma sociedade. E propôs ao meu pai dele ir para um garimpo garimpar, que ele arrumaria todo o dinheiro, uma turma, o material, tudo, e papai ia para lá para gerenciar o garimpo. E meu pai se deslocou de lá, foi lá para o rio Abaeté. Ele chegou num dia, começou a montar a barraca, a tralha, aquela coisa toda, e naquele dia de tarde ele tirou dois companheiros lá, dois peões daquele, e tinha um baiano, que ele lavou uma parte muito grande de cascalho do rio. E ficou um cantinho de cascalho lá. Aí ele chegou, chamou os dois companheiros e foi para lavar aquele cascalho. Na realidade você jogava o cascalho dentro da peneira, água e lavava, até chegar à conclusão que tinha alguma coisa ou não. Porque o diamante, quando ele aparece, você vê da maneira muito clara, né? Ele trabalhou esse dia de tarde, trabalhou outro dia o dia todo, quando foi o terceiro dia ele achou uma pedra diamante, tamanho de um ovo de pomba, a pedra branquinha, perfeita. Naquela época, essa pedra valeu 200 contos de réis. Para ter uma idéia do valor dela, meu tio comprou a fazenda sede dele por 23 contos de réis na época, comprou a fazenda com porteira fechada, onde era a sede, onde ele viveu a vida toda e morreu. Uma fazenda espetacular, muito boa, sabe? Então aquilo na realidade colocou o meu pai como um homem rico. Ele entrou de sociedade com os primos no comércio, mas família muito grande, meu pai nunca foi administrador, nunca administrou as coisas efetivamente. Ele nunca foi colocado numa posição dessa, né? Tanto que ele teve até o bom senso de entrar de sociedade com meus primos. E foi o que fez com que ele levasse nós até um ponto, que a partir dali, foi possível a gente dar continuidade às coisas que ele fez. Mas realmente a história dele é uma coisa, assim, que se contar, a pessoa fala que é mentira. Como ficar lá dois dias de garimpo, achar uma pedra daquele tamanho. Era tanto dinheiro que Patrocínio tinha três bancos, não tiveram dinheiro para pagar a pedra. Eles tiveram que ir a Uberlândia para receber os 200 contos de réis. O judeu comprou a pedra deles e vendeu a pedra aqui no Rio de Janeiro por 400 contos, naquela época. Mas naquela época você não tinha... tinha um problema de transporte e de segurança, né? Então eles acharam que não valia a pena sair de lá com uma pedra daquele valor para ir para o Rio de Janeiro, dois, digamos dois interioranos lá. Então, eles optaram por fazer aquilo, mas realmente é uma coisa, assim, meio inacreditável, né?
P/1 - Nessa ele abandonou o garimpo?
R - Aí abandonou o garimpo, imediatamente. Deu tudo que tinha lá para o que seria o capataz, está certo? O capataz ficou oito meses lá, não achou mais nada.
P/1 - Não achou mais nada?
R - Mais nada. (riso) É inacreditável um negócio desse, né?
P/2 - Mas essa sociedade com os primos era de quê?
R - Era comércio. Comércio de casa de ferragem, era a (Patense?). Ela tinha uma loja muito boa em Belo Horizonte, e tinha uma loja em Passos de Minas. E foi isso aí, foi até que eles... foi chegando ao final de vida de todos eles, não tinha um sucessor, a empresa desapareceu.
P/1 - O senhor foi com quantos anos para a escola?
R - Hein?
P/1 - Com quantos anos o senhor foi para a escola?
R - Eu não fui cedo para a escola, não. Eu era meio malandrinho, digamos assim. Eu... o curso primário eu fiz numa escola particular, agora o ginásio eu fiz um intervalo. Eu parei de estudar. Eu fazia tanta confusão, que meu pai por causa disso me chamou para fazer uma trégua, uma paz: “Vem cá, meu filho, que que é que você quer, mas pelo amor de Deus, para de fazer confusão. Te tiro da escola, mas para de fazer confusão. Eu não aguento mais esse negócio.” E foi bom que ele fez, porque aquilo, ele me fez refletir, e me fez chegar a conclusão que eu estava errado, né, que eu não podia ser daquele jeito. Aí eu mesmo fiz a opção. E aí eu fui, fiz... naquela época tinha o exame de admissão para o ginásio, né? O meu professor, que era o professor, falava que eu não passava. Mas eu estudei com uma prima minha, ela é muito boa professora, e fui para lá e faturei. E a partir daí eu continuei tranquilo. Claro que minha vida escolar aí foi uma coisa meia corrida, marcha batida. Aí eu passei a ser um estudioso, gostava muito de matemática, geometria, dessas coisas, sabe, sempre mexia muito comigo. Física. Então aí fui, tranquilo, fui para um meio bom, eu morava numa república em Belo Horizonte muito boa, sabe, uma turma aí inteligente, estudiosa. Então aquilo ali me criou um clima muito bom, tanto que eu fiz um vestibular só, não...
P/1 - Que tipo de confusão você aprontava?
R - Aprontava muita, aprontava muita. Teve uma vez que nós estávamos pescando na beirada de um córrego lá, sabe, e realmente nós vimos uma cascavel na beirada do rio. A cascavel estava na boca de um buraco, né, e ela começou a bater o chocalho. Aí não sei onde nós arranjamos a bendita caixa de fósforo, era uma invernada de um cara, sabe? E nós, para matar a cobra, resolvemos botar fogo no mês de agosto, aquilo sequinho, que estava aquele negócio! Nós botamos fogo no capim gordura para matar a cobra. Meu santo! Nós queimamos a invernada do cara todinho, e queimamos a roupa de quase todos nós, nós ficamos pelados, menino pelado lá no meio do mato! (riso) Então até para chegar em casa foi complicado. E depois a surra que nós levamos daquele negócio. (riso) Então esse tipo de coisa nós fazíamos muito. Uma vez eu estava com um amigo, nós estávamos lá, e... na época de manga, né? Numa região que dava muita manga, uma manga espada bonita, a manga espada que nós temos lá é manga diferente, é uma manga comprida, né? E tinha um sobradão lá embaixo, na parte baixa da cidade, e tinha muita manga. Nós fomos lá, eu e esse meu amigo, nós fomos lá conversar com o dono do sobrado para ele dar as mangas para a gente, e ele não quis dar. “Não, porque não tinha manga, e estava verde”, não sei o que. Aí nós aceitamos e falamos: “Tudo bem, ele não dá, mas nós vamos entrar lá assim mesmo.” Aí nós entramos, passamos lá pelo fundo e entramos lá dentro do quintal. Aí subimos. Tinha um pé de manga espada, e ao lado tinha um pé de manga sapatinho, que é a manga... essa manga ubá. Eu peguei, subi num pé de manga ubá. Tinha pouca manga, estava lá na grimpinha, eu estava lá na grimpa tirando a manga, e esse meu colega chegou e derrubou bastante manga espada, era manga grande, né? Quando ele estava descendo, que ele estava praticamente em baixo, o dono, o velho, chegou lá. Chegou e falou assim: “Seu vagabundo, eu falei para você que não podia, que não tinha manga.” Aí mandou meu colega descer e mandou juntar as manga tudo, amontoou tudo, botou tudo direitinho lá. E eu lá na grimpa, lá em cima, quietinho lá, né? Aí o cara pegou e resmungou, falou assim... e mandou meu colega embora, falou: “Vai embora!”, não sei o que, tal. Aí falou: “Eu vou lá dentro buscar um balaio para levar essas mangas.” Ah, não deu outra: quando ele afastou eu desci lá de cima, aí eu abri a camisa, e enchi por dentro da camisa de manga. Enchi de manga, assim. Mas aquilo foi estufado, né? E o resto da manga que sobrou eu meti o pé, espalhei tudo. (riso) Aí saí pelo quintal afora, subi, quando eu cheguei lá na praça, tinha uma grama, meu colega sentado, desanimado lá, eu cheguei, abri, assim, a camisa, caiu manga para todo lado: “Mas você é um ladrãozinho muito vagabundo, não serve para nada.” (riso) Então essas coisas a gente fazia, mas fazia uma atrás da outra, né? Então era muito divertido, sabe, eu tive uma infância, assim, muito... travessa, né? A gente não fazia nada por maldade, mas aquele troço a gente fazia, e a gente era esmerado no fazer. A gente fazia o negócio, assim, mas fazia caprichado! (riso)
P/2 - Mas essa decisão de estudar...
R - De mudar de vida!
P/2 - É. Foi a partir de quando?
R - Isto foi o seguinte: na realidade teve um amigo, um engenheiro, muito amigo do meu pai, que teve uma influência grande nisso, né, porque ele me alertava. Falou: “Olha, olha o que está acontecendo com a tua vida. Olha para os seus primos, olha o pessoal todo estudando, o que que vai acontecer com você?”
P/2 - O senhor tinha mais ou menos que idade?
R - Eu tinha nessa época... devia ter o quê? Uns 13 anos, por aí. Alguma coisa por aí. E ele sempre falando aquilo. E aquilo me fez refletir, me fez chegar à conclusão que não era possível levar a vida daquele jeito, né, aquilo podia ser um período, um momento, uma travessia, né? Mas aquilo não poderia ser alguma coisa definitiva. Talvez até eu tenha pensado aquilo muito cedo, mas foi na realidade o que eu concluí, que a minha cabeça... E realmente, você vê que a gente, depois que toma a decisão... E hoje o que que acontece? Eu educo meus filhos muito nessa linha, muito nessa linha. Pega, por exemplo, meu filho mais velho: ele estava fazendo faculdade em Vitória, né? Resolveu largar a faculdade, eu fiquei aborrecido à beça com ele, briguei com ele, e aquela coisa toda. Mas chegou uma hora que eu parei e pensei, felizmente eu parei e pensei, falei: “Gente, a vida é dele, o futuro é dele, e quem vai pagar a conta é ele, não sou eu. Quem amanhã pode pagar a conta do insucesso é ele. Agora eu não tenho o direito de atrapalhá-lo. Não cabe a mim ser um fator perturbador na vida dele. Se eu puder ajudar, eu vou ajudar. Apoio, eu vou apoiar sempre, vou torcer pelo sucesso dele. Agora não sou eu em última instância que vou responder pelo insucesso dele, vai ser ele mesmo. Aí ele optou para ir para São Paulo, foi para uma firma de informática. Ele sempre se sobressaiu nessa parte de informática, ele é muito bom no assunto. Foi para essa firma lá em São Paulo, é uma empresa que trabalhava com tecnologia americana, os americanos vinham para cá, ele tem um inglês muito bom. E através desses americanos ele se candidatou a ir para os Estados Unidos, chamaram ele para a entrevista, e foi contratado, está lá por mérito dele. Ele no ano retrasado, ele foi escolhido o melhor assistente técnico da empresa dele no mundo inteiro. Ele não acreditou quando ele foi escolhido. Eles têm um seminário anual, quando ele chegou no seminário... para a área dele não tinha premiação todo ano, é só quando alguém sobressai muito... Aí ele ligou para mim depois, assim, eufórico, e contando como é que foi. Ele falou: “Pai, eu cheguei no seminário, não sabia que ia ter a premiação na minha área. Aí, eles escolheram na área comercial, que tem todo ano, aí quando foi na assistência técnica, eles pegaram e começaram, falando: ‘Olha, ainda é muito jovem, ele fatura tantos milhões de dólares para a empresa por ano, e os clientes dele são...” Quando falaram o primeiro cliente, ele falou assim: “Pô, é meu cliente.” Quando falou o segundo, ele falou: “Pai, aí eu fiquei azul, vermelho, ______ sou eu, não tem jeito.” (riso) Aí ele estava naquela alegria tremenda, mas ele está muito bem lá, muito bem conceituado na empresa. Eu mesmo... já tivemos lá, o ano retrasado. Esteve com a gente um colega de trabalho dele, e o colega de trabalho dele fez referência de que ele é realmente hoje uma pessoa que estava brilhando na ______, né, que ele era uma estrela na empresa. E eu comentando com ele: “Meu filho, olha, isso tudo foi feito pela tua mão. Lembra, aproveita bem isso aí, use bem isso aí.” E ele está plenamente motivado, sabe? Então está muito bem lá. E ele também foi alguma coisa nessa linha, né, eu na realidade abri o espaço para ele fazer a opção dele. Eu, na realidade, não cerceei meus filhos. Eu, na realidade, procuro transmitir para eles a minha experiência e mostrar para eles que a decisão maior é deles, não é minha. Eles é que têm que procurar o caminho deles, e dou para eles o exemplo de que eu saí de casa, e eu criei o meu espaço. Quando eu vim para a Vale, eu não conhecia ninguém na Vale do Rio Doce. Eu cheguei na Vale um estranho, em Vitória, eu não conhecia praticamente uma pessoa na Vale. A Vale me deu ótimas oportunidades, e eu fui criando meu espaço. Aquilo que ela foi colocando para mim como um desafio, eu procurava desempenhar aquilo da melhor maneira possível, nunca trabalhei muito pelo salário, eu... para mim era muito mais importante o trabalho. O salário para mim era muito consequência das coisas. Sempre o que me motivou mais era o desafio, era olhar para uma coisa difícil, trabalhosa, mas que era possível chegar do lado de lá. E eu entrava naquilo de corpo e alma. Eu acho que isso aí me ajudou muito, no meu processo pela Vale do Rio Doce. Mas acho que isso é muito importante, a gente, na realidade, é esse caminho. É um pouco da minha história de vida, e que eu procuro passar para os meus filhos.
P/2 - Então, o senhor, quando toma essa decisão de estudar, por si mesmo, aí o senhor sai da sua cidade para estudar, ou continua lá?
R - Eu, na realidade, eu saí de lá, porque lá, naquela época, só tinha o curso primário. Eu fui para Patrocínio, fiquei quatro anos em Patrocínio fazendo o curso ginasial. Depois eu tinha o problema que eu já entrei para o ginásio um pouco tarde, né? Aí quando chega na parte no científico você tinha o CPOR, mas no meu caso eu já estava meio no limiar, para mim eu optei mais por fazer o tiro de guerra, aí eu fui para Araguari, para o Colégio (Jardim da Paz?). Fiquei um ano lá, fiz o tiro de guerra, fiz o primeiro científico. Aí, quando eu fui para Belo Horizonte, já estava com o problema do serviço militar resolvido, né? Trabalhei, estudei um ano no Colégio Anchieta. Então eu estudava à noite, trabalhava durante o dia. E depois o terceiro ano, pelo problema do desafio do vestibular, eu fui para o Colégio Santo Antônio, um colégio muito bom. E também como eu, na realidade, me dedicava, os professores logo chegaram à conclusão que eu era um dos candidatos do colégio para passar direto no vestibular, porque naquela época não era muita gente. Eu não fiz cursinho, eu na realidade, foi com o colégio mesmo, foi na base do colégio, eu entrei, aí fiz direto. Na realidade, a gente mostra que aquilo ali foi uma decisão acertada, né, o caminho... a gente, na realidade ali abriu um caminho beleza, né?
P/1 - E quando o senhor foi para Patrocínio, o senhor foi sozinho?
R - Fui sozinho.
P/1 - Colégio interno, alguma coisa, ou não?
R - Eu estudei um ano interno. Depois fui morar... morava em pensão, né, aquela turma, em pensão de estudantes. E aquilo... sempre trabalhando, aquela coisa, a gente sempre foi um meio, assim, de estudante, aquela turminha, aquelas coisas, inventando sempre alguma coisa diferente para fazer. Era um pouco o temperamento da gente, né? (riso) As namoradinhas, aquela coisa toda, né?
P/2 - Em Belo Horizonte o senhor estudava e trabalhava? Com o quê?
R - Eu estudei e trabalhei uma parte, né, que chega uma fase que estava muito difícil para a gente, né? Depois eu tenho uma fase muito boa, que foi, além de eu ter bolsa de alimentação na faculdade, eu tinha o estágio na Cemig. Então, aí foi através de um amigo, que ele conseguiu estágio para mim, foi um estágio muito bom para mim, profissionalmente muito importante, além de me ajudar financeiramente, criou uma base muito boa para mim, para os meus passos seguintes, logo no início da minha profissão. Que eu iniciei minha profissão trabalhando como engenheiro eletricista. E fui bem sucedido, e eu digo que uma boa parte disso foi devido ao estágio que eu fiz na Cemig. Eu, na realidade, estagiando na Cemig, eu não perdi a oportunidade, quando o pessoal... área de projetos de (subestação?) me convidava e eu ia para o campo com eles, eu via de perto, eu pegava todos aqueles desenhos, aquelas coisas, eu destrinchava aquilo tudo. Quando eu saí dali, eu já tinha uma boa noção de automação industrial. E que foi o meu primeiro desafio na Companhia _____ de energia elétrica. Quando eu cheguei lá, assim que eu comecei a trabalhar na Copel, me falaram, falaram que eu tinha recebido o maior rabo de foguete que tinha na Copel. E eu disse para o pessoal, eu falei: “Olha, gente, faca de dois legumes. Será rabo de foguete se eu não resolver o problema, agora se eu resolver o problema, eu vou ser praticamente o único engenheiro da Copel que vou poder exigir aumento de salário.” E não deu outra coisa. Até foi interessante, que a gente, começando a história lá pelo final, né? Tinha um alemão, que era o chefe dessa usina. Naquela época, o sistema elétrico era isolado, você não tinha sistema interligado. E Curitiba trabalhava, na hora da ponta de carga, ela trabalhava num limite. Tinha umas usinas termoelétricas lá, que elas tinham que estar todas disponíveis, rodando, porque se caísse uma, o sistema de Curitiba arriava, a cidade ficava no escuro. E eu entrei quando essas usinas estavam dando problema, e não tinha pessoa que resolvesse aquilo. E eram usinas totalmente automatizadas. Manual tudo em inglês, eu não falava inglês. Então me entregaram aquele imbróglio para resolver. E eu achei interessante o seguinte: que no final, quando eu estava despedindo da Copel, o alemão, que era o chefe dessa usina, fez um churrasco na casa dele, e ele, o alemão chorou. Ele chorou dizendo que estava indo embora da Copel o maior amigo dele. Aí ele falou para mim, ele falou: “Quando o senhor chegou, o senhor novinho, magrinho, com aquele jaleco branquinho...” Ele falou, assim, ele usou o termo, falou assim: “Olha, é mais um que vai se foder.” Ele falou isso para mim! (riso) Falou isso para mim! Francamente ali, está certo? Só que ele, felizmente, ele se enganou, né? Eu peguei a coisa, e fui, devagarzinho, como diz o outro: comendo pelas beiradas. Fui cada vez mais dominando a coisa. Já cheguei num estágio bom sozinho, eu pegando os manuais, aquele negócio. Arranhava no inglês, é dicionário daqui, é não sei o que, fui avançando aquilo. Até que eu tive oportunidade de fazer um curso, com técnico lá de ___________, da (Eletromult Division?), que eram os técnicos da (GM?), que cuidavam disso. Eles vieram ao Brasil, lá no (Condefort?), em Fortaleza, eu fui fazer um curso. Quando eu fui fazer o curso, eu na realidade já fui para tirar as dúvidas maiores, quer dizer, a coisa mais geral das máquinas. Aquilo, digamos, o feijão com arroz, eu já dominava completamente. Fiz um curso excelente, o americano, depois que saiu, ele falou, falou para o gerente geral da (GM?) do Brasil que só tinha um engenheiro que fez aquele curso que aproveitou o curso, que era um engenheiro da Copel, que era eu, entendeu? E eu, realmente, a partir daquilo teve uma passagem, assim, essa passagem, realmente, para a gente, gratifica muito a gente profissionalmente. Nós estávamos numa festa, a festa de aniversário da Copel, eu de fogo, estava de fogo, tinha tomado uma cerveja, e estava... nós estávamos naquela euforia, um ambiente muito alegre, aí deu um problema numa máquina, lá no Capanema, e estava exatamente chegando numa hora de ponta. Aí eles chegaram para mim, e falaram: “Escuta, Pacheco, você tem condições de ir lá no Capanema, para ver um problema de uma máquina?” Eu falei: “Olha, enxergar, eu estou enxergando ainda, ler, eu ainda sei ler, andar está mais ou menos, né?”(riso) Mas aí pegamos o carro e fomos para lá. Cheguei, na hora tirei o problema. E era um problema complicado. Era um problema que você tinha que ir no cerne da máquina. Eu fiz a coisa, tanto que o alemão, que ele já estava convicto que eu entendia da máquina, esse dia acabou. Ganhei o alemão, assim, de vez. Eu cheguei, fui num ponto certinho. E é uma coisa que a gente lembra dessa coisa a vida toda, né? Que é o coroamento... Aí um dos caras da Copel, que era o Luiz Ivan de Vasconcelos, que era um catarinense, que era o engenheiro mecânico das máquinas, ele, quando eu tirei o problema, ele falou: “É esse mineiro mesmo é que nós precisamos aqui!”, e tal, aquele troço. Mas é um negócio bacana. Copel, por exemplo, a mim, quando eu fui sair da Copel, que a Vale me chamou, Maurício Schulman, que naquela época era diretor técnico da Copel, me botou numa sala, ficou duas horas conversando comigo para tentar me demover da idéia de vir para a Vale. Ficou duas horas comigo, está certo? Ele não queria que eu saísse de jeito nenhum. Ele me mostrou curso que estava agendado para mim ir para os Estados Unidos, curso das máquinas, e tudo. Mas eu, naquela época já tinha tirado da minha cabeça, eu sempre quis trabalhar na Vale do Rio Doce. Eu fiz um estágio na Vale, eu fui, visitei em Vitória, quando eu era estudante ainda, na minha cabeça eu tinha aquele negócio: “Eu quero trabalhar na Vale.” É uma coisa que era interessante, né? E a maneira como eu entrei na Vale, foi um troço, assim, também totalmente inusitado. Eu fiz um teste para a Petrobrás, passei na Petrobrás, foi quando eu estive um mês em Salvador. Eu tinha problema de vertigem por altura. Ainda estava fazendo um curso, me saí muito bem no curso. Aí, resolveram aplicar o teste de vertigem para altura na turma que estava lá em Salvador. Aí, quando me aplicou, deu direto que eu tinha, né? Eles falaram: “Pô, você tem vertigem por altura.” Eu falei: “Ah, se tivesse me perguntado, não precisava nem fazer teste, eu falava na hora.” (riso) “Mas e daí? Você não quer fazer o teste de campo?” Eu falei: “Nem amarrado! Esquece.” (riso) “Mas e daí?” Eu falei: “Me dá a passagem de volta. Vocês me deram para vir, me dá a de volta, eu vou embora, não tem problema nenhum. Vou cuidar da minha vida, mexer com outra coisa, né?” Aí, eu chego lá, eles me deram a passagem, eu voltei, né? Quando eu voltei, eu passei em Belo Horizonte, tinha uns colegas meus que estavam fazendo teste para a Vale do Rio Doce. E, interessante, acho que todos aqueles colegas meus que estavam na Vale, estavam fazendo aquele teste, entraram vários deles na Vale. Aí eu me inscrevi para fazer o teste na Vale, por causa daquele psicotécnico. Mas quando eu inscrevi não dava para fazer mais. Então, falaram: “Não, agora não tem jeito. Você não pode fazer agora não.” Aí resultado: aí eu peguei e fui para a Copel. Já tinha uma proposta lá, naquela época emprego não era difícil, fui para a Copel. Aí, o interessante foi como aconteceu de eu vir para a Vale. Eu saí de férias na Copel no ano... isso foi em 1965. Não, foi em 1966.
P/2 - O senhor formou em que ano?
R - Eu formei final de 1964, comecei a trabalhar em princípio de 1965 na Copel. Aí quando foi em 1966, eu saí de férias, parece que junho, alguma coisa assim. E saí de lá, passei aonde eu nasci, de lá eu fui para Goiás Velho, onde tinha meu irmão, esse mais velho, que era alcoólatra, ele já estava no Banco do Brasil, e tudo. Fui para lá passar um tempo com eles lá em Goiás Velho. Mas quando eu passei, indo para lá, eu passei em Patrocínio. Em Patrocínio eu tinha um colega de ginásio meu, que eu fui padrinho de casamento dele, ele me convidou para ir lá, em Patrocínio, comer uma leitoa lá na fazenda dele, marcou a data. Então, eu falei: “Olha, Valdir, eu vou para lá, mas eu volto aqui no dia tal, para nós comermos da sua leitoa. Então dia tal eu estou aqui.” E eu tinha umas primas que morava lá em Goiânia, né? Quando eu passei para lá, quando eu voltei, que eu cheguei em Goiânia, que eu estava voltando para Patrocínio, as minhas primas: “Não, não vai embora, porque tem uma festa aqui bacana”, e não sei o que, e isso, aquilo, aquilo outro. Falei: “Não, eu assumi compromisso com o Valdir que eu vou lá comer a leitoa, eu vou lá comer a leitoa, não tem erro não.” E me mandei. Quando eu cheguei em Patrocínio num sábado de manhã, tinha um telegrama da Vale me chamando para fazer psicotécnico. Agora, só que o psicotécnico era terça-feira de manhã, na rua das Laranjeiras. E o sábado eu não tinha mais condição de pegar o ônibus. O ônibus passava, ele saía cedinho, e eram 13 horas de viagem de ônibus. Então, resultado: eu cheguei em Patrocínio, fiquei ali, quando foi domingo eu fui lá para a minha terra. Peguei o ônibus cedo e fui para a minha terra, não tinha carro naquela época. Quando foi domingo, eu cheguei na minha terra, e só podia pegar o ônibus na segunda-feira. Então, resultado: eu tinha que pegar o ônibus, andar 13 horas de viagem segunda-feira, para chegar em Belo Horizonte, para ver se eu arranjava lugar num avião para o Rio. Se eu não arranjasse lugar num avião para o Rio, eu teria que viajar a noite inteira para chegar no Rio de madrugada, não sei que horas, para fazer o psicotécnico de manhã cedo. Quando eu cheguei em Belo Horizonte, liguei para a Vasp, que era o último avião da ponte aérea, me informaram que o avião estava saindo de Brasília, mas que estava lotado, que não tinha lugar. Aí, eu falei: “Pelo amor de Deus. Vai ser o fim da picada.” Aí saí com um primo andando pela Avenida Afonso Pena, quando nós chegamos na Praça Sete, tinha um escritório da Vasp logo pertinho, assim, eu falei: “Vamos passar ali para ver se...”, não sei o que. Quando eu cheguei lá, a menina falou: “Não, tem lugar, sim, no avião. O avião está ali na Pampulha.” Eu falei: “Mas como é que eu faço agora?” Ela falou: “Não tem problema, não, o avião te espera.” (riso) Tirou a passagem correndo, depois eu saí correndo, peguei um táxi, fui lá, peguei minha mala, me mandei para o aeroporto. Quando eu cheguei o avião estava me esperando. (riso) E eu cheguei, entrei dentro do avião, fechou a porta, e me mandei. Vim para o Rio, fiz o psicotécnico, passei. Você vê, quer dizer, a coisa, quando... parece que quando tem que ser, é. Eu sempre tive aquele sonho de trabalhar na Vale, e foi, assim, realmente alguma coisa, assim, muito específica, né? _____, se eu resolvo ficar em Goiânia um dia, acabou, não tinha como. Eu não tinha como fazer o psicotécnico.
P/2 - Mas, senhor Pacheco, o que que era a Vale para o senhor, o que criava esse desejo de trabalhar lá?
R - Era o símbolo de uma empresa eficiente. Era alguma coisa... Naquela época eu sonhava com alguma coisa que ia me propiciar crescimento. Digamos, é aquela empreitada que a gente tem... o sonho da gente é entrar naquilo e caminhar junto, entendeu? A Vale sempre me passou isso, uma empresa pujante, uma empresa competente, uma empresa que fazia bem aquilo que fazia, a Vale sempre me vendeu essa imagem, de uma empresa extremamente competente no que faz.
P/2 - Mas o senhor teve notícia da empresa durante a faculdade, já conhecia?
R - Eu conheci porque companheiros que trabalhavam... a gente tinha informação, como eu estudei em Belo Horizonte, então todas as informações que eu recebia da Vale eram nesse sentido. A gente teve a oportunidade de ir a Itabira, visitar Itabira, teve essa visita à Vitória. Aquilo foi consolidando na minha cabeça. Outra coisa: eu tinha um primo que era médico em Governador Valadares, e que ele e um irmão dele me falavam muito da influência da Vale em Valadares, a ferrovia, aquela coisa toda. Então foi aquele volume de informações, é que foi consolidando na minha cabeça aquela idéia de ir para a Vale do Rio Doce.
P/1 - O senhor entrou em engenharia, mas já em engenharia elétrica, ou essa opção foi durante o curso?
R - Não, a questão de eu fazer opção por engenharia elétrica é porque meu pai sempre foi um homem que teve uma facilidade muito grande para essa parte de eletricidade, né? Meu pai foi um homem que não estudou praticamente o primário. Papai... eu tenho a impressão que nem terminou o primário. Mas ele sempre teve uma facilidade tremenda para isso. Papai era um homem que consertava televisão naquela época com uma facilidade tremenda. Ele pegava aqueles manuais, estudava aquilo, papai calculava usinazinha, para construir usina hidráulica. Naquela época não tinha energia como tem hoje. Então, nas fazendas se fazia aquelas usininhas, aquelas “usina casinha”, né? Papai sabia calcular a turbina pélto para botar lá, qual o alternador que botava, aqueles troço todo. É autodidata, né? Então aquilo me influenciou, em termos de fazer opção por eletricidade. Isso teve uma influência grande dele, nessa decisão. Eu sempre, na realidade, quis ser engenheiro. Agora, ser engenheiro eletricista foi... bastante foi influência dele.
P/1 - O senhor queria ser engenheiro?
R - Eu queria, sempre quis ser engenheiro. Eu sempre tive isso na minha cabeça.
P/1 - Por quê? Da onde que surgiu?
R - Olha, eu realmente eu não sei, talvez por essa questão de construir, sei lá, uma coisa por aí. Mas sempre foi uma profissão que me chamou. E tanto que eu tive uma passagem até interessante: eu sempre fazia psicotécnico e passava, né? Sempre passava e me chamavam. Aí um belo dia eu falei: “Não, agora eu quero fazer o psicotécnico para eu saber o resultado desse troço, não para arrumar emprego, não.” Aí eu tinha um irmão, logo mais novo do que eu, que ele é psicólogo, trabalha em Belo Horizonte, e nessa época ele trabalhava numa empresa que cuida disso. Aí eu falei para ele: “Olha, eu quero fazer um psicotécnico para saber o resultado.” E foi interessante: eu fiz o psicotécnico, tudo direitinho. Quando terminou aquilo, quando eu fui para a entrevista final, com o Frei Franciscano, que era... na realidade, ele era formado na Sorbonne. Então ele, na realidade, é um expert no assunto ali. Quando eu fui para a entrevista final, ele falou para mim umas três vezes que minhas gamas ótimas não é para engenharia, é para medicina. Só que eu falei para ele: “Eu sou engenheiro formado, eu não vou voltar para a faculdade.” Ele falou: “Você pode continuar tua profissão que você vai se sair bem. Você tem uma gama geral muito boa. Agora, o seu ponto mais forte é para medicina.” Mas aí, também, medicina não é uma coisa que me chamava muito não, né? Eu nunca lidei bem com essa... com doente, com aquele quadro, aquilo ali nunca me... não me chamava muito não, entendeu? Mas não sei até por que que ele falou isso para mim e repetiu isso para mim.
P/1 - E do tempo de faculdade, tem alguma lembrança marcante?
R - Tem, tem sim. Tem a parte de faculdade, a parte de, digamos, de estudo, o desempenho em certas matérias, certas provas difíceis que pintavam na frente, prova que você chegava, que você tinha estudado bem, mas o professor às vezes dava umas provas cabeludas. E você pegava uma prova daquela que você olhava e falava assim: “Ih, rapaz, essa eu estou roubado, né?” E você vai destrinchando a prova todinha, quando você termina a prova...eu tinha uma mania: quando eu fazia as coisas, que eu cercava a coisa com quadradinho, era difícil estar errado. Eu peguei uma vez uma prova de Física II, era o professor Schmidt, era um professor que dava uma prova muito criteriosa, e ele ia fundo na coisa, né? Quem saía bem com ele, estava bom na matéria. E ele deu uma prova uma vez, dessas cabeludas, sabe? Quando ele deu a prova, eu falei: “Rapaz, dessa eu estou...” Eu acertei a prova, tirei nove e meio na prova. Fiz uma prova espetacular. E foi assim, aquele negócio, aquilo crescia. Tem várias passagens, assim, da faculdade, que deixam uma recordação muito boa. Teve uma vez que eu fiz uma prova de geometria analítica, que o professor de geometria analítica era dos melhores professores que eu já ví na minha vida: Edson Durão Júdice. Era sensacional, competentíssimo. E ele deu uma prova, e eu me lembro que ele deu uma prova, deu uns vinte itens, alguma coisa assim, e subitens. Tinha questão daquela que era dividida em cinco sub-questões. Eu fiz a prova todinha. Só que teve um subitem daquele que eu não sabia. Um subitem que eu não sabia. Para não sujar a prova, eu não fiz aquele subitem, deixei em branco. Aí ele me deu nove e meio. Aí eu fui reclamar. Aí ele falou para mim, ele falou: “Pacheco, olha, eu dou meio ponto ou nota inteira. Eu não dou nota fracionária. Você fez a prova toda?” Eu falei: “Não, não fiz não, professor. Não fiz para não sujar a prova.” Ele falou: “Pois é, então não tem jeito. Então sua nota é nove e meio mesmo. Eu não te dou 9,85, coisa desse tipo, 9,90. Eu não dou não. Nove e meio ou dez. Você merece dez?” Eu falei: “Não, não mereço não.” Então falei: “Está tudo bem, está certo.” Fui embora. (riso) Essas coisas você não esquece, você não esquece, são passagens, assim, interessantes. Então, assim, eu tive várias coisas. Uma vez que eu, por malandragem, eu morava numa república... não é malandragem só, a gente tinha dificuldade de fazer estágio, tinha um horário meio apertado. Mas só que eu entrei nessa república que tinha uma mania de jogar buraco à noite. Resultado: todo dia a gente matava a aula de máquinas elétricas. Imagine um engenheiro eletricista sair mal em máquinas elétricas, né? Mas resultado: foi... aquilo foi, foi, até que chegou no final do ano, a situação estava “irrecuperada”, né? Não assisti às aulas, não tinha jeito, então acabou não dando para mim passar. Tem uma série de detalhes lá, mas o fato é que não deu. Aí, no ano seguinte, eu falei: “Pô, não é possível.” Eu fui para dependência em máquinas elétricas. Aí comecei. Aí levei o negócio a sério. Primeira prova: dez. Segunda prova: dez. A terceira prova: dez. Quando foi a quarta prova, o professor veio falar para mim, eu falei: “Ah, não vou fazer essa prova não, professor, me perdoe. Os dez que eu tinha que tirar, já tirei todos. Já passei, agora...” (riso) Mas, assim, interessante, né, que é alguma coisa que marca, isso marca muito. Os professores muito bons, sabe, naquela época tinha um corpo de professores, a maioria muito espetacular, muito amigo, sabe? Você procurava os professores, eles tinham prazer em atender, e te auxiliar, e tudo, muito criteriosos, você via que... Quando eles corrigiam a prova, como esse caso da geometria analítica, quer dizer, o critério dele era claro, transparente, e não tinha como questionar. E eu fiquei muito satisfeito, porque nove e meio, numa prova daquela, era uma bela nota. Não precisava de ser dez, não, nove e meio estava muito bom.
P/2 - Como é que era a diversão nesse período de faculdade?
R - Nesse período eu sempre tive essa mania de pescaria, né? Quando eu saía de férias, eu ia lá para as minhas pescarias, aquele negócio todo. Ali também era muito bate-papo, você não tinha recurso, pouco dinheiro, dinheiro escassíssimo, né? Era ir para os bares do (DCE?), está certo? Era festinha, esse tipo de coisa, e amizade, grupo de amigo a gente sempre teve muito. Amizades que perduram até hoje. Tem colegas de turma, que eu fui padrinho do casamento dele, foi meu padrinho de casamento, então a gente conta como irmãos, né? Então fica nessa parte toda, uma parte, assim, muito gostosa, além do estudo, daquela coisa toda, um relacionamento humano muito bom.
P/2 - Mas e sua esposa, o senhor conheceu quando?
R - Eu conheci lá no Espírito Santo, com o negócio de fazer curso de inglês. Eu me matriculei no Yázigi, estava estudando, e o Yázigi naquela época tinha muitos estudantes que eram professores. E minha mulher foi um caso desse, eu conheci ela fazendo o curso de inglês, mas na realidade nós começamos a namorar porque nós dois trabalhávamos na Vale. Ela era secretária do Helder Zenóbio, que era o superintendente naquela época. Então, o namoro nasceu daí, dizem que o namoro nasceu por causa de uma conversa de uma manga lá. Levei uma manga muito bonita, e ela me pediu a manga de presente. (riso) Diz que a encrenca começou foi por aí. (riso) Mas foi uma coisa muito boa, sabe, minha mulher é uma pessoa, assim, muito amiga, muito companheira, sabe, e tem uma cabeça muito boa, encara as coisas, vai em frente. Quando foi para ir para São Luís, meu sogro já tinha morrido, eu tenho impressão que se meu sogro fosse vivo talvez até não tivesse ido, mas minha mulher não foi o menor problema. O dia que eu resolvi ir para São Luís... eu até demorei para dar a resposta para a Vale, que a Vale me convidou. Aí ela falou para mim que eu não estava preparado para ir, porque eu não estava tendo a decisão, eu não tinha decidido a ir, eu não tinha uma postura de decisão para enfrentar a coisa. Eu falei: “Mas, minha filha, olha o problema seu e dos meninos.” Ela falou: “O problema meu e dos meninos deixa que eu resolvo.” Resolva. “Profissionalmente para você é bom?” Eu falei: “É bom, não, é ótimo.” Ela falou para mim: “Então vai embora, toca para lá. A gente não vai ser problema para você ir não.” Então, na realidade, eu casei, graças a Deus, casei muito bem, sabe? Uma pessoa que ajuda muito, soma muito.
P/1 - Quando o senhor entrou na Vale, o senhor foi para onde? Que trabalho o senhor foi...?
R - Eu fui para a divisão portuária. Naquela época, porto na Vale tinha a divisão portuária, que cuidava dos cais Paul em Atalaia, que era aqueles cais de minério dentro da cidade de Vitória, que chamava Pela-Macaco, que era uma pedra grande que tinha lá. E foi aonde a Vale iniciou a operação, cais (______ Guimarães?), que é o nome dele. Uma pedra onde teve... tinha primeiro três máquinas de carregador de navios, umas máquinas antigas. E tinha o cais do Paul, que era o cais de fino, chamava cais de fino naquela época. Tinha um engenheiro que tomava conta daquilo. Com Tubarão, aquele engenheiro foi deslocado para Tubarão. Então, eles recrutaram um engenheiro, eletricista, para ir lá para cais do Paul em Atalaia. Eu fui para lá, fiquei lá alguma coisa em torno de uns oito meses, acho que não chegou a um ano. Como eu sempre fui um cara que eu corria muito atrás, acompanhava. Lógico que o pessoal da Vale notou, falaram para mim: “Olha, você não é engenheiro para ficar aqui, você é engenheiro para pegar coisa mais pesada. Ou você vai para Tubarão, ou você vai para a oficina de locomotivas.” Era onde, normalmente, onde o pessoal começava e vislumbrava que tinha perspectiva profissional, eles jogavam para um lugar desse. Aí, nessa época, tinha o departamento de obras da Vale, e esse departamento precisava de um engenheiro eletricista para a parte de fiscalização, que estava na parte final de Tubarão, do Porto de Tubarão, e iniciando o projeto da usina de pelotização. Então, resultado: me pediram, me requisitaram para lá. E eu fui condicionado a que eu iria para a fiscalização de obra, mas se precisassem de mim, eles teriam que me ceder para ir para o porto. Aí eu fui para lá, engrenei naquilo, gostei do negócio, fui embora. Aí quando a primeira usina, estava no final dela, já em início de operação, o Helder Zenóbio, que era o superintendente das pelotizações, me convidou, aí eu passei para o quadro operacional das pelotizações. Aí pegamos a primeira usina, veio a segunda, veio a terceira, veio a quarta, a quinta, e a sexta. Nós entramos naquela embrulhada toda, né? Pegamos até botar a última para rodar. Ali teve passagens muito boas profissionais, também teve coisa desse tipo, ______ de usina, que a perspectiva era para uma data fulana de tal, e nós montamos um esquema muito bem organizado, de trabalhar isso bem. Então nós em vez de passar a ser problema no processo de colocar em marcha a usina, nós passamos a ser parte da solução dos problemas. E aí os sócios vinham pedir a gente para fazer aquele papel na usina deles, porque o resultado passou a ser um resultado muito bom. Então foi, realmente, ali um período muito bom, sabe? Muito trabalho. Trabalho não faltava mesmo, uma loucura. Mas, assim, com resultados muito palpáveis.
[PAUSA]
P/1 - Pacheco, você comentou que as pessoas mais dinâmicas, ou que tinham mais potencial, eram ou levadas para a ferrovia, ou para o Porto de Tubarão. Por que isso, o que que estava acontecendo?
R - Naquela época... eu não sei te explicar o por que, mas o fato é que sinalizava de uma maneira clara de que os caras que, na percepção da empresa, ou no gerenciamento da empresa naquela época, que tinha que ter um caminho mais consistente, profissionalmente falando, eles naquela época julgavam que quem era escolhido para ir para a oficina de locomotivas, era porque a pessoa tinha potencial para desenvolver na empresa, tá? E Tubarão naquela época era um desafio, né, porto novo, daquele porte, _______ naquela época, era um porto que foi feito com navios... para navios que não existia na época, e para carregar navio que não tinha porto que recebesse o navio naquela época. E o porto de Tubarão foi feito assim. Na realidade, a concepção do Eliezer naquela época... o próprio Banco mundial diz que a Companhia estava fazendo uma coisa meia fora de qualquer padrão, né? Era fazer um porto para navios que praticamente não existiam. Naquela época, você falar de um navio de 80 mil toneladas, era um monstro do mar, pô! Eu me lembro que teve um navio, que foi o navio do recorde do ano, que carregou no cais do Atalaia, que levou 35 mil toneladas. Era um senhor navio. Então um navio de 80 mil, 100 mil toneladas era alguma coisa totalmente fora de série, né? Então Tubarão era, sobre todos os aspectos, aquele desafio, o novo! O novo. E eu, quando eles me falaram isso, eu me senti lisonjeado, porque era consenso na empresa que ali era quem tinha futuro pela frente. Então aquilo para mim já sinalizou que eu poderia lutar, que eu teria espaço dentro da empresa. Para mim foi bem claro. Foi um recado, praticamente, que eu recebi. E eu, nessas coisas, eu sempre observei isso muito, sabe, eu nunca pleiteei cargo nenhum na empresa, eu nunca pedi para ocupar cargo nenhum, todos os cargos que eu ocupei me foram oferecidos. Todos, sem exceção. Aliás, na minha vida eu nunca pedi cargo, mesmo depois que eu saí da Vale, os cargos que eu fui para a Prefeitura, bateram na minha porta para me convidar, assim, graças a Deus. Eu sempre, na realidade, as coisas me foram colocadas na frente como desafio, sempre pensei assim, e botou na minha frente, eu vou à luta. Não tem erro. Sempre fui assim.
P/2 - Quando o senhor entrou para a Vale, para Vitória, em que pé, em que posição estava o Porto de Tubarão?
R - Quando eu entrei, eu entrei para substituir uma pessoa, um engenheiro eletricista, que foi para o Porto de Tubarão. Eu fui, digamos, para a parte velha, entre aspas, da empresa, mas naquela época era a parte que dava sustentação à empresa.
P/2 - E o porto como estava?
R - Tubarão estava em fase final de montagem. Tanto que eu tenho a honra de ter sido o engenheiro que assinou a documentação do primeiro navio que foi carregado em Tubarão. Eu, na realidade, eu estava substituindo meu chefe, e naquela época quem assinava essa documentação de carregamento de navio ainda era a antiga divisão portuária, onde eu trabalhei. Então, e essa documentação foi para lá, e o meu chefe estava de férias, então fui eu que assinei a documentação. Pouco tempo alguém pegou o processo, e falou: “Você lembra desse navio? E agora, olha de quem é essa assinatura aqui?” É a minha assinatura, entendeu? É interessante, né?
P/1 - O senhor lembra do navio?
R - Eu não me lembro o nome não. Eu não lembro não. Mas foi o primeiro navio que foi carregado.
P/1 - Quando o senhor entrou, existia uma expectativa em torno do porto de Tubarão, quer dizer: “Vai inaugurar!” Como é que era isso?
R - Existia. Então, na realidade era o seguinte: era um porto, como depois foi o porto de Ponta da Madeira, né? Quer dizer, era um porto que, na realidade, como de fato aconteceu, era um horizonte novo para a empresa, né? Porto de Tubarão, na realidade, foi que abriu as portas da Vale, foi o que fez com que... aquilo que o Eliezer sempre falou... é transformar as distâncias geográficas em distâncias econômicas. Você carregar navios cada vez maiores, com fretes decrescentes, e fazer com que o nosso minério pudesse concorrer lá fora. Porque se você pegar a distância geográfica daqui para o Japão, ou Austrália lá pertinho, poxa, a diferença, a desvantagem é muito grande. Se você não, na realidade, não cria essa opção do grande brasileiro, nós seríamos gradativamente alijados do mercado. Não que a qualidade do minério, que ao longo do tempo fosse competir com isso, mesmo porque a tecnologia avança muito, né? Então Tubarão naquela época já era, assim, um desafio, tanto que era aquele... A infra-estrutura que se montou, o grupo de executivos no novo porto... chamava isso, o grupo do departamento de obras naquela época era grupo executivo do novo porto. Era praticamente o novo que estava abrindo, aquela janela do moderno, do eficiente, do competente.
P/1 - E era uma equipe nova que também estava se formando?
R - Era uma equipe nova que estava se formando ali. Eu, na realidade, não fui nessa equipe. Eu entrei para pegar uma outra parte. E depois aí eu mudei de rumo, porque aí veio as pelotizações, entrei naquilo ali, um desafio também crescente, né? Foi extremamente bom, a gente aprendeu muito a lidar com japonês, com italiano, com espanhol, com alemão. E depois a oportunidade, também, de você abrir esse leque de opções para o exterior. Com isso, a gente acabou virando quase que freguês lá do Japão. Discussão técnica, era missão comercial, era negociação de usina, essa coisa toda. A gente participava daquilo tudo. E conhecer naquela época o que tinha de mais moderno. A Vale, na realidade, ela te dava o desafio, mas ela dava muita oportunidade, deu naquela época muita oportunidade. Por exemplo, a gente, na hora que entrou nas pelotizações, você tinha uma... praticamente um tour mundial para conhecer os grandes produtores de pelota, ir conhecer as usinas, conhecer as instalações, essa coisa toda. Então, você na realidade, de uma certa maneira, você era preparado para enfrentar aquele desafio. Agora, a Vale é também de botar o pepino na tua mão, né? Você tem que se virar, não tem jeito. É o estilo da empresa, né?
P/1 - A pelotização foi um pouco isso, colocaram um pepino para resolver?
R - Foi, porque na realidade a usina, a primeira usina, na realidade, nós fomos um grupo que nós aprendemos ali, e isso é verdade. E eu acredito que não é só nós, não, até os próprios alemães da (Lu___?), o pessoal da (F___pine?), eles também aprenderam ali. Eles estavam quebrando a cabeça ali, do mesmo jeito que nós. Foi realmente um negócio assim. E aquela usina deu tudo que é de problema, que você pode imaginar, ela deu. Por problema de projeto, usina com um (sino?) de 900 toneladas desabou, despencou aquele troço lá de cima e caiu aqui no chão. Sorte é que não teve acidente fatal com ninguém. Mas, pô, uns negócio bravos, né? Mas o resultado depois daquilo, quando terminou, que nós ajustamos a usina, nós começamos a passar a ser expert no assunto, a gente começou a ter um grupo que realmente começou a dominar o negócio. Não só operacionalmente falando, mas em termos de equipamento, em termos de tudo, de manutenção, e tudo. Tanto que as usinas lá depois, por exemplo, no caso da Nebrasco, os japoneses chegaram a falar para nós que era a usina de melhores índices do mundo, quer dizer, desconhecia usina que desse índices melhores do que aqueles. E uma coisa que é o seguinte: nós não pegamos, na realidade, estrangeiros para operar as usinas, não! Nós é que operamos as usinas. Nem a primeira usina nós recorremos nisso. Na realidade, eles queriam ficar para operar, mas nós não concordamos não. Nós assumimos a coisa, e tocamos o barco, com aquele grupo, com aquela equipe ali. Então, esse desafio é sensacional, é espetacular. Que a gente teve alguma noite mal dormida, teve. Que a gente passou algumas madrugadas, passou. Mas que ficou um resultado muito palpável, muito bonito, ficou também, está certo?
P/2 - Senhor Pacheco, explica para a gente mais detalhadamente como é que era o seu trabalho na usina de pelotização.
R - Eu, na realidade, o que é que eu fui na usina de pelotização? Eu era o engenheiro mecânico e eletricista, eu fui para a usina para trabalhar na parte de manutenção. Eu era o homem da manutenção da parte elétrica e eletrônica, de instrumentação das usinas. Então eu fui para lá para isso aí. E a primeira usina, por exemplo, naquela época, era uma usina que para nós, naquela época, era uma usina bastante sofisticada, né? Mas não era, na realidade, mas para a gente era. Porque nós, na realidade, estávamos entrando naquela, digamos, na automação industrial, nós estávamos entrando ali, aquilo ali para nós foi o beabá da coisa, né? E nós entramos. E formamos, tivemos a oportunidade de formar equipe. Garimpa um daqui, garimpa outro dali, nós fomos estruturando uma equipe de trabalho. E aquilo na realidade para a gente foi uma escola. Uma escola, como eu falei para vocês, aquilo aconteceu de tudo que você pode imaginar. Mas nós ali, na realidade, também aprendemos a trabalhar, aprendemos a organizar as coisas, a amarrar um trabalho com um resultado de produção. Aquilo é uma linha contínua de produção. Não adianta você fazer um trabalho técnico excepcional, se você não estiver produzindo. Você tem que produzir. Então, resultado: ali nós já começamos aquela preocupação grande com qualidade, qualidade de trabalho, evitar retrabalho, corrigir as coisas, para ter solução permanente para os problemas, ter preocupação de ter desempenho cada vez melhor. Daquilo ali nós fomos caminhando, e depois tem a usina de _____ de parada zero, durante o mês todo.
P/1 - Parada zero?
R - Parada zero. A usina rodava o mês inteirinho sem um minuto de parada da linha de produção. E isso, nós começamos a fazer isso com um conjunto de usinas. Foi crescendo, nós fomos espalhando aquilo. Então, resultado: você chegava - aquilo que nós estávamos falando - você, na realidade, tinha um grupo, que você preparava tão bem as preliminares ______ de uma usina daquela ali, que quando você ia rodar, rodava tudo redondinho. Nós tivemos um desafio, que foi na Hispanobrás, que era... a usina ia rodar segundo semestre. E o superintendente adjunto, na época, que era o Camarão, ele colocou na mão da gente o desafio da usina rodar em fevereiro. Fevereiro hein, você imagina a diferença de número, né? Nós fizemos uma reunião com a firma montadora, com os técnicos da Lurgi, e com os técnicos fornecedores de equipamento, e o Camarão colocou isso na mesa. Todo mundo ficou apavorado. E eu mais ainda, porque ele falou assim: “E você, com o seu grupo, vai ser o carro chefe do start up?. Vocês é que vão ser a linha de frente.” A linha de frente do negócio. Quando terminou a reunião, eu cheguei para o Camarão: “Você não está ficando doido, não? Rapaz, você está vendo que todo mundo está dizendo que a usina vai rodar lá para setembro, rapaz, você quer que rode em fevereiro? Ainda botou uma data para rodar?” Ele virou para mim: “Pacheco, isso é meta. A meta existe. Nós vamos... o compromisso que você vai ter comigo é o seguinte: você vai correr atrás para que isso aconteça. Agora, se não acontecer, pô, tudo bem. Mas a tua meta é essa. Essa usina tem que rodar na data tal. E você vai se comprometer comigo que vai botar tua turma batalhando para que isso aconteça.” E nós saímos andando: “Se é desse jeito, vamos mandar brasa.” Chamei a turma: “Gente, olha: nós temos que fazer um dever de casa perfeito. O que nós vamos fazer tem que ser perfeito. Ninguém pode botar defeito em nada. A meta dos caras é testar três equipamentos por dia, quatro. Nós vamos testar 30 por dia. Entendeu? Nós vamos fazer um troço desse tipo.” E não deu outra coisa: fizemos um trabalho desse tipo. E a usina rodou na data que o bendito Camarão queria. Por incrível que pareça rodou. Porque você fazendo assim, você coloca um fornecedor do equipamento, quem projetou a instalação, em vez de você botar ele deixando ele administrar as folgas dele, você coloca ele como um cara que tem que correr atrás da coisa. Nós fizemos isso uma vez, numa mudança de salas de controle de usina lá, fizemos uma coisa desse tipo. Nós fizemos o dever de casa tão bem feito, que os gringos, em vez de ter tempo para ajustar os mal feito deles lá, eles passaram a ter que correr atrás, porque nós pegamos a dianteira! O cara tem que pegar seu ritmo, não é você que vai entrar no ritmo dele, não. Você é quem dita o ritmo da coisa. Você bota todo mundo para trabalhar para você, que é apertado, é, mas a satisfação depois que você conclui, isso lá na frente é um espetáculo. É o que eu falei para você do porto lá de São Luís, dá um prazer na gente imenso. Porque você vê que você fez um trabalho extremamente bem feito. Você fez a excelência que poderia ser feita ali. E você valoriza tremendamente o trabalho da tua equipe. O pessoal se sente motivado, moral elevada, sabe que realmente é um time ganhador. Coisa melhor que tem é você botar um time que é time ganhador, time que sente que eles são os vencedores no meio daquela história toda. E não é você, não, é o grupo todo, é todo mundo se sentir assim. O trabalho que nós fizemos lá nas pelotizações foi excelente. E isso eu aprendi a fazer isso lá, aconteceu em São Luís, voltei para Tubarão, nós reestruturamos o porto de Tubarão, e vim para a Valesul, tive o prazer de ouvir (Djalma Teixeira?), que era o presidente da (Bilito?), lá atrás, que era o sócio nosso na Valesul, num final do ano, em despedida minha, falar que o ano que eu tive aí, junto com o Sebastião Ribeiro, que era o diretor industrial, foi o ano dos melhores números da Valesul. E ele falou: “Para minha surpresa, porque você não era um cara do ramo. O Tião era um cara da área comercial, eu não sei o que vocês arrumaram, mas a Valesul deu os melhores números que ela deu até hoje.” E o que nós fazíamos, na realidade, era botar as pessoas para trabalhar, pô! Eu não sou um técnico no assunto. Eu tinha que botar os caras, os bons, para fazer a coisa bem feita. Minha função era muito mais de polarizar as coisas, de motivar a turma, de agregar uma equipe. Não sou eu que vou lá executar. Eletricista eu fui lá na Copel, nessa máquina lá, naquela época. Mas minha função não é essa, função maior minha não é essa. É fazer as coisas acontecerem, como está lá na Prefeitura de Vitória, ganhei uma Secretaria de Desenvolvimento Urbano. Eu não sou urbanista, pô! Pelo contrário, sou um engenheiro mecânico-eletricista. Agora, eu sou um gerente. E eu estou fazendo é um trabalho de gerente, trabalhar a equipe, botar as pessoas certas no lugar certo, e começar a mudar a cara das coisas. E a função maior da gente é isso aí. E na pelotização eu aprendi demais nessa linha, de fazer isso, de trabalhar isso de uma maneira consistente. Me deu uma visão gerencial muito boa, muito importante. E num fogo cruzado. Você vê que a gente estava botando aquelas coisas em funcionamento, uma coisa, pressão. Naquela época, a diretoria cobrava, o diretor da Vale cobrava, que as usinas dando problema daquele jeito, meu santo! A diretoria é cobrança em cima, não tem papo. Ninguém estava ali, digamos, em situação cômoda, não, o Helder deve ter relatado para vocês. Era uma situação de cobrança, e cobrança forte. Agora, com um grupo motivado, um grupo comprometido, e acabou dando o resultado que deu.
P/1 - Como é que o senhor promovia esse comprometimento da equipe?
R - Eu tenho uma facilidade muito grande de me relacionar. E eu tenho um detalhe: eu chego junto, eu chego junto. Eu, por exemplo, na pelotização, eu ia todo santo dia na sala de cada grupo daqueles que trabalhavam comigo. Eu sentava com eles, eu discutia os problemas com eles, eu sentia na carne o problema que eles estavam vivenciando. Então, isso, na realidade, primeiro: você tem uma percepção muito aguda de quais são os problemas concretos, reais. E outra coisa: as pessoas sentem proximidade com você. Você com... num processo desse, você vai conseguindo compromisso das pessoas. E eu sempre vendi para as pessoas que o objetivo maior nosso naquilo ali, naquela época era um engenheiro de parte de manutenção, mas o compromisso maior nosso não era com manutenção, não.
[FIM DA FITA I]
R - Manutenção era um meio de conseguir produção. A pelotização só seria bem sucedida se ele produzisse bem. Então, nós tínhamos que inserir aquele trabalho nosso num contexto maior. E na realidade o maior nosso era botar pelota lá no pátio, era botar pelota dentro do navio. Isso é que era o objetivo maior nosso. E eu tenho uma facilidade: as pessoas gostam de mim. Eu consigo criar laços fortes com as pessoas. E transmito para eles, de uma maneira bem clara, esse sentimento, a importância do trabalho da gente. Que, na realidade, fazendo um trabalho desse todo mundo ganha. Não sou eu que ganha, não, todo mundo ganha. Tanto é que naquele contexto das pelotizações, por exemplo, eu tenho certeza que tem profissional ali que eu fiz ele superar o limite dele. Tenho certeza disso. Tem profissional que ele superou o limite dele. Eu tenho certeza que se ele olhar para trás hoje, ele fala assim: “Fiz mais do que eu podia fazer.” E foi desse jeito, trabalhando a cabeça de cada um, dando treinamento, pinçando os caras melhores. Você tem que se cercar de gente boa. Você só faz as coisas acontecerem se você se cercar de gente boa. É a equipe que ganha jogo, não é um cara, estrela não resolve as coisas. Se você não tiver uma equipe boa, não tem jeito, não tem solução. Por exemplo lá na Prefeitura hoje, serviço público, que é uma coisa completamente diferente, isso para mim todo dia é claro, é transparente. Bota gente boa, que as coisas começam a funcionar, você começa a mudar, e todo mundo... todo mundo não, tem... a maioria das pessoas querem ver resultado, querem ver uma coisa boa acontecer. Mesmo no serviço público você tem gente que quer ver a coisa acontecer. E as pessoas aceitam o desafio. Coloca o desafio na mão da pessoa. Dê a decisão para a pessoa, de coisa que é importante para ela, a gente não pode ficar centralizando tudo na mão da gente, não. Você quer que aconteça o maior lá na frente. Eu não posso querer dizer qual o detalhe do que você vai fazer. Isso é decisão sua, você acha o caminho certinho. Eu tenho que botar a responsabilidade na tua mão, te dar os recursos que você precisa, e te cobrar resultado, poxa. Minha função é ir lá cobrar resultado. Tecnicamente tem coisa que você resolve muito melhor do que eu, se bem que eu fui um bom técnico. Eu já resolvi alguns problemas de eletricidade cabeludos, tenho certeza disso. Mas minha função maior não é esta. Eu tenho que ter gente que faz esse trabalho. E minha vida profissional foi muito nessa linha, nunca fui de centralizar nada na minha mão, sempre deleguei muito, agora cobro resultado, e cobro de uma maneira forte. Eu quero resultado, eu preciso de resultado. A empresa precisa... a instituição precisa de resultado. E o trabalho que eu fiz na minha vida profissional foi muito nessa linha. À medida que eu fui galgando postos, eu sempre trabalhei dando um enfoque forte à equipe, à qualificação das pessoas, e responsabilidade e dar o retorno para a empresa. E lá na pelotização nós tivemos uma vantagem muito grande, que o Helder nos deu liberdade para escolher as pessoas. Nós nunca tivemos cerceamento na escolha dos profissionais que iam trabalhar com a gente. Então, você podia, você tinha liberdade de escolher a tua equipe. Você faturava os acertos e pagava o rombo dos erros. Mas a decisão era da gente. E fizemos uma bela equipe lá, uma bela equipe. Tem profissionais ali que você lembra deles com a maior... uma lembrança extremamente agradável, pessoas que iam à luta, que ombreavam, não tinha hora, não tinha nada, compromisso maior era com o trabalho, com o resultado das coisas.
P/1 - E a usina foi em fevereiro, não?
R - Rodou. Rodou em fevereiro, rodou na data, na data. É um orgulho para a gente, orgulho para a gente e para aquele grupo todo. Porque isso, na hora eu, na realidade tinha a fama de ser o maior festeiro. Agora numa hora dessa eu fazia uma puta festa. Levava a turma lá, e a gente confraternizava mesmo. E essa turma, ela... o grupo todo tinha aquela sensação cristalina da vitória alcançada. Eu partilhava com eles isso aí, se tem uma coisa que eu tenho prazer, é de elogiar um desempenho bom de um colaborador meu. Eu tenho prazer disso, prazer de dizer que a pessoa tem desempenho excepcional. E não tem nada mais importante para um profissional do que isso, não, rapaz. Às vezes o dinheiro é secundário. A realização pessoal às vezes é maior do que o dinheiro que ele ganha.
P/1 - E a tecnologia, senhor Pacheco, a tecnologia usada para essas primeiras usinas?
R - Nós começamos a praticar GQT nas usinas de pelotização numa época em que nem se falava nisso.
P/1 - GQT?
R - Gerenciamento da qualidade total. Nós fazíamos aquilo, talvez pelo relacionamento com o japonês, nós começamos a praticar esse negócio numa época que não tinha isso institucionalizado. Você tinha metas bem definidas, objetivos bem claros, comunicação boa, a gente via quando a comunicação falhava de uma maneira grande. Você via que, na maioria das vezes as coisas não ocorrem, é porque a comunicação não foi bem feita. Você tem que ter a turma toda sintonizada, ter o grupo todo trabalhando na mesma direção. Quando você comunica bem, que você leva a coisa da maneira correta, você coloca para a pessoa a maneira da coisa correta, e o cara tem cabeça boa, só dá resultado bom, não tem jeito, chega lá. E o interessante nisso é que nós, na realidade, começamos a praticar, às vezes a gente... nós reuniámos lá, nós comentávamos, já quando tinha... na época do GQT, do gerenciamento da qualidade total, é que a gente, na realidade, lá praticava aquele negócio sem ter aquilo num corpo definido como tem hoje. Mas você já, muitas coisas daquilo, você já praticava daquilo transparentemente. Defeito zero. A gente corria atrás de defeito zero. E você tem uma usina, que ela rodou 100% do tempo, e numa época que você não tinha isso, muito definido. Mas a gente já praticava aquilo. A questão do ambiente bom de trabalho, você trabalhar essa coisa com esmero. Não é porque você trabalha pesado que você tem que ter ambiente pesado de trabalho, não, você pode compatibilizar perfeitamente as coisas. Você pode ter um trabalho de cobrança pesado, mas você ter um ambiente de trabalho bom, saudável. Não é a cobrança que cria o problema, não. Você tem que ter um relacionamento adequado. Agora, cobrar, a gente sempre cobrou. São Luís, por exemplo, lá no... Pô, a gente cobrava, mas cobrava mesmo, mas era também aquela coisa: você, na hora de confraternizar, meu santo, era aquela bela confraternização. E a turma sentiu, todo mundo ali, é um grupo que se sentiu vencedor naquela encrenca, que o troço rodou daquele jeito, por que? Porque todo mundo suou a camisa, né? E eu tive um depoimento de um supervisor, Joaquim Caetano, depois, quando nosso porto rodou, que nós fizemos aquela reunião de avaliação, ele falou para mim uma coisa: “O senhor se lembra que o senhor vinha para cá dizer para nós que o porto ia rodar na data tal? O senhor sabe quem é que acreditava quando o senhor falava aquilo? Só o senhor e mais ninguém. Quem discordar, fala aí. Olha, ninguém.” Realmente ninguém. Agora ele falou assim: “À medida que o senhor foi vendendo para nós a idéia de que era possível, e mostrando o caminho através do qual era possível, chegou numa hora que o problema não era mais do senhor, não, era nosso.” Virou um rolo compressor. Porque você mostrou o caminho para aquela turma, você criou aquela massa crítica, que a partir dali, as próprias pessoas se sentem responsáveis pelo resultado final. Aí, meu santo, aí você tem que na realidade é só dosar as coisas, porque chega lá, chega lá sem dúvida nenhuma.
P/2 - O senhor foi para São Luís em que ano e por que a ida para lá?
R - Eu fui o seguinte: primeiro, para mim pessoalmente, que que acontece? Eu estava na pelotização já há muito tempo, e eu cheguei no limite do que um cara, com a minha formação profissional, normalmente chega, porque eu sempre fui um homem de manutenção. E, naquela época, na Vale, tinha um conceito muito arraigado, fora o Schettino, que era da operação, foi para a manutenção, e depois, entendeu, mas a maioria das pessoas... o homem de manutenção diz que batia num patamar e ali morreu. E eu estava num limite, eu estava num limite equivalente hoje ao gerente geral. Quando me ofereceram a oportunidade de ser superintendente em São Luís, eu falei: “Para mim, profissionalmente, é o ápice grande que eu preciso, é o degrau, é o salto que eu preciso, profissionalmente, para mim, como desafio.” E outra coisa: eu já estava na rotina nas pelotizações, aquilo já não era mais desafio para mim, e eu sou uma pessoa que sou movida a desafios, eu tenho que ter um desafio na minha frente. Se começar na rotina demais, eu perco a motivação completamente. Eu tenho que ter um troço que está me desafiando na minha frente. Agora, eu tenho lá essa Secretaria da Prefeitura, é a minha fazenda, é entender de café, e botar café irrigado, fazer aquele troço produzir, é ter gado, não sei o que, eu tenho necessidade disso, eu preciso desse negócio. Hoje quem faz os projetinhos na fazenda sou eu, mata-burro eu que invento aquele troço, como é que faz, como é que não faz. Então, eu preciso desse troço, isso é minha... eu vou para a pescaria, eu quero saber como é que faz cada vez melhor. Então, eu sou assim. E para mim, na realidade, a ida para São Luís significou isso para mim. Foi sair de um patamar que eu já estava caindo na rotina, numa coisa inteiramente nova, que era a operação portuária, como responsável maior pela operação portuária. Tanto que o Helder, na época, ele não queria que eu fosse, ele batalhou firme para mim não ir, mas eu... aquilo para mim estava cristalino na minha cabeça, falei: “A Vale me deu oportunidade, eu vou lá.” E me mandei.
P/2 - Em que ano que o senhor chega?
R - Foi em maio de 1985, eu não me lembro o dia, mas foi em maio de 1985. Já tinha um problema de montagem de uma máquina lá. Quando eu ví que o problema ia ser meu de qualquer maneira, eu falei: “Já está tudo certo?” “Está.” “Então, eu vou-me embora.” Peguei o avião, peguei junto com outro engenheiro em Tubarão, nós fomos juntos para lá. E a partir dali, minha filha, assumi de fato e foi para frente. Para mim significou isso, um novo desafio, e é o que sempre me empurra para frente nas coisas.
P/1 - Escuta, doutor Pacheco, indo em relação às pelotizações, quer dizer, em termos de relacionamento, quer dizer, as
com japoneses, italianos, espanhóis, havia diferenças nesse tipo de relação?
R - Diferente, assim: primeiro, a gente aprende a se relacionar com um sócio estrangeiro. Na realidade, a Vale sempre foi a dona das coisas, ali a Vale não era mais a dona da coisa. Nós éramos o dono, entre aspas, da operação da usina, mas você tinha que prestar contas, de uma certa maneira, ao sócio, que era tão sócio quanto você no empreendimento, né? Então, primeiro, é esse aprendizado de como lidar com o italiano, como lidar com o espanhol, como lidar com o japonês, então essa coisa aí. Foi muito importante. E outra coisa muito importante é você lidar com a disciplina do japonês, que o japonês é interessante. O japonês, quando ele te questiona sobre certas coisas, o japonês é muito sério nesse tipo de coisa. Ele, quando ele te questiona, você pode ir fundo, porque via de regra ele tem razão, ele pode estar errado, mas via de regra ele tem razão. E isso ajudou a gente muito, porque quando ele questionava, você ia mais fundo na coisa. E outra coisa: japonês, a partir do instante em que ele confia em você, passa a ser um aliado forte. Ele é um parceiro excelente, porque ele te ajuda, ele critica, mas ele sabe também elogiar na hora que a coisa... O japonês é muito mais disciplinado que nós, você pega o latino, ele é mais parecido conosco mesmo, o italiano, espanhol, é mais... entendeu? Ele não é tão disciplinado. O japonês é muito disciplinado. Tem um lado que a gente pode dizer que é ruim nisso, mas tem um lado muito bom nesse troço. Então, essa convivência com os japoneses, isso aí, ajudou muito, como o italiano, como o espanhol. Start up da usina nós ampliamos com os italianos lá, brigamos juntos, passava noites lá, aquele negócio. Isso é muito bom, porque você vê os lados fortes que nós temos e os lados fracos. Porque tem coisa que a gente acha, se julga numa posição que a gente é ponto fraco, mas de repente não é não. A gente, o problema da organização nossa, o italiano falou: “Rapaz, se você brincar na Itália, você não fica a dever nada não.” Tem esse problema lá também, esse problema lá existe, como existe aqui. Isso você ia pegando os referenciais, está certo? Aí você via que de repente certas coisas você já estava ultrapassando, porque é uma média que tem por aí afora, que você estava num patamar melhor, maior. Então, na realidade, foi muito rico para a gente esse período lá, lidar com sócio, dar satisfação ao sócio, e lidar de igual para igual. A gente, na realidade, não estava ali numa posição de inferioridade, não. Era de igual para igual. Tanto que o tipo de elogio que eu falei aí, a gente ganhava esses elogios, assim, rasgado mesmo. Dizer que nós tínhamos os melhores desempenhos que tinham que eles conheciam. E a gente não tinha reclamação maior do sócio com relação ao desempenho das usinas, não tinha. Relacionamento bom, às vezes de cobrança, mas é normal um negócio desse.
P/1 - Um casamento de experiências, de vivências. De repente um cara mais forte numa certa linha, mas a gente também, por exemplo, criatividade, a gente às vezes encontrava soluções, que é a criatividade brasileira, pô. Você às vezes resolve certas coisas, que não é o padrão normal de eles resolverem. Você resolve, você quer resultado, chegar lá na frente, beleza.
P/1 - Tem algum tipo de solução, assim, que o senhor se recorde?
R - Nós tivemos umas... aí, é coisa muito técnica, né, mas nós tínhamos lá uns problemas... tinha uns equipamentos na usina 1 e 2, que eram uns equipamentos que tinha um sistema dos motores grandes, aqueles... tinha uns motores de ventilador que eram aqueles... aquelas jamantas de motor, né? E esse motor tinha um sistema interno dele que fazia um estágio do processo de partida do motor, que era um ponto frágil do motor. E aquilo dando problema, aquele negócio, sempre dava, né, porque aquilo era uma coisa repetitiva, né? Quando você vai no sentido da qualidade total, esses pontos você tem que eliminar, que se não você não, senão você bate num limite, você não ultrapassa aquilo. Então, aquele negócio é tolerável, a melhoria do sistema é tolerável até um certo ponto, depois você tem que eliminar o problema, você tem que zerar o problema, senão você não chega no tal do desempenho 100% ou o defeito zero. E esses equipamentos eram um nó na garganta da gente. Até que nós futuca daqui, futuca dali, encontramos a solução para aquilo, e quando foi para fazer, nesses motores, como a usina era inteiramente nossa, nós assumimos e fizemos, entendeu? Agora, quando foi para fazer nos motores de uma outra usina, que era um outro fabricante, o fabricante correu da raia, não quis fazer, não quis assumir. E nós fizemos. Nós pegamos o projeto, nós tínhamos um americano que trabalhava conosco nessa época, um cara... ele era um engenheiro eletricista, mas ele tinha muito mais habilidade mecânica do que de eletricista. Ele era um engenheiro mecânico perfeito, ele tinha uma habilidade mecânica para lidar com esses detalhes de coisa mecânica, sabe, um cara sensacional. E ele pegou esse negócio, o desafio que nós colocamos na mão dele foi esse: dele pegar aquilo, destrinchar aquilo e dar a solução. E nós, na realidade, pegamos, nós não inventamos nada, nós pegamos o que um japonês tinha feito, e copiamos o que o japonês fez, adaptando para o nosso equipamento. O que nós fizemos foi isso, não foi nada. Agora só que tinha uma pinóia de uma peça lá, que tinha um desenho todo complicado, e ele destrinchou aquele negócio, ele dominou aquilo completamente. Que era o pulo do gato na história. Aí quando nós levamos para o fabricante do equipamento, ele correu da raia: “Não.” Aí nós pegamos, assumimos e fizemos. Quando nós botamos para rodar, o fabricante daquele equipamento veio correndo atrás, falei: “Agora não. Agora não, ____. O ônus que tinha que pagar nós pagamos. Agora o louro você não vai levar, não. Você quer, você desenvolve lá no teu, faz lá, o nosso aqui você não vai mexer mais não.” E foi. Esse tipo de coisa você tem... num processo desse, você tem que avançar nisso aí. E isso é uma coisa, assim, bem marcante, aquilo foi que fez com que a gente ultrapassasse certos limites que a gente tinha, e que era limite mesmo. Você ultrapassando aquilo ali, você cai numa coisa completamente diferente.
P/1 - E no cotidiano, senhor Pacheco, como era trabalhar com japonês, espanhol, tem causos, assim, tem umas histórias, na relação com eles, não?
R - Não, é um estilo diferente de vida deles, né? Tem assim, quer dizer, por exemplo, nós temos... há convivência boa, por exemplo... o relacionamento com o japonês, com o italiano, com o espanhol... Eu tenho uma recordação muito boa, tem os diretores das coligadas, o relacionamento com eles todos, assim, muito bons, você vê que não tem, mesmo os japoneses, aquelas festinhas que a gente fazia, mas não é coisa muito do causo, não, era mais... o causo era mais entre nós, lá dentro das usina, né? Era brincadeira com relação a um determinado funcionário que tinha uma característica, isso dava muita brincadeira, muita gozação.
[PAUSA]
R - Mas esse... na parte lá com os sócios estrangeiros, você não tem muito... a coisa não vai muito nessa linha do causo, não, pelo menos... Muito mais é o grupo interno da Vale a gente tem, a gente reúne periodicamente pessoas oriundas da pelotização, nós temos uma barraca que chama Barraca 13 lá em Vitória, que a gente reúne muito o grupo oriundo da época da pelotização. E tem dia que a gente morre de rir das coisas, né, porque aí você começa a lembrar daqueles detalhes todos. Uma vez... nós temos um caso lá, interessante, tinha um engenheiro nosso, que ele era praticamente surdo, mas dizem que ele era surdo de conveniência, né? Quando ele não queria ouvir, ele desligava o aparelhinho dele lá, e o pau comia, né? Agora quando ele queria, ele ligava aquela pinóia e escutava tudo, você achava que ele não estava ouvindo e ele estava ouvindo tudo. Aí teve um dia que nós estávamos fazendo um teste lá de uma usina de tratamento de água, e ele estava ali perto, aí ele pegou um rádio, e falando com outro cara, estava gritando, não sei o que, quando descobriu estava um aqui, o outro estava ali, olha! (riso) Uma gritalhada danada com o rádio, estava um quase que ao lado do outro! Um achando que o outro estava lá não sei aonde! Aí era brincadeira com a surdez do Mário, né, do Mário Resende. Mas esse tipo de brincadeira a gente tem muito, sabe, mas preciso começar a lembrar daquelas passagens. Que é gozado, você às vezes tem passagem de você num clima de trabalho, assim, de cobrança grande, mas tem o lado pitoresco do negócio, que é hilariante mesmo, você morre de rir da brincadeira, né, o que mostrava que na realidade o pessoal não perdia o bom humor com as coisas. Era sério, era sério, mas o lado pitoresco da coisa, você sempre pinça aquilo ali, né?
P/1 - O ambiente de trabalho na Vale sempre foi agradável, momentos mais pesados...?
R - Foi. Não, lá o seguinte: lá na pelotização nós tínhamos alguns gerentes muito impetuosos, do meu nível, e até interessante, às vezes o pessoal fazia a observação de que eles não sabiam como eu consegui conviver com fulano, sicrano e beltrano, sem brigar com eles. Eu era o único que não brigava com eles, mas eles brigavam. Mas nunca era uma briga levada para o lado ruim. Até a gente podia ser muito áspero no nível de cobrança, mas sempre terminava em boa, paz. No fundo, o ambiente de trabalho nunca foi pesado, carregado, em termos de um querer tirar diferença com o outro, não existia isso. No fundo, o objetivo maior, ele era sempre preservado. Agora, a cobrança é pesada, né? Teve uma vez... que tem uma passagem lá, essa também foi, assim, espetacular. Nós estávamos lá na sala de um gerente, o gerente de apoio, não vou citar o nome dele, mas dentro da sala do gerente de apoio estava eu, o superintendente adjunto, e ali cheguei, vi que o troço estava, assim, meio agitado, ele estava com, ele botava uma toalhinha no espaldar da cadeira, ele pegava aquilo e secava a mão toda hora, eu vi que o negócio estava meio... Aí eu vi aquilo, dali um pouco eu cheguei, chamei o Camarão: “Camarão, vamos embora?” Aí, ele falou: “Não, você não vai embora não, você vai ficar aqui. Todo mundo vai ficar aí.” Eu falei: “Que que houve...?” “Não, fulano de tal está vindo aqui, diz que vai me dar um murro na cara. E vocês vão ser testemunhas.” (riso) Aí, eu falei: “Ih, rapaz, está bravo o negócio aqui hoje, está certo?” Mas, gozado, a presença de espírito do cara, né? Foi na época que se introduziu o crachá, lá na pelotização. Então você tinha que se identificar. Qualquer lugar que chegasse, você tinha que ter o crachá de identificação. Quando o cara que estava mais exaltado chegou, que abriu a porta, que entrou, ele bateu o olho no cara e falou assim: “Está sem crachá, está sem identificação. Sai fora daqui! Você não pode entrar aqui não.” (riso) Aquilo desarmou todo mundo, caiu todo mundo na gargalhada, o cara também começou a rir. (riso) Então, desviou aquele troço, esse negócio. Eu me lembro disso de vez em quando. E o Camarão morrendo de rir, eu: “Camarão, vamos embora, que isso não vai dar mais nada, não.” (riso) Agora, eu fico impressionado, a presença de espírito dele, dele perceber que o cara não tinha... não estava com o crachá dele, e falou na mosca: “Está sem identificação, não pode entrar aqui, não.” (riso)
P/2 - Saiu pela tangente!
R - Saiu pela tangente! Mas é gozado, você tinha esse tipo de coisa, porque na realidade, o que que é? Como a gente estava num regime de pressão, que é pressão mesmo, não adianta, você está com uma usina daquela, dando problema, a diretoria cobrando, não tem jeito. É no mínimo uma coisa estressante, não tem outro jeito. Então, não é que o cara está cobrando, é que ele também está sendo cobrado. Pensa que ele está fazendo aquilo ali porque ele está querendo ser bonitinho, não, é porque nego está ______, porque tem que cobrar todo mundo, pô, e a gente era cobrado continuamente. Não pensa que era moleza para ninguém. Mas você arranjava uns aí que davam umas tiradas dessa, assim, na hora H ali, né?
P/1 - Senhor Pacheco, quando o senhor foi para São Luís, que tipo de situação o senhor tinha que resolver, como é que estava a situação do porto?
R - São Luís estava o porto em fase de montagem, com um cronograma atrasado, faltando material, máquina com montagem incompleta. E São Luís, naquela época, o Sarney era o Presidente da República. Então nós tínhamos ali um contexto político local, nós tínhamos o pessoal da Codomar, Companhia Docas do Maranhão, que eram, na realidade, competidores conosco, entre aspas, não era bem isso, mas tinha um ciúme muito grande, um lugar daquele, pequeno, e na realidade nós chegamos... um porto daquele lá, a gente na realidade era, de uma certa maneira, vedete, né? Então, na realidade, nós chegamos lá e ocupamos espaço que historicamente sempre foi de outros parceiros lá. A gente, como estava acostumado com coisa assim, para a gente aquilo não significava grandes mudanças, mas para eles significava grande mudança. Então gerava muito ciúme. Então, a gente tinha que administrar um lado político, de relacionamento, eles tendo acesso direto ao Presidente da República, que ele conhecia a Vale, mas, poxa, os caras lá eram amigos do peito dele, então aquela coisa toda. Então, você tinha que administrar tecnicamente e o relacionamento com a comunidade, para a gente não criar ali atritos, coisas que de repente ficava complicado para a própria empresa administrar. Mas nós, na realidade, trabalhamos aquilo bem, o pessoal da capitania dos portos, relacionamento espetacular. Tanto espetacular, que eu acabei virando padrinho de casamento do capitão dos portos lá no Maranhão. Então foi um período assim, entendeu, a gente trabalhou aquela coisa ali direitinho. Mas tinha atritos, tinha ciumeiras grandes. Uma vez estava indo para lá o Presidente da República, estava indo para lá o Ministro de Transportes, estava indo para lá o presidente da Petrobrás, e tinha a turma que ia fazer uma intrigazinha, não perdia a oportunidade disso, não. Na realidade, eles queriam jogar a gente na fogueira, para ver se a gente queimava um pouquinho. E dessa vez eu tive lá uma entrevista com a imprensa, que eu não sei se foi armado, mas o fato é que a entrevista, ela foi, assim, meia... ela parece que foi meia dirigida. E a menina que era repórter, que foi para lá para me entrevistar, como eu já tinha um relacionamento grande com ela, fui me tornando amigo dela. Aí ela chegou, começou a entrevista, e eu vi que ela queria conduzir a coisa numa direção, eu percebi, falei o que eu tinha que falar, me ative aquilo que era de minha responsabilidade, minha competência, o que não era eu falei: “Não, isso você tem que falar com fulano, beltrano, isso não é comigo, ______.” Quando terminou a entrevista, eu peguei e perguntei para ela: “Escuta, você conseguiu tudo que você queria?” Ela pegou e falou: “Não, eu não consegui nada do que eu queria.” Eu falei: “Por que?” Aí ela pegou e tirou o dossiê todinho que ela levou, prontinho: “Eu queria isso aqui. Só que o senhor não quis falar nada sobre o que eu queria.” Eu falei: “Ah, minha filha, eu falei o que eu queria falar.” Aí, no outro dia, saiu uma página inteira do Estado do Maranhão a entrevista. Eu falei o que tinha que falar! Eu me ative àquilo que era de minha competência e não vou mexer coisa que não... Aí mandei para o Schettino, que era um diretor de operações naquela época, depois ele me deu os parabéns, ele falou assim: “Olha, levei para a diretoria. Eu nunca vi uma entrevista tão feliz como aquela que você deu.” Agora a gente tinha essas coisas, né? Você tinha que ter... eu sempre tive muito jogo de cintura, essas coisas para mim, eu levo... sempre levo essa coisa numa direção, eu nunca tive, assim, eu tenho impressão que eu nunca gerei problemas maiores para a empresa naquela época pela minha presença lá, de relacionamento, de tudo. A gente marcava presença em todos aqueles eventos, me tornei amigo dos irmãos do Sarney quase todos, era um problema difícil da gente administrar o problema de pedido político. É, mas a gente... era interessante... tem uma maneira de você trabalhar essa coisa, que você não gera ruído, porque muitas vezes o político pede, mas ele pede também porque tem alguém pedindo a ele. E se você estrutura um critério bem feito de resposta, de atendimento, você acaba... na realidade você não desagrada ele, porque ele tem a resposta para dar para aquele direito lá para a frente. E quando é o caso de atender, a gente atendia. Tem dois funcionários que deve estar lá até hoje. Tinha uma menina que ela fez o concurso, ela foi a primeira colocada. Era um pedido de uma irmã do Sarney. E eu não tive dúvida, liguei para a irmã do Sarney depois, falei: “Olha, está aqui, passou, vai ser aproveitada, e tudo.” Agora, quando a menina entrou lá, eu falei para ela, eu falei: “Olha, você entrou aqui, fulana pediu, talvez até para você fazer o concurso tenha sido importante ela pedir, agora a tua permanência aqui dentro vai depender de você, é seu desempenho. É você como profissional que vai dizer se você vai ficar aqui dentro ou não.” Foi ótima funcionária, excelente.
P/2 - Ela fez o concurso como outro qualquer?
R - Como outro qualquer. E passou, e teve um desempenho excelente, e como mostrou que é excelente profissional, está certo? Mas não tem problema nenhum, é a fome com a vontade de comer. Como também tive que responder casos lá que não tinha como, não tinha jeito. Mandaram para a gente alguma coisa que não tem como aproveitar. Mas você, nessa hora, você tem que ter a maneira correta de dar a resposta. Para você não começar a criar complicadores, porque naquela época tinha que lembrar que o homem era Presidente da República. Então você não podia tratar a coisa de qualquer maneira. Então, é jogo de cintura, meu. Mas passamos, atravessamos aquela coisa toda, graças a Deus foi muito bem.
P/2 - E a Codomar?
R - Doca do Maranhão. O presidente da Doca do Maranhão era um dos amigos íntimos do Sarney. Íntimos.
P/2 - Como você lidou com essa dificuldade específica com eles?
R - Lidei o seguinte: primeiro, eu nunca adotei atitude de confronto com eles, nunca. Mas também nunca deixei de marcar presença naquilo que era importante para a empresa. Também nunca, tá? O espaço que eu achava que era meu, eu ocupava, também não estava pedindo muita satisfação para ninguém, não. Aquilo para mim era importante para a empresa em termos da sociedade local, em termos de atendimento, fazia aquilo que achava que devia ser feito. Às vezes podia não agradar inteiramente, pô, paciência, não tinha jeito. Mas aí não tinha outra maneira. Aquilo que era estratégico para a empresa eu ia à luta, se tivesse que atritar, atritava. Mas também não acirrava nada. Eu não tornava o problema maior do que ele era. Eu acho que talvez o que eu tenha feito de uma maneira adequada foi isso aí, foi de trabalhar o problema dando a ele a dimensão exata que ele tinha. Porque tinha situações que era de conflito mesmo, não tinha jeito, está certo? E eu não ia abrir mão do interesse da empresa, por outra coisa.
P/1 - Que tipo de situação que gerava conflito?
R - Era conflito, por que? Quando você falava em carga diversa, qualquer coisa que a gente fosse fazer, embarcar gusa lá, no duro você estava tirando, na realidade, carga do cais comercial. Gusa só era carregado pelo cais comercial. O dia que nós começamos a fazer a experiência de gusa no cais de ponta da madeira, você na realidade começa a entrar na seara deles. E é uma situação de conflito, não tem outro jeito. Manganês era carregado lá, quando nós passamos a carregar manganês no cais de Ponta da Madeira, você estava tirando carga deles, que na realidade tirando entre aspas, que quem botou lá fomos nós. Mas você estava tirando alguma coisa deles. Isso era uma situação que gerava conflito, não tinha jeito. Agora, você tinha que trabalhar isso... Agora eu não ia abrir mão de uma coisa que era estratégico para a empresa, paciência, se gerasse conflito, agora o cuidado que eu tinha era de não acirrar mais os ânimos nas coisas, né? Ser um pouco mineiro na coisa, né? (riso)
P/2 - Então, e a instalação do porto lá não significava para eles também uma forma de expandir?
R - Uma certa ameaça, né?
P/2 - É, mas não teria espaço para eles crescerem também?
R - Tinha, mas na realidade o seguinte: é um pouco do que é a Vale. A Vale, ela é uma empresa que ela prima pela eficiência. Então, o nosso padrão de trabalho, o nosso desempenho é outro, pô, isso sempre foi, isso não tem dúvida. É um pouco daquilo que nós estávamos falando, do testemunho que o diretor lá da (Cestel?) falou para a gente, né? É que a Vale, a característica dela é esta, e a Vale atrás do objetivo maior dela, ela vai à luta mesmo, isso sempre foi assim. E quem trabalha na Vale e vivenciou a Vale sabe que isso aí está no sangue da empresa.
P/1 - O senhor comentou que quando chegou, ela estava com o cronograma atrasado, por que?
R - Estava, porque... Naquele fornecimento de equipamentos, então estava... Tinha uma máquina nossa, naquela época, é uma máquina que foi transferida de Tubarão para lá, é uma máquina que foi desmontada em Tubarão. Ela não foi nem desmontada em Tubarão, ela não chegou a ser montada em Tubarão, ela foi transferida para São Luís, na época da montagem ela deu um problema de montagem, não tinha mais a garantia do fabricante do equipamento. Na realidade, inclusive, para resolver o problema, nós usamos mais técnicos da própria Vale, que conheciam bem o equipamento. Então, quando eu fui para lá, tinham esses problemas para serem resolvidos. Tinha uma recuperadora que era um fabricante nacional, que ela estava atrasada, com entrega de equipamentos atrasada, e tudo. E que, na realidade, era o elo final do Projeto Carajás. Você já tinha a mina funcionando, a ferrovia funcionando, e estava faltando um sistema de carregamento de minério, que é o porto, para resolver. E eu cheguei lá e peguei isto, que tinha esses problemas. E foi um dos maiores desafios que eu tive lá, foi, na realidade, trabalhar isso para que isso não comprometesse a meta maior da empresa. Tanto que foi interessante, quando ficou pronto, o próprio pessoal da Rio Doce Europa veio aqui, falou que, na realidade, foi uma surpresa para eles, porque não esperavam que o projeto ficasse pronto naquela data. Na realidade eles mesmo não contavam que naquela data teria o projeto pronto para entregar minério no mercado. Então foi um trabalho bom, desafiante.
P/2 - Depois do porto funcionando, aconteceu algum imprevisto?
R - Não, nós tivemos um problema sério no porto de Ponta da Madeira, sério. Nós tivemos um problema, que é um problema que se pode dizer de projeto. O porto foi construído e, num porto daquele tipo, com aquelas características, São Luís tem uma variação de maré muito grande. São Luís tem uma variação de maré de sete metros, um pouquinho mais de sete metros. O nível da água ali, na Baía de São Marcos, ele varia mais ou menos de sete metros. Para você ter uma idéia, você passa ali no Bacanga, que é junto a São Luís, tem uma hora que você passa, os barcos estão flutuando, a outra hora que você passa o barco está no chão. Está apoiado no chão, chega a estar tudo seco, você olha, não tem água. Com essa variação de maré grande, você tem uma correnteza muito forte dentro da Baía de São Marcos. E o projeto do porto de Ponta da Madeira, ele foi feito um modelo reduzido, que é fundamental num processo desse, mas só que optou-se, numa certa fase do projeto, em vez de monitorar o modelo e medir os esforços, optou-se por fazer cálculos em pontos discretos, vários pontos, por exemplo, pontos discretos, fazer cálculos de esforços, e tirar esses cálculos como os cálculos para levar para o protótipo, o modelo real lá. E nisso aí nós tivemos um problema sério, esse cálculo na realidade não refletia bem a realidade, e quando nós colocamos o porto para funcionar, o navio tinha dificuldade de ficar no píer, quando você tinha a maré máxima do mês, a maré decisiva, que se fala, é quando você tinha variações de maré próxima dos sete metros. Resultado: o navio, ele no píer, ele começava a andar para lá e pra cá, e depois ele tendia a afastar do píer. E isso aí, quando aconteceu com o primeiro navio, que andou arrebentando cabos do navio, nós achamos que fosse um navio velho com cabos em mau estado, que era um problema do navio. E aquilo foi ruim, porque na realidade nós deixamos o problema para frente, até que aconteceu isso com um navio novinho, navio japonês, perfeito, o (___ Maru?), ele estava com 160 mil toneladas, carregadinho, e esse navio desatracou no píer na marra, arrebentando cabo, aquele troço todo. A sorte nossa é que esse navio não... ele passou raspando ao quebra-mar norte. Se pega no quebra-mar, nós teríamos tido um problema cavalar no porto do Projeto Carajás. Ele passou raspando, e aí o comandante do navio foi fundir ao navio lá no meio da Baía de São Marcos, transpirando que nem um louco, um negócio seríssimo, e a partir daí nós vimos que realmente tinha alguma coisa que não tinha sido detectada. Aí, nós passamos, adotamos procedimento operacional diferente, quando você tinha aquelas coisas você botava rebocador encostado no navio para segurar o navio, preso no píer, mas pô, há de convir que rebocador rodando ali direto o custo vai lá para cima. Mas aí realmente constatamos que tinha um problema, aí fomos com o modelo, monitorou o modelo, aí passou a medir os esforços no modelo, o modelo estava bem calibrado. Aí constatou que realmente o que aconteceu com o (___ Maru?) aconteceria mesmo, que os esforços que tinham no navio eram superiores à resistência do cabo. Então o porto, do jeito que ele estava lá, ele tinha um problema sério. E nós tínhamos que lembrar que naquela época São Luís carregava, como até hoje, carrega o maior graneleiro do mundo, que é o
, é o navio que pega 365 mil toneladas. É o navio que cabe mais do que quatro campos do Maracanã dentro dele. Imagine o gigantismo dessa encrenca. Um navio monstro. E a gente carregava esse navio, carregava... você não podia carregar ele só na maré normal, tinha época que ele ia lá na maré decisiva mesmo, né? Então esse navio foi dotado de amarrações especiais, mas mesmo assim você tinha que botar rebocador no costado, e na variação da maré máxima às vezes ele mexia para lá e para cá, e aqueles cabos de aço estalando. Então, você imagina a gente dormir à noite com um negócio daquele ali, na cabeça da gente. Então, nós passamos um período muito difícil, administramos aquilo, assim, de perto, mas situação preocupante. Eu já... na minha cabeça eu já pensava em termos de ter aquilo como situação permanente, mas felizmente o nosso pessoal técnico na área de projetos, junto com o pessoal do CTH, que é o Centro Tecnológico de Hidráulica lá de São Paulo, eles acabaram conseguindo uma solução, que realmente foi uma solução precisa. Eles estudaram num modelo, e no modelo eles fizeram, introduziram uma modificação no quebra-mar sul, que era um quebra-mar que tem 320 metros de comprimento. Eles introduziram, acho que 170 ou 160 metros finais dele um degrau. Que ele, a crista dele ficava toda fora d’água durante toda variação de maré. Aí eles pegaram, botaram um pedaço da frente dele, fizeram um degrau de tal maneira que num certo estágio da maré a água passava por cima dele, acho que passava em toda extensão da maré, ou parte da maré. Então a água passava por cima dele. Com aquilo eles combateram, porque na realidade o que que acontecia? Aquele quebra-mar, com aquela correnteza forte, na ponta do quebra-mar formava um vórtice, que é um redemoinho. Aquele redemoinho começava a crescer ali, ele pegava a proa, a popa do navio, e ele continuava crescendo. Ele crescia, crescia, quando chegava lá na frente, ele crescia, aí ele entrava por dentro da área abrigada, porque era um quebra-mar norte, outro sul, que aquele redemoinho grande entrava por dentro. Quando ele coincidia de ele estar formando lá com outro grande, dissipando aqui por dentro, é que o navio começava a mexer. Quando ele aumentava _____, depois dele mexer ele puxava o navio para fora. Com o degrau que foi feito, você transformou esse redemoinho, você fez com que ele continuasse sendo formado, mas essa água adicional que passava por cima do quebra-mar abria ele mais. Então, o resultado: ele não fechava lá no final dentro da área abrigada. Ele abria lá para fora, quer dizer, aquele esforço final passou a não existir mais. Depois, praticamente resolveu o problema, mas nós tivemos boas noites mal-dormidas por causa disso aí, está certo? E com pressão de comprador de minério, comprador querendo classificar o porto como porto insafety, quer dizer, porto inseguro, e aí você mudaria o valor de frete, de seguro de navio, mudava tudo, né? Você, na realidade, conseguiria criar um, digamos, um fator redutor da competitividade do Projeto Carajás muito grande. Então foi um desafio grande que nós enfrentamos lá, tivemos que administrar isso, tivemos um aliado forte, que foi o comandante do
, um cara que realmente foi um cara muito amigo nosso. Amigo e interesse comercial deles, mas realmente muito... o (Edsten?), o (Edsten?) foi um cara sensacional, ficou do lado da gente, trabalhou junto com a gente o tempo todo, viajando pelo exterior para ver as opções para aquilo, e tudo, então ele foi um parceirão nessa coisa. Por sinal já morreu até. Mas foi um cara que nos ajudou muito nesse processo. Para mim foi um dos maiores desafios que nós tivemos lá no porto de São Luís, foi encaminhar uma solução para isso aí. Ter o problema, gerenciar o problema, e depois caminhar no sentido de ter a solução final para a gente resolver isso aí, porque sem essa solução, ali seria alguma coisa realmente complicada. Navios muito grandes, navios enormes, transformar... a correnteza que tem dentro da Baía de São Marcos é uma corredeira de rio, na hora da maré vazante, na hora da meia maré vazante é uma corredeira de rio. Então foi um desafio respeitável que nós tivemos lá.
P/1 - (Escreveu?) isso na época da construção do projeto?
R - É, um pouco foi o critério de projeto, o critério de projeto deixou margem para uma coisa que não ficou bem avaliada, na realidade o que aconteceu foi isso, foi o problema do critério que se usou para avaliar os esforços do navio, porque se fosse, se tivesse... Porque o modelo estava muito bem calibrado. Se tivesse monitorado o modelo - monitorar significa medir em cada cabo o esforço real que está tendo. Tanto que quando mediu, quando monitorou e mediu, viu que o esforço era muito maior do que aquilo que constava no projeto. Foi ali realmente um dos maiores desafios que nós tivemos ali. Para mim foi esse desafio, foi um desafio de lidar com aquele contexto político, e uma equipe nova, nova e que... levando a manter uma coisa. Para dizer que... alguma coisa, assim, que foi muito gratificante. Valeu muito a minha experiência para mim, e valeu a experiência da minha família. Minha mulher, por exemplo, se você perguntar para ela o que que ela diz do período que nós passamos no Maranhão, ela vai falar que foi 100%. Não tem o menor retoque. Não voltaria hoje, é claro, o contexto familiar é diferente, mas para ela não foi problema nenhum, e minhas crianças também adoraram, saíram de lá chorando, saíram chorando. Tem um dos homens que até há pouco tempo, ele foi até convidado para ser padrinho de casamento lá, criou uma amizade muito boa, aquela coisa toda, às vezes vem amigo dele, vão lá em Vitória, para estar com ele lá. Então foi um período muito bom, muito rico. Muito trabalho, muito desafio, mas muito rico.
P/1 - Mais algum incidente?
[PAUSA]
R - Teve uma época que teve uma passagem interessante. Lá nós tínhamos, quando eu cheguei em São Luís, aquela coisa bem diferente, uma maneira de viver diferente, a gente pode dizer que para a gente que está acostumado, é uma coisa, assim, bem diferente mesmo, né? E teve uma vez que eu recebi a visita do diretor de operações, o Schettino, naquela época. O Schettino chegou lá, visitando a instalação toda, e tudo, quando chegou lá pelas tantas, já quase na hora do almoço, ele virou para mim e falou assim: “Olha, Pacheco, você não... Está chegando uma missão de compradores de minério japoneses, você, pelo amor de Deus, não me leve essa missão lá no restaurante fulano de tal, na Lenoca.” Lenoca tinha o melhor caranguejo do Maranhão, mas o Schettino não gostava muito, assim, da... Ele falou: “Não leva, não. Aquilo não é restaurante para levar comprador de minério.” Aí eu brinquei com ele, falei: “Chefe, manda quem pode, obedece quem tem juízo.” Aí terminamos a visita e fomos para o escritório. Quando eu cheguei no escritório, a Raquel, que era a minha secretária, veio com um telex da (Nichoway?), que era a trade que cuidava das visitas etc e tal. Aí peguei o telex, falando assim: “Chegada no vôo tal, não sei o que, recepção, entrevista com fulano, não sei o que, almoço: Lenoca.” Aí eu falei: “Chefe, agora eu quero saber a quem é que eu obedeço, a você ou a (Nichoway?).” (riso) Aí ele falou assim: “Leva lá, esses japoneses não têm gosto!” E foi interessante, eu levei eles lá, e o chefe da missão, ele sentou, eu sentei, assim, de frente deles, ela trouxe uma travessa daquela poã de caranguejo, fresquinha - fresquinha, porque aí é uma região imensa de mangue, aquela poãzinha fresquinha, que você pega aquilo na água e sal, aquele paladar de caranguejo fresquinho. Esse japonês só comeu poã de caranguejo. Mas ele comeu poã de caranguejo até ficar parado. Ele falou para mim, falou: “Olha, Pacheco, a sexta vez que eu venho ao Brasil. É a melhor comida que eu já comi no Brasil até hoje.” No dia seguinte eu liguei para o Schettino, falei: “Olha, o homem foi lá e não só gostou como elogiou, mas elogiou mesmo.” (riso) Agora lá no restaurante, assim, interessante, era um restaurante simples, quando nós chegamos lá era simples. A gente que já estava lá, já acostumado, digamos assim, meio maranhense, a gente ficava entre nós pensando: “Olha, depois...” Chegava às vezes o presidente, naquela época o Raimundo Mascarenhas, chegavam lá, ________ “Depois que terminar tudo aqui nós vamos lá para o caranguejo, no Lenoca.” Aí um dia, o Mascarenhas ouviu a conversa: “Não, porque o caranguejo, não sei o que...” “Mas que conversa é essa com esse caranguejo?” “Olha, presidente, saindo daqui nós vamos lá para o restaurante, mas é uma baiúca danada.” “O caranguejo é bom?” “Ótimo, o melhor caranguejo que eu conheço.” Ele falou: “Então, eu quero ir também.” Aí nós levamos ele a primeira vez lá. E era... nessa época era um restaurantezinho simples, mas simplérrimo. Você entrava, era uma sala, uma televisão, umas poltrona rasgada, um moleque sentado ali, vendo televisão. Você entrava num corredorzinho estreitinho, à esquerda era um punhado de quarto com aquelas rede dependurada, aí você entrava numa cozinha, mas era aquela cozinha que pelo amor de Deus, né? Aí você atravessava a cozinha e saía numa varanda lá atrás. Tinha, ao lado, tinha umas marrequinha, chegava as marrequinha cantando, o cheiro também não era lá essas coisa nada, tá, mas o caranguejo era muito bom. Aí levamos ele lá. Chegou, aprovou o caranguejo integralmente, né, fomos embora. Aí toda vez que ele ía: “E o caranguejo, nós vamos lá?” Até que uma vez ele chegou lá, rapaz, aí eu liguei para ela, ela falou assim: “Olha...”, ela me chamava de “meu preto”: “Meu preto, não tem caranguejo hoje.” Eu falei: “Minha filha, o presidente da companhia está aí, como é que nós vamos fazer?” Ela falou: “Não, então faz o seguinte: manda lá no Bacanga comprar o caranguejo, que eu preparo aqui, não tem problema nenhum. Manda comprar, traz aqui, que eu preparo. Pode vim à noite, não tem problema, o caranguejo está pronto.” Aí chamei a comunicação social, falei: “Olha, gente, vai lá, compra o caranguejo, leva na Lenoca, que ela prepara para nós, tudo direitinho.” Aí à noite nós fomos para lá. Ela botou uma sobrinha dela, a sobrinha dela tirava a poãzinha de caranguejo, botava na mão... na boca do doutor Mascarenhas. Aí, agora, o lado gozado da história: estava na mesa, além do doutor Mascarenhas, estava o Dioclécio Rodrigues, que era o diretor de desenvolvimento, o Schettino, que era o diretor de operações, e o Romildo Viela, que era superintendente da estrada. Aí foi aquilo, aí chegou uma hora que o Dioclécio pegou e se sentiu incomodado, falou assim: “Minha filha, escuta: e o titio aqui, não vai ganhar não?” (riso) Eu falei: “Dioclécio, aguenta as pontas. O dia que você for presidente da Companhia você ganha.” (riso)
[PAUSA]
R - Mas lá teve uma outra vez também que nós tivemos uma passagem, assim, não é gozada não, mas daquelas que a gente às vezes fica apertado. Foi para lá uma missão do KfW, que é um banco de fomento alemão, que financiou o Projeto Carajás. Com aqueles problemas que eu relatei lá, problema de amarração de navio, aquele negócio, eles foram para lá e ficaram lá, ficaram bastante tempo, ficaram lá uns dez dias, ou alguma coisa mais do que isso, sabe? Então, eles trabalhavam um pouco como fiscal do Projeto. E aí, pô, eles chegaram lá, e como tinha um casal que... o cara da área portuária deles era ele e a mulher, e minha mulher fala inglês muito bem, fala inglês fluentemente, então resultado: eu praticamente tomei conta da missão, né? Eu ficava praticamente por conta deles, aquele programa: almoço não sei aonde, jantar não sei aonde, mas, pô, São Luís não tinha muito recurso para isso, né? Nós fomos até que passou tudo, e repete, aí chegou uma hora que eu falei: “Olha, Márcia, o que que nós vamos fazer? Não tem mais lugar pra levar, não.” Aí conversa vai, conversa vem, eu falei: “Escuta, e se a gente levar esse pessoal na Lenoca?” E era o primeiro restaurante dela, porque agora não, ela tem um restaurante lá perto do Palácio do governo, e tal, mas naquela época era uma baiucazinha lá, né? Aí, eu falei: “Gente do céu! Mas não dá certo esse troço não. Mas aí eu falei: “Márcia, conversa com a Mariana...”, que era a esposa desse cara da área portuária. “Conversa com ela e explica para ela direitinho que lá... ou agora é repetir tudo, porque já fomos... Repetir não, já é ir para a terceira vez de cada troço desse aí.” E a comida, também, não tinha muita variedade, né, é um negócio meio... Aí o resultado: conversou com a Mariana, e ela conversou com o grupo, e eles toparam. “Vamos.” Aí vamos, né? Quando nós entramos lá, que sentamos na mesa, eu sentei a frente do chefe da missão, aquele alemão sisudo, e eu olhando aquilo, falei: “Gente do céu! Eu fiz esse troço errado, não devia ter feito isso não.” Na hora eu pensei: “Fiz um negócio errado. Não podia... não pode ser isso.” Mas já estava lá, vai fazer o que? Aí foi, ela começou a trazer cerveja geladinha, patinha de caranguejo, casquinha de caranguejo, até uma hora, minha filha, que ela trouxe um arroz de toucinho, que ela fazia, e o alemão adora aquilo, né? Nessa hora, os alemão já estava, assim, meio... a cerveja já estava subindo, e eles já estava ficando eufórico, e tirava o retrato, e ía lá na cozinha tirar retrato da Lenoca, abraçava, beijava a Lenoca... Minha filha! Foi aquele negócio. A gente chegou no final, que terminou, que nós saímos, chegamos do lado de fora, eles falaram para nós: “Pô, o melhor programa que vocês poderiam ter imaginado.” Falou: “Olha, restaurante internacional nós conhecemos no mundo inteiro, todo lugar que nós vamos tem. Não é novidade para nós. Agora esse programa aqui, essa coisa informal, com esse calor humano, com essa bebida gostosa, nunca vimos isso em lugar nenhum do mundo.” Eu falei: “Graças a Deus!” (riso) Que eu falei: “Rapaz, fiz o negócio errado nessa história toda.” Interessante, os caras gostaram demais, tiraram retrato à beça, né? Abraçava ela...
P/1 - Hoje a Lenoca tem um restaurante...?
R - Não, hoje ela tem um restaurante. Ela, gozado, ela criou uma amizade com a gente, sabe, ela não deixa eu pagar conta lá no restaurante dela.
P/2 - E continua uma boa comida?
R - Boa comida. Ela teve uma vez que eu fui agora, há uns tempos atrás, eu fui lá. Eu fui lá com nove pessoas, sabe? Cheguei lá, e ela não quis cobrar. Eu falei: “Ah, Lenoca, pelo amor de Deus, para com isso? Nove pessoas, pô, e você vai...” Ela falou assim: “Meu preto, você não paga a conta aqui.” Eu falei: “Por que, Lenoca?” Ela falou: “Você não imagina o que você me ajudou. Você lembra quando você chegou no Maranhão, o que que era o meu restaurante, onde é que era? Eu devo isso à Vale do Rio Doce, mas eu devo isso muito mais a você. Porque você, até mais do que a Vale do Rio Doce, me promoveu.” Ela falou: “Hoje aonde é que eu estou? Estou aqui. Olha o carro que eu tenho aí fora.” Ela está com um ______ novinho. Ela falou: “Meu carro, o sonho da minha vida, está aí.” E tem a casa hoje lá no meio dos bacanas. “Então isto, uma boa parte disso eu devo a você. Você não paga conta aqui.” E não deixa pagar mesmo não, chego lá, ela não deixa eu pagar. Não deixa. Também faziam as coisas com ela assim, né, teve uma vez que eu estava lá, época, assim, de final de ano, minha mulher tinha vindo para cá, eu estava sozinho, no natal, dia de natal. Eu estava lá sozinho em casa, quando foi lá pelas duas horas da tarde, eu tinha descansado bem, era um sábado, uma coisa assim, eu levantei, falei: “Gente, que que eu vou fazer?” Eu estava lá sozinho: “Que que eu vou fazer hoje?” Falei: “Eu vou lá para a Lenoca.” Aí peguei o carro e me mandei lá para a Lenoca, cheguei lá... Quando eu cheguei, ela fez a maior festa, né? Aí, poxa, mandou abrir um vinho para mim, aquele calorão danado, abriu um vinho, aqueles camarão graúdo, fritinho, gostoso. Ela falou assim: “E caranguejo, como é que você quer, meu preto? É no toc, toc?” Toc, toc é de quebrar, né? Eu falei: “Eu quero no toc, toc.” Ela foi lá, fez aquele negócio todo, botou o vinho na mesa, ía lá, sentava, batia papo, não sei o que. Quando foi lá para as cinco horas, cinco e meia, eu falei: “Agora nós vamos embora, Lenoca.” Aí na hora ela não estava não, vinha a Rosinha, que era uma sobrinha dela, que atendia lá. Eu falei: “Rosinha, vê a conta para a gente.” “Só se eu brigar com a titia. Ela não vai deixar _____ aí não.” E outra coisa interessante do Maranhão é a informalidade do relacionamento. A Lenoca chama a Roseane Sarney de Rose. A Lenoca, naquela época, o Cafeteira era o governador do Estado, a Lenoca não marcava audiência com o Cafeteira, ela falava com o Cafeteira a hora que ela queria. Se ela chegasse e entrasse no Palácio, o Cafeteira mandava botar ela na frente da fila de quem estivesse lá. Ele atendia ela imediatamente. Quer dizer, interessante, para você ver como é o relacionamento lá, é muito informal as coisas. Aqui seria até uma coisa meia fora de referência, no sul, uma coisa desse tipo. Não, era amiga mesmo. Ela que fazia toda a comida lá para a casa do Sarney e do Calhau. Quando tinha aqueles jantares lá na casa do Sarney, o caranguejo, a torta de caranguejo, os troços que você comia lá era tudo ela que fazia, o arroz de toucinho era lá do restaurante dela, ela que guarnecia. Então tem um relacionamento, assim, bem diferente do nosso aqui.
P/2 - E o senhor, pela companhia, frequentava esses políticos?
R - Olha, eu... Esses jantares, normalmente, na casa do Presidente da República, quando ía lá, não era... a gente, na realidade, a gente não era convidado normalmente. Porque era... quando tinha normalmente isso lá... Porque o Sarney levou lá três ou quatro chefes de Estado, levou o Mário Soares, levou o Sanguinetti, do Uruguai, acho que duas vezes. Então, quando chegava essas autoridades lá, ele às vezes oferecia um jantar, mas nós, os superintendentes, não éramos convidados. Mas só que eu tinha uma amizade muito grande com um cunhado do Sarney, que era o Roberto Macieira. Então, tem um dia que eu estava lá na Federação da Indústrias, quando ele terminou a palestra, que foi saindo, o Roberto Macieira falou assim: “Você vai fazer o que?” “Embora para a casa.” “Embora para casa não, vamos lá para a casa do Sarney. Você é meu convidado.” Então, aí eu ía embora para lá. Quando eu via, eu estava lá no meio da festa. (riso) Então, é um troço assim, né? Então, você... Isso é um lado gostoso do período que nós estivemos lá. A gente, na realidade, tinha atividade muito da Companhia, mas tinha muita atividade que já era extra-companhia. Eram pessoas da comunidade que você convivia, ou criou amizade, aquela coisa toda.
P/2 - O senhor ficou quantos anos lá?
R - Seis anos.
P/1 - E o pessoal da Vale que foi para lá era o pessoal que vinha do sistema sul, ou aproveitou a mão-de-obra de lá mesmo?
R - Uma parte mão-de-obra aproveitada local e uma parte do sistema sul, que foi fundamental, você levar pessoal com experiência, com vivência naquele tipo de atividade. Agora teve alguma dificuldade de adaptação, né? Pessoal que foi do sul para lá, no início, pessoal tinha uma certa atitude de rejeição, né?
P/2 - Rejeição ao lugar?
R - Ao lugar, ao tipo... que é claro, você pega, naquela época, São Luís tinha algumas coisas, assim, que não era o padrão que você tinha aqui no sul. E a gente tinha que estar chamando o pessoal e conversando continuamente. E até citava para eles o caso de quando eu fui para Vitória. Eu saí de Curitiba. Curitiba era... quando eu estive lá, em 1965, por aí, era uma beleza de cidade, um negócio, comida, restaurante, tudo. Cheguei em Vitória, Vitória naquela época tinha um problema sério de esgoto, de canal aberto, aquela coisa toda, inundação de água para todo lado. Eu contava para o pessoal: “Gente, eu vim para Vitória, eu nunca critiquei Vitória, nunca falei mal de nada de Vitória. Pelo contrário, sempre foi a minha terra do coração. Nós não podemos vim para a terra dos outros para criar esse tipo de problema, não tem sentido isso.” Na realidade estamos aqui, nós somos transitórios aqui, nenhum de nós é definitivo aqui, acho que tem que aceitar isso como uma missão na empresa. E a gente tem que fazer um trabalho de aproximar com a comunidade, não de querer criar como quase se fosse um gueto aqui, não tem sentido isso.” Tanto que eu tinha uma parte de amizade com o pessoal lá, mesmo o diretor da Codomar, depois foi meu amigo, o Benedito Duailibe, por exemplo, tornou meu amigo. Eu me dava bem com o Washington Viegas, que era o presidente, com o Bento Moreira Lima. Mas então é o que faz parte do trabalho da gente, aliás, o próprio Schettino falava naquela época. Você, na realidade, a função maior do subintendente é trabalhar o lado político das coisas. Tocar um porto, cuidar dessa coisa, isso é o pessoal técnico que faz. Você, na realidade, tem que se empenhar da empresa para fora.
P/2 - Mas quais eram as principais reclamações? O que mais incomodava o pessoal que estava chegando?
R - O que incomodava? Você tinha, por exemplo, você não tinha uma rede de supermercado, não era do mesmo padrão. Você tinha, por exemplo, tinha um mercado central, onde a gente ia fazer compra de peixe, essas coisas. Na realidade, tinha um problema de tratamento geral muito ruim, aquilo sujo, muito mosquito, região muito quente, muito úmida. Então, você tinha essas coisas, que incomodavam o pessoal. Restaurante mesmo, você não tinha grandes opções de restaurante. Então, tinha coisa que... moradia. Apesar de que a Companhia dava aluguel para o pessoal que ia para o sul. Quer dizer, na realidade, tinha coisas que no sul eles não tinham. Mas o cara tinha uma certa tendência a reclamar, talvez até num sentido de valorizar o trabalho que estava sendo feito, pode ser até um pouco por aí.
P/2 - Mas ali foram construídas moradia...?
R - Depois foram, quando fomos nós construímos, fomos construindo, construímos blocos de... Depois, com o tempo, que eu fui lá logo no início, né, no início que já tinha, já estava sendo construído, quando eu cheguei lá já estava sendo construído. Só que não tinha quantidade suficiente. Depois foi crescendo, tanto que no final quem quis comprar moradia, a Vale fez. Fez conjuntos, fez casas. Tem um grupo do porto que fez quase que um bairrozinho lá, só de moradias, casas boas, casas de um padrão muito bom. Mas isso já foi mais para o final, mais para o final. Casa popular também foi feitas.
P/2 - A superintendência tinha... qual a média de funcionários, o senhor se lembra?
R - Na época lá tinha na faixa de uns 400 e tantos funcionários. Perto de 400. Na ferrovia tinha bem mais gente, na ferrovia devia ter mais de 1000.
P/2 - Mas o senhor cuidava da superintendência do porto?
R - Do porto. Minha parte era a parte de portuária.
P/1 - A Vale, o senhor diria que (deu uma impulsionada?) em São Luís também, alterou um pouco a dinâmica da cidade?
R - Alterou sim, alterou. Veio a Alumar, a Alumar, a fábrica de alumínio, de um porte grande, depois veio o Projeto Carajás, da Vale. Foi outro impulso. Tanto que São Luís, quando...
[FIM DA FITA II]
R - ...nós saímos de lá, já era uma cidade com uma cara bem diferente. E hoje é muito diferente. A última vez que eu estive em São Luís, a cidade está crescendo, está crescendo muito. Muito.
P/1 - Tem mais algum incidente? Esse incidente do navio, que quebrou...
R - Teve esse e teve um acidente num navio coreano, que foi o (Hyundai New Road?). Esse navio foi um navio, que ele fez a viagem inaugural dele, ele estava com problema no motor. Ele saiu lá da região lá do norte dos Estados Unidos carregado de carvão. Quer dizer, parte da carga de carvão ia completar a carga em São Luís, para o minério. Ele ia levar uma carga mista, de minério e carvão lá para a Coréia. Então ele veio, na região ali de Trindade e Tobago, por ali, ele deu defeito num dos cilindros do motor. Eles tiraram esse cilindro, colocaram o cilindro reserva que tinha no navio no lugar desse, continua navegando, depois chegou aqui mais perto do Brasil, aí perto da Venezuela, deu defeito em outro cilindro. Aí ele não tinha mais peça de reserva à bordo. Então, resultado: ele isolou um cilindro. Então veio navegando, com o motor com potência reduzida. Chegou em São Luís, entrou, carregou, só que aí ele queria ficar atracado enquanto esperava as peças de reserva. E não tem jeito, né, você vai manter um porto parado, porque o navio vai ficar lá esperando peça de reserva, não tem jeito. Aí resultado: a capitania dos portos deu para ele duas opções: ou ele sair do porto e fundear dentro da Baía de São Marcos, ficar com o rebocador acostado, como garantia operacional, ou então sair, desatracar e ir lá para fora do canal, o canal tem 100 quilômetros lá. O canal é um canal, tem 55.5 milhas. São 100 quilômetros. Então ele deu para ele a opção dele sair do canal, lá para fora do canal, fundear lá, aguardar as peças chegarem, e depois ele voltar para dentro da Baía de São Marcos, atracar, para botar as peças a bordo. Ele optou por essa saída, essa solução, que seria a solução mais barata para ele. Foi embora lá para fora. Só que quando as peças chegaram, ele, para voltar para dentro da Baía de São Marcos, aí aparentemente ele não fez uma comunicação adequada. E ele não entrou no momento certo. Ele veio, entrou, resultado: um navio com o motor com redução de potência, os tempos de manobra dele passam a ser muito maiores. E a lentidão dele é muito maior. Ele não tem a potência total, ele tem uma potência reduzida. Então resultado: esse comandante, ele optou por sair do lado de fora e vim para dentro da Baía de São Marcos, só que ele em vez vir com a maré vazando, ele veio com a maré, ele chegou dentro da Baía de São Marcos com a maré enchendo. Com a correnteza que tem lá, que é muito forte, ele teria que entrar, com a maré enchendo, girar o navio, fazer uma curva no navio, para poder pegar a correnteza de frente, para lançar ferro. Porque se ele lançasse ferro com o navio entrando na frente, o navio arrebenta o ferro dele. O navio não para. Até o navio parar arrebenta tudo, vai tudo embora. Então, resultado: só que ele veio, pediu o prático com o navio já muito próximo da Ilha do Medo, entrando ali na Baía de São Marcos, já pediu o prático muito tarde, quando o prático entrou a bordo, o prático já não tinha muita coisa a fazer. Quando comandaram o giro no navio, que ele foi fazer o giro, ele fez no navio muito lento, a correnteza forte pegou ele pelo meio, e jogou ele em cima do banco de areia. Eu estava dentro do
, junto com o (Élice?), esse comandante que eu te falei, que inclusive já morreu, e o (Élice?) estava, na hora... mas na hora nós estávamos lá na ponte de comando do navio, o (Élice?) olhou e falou: “Aquele navio lá está encalhando.” Eu falei: “Que que é isso, (Élice?)?” Ele falou: “Está encalhando. Aquele navio está encalhando. Posição que ele está ali, aquilo ali é um banco de areia.” E aí ele falou para mim na hora, ele falou: “Olha, aquele navio, ele só tem até a próxima maré cheia para sair. Se ele não sair na próxima maré cheia, você sabe quando é que ele vai sair.” Eu falei: “Não.” Eu falou assim: “Nunca.” E ficou lá. Encalhou, não saiu, e nunca mais saiu. Um navio de 220, 230 mil toneladas.
P/1 - Está lá o navio?
R - Está lá até hoje. Afundou na lama. Acabou, viagem inaugural do navio. Navio novinho.
[PAUSA]
R - Eu estava falando a hora que ele encalhou, né? Interessante foi isso, que realmente o (Élice?) viu perfeitamente que estava encalhando, aí encalhou, e realmente... Ele falou que ele sairia na próxima maré, ou então não sairia nunca mais, né? E realmente ele não saiu nunca mais. Processo de um navio desse... porque o navio é uma viga flutuante. A resistência de um navio, ela é grande com ele boiando. Se você criar pontos fixos na estrutura do navio, você complica tremendamente, porque é uma viga oca, né? Então, a partir do instante que fixa movimento, você tende às vezes a abrir trincas no casco do navio, comprometer a estrutura dele. Nós tivemos um caso recente agora lá em Vitória, em Tubarão, o (Véser O?), ele encalhou na saída do canal, pegou uma lateral do canal, e a dúvida séria que ficou é: por quanto tempo a estrutura dele suportaria a ficar presa nesse lugar sem que a estrutura se comprometesse completamente. E ele, quando ele saiu, ele já estava meio no limite. Porque foi retirando o minério para ele flutuar, para ele poder desencalhar, mas quando ele saiu ele já estava com a estrutura bem comprometida. E depois de um certo estágio, ele não aguenta nem navegar. Então, lá em São Luís, quando ele encalhou, o problema do limite que ele falou, um dos limites é esse, né, que o navio começa a comprometer, aí ele começa a abrir trincas, aí ele começa a inundar todo de água. Quando acontece isso não tem jeito, você teria que recompor aquela estrutura toda para tirar minério ou água, para ele poder ter condições de flutuar novamente. Então, não saiu na próxima maré, acabou. Perdeu-se o navio. E hoje não tem nem sinal dele mais, até o mastro dele desapareceu.
P/1 - E ele estava carregado?
R - Estava. Ele estava carregado com... ele estava carregado com 90 mil - deixe eu me lembrar aqui - acho que ele estava carregado com 100 mil, ou 130 mil toneladas de carvão, e carregou 90 mil toneladas de minério de ferro.
P/1 - Foi tudo para o fundo da Baía?
R - Tudo para o fundo. Tudo para o fundo da Baía, junto com ele.
P/1 - E aí, com fica?
R - Não fica, né, ele... Na realidade nós demos sorte, porque ele não encalhou, ele não teve o problema no canal, né? Problema sério se ele pegasse o canal. Aí seria complicado. Não foi no canal, foi num banco de areia, quer dizer, um local onde ele não está sujeito a problema de navegação. Com aquilo ali ele, operacionalmente, não atrapalha nada, né? É a perda do navio em si, só.
P/2 - Mas e o minério que ficou?
R - Minério é um pó, né, minério não é poluente. Minério não tem efeito poluente nenhum, é igual barro, é uma areia. Então ele não tem problema de poluir, ele não tem nada. Fica o navio lá, hoje ele deve ser um viveiro de peixe lá, naqueles buracos que tem lá, peixe deve viver naquelas locas ali, né? Esse foi novinho.
P/1 - E essa história, desse navio que quebrou ao meio, como é que foi isso?
R - Olha, por tudo. Eu, na realidade, eu não estava mais lá. Eu fui lá logo no dia, a diretoria me deu orientação para eu ir, eu fui até junto com o ex-superintendente de lá. Mas, aparentemente, o problema foi um problema no plano de carregamento do navio. O navio é uma viga flutuante, em que você tem que seguir um plano de carregamento direitinho. Além de ser um navio muito velho, né? Mas tem que seguir o plano direitinho. O navio, se você carregar ele de uma maneira incorreta, você pode quebrar ele, partir. Se você botar carga concentrada num ponto, você quebra ele. Tanto que a carga do navio, ela tem que ser distribuída direitinho. No plano de carga vem: é tanto tal porão, tanto tal porão. Então, aquilo tem uma sequência, você tem que seguir direitinho. Aparentemente, lá nesse navio, houve uma falha no plano de carregamento do navio, o plano de carga do navio, além dele ser um navio já com a estrutura bem complicada. Mas o problema maior parece que foi o problema do plano de carga do navio.
P/1 - Quanto tempo leva para carregar um navio desse?
R - Olha, você pega um navio desse hoje, com essas capacidade de carga. São Luís tem a capacidade de carga de 16 mil toneladas por hora. Você imagina o que é botar 16 mil toneladas por hora no navio. É um negócio fantástico, né? Você pega aí um navio de... bota 160 mil toneladas, teoricamente você carregaria ele em 10 horas. Claro que gasta mais, porque você não bota 16 mil continuamente. Mas, pô, bota aí 25 horas, 24 horas. Tem navio que, praticamente, a tripulação não tem nem como sair do navio. Chega, carrega e vai embora. Atraca, dentro de 24 horas está indo embora. Quase que o cara não tem tempo para ir à terra. Agora você imagina um navio desse que vai daqui para o Japão, fica na faixa de 40 dias no mar, o cara chega aqui não pode nem descer. O cara não pode ir lá ver as namoradas dele. (riso) É, uai, é um problema sério! A gente brinca, ri, mas é sério o negócio. Tanto que a tripulação de navio, via de regra, eles não ficam muito tempo, né? Eles têm um tempo... têm uma rotatividade grande, por causa disso. É uma condição de vida difícil, né?
P/1 - A tripulação da Docenave é uma tripulação estrangeira, brasileira, como é que é?
R - Não, tem navio da Docenave que a tripulação é estrangeira, e tem navio da Docenave que a tripulação é brasileira. Eu falo pela época que eu estava diretamente envolvido. Você tem, na realidade, navios da Docenave que têm bandeira de conveniência, né? Na realidade, o navio não é registrado aqui. E tem navio que é registrado aqui no Brasil.
P/1 - Quando eles são registrados aqui eles ficam com a tripulação...
R - Ficam com a tripulação brasileira. Agora o que é registrado no exterior tem tripulação estrangeira às vezes. Não quer dizer que tenha que ser não. Mas aí a regra que regulamenta a coisa é uma outra regra, não é, no caso aqui, a lei brasileira, né? É lá do país onde ele é registrado.
P/1 - E o senhor ficou lá em São Luís até quando?
R - Eu fiquei lá até final de 1990.
P/1 - Aí a trajetória do senhor a partir de então, o senhor dali foi para?
R - Aí eu fui para Tubarão, fiquei como superintendente do porto de Tubarão durante cinco anos. Foi a época que nós fizemos a reestruturação no porto de Tubarão, nós fizemos uma reestruturação grande lá. E depois de Tubarão vim aqui para a Valesul, fiquei mais um ano e pouco aqui.
P/2 - Como que foi essa reestruturação em Tubarão?
R - Tubarão, nós pegamos, na realidade, Tubarão tinha... nós fizemos uma redução muito grande de quadro. O porto, quando eu cheguei lá, o porto tinha mais de 1500 funcionários. Quando eu saí de lá, nós estávamos com o porto com uma faixa de mais ou menos 400 funcionários, por aí. Uma redução bem grande de quadro. Reestruturamos, na realidade aposentou muita gente, nós terceirizamos muito trabalho, então uma redução bem expressiva de quadro.
P/2 - Essa reestruturação foi mais gerencial do que técnica?
R - Foi mais gerencial. Nós, na realidade, pegamos... levamos gente da Vale mesmo lá de fora, para lá, pegamos pessoal que tinha lá que... fizemos umas promoções. Então, na realidade, nós mudamos bem o perfil gerencial do porto, nesse período. O porto, nessa fase, ele tinha uma característica, assim, muito... de um gerenciamento muito compartimentado, muito estanque. Você tinha, digamos, unidades, que eram uma vizinha da outra até no equipamento. Você tinha um equipamento ocioso aqui, ali na outra unidade você tinha o mesmo equipamento ocioso. Não se falava nem nisso aí, quer dizer, um tipo de administração muito... Isso aí, para efeito de produtividade, de eficiência do sistema, não é boa, né? Então nós, na realidade, mudamos. Mudamos o perfil, mexemos muito, fizemos muito treinamento. Treinamento, pegamos instituições especializadas para trabalhar essa parte comportamental. Então, na realidade, foi um trabalho, assim, bem grande, e de base. Isso só foi possível quando você, na realidade, mexeu no quadro gerencial, porque se você não mexesse você não conseguiria fazer isso, né? Muito difícil você fazer isso sem mudar muitas pessoas. Porque isso, na realidade, exige um comportamento gerencial bem diferente, né? Lá em São Luís nós não tivemos problema, porque lá, na realidade, a unidade era nova, né, nós que começamos. Não, o número que eu falei não está correto não. Na realidade eu peguei Tubarão com 1500 e tantos, deixei com 780, por aí. É um número bem grande, mas não foi esse não. São Luís é que eu deixei um número assim, na faixa de 385, por aí, perto de 400. Tubarão foi na faixa de 700 e tantos. É praticamente quase que a metade. Perto da metade, redução do número pela metade.
P/1 - Isso a Vale estava passando por um processo todo...?
R - Estava. Toda a Vale estava num processo desse lá naquela época, foi um período em que a Vale... tanto que foi um período que ela implantou com muita força esses planos de incentivo ao desligamento. A Vale trabalhou num sentido de, na realidade, dar um avanço grande em termos de produtividade, de mudança de perfil gerencial, foi um período, assim, importante. E que eu participei uma boa parte dele lá em Tubarão. Como eu falei, lá em São Luís não, em São Luís nós começamos do início a coisa, pegamos a coisa fresquinha. Tubarão não, já tinha uma estrutura bem estratificada, nós fomos mexer nessa estrutura.
P/2 - Se adequar às novas diretrizes?
R - Às novas diretrizes. Na realidade, eu fui para lá, não foi por uma iniciativa minha não, foi uma decisão da diretoria da empresa, né? Fui para lá cumprir um plano da empresa, para implementar essa reestruturação, essa mexida lá. Foi bem, nós, na realidade, inclusive tem até depoimento de funcionários de lá, funcionários antigos. Eles comentavam que antes era mais difícil trabalhar, porque como tinha folga de pessoal, era muita fofoca, muito um preocupado com a vida do outro, e com o enxugamento, as pessoas passaram a preocupar muito mais com o trabalho do que propriamente... não tinha muito tempo para estar preocupado com a vida dos outros. E outra coisa: até o clima saudável de um procurar ajudar o outro. Passou muito mais... um tinha dificuldade, o outro ia, encostava, ajudava. Isso testemunho deles mesmo. Então, na realidade, tem até esse lado. E tem o desempenho operacional mesmo. Por exemplo, nós quando eu fui para lá... eu fui para lá no dia... eu assumi lá no dia 19 de dezembro. No dia 29, dez dias depois, caiu um temporal lá em Vitória, ventos muito fortes, e uma máquina nossa, que já tinha um problemazinho estrutural, o vento pegou, arrastou ela e tombou. Era o terminal de (Praia Mole?), o terminal de carvão. Nós tínhamos, na realidade, nesse terminal, inicialmente três máquinas. Uma, por problema estrutural, ela caiu, já tinha, já estava sem. Ficou com duas. Dessas duas caiu a outra, nesse temporal que teve lá. Ficou só uma máquina. E essa máquina era responsável por alimentar de carvão a Companhia Siderúrgica de Tubarão, a CST, a Usiminas e a Açominas. Então quando caiu essa máquina, nós tivemos que contratar urgentemente nos Estados Unidos umas barcaças para reforçar o sistema de descarga, porque senão nós não conseguíamos descarregar o carvão que era preciso para a usina. E aí nesse meio tempo nós contratamos a construção de uma outra máquina, em regime de emergência. Quando chegou essa outra máquina, depois com esse trabalho de reestruturação, nós passamos a trabalhar com essas duas máquinas, e o próprio pessoal das usinas, da CST, da Usiminas, tudo, comentava que nós estávamos produzindo com duas máquinas mais do que se produzia antes com três. Mais do que produzia com três. Mas o que que é que mudou basicamente? Foi basicamente isso aí, estilo gerencial. Quer dizer, operador treinado, sintonizado com o trabalho, e agilidade nos procedimentos. Quer dizer, você vê que na realidade tinha um bom espaço para crescer, para você melhorar a eficiência do terminal. Nesse meio tempo lá nós desenvolvemos o projeto da parte de grãos. Passamos a carregar grãos no terminal de minério de ferro, o terminal antigo, o (Perum?). No período que eu estava lá, nós construímos... foram construídos um, dois, três, quatro... foram construídos cinco armazéns de ______ de grãos, capacidade estática de 200 mil toneladas de estocagem. E passando a exportar mais de 1 milhão de toneladas de soja e farelo de soja pelo terminal. Foi tudo nesse período. E depois nós desenvolvemos o projeto para implantar um terminal só para grãos, quer dizer, nesse estágio nós tínhamos a limitação de embarcar grãos para o Japão. O Japão não aceitava que se embarcasse soja para o consumo humano pelo mesmo terminal de minério de ferro. Então, para atingir o mercado do Japão, nós desenvolvemos um projeto que contemplou um píer só para grãos, um píer para carga geral,
contêiner, essas coisas, e mudamos o terminal de granel líquido, que é petroleiro, para outro local. Que é a configuração que tem lá hoje. Esse projeto foi implementado com taxa de retorno muito boa, e hoje está operando lá, direitinho. Também esse projeto foi na época que eu estava lá, desenvolvendo esse projeto. Quando eu saí de lá já estava contratado, em pleno andamento.
P/2 - Então saíam navios carregados só com grãos?
R - Navio, hoje você pode carregar grãos e minério também, tá, mas só que a limitação que a gente tinha do mercado japonês é o seguinte: eles não aceitam que o grão, que a soja, passe pela correia de minério de ferro. Eles não têm nada contra você carregar no terminal de grãos o grão, e depois desatracar o navio e levar para o terminal de minério e botar minério de ferro aonde é de direito. Eles não querem, eles não aceitam, é que você jogue na correia que transporta minério de ferro, que nessa correia passe o grão. Isso é que eles não aceitam. E a configuração ______ com o tempo, o carregamento só de grãos nesse terminal. Se um navio for só de grãos, ele carrega todo o grão num terminal específico. E esse terminal, na realidade, ele é para soja, para farelo de soja, para milho, para qualquer granel, qualquer cereal, você pode carregar lá sem problema nenhum. E você passou a ter um terminal também específico para descarregar fertilizante, que não tinha. Nós descarregávamos fertilizante no porto de (Praia Mole?), no terminal de carvão. Hoje você descarrega fertilizante num terminal próprio.
P/1 - Essa entrada da Vale descarregando, portuária, mesmo ferroviária, outros produtos, que não minério de ferro. Isso, assim, como é que foi constituída a mão-de-obra para isso, a tecnologia, quer dizer, é muito diferente?
R - Não, na realidade o que a Vale é, na realidade, ela é especializada em transporte, embarque ou desembarque de granéis. Você pega, o minério de ferro é um granel, a soja é um granel, o milho é um granel, o manganês é um granel. Então, na realidade, essa é a especialidade da Vale. Agora o que ela fez, por exemplo, em Tubarão a mais, e com o terminal de Vila Velha, que é um terminal de carga geral, aí você entra contêiner, você entra outros tipos de carga, bobina de aço, essa coisa toda. Aí sim, você já pega numa outra família de atividade portuária. Agora, o que eu tinha... o que nós tínhamos lá em Tubarão na época que eu estava lá era basicamente granéis. É um gusa, é um manganês, é o carvão, é o minério, é soja, farelo de soja, essa coisa toda. Isso é que foi, na realidade, a atividade da Vale durante um certo tempo. Agora ela está diversificando. Primeiro veio lá o terminal lá de Los Angeles, o (Parcial Terminal?), que ela é sócia, depois veio esse terminal de carga geral mais ou menos concomitante com o terminal de Vila Velha, que é um terminal de carga geral.
P/1 - Sepetiba era da Vale também?
R - Sepetiba eu não sei. Aí, eu não tenho informação se a Vale entrou aí também. Entrou? Porque isso é muito importante, né? Essa energia que tem, esse sistema, com o sistema de transporte. Porque você tendo isso aí, você, de repente você pode pegar uma carga porta a porta. Você pega a carga do cliente lá em Brasília, e entrega essa carga lá em Rotterdam, ou lá em _____, no Japão, sei lá onde. Você faz o trabalho completo.
P/1 - Em que momento que o senhor considera que a Vale começa a se atentar para isso, para a sua capacidade logística, digamos, de transporte?
R - Olha, a Vale, no período que eu estava na Vale, ela já dava um enfoque forte na parte logística de transporte. Mas na realidade ela tinha partes da cadeia, e partes não estavam na mão dela. Hoje tem uma vantagem, hoje, você pega uma cadeia... Você pega, por exemplo a soja, hoje a Vale pega a soja lá num determinado local, no triângulo mineiro, ou lá no Estado de Goiás, ou em Brasília, é ela mesma, é todo sistema dela. Ela comprou a Centro-Atlântica, então ela passa a ter o controle completo de tudo. Tem o navio da Docenave. Então ela tem como ter toda a logística em mãos. Isso aí é muito importante. Porque, por exemplo, a gente sentia, quando nós estávamos na parte de soja, de carregamento de soja, tinha uma parte da cadeia que não era nossa. Nós apoiávamos a rede, aquela coisa toda, mas na realidade não era um gerenciamento nosso. Agora não, agora é da Vale. Gosto daquela época, mas não era da Vale como é hoje. E isso é muito importante, né? Porque você passa a ser o único responsável pelo todo. A eficiência depende de você.
P/1 - Dali, desse período no porto de Tubarão, o senhor foi para a Valesul?
R - Fui para a Valesul.
P/1 - Como é que foi esse convite, porque essa ida à Valesul?
R - Olha, eu também já estava em Tubarão já... é essa a história: você vai ficando num local, chega numa hora que... entendeu? Eu acho que isso é uma cultura do japonês e acho que é muito válida: você não deve ficar tempo demais num lugar, não. Até para não criar certos vícios, ou certas acomodações. É muito importante. Para mim, por exemplo, a Valesul para mim no início foi um negócio que eu fiquei, assim... Foi um troço totalmente diferente de tudo que eu tinha feito na minha vida.
P/2 - Novo desafio.
R - Novo desafio, está certo? Quer dizer, uma indústria de alumínio, essa coisa toda que eu, fora o meu conhecimento gerencial, uma área que eu estava totalmente por fora, né? Mas na realidade, também, eu vim para a Valesul, e o enfoque foi esse mesmo, é a parte gerencial das coisas. É trabalhar pessoas, é trabalhar objetivos, não é querer ensinar ninguém a fazer nada, que eu não vou ensinar ninguém a fazer nada lá. Se nós tivemos algum mérito na Valesul, foi muito nessa linha, foi de procurar, na realidade, dar condições para aquela turma que estava lá, que sabia fazer o trabalho deles, de ter um desempenho de bom para ótimo, né? E parece que nisso aí nós atendemos o objetivo. Porque se você pega um diretor, presidente de uma empresa, que é o sócio, e ele no final faz a avaliação que ele fez, é porque na verdade ele percebeu que realmente a coisa correu bem, né? E para mim foi muito bom, porque para mim é uma coisa que eu mesmo teria dúvida. Aceitei a decisão da empresa, e tudo, mas eu tinha dúvida. Mas eu acho também que o momento não estava errado, não, acho que é a hora que você tem que mexer mesmo. Foi o motivo que fez eu sair de Tubarão, na época da pelotização, acho que tem uma hora que você tem que mexer mesmo, isso é muito saudável. Chega um cara novo, ele tem umas idéias diferentes, ele mexe em algumas coisas que você não mexia, que de repente é positivo mexer. Dá uma oxigenada geral em tudo, né? Isso é importante, é uma experiência nova. E a gente vai passando por essas coisas, depois começa a perder o medo de qualquer troço. Eu, quando eu fui com a história da Prefeitura lá de Vitória, eu entrei, falei: “Rapaz do céu! Que encrenca que eu estou entrando agora?” Você vê que... são coisas gerenciáveis, não tem nada que...
P/2 - Mas na Valesul... Quer dizer, para a produção de alumínio é importantíssimo a energia... Aí vai de encontro com uma experiência sua anterior também?
R - É, sem dúvida nenhuma.
P/2 - E o que que o senhor implementa, então, na indústria?
R - A Valesul, na época, nós fomos lá... nós estávamos... nós já tínhamos três usinas geradoras próprias, que a Valesul comprou da Cataguazes Leopoldina. Nós estávamos construindo a usina de Mello, que é uma usina de 10 megawatts, que quando eu saí ela estava praticamente pronta. E nós estávamos em fase de plena implementação do consórcio machadinho, que era mais uma nova usina, que ia exatamente concluir 100% do pacote de demanda da Valesul. Não o pacote total de energia, mas a demanda, que é uma parcela cara, então com o machadinho, a Valesul estava praticamente 100% atendida, com o machadinho. E foi no mesmo período que eu estava lá é que nós... Na realidade, esse consórcio consolidou. Já estava, na realidade, os preparatórios lá, para fazer a licitação, e definir o consultor. Hoje eu tenho a impressão que o projeto machadinho deve estar a pleno vapor, deve estar quase nos finalmentes. E com isso, você passa, na realidade, a abrir um horizonte novo para a Valesul. Porque a Valesul, sem essa equação bem definida, você poderia ter dúvida do futuro da Valesul. Com essa equação bem definida, a Valesul passa a ter uma... quer dizer, um futuro bem mais claro. Porque a Valesul já tinha um nível de produção bom, um nível de _____ produto bom, as ligas de alumínio que ela produz são de qualidade muito boa, o nível de produção bom. Agora, precisava de ter uma equação adequada da parte da energia elétrica para o alumínio, né? E isso, meu período lá foi... praticamente estava fechando isso aí. E tinha também um projeto de reestruturação da Valesul, que quando eu entrei estava em pleno andamento. Que isso foi do Denis, foi o período anterior. Nós pegamos o bonde andando. E nós não deixamos o bonde comprometer o resultado.
P/2 - Reestruturação gerencial?
R - Gerencial, é. Então, foi uma experiência nova, vidinha nova. (riso)
P/2 - E na Valesul também foi implantado um programa de qualidade total?
R - Já estava em andamento. Foi na época que eu estava em Tubarão, Denis na Valesul, inclusive nós frequentamos um seminário de qualidade total lá no Japão. Eu fui pelo Porto de Tubarão e o Denis foi pela Valesul alumínio.
P/1 - Vocês trocaram figurinha?
R - É, o Denis, nós sempre fomos muito amigos. Inclusive temos os defeitos que todos os dois gostamos de fazer, mexer com boi, mexer com canarinho da terra, não sei o que, essas coisas todas. A gente tinha um nível muito bom no grupo de superintendentes da Vale naquela época, né?
P/2 - Senhor Pacheco, o senhor poderia explicar qual que é esse processo tecnológico do alumínio, por que da importância da energia elétrica?
R - Dizem, eu concordo plenamente, que alumínio é energia elétrica empacotada. Para você ter uma idéia da escala de consumo de energia elétrica na produção de alumínio, pelotização... a Eletrobrás, pelos critérios dela, ela classificava os produtores de consumo intensivo de energia elétrica. A pelotização era tida como uma indústria de consumo intensivo de energia elétrica. Pelotização consome na faixa de, a grosso modo, 60 quilowat horas por tonelada de pelota produzida. O alumínio consome 15 mil toneladas de energia elétrica... de quilowat horas por tonelada de alumínio. 60 quilowat horas por tonelada produzida de pelota é tido como consumidor intensivo de energia elétrica. A indústria de alumínio consome 15 mil, é de 60 para 15 mil. Você olha a diferença de escala da coisa. Então, se você não tiver um equacionamento adequado de suprimento de energia elétrica, a indústria de alumínio é inviável. É inviável.
P/2 - Aí o custo fica altíssimo?
R - É. Um custo muito alto, né? Um custo alto, e de repente até uma certa... você fica meio à mercê de uma matéria-prima essencial, que você não... Porque, na realidade, a energia elétrica é matéria-prima, no mínimo.
P/2 - E durante seu período na Valesul, o senhor empreendeu alguma inovação no aspecto técnico, tecnológico?
R - Não. Essa questão de alumínio aí, para você fazer implementação nessa área o investimento é muito pesado. É mudar processo. Aí é muito complicado. É você mexer na estrutura física da linha de produção, isso é complicado. Complicado e caro, né? Isso aí de repente nem dá retorno, você nem tem retorno. Mesmo porque também, você também nisso aí você não tem uma equação que te dê melhorias fantásticas, não. Melhoria é: coisas pequenas. Então, o que você tem que fazer é isso mesmo, é ter uma equação boa do suprimento de energia elétrica, e utilizar a sua produção. Ter aquilo ali, a sua capacidade instalada é essa, é você encostar num limite da capacidade de produção, produzir o máximo com aquilo que você tem instalado. Tem que ser por aí.
P/1 - O fato de ser uma indústria de alumínio no Rio de Janeiro, isso tinha alguma...?
R - Tem, porque na realidade aqui o eixo Rio-São Paulo é que é o, digamos, é o grosso do mercado consumidor de alumínio. É por aí, está certo? A localização, a parte, digamos, da logística da Valesul, ela é muito boa, em termos do mercado está muito bem, está muito bem localizada. Está no lugar certinho.
P/2 - Eu tenho uma informação de que nesse período foi feita uma distribuição de resultados para os empregados. Como que foi isso?
R - A Valesul, ela deve continuar praticando isso até hoje. Na nossa época ela praticava isso aí. Teve até uma coisa, uma passagem que para mim, pessoalmente, foi muito, assim, foi muito gratificante. Que é quando... no ano que nós estávamos lá, que no final do ano a gente foi discutir a participação de resultados, e ficou um elemento da Vale, que era o que controlava a holding Vale do Rio Doce Alumínio, né, que era o Fábio Matos. E do outro era o Djalma Teixeira, que é da (B_____Metais?). E eles é que na realidade, no final, fazia a avaliação de desempenho minha e do Sebastião Ribeiro, que era o diretor industrial. Eu era o presidente, o Sebastião era... Então, quando eles foram discutir qual seria a nossa avaliação para efeito de participação do resultado, o Djalma Teixeira queria dar 100% para mim e para o Tião. Aí o Fábio Matos ponderou de que isso não seria razoável, porque a empresa não deu 100%, como é que eles iam dar 100% para o presidente... Mas ele falou: “Olha, Pacheco, eu fiquei uma hora discutindo com o Djalma Teixeira. Ele queria por tudo quanto é santo dar isso para vocês.” Mas essa participação no resultado é muito importante, porque isso é uma coisa que vai no bolso do empregado. Então você tendo isso de uma maneira bem criteriosa, bem estruturada, isso motiva muito. Porque o cara, na realidade, ali às vezes ele ganha um salário, dois salários, que para ele é um décimo quarto, um décimo quinto salário. E aquilo reflete muito diretamente no bolso dele. Então esse critério é um critério muito... Sou muito fã dele.
P/2 - Interfere na produtividade?
R - Na produtividade, na motivação. A pessoa vê. E outra coisa: ele passa a controlar dentro da fábrica o (PR?), porque ele sabe que se outro está fazendo errado, ele está sacrificando o (PR?) dele. Então você na realidade passa a ter inspetores de qualidade espalhados pela fábrica afora. É um pouco por aí. Ele vai, porque não tem... entendeu? Aquilo quando fica muito arraigado nele, ele quer saber do (PR?) dele. Então, não admite também que ele está lutando, trabalhando, e que tem o outro que está atrapalhando o negócio. É um fator de motivação muito grande. O ambiente de trabalho na Valesul é muito bom. Muito bom.
P/1 - Implantar essa política de qualidade na Valesul, e mesmo nos portos, na sua atuação gerencial, teve muita resistência, como é que o funcionário da Vale viu isso?
R - Não, você implantar o sistema de controle total da qualidade, no início tem resistência. Que é mudar postura, mudar comportamento, né? É muito por aí. Eu me lembro quando eu cheguei em Tubarão, você pegava um operador de (cargamper?), ele não sabia praticamente nada do que estava acontecendo lá para frente. E isso, em termos de qualidade, é uma falha básica, né? Você tem que inserir o cara no todo. Ele tem que saber que o que ele está fazendo aqui, quais os reflexos que têm lá para a frente. Ele tem que saber que de repente uma má operação dele é que está fazendo a via atrasar lá na ponta. Está fazendo a via pagar multa lá na ponta. Ele tem que saber que uma operação errada dele está sacrificando a qualidade do minério que está indo para a pilha. Então, essa coisa toda é muito importante ter essa interligação. Por exemplo, lá em Tubarão, a primeira coisa que nós fizemos foi aproximar todo mundo, e botar todo mundo falando a mesma linguagem. Quando nós fomos fazer a certificação da ISO 9000 lá em Tubarão, teve uma vez que um inspetor foi lá, do (B_____?), e ele comentou com a gente. Ele ficou impressionado com o desempenho de um operador de (cargamper?). Primeiro, o cara chegou lá e me desconheceu. Eu cheguei, ele ligou solenemente para mim, o que ele estava fazendo, ele continuou fazendo, o que eu perguntei para ele, ele me respondeu tudo, mas, assim, de cabo a rabo. A parte de procedimentos dele está perfeita. E elogio pelo detalhe da segurança dele, e dele não ter ligado para mim, ele sabia que era um inspetor, e tal, mas ele nem tomou conhecimento de mim não! Ele estava tão seguro no que ele estava fazendo, que ele olha... E você tem que caminhar para isso, porque a partir do instante que você tem a pessoa bem conscientizada, e bem integrada no que ela está fazendo, o resultado total é melhor, não tem como não ser melhor. É aquilo que eu estava falando, você pega um cara produzindo, o cara está trabalhando na manutenção, mas sabe que o trabalho dele é importantíssimo naquilo que está sendo produzido lá na ponta, e que é o que está sendo produzido na ponta que vai definir se ele vai ter sucesso ou não. Porque sem aquele negócio na ponta estar produzido direito, ele não tem sucesso não, não adianta. Pode fazer o troço mais bonito do mundo, que não adianta nada. Não há atividade produtiva, não tem jeito. Então o cara tem que estar inserido nesse contexto. E esse sistema de gerenciamento total da qualidade, como diz o... essa coisa trabalha muito por aí. É na realidade de dar a consciência ao cara da consistência do trabalho que ele faz. E fazer com que a coisa trabalhe um todo. E na Valesul isso já estava bem avançado, quando eu cheguei lá. O Denis, mais o outro diretor, o Antônio, eles, os dois já estavam... tinham avançado bastante nisso aí, já estava bem avançada a Valesul nessa parte.
P/1 - E a qualidade ambiental?
R - Muito boa. A parte do verde lá, muito boa, o pessoal com muita consciência do problema ambiental que é a indústria de alumínio. Ele tem controles bem rígidos, e o pessoal acompanha, faz o controle de perto. Tanto que inclusive nós tivemos uma inspeção de um inspetor, parece que é da ONU, é um cara cobra no mundo. Ele falou para nós: “Um dos sintomas claros da qualidade ambiental da Valesul alumínio é de você não encontrar vegetação queimada em volta da fábrica.” Ele falou: “O maior sintoma que você tem de mau controle da qualidade numa indústria de alumínio aparece claro na vegetação.” E aqui na Valesul você não tem sinal nenhum. Então isso é o sintoma claro de que a Valesul trabalha bem a parte de controle ambiental.
P/2 - E por que que queima a vegetação?
R - É o tipo. Se você começar a deixar escapar certos produtos tóxicos, ele agride a vegetação. Você não tem como esconder aquilo, você não tem como camuflar. Se a coisa que sai dali está fora do padrão, o atestado está ali na... o dedo duro está ali na cara de todo mundo.
P/1 - E agora, senhor Cândido, que o senhor está trabalhando na Prefeitura de Vitória, e a atuação da Vale ali, em Tubarão, o pó, como é que está essa história?
R - Não, eu digo uma coisa: hoje, eu tenho uma preocupação, eu como oriundo da Vale do Rio Doce eu já levei alguns elementos da empresa... tenho a preocupação que do seguinte: é que a Vale não pode se afastar da comunidade, na minha percepção. A Vale não pode, porque a Vale não conseguir nunca zerar o passivo ambiental dela em Vitória, não tem como, não vejo como. Zerar não tem jeito. Então acho que a vale tem que fazer de um lado, um trabalho ambiental bem feito, tecnicamente, competente, mas ela tem que ter uma aproximação com a comunidade. Ela não pode deixar a comunidade ter uma visão negativa da Vale. Porque acho que esse trabalho, você tem que atuar em dois frontes. Eu me lembro que quando eu fui para Tubarão, o ex-presidente Wilson Brumer falou para mim que uma das metas minhas era tirar a Vale da imprensa lá. Porque tinha uma parte do porto, que tinha muito a ver, e que a Vale estava indo muito para a imprensa sendo notícia. Ele falou: “Eu prefiro que a Vale não seja notícia de nada.” Para que não apareça aquele rótulo negativo. E um dos pontos que nós tínhamos lá era o carregamento de gusa em Paul. Era uma barulhão desenfreado, era um check-out que descarregava o gusa que fazia, que ele fazia um barulho fantástico. Era a parte da instalação do porto, que não tinha verde quase que nenhum. Eu fui lá, fiz... a primeira reunião que eu fiz no porto, foi lá em Paul. E os funcionários lá não entenderam quando eu fui. Teve um cara que falou para mim, ele falou assim: “Não estou entendendo nada. Paul é lugar onde chefe nunca veio. Chefe nunca veio aqui, nenhum chefe nunca veio aqui. O senhor vem cá e vai sentar com a gente para fazer uma reunião com a gente, para saber o que a gente pensa das coisas? Não estou entendendo nada. Minha cabeça está quase que fundindo.” Mas ali, resultado: nós mapeamos alguns problemas fundamentais internos que tinha, a própria instalação física deles era muito precária. Nós fizemos um escritório direitinho, com ar condicionado, restaurante arrumadinho, fizemos um projeto de arborização do canal todinho, plantamos árvore. Você chega lá, é aquela mancha verde. Pegando o check-out, enclausurando o check-out, botamos revestimento de borracha em tudo aquilo, quer dizer, o gusa cai e não cai mais fazendo aquele barulhão, ele bate na borracha. Fizemos revestimento de borracha no sistema de transferência do gusa, no peneiramento de gusa, botamos borracha naquele troço, no carregador de navio lá. Mas fizemos isso, e puxamos a comunidade para acompanhar com a gente o que estava fazendo e para monitorar as medições de nível de ruído que a gente fazia. Olha, e foi anotando. O cara está lá, e só anotando: “Olha, está aqui...” E fomos fazendo, implementando a coisa e medindo. E o cara acompanhando. Resultado: aquele cara que era a maior fonte de reclamação que nós tínhamos, que era um cara que escrevia carta para o Presidente da República, para o Ministro de Minas e Energia, para o presidente da Vale, para o diretor de operação da Vale, para todo mundo, aquele cara no final passou a ser um aliado nosso. Quando nós precisávamos de carregar gusa - que só podia carregar gusa durante o dia, você não podia carregar gusa à noite. Então, quando nós tínhamos fila grande de navio, aquele cara ia para a (Ceama?), para nos autorizar a carregar o gusa durante uma certa parte da noite. Aquele cara nunca mais escreveu carta para ninguém. Mas você, na realidade, você trouxe ele, de uma certa maneira, para o seu lado. E o que que o cara nosso da área ambiental fez? Ele ia lá medir, o capeta à quatro, mas ia lá na casa do cara tomar o cafezinho dele. Não é nada não, mas quando ele ia lá, que ele não ia lá tomar o café, ele reclamava: “Pô, seu Braga veio aqui, mas ele não foi lá em casa tomar meu cafezinho.” Quer dizer, se o cara vai reclamar ele reclama diretamente para você, não vai para a imprensa, não vai escrever carta para ninguém, ele vai, fala um punhado de desaforos para você, mas fica ali, acabou. Essa aproximação acho que a Vale não pode descuidar disso, na minha percepção. A Vale não deve se afastar. Eu noto lá... porque hoje, como eu não estou na Vale mas o pessoal sabe que eu sou leão da Vale, e eu tenho uma referência lá que para mim hoje é modelo, que é a CST, Companhia Siderúrgica de Tubarão. Já falei para o presidente atual deles, já repeti isso para ele. É o carinho e a atenção com que todo mundo trata ele, mas ele aproxima, ele está junto com a comunidade. Isso é muito importante. Todo projeto que tem ele está ele coopera, ele faz uma interação muito grande em todos os níveis. A Vale tem que olhar isso. Porque, meu santo, tirar o minério... o pó de minério da sua casa não tira, completamente não tira não. Eu, quando era superintendente do porto, lá em casa, minha mulher me cobrava e meus filhos me cobravam. Hoje se eu vou até a varanda do meu apartamento... que eu não estou na linha direta de poluição, não, eu estou meio de lado... mas se eu boto... eu tenho uma mesinha lá na varanda, uma mesa de tampo de vidro... deixa dois, três dias e vai passar a mão: sai preto! E aquele... essa característica de minério de ferro é brilhante, não tem erro, você não tem jeito de dizer que é de outra fonte não. Eu acho que nisto a Vale não pode descuidar, e eu acho que para mim a Vale está descuidando disso aí.
P/1 - Ela está descuidando?
R - Está descuidando. Eu acho que está descuidando. A Vale deveria olhar isso com carinho. A Vale, ela está dentro, ela opera dentro de uma cidade. Ela tem uma interface com a comunidade muito grande, não tem jeito, não tem como fugir disso. Não tem como fugir disso. Para mim nisso aí a Vale está pecando. Ela tem que cuidar disso aí de uma maneira mais efetiva e mais proativa. Eu diria, assim, numa expressão maior, ela não pode virar as costas para comunidade dela, ela tem que estar lá dentro. Faz parte do trabalho dela, faz parte do trabalho operacional dela, eu diria isso.
P/1 - E o senhor na Secretaria da Prefeitura sente que isso não está...?
R - Eu noto. Eu noto, pelo seguinte: porque eu noto o pessoal fazer observações. E eu acho que uma parte é um pouco, talvez seja um pouco nessa linha: porque não está aproximando, também você cria uma atitude um pouco de, não sei se poderia chamar de retaliação.
Mas aquele troço, você sabe que que é esse negócio, não adianta, é por aí, o troço está lá, está incomodando, a reclamação existe concretamente, você vai fazer o que? Uma maneira que você tem é você ouvir o cara. É igual o nosso vizinho lá do cais de Paul. Depois nós começamos a ouvir ele, ele podia até te xingar, mas xingar só para você, não vai falar na imprensa, não vai falar para ninguém não. E você tem uma interação muito mais rápida com a coisa, tá? Acho que isso aí a Vale, a Vale não pode descuidar disso. É a coisa que eu diria para a Vale. Na época que eu estive lá, a gente olhava isso muito de perto. Nós começamos a promover visitas de escolas, de comunidades de herança comunitária, lá para dentro. Que via poluição, vê. Mas vê um trabalho também que está sendo feito sério lá dentro. Eu acho que isto a pessoa leva, teve gente que lá fazia o depoimento na hora que terminava a visita, falou: “Eu, para mim, isso aqui era só uma fábrica de poeira. Eu estou vendo muito verde, as ruas limpas, molhadas.” Quer dizer, a pessoa leva um lado, que se ela não for lá dentro ela não vê, ela não sabe. Ela só vai ver a hora que a chaminé dá aquela descarga de poeira de todo tamanho, vai falar: “Olha lá, fábrica de poeira, está vendo?”
P/2 - Mas é o que ela sente na casa dela, né?
R - Mas é o que ela sente na casa dela, porque ela vê aquilo ali e amarra aquilo com o que ela sente na casa dela. Porque eu acho que zerar o passivo de poluição da Vale não vai zerar nunca. Não tem jeito, não.
P/2 - Seria o caso de minimizar?
R - Minimizar. Minimizar e fazer o outro trabalho, que eu acho que também é importante. É você não ter a comunidade, começar criar um sentimento de rejeição da comunidade.
P/2 - Esse outro trabalho seria compensador, nesse sentido?
R - Olha, eu diria que ele dá trabalho, mas ele de uma certa maneira compensa. Eu, olha, eu vou te dizer com toda a franqueza, eu não sei se a CST polui menos que a Vale não. Mas o fato é que hoje a CST não é o foco maior das coisas. Para mim, o que às vezes me incomoda, sendo oriundo da Vale, é que está me parecendo que a Vale está se tornando o foco maior das coisas.
P/2 - O alvo das...
R - O alvo desse tipo de crítica. Posso estar enganado, mas é a percepção que eu tenho.
P/1 - Que tipo de sentimento o povo de Vitória alimentou em relação à Vale, desde que ela está ali, que tipo de sentimentos, se mudou...?
R - Olha, eu tenho uma expressão, que foi colocada num pronunciamento público. Eu não sei nem se eu deveria falar isso, tá, porque na realidade eu não conhecia o prefeito quando me convidou, mas tornamos, passamos a ter um relacionamento muito bem, e tudo. Mas ele fez uma colocação em público uma vez, forte, que externa um pouco esse negócio que eu estou dizendo que é minha preocupação. Ele fez referência e falou que a Vale, depois que privatizou, piorou tudo. Que a única coisa boa que sobrou da Vale foi eu ter ido para a equipe dele. É uma colocação muito forte, entendeu? E ele não é um cara radical nas coisas. Pelo contrário, me parece ser uma pessoa bem equilibrada, tá? Ele falou isso publicamente. É sinal de que esse sentimento, ele está se instalando lá, está existindo. Mas será que não tem uma maneira melhor de trabalhar esse troço? É a pergunta que às vezes eu faço para mim mesmo, sabe? Lidar com gente, com a comunidade, é um troço delicado, é complicado, pô, não é fácil não, tem que suar a camisa, não tem jeito não. Agora, você tem que... não tem outro jeito, tá?
P/1 - Tem algum projeto que foi abandonado, que a Vale tinha?
R - Não, eu diria para você que esse troço... Acho que eu ainda não consegui ter na minha cabeça, para mim, porque eu não lido diretamente com isso, eu sinto... Hoje eu sinto a coisa maior, num horizonte maior, mas esse troço me preocupa, né? E eu já falei isso para alguns elementos da Vale essa preocupação, eu acho, na minha percepção, a Vale deve olhar isso com carinho.
P/2 - Qual a Secretaria que o senhor ocupa na Prefeitura de Vitória?
R - Secretaria de Desenvolvimento Urbano. E quem cuida disso é a Secretaria de Meio Ambiente. Mas a gente sente... Aí não é só o ambiente de Prefeitura. É o elogio que eles fazem, por exemplo, ao desempenho do José Armando, que é o presidente da CST. Eles fazem um elogio muito grande a ele, ele interage muito, ele está em todo aquele negócio, ele _____ com a turma, o capeta à quatro, tem uma maneira aberta de trabalhar. Esse troço domina muito, domina muito. Eu falo do José Armando totalmente, porque o Zé Armando é meu amigo. Se tivesse criticando, eu falaria para ele. E eu falei para ele: “Zé Armando, você ganha cada elogio! Eu estou te falando porque o cara fala perto de mim, às vezes o cara nem sabe que eu sou seu amigo. Às vezes ele está falando para mim sem até saber que eu tenho relacionamento com você.” Então ele faz um trabalho de relações públicas muito bom, muito importante. Eu acho que isso a Vale... a Vale é uma empresa autoritária. Eu sei disso porque eu trabalhei na Vale. Ela sempre foi autoritária. Mas eu acho que lá em Vitória, com aquela interface que tem, tem que arranjar um joguinho de cintura, não tem jeito não.
P/2 - Mas autoritária como?
R - Ela foi, a Vale sempre foi autoritária. A Vale, ela tem o estilo dela, ela, no duro, ela não é muito de estar trabalhando essas coisas com muito esmero não, ela é tecnicamente competente, operacionalmente competente, o capeta à quatro, e ela no fundo, na cabeça dos executivos da Vale, sempre foi assim. Na época, também, eu pensava um pouco assim mesmo. A gente quase que se basta, um pouco por aí, tá? Eu acho que é um pouco por aí. Mas eu acho tem certos locais que você tem que... tem que ter uma diferenciação.
P/2 - Quer dizer, esse autoritarismo com a comunidade também...?
R - É, no fundo a gente era assim mesmo. No fundo, a gente se bastava. É um pouco por aí. Eu estou falando porque eu também fui lá, estava lá no meio. Quando eu fui para Vitória, como eu recebi uma incumbência muito específica, que foi dito para mim que esse troço eu tinha que olhar de perto, que era uma das metas minhas isso aí, eu passei a me preocupar muito mais com o negócio. E começar a encontrar meios de trabalhar esse troço, né? Pelo menos lá no cais de Paul nós praticamente controlamos a coisa completamente. Mas eu acho que a parte da cidade, a parte da (ebulição?) do minério, do carvão, é uma parte que você não zera, não tem jeito de zerar. Não tem jeito de zerar não. Você tem que ser tecnicamente competente lá dentro, e trabalhar bem o interface.
P/2 - Pois é, mas aí, o senhor está colocando em relação à CST e à Vale, quer dizer, o que a CST tem em vantagem é ter uma relação boa com a comunidade, uma imagem.
R - Eu acho que competência no trabalho das duas coisas. Eu acho que eu não estaria errando muito se eu disser que as duas são bem competentes.
P/2 - Mas em termos de atitude?
R - Mas eu acho que o que a Vale está fazendo é atitude. Eu acho que, para mim, a Vale precisava trabalhar melhor é a atitude com relação ao público externo.
P/2 - É, mas aí eu falo: em relação comercial, quais atitudes são tomadas pela CST e pela Vale? Quer dizer, porque uma coisa é a imagem, e esse trabalho de relações públicas, com a comunidade. E uma outra face disso são as atitudes efetivas do no caso minimizar essa poluição. Como o senhor falou, a CST talvez polua até mais...
R - É, eu não vou dizer que polua mais, não, mas eu acho que... tal qual... Eu, para mim, posso até estar puxando um pouco a sardinha para o lado da Vale, pode até ser isso, pode ser até isso, mas eu acho que, na realidade, a coisa, hoje, na minha percepção, está em desvantagem para a Vale, que para mim o que está em desvantagem é uma coisa por aí, tá? Porque eu acho atitude, quanto à trabalhar as coisas, a Vale botou, parece que escutador (eletrocity?) naquelas usinas todas, ela está trabalhando aquele negócio, ela está investindo naquilo continuamente. E ver aquilo ali poluído como era na época que nós estávamos nas pelotizações, você dar descarga de cal, de minério de ferro, naquela Baía de Camburi, que formava aquelas manchas de todo tamanho, você vê hoje, não tem, mas volta e meia dá. Esses dias mesmo, há dois dias, três dias atrás estava uma chaminé, com aquela fumaça vermelha saindo da chaminé lá na Vale. Deu algum problema lá, num precipitador, uma coisa qualquer. Mas são fatores episódicos, né, você não vê isso hoje como rotina operacional. Mas eu acho que uma certa atitude que você nota nas pessoas, na comunidade, e não é porque eu sou da Vale que eles estão falando não, você nota que existe isso mesmo. Existe uma atitude de boa vontade com relação à CST, que eu não noto isso com relação à Vale. Eu não noto.
P/1 - E quando o senhor começou a ouvir falar em privatização da Vale?
R - Ah, isso tem muito tempo, muito tempo, estava trabalhando na Vale. Às vezes o pessoal____: “Vocês estão fazendo a reestruturação da Vale para ela ser privatizada.” Eles falaram isso naquela época, quem estava no processo, quando estava lá em Tubarão no início, pessoal falava isso.
P/1 - E o senhor achava que era isso mesmo?
R - Teve uma fase que eu achava. Eu não sou contra a privatização não, sou não. Eu acho que se o governo tiver bons órgãos reguladores num sistema de iniciativa privada, eu não sei não, sabe, eu não sou contra não.
P/2 - O senhor acha que esse é o caso, da Vale?
R - A Vale é uma empresa muito peculiar, porque a Vale, ela disputa um mercado que o negócio, a briga é acirrada mesmo, né? Eu não sei, se fosse comigo para decidir, eu talvez fizesse algum retoque no processo de como foi privatizada. Mas eu nunca seria contra a privatização da Vale, nunca. E eu sempre falei isso para os empregados. Eu acho que o Estado tem que ter as áreas específicas do Estado, sabe, não... Agora tem que ter órgão regulador competente, né? Mas eu acho que é por aí mesmo, não tem dúvida não. Você pega, tem empresa que estava aí, você pega empresas que era foco de problema, acabou, a privatização acabou, você nem ouve falar mais, vivia dando confusão, pô, acabou. Eu acho que é por aí mesmo, sabe?
P/1 - E como que o senhor viveu a expectativa da privatização dentro da Vale?
R - Minha cabeça amadureceu muito de saída. Eu falei para vocês, eu saí na Vale, no dia que eu saí, no momento que eu saí, porque eu não, na realidade, eu tinha uma preocupação. Primeiro, o seguinte: é que já tinha ajustado na minha cabeça que eu ia me aposentar. É tempo, eu acho que a gente tem hora para sair, hora para entrar, hora para sair nessas coisas. Eu acho que para mim estava muito maduro na minha cabeça. E eu tive essa preocupação, de sair naquele momento, exato momento, que eu não queria macular a impressão... Vocês estão vendo a conversa que eu tenho, até que eu sou muito agradável na empresa. Trabalhador, passei aperto, passei, mas o que para mim... a essência da empresa é uma coisa extremamente agradável. Eu diria para vocês que se eu fosse começar tudo na Vale de novo, eu de repente mudasse muito pouca coisa. Tal é a minha satisfação, que eu tenho. Eu não tenho porque reclamar da Vale do Rio Doce, não tenho mesmo. Aliás, as boas coisas que eu tenho hoje eu devo à Vale. E trabalhei duro, e na realidade não aproveitei de cargo nenhum que eu desempenhei. O dinheiro que eu tenho eu ganhei honestamente, claramente, transparentemente. Então eu, na realidade, eu tive essa preocupação, sabe, mas eu realmente sabia que o processo era um processo pré-privatização mesmo, é uma coisa que... eu não tenho dúvida que o caminho é esse mesmo. Agora, eu poderia fazer um retoque nisso aí, mas fora isso acho que o caminho é esse mesmo, não tem erro não. Não tem erro. E não acho que a maioria das estatais privatizadas devam ser privatizadas mesmo. Eu acho que você tem que ter aí órgãos que façam o controle da encrenca direitinho, senão, meu santo, você não vai ter sócia que vai funcionar nunca. É, infelizmente é isso, é a minha percepção. Você vê no exterior, rapaz, as coisas funcionam bem, mas porque tem cobrança. Eu me lembro uma vez que eu estava no Japão numa missão lá, na época do Collor, os caras lá criticando e cobrando. Aí nós puxamos o jornal, tinha apontando três casos de corrupção lá. Aí nós chamamos os japoneses, e falamos: “Pô, vocês estão criticando a gente. Olha isso aqui.” Ele pegou e falou assim: “Olha, só tem uma coisa: esses três que estão aqui estão lascados. Eles vão ser cobrados mesmo desse troço. O problema é que lá no Brasil os troços acontecem, não dá em nada, vira pizza no final da história.”
[FIM DA FITA III]
R - (riso) Ele falou isso para a gente, desse jeito. É, vira pizza. Mas está cada vez virando menos pizza, né? Ou vocês não têm essa percepção? (riso) Você está lá no meio!
P/1 - O senhor saiu no dia da privatização?
R - No dia, no dia mesmo. Falei: “Chegou a minha hora...” Mas eu não estava... na realidade, na minha cabeça estava tudo muito maduro. Eu sabia que algumas mudanças iam acontecer mesmo, que não tinham como não acontecer. Eu também achava que eu já estava num... Eu, por exemplo, vim para o Rio de Janeiro - eu não gosto de cidade grande, nunca gostei. Eu até falava que o dia que a Vale me mandasse embora, que ela me mandasse para o Rio, tal era o grau de conscientização que eu tinha disso. Eu... teve um dia que eu estava lá na Barra, eu tenho um apartamento na Barra aí. Eu estava andando na Barra, teve um dia que eu estava lá caminhando, eu falei: “Gente, o que que eu estou fazendo aqui? Eu não sou desse lugar, eu não tenha nada a ver.” Não só aqui não, São Paulo também, a mesma coisa. “Eu não sou desse lugar, não tenho nada a ver, o que que eu estou fazendo? Não preciso mais desse negócio. Eu vou é me embora!” Nesse dia, por exemplo, acabou. Bateu: o melhor é embora mesmo. A partir dali, tanto que o dia que eu fui lá, que o Guilherme Gazola, que vocês vão entrevistar aí, o dia que eu fui lá, para ele assinar, que eu já tinha pedido demissão da Valesul, que eu levei para ele assinar, ele ficou assim: “Não, porque...” Eu falei: “Gazola, o Schettino me disse que o que eu decidir está decidido. Assina essa encrenca, porque eu inclusive já pedi demissão da Valesul. Amanhã, a (DDE?), noticia minha saída, já está publicada para todo lado, pô, assina essa encrenca que não tem jeito, não.” “Você não tem dúvida?” Eu falei: “Zero de dúvida. Tenho certeza, tenho certeza do que eu estou fazendo.” Então, estava na hora mesmo, estava, não é por... entendeu? Aquilo de repente até ajudou, mas já estava caindo de maduro. (riso)
P/1 - Mas o senhor voltou para Vitória?
R - Voltei, era o meu sonho, lá para o meio das minhas pescarias, no meio das confusão lá. Está bem, nós já estamos lá com nossa empresa familiar, recuperamos ela quase que toda, já está voltando a crescer como tem que crescer. Agora já instalamos mais três lojas, agora estamos estudando, atualmente, talvez vai abrir mais uma, está pagando as dívidas todas, botando a casa em ordem.
P/1 - Do que que é isso?
R - Nós temos uma empresa da família lá, minha mulher é sócia, nós temos 20% da empresa. Nós temos o conselho de administração, e eu sou o presidente do conselho. E nós estávamos numa situação pré___. Nós já pagamos a dívida grande que nós tínhamos com a financeira, já pagamos tudo, pagamos uma dívida que tínhamos com o Banco Real, já pagamos tudo, com o Banco do Brasil nós já pagamos a metade. Agora é só uma dívida de imposto que nós temos lá, estamos acabando de acertar tudo.
P/2 - É uma empresa de quê?
R - É de tecidos.
P/2 - Fábrica?
R - Não, não. É loja comercial de tecido. Tecido, cama, mesa e banho, essas coisas.
P/2 - E como que é o cotidiano do senhor hoje, o dia a dia?
R - Não, lá eu faço parte do conselho, eu pego as diretrizes maiores. Eu não entro muito no varejo da administração. Eu tenho um cunhado e um concunhado que são os cabeças lá dentro. Nós na realidade fazemos um papel que é de conselho mesmo, né? Nós monitoramos as coisas, e aprovamos as coisas maiores. E cobramos resultado. Como eu sei cobrar resultado, então, minha filha, eu estou lá. (riso) Já falei para eles: “Eu deixo no nome de vocês de jeito nenhum.” (riso)
P/2 - Fez uma boa escola!
R - É, fiz uma boa escola. Vamos lá mesmo, não tem jeito não. E, também, trabalho interessante, totalmente diferente, e ao que parece, nós estamos acertando na mosca. Contratamos um consultor muito bom, sabe, um cara bom de varejo, essa coisa. E já estamos, assim, bem. Talvez hoje para empresa de varejo, em termos de organização, hoje a gente deve ser meio top de linha. Temos relatório gerencial de tudo, mudamos o perfil gerencial da empresa, avaliação de desempenho, a avaliação de resultado por cada unidade, um gerenciamento muito bem feito de controle de (encalhe?), né, o problema sério do varejo é isso, né? Uma, digamos, uma elencagem bem feita das dívidas, né, o que a gente tem que matar primeiro. Então, está caminhando direitinho. Estamos lá na luta. Outro tipo de luta, mas estamos lá. E domingo eu vou lá, sábado e domingo eu vou lá para a fazenda, mexer com os meus boizinhos lá. (riso) A vida é boa, rapaz, não tem erro não, é sócio, está certo, a gente não pode é ficar parado, né? Uma vez, um ex-presidente da Vale falou para mim: “Cuidado, vai aposentar, dá um banzo na gente. A hora que você começa a querer se sentir meio inútil.” Eu falei: “Eu acho que eu não vou ter tempo para isso não.” (riso)
P/1 - Essa fazenda surgiu como? Que...
R - Não, eu sempre gostei. Eu sempre gostei. Eu achei uma pequenininha, assim, do jeitinho que eu queria, eu vou crescendo ela, compro aqui, compro ali. Estou botando um cafezal lá, estou irrigando o café todo. Meu café todo é irrigado. Muda clonal, está certo, tudo... O nível de produção subindo, mas subindo mesmos inclinado. E gado. E curtição. Tanque cheio de peixe...
P/2 - E as pescarias?
R - As pescarias são lá, pescaria... a gente sempre pesca, né? Não tem erro. Lá em casa o peixe que eu como, praticamente o ano inteiro, sou eu que pesco.
P/2 - O senhor sai de tempos em tempos...?
R - Não, tem a temporada, temporada de pescaria oceânica, ela começa em outubro. Ela começa em outubro e vai até meados de fevereiro. Nesse período a gente tem pesca oceânica, que é a pesca de mar, que é uma pesca esportiva. Hoje o mar representa, você pega aqueles peixes que nós pegamos aí, peixe daquele peixe, que você pega até 150 quilos, você não pode embarcar. Você tem que soltar ele. Você não pode matar o peixe. Até 150 quilos, imagina o que que é, né? O marlim-branco, até 30 quilos, num campeonato, você não pode matar, você tem que soltar. Então, é uma pesca bem numa linha ecológica, né? Então você tem o atum, você tem o dourado do mar, você tem o aru, que é o (assado à ____?), é gigante. Então você tem aqueles peixes. Aí a gente, pô, vai, pescar aquele troço direto. Depois é pescariazinha de rio, a gente volta e meia vai lá para Matogrosso, vai lá para Trombetas, vai não sei para onde. Uma turma boa, muito ligada, né? Clube lá, a gente está lá no iate sempre, aquela rodinha lá sempre... Então, é vida boa, tranquila. É a vida que eu pedi a Deus.
P/1 - E na Prefeitura o trabalho, o dia a dia?
R - É, a Prefeitura para mim foi uma surpresa, né? Uma surpresa. O prefeito fala que ele me entrogou a pior Secretaria que tem na Prefeitura. E eu, teve uma hora que eu achei que ele tinha feito de sacanagem. Quando eu vi o tamanho do pepino, eu falei: “Nossa! Mas eu não estou mais na época de mexer com isso, não.” Mas não foi não, na realidade é um problema que ele tem, um problema sério, que é... Minha Secretaria, ela mexe com os projetos viários grandes da cidade, a parte de parques e jardins, todos os projetos são lá comigo. Toda a parte de aprovação de projetos de edificação e fiscalização de edificação, toda a parte do plano diretor urbano, é lá comigo, e toda a parte de posturas municipais é comigo. Então, a fiscalização de camelô, de tudo, é tudo lá comigo. Então, é uma parafernália de troço que não é brincadeira, é um pepino. Mas lá tinha problemas grandes com... da Câmara de Vereadores, os vereadores reclamavam muito, essa coisa toda. E isso praticamente eu zerei tudo, né? Eu tenho habilidade, eu trato eles direitinho, eu dou atenção, dou atendimento, então... O pessoal fala que até eu tenho jeito para político, né? Mas lá foi bom eu ter entrado porque eu vi realmente que não tem nada a ver, né, aquilo ali. Eu estou ali para cooperar com o prefeito, mas tem um limite. Eu não sei se, numa reeleição dele, se eu vou querer continuar lá, eu tenho dúvida, porque me toma muito tempo. Hoje, por exemplo, para ir para a fazenda, eu tenho que ir no sábado, às vezes eu vou cedinho e volto de tarde, porque... Chega verão, a minha mulher vai para Guarapari, né? Para eu ficar com ela no final de semana um pouquinho, eu tenho que ir lá para a fazenda sábado e voltar sábado, para poder ir para Guarapari e ficar domingo. Então, começa a ser uma coisa que chega numa hora que não sei se é bem por aí, sabe? Mas é um trabalho interessante, que é diferente, totalmente diferente de tudo que eu já enfrentei. Mas tem condição de tirar ele de letra. Tem condição de tirar direitinho. Montamos uma equipe muito boa, tenho levado pessoas boas de serviço para lá, uma turma raçuda. A gente às vezes acha que o serviço público não tem, tem gente boa, pô! Tem gente boa, tem gente que trabalha, que vai atrás. Mas também é uma experiência que, para mim, ela tem um tamanho, né? Não pretendo - que todo mundo achava que eu ia ser candidato ao governo. Eu falei: “Vocês estão redondamente enganado.” Hoje é que eu tenho certeza absoluta que não...
P/1 - Mas o senhor está sendo sondado _________, não está?
R - Não, às vezes o pessoal fala, e tudo, mas eu tiro qualquer pessoa de cabeça lá na hora: “Está redondamente enganado, não tem nada a ver.” Não tem nada a ver mesmo. Não quero isso não. Quero nada, eu já tenho muita coisa para olhar, pô! Estou com os filhos criados, os meninos estão lá, já está... as meninas... a minha nora está terminando o Turismo nesse final de ano, uma bichinha danada, ela corre atrás, a outra está fazendo arquitetura, também já está no terceiro período, não tem...
P/1 - Tem três filhos?
R - Quatro. O mais velho já é independente, está nos Estados Unidos, trabalhando lá, cuidando da vida dele. Então...
P/1 - Tem netos já?
R - Não. Mas eu acho que não vai demorar não. Tem dois lá, que eu estou vendo que só estão casados. (riso)
P/1 - Então, eu vou perguntar, eu queria perguntar se o senhor tivesse - acho que a gente já falou um pouco sobre isso - mas se o senhor tivesse que retomar sua trajetória, avaliar sua trajetória de vida, se pudesse mudar alguma coisa, o senhor mudaria na sua trajetória?
R - Pouca coisa. Pouca coisa. Eu sou uma pessoa que eu acho que eu recebi na vida talvez até mais do que eu merecia. Eu acho, talvez até mais do que eu merecia. Eu não mudaria muita coisa não. Faria revolução nenhuma. É claro que se eu pudesse mudar, eu talvez antecipasse algumas coisas. Eu talvez até antecipasse algumas coisas, mas... Eu, como realização de vida, como satisfação pessoal, eu me considero uma pessoa totalmente realizada. Com a minha profissão, com a minha família, com meus filhos, com tudo. Eu posso dizer que sou uma pessoa de paz com a vida. E continuo enxergando a vida com o mesmo colorido, como eu sempre enxerguei. Acho tudo bonito, tudo. Adoro pegar minha caminhonete, minha ______, sair pela estrada afora. Adoro pegar um troço e inventar um troço diferente, arranjar um casal de galinha-d’angola e levar para a roça, inventar uns pinto diferente, levar lá, bota naquela encrenca lá. Então, adoro mesmo, acho tudo, acho tudo diferente, sabe? Gosto demais de conviver com as pessoas. Então, eu não mudaria muito. As amizades que eu criei durante o período da Vale, é alguma coisa que você carrega para a vida inteira. Eu tenho aqui no meu bolso, dentro do meu bolso... chegaram, me entregaram esse troço, e eu vou lá, eu vou na casa desse cara. Esse cara é um peãozinho, trabalhava lá em Tubarão, lá no terminal de carvão. Foram... Ele tem, ele mora num local lá em São Mateus, um local meio paradisíaco, segundo me falaram. Você vai ver o bilhetinho que ele mandou para mim, e os caras falaram: “Rapaz, vai lá. Esse cara gosta de você à beça.” Está aqui, olha... Eu nem me lembro dele! Nem me lembro dele. Olha o que que ele escreveu aí, até o português errado, está vendo? Esse cara era operador do terminal de carvão.
P/1 - “Pacheco está convidado a vim na minha casa, Meleiras.”
R - Meleiras. É um lugar meio paradisíaco que tem lá em São Mateus, está certo? Quem foi lá foi o juíz de direito, junto com um empresário. Esse empresário que pegou esse bilhete, me entregou: “Pacheco, vai lá. Esse cara gosta de você.” E ele falou assim: “E é um troço bacana, porque é um cara simples, é um cara humilde. Não é cara que está interessado em nada. Esse cara é porque ele gosta de você.” Ele falou: “Eu fiquei impressionado como é que ele se referiu a você.” ______, assim, no local onde a gente trabalhava, corria atrás, cobrava, não protegia ninguém. Agora, com uma maneira transparente de trabalhar, maneira cristalina. Eu gosto de troço transparente, eu não gosto de nada embolado, complicado, confuso para mim. É aquilo. E acho que isso a gente encontra eco nas amizades, nas coisas que você... Eu tenho muito amigo que é lá de dentro da Vale do Rio Doce. E é pessoa que de repente poderia até ter raiva de mim, pô, porque eu não dei moleza para ninguém lá não, nunca levamos a coisa lá na moleza. E as pessoas gostam, amigo meu. Pode... deve ter alguém que não goste também, né, tudo bem, mas... Não mudaria não. Não mudaria quase que nada, tá? Eu poderia é utilizar alguma coisa, mas não...
P/1 - E sonhos?
R - Sonhar? Ah, sonhar é bom demais, né? (riso) É bom demais, rapaz. Aquele peixe que você não pegou, você está sempre sonhando com ele. (riso) Ah, isso é bom demais, faz parte da vida, né? Sonhar com filho, gostar da nora. Meu filho agora arranjou uma namorada, nesses dias ela foi lá em casa, primeira vez que ela foi lá, né? Uma carinha ótima, muito bonitinha, assim, o cabelo lisinho, gordinha, até parece com ele, né? Aí ela chegou, ficou lá, nós conversamos, quando foi na hora que ela foi despedir de mim, eu peguei o rosto dela e botei no meio das minhas mãos, falei: “Apareça sempre, menina, eu gostei muito de você.” É um docinho a menina, né? Isso é gostoso, família é muito bacana, né, coruja os filhos, coruja as noras, coruja tudo, né? (riso)
P/2 - E o que o senhor achou, então, de ter participado desse projeto, ter dado esse depoimento?
R - Ótimo. Eu não pensei que a Vale fosse pensar numa coisa dessa, honestamente. Muito bom. Acho que a idéia foi excelente, mais uma ideia excelente da Vale. Muito bom. A gente espera que isso tenha alguma valia para alguém, né? Mas eu acho que é muito bom. Valeu a pena sair de Vitória e vir aqui. Ainda mais com as pessoas agradáveis iguais vocês dois. (riso)
P/2 - Obrigada.
R - Não é isso? Prazer muito grande em conhecê-los. E lá em Vitória nós estamos lá à disposição, tá? Lá, na Prefeitura, na Casa Santa Terezinha, lá no Iate Clube... lá numa lancha oceânica pescando lá, lá na fazenda. (riso) E por aí afora.
P/1 - Vamos embora!
R - (riso) Comer uma moquequinha. (riso) Mais alguma coisa?
P/1 - Tem alguma coisa que o senhor gostaria de falar...?
R - Não, acho que nós falamos tudo. Falamos tudo, não tem mais, acho que não tem mais nada, não. Tem? Está faltando alguma coisa? Vocês é que são os... vocês é que são os profissionais do ramo, eu não sou não. (riso) Eu sou bom de conversa, eu sou bom de papo só, né? Eu sou bom de papo... mais ou menos de papo, né?
P/2 - É bom de papo, nota dez. Muito obrigada.
P/1 - Obrigado.
R- Não tem dúvida nenhuma. Estamos à disposição.
[FIM DA FITA IV]
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