P - Para começar eu queria que você falasse seu nome completo, local e data de nascimento. R - Meu nome é José Merino Neto, eu nasci em Porto Alegre em 11 de julho de 1971. P - Você veio para a Paraíba? R - Eu saí com 14 anos de Porto Alegre, vim com pai e mãe. Meu pai veio trabalhar na...Continuar leitura
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Para começar eu queria que você falasse seu nome completo, local e data de nascimento.
R - Meu nome é José Merino Neto, eu nasci em Porto Alegre em 11 de julho de 1971.
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Você veio para a Paraíba?
R - Eu saí com 14 anos de Porto Alegre, vim com pai e mãe. Meu pai veio trabalhar na rede hoteleira e aí eu fui morar em João Pessoa, precisamente no dia 14 de dezembro de 1984. É uma data marcante.
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Até hoje você mora em João Pessoa?
R - Quando eu iniciei no Aché, eu estava morando em João Pessoa e após uma promoção eu me reloquei para Recife, onde eu passei dois anos e meio, quando houve uma reestruturação da companhia. E agora em 2001, no ano passado, houve uma mudança estrutural, onde nós estendemos a nossa área geográfica da então supervisão. Aí, eu voltei para Pernambuco, Paraíba e Rio Grande do Norte. Aí eu voltei a morar em João Pessoa porque era metade do caminho, mais cômodo, e a família da minha esposa mora em João Pessoa. Hoje eu só faço... Pernambuco foi excluído porque veio agora a gerência distrital, então eu só faço João Pessoa, que seria toda a Paraíba e todo o Rio Grande do Norte.
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Quando acontece sua entrada no Aché, como isso se dá?
R - Minha entrada no Aché é interessante. Meu pai foi propagandista 23 anos, quando eu me casei, eu casei bastante jovem, com 20 anos. Meu pai começou a dar algumas dicas e procurar, foi aí que eu descobri que o Aché fazia um famoso ponto de encontro num hospital psiquiátrico. Eu me dirigi até esse local. O encontro era às 13:00 horas. Fui lá e conheci um supervisor, o Hélio Sauro, conversei com ele e ele disse para mim que teria uma vaga na companhia. Teria um curso, não era nem vaga. Me deu um cartão e pediu que na semana seguinte eu fossa a Recife para fazer esse curso. Na semana seguinte, na segunda feira eu estava na filial, aqui na Rosa e Silva, com trinta e poucos candidatos só que sem nenhuma vaga. Nessa época o Aché estava fazendo o que se chama de banco de dados e aí eu participei dessa seleção. Até foi curioso, porque eu era o mais novo, eu tinha apenas 21 anos, eu pensei até que não ia ficar. Fiz todo o processo, as provas, as entrevistas, e oito meses depois eu fui chamado para trabalhar em João Pessoa. Foi em maio de 93, foi quando eu entrei no Aché.
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Foi seu primeiro emprego?
R - Eu passei uma época dos 17 aos 19, eu trabalhava como modelo, como manequim, mas quando eu casei não dava para viver disso em João Pessoa, um ramo muito estreito na Paraíba, aí eu fui ser vendedor de loja de Shopping, eu trabalhei na Hugo Boss, trabalhei na Benetton. Depois trabalhei numa concessionária de veículos num período curto, porque eu fiz a prova no Aché e me chamaram e aí a remuneração é muito melhor, e devido já ao sangue, meu pai passou muito tempo no ramo, me atraiu e eu entrei no Aché.
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Seu pai, antes de ir para a rede hoteleira tinha sido propagandista?
R - Propagandista.
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Ele era propagandista em que local?
R - Meu pai trabalhou em Porto Alegre, começou no Laboratório Pinheiros, muito antigo, depois trabalhou no Pfizer, Glaxo, Merck Sharp, Lepetit, antigamente. Depois saiu para entrar no ramo imobiliário, aí as transformações normais da vida, que algumas pessoas optam, aí foi para o ramo hoteleiro. Morei em Gramado, e de Gramado eu vim para João Pessoa.
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Seu pai contava histórias da vida de propagandista, você acha que de alguma maneira influenciou?
R - Conta até hoje. (risos) Uma vez propagandista, o resto da vida você vai contar histórias. Até porque a gente aprende muitos nomes estranhos, substâncias. Isso envaidece a gente, às vezes está conversando, uma pessoa fala. Às vezes o pai está falando nomes difíceis, falando sobre saúde, então interessa, desperta. Também, nós somos privilegiados, temos uma boa remuneração, temos uma oportunidade de crescimento, então isso me fascinou também, aí eu me tornei um propagandista.
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Esse ponto de encontro que você falou, o que é exatamente?
R - Antigamente a gente tinha uns horários. O propagandista tinha um ponto de manhã e tinha um ponto à tarde. Ou seja, nesses locais geralmente, eram onde a supervisão podia encontrar o propagandista. Então lá todo mundo se reunia, num determinado horário, conversava, se preparava para sair para trabalhar. Foi lá que eu tive o meu primeiro contato com o Aché.
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Aí foi em 93?
R - De 93 até então. Espero que se prolongue. (risos)
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Sua função hoje já não é mais de propagandista, não é? Conta um pouquinho como foi essa transição, como se deu.
R - Eu entrei em 93, como te disse, até 98 eu fui propagandista, me destaquei na minha equipe, fui convidado a fazer um curso de talentos, que na época era um pré-requisito para você ser promovido. Fiz o curso de talentos e em 98 fui convocado para ser supervisor em Recife. Passei, peguei minha família, foi até no meio do ano, a gente veio na empolgação porque a gente estava... eu estava me preparando. A minha gerência, minha supervisão na época me dava esse apoio, me dava esse incentivo, você acaba criando aquela expectativa, confiando, acreditando na companhia. Foi o que eu fiz. Em 98 fui convidado, não medi esforços. Pequei minha esposa, meus dois filhinhos e vim para Recife e assumi. Na época foi com o gerente Mairon, que foi quem me preparou na supervisão e passei dois anos e meio em Pernambuco. Só fazia Recife, não precisava viajar. Era como se fosse a vida de propagandista em João Pessoa, no qual eu não viajava. Aí houve a mudança, o Aché começou a se reestruturar, a meu ver vem se aprimorando e aí houve algumas relocações e eu voltei como ainda supervisor para Pernambuco, Paraíba e Rio Grande do Norte. Agora em 2002 há uma mudança de nomenclatura, a função permanece, com um pouco mais de atribuições e responsabilidades e hoje eu exerço a função de gerente distrital só no estado da Paraíba e do Rio Grande do Norte, com oito representantes, com a minha liderança, é lógico.
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Hoje você viaja para esses lugares ou não?
R - Viajo bastante. Minha sede é em João Pessoa, passo geralmente três semanas fora, é o que mais ou menos estou prevendo porque têm três setores em João Pessoa. Então vou ter viagem para o sertão, viagem para a outra capital que é Natal. Estou conhecendo outros locais que até então não conhecia, hoje eu vou pertinho do estado do Ceará, em Cajazeiras que é bem pertinho do estado do Ceará, vou até as extremidades dos estados. Então rodo bastante.
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Você vê muita diferença cultural, de paisagem, de ambiente?
R - É interessante porque eu sempre trabalhei na capital, quando eu entrei tinha uma vaga para o Brejo, mas na época meu gerente disse: “Não, você tem cara de homem da capital.” Então foi isso que me deixou na capital. E eu era um rapaz novo, 21 anos, eu me adaptei de não sair de perto de casa, mas as coisas mudaram e a necessidade se fez presente e eu tive que viajar. Agora, os contrastes são interessantes. Eu sou gaúcho e me deparo com muito bode, muita buchada, mas são contrastes interessantes porque você vai aumentando o nível de conhecimento, de percepção até, conhecendo outras culturas, mesmo estando na Paraíba sua percepção muda. As pessoas são muito mais quentes, te tratam melhor. Gostam mais do que fazem. Você vai para um hotel no sertão, os donos de hotéis só faltam colocar você no colo, você pode chamar a qualquer hora, come o que quer, é interessante. É cansativo porque tem dias que eu viajo até 800 km, saio de João Pessoa e vou para o sertão, ando 800 km para chegar aonde eu vou. Mas é gratificante, você aprende muita coisa viajando.
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Você vai sempre de carro?
R - Sempre. Eu tenho um carro que graças a Deus tem tudo que eu preciso. Tem ar condicionado, direção hidráulica, tem um conforto que é merecido e necessário porque viajar para o sertão não é muito fresquinho não, é muito calor, mas é legal.
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Tem regiões de difícil acesso?
R - Paraíba é um estado privilegiado porque as estradas dentro do nordeste são muito boas, tanto é que se você fizer uma viagem de Pernambuco, de Recife a João Pessoa, quando chega na divisa dos dois estados você acha uma mudança estrondosa, é radical mesmo. Mas não tem difícil acesso, você vê, entra numa favela, postos de saúde, pessoas muito carentes, mas parece que a gente tem alguma coisa, parece que as pessoas respeitam, ou gostam ou acham interessante o novo. A gente tem uma roupa diferente, as pessoas são muito mais humildes, simples e nos tratam com muita cordialidade, isso é legal. Não tem tanta diferença.
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E a relação com o médico muda quando você muda de estado, quando você muda da capital para uma região do interior?
R - É gritante a diferença. Para você imaginar, eu trabalho em Recife, tem médicos que te atendem certo dia, certa hora, certo isso, certo aquilo. Lá a gente visita em casa, almoça com o médico, toma café com o médico. Tem uma diferença enorme, você é recebido lá com muito prazer, parece que as pessoas me esperam com o coração aberto. O médico chama, você conhece filho, você traz abacaxi, manga, ganha ovo. Tem essas peculiaridades que só o interior mesmo oferece. Isso é bom, isso é gratificante, a gente se sente valorizado em nossa profissão.
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Voltando para 93 quando você entrou, você lembra como foi seu primeiro dia de trabalho?
R - Ah, foi péssimo, eu tremi muito. (risos) Acho que todo o propagandista treme muito no primeiro dia porque você vai para um curso, eles lhe dão manuais grandes e você fica olhando, achando que nunca vai falar uma palavra dessa. Você pega um texto, tem um folder na sua mão, que a gente chama de literatura ou Visual Aid, e tem que falar aquilo para o médico. Então você olha para o médico e tem hora que não consegue falar nada, mas a gente sempre esteve acompanhado pelo supervisor e o médico dá aquele apoio. Aconteceu comigo, você decora aquele texto enorme, quando chega na frente do médico você sabe o começo e o fim, o meio você esqueceu tudo. Comigo não foi diferente, tremi muito, lembro que foi na Fundação Getúlio Vargas, instrutora Maria Auxiliadora, ficou gravado, para isso eu tenho uma memória boa. Ela foi muito educada e o supervisor também deu uma força.
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A supervisoria junto?
R - Sempre ia. Nas primeiras semanas o supervisor estava colado com você. Era um só. Onde você entrava, ele entrava, então... isso um pouco intimidava, mas também sabia que se eu errava tinha alguém que ia fazer por mim. Mas depois do segundo dia a gente se sente mais habituado e acomodado à profissão. Isso é legal, mas todo mundo treme.
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Hoje você que acompanha os propagandistas?
R - Hoje sou eu que treino, tenho a satisfação de poder treinar pessoas. O gostoso é saber que você tremeu e hoje você tira o tremor das pessoas. Isso é legal no meu cargo hoje. Isso é gratificante porque eu fui ajudado e hoje estou ajudando.
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E os instrumentos de trabalho, como era antes, você tinha uma mala, literatura...
R - A famosa Catarina, tem um codinome dela. Na época o Aché tinha muita amostra, nos vivíamos um outro momento onde a indústria farmacêutica não era tão bombardeada como tem sido hoje, a indústria ética. Mas nós tínhamos nossas literaturas, nossas fichinhas, o que a gente chamava de “blocão”, onde se dava baixa nos médicos. Todo dia tinha que dar baixa nos médicos, colocar data, se estava acompanhado da supervisão ou não, ou da gerência. Amostras nós tínhamos muitas e muitas. Literatura era assim, cada produto tinha sua respectiva amostra e literatura. Então era um trabalho relativamente fácil depois que a gente se acostuma, você tem toda a ferramenta na mão. A malona grande, que muita gente não gosta, na época o Aché tinha até as malas coloridas que chamava atenção. A minha era uma vinho, mas tinha uma verde, que diga-se de passagem, era feia. Tinha a preta e a azul, então ninguém queria ser da mala verde. (risos)
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Só o Aché tinha malas coloridas?
R - Só. (risos) Infelizmente tinha aquela mala verde horrível. Quando o pessoal ia para o sertão, o pessoal dizia: “Cuidado com a mala que qualquer burro ou vaca que tiver no caminho come a mala.” Porque tudo seco... Mas a mala era feia.
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Ao longo desses anos você acha que teve muitas transformações? Você, com sua experiência, sua trajetória dentro do Aché, você observou mudanças?
R - Eu diria assim: tanto na companhia como na minha pessoa, eu acho que eu cresci junto com o Aché. Eu com 21 anos era um moleque, novinho, sem experiência nenhuma de vida, não tinha uma profissão determinada. O Aché já havia passado por algumas transformações, mesmo sendo rígido, mas já tinha melhorado em alguns aspectos. Então nesse longo período, eu vou fazer nove anos de companhia, eu aprendi a ter uma profissão. Eu diria que o Aché me preparou para a vida, para o mundo hoje. Hoje eu sou gabaritado em alguns pontos, eu consigo falar em público, coisa que eu não fazia. Eu treino, eu posso ajudar. Eu cresci como pessoa porque o Aché naquela época era um pouco mais conservador, então esses limites, essas normas me fez crescer como homem, mesmo estando casado e no casamento também ajuda bastante. Eu diria que meu casamento e o casamento com o Aché foi muito importante para minha formação pessoal e profissional.
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Você falou que o Aché era um pouco mais conservador, em que sentido mudou?
R - Quando a gente fala um pouco do Aché, nós temos que ter um certo cuidado porque muitas coisas são deturpadas. A gente lembra que o Aché é uma empresa nacional, que briga com multinacionais, de grande poder financeiro. Então a gente tinha algumas normas, tipo começarmos um pouco mais cedo, visitarmos um pouco mais, sempre foi característica da companhia. Nós sempre visitamos mais do que os outros. Eu não diria que isso era um malefício, era necessário para a época, não porque eu sou gerente distrital da empresa que eu defendo isso, apenas estou sendo realista. Você não pode brigar com quem tem muito dinheiro fazendo o mesmo trabalho. A empresa já tem uma história, um suporte financeiro, quando dá prejuízo no Brasil você tira dinheiro de fora, você tem como manter. O Aché não, só tinha ela mesmo. Ou crescia com um pouco mais de rigidez no horário, no controle, para que pudesse crescer e provocar o que hoje nós somos: uma empresa forte, grande, transformada e com um embasamento e um reconhecimento pela classe médica muito grande. E hoje muito mais aberta. Pessoas que passaram pela companhia acertaram muito grande porque o Aché é o que é porque deve a elas. Hoje algumas não estão mais conosco, mas há um prosseguimento, as pessoas aprenderam a se modernizar, estão com novas tendências. Isso está ajudando o Aché e vai crescer mais, mas lembrando que nós temos 35 anos, comparar com empresas com 197 anos, como tem uma Schering, então fica difícil, precisava ser rígido. Muitas pessoas talvez não acertaram em colocações de palavras, mas não cabe a nós condenar ninguém porque não somos juízes, todo mundo tem que dar uma parcela. Como filho você paga uma parcela, às vezes o seu pai sobrecarrega um pouco mais você como ser humano, na profissão não é diferente. A gente sempre paga um preço para que outras pessoas possam usufruir daquele seu esforço. Isso engrandece como pessoa. O Aché não dava carro, hoje dá carro com ar condicionado. Melhorou com o sacrifício de algumas pessoas. Isso é importante, eu também estou dando minha parcela, quiçá no futuro outras pessoas terão acesso a tantas outras coisas com meu esforço. Isso me deixa contente porque eu vou ajudar a outras pessoas também.
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Tem alguns produtos que tenham marcado você, algum que você gostava de fazer a propaganda, vendia mais, gerava receituário? Como é a relação com o produto?
R - Sempre tem, você sempre acaba gostando mais de um produto do que de outro. Eu passei por vários lançamentos, mas um produto que eu sempre gostei até por causa de uma ação que eu fiz com uma médica, foi o Parasin, que é um antihelmíntico, um remédio para verme. Eu visitava essa médica, mas ela não gravava nunca. Ela dizia: “Eu não consigo lembrar do Parasin, só lembro do Zentel.” Na época nós dávamos umas balinhas de banana super gostosas de brinde. Uma vez eu fiquei revoltado, eu disse: “Vou fazer alguma coisa para mudar”. Eu peguei minha mala, tirei todas as amostras e enchi de muitos pacotes de bala. Eu fui visitar a médica, doutora Maria Anaildes, em João Pessoa, visitando ela falei: “Doutora, hoje eu vim falar do Parasin.” “Ah, o Parasin, eu não consigo lembrar ainda.” “Não tem problema, doutora.” Aí fui tirando de saquinho em saquinho e fui fazendo uma montanha de Parasin na mesa dela. Eu criei um carinho por esse produto, que ela passou a confirmar na prescrição depois. Foi um momento legal porque às vezes a gente cria alguma coisa do nada e dá certo. Deu certo e eu tenho um carinho muito especial por esse produto, hoje até estou trabalhando com ele de novo, e satisfeito.
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Tem outras histórias similares ou parecidas a essa que você contou? Que fazem parte do dia-a-dia do propagandista ou do gerente distrital?
R - Tem coisas que em nossa função a gente precisa mudar tudo. Tem dia que o grande mal de muitos propagandistas é a previsibilidade. Nós temos o mesmo serviço. A gente chega, abre aquela mala, “Doutor, dá licença”, e entra. Às vezes precisa mudar um pouquinho para dar uma graça, dar uma tônica diferente àquela propaganda. Eu me lembro de uma outra que eu rasguei uma literatura porque a médica disse que não prescreveria mais Traconal, caso a propaganda viesse... É que aparecia na literatura uma mulher na horizontal, numa penumbra onde aparecia a sombra do seio da mulher e a coxa. A médica não gostou, aí eu rasguei a literatura. Mas era uma médica muito querida. Às vezes acontece, precisa mudar um pouquinho para atrair o médico. Precisa ser um pouquinho menos “profissional” de seguir aquela literatura, de seguir aquele texto e ver o que o médico precisa. Às vezes, ele só quer conversar com você. Às vezes, você atende aqui e tem umas 20 pessoas só reclamando de dor. Dói isso, dói aquilo. Aí, entra um cara com uma mala preta e conversa outra coisa com você, isso lhe marca. E acaba que você começa a prescrever aqueles medicamentos para aquele propagandista pela afinidade pessoal, de ele ter lhe ajudado, de ter sido às vezes compreensivo na hora que o médico não pode lhe atender. Enfim, tem coisas muito importantes, tem que ter uma percepção, um tato muito fino e olhar para o médico e bater: “Agora eu posso falar ou não posso, agora eu vou fazer assim.” Porque aí dá certo. O relacionamento pessoal na nossa profissão é muito importante.
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Você tem uma ligação da sua vida pessoal com o Aché, você podia também deixar registrado. Eu queria que você contasse essa questão do seu filho, e essa ação do Aché, essa testemunha pessoal que você disse que queria deixar gravado.
R - Além
da minha formação profissional e pessoal, essa é uma das coisas que mais me marcou na minha vida. Eu tenho uma filhinha que vai fazer 10 anos e depois eu tive um filhinho que nasceu prematuro e depois de 10 dias veio a falecer. Logo após, depois de um ano, minha esposa ficou grávida e aí nasceu o Pedrinho. Pedrinho nasceu em 94, em novembro e também nasceu prematuro, infelizmente. E acarretou, ele teve uma meningite, teve uma septicemia, teve uma hemorragia intracraniana grave. Isso acarretou que ele ficou com muitas seqüelas. Eu passei minha férias todas dentro da UTI, com Pedro. E no decorrer do tempo, eu já tinha uma filhinha e eu olhava para o meu filho e via que algo estava errado. Embora eu tivesse um acompanhamento médico, parecia que alguma coisa faltava, que alguma coisa não se encaixava. Meu filho com cinco meses não sentava, não fazia nada. Era assim, deitado, era visível que ele era estrábico, então a gente via. Teve um dia que eu fiquei com a pulga atrás da orelha e fui procurar outro médico, doutora Sônia Farias, em João Pessoa. Ela falou: “Olha Merino, o teu filho é grave, o teu filho não vai andar, não vai falar.” E isso... acabou o mundo naquele dia. Começou uma luta grande porque, “Caramba, agora meu filho não vai ser ninguém.” E aí eu comuniquei toda a companhia, ao meu gerente, ao meu supervisor na época, meu diretor. Isso começou a gerar uma luta grande, a gente começou a ficar desesperado porque pessoas “normais”, eu digo normais porque não tem nenhum problema, não estão prontas, muito menos eu que tinha 23 anos, prontas para encarar uma situação difícil com um filho. Aí eu comecei a fazer um tratamento com meu filho, cheguei a vir para Recife, aí descobri um outro problema, que meu filho também não escutava, tinha um problema de audição. Sintetizando: ele tinha um problema de visão, tinha um problema de audição, não andava, não falava, não era nada. Era uma criança deitada. Aí eu comecei a precisar fazer tratamentos em São Paulo. Como eu relatei para você, na época o Aché era um pouco mais rígido com algumas coisas. Então a gente não tinha história, não tinha relato de alguma ajuda que pudesse vir da empresa. Embora eu tivesse uma remuneração boa para a minha função, mas meu filho exigia muito dinheiro. Então eu consultei a médica e ela me mandou ir à São Paulo. Fui à São Paulo pela primeira vez e o diagnóstico dizia que meu filho precisava fazer uma cirurgia no olho, uma cirurgia no ouvido e precisaria de um acompanhamento contínuo de psicólogo, de fono, terapia ocupacional. Voltei mais desesperado ainda, porque o médico disse que tinha que operar, eu não tinha condições, eu também não ia sair de João Pessoa, de Recife para ir para os piores médicos de São Paulo. Eu procurei o que havia de melhor. Aí eu vendi um carro para pagar essa primeira viagem, comprei um fusquinha. Na época o Aché não criou problema nenhum e comecei a comentar com meu supervisor que eu precisava fazer a cirurgia do meu filho. O pessoal logo deu uma ajuda, mas não havia se pronunciado assim de querer e poder fazer algo mais do que isso, a não ser o apoio. E eu sempre continuei trabalhando. Meu filho teve que ir para São Paulo. A gente conseguiu juntar, assim, pega um familiar e outro para mandar ele para São Paulo. Esse deve ter sido uns dos dias mais marcantes da minha vida porque ele foi e eu não estava. Estava só minha esposa e o Pedrinho. Numa sexta-feira eu estava num determinado local visitando, e recebi uma ligação e ... (emoção) ... e aí eu recebi essa ligação desse meu gerente que perguntou para mim: “Almerino, como estão as coisas em São Paulo?” “Ele vai operar amanhã”, que seria no sábado. Ele perguntou se eu queria ir. Eu disse que queria, mas que não tinha condições. (choro) Então, na época, ele disse: “Pode ir.” O Aché me emprestou dinheiro... (suspiro) me liberou do trabalho e eu fui ver a cirurgia do meu filho. (suspiro) Isso fez um vínculo muito grande porque na época salvou a minha vida, né?
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Você viu que não era uma prática do Aché, não é?
R - Eu não tinha conhecimento que o Aché emprestava dinheiro para ninguém, assim. Mas foi uma coisa que o meu diretor, o meu gerente fizeram que talvez quebraram paradigmas que a empresa tinha. Mas fizeram isso por mim, fizeram isso pelo meu filho. Nem por mim, por meu filho. Eu pude estar presente na cirurgia de meu filho, que talvez tenha sido a maior gratidão que eu tenho pela empresa. Eu não sou submisso pela empresa, eu sou grato. Quem é pai, quem é mãe sabe o que eu estou falando porque é muito bom saber que alguém olha pelo seu filho. Naquela época o Aché fez isso comigo. Eu precisei ir outras vezes também e o Aché teve do meu lado, o Aché me tirou do trabalho, o Aché conseguiu me ressarcir muita coisa que eu precisava porque eu ia para São Paulo e gastava um horror. Eu trazia os recibos o Aché conseguia me ressarcir de certa forma, mesmo pela tabela da AMB, mas era um dinheiro precioso para mim porque na época fazia falta. Essas coisas que o Aché fez, talvez eu não passe a vida toda na empresa, eu sei o que é estar numa empresa privada, mas independente de estar ou não, o Aché está no meu filho. Hoje, mesmo ele não falando, (emoção) mas é muito melhor. Escuta, vê. (choro)
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Ele fez tratamento de fisioterapia?
R - (suspiro) Quando ele voltou ele precisou muito de fisioterapia, na época meu plano de saúde só dava direito a 20 sessões. Na época o Aché conseguiu 300 e poucas sessões de fisioterapia para o meu filho. Na época ele precisava muito o que se chamava “Estimulação Precoce”
e o Aché conseguiu isso também. Então, hoje o fato de meu filho andar, mesmo não tendo a coordenação fina, coordenação motora fina, ele pede, ele anda, ele corre. Essa parcela o Aché tem junto comigo, a luta foi grande, o esforço foi grande. O dinheiro talvez tenha ajudado, mas o ato das pessoas da companhia no dia, de me tirar, de me deixar perto de um ente que era a coisa que eu mais queria, e de me apoiar durante todo esse tratamento, vai marcar minha vida pelo resto da vida. Espero que um dia meu filho possa falar para compreender, ele tem ainda um retardo mental, que ele possa entender que alguém, fora o pai e a mãe, e logicamente Deus, que alguém ajudou. Alguém se prestou a isso. O Aché fez isso por mim e essas ações de uma empresa valem mais do que qualquer outra coisa. A gente carrega isso. Hoje o Aché tem uma política social até mais aberta, abriu os olhos bem grandes para isso. Eu sei que tem outros colegas também que tem problemas com os filhos e o Aché está mais preocupado com isso. Então, mesmo ter sido ressarcido, mesmo ter sido liberado de trabalho, mas o que me deixa feliz é que outras pessoas também tem problemas e a empresa já se mostra muito mais sensível, até porque hoje nós temos dentro do próprio conselho administrativo, que é o Sr. Victor Siaulys, que tem uma filha com deficiência visual, ele sabe o quanto isso pesa para um pai. Eu sei o quanto a gente sofre porque a discriminação é uma coisa normal. Certas pessoas não estão preparadas para encarar uma criança diferente, então a gente passa por transformações, eu mesmo já pedi a Deus, por mais duro que pareça, certas vezes, que levasse meu filho, porque você fica muito angustiado. Você olha e fala: “O que meu filho vai ser?” Hoje como criança, as crianças já brincam, ironizam, os adultos olham diferente. E quando ele crescer, o que ele vai ser? Mesmo desse lado a gente aprende porque chega a um certo ponto de maturidade que hoje eu sou feliz com o meu filho do jeito que ele é, mas demorou. (emoção) Demorou e demora muito, inclusive os pais que vivenciam isso, não é fácil. Você ter um filho deficiente no Brasil não é fácil, porque faltam instituições que possam melhorar a qualidade de vida, pessoas mais dispostas, escolas preparadas. Porque eu não quero colocar meu filho numa escola diferente, eu quero botar numa escola normal como estuda hoje. Então falta isso. Crianças deficientes sofrem nesse país ainda, mas as empresas que ajudam fortalecem o relacionamento junto com o profissional. Eu sou uma prova viva disso e é muito mais gostoso você trabalhar numa empresa que olha para seus filhos. Esse testemunho, eu fiz até questão de vir e dar esse testemunho para que fique gravado na história do Aché, talvez existam outros, eu sei que tem outros, mas o agradecimento eterno do meu filho e de minha esposa, isso o Aché vai ter, independente de empresa. Eu não estou querendo por isso: “Ah, o Almerino tem uma história bonita, comovente, isso faz dele uma pessoa diferente dentro da empresa.” De forma alguma, independente de qualquer coisa. Eu separo muito isso. O meu filho foi ajudado financeiramente, psicologicamente pelas pessoas que fazem a empresa, e ainda são, porque o Aché continua autorizando as fisioterapias dele, mesmo mudando a legislação do plano de saúde, mas há tempos atrás o Aché continua estendendo isso para mim, e eu me sinto privilegiado. Quando estive em São Paulo, a Márcia, outros diretores que não estão mais conosco hoje, mas me atenderam, me escutaram. Isso é importante. O funcionário poder olhar para companhia e falar assim: “Alguém daí está me ouvindo, alguém daí está me entendendo.” Talvez não fazer grandes ações, mas entender. Isso é muito importante para a empresa, que ela estenda isso, que as pessoas que tem problemas, independente de estar na companhia ou não, mas que a empresa olhe com carinho porque essas pessoas precisam. Eu precisei, fui escutado. Eu estava num curso de aperfeiçoamento de talento, na época em São Paulo. E me tiraram do curso para falar comigo. Eu me senti assim: “Eu sou super importante para empresa”. Desde então eu continuei minha carreira na companhia e espero poder ainda prestar bons serviços para a empresa, minha luta é essa até porque meu filho precisa do meu emprego. Eu sou um privilegiado porque, mesmo ainda não ter concluído um curso superior, tenho um salário diferenciado, tenho benefícios impares, meu filho precisa de meu emprego. Ele precisa de meu emprego, eu preciso de meu emprego, eu preciso do Aché, o Aché precisa de mim. Essa gratidão é eterna mesmo às pessoas do Aché. Isso eu vou levar comigo.
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Você teria alguma coisa a colocar, da minha parte está excelente a entrevista.
R - Está bom Stella, agradeço pela oportunidade e desejar que possamos colher grandes frutos ainda juntos. Obrigado.
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Parabéns pela força e pela garra. Muito obrigado.Recolher