IDENTIFICAÇÃO Meu nome é Luis Antônio Machado Sobrinho. Nasci em 1944, no Rio de Janeiro. FORMAÇÃO PROFISSIONAL Minha formação é Engenharia Metalúrgica, mas nunca apliquei engenharia em si. Desde que entrei na Petrobras, fiquei mais na área de Planejamento. INGRESSO NA PETROBRAS A Petrobras fazia concursos anuais e, no final do meu curso, eu prestei exame. Existiam basicamente três carreiras dentro da Companhia e uma delas chamavam de Equipamentos. Fiz o concurso, passei e entrei em 1968. Já estou a 40 anos, trabalhando e vivendo momentos diferentes da Companhia. A Petrobras é um ser vivo, com o passar do tempo vai se modificando, as pessoas vão saindo, gerações vão saindo e outras vão entrando. O trabalho em que estive nesses 40 anos é muito rico. Quando entrei para a Petrobras, se fazia um curso. Achei que eu tinha tirado a mega-sena, porque eu morava no Posto Seis, em Copacabana, e o curso da Petrobras era no Posto Cinco, em cima de uma academia de ginástica. Eu ia a pé de manhã cedo e almoçava em casa. Creio que no começo do curso ele não estava [ainda] bem organizado, então a parte na tarde – isso era no verão, imagina, fevereiro de 1968 –, não tinha atividade. Estudava-se, fazendo essa pós-graduação, ganhando um salário de engenheiro e a tarde era livre. Éramos 45 colegas, engenheiros novos, a gente ia para a praia, jogava futebol... Depois de um mês, acabou essa moleza e foi uma dureza até o final do ano. As pessoas se dirigiram para a área que queriam. Eu fui parar na Bahia, em Salvador, “um sacrifício tremendo” (risos). TRAJETÓRIA PROFISSIONAL Fiquei dois anos em um terminal próximo à refinaria, depois vim para a sede, tudo na área de Transporte. Segui a carreira nessa área, onde fiquei uns 20 anos. Depois me convidaram e eu fui assistente do diretor comercial durante uns quatro anos, depois fiquei mais quatro anos como gerente comercial. Eu...
Continuar leituraIDENTIFICAÇÃO Meu nome é Luis Antônio Machado Sobrinho. Nasci em 1944, no Rio de Janeiro. FORMAÇÃO PROFISSIONAL Minha formação é Engenharia Metalúrgica, mas nunca apliquei engenharia em si. Desde que entrei na Petrobras, fiquei mais na área de Planejamento. INGRESSO NA PETROBRAS A Petrobras fazia concursos anuais e, no final do meu curso, eu prestei exame. Existiam basicamente três carreiras dentro da Companhia e uma delas chamavam de Equipamentos. Fiz o concurso, passei e entrei em 1968. Já estou a 40 anos, trabalhando e vivendo momentos diferentes da Companhia. A Petrobras é um ser vivo, com o passar do tempo vai se modificando, as pessoas vão saindo, gerações vão saindo e outras vão entrando. O trabalho em que estive nesses 40 anos é muito rico. Quando entrei para a Petrobras, se fazia um curso. Achei que eu tinha tirado a mega-sena, porque eu morava no Posto Seis, em Copacabana, e o curso da Petrobras era no Posto Cinco, em cima de uma academia de ginástica. Eu ia a pé de manhã cedo e almoçava em casa. Creio que no começo do curso ele não estava [ainda] bem organizado, então a parte na tarde – isso era no verão, imagina, fevereiro de 1968 –, não tinha atividade. Estudava-se, fazendo essa pós-graduação, ganhando um salário de engenheiro e a tarde era livre. Éramos 45 colegas, engenheiros novos, a gente ia para a praia, jogava futebol... Depois de um mês, acabou essa moleza e foi uma dureza até o final do ano. As pessoas se dirigiram para a área que queriam. Eu fui parar na Bahia, em Salvador, “um sacrifício tremendo” (risos). TRAJETÓRIA PROFISSIONAL Fiquei dois anos em um terminal próximo à refinaria, depois vim para a sede, tudo na área de Transporte. Segui a carreira nessa área, onde fiquei uns 20 anos. Depois me convidaram e eu fui assistente do diretor comercial durante uns quatro anos, depois fiquei mais quatro anos como gerente comercial. Eu acho que essa é a atividade que pode contribuir com a história [da comercialização]. Depois fiquei mais uns quatro anos no marketing da área Comercial e voltei à assistente de diretor comercial. Agora estou na área de Relacionamento Externo. REFINO / TRANSPORTE / COMÉRCIO A Petrobras sempre operou integrada. Existia o Departamento Comercial – acredito que muitos colegas trabalharam somente na área comercial –, havia a área de Refino e a área de Transporte, que transportava o petróleo e derivados. Era aquela triangulo de atividades. Como eu trabalhava na área de Planejamento, tinha muito contato com essa área Comercial. Qualquer refinaria nova a gente unia, qualquer transporte novo que eles queriam fazer a gente se envolvia. Embora eu não estivesse na área Comercial, sempre acompanhei as suas atividades. MISSÃO / ABASTECER O PAÍS Quando entrei na Companhia já existia um modelo computadorizado que otimizava as operações. Aquele modelo dizia que a refinaria ia produzir [determinado] derivado; já vinha uma certa “receita de bolo” dessas movimentações. O interessante na área comercial é que os preços eram tabelados pelo Governo. A Petrobras não tinha uma ingerência sobre os preços, então a área Comercial tinha um lema, não sei se já foi abordado aqui, uma missão: abastecer o País aos menores custos. A receita, o lucro, não era um objeto direto. Já que não tínhamos uma influência sobre a receita, tentávamos operar com o menor custo possível para assim fazer o lucro da Companhia. Por esse lema nos víamos obrigados a abastecer qualquer lugar do País. Não podia faltar produto. Essa era a grande missão da Petrobras naquele momento do monopólio. Este programa de computação envolvia milhares de informações. O transporte e o refino tinham que dar informações para esse modelo. Não existia o que hoje se chama de logística, que estava meio espalhada nessas três áreas [refino, transporte e comercialização]. Hoje, a Logística é transporte e aquele modelo está na logística, não está mais na área Comercial. A programação também está nessa área junto ao Transporte. Então, unia-se aqueles dados todos e o modelo [informava, por exemplo]: “A melhor situação de menor custo é essa. Você tem que levar esse derivado para Belém, para Boa Vista, Roraima, Rio Branco no Acre”. Em linhas gerais, o modelo dava todas as orientações de logísticas. “Tem que comprar petróleo na Arábia Saudita.” Ele era o grande cérebro. Existia o cérebro das pessoas que alimentavam aquele dragão, que dava as orientações e corríamos atrás para viabilizar. A gente procurava transportar aos menores custos, a refinaria procurava refinar aos menores custos, o comercial procurava comprar nos lugares mais baratos. Todo mundo colaborava em torno dessa missão. [Nós sabíamos quais eram os trajetos], tínhamos que saber, porque tínhamos que transportar. A área Comercial [dizia]: “Temos que importar tantos mil barris da Arábia Saudita”. A Petrobras tinha uma frota de navios muito grande. “Leva aí o Vidal Negreiros”, que era um navio de grande porte que pegava o petróleo e trazia para o Brasil. Colaborava-se nesse aspecto. Quando não tinha navio, tínhamos que ir ao mercado afretá-lo. Estávamos imbuídos desse espírito de abastecer a sociedade brasileira aos menores custos. A Petrobras, no início, tinha uma visão muito militar. Mesmo que fosse oneroso para a Companhia, como estava dentro da missão, tinha que se cumprir. Ás vezes perdia-se dinheiro mandando um produto para o Acre, por exemplo, mas se estava na missão abastecer o País, tínhamos que fazer. Não importava a missão, tínhamos que cumprir. Esse era o lado militar, mesmo porque muitos presidentes eram generais. Mas isso foi se perdendo com o tempo. Lógico que a Companhia foi se modificando, bem como o país. Hoje não tem mais general na diretoria da Petrobras, mas foi esse o início que eu vivi. TRAJETÓRIA PROFISSIONAL Quando voltei da Bahia não havia o Edifício Sede, se não me engano, ele foi construído em 1972, 1974. Eu voltei [para o Rio de Janeiro] em 1971. A Petrobras era toda espalhada, como está agora. O Departamento de Transporte era na Rua da Conceição, o Departamento Comercial era perto da [Igreja da] Candelária, e assim era a Companhia, ainda pequena e com várias áreas. Depois todo mundo se juntou no Edifício Sede. Enquanto se está trabalhando assim, fica-se um pouco isolado. O Edifício Sede trouxe essa união entre as equipes. Fiquei 20 anos [na área de Transporte] e continuei trabalhando em Transporte. DERIVADOS / DISTRIBUIDORAS [Dentre os derivados], o carro chefe era gasolina. Depois, com o processo de industrialização crescente, o diesel foi tomando a primazia dos volumes. Hoje, o diesel é duas vezes e meia o volume da gasolina. Não tenho as estatísticas da época, mas provavelmente a gasolina era o carro chefe. A indústria automobilística estava nascendo, fusquinhas para tudo quanto é lado. Eu acho que a gasolina era o grande produto da Companhia. Como era monopólio, existia o Conselho Nacional de Petróleo, que organizava os segmentos, então praticamente só havia a Petrobras no refino e quem atendia o mercado eram as distribuidoras Esso, Shell, Texaco e Ipiranga. O Sylvio Massa conversou comigo [e disse]: “Um grande momento foi a criação da BR [Petrobras Distribuidora]”. Não vivi muito essa época, mas a Petrobras tinha uma espécie de distribuição embutida dentro dela e esse filho nasceu e virou a BR. Sempre foram as distribuidoras que abasteceram, ou seja, os clientes eram as distribuidoras, não era o mercado consumidor. A indústria, o posto, todos compravam da distribuidora. A Petrobras sempre usa a distribuição, mesmo porque normalmente esses mercados são abastecidos com um caminhão-tanque, que descarrega o produto. Dentro da refinaria da Petrobras não tem aqueles bicos de carregamento para gasolina e diesel, quem tem isso são as distribuidoras. Tem que se transportar para elas, que carregam os caminhões para abastecer a Marinha, a indústria, o posto. Esse é o trabalho da distribuidora. ABERTURA DE MERCADO A indústria continua funcionando com o mesmo desenho de 40, 60 anos atrás. Quem chegou aqui primeiro foram as distribuidoras, que eram as importadores também. Depois a Petrobras ficou com o monopólio da produção e da importação, mas eles continuaram como atores que atendiam o mercado. Um pouco antes da abertura [do mercado] isso era motivo de preocupação, porque quem era a dona do mercado não era a Petrobras, embora ela produzisse tudo, quem era dona do mercado era a distribuidora. Como se fosse um supermercado, onde há os produtores e você que vai comprar, [mas] o que ele vai colocar na gôndola para você comprar é arbítrio dele. A Petrobras tinha um certo receio, embora a BR já estivesse [em funcionamento], era minoritária, então chegou a se ter uma preocupação. Quando veio a abertura, [o receio era]: “Será que a Shell vai continuar comprando derivados da Petrobras para abastecer os seus clientes ou ela vai importar?”. Todos esses distribuidores são grandes produtores mundiais de derivados, então existia esse receio: “A Shell não vai comprar mais da Petrobras, vai importar.” A Petrobras não tinha contato com o mercado, isso era uma fragilidade da companhia e foi motivo de preocupação até a abertura. O mercado abriu, acho que em 2001, e para nossa surpresa, nada aconteceu. Eles continuaram comprando. TRAJETÓRIA PROFISSIONAL Minha atividade, na área de transporte, era planejar dutos, terminais, ou seja, atividades de apoio à comercialização. E ali desenvolvia o conhecimento. A experiência comercial mesmo foi em 1992, não, em 1996. Fiquei esses quatro anos, entre 1992 a 1996, como assistente do diretor comercial, mas [nesta circunstância] não se vivencia muito as operações. Em 1996, o diretor falou: “Sobrinho, quero que você vá para uma área Comercial”. Era uma novidade pra mim. ABERTURA DE MERCADO / CLIENTE Foi curioso porque eu cheguei à área Comercial e, depois de um mês, houve aquelas novidades. No segundo mês, estávamos programando as entregas para as distribuidoras, mas eu não conhecia nenhuma representante da distribuição. Então, eu disse: “Ué, cadê meus colegas que compram o produto da Petrobras?”. Eles não apareciam na sala, eu era, digamos assim, o gerente de vendas de produtos, mas não chegava o gerente de compra. [Eu pensava]: “Mas cadê essa turma?”. [Disseram-me]: “Essa turma não vem conversar com a gente”. Chamavam a distribuição de cotas – era uma cota de gasolina para a Shell, uma para a Esso – e quem estabelecia isso era o Conselho Nacional de Petróleo. Esses gerentes de compra das distribuidoras tinham que batalhar a vida deles no Conselho, que depois foi sucedido pelo Departamento Nacional de Combustíveis. Eu falava: “Meu Deus, cadê ‘os caras’?”. Não apareceram. Isso foi mais ou menos quatro anos antes da abertura do mercado. Falei com um colega: “Nós temos que nos aproximar dessas pessoas, porque se o mercado vai abrir e eu não conheço quem está comprando, como eu vou conversar com eles? Temos que arrumar uma forma de aproximar essas pessoas da Petrobras e afastá-los desses agentes reguladores”. Tive a idéia dos contratos: “Vamos propor contratos”. Disseram: “Você está maluco, Sobrinho? Contrato com monopólio? Não existe isso Monopólio: eles só podem comprar de você, não adianta nada ter contrato com preço tabelado pelo governo”. [Então decidimos]: “Vamos fazer uns contratos de tal forma que o preço não seja uma cláusula, pois o preço será aquele que o governo estabelecer. Mas vamos colocar no contrato todos aqueles relacionamentos que qualquer contrato tem, e deixamos o preço para discutir no dia em que o mercado abrir.” Com isso, começaríamos a chamar esses gerentes de compra. Então, uns dois anos antes [da abertura do mercado], os contratos começaram a ser assinados. Os clientes compreenderam; também estavam interessados. Não sei se eles achavam que iam poder importar tudo ou se iam continuar precisando da Petrobras, mas perceberam que aquilo tinha algum valor, primeiro [porque] eles deixavam de conversar com o órgão regulador e passavam a conversar com o seu supridor. Além disso, começava-se a discutir uma série de cláusulas que existiam no contrato. Não vamos discutir isso no dia que o mercado abrir, senão vai ser uma confusão danada. Deixa para discutir só preço, o resto vai num processo de aproximação, discussão e relacionamento. Assim foi feito Deixamos só o preço para ser discutido quando o mercado abrisse, foi uma coisa acertada. Passei a conhecer minhas contrapartes, foi uma experiência interessante. Como a Petrobras não tinha nem esse relacionamento, às vezes os clientes conseguiam, por exemplo, no CNP [Conselho Nacional de Petróleo], ou no DNC [Departamento Nacional de Combustíveis], uma cota de, sei lá, dez mil metros cúbicos de gasolina em Campinas. Como a Petrobras praticamente não era consultada, chegava um belo dia, dizia: “Esses dez mil eu não tenho em Campinas.” [O Cliente dizia]: “Mas eu consegui uma cota no CNP de dez mil metros cúbicos de gasolina em Campinas”. [A Petrobras respondia]: “Não tem. Tem cinco mil aqui e cinco mil em Belo Horizonte, em Betim. Se você quiser, pega lá, se não quiser...” Era assim, tinha até uma expressão: “Quer, quer; não quer, não quer. O que tem é isso aí”. Os clientes ficavam injuriados, às vezes, havia um certo clima de animosidade com esse poder imperial da Petrobras: “Não vou abastecer você aqui, vou abastecer ali. Se você quiser pegar lá, tudo bem, se não quiser o problema é seu”. Por quê? Onde estava a lógica? “Só eu produzo, se ele não for buscar lá, alguém vai buscar e ele vai perder o mercado, então ele é obrigado a buscar naquele outro ponto”. Isso devia gerar transtornos internos dentro dessas companhias, eles ficavam insatisfeitos. Houve um momento em que partimos para fazer pesquisas de satisfação. Creio que nessa época eu nem estava na comercialização. Aí fizeram um protótipo. Deve ter sido antes de 1996, 1995, porque a Lei do Petróleo foi em 1997. Em 1996, 1995, essas coisas já começavam a ser discutidas internamente. Fizeram um protótipo de perguntas e um piloto. A nota foi tão baixa que foi uma tragédia: entre zero e dez, levamos nota quatro. Não era nem pesquisa de satisfação, era de insatisfação. Era isso: o cara queria dez mil ali, nós falávamos: “Não tem dez mil aqui, só tem cinco mil. Se quiser vai pegar os outros cinco mil daqui a 500 quilômetros, pega o seu caminhão, vai lá e pega. Se você não quer, problema seu, alguém vai pegar no seu lugar, você vai perder o seu cliente. É bom ir pegar”. Isso gerava uma grande insatisfação, por isso a primeira pesquisa foi desastrosa. A partir daí, se percebeu essa questão, via-se que mais aqui na frente, dois anos, três anos, teríamos que lidar com essas companhias, aí se procurou resolver através desses relacionamentos mais íntimos. Somos todos seres humanos, ou seja, tínhamos que compreender quem estava do outro lado. Eram gerentes também, tinham responsabilidades perante à companhia deles. Ele ia voltar para “casa” e falar: “A Petrobras me mandou pegar os outros cinco mil a 500 quilômetros daqui”. Internamente, para eles, devia ser uma questão delicada para falar a um diretor: “Não consegui, só me deram produto na ‘Cochinchina’”. Foi assim a historia do relacionamento nosso com os clientes. Se o Programa Memória Petrobras entrevistasse algum cliente que tivesse vivenciado aquele período do outro lado da cerca e que visse como é hoje, isto mostraria uma evolução interna muito grande dentro da Petrobras. Quero mostrar o seguinte: estamos falando de dez, 12, 15 anos atrás; o relacionamento da Petrobras com os clientes, durante o monopólio, era horrível Hoje, a pesquisa de satisfação, aliás, desde 1998, depois dos contratos, fazíamos a pesquisa e já tínhamos 80% de satisfação. Não se consegue evoluir de uma situação dessas para outra sem uma mudança de cultura interna. Nesse processo de abertura, ou até antes, a grande questão da Petrobras foi perceber a necessidade e, efetivamente, mudar. Hoje, não se faz mais assim, então: “Posso não ter aqueles dez mil que você me pediu, houve um problema na refinaria, a refinaria parou. Tenho cinco mil a 500 quilômetros de distância, mas você pega seu caminhão, vai lá e eu pago o frete”. Naquela época, você não pagava o frete, era custo dele. Hoje já se tem essa figura: “Tudo bem, a culpa foi minha. Eu combinei com você dez mil, só tenho cinco, o outro está a 500 quilômetros, vai lá, eu pago o frete, você não terá ônus”. Isso envolveu uma mudança de cultura muito grande. Seria interessante [entrevistar] pessoas que vivenciaram a atividade comercial e perguntar como a cultura da Companhia evoluiu no tempo, na medida em que os diferentes desafios foram se apresentando. DISTRIBUIDORAS NACIONAIS Na década de 1990, existiam apenas as grandes companhias internacionais, a Petrobras Distribuidora e a Ipiranga; as demais eram as grandes majors, como são chamadas. Por volta de 1995, 1996, começaram a aparecer algumas companhias nacionais de distribuição e se tinha o joio e o trigo. Eram empreendedores nacionais que queriam desenvolver o negócio de distribuição. As grandes companhias preferiam abastecer as grandes cidades e as pequenas cidades ficavam relativamente mal abastecidas. As pequenas companhias tinham mais agilidade para atender ao pequeno comprador. Mas junto delas vieram também quase que criminosos, por volta de 1997, 1998, eram as “indústrias das liminares”. Isso porque quase que a metade do preço da gasolina pago na bomba é de impostos. Hoje, dos 2,5 reais que se paga na bomba, 1,3 real fica com a Petrobras, o resto é imposto e da distribuidora. Essas companhias, não muito éticas, iam à Justiça e por fundamentos jurídicos diziam: “Não tenho porque pagar aquele imposto”. Nessa escala de valores, o imposto era 20, 30 centavos, um absurdo Uma distribuidora que pagava todos os impostos não teria como competir com outra que não pagava os impostos. A diferença de preço era brutal. Ou seja, as pequenas companhias começaram a entrar na Justiça, conseguiram algumas isenções tributárias e começaram a vender muito. As grandes companhias vinham à Petrobras, como se fosse um paizão com os seus filhinhos: “Papai, o filho do vizinho está me batendo”. O que a Petrobras podia fazer? Ela sempre teve uma força moral muito grande junto à sociedade e ao Judiciário. Então, nós começamos a tentar intervir nas decisões do Judiciário. Embora não fôssemos um distribuidor, começávamos a falar: “Juiz não dá essa liminar Esse ‘cara’ não vai pagar imposto, nunca mais ele vai devolver esse imposto, vai botar no bolso e dividir com não sei quem”. Essas companhias ganhavam uma liminar e a Petrobras não entregava o produto para elas, ou seja, se negava a cumprir a liminar. As companhias chamavam o oficial de Justiça e iam até com polícia. Um colega de São Paulo desceu o edifício pelas escadas, porque a distribuidora chegou lá com o oficial de Justiça. O policial civil disse: “Se você não liberar esse produto agora, vai ser preso”. Eu mesmo tive um processo na Justiça porque não atendi a certas liminares. Foi uma época muito confusa, de muita briga, que felizmente acabou. Foi um momento conturbado. Hoje, há grandes companhias nacionais que trabalham corretamente, mas naquela época foi complicado, quase um faroeste. TRAJETÓRIA PROFISSIONAL No Planejamento Marítimo, planejava-se, por exemplo, o tamanho e o tipo de navio a ser construído. Além disso, havia o Planejamento Terrestre, que tratava dos oleodutos e dos terminais. Sempre fiquei na área terrestre, ou seja, sempre trabalhei no Brasil com assuntos nacionais. Existem dois lados de comercialização; praticamente, eu não tive interação com a comercialização externa, a minha área era o Brasil. FORMAÇÃO DE PREÇO Os preços do Brasil, mesmo na época do monopólio, tinham uma relação com o mercado externo. Os preços nacionais têm uma referência de preço no mercado externo e tem um câmbio que transforma essa referência externa, que é em dólar, em cruzeiro, real, ou seja, a moeda da época. Os preços internos sempre tiveram essa correlação com os preços externos e com o câmbio. Se o preço lá fora subia, isso tinha uma conseqüência no mercado nacional, pois produzíamos pouco petróleo. Se o petróleo está caro, está caro. Tem um momento da [formação] de preço que é nacional. De certa forma, a sociedade brasileira sempre sofreu com esses aumentos, especialmente, com o choque do petróleo de 1973 e o do final da década de 1970, o segundo choque. O Governo tinha até uma espécie de um colchão, ou seja, havia o preço da Petrobras e havia uma espécie de imposto móvel. O Governo aproveitou uma época em que os preços estavam baixos, aumentou o preço e criou um colchão de imposto. Aqui em cima é o preço do consumidor, na bomba. Às vezes, quando o preço do petróleo subia ou o câmbio subia – porque a repercussão é a mesma no preço –, a Petrobras diminuía o imposto, então não se percebiam essas oscilações. Ou seja, durante muitos anos não se percebiam essas oscilações do mercado externo nem do câmbio, porque o Governo tinha uma espécie de imposto móvel. Quando o mercado caía e o preço descia, ele aumentava o imposto. Foi assim durante certo tempo e a sociedade não percebeu. Hoje, está mais ou menos assim, a gasolina não aumenta há dois ou três anos, aumenta de vez em quando (risos). Mas, muitas vezes, a sociedade não percebe. A Petrobras ganha mais, ganha menos. Praticamente não tem mais esse imposto hoje. FORMAÇÃO DE PREÇOS / MERCADO EXTERNO Tenho pouca colaboração para dar sobre mercado externo. O mercado externo é assim desde o início da indústria do petróleo. Deve ter mudado pouco, a forma de comprar e vender. Sempre tem um petróleo de referência, aquela luz que te ilumina e diz: “Esse negócio aqui está barato ou está caro”. O mercado externo sempre trabalha com uma referência. De vez em quando, você vê na televisão: “O petróleo em Nova Iorque subiu.”, é um petróleo típico lá, porque, por exemplo, o petróleo brasileiro ele está sempre assim: eu combino que vou vender meu petróleo lá fora e o meu preço é o seguinte, o preço de lá de Nova Iorque menos dez dólares por barril, porque o meu petróleo é um pouquinho pior que o petróleo de Nova Iorque. Se o petróleo de Nova Iorque vale 100 dólares o barril, o meu vale 90, se o petróleo de Nova Iorque vai pra 70 dólares o barril, o meu vale 60. A atividade no mercado comercial é negociar esse diferencial de preço entre os referentes. Assim é com o diesel e com a gasolina. INFORMATIZAÇÃO As duas partes, mercado interno e externo, sofreram modificações na forma, não na comercialização em si, mas nos relacionamentos com a internet. Quando cheguei à Comercialização, em 1996, o pedido dos clientes chegava por fax, não podia ser por telefone, tinha que ser formal. Chegava normalmente e as companhias tinham que apresentar os pedidos no dia 30 de outubro, sei lá, um dia lá qualquer, sempre no último dia útil do mês. Naquele dia, o fax funcionava [todo o tempo], chegava até a sair fumaça e as companhias pediam produto em todos os lugares onde a Petrobras vendia. Essa era a realidade de 1996. Hoje, é tudo pela internet, tem o Canal Cliente – o pessoal do Marketing vai falar sobre isso – não existe mais papel. Isso aí vai mudando as formas de relacionamento, às vezes até afastando um pouco as pessoas. A Internet afasta um pouco as pessoas. ABASTECIMENTO INTERNO Não me lembro das influências, aqui, [no mercado interno]. Acredito que a área externa sofria muito mais influência dos problemas externos. Não me lembro internamente de problemas conjunturais em função de mudança de crise externa. Lógico que quando havia essas crises, como o choque de petróleo, por exemplo, queria-se manter o abastecimento nacional. Tínhamos que buscar petróleo em qualquer lugar do mundo para trazer, para não faltar o derivado no Brasil. Quem vivia esse momento de crise, quem estava mais em cheque, era a área externa porque ela que tinha que achar petróleo e trazer para o Brasil. As refinarias estavam aqui, então se chegasse petróleo íamos refinar, íamos abastecer como se nada tivesse acontecido. Não lembro de que forma essas crises impactaram o mercado interno. GASOLINA PODIUM Eu estava na gerência de venda de produtos, logo depois fiquei quatro anos na Comercialização e, depois, fui para o Marketing, aí o mercado já estava aberto. Nós achávamos que a nossa gasolina tinha uma qualidade razoável, mas se comparada com as outras gasolinas do resto do mundo não era nada de excepcional. [Além disso], no mundo, já havia gasolinas de alta qualidade. Estávamos com receio dessas grandes companhias internacionais que estavam aqui. Essa conversa foi logo depois da abertura. Estávamos com receio deles começarem a importar essas gasolinas de alta qualidade e que chegassem para sociedade brasileira [assim]: “Na época do monopólio vocês compravam essas porcarias, agora que o mercado abriu estou trazendo um perfume francês”. Havia o receio dessa propaganda negativa em cima da Petrobras, pois embora esses mercados de “perfume” sejam pequenos, esses produtos carregam uma imagem muito boa. Estávamos preocupados com isso. Na época, fornecíamos gasolina para a Williams; conversamos com eles para saber se poderiam, digamos, emprestar a imagem da Williams. [Decidimos] fazer uma gasolina especial e o nosso mote era essa imagem, ou seja, de fornecedor de gasolina de Fórmula 1. Decidimos fazer a gasolina Podium. A Petrobras lançou a gasolina Premium, mais cara que a comum, mas ela não carregava a imagem Petrobras, pois era vendida para qualquer distribuidora. Então, não houve o lançamento de uma imagem da Petrobras proporcionando aos brasileiros uma gasolina de alta tecnologia. Era uma gasolina melhorada, mas como era vendia para todo mundo, não se conseguia fazer um marketing. Com a gasolina Podium foi o seguinte: vamos fazer essa gasolina e só a Petrobras Distribuidora vai vender, porque aí se consegue fazer um marketing. Petrobras produz, Petrobras vende. Fizemos reuniões para a seleção do melhor nome e pensávamos que no futuro podia ser uma marca que a Petrobras pudesse usá-la na medida em que fosse para fora. Tinha que ser um nome especial, dizem que tem que ser um nome meio latino, com origem no latim: Podium. Fizemos uma pesquisa de marca e a que se mostrou mais interessante foi a Podium. [Dizíamos]: “Vamos fazer a melhor gasolina do mundo”. Essas coisas de Petrobras: “Já que temos que fazer uma coisa boa, vamos fazer a melhor gasolina do mundo”. Fomos ver o que tinha na Alemanha, na França, nos Estados Unidos e cada uma tinha uma característica diferente. “Vamos pegar as melhores características de cada um e vamos fazer uma super gasolina, a melhor gasolina do mundo.” Pronto: a gente tinha umas correntes de produto aqui e ali e formulamos a melhor gasolina do mundo. “Como vamos lançar isso? Vamos falar que é a melhor gasolina do mundo? Isso é complicado, a gente não sabe se na Nova Zelândia eles estão...” Tiramos o mote “a melhor gasolina do mundo” e [adotamos] “a gasolina mais avançada do mundo”. LINHA PODIUM / MARKETING A gasolina Podium é o grande produto de marca da Petrobras. Depois se lançou o diesel Podium, aí se criou a família. A Petrobras lançou a gasolina Podium, e foi um sucesso. Tinha certas áreas da Companhia que achavam que ia ser um fracasso, como foi com a Premium; como marketing foi um fracasso. “Brasileiro gosta de comprar coisa barata, não vai comprar essa qualidade.”, porque tem que vender mais caro. O Frank Williams, o dono da escuderia Williams, prestou um depoimento dizendo que a Podium era a melhor gasolina do mundo, aí foi um sucesso, embora seja um volume pequeno. Logo depois, a Petrobras comprou uma refinadora na Argentina e nós lançamos a gasolina Podium lá. Depois começamos a lançar alguns produtos novos, mas eu diria que a gasolina é o produto que mais carrega esse charme da inovação. Ninguém fala do óleo combustível Podium, “um negócio preto que suja todo mundo”. A gasolina sempre foi no mundo o produto mais objeto de marketing. Decidimos fazer a gasolina e foi um motivo de orgulho. Esse produto trouxe uma consciência interna para Companhia de que quando ela quer, ela faz produtos excelentes. Sempre produzimos produtos de consumo normal. Foi essa a visão: “Eu posso fazer o melhor produto do mundo”. Isso trouxe, internamente, uma satisfação muito grande para as pessoas. Trabalhamos numa companhia que faz a melhor gasolina do mundo. Teve uma implicação interna muito favorável. Como ela influenciou as outras comercializações eu não sei. Não sei se chegou a influenciar, porque era [um fatia] muito pequena. Vou dar um exemplo: em volume, a gasolina normal era um milhão, a Podium era dois mil. Mas com dois mil se fazia um barulho de marca que aquele um milhão não conseguia fazer nunca. Eu acho que ela trouxe a consciência da possibilidade da Petrobras fazer coisas excelentes, tanto que depois eu via muita propaganda institucional da Petrobras, falando da gasolina Podium. Ela virou uma marca de excelência. Na medida em que você faz uma coisa muito boa, você de repente carrega isso. Na publicidade tem isso, acaba se carregando os outros produtos junto com aquela imagem de excelência. Não é o caso de particularizar o nome das companhias, mas a Shell fazia uma pesquisa de classe, na chamada classe gargalhada, a “classe AAAA” e, em relação ao combustível, a Shell era o objeto do consumo desta classe. Todos falavam Shell. Petrobras Distribuidora é mais baixo. A Shell sempre trabalhou essa questão da qualidade, então uma das coisas que pretendíamos com a Podium era: “Vamos ver se conseguimos colocar na cabeça do consumidor dessa classe que o negócio não é Shell, o negócio é Petrobras.” Acho que logo depois de dois, três anos do lançamento da Podium, fizemos essa mesma pesquisa e nós passamos a Shell. Às vezes, um perfuminho francês consegue elevar a sua marca. Tem outros reforços de imagem, como “águas profundas”, por exemplo. A Companhia começou a quebrar vários desafios tecnológicos: gasolina aqui, águas profundas ali. Hoje, acho que a sociedade brasileira percebe essa característica tecnológica da Petrobras como muito desenvolvida. Mas foram essas experiências, se faz uma gasolina aqui, “águas profundas” ali, se faz alguma coisa no exterior, lança ações na bolsa de Nova Iorque, há a questão da sustentabilidade ecológica e aí vai se criando uma imagem da Companhia. Saímos um pouco da comercialização, mas a imagem para a comercialização é importante. MARKETING COMERCIAL E COMUNICAÇÃO No caso da Podium, desenvolvemos junto com a Comunicação. Teve um filme muito interessante da Podium: em uma espécie de um aeroporto, aterrissava um avião, aqueles aviões do tipo transporte de tropa; na traseira dele baixava uma plataforma e tocava no solo. Saía de lá um bonitão desses da vida num carro esportivo de última linha. Ele parava no posto da Petrobras e pedia para encher o tanque com a Podium. Aí entrava (risos) no avião novamente e ia embora. Isso porque a Podium no início não foi distribuída em todo o Brasil. Esses filmes eram [desenvolvidos] na Comunicação. Falávamos do conceito da Companhia, do produto em si, mas a matéria publicitária quem fazia era a Comunicação. Comunicação e marketing, nas grandes companhias, uma é parte da outra. O Marketing tem uma relação muito boa com a Comunicação. Temos que comunicar o marketing e, nessa hora, temos que ter a Comunicação. Se você tem o melhor produto do mundo, mas não se comunica direito, como dizia o Chacrinha: “se trumbica”. MARKETING No Marketing, existe uma gerência-geral, onde eu estava, com várias gerências. Daquelas gerências, tinha uma que começou com o Canal Cliente Petrobras, que hoje é uma ferramenta de relacionamento fantástica. O Rodolfo talvez seja a melhor pessoa para conversar sobre isso – ele é jovem, mas vivenciou essa questão do uso da internet no processo de comercialização. Começamos a desenvolver isso e o Marketing estava um pouquinho por baixo. A gente via ali pessoas de alta competência, então falamos: “Nós temos que começar a ganhar prêmio, para ver se levanta a moral das pessoas aqui. Temos bons produtos”. Aí começamos a desenvolver isso. Por exemplo, a Podium ganhou [prêmio] do Marketing Ibest, em uma cerimônia anual em São Paulo, onde os melhores na área do marketing são premiados. Hoje já ganhamos, sei lá, uns quatro ou cinco prêmios do Marketing IBest. Tinha uma área desenvolvendo pesquisa de satisfação de cliente, uma área forte. Acho que foi o núcleo da pesquisa de satisfação do cliente da Petrobras, depois disso ele virou uma atividade que hoje está em todas as áreas da Companhia, mas o núcleo foi no Marketing do Abastecimento. Havia essa parte do Canal Cliente, e uma outra gerência também que era muito interessante que chamavam de Inteligência Competitiva. Era uma gerência com várias ramificações em várias áreas do país, e elas procuravam perceber os movimentos da concorrência. Era uma coisa nova também. Isso também começou no Marketing e hoje várias áreas da Companhia possuem esse tipo de instrumento, ou seja, procuramos ver onde estão as ameaças. Chamam de Inteligência Competitiva. Tem umas três ou quatro gerências: Canal Cliente, da parte de relacionamento eletrônico, Pesquisa de Satisfação, que fazia as pesquisas para a área comercial: “Olha lá, seu chefe não está gostando disso, vamos ver o que tem que fazer aqui para melhorar esse troço, senão o seu chefe aí vai achar ruim.” Tem a conscientização da área Comercial, pois às vezes havia coisas bobas que a gente podia perfeitamente modificar, não custava nada e essa parte de Satisfação do Cliente praticamente nasceu e cresceu ali. Foi uma boa contribuição para a Companhia. São os três focos: Canal Cliente, a parte eletrônica, essa área de Inteligência Competitiva e Novos Produtos. DEPARTAMENTO COMERCIAL / ABERTURA DE MERCADO Antes do monopólio, eu estava na área Comercial e nós tínhamos uma divisão por cliente, o Marketing sempre está se debatendo por sua estrutura organizacional, se ele deve se dividir por produto, ou por cliente. Eles estão sempre: “Um ou outro, um ou outro?”. Na época não se podia fazer pelo cliente porque nós tínhamos mais de 100 clientes e não dava pra fazer 100 gerências para cada um conversar. Tinha uma gerência que tratava só da BR, foi uma época boa em que a gente se aproximou muito da BR. Havia uma gerência para as grandes companhias, Shell, Esso, e uma outra gerência trabalhava com as companhias regionais nacionais. Era mais ou menos uma organização por cliente e dentro de cada gerência, vendia se todos os produtos que aquele cliente consumia. Aí veio a abertura de mercado e a gente ficou na dúvida sobre o que faria: continuava com essa estrutura por cliente ou fazia por produto? Então mudamos: “A gente acha que a competição vai se dar por produto, eles vão trazer muito mais gasolina do que óleo combustível. Temos que focar naqueles produtos. Essa grande companhia vai continuar comprando de mim. Vende óleo combustível, querosene, diesel, mas ele pode importar gasolina. O outro tem uma situação de refino lá fora, tem um excedente de diesel”. Nós achamos melhor estruturar as gerências por produto, então tem a gerência de gasolina, que trata da distribuição no país, tem também a gerência de diesel. Foi uma estruturação pensada para dar um maior foco, para lidar com a ameaça [da abertura de mercado]. Hoje, por exemplo, dentro da Gerência de Gasolina, tem alguém que trabalha com a Shell gasolina, com a Ipiranga gasolina. Dentro do produto, tem o cliente. Antigamente, dentro da organização do cliente, tinha o produto. Achamos que era melhor lidar com o produto, porque isso daria mais condição de competição. Combater uma importação de produto era a melhor forma de estrutura. Continua assim até hoje. Não quer dizer que daqui a dez anos não vire para estrutura por cliente. Estamos sempre mudando. DEPARTAMENTO COMERCIAL / LOGÍSTICA Outra grande mudança na Companhia foi a criação da Logística, creio que foi em 1996, e o Decom [Departamento Comercial] virou Marketing e Comercialização. Existiam essas três áreas: Refino, Comercial e Transporte e existia algumas áreas que a gente chama de logística, que existia um pedaço aqui, um pedaço ali, outro pedaço lá. Essas três áreas estavam sob gerências diferentes, isso gerava uma briguinha que acaba se irradiando pelas organizações. Não era uma coisa boa, havia sempre uns problemas, um mal entendendo o que o outro ia fazer. Então resolveram o problema com o seguinte: “Vamos pegar essa área daqui e essa área daqui e vamos tirar do Comércio, do Transporte e do Refino e vamos criar uma nova área que é a Logística. [Aquele] software otimizador, o grande paizão ali, ele hoje não está mais no comércio. Ele era parte do comércio, mas hoje está na Logística. Deu um foco maior, então hoje o Comercial comercializa, lá fora ou aqui dentro, o Refino só refina, o Transporte até saiu da Petrobras, virou Transpetro [Petrobras Transporte S.A.] e tem um órgão que é a Logística, que faz esse meio de campo. Isso melhorou bastante o ambiente interno entre essas três áreas; foi um avanço interessante em termos de organização. Hoje o comercial está mais focado em seu trabalho, faz o que tem que fazer. Foi um momento de grande melhoria na organização. Eu me lembro que entre 1992 a 1996, eu era assistente lá em cima e tinha um diretor comercial, um diretor de refino e um diretor de transporte e não necessariamente essas três pessoas pensavam igual e isso daí enraizava pelas estruturas respectivas, às vezes era complicado. Hoje tem um diretor ao qual o refino está subordinado, o transporte, de certa forma, também está subordinado, porque a Transpetro está subordinada a ele, a Logística está subordinada, o Comercial, ou seja, tem “um cara” lá em cima e todas essas áreas estão penduradas nele, ele resolve os problemas, não tem que convencer ninguém. Às vezes, eu ia com o diretor comercial para essas reuniões comerciais com os diretores, era muito complicado, um queria uma coisa, outro queria outra, aí não se decidia, criava-se impasses. Foi um momento muito bom na organização. Hoje há uma orientação única. TRAJETÓRIA PROFISSIONAL Estou no Abastecimento. Estava como diretor. Foi uma nova área que criaram chamada de Corporativo. Nessas organizações você tem uns enclaves que ficam só perturbando, tem Recursos Humanos, Segurança e Meio-Ambiente, Planejamento. Essas áreas sempre existiram na Companhia, não tinha onde colocá-las direito, então estavam dependuradas no Refino, pendurava-se ali no Comércio, pendurava na Logística e ficava uma área assim meio nada a ver com a atividade de comércio, logística, enfim. Resolveram pegar essas áreas que davam problema e juntaram todas elas no que chamam de Corporativo. Hoje, existe o Comércio, o Refino, a Logística, o Transporte foi para a Transpetro e tem também o Corporativo. Dentro desse Corporativo tem essas atividades: RH, Segurança e Meio-Ambiente e também criaram uma gerência nova chamada Relacionamento Externo, porque o que acontece é que o pessoal lá fora quer obter informações da Companhia e usa vários canais disponíveis. Às vezes, uma mesma informação não é conseguida ali, então se busca com fulano, se não consegue... A Petrobras era meio “um balde furado”, em termos de informação; se eu não conseguisse com você, eu ia tentar com ela, não conseguia às vezes tentava com ele. A idéia da Gerência de Relacionamento Externo é fazer uma espécie de filtro, ou seja, ele não vai te procurar, nem você, nem a ninguém, ele vai procurar uma área específica e essa área faz o meio de campo entre o ambiente interno e o ambiente externo. Não estou mais, mas continuo de certa forma na Comercialização, porque têm muitos assuntos que acabam batendo na Comercialização. Eu diria que a minha experiência de comercialização foi nesses oito anos entre 1996 e 2004, quatro anos na Comercialização e quatro anos no Marketing. CANAL CLIENTE Como eu falei, chegava tudo por fax e eu também mandava fax para todo mundo. Era uma batalha de fax, e estava começando a internet, 1996, 1997. O Canal Cliente foi em 1998, por aí, começava-se a ter a facilidade da internet. A idéia era a seguinte: o cliente colocava os pedidos num ambiente da web e eu não recebia mais fax, eu confirmava através desse sistema. Aí começamos a colocar uma série de coisas dentro desse Canal Cliente: primeiro foi a relação de produtos, ou seja, quantidades, quanto eu quero, quanto a distribuidora quer. Colocamos no Canal Cliente, o quanto temos e o cliente percebe do outro lado. É um sistema que eu acesso e que ele acessa; conversamos através desse sistema. Botamos uma série de coisas lá dentro, como preço, por exemplo. Há uma atividade recente: normalmente, o distribuidor tinha que penar na fila, então se criou dentro desse ambiente um local onde ele pode programar o horário da chegada de seu caminhão: “Meu caminhão vai chegar às quatro”; ou seja, não precisa se preocupar em chegar às sete horas da manhã e só ter uma vaga para carregar o produto às quatro horas da tarde, ele chega 15 para as quatro e tem a vaga dele. Uma série de facilidades foram colocadas aí dentro, mas o objetivo é o relacionamento com os clientes. Hoje, praticamente, só se usa o telefone ou o Canal Cliente. Hoje em dia ninguém vive sem. Precisa ver um dia em que, por algum motivo, o Canal Cliente sai do ar, como muitos sistemas saem, é uma gritaria. Ninguém consegue mais viver sem ele, porque todas as informações estão ali. O gozado foi quando começou esse Canal Cliente... Vocês já ouviram falar da “Bolha da Internet”? Não faz muito tempo. Acharam que o mundo todo ia girar em torno da “Bolha da Internet”; isso está voltando. As comercializações no mundo eram todas pela internet. Hoje você faz isso, quer comprar uma geladeira entra nos sites com sistemas de busca e escolhe o lugar mais barato. Isso estava muito forte em termos de comercialização por volta de dez anos atrás. É uma sistemática que facilita a vida do comprador, é horrível para o vendedor, porque o comprador fica pesquisando, vai comprar o mais barato e obriga o vendedor a baixar seu preço, porque senão, não vende nada. ABERTURA DE MERCADO Isso era uma realidade do mundo daquela época. Achavam que a comercialização da Petrobras ia ser assim, teria vários competidores. Foi até interessante, antes do mercado abrir internamente, achávamos que teríamos muitos competidores, que a Shell ia importar, que a Esso ia importar, que ia ter uma competição aqui, não ia ser a maravilha que foi. Víamos também que muita gente na Companhia achava que teríamos problemas sérios com essa competição. Então, criamos um programa com a ajuda de um colunista, Max Gehringer, que vive escrevendo aí, ele é “marketeiro” mesmo. Criamos um programa justamente para a força de trabalho, para mostrar que tínhamos que estar preparados para a competição. Era gozado, você chegava de manhã no trabalho e encontrava um par de sandálias Havaianas, mas um pé era número 40 e o outro era 36. Quase todo dia se recebia um troço completamente louco. O que se queria dizer? “Se você não se preparar vai se dar mal. Não é com uma sandália 40 no pé e uma 36 no outro que você vai resolver o problema”. Fizemos isto, quase mil pessoas. Havia eventos em Angra dos Reis, eventos em Campos do Jordão. Treinamos toda a força de trabalho justamente para essa questão da competição. Havia jogos de competição. Mobilizamos toda a área do comercial, tornamos o pessoal mais aguerrido. “Que vengan los toros, porque eu estou preparado.” Isso foi durante seis meses, houve muitos seminários. Muitos colegas achavam que a Shell, e a Esso iam importar produtos e iam arrebentar com a Petrobras. Então, criamos esse espírito: “Nós estamos preparados, nós vamos vencer”. Foi um movimento interessante. Acho que a gente avaliou mal, por quê? Porque não tínhamos nem traquejo para avaliar bem, vivíamos no monopólio, não sabíamos direito como eram essas coisas. Quem tinha visão da experiência externa sabia que teríamos condições de competir, porque lá fora se faz a competição. Ninguém é maluco, ninguém compra uma gasolina lá fora por 100 dólares e vai vender no Brasil, não tem esse doido. Os preços são correlacionados no mundo todo. E as companhias lá fora, a Shell, a Esso, a Texaco, têm os compromissos delas, não é só o Brasil que existe no mundo. Para essas companhias existe o mundo todo. Víamos depois que o excedente que ela teria para trazer para cá, o que poderia ser importado, era pouco. Sobrava pouco produto para a atividade comercial deles, do que poderiam trazer para cá. Nossa avaliação era a seguinte: “Se ‘os caras’ operam milhões de barris por dia, vai ser fácil para eles inundarem o Brasil com produto.” E esses colegas do outro lado, gerentes de compras, eles também se preocupavam com uma coisa: “Tudo bem, posso trazer gasolina da matriz, mas eu vou ter que comprar diesel, óleo combustível, solvente, asfalto e querosene de aviação da Petrobras, isso eu não vou conseguir trazer. Será que vale a pena criar um clima de competição em um produto quando eu dependo de todos os outros?”. Mas não percebíamos essas coisas, achávamos que eles viriam e iriam acabar com a Companhia. Foi uma surpresa. No dia primeiro de janeiro não aconteceu nada, no dia dois de janeiro não aconteceu nada, no dia 30 de janeiro, nada. Fevereiro, março, abril. Os meses foram se passando e nada acontecia. Chegamos à conclusão que aquele receio era infundado, falta de experiência. TRAJETÓRIA PROFISSIONAL Eu tive essa atuação na área de Transporte e Planejamento; tive muitas gratificações. Você propõe certas coisas e a Companhia concorda com você e uma série de construções é realizada. Essa é parte de realização em termos concretos. Tive mais realização no Transporte do que no próprio comércio, embora tenha essas questões do contrato da Podium. A Podium foi um momento interessante. Na véspera da abertura do mercado – estava me lembrando – essa questão de você treinar, mostrar que o receio que as pessoas tinham da competição talvez não fosse tão infundado assim, foi um momento interessante, mas marcante, eu não creio. Falei o que tinha de mais representativo. MEMÓRIA PETROBRAS Acho interessante, já estou com os meus 40 anos de Petrobras, daqui a pouco estou saindo. A Petrobras ficou um tempo muito grande sem que entrasse pessoa nenhuma, agora que está começando. São jovens, com muita experiência em outras coisas, eles não conhecem a história da Companhia. É importante que se mostre a eles. A Petrobras tem um mote: “O desafio é a sua energia”, acho que vocês deveriam mostrar a história da comercialização um pouco nessa linha, ou seja, como a Petrobras venceu esses desafios. Isso seria a base para esses jovens: “Essa companhia começou assim e foi evoluindo, evoluindo, evoluindo...”. A Companhia esteve em constante evolução e cabe a esses jovens agora, talvez, lendo esses documentos... Pelo amor de Deus, não façam essas coisas maçantes Temos que contar uma história de quem venceu desafios, um negócio meio jornalístico, porque aí fica interessante. Eu já vi umas coisas nessa linha de história da Petrobras, da Engenharia, que era um calhamaço. Vai ser muito grande? Vai ter algum documento, um livrinho, algo assim? Acho que o link é esse, porque essa história não é para quem está depondo. Qual é o objetivo? Só ter um registro? Isso é horrível. Para vocês depois me darem um livrinho e eu levar pra casa e botar na terceira prateleira, também não vale a pena. Isso tem que ter algum sentido e esse sentido tem que ser educativo: mostrar a essa turma que está chegando que Companhia foi essa, que os desafios foram esses e que daqui a 40 anos serão eles que estarão sentados aqui contando as suas histórias. Outros desafios, isso não termina, o negócio continua, vai vender gasolina na lua, quem sabe? Ou botar um posto BR em órbita (risos).
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