Projeto Entrevistas de Acervo
Depoimento de Marina Camara Chini
Entrevistado por Juliano Lima e Jurema Carvalho
São Paulo, 24 de maio de 2003
Realização Museu da Pessoa
Entrevista número: MA_HV011
Transcrito por Mariana Emiko Fuzissaki
Revisado por Fernanda Regina Ferreira
P/1 - Bom dia, dona ...Continuar leitura
Projeto Entrevistas de Acervo
Depoimento de Marina Camara Chini
Entrevistado por Juliano Lima e Jurema Carvalho
São Paulo, 24 de maio de 2003
Realização Museu da Pessoa
Entrevista número: MA_HV011
Transcrito por Mariana Emiko Fuzissaki
Revisado por Fernanda Regina Ferreira
P/1 - Bom dia, dona Marina
R - Bom dia.
P/1 - A gente gostaria de começar a entrevista pedindo o seu nome, a data do seu nascimento e o local de nascimento.
R - Meu nome é Marina Camara Chini. Nasci no dia 21 de dezembro de 1921 e...?
P/1 - A cidade?
R - São Paulo. Eu nasci, propriamente, em São Simão, mas seis meses depois, eu fui transferida. Meus pais vieram pra São Paulo, e eu fui registrada aqui com a mesma data de nascimento.
P/1 - Os seus pais eram de onde?
R - Meu pai, penso eu, que ele nasceu em Campinas. Agora, minha mãe, possivelmente, ela era italiana. Ela veio da Itália na época, como imigrante. Na época, deu uma peste em Campinas, pouco tempo depois, onde faleceu a mãe dela. Uma semana depois, foi o pai que faleceu com a peste. E, nesse ínterim, como morreram muitas crianças, ficaram órfãs, o bispo de lá do (Oneri?) recolheu todas as crianças e pôs num orfanato, no colégio de, acho que tá escrito aí, no colégio de Campinas...
P/1 - Colégio das irmãs?
R - Das irmãs de Campinas. E ela ficou lá até os 18 anos. Depois, ela saiu e se casou.
P/1 - E como foi que seus pais se conheceram?
R - Eu não sei. Minha mãe pouco falava. Meu pai faleceu com 60 e poucos anos, e ela não falava muito a respeito. Naquele tempo, sabe, pessoas de idade, naquela época, os filhos não precisavam saber de muitas coisas dos pais, né? Por isso que eu não sei como se conheceram.
P/1 - Mas qual era a atividade do seu pai?
R - Meu pai era advogado.
P/1 - E a sua mãe?
R - Minha mãe era doméstica, tomava conta dos... Como é que falam? Da casa, quando se é jovem?
P/1 - Dona de casa.
R - Dona de casa. Isso aí. (risos)
P/1 - Dona Marina, o que é que a senhora lembra da sua casa, quando a senhora era criança, da convivência com os seus pais?
R - Ah, meu Deus! Foi uma maravilha! Quando eu nasci, mais ou menos, na Rua Eugênio de Lima. Eu vivi na Rua Eugênio de Lima com a travessa de Saint Hilaire. Eu vivi lá até os 11 anos. Era uma maravilha! Não tinha quase casas, era tudo descampado, e a gente era moleca lá naquela época. Então, a vida era boa.
P/2 - A senhora tem muitos irmãos?
R – Não. Eu tenho um irmão que faleceu também. Só um irmão falecido.
P/2 - Mais velho ou mais novo?
R - Mais velho. Ele estaria agora com seus 84 anos, por aí. Mas era uma correria de criançada naqueles campinhos, aquelas coisas...
P/1 - Como eram as brincadeiras?
R - Brincadeira? Brincadeira de moleque (risos) daquela época. É correria porque brincar de pegador, brincar de amarelinha, jogar futebol, jogavam, também, peão, jogavam malha, aquelas coisas de jogar dinheiro, pôr um dinheiro, uma caixinha de fósforo, e jogar... Eu não me lembro o nome que eles davam, que a gente dava, né, lógico.
P/2 - Como é que era essa brincadeira? Punha dinheiro de baixo da caixa?
R – Não. Era negócio de... Sabe o que é que é? Tinha uma caixa de fósforos que punha "no coiso", punha aquelas figurinhas de jogador, e jogava essas moedas de 400 réis. Se acertasse na caixinha, pegava as figurinhas.
P/1 - Ah.
R - Se eu não me engano, o nome era (malacaxeta?), se eu não me engano, entendeu? E essas brincadeiras de pegador, de coisa... Não tinha quase casas. O Ibirapuera era um matagal porque era perto do Ibirapuera, né, agora. Era um matagal. A gente ia buscar agrião lá no charco. É o que eu me lembro, mais ou menos, é isso. E, depois, com 11 anos, dez anos, meus pais se mudaram pra Ponte Grande em 1930.
P/2 - Onde fica Ponte Grande?
R - Santana, tipo de Santana. Perto do rio Tietê. Foi quando eu entrei no clube, Clube de Regatas Tietê que eu entrei, e, depois, comecei a praticar natação no rio. Aprendi a nadar no rio.
P/1 - Mas através do clube?
R - Através do clube. Primeiro, entrou o meu irmão de sócio. Depois, entrei eu e fui praticando no rio. Tinha os cochos, tinha três cochos que a gente aprendia a nadar. Aprendia a nadar e ia nadar no rio.
P/1 – No rio Tietê?
R - No rio Tietê. Naquela época, dava. Onde eu mudei na Ponte Grande, tinha um jardim muito bonito que, agora, tá defasado, mas tá muito bonito. E ele ia dar na beira do rio que ele ainda não estava retificado. Então, lá iam pescar lambari, pescar mandi, e eu estava junto também, né? Sempre moleca.
P/1 - A senhora ia com a família?
R - Não, eu ia com a minha mãe, né, às vezes, ali na coisa. Mas no clube não. No clube, eu entrei, era só atravessar a Avenida Tiradentes, o clube estava mais para perto. Agora, ele já está mais distante. Ia ao clube, ficava lá o dia todo, aprendia a nadar. E depois, comecei a praticar a natação no rio, né, até fazerem a piscina porque no clube não tinha a piscina ainda. Ela foi feita em 1934. A única piscina que tinha ali perto era da Espéria. Tanto que quem nadava lá já deve ter ouvido falar da Maria Lenk.
P/1 - Hu-hum.
R - Maria Lenk. Ela está no Rio agora. Então, em São Paulo, o único, quase, que tinha piscina era o Atlético, Atlética. E, depois, comecei a aprender a nadar.
P/2 - Como eram esses cochos do rio?
R - O cocho era um tablado de coisas de madeira presas na beira do rio com ferros que ficava ali flutuando. Tinha três, um maior, um menos e, depois, um menor. E aí, a gente aprendia. Quando dava pra nadar porque ele ficava no alto, né? Mas quando enchia de gente, ele afundava. Então, tinha que saber nadar, mesmo, aprender a segurar em qualquer lugar porque senão, morria afogado. Mas era muito gostoso.
P/2 - E não tinha problema da correnteza?
R - Ali não porque eles eram presos, não tinha. Mas no beiral, segurando através do rio com a madeira tinha muita correnteza, tinha rodamoinho...
P/2 - Então, vocês nadavam só nesse cocho?
R - Só nesses cochos pra aprender a nadar. Depois, quem sabia nadar, ia embora lá pro rio.
P/1 - Mas conta um pouquinho mais pra gente sobre o clube. Era o clube de regatas...?
R - Clube de Regatas Tietê. Ele era um clube normal assim, da época, de quantos anos atrás? De 1930? Ih, tem chão! (risos). E tinha lá quadra de tênis, quadra de bola ao cesto que foi demolida, depois, pra fazer a piscina. Era um clube pouca coisa. Tinha uma quadra grande lá de jogar vôlei ou bola ao cesto. E a noite, o pessoal ia dançar, né? No sábado e domingo, faziam um baile na quadra.
P/1 - Pros sócios?
R - Pros sócios. Na quadra. Depois, fizeram a piscina, a coisa foi melhorando. Tô com 60 e tantos anos de clube.
P/2 - Quando fizeram a piscina no clube, vocês deixaram de nadar nos cochos ou continuaram?
R - O cocho acabou.
P/2 - Acabou.
R - Acabou o cocho, ficou só pra fazerem regatas, né, competição que saia do Espéria porque o Espéria ficava em frente ao Tietê. Faziam as regatas de campeonato, né? Enchia de gente e, hoje, ninguém mais vai, tem tanto divertimento agora que o pessoal não... Mas, antes, ficava cheio de gente. E foi quando começaram então, depois, acho que foi em 35, 36 que começaram a fazer os campeonatos de São Paulo a nado. Você já ouviu falar nisso?
P/2 - Já.
R - São Paulo a nado. Então, nós saíamos pra treinar. Às vezes, íamos treinar, eram seis quilômetros, quase, de natação, de onde saia, da ponte velha da Vila Maria, e vinha até o lugar entre o Tietê e o Espéria que era o lugar de chegada. E nós saíamos, às vezes, davam esses temporais e ainda tinha que treinar pra saber o caminho porque eles tinham muito... Hoje, ele tá retificado, mas ele tinha muitos braços de água, tanto que tinha a coroa. Eu não sei se você já ouviu falar de um lado do Tietê que tinha a coroa que era uma espécie de uma ilha que dava uma volta, o braço do rio e a gente ia treinar. Davam esses temporais, tinha que ir lá treinar. Vinha na água, vinham essas plantas marinhas, essas flores...
P/2 - Aguapé?
R - Eu acho que é, sei lá. Eu sei que eram umas folhas. De vez em quando, vinham umas cobrinhas (catando?) coisa. Quando deu um temporal, veio um burro morto no meio (risos). Olha, hoje, eu fico pensando como é que a gente fazia umas coisas dessas. Galinha morta...
P/2 - E continuava?
R - Continuava nadando. Olha, nós saíamos lá da ponte da Vila Maria, a velha. Eles punham uns batelões entre a ponte, né, no rio, punham uns batelões, e de lá que dava saída. Primeiro, iam os atletas, nadadores bons de todos os clubes. E depois, vinha a turma das mulheres, e depois, vinha a turma do deixa disso, viu, saia na frente. E ia nadando até chegar no ____________. Quem nadava, também, que eu conheço era o... Êpa, daqui a pouco, eu me lembro do...
P/2 - E quanto tempo de treino por dia?
R - Ah não, não tinha tempo de treino, não.
P/2 - Não.
R - A gente ia lá...
P/2 - Não tinha treinador, nada?
R - Tinha.
P/2 - Tinha?
R - Tinha treinador. Teve vários treinadores, Carlos Sobrinho. Tinha o (Bode Boy?), (João Bode Boy Júnior?), tinha o Marino. Todos esses eram treinadores lá do tempo, sabe? Saia um, entrava outro.
P/1 - Mas a senhora treinava em que período? Pela manhã?
R - Não, geralmente, era à tarde, né? E de manhã, eu ia à escola. Nesse tempo, eu ainda estava lá no Rodrigues Alves. Depois, eu entrei pro Ciências e Leras. Aí, nesse tempo, eu ia nadar à tarde. Dava duas, três horas, atravessava a Avenida Tiradentes, entrava no clube e ficava até às cinco, seis horas lá.
P/1 - Ficava bastante?
R - Bastante. Nadando, brincando, conversando, né?
P/2 - Então, não tinha um treino assim, começa tal hora, tem que fazer isso...?
R - Não. Só tinha treino de coisa quando foi na piscina que foi inaugurada em 1934. Eu entrei pra competir natação. Aí que nadava. Aí, à tarde, a gente ia treinar.
P/2 - A senhora se lembra do primeiro modelo do maiô? Como é que ele era?
R - (riso) Fechadinho com uma abinha aqui. Aliás, até hoje, na televisão, eu vi uma moça lá da novela com um maiô quase igual, fechadinho. Agora, o meu, não. O meu naquele tempo mal se sabia que tinha maiô. Quando eu queria nadar, minha mãe falava assim: "Mas eu não posso ir comprar maiô com você agora" "Mas eu quero, eu quero, eu quero!". Ela pegou uma camiseta, costurou embaixo (risos). Eu tenho até a fotografia lá em casa.
P/2 – Olha, que interessante! Era uma camiseta costurada?
R - Costurada embaixo e uma calcinha.(risos) É, eu me lembro. E coisas que eu lembro assim... Ah, quem nadava, também, que eu me lembro, era o João Havelange. Agora, eu me lembrei. Ele, também, foi campeão. A Maria Lenk. A turma do Germânia. Hoje, é outro nome. Hoje, tem outro nome porque quando veio a revolução de 30, eu estava na Ponte Grande. Na revolução de 30, foram proibidos os nomes estrangeiros aqui. Tanto que o Espéria era, o nome dele era Floresta. O Atlético continuou, mas lá dos alemães, lá da Germânia era... Eu não lembro o nome como é que era, se continuava ou não.
P/2 - Mas ficou um nome brasileiro então?
R - É. Tiraram os nomes estrangeiros por causa da guerra, da guerra não, da revolução.
P/2 - O que a senhora lembra da revolução?
R - Olha, da revolução... Eu era meninota, estava... Mas eu lembro que o Getúlio mandava aqueles aviões bombardear São Paulo. Então, a gente chamava os vermelhinhos. Ele jogou uma bomba perto lá do Espéria, nos fundos lá. E a gente via eles, né? Eu não seu se foi nessa revolução ou se foi em uma outra que deu... Ah não, isso foi na guerra. A gente pegava uma fila pra comprar pão, não sei se você já ouviu falar nisso?
P/2 - Já.
R - Já. Eu também. Mas da revolução, eu pouco me lembro, né? A gente não ligava, via. Teve uma época que apareceu um zepelim. Ele pegou fogo. Ele passou bem perto da minha casa, enorme! Esse zepelinzinho que passa aí é... E o pessoal fazia tchau pra gente porque ele passou muito baixo. E coisas que eu estou lembrando agora que eu nunca mais lembrei.
P/1 - É assim mesmo!
R - E vocês vão perguntando, qualquer coisa porque...
P/2 - Durante quanto tempo, a senhora nadou?
R - Eu comecei, entrei no clube em 1930, 31, fui até 1944, 45 porque em 46, eu me casei, e ele não deixava eu ir nadar, competir, pra competir. Agora, nadar, eu fui até mais tarde. Agora, faz uns cinco anos que eu não nado, por isso que eu engordei. (risos)
P/1 - E além da natação, o que mais a senhora gostava de fazer?
R - Olha, de esporte, só natação.
P/1 - Só natação? Foi aprendendo todos os tipos de nado, borboleta...?
R - É, nadava muito o livre, né, que é o crawl e de costas. Nadava. Mas, também, competia com gente... Daqui, eu não era uma das melhores, não.
P/1 - A senhora imaginava que ia ser uma grande nadadora?
R - Não, eu não fui grande nadadora. Eles que falam. Eu fui uma nadadora comum. Eu participava de competições, pegava primeiro, às vezes, pegava segundo e, às vezes, não pegava nada, tá entendendo? ____________. Tenho bastantes medalhas lá em casa. Tenho umas 40 ou 50 medalhas lá em casa, da travessia também tinha. Agora, com a travessia era um corre-corre na água porque a gente vinha, vinha outro atrás, né? Teve até uma nadadora que quando ela estava pra chegar na (diquinha?) lá, me deu um pé na... Porque ela nadava de coisa, me deu um... Que ela passou na minha frente. Então, perdeu um dos lugares, acho que era o quarto ou o terceiro. Mas dava pro gasto.
P/1 - E quando a senhora começa a competir?
R - Eu comecei a competir em 1934, com a piscina.
P/2 - E as competições eram tanto na piscina como no rio?
R - Não. Aí, depois que tinha a piscina, não.
P/2 - Não.
R - No rio, teve logo quando eu entrei no clube... Porque o clube Tietê foi muito modificado, e o rio também, né, depois que fizeram a...
P/2 - A marginal?
R - Não. A marginal foi feita depois. Porque o rio passava bem perto do Tietê, do clube, onde tinha os cochos. Mas mais pra frente tinha uma quebrada do rio, e fizeram ali, quando eu entrei, pouco eu me lembro disso, que faziam competição ali. Mas depois... F]izeram a piscina e começaram... Aí, não tinha no clube, né, no rio, era só na piscina. Agora, quem queria nadar no rio, ia, né? E depois, fizeram a ponte, também, das Bandeiras porque quando tinha uma ponte ali, era uma ponte de madeira. Mas é que você não sabe onde fica a ponte grande. Atravessar o rio, sabe? Onde tá a ponte das Bandeiras, ali era uma ponte de madeira. O bonde que ia pra Santana era um bonde pequeno que passava ali. Enquanto um ia, o outro voltava. Um tinha que dar passagem para o outro. Era uma ponte pequena. Depois, fizeram essa ponte das Bandeiras, enorme naquela época. Até falavam: "Pra que uma ponte tão grande?" E hoje, já tá pequena! Aí, modificaram todas as pontes da Vila Maria também. E a travessia? A gente fazia a travessia lá em baixo da ponte. Era um Deus nos acuda! Acho que deve ter fotografia com a minha filha. Era um Deus nos acuda, sai de perto ou você deixa todo mundo passar. Mesma coisa que essa correria de fim de ano, né?
P/2 - São Silvestre?
R - Salve-se quem puder!
P/2 - Eram muitos competidores?
(pausa)
R - Ah, sei lá, era um colosso! Reuniam todos os clubes.
P/1 - Tinham muitos clubes?
R - Tinha. Tinha o Espéria, o Tietê, tinha o Germânia, tinha o outro clube acima da coisa, que eu não me lembro o nome. Tinha bem...
P/2 - Então, era uma multidão?!
R - E vinha gente do Rio também. Tanto que o Havelange era do Rio também. Tinha outros nadadores lá do Rio, vinham, também, competir. Era muita gente! Era uma porção de peixe dentro d'água. (risos)
P/2 - E depois, as competições na piscina já modificaram muito, né? Que tinham as balizas ou não?
R - Como assim?
P/2 - Quando começou a nadar nas piscinas, fazer as competições nas piscinas...
R - Ainda tinha pra nadar no rio, pra competir, mas depois começou a ficar sujo, o rio ficou... Naquela época, eles limpavam os rios com uns batelões de areia que tinha ali perto da Rua Porto Seguro, tinha um lugar lá que tiravam areia do rio, eles colocavam lá, né? E vinham aqueles batelões, eles limpavam o rio. Mas depois, começou essa maravilha que tá e nem dá mais pra cair no rio, né?
P/1 - E a senhora chegou a viajar pra outras competições em outros lugares?
R - Eu só fui a Mococa inaugurar uma piscina lá, mas minha mãe não deixava eu sair, ia meu irmão, mas minha mãe não... Eu só fui inaugurar uma piscina lá em Mococa. Ah, e fui, também, em uma competição no Rio, só que eu não lembro onde foi.
P/1 - O seu irmão, também, nadava?
R - Ah, meu irmão foi campeão, também, de natação. Ele nadava de costas. Ele nadava muito bem. Mas tinham outros que nadavam melhor também, né? Sabe que tem aquela rivalidade, né?
P/1 - E como é que era a escola? E como é que era o colégio Rodrigues Alves?
R - Olha, o Rodrigues Alves, você o conhece?
P/1 - Conheço.
R - Em frente ao Santa Catarina, né? Ao hospital. Era uma beleza! Um colégio bom. Chegava-se, quando era pra entrar pra aula, fazia-se a fila ali, cantava-se o hino nacional e depois, entrava.
P/2 - Todo dia?
R - Todo dia. A gente ia cantar o hino nacional. Nesse tempo, eu morava na Rua Eugênio de Lima. Depois, quando eu me mudei, no último ano, eu fui pra Ponte Grande e eu não quis trocar de colégio. Aí, tomava o bonde Vila Mariana que ia pra Vila Mariana até a Ponte Grande. Ia de bonde. Descia no Paraíso que, hoje, tá modificado e ia a pé até a escola. Lembro uma vez que eu chorei na porta da escola porque o bonde, você sabe, é a mesma coisa que o ônibus, atrasa, né? Às vezes, atrasa, dá problema e eu cheguei atrasada, um pouco, lá no colégio e a inspetora não me deixou entrar porque tinha horário certo. Mas eu falei: "Foi o bonde, eu moro lá..." "A senhora não pode entrar mais". E eu fiquei ali na porta chorando. E a minha professora, Maria Lucia Helena, era um amor de mulher, ela me viu pela janela e foi falar com a inspetora, né? Ela discutiu com ela e eu acabei entrando. Uma fase que eu lembro sempre com...
P/2 - Que idade a senhora tinha?
R - Olha, eu devia ter uns 13 anos, por aí. Doze, 13 anos.
P/2 - E a escola deixou na rua sem querer saber.
R - Ah, deixou. "Não pode entrar. Volta pra casa". Naquela época, ainda não tinha o perigo de hoje. Fiquei lá chorando na porta com medo de voltar pra casa. Minha mãe era muito severa, né, boa, mas severa. É uma fase... Mas muito boa.
P/1 - A senhora tinha amigos na escola?
R - Tinha muitos amigos. Agora, sabe? Há quantos anos atrás? Não lembro. E do colégio, aí das Ciências também. Tinha o Humberto Pucca que era o diretor, muito amigo do Ademar de Barros. Toda hora a gente ia com a ____________ lá na, onde ele morava, ali na... A cabeça anda ruim, viu?! (risos) Ia com a_____________ lá, conversar com o Pucca lá...
P/2 - E tinha alguns amigos da escola que nadavam também?
R - Não, da escola não.
P/2 - Então, tinha um grupo de amigos na escola e outro no clube?
R - É. A gente tinha, né, no grupo do ginásio lá que eu me lembre, tinha o pai do Fittipaldi, foi colega ele e a esposa dele, casou, não sei se continuam. Bom, não sei também. Ele deve estar com seus 80 e umas pedradas. Mas ele começou a fazer teatro lá na escola, se meteu com esse negócio de rádio e depois, vieram os filhos dele, o Emerson Fittipaldi.
P/2 - Eram colegas da senhora de colégio?
R - No ginásio das Ciências e Letras. Mas um ano a mais do que o meu. Era só de ginásio, né, colega não de classe.
P/2 - A senhora fez a escola no Rodrigues Alves e, depois, passou pro Ciências?
R - É. Depois, que eu sai ___________ no grupo, aí, entrei no programa Ciências e Letras.
P/2 - Onde?
R - Fica na rua que sai da estação da Luz. Eu não lembro o nome da rua.
P/2 - A senhora fez o ginásio lá então?
R - Fiz o ginásio até o quinto ano.
P/2 - E depois?
R - Depois, parei. Não quis estudar. Não quis não, eu quis estudar, entrar para odontologia, mas meu pai não deixou. "Vai estudar Letras". Eu falei: "Letras, eu não quero". Eu fui trabalhar e casei.
P/2 - E os namorados, como é que foram? Teve outros namorados antes da senhora casar?
R - Olha, namorado mesmo, eu não tive porque naquele tempo não se namorava assim não, viu? O negócio era... Namorar mesmo... Eu tinha uns flertes, né? Depois, entrei pro serviço, fui trabalhar junto com ele, entrei na mesma seção dele e acabamos casando.
P/2 - Que emprego que era?
R - Era contabilidade mecânica. Diferente de vocês, hoje, que tem esse... Que era um... Eu nunca mais vi isso daí. Batia-se o holerite, né? Explicar, eu não sei explicar! Mas era uma contabilidade que passava todos os cartões na maquininha, a gente batia, pulava, batia, pulava, batia. E tinha que dar produção e...
P/2 - Daí, a senhora conheceu o seu Oswaldo lá?
R - É, quando eu entrei, ele já disse que eu era dele. Isso que ele fala. Melhor eu contar a história pra você, né? (risos) Entrei lá, sabe quando entram, os rapazes ficam todos querendo saber quem é a nova ou o novo empregado, né, colega. E conheci-o lá, pouco a pouco, fomos namorando até casar em 46. Estamos com 56 anos de casados.
P/1 - Então, a senhora já tinha parado de nadar nessa época?
R - Não. Eu parei depois que eu casei, né?
P/1 - Depois?
R - É, de competir. Nadar, eu ia. Aí, ele disse que não que no domingo era dia de passear, que era não sei o que... Então, aí deixei, mas frequentava o clube, nadava... Aí, nasceram as minhas filhas. Eu tive um menino que faleceu ao nascer. E depois, elas vieram, as duas, são gêmeas, né? E ficou nisso.
P/1 - E como eram esses passeios? Como era a vida cultural, a diversão?
R - Olha passeio mesmo, dependendo das pessoas, né? Porque naquele tempo não se tinha carro, passeio era de bonde. Era cinema, passear num jardim, ia muito à Avenida Paulista. Na época de carnaval na Avenida Paulista.
P/1- Era bom?
R - Ah, ali tinha um corso que ia da Praça Oswaldo Cruz, Oswaldo Cruz, né?
P/2 - Hu-hum.
R- Até o fim da coisa... aí, fazia, até o corso. Então, era aqueles carros de ____________, né, abertos. Era muito gostoso, o carnaval. Era uma fartura, tinha sacos e sacos de confete, de serpentina que eles jogavam e a gente pegava pra na quarta-feira, fazer brincadeiras nas árvores. Era aquele corso, um jogar lança perfume no outro. Naquela época, podia se usar porque eu usei muito lança perfume. Minha mãe comprava colombina e o metálico amarelo era... Ah, eu não lembro. Ah, era uma beleza, o carnaval daquela época, viu? Tinha a Avenida Paulista, aquelas árvores enormes de painas, de... Agora, só estão os prédios.
P/2 - Como era a brincadeira de quarta-feira que a senhora falou?
R - A gente pegava muito rolo de serpentina. A gente arranjava umas varas pra trazer as serpentinas, né? Era um colosso! E quando chegava à quarta-feira, então, a gente ia brincar, jogar nas árvores, fazer casinha de serpentina porque onde eu morava, tinha um quintal muito grande com muitas árvores frutíferas. E a gente ia brincar, a molecada lá, criançada, todos a jogar. E era proibido, né? Naquela época, meia noite acabava o carnaval.
P/2 - Ah, é?
R - É. Naquela época, a gente subia, era na Avenida Paulista, começava umas oito horas, mais ou menos, o vai e vem do pessoal e o corso. Na esquina da Avenida Paulista com a Eugênio de Lima tinha um banco. Então, o pessoal todo ia lá, mandava a criançada sentar pra pegar o lugar pra sentar, né? Aí, nós íamos e levávamos umas varas pra catarmos serpentina que aquilo era coisa de gente rica, nós éramos pobres, né? Essa brincadeira levava lá pra casa e jogava lá no quintal, brincava de... Tinha muitas árvores lá, brincava lá. Eu lembro que um dia no carnaval, minha mãe se queimou e aí, cada um levava um lanche porque a vizinhança toda ia e minha mãe estava fritando pastel, a coisa entornou em cima dela, uma frigideira quente. Ela ficou nervosa, pegou babosa, eu tenho babosa em casa, cortou babosa e pôs em cima. Quando chegaram oito horas, ela estava com o braço bom pra... Com a babosa. E o carnaval era uma beleza, mas meia noite terminava. Meia noite era uma coisa horrível sair na rua. Meia noite, naquela época, né, ninguém... Oito horas, já estava dormindo. Jantava-se às seis horas, oito horas, cama.
P/2 - Só no carnaval fazia extravagância?
R - É, no carnaval, ficava até mais tarde, né?
P/2 - A senhora se lembra de alguma festividade do quarto centenário de São Paulo?
R – Eu tenho até um quadradinho lá do centenário lá em São Paulo.
P/2 – Daquela chuva de prata?
R – Aquela chuva. Foi muito bonito, viu? Nós fomos ali perto do... Foi na cidade, se eu não me engano, foi na cidade, ali no Teatro Municipal, se eu não estiver enganada. Eles jogaram aquelas chuvas de prata. Foi muito bonito, muita gente também.
P/2 – O que é que tinha de festividade? Tinha peças de teatro, tinha banda, o que é que tinha?
R – Olha, isso eu nunca tomei conhecimento de... Eu não posso falar. Eu sei que tinha o teatro ali na Rua Boa Vista, tinha o teatro das vedetes porque, depois, terminaram. Ali na Rua Direita também. A cidade era vazia naquela época, né? Depois, foi crescendo. Eu sei que tinha guarda ali na Rua Direita, ficavam lá, mandavam um pra cá, pra lá, vai pra lá, não podia se misturar. E eles muito educados. “Faça o favor”. Batiam no ombro: “Faça o favor de passar pro lado de lá”. Uma educação! Aí, depois, começou a vir muita gente e eles mudaram da Rua Direita pra Barão de Itapetininga, a passeata. Porque a gente ia passear na cidade. Aí, passou pra Barão de Itapetininga que, hoje, tá toda sem trânsito. E, depois, de lá, também, começou a aglomerar gente mal... Aí, passou pra... Pra onde que foi? Eu nem lembro mais pra onde que foi porque eu não... Você vai perguntando porque...
P/1 – Tinha também os bailes do clube, não tinha?
R – Tinha. Baile tinha. O que eu sei tinha no Clube Tietê que dançava numa quadra que foi demolida para fazer a piscina. Mas dançava, chegava o sábado e o domingo, ficavam todos lá em volta para dançar. Eu nunca dancei porque eu não sei dançar.
P/2 – Só sabe nadar!
R – E não deixavam. Meu irmão era muito rigoroso: “Mamãe, não deixa ela dançar! Mamãe, não deixa ela coisa, não deixa...” Eu comecei me pintar - hoje, eu não gosto mais de pintura - com 18 anos pra passar um batonzinho porque só quando fizesse 18 anos.
P/2 - Seu irmão era quantos anos mais velho?
R – Dois anos e meio.
P/1 – Ele acompanhava você aos bailes? Ele ia junto com você aos bailes?
R – Bom, ele ia ao clube, né? No clube, era tudo amigo, tudo conhecido, não tinha problema nenhum, mas era gostoso. Festas de São João também. Lá, era muito bonito, fazíamos fogueiras enormes. Brincadeira que hoje não tem mais, né? A não ser em sítios.
P/2 – A senhora casou e foi morar onde?
R – Olha, quando eu casei, eu fui morar na casa do meu... Porque eu casei, teve a guerra, quando a guerra acabou em 45, eu casei em 46, e São Paulo estava terrível o negócio de
moradia. Não tinha moradia, não tinha uma sala, não tinha nada! Aí, eu fui morar com meu compadre que tá vivo até hoje. Eu fui morar lá no Tatuapé. E depois, eu sai, voltei pra casa lá dos meus pais porque não se achava casa, estava procurando casa pra comprar, não achava. Até que nós achamos onde estamos até hoje, há 53 anos.
P/2 – Onde é?
R - Em Santana, no Jardim São Paulo. Estamos lá até hoje. Hoje, eu estou fora porque estão reformando a casa e eu estou num vizinho, morando numa casa vizinha.
P/2 – Aí, a senhora teve filhos...
R - Aí, eu tive sete anos depois porque primeiro, precisava comprar a casa. Eu falei assim: “Vamos comprar a casa, e depois, a gente cuida da família”. Aí, sete anos depois, eu tive um menino, mas ele morreu. Nasceu no dia 28 de abril, e no dia primeiro de maio, ele morreu porque foi tirado por fórceps. Eu esperei mais um pouco e engravidei das meninas, da Tereza, e da Isabel. E depois, não tive mais.
P/1 – São gêmeas?
R – É, são gêmeas.
P/2 – Mas a senhora sabia que eram gêmeas na gravidez?
R – Não.
P/2 – Não? Foi uma surpresa então?
R - Eu não sabia porque o menino faleceu, eu fiquei muito ruim porque o médico não sabia se ia eu ou se ia a criança.
(pausa)
R – Mas eu não sabia até a hora de nascer a Isabel porque eles ficaram com medo deu ficar nervosa, pois aconteceu, o que aconteceu com o outro, e ninguém me disse nada. Quando chegou a hora deu ter a criança, que nós fomos pra lá, eu não sabia. Uma parteirinha japonesa, não lembro o nome dela, foi quem atendeu, mas por dois minutos quase que foi minha mãe que pegou a criança porque foi parto normal, pegou a Tereza. Aí, fiquei lá. Daqui a pouco, começou a me dar as cólicas outra vez e eu falei. Falaram assim: “Não é nada, não. Quem sabe não tem outro aí, uma irmã?” Eu pego e falo assim: “Não, não tem nada”. Daqui a pouco, eu vejo a parteira falar: “Ih, essa vem de pé!” Era a Isabel que vinha. Mas muito delicada. Ela foi ___________. Até que saiu o ombro, e nasceu. Aí, que eu fiquei sabendo que tinha outra filha. (risos) Foi uma surpresa muito grande, viu?!
P/2 – Alegria em dobro, né?
R - Graças a Deus que são umas filhas que valem ouro.
P/1 – Foi em qual hospital?
R – Foi na Avenida Paulista. Santa... Acho que Santa Filomena, alguma coisa assim. Foi na Avenida Paulista que eu tive as meninas, e, justamente, foi na época que Getúlio morreu, né? Matou-se, foi em 1954. Estava aquele reboliço, aquela coisa do Getúlio ter se matado. Minha mãe quase apanhou de uma senhora lá porque ela estava: “O que é que houve, o que é que não houve?” “É, o Getúlio não sei o que...” Ela falou assim: “Ah, mas coitado dele!” “Que coitado nada!” A mulher falou: “A senhora fica quieta!” (risos) Ela era getulista, sei lá ou não era getulista. Minha mãe gostava do Getúlio, e eu gostava dele também. Apesar das... Dizem que ele não foi um bom ditador nem nada, né?
P/1 – Eu queria retomar um pouquinho só, quando a senhora chega à Telefônica. Como é que foi o encontro com o seu marido?
R – Ah, não foi encontro, assim, porque a gente entra lá, e, na sala que eu fui trabalhar, tinha mais de 30 moças batendo máquina, né? Era um barulho terrível, batendo a tecla das máquinas. Eles ficavam porque tinha uma separação de armários, entra uma, entra outra , eles ficavam tudo... Mas não lembro dele, não, viu? Olha, pra falar a verdade, eu não sei nem como começou o namoro!
P/1 – E como é que era o trabalho?
R – Então, o trabalho era bater holerite, serviço de interurbano que faziam nos cartões e passava na máquina. A gente batia na máquina, pulava, batia em outra. Eram uns maços de 400 holerites. Depois, passava pra conferidora. Era serviço que saia conta de luz, conta de telefone, né? Hoje, eu não vejo mais essa máquina, e nem se ouve mais falar disso. Era diferente a... Vocês, hoje, batem essa coisinha gostosa, aí, na... (risos). Olha, que eu lembro quando eu comecei a namorar com ele, pra falar a verdade, estava num flerte com ele, tal. Telefonava, fazia telefone de... Pra ele saber quem era, quem não era, né?
Ele é quem sabe contar direito essa história! (risos) Aí, ficamos namorando, casamos...
P/2 – E a época das filhas pequenas, como eram os passeios...?
R – Os passeios, quando elas estavam com uns três anos, ele comprou um carro, foi aprender a guiar. Aí, a gente saia, ia ao Ibirapuera, ia ao clube, ia comer fora, pegava uma estrada naquela época porque, agora, eu não deixo ele mais pegar estrada, né? Ele tá com 88 anos! Ele briga comigo, mas... E a gente passeava, ia ao clube, ia a casa, levava ao Metro, Cine Metro pra ver desenho, naquela época, e os passeios de parque.
P/2 – Sempre, a senhora morou perto lá de Santana?
R – Ah, sempre lá.
Depois que elas nasceram, em 1950, eu fui pra lá. Elas nasceram em 54, e estou até hoje lá.
P/1 – Até que época, a senhora fica trabalhando na Telefônica?
R – Eu trabalhei de 42 até 1954, quando eu engravidei delas e sai do serviço.
P/1 – E o seu marido trabalhava?
R – Meu marido, ele era...
P/1 – Também da Telefônica?
R – Da Telefônica, ele era... Bom, ele mandava no setor dele.
P/2 – A senhora falou que depois que parou as competições, continuou a nadar, né? E a senhora parou a pouco tempo de nadar?
R – Não, já faz tempo! Em 54, elas nasceram... De competir, sim.
P/2 – Não, não. De nadar, mesmo.
R – Ah, de nadar, faz uns cinco anos.
P/2 – Por que a senhora parou?
R – Olha, acho que foi preguiça, viu? (risos) Sai fora, sai perto, às vezes, ele não podia levar, e pra tomar condução, eu não... Parei de nadar.
P/2 – E as meninas, nadaram também?
R – Elas, também, foram sócias do clube, são sócias, mas quando eram pequenininhas, levava, né, brincavam, as netas também. Mas, depois, a gente foi largando, aos poucos. Agora, faz tempo que eu não, faz uns cinco anos que eu não frequento o clube.
P/1 – Mas até essa última época, era lá, mesmo, no clube que você continuava praticando?
R – Ah, sim. Lá, no clube, tem três piscinas muito boas. Tem a que foi inaugurada em 34, a oficial. Depois, tinha a outra. Depois, tinha a recreação, pra brincadeiras de criançada. Mas faz uns cinco anos que eu não...
P/2 – E, agora, depois da senhora ter parado com a natação, qual é a sua atividade hoje?
R – Ficar em casa. (risos)
P/2 – A senhora tem netos?
R – Ah, tenho duas netas de 17 anos, fizeram agora, que são da Isabel. Tereza não tem filho. Domingo, vão em casa. A gente sai, vai almoçar. Às vezes, tem passeio. Nós temos uma casa lá em Peruíbe, vai pra lá nas férias. São as duas, já estão moças, né? Mas são muito boazinhas, muito educadas.
P/2 – São gêmeas também?
R – Gêmeas.
P/2 – Ah, é. As netas, também, são gêmeas?
R – E a Tereza, acho que não teve filho com medo de ter... (risos)
P/1 – De toda essa trajetória, a senhora se lembra de algum período de maior dificuldade, do contexto de nossa sociedade, algum momento que estava mais difícil?
R – Bom, eu não entendi a sua pergunta.
P/1 – De todos esses anos que a senhora viveu, teve algum período que a sua família atravessou uma grande dificuldade?
R – Não, Graças a Deus, a gente foi vivendo como pôde, né? A única dificuldade foi na época da guerra. A gente não tinha alimentação direito. Não tinha pão porque não tinha farinha. Então, uma época, eles começaram a dar o pão da guerra. A gente entrava nas filas pra comer pão, pegar na padaria, aquelas filas enormes! Às três horas da manhã, já começavam a fazer as filas pra poder tirar o pão das seis horas, né? E, depois, ir trabalhar. Então, toda a mulherada ia porque os homens não iam, um ou outro. E açúcar também, quando faltou açúcar. Precisava andar atrás do lugar onde tinha distribuição. Essas foram as dificuldades da guerra. Casas também, pois não tinha. Foi quando eu me casei, em 46, não tinha casa pra alugar, nem pra vender, nem nada. Agora, dificuldade? Dizer que eu passei dificuldade? Não. A gente vivia como podia, né? Não éramos ricos, não éramos miseráveis também. Éramos classe média.
P/2 – E a senhora teria alguma coisa que queria contar mais da sua vida?
R – Acho que eu já falei tudo, né?
P/1 – E algum período de muita alegria? Algum momento que foi muito bom?
R – Olha, momentos bons... Teve um momento que eu nunca pensei que ia acontecer, viu? Foi lá no clube, foi num aniversário lá no clube, fizeram uma festa tremenda lá, né? Então, teve muito brinde. Tinha presente, coisas finas de... E tinha uma boneca, dama antiga vestida com o clube do Tietê, vermelho e preto. Bom, entrei lá, e quando entrava no clube, eles davam um bilhete pra cada sorteio. Eu peguei o meu, mas depois, na hora do sorteio, até quem fez o sorteio, não sei se vocês já ouviram falar do (Anhatotico?). Era um comediante do rádio. Procura saber sobre o (Anhatotico?). E fizera, a meia noite, fizeram o sorteio. Aí, foram todos os prêmios lá. Eu estava querendo um álbum grande, bonito. Ah, era o segundo prêmio. Falei assim: “Ah, eu não ganhei, vou embora”. Quando eu estou indo embora, eles disseram o meu número lá. Ah, eu não acreditava, né? Era uma boneca enorme, dama antiga, essas coisas. Acho que, hoje, nem existe mais as damas antigas, cabelo de... Aqueles cabelos brancos cacheados, aquelas perucas. Isso foi um dia de alegria pra mim. Depois, teve um outro sorteio, eu, também, ganhei, e meu irmão ganhou também.
Aí, não deixaram mais a gente pegar (risos). Porque a gente estava levando tudo (risos). Nunca teve tristeza de vida, graças a Deus. Um marido muito bom, filhas muito boas. Tem mais alguma coisa? (risos)
P/1 – Teve algum sonho que a senhora realizou? Alguma coisa que a senhora queria muito e que pôde realizar?
R – Olha, eu não fui muito de desejar as coisas, viu? Porque, acho que, dizem que o meu signo é, as coisas vêm bem tarde, né? De capricórnio, né? Eu queria uma casa, tive a casa. Quis filhos, tive filhos. Marido bom? Tive marido bom. Pais bons? Também. “Mó” de que... A gente pede uma coisa e deixa o barco correr. Não quebra a cabeça.
P/1 – O que é que a senhora achou de contar a sua história?
R – De contar a história? Ah, eu não sei o que é que vocês cão botar aí depois, viu? (risos)
P/2 – Só vamos pôr o que a senhora contou.
R – Tudo isso?
P/2 – Ah, depois, a gente vai dar uma editada. A senhora vai ver.
R – Ah, vocês vão...? É assim?
P/2 – Não, a gente a transcreve inteira, inteirinha. Depois, a gente faz uma edição, né? A gente trata um pouquinho dela, mas não modifica nada.
R – Ah, sei. É, a minha vida foi assim sempre. Nunca fui querendo isso, querendo aquilo. Acho que é por isso que eu estou vivendo até agora, sossegada. E, não tenho desejo de nada, viu? Se vier alguma coisa, muito bem. Se não vier, também não...
P/1 – E tem mais alguma coisa que a senhora gostaria de contar pra gente, alguma mensagem que a senhora gostaria de deixar?
R – Nada de mensagem. O que é que posso falar?
P/1 – Quais os valores que sempre acompanharam a senhora? Que a senhora sempre manteve firme?
R – Eu acho que o pensamento da gente. Não desejar as coisas que não pode ter. Deixar o barco correr.
P/2 – Então, a gente agradece a sua colaboração...
R – Se eu soubesse de mais alguma coisa, se eu lembrasse. É que a cabeça não...
P/2 – Ah, mas a senhora já registrou bastante coisa.
P/1 – A gente agradece a sua presença, muito importante esse depoimento.
R – Obrigada.
P/1 – Muito obrigado. O Museu da Pessoa agradece muito a sua contribuição.
R – Nada. Eu não me lembro de mais nada assim. A não ser se vocês vão fazendo perguntas e a gente vai lembrando, né?
P/2 – Mas tá bom. A gente agradece então.Recolher