IDENTIFICAÇÃO
José Ignácio Fonseca, nascido em três de julho de 1930 em Três Corações, Minas Gerais.
EDUCAÇÃO / FORMAÇÃO
A minha formação básica é de engenheiro civil, de minas e metalurgia, formado pela Escola de Ouro Preto. Na época, eram três cursos simultâneos. Depois, eu me formei também em Geologia, pela Universidade de Wisconsin, nos Estados Unidos.
INGRESSO NA PETROBRAS
Eu entrei na Petrobras tão logo concluí o meu curso em Ouro Preto. Eu terminei em dezembro de 1955 e entrei em fevereiro de 1956. Ainda no quinto ano da Escola, nós recebemos uma visita do Senhor Nagel – ele era um dos gerentes do Walter Link – e mais duas pessoas, um era o Senhor Frederico Lange, tentando angariar alunos de Ouro Preto. Todos que quisessem entrar teriam lugar na Petrobras. Na época, as turmas de Ouro Preto eram muito pequenas. A minha turma era a maior até então, eram 24 alunos apenas. Então, nós todos fomos convidados para ingressar na Petrobras no quinto ano da Escola.
Eles se comprometeram, por escrito, que aqueles que se dessem bem na Petrobras num período de dois anos, eles mandariam fazer um curso de especialização nos Estados Unidos. Mandaram isso por escrito para Ouro Preto, tal era a dificuldade de encontrar pessoas de nível de engenharia, mas com conhecimentos de geologia. Naquela época não existia escola de geologia. Ouro Preto era a única escola que tinha um currículo bastante pesado em geologia. Essa era a razão porque nós fomos convidados.
TRAJETÓRIA PROFISSIONAL
Eu ingressei na área de exploração no Rio de Janeiro. Imediatamente, eles me mandaram para o sul do Maranhão, em fevereiro de 1956. Eu me formei em 1955, no fim de ano. Dois meses depois, estava aqui. Então, fui designado para acompanhar um poço no sul do Maranhão, na cidade de Balsas, onde eu fui assistente do doutor Carlos Walter Marinho Campos, que também foi meu colega em Ouro Preto – ele foi diretor da Petrobras e é falecido hoje. Então,...
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José Ignácio Fonseca, nascido em três de julho de 1930 em Três Corações, Minas Gerais.
EDUCAÇÃO / FORMAÇÃO
A minha formação básica é de engenheiro civil, de minas e metalurgia, formado pela Escola de Ouro Preto. Na época, eram três cursos simultâneos. Depois, eu me formei também em Geologia, pela Universidade de Wisconsin, nos Estados Unidos.
INGRESSO NA PETROBRAS
Eu entrei na Petrobras tão logo concluí o meu curso em Ouro Preto. Eu terminei em dezembro de 1955 e entrei em fevereiro de 1956. Ainda no quinto ano da Escola, nós recebemos uma visita do Senhor Nagel – ele era um dos gerentes do Walter Link – e mais duas pessoas, um era o Senhor Frederico Lange, tentando angariar alunos de Ouro Preto. Todos que quisessem entrar teriam lugar na Petrobras. Na época, as turmas de Ouro Preto eram muito pequenas. A minha turma era a maior até então, eram 24 alunos apenas. Então, nós todos fomos convidados para ingressar na Petrobras no quinto ano da Escola.
Eles se comprometeram, por escrito, que aqueles que se dessem bem na Petrobras num período de dois anos, eles mandariam fazer um curso de especialização nos Estados Unidos. Mandaram isso por escrito para Ouro Preto, tal era a dificuldade de encontrar pessoas de nível de engenharia, mas com conhecimentos de geologia. Naquela época não existia escola de geologia. Ouro Preto era a única escola que tinha um currículo bastante pesado em geologia. Essa era a razão porque nós fomos convidados.
TRAJETÓRIA PROFISSIONAL
Eu ingressei na área de exploração no Rio de Janeiro. Imediatamente, eles me mandaram para o sul do Maranhão, em fevereiro de 1956. Eu me formei em 1955, no fim de ano. Dois meses depois, estava aqui. Então, fui designado para acompanhar um poço no sul do Maranhão, na cidade de Balsas, onde eu fui assistente do doutor Carlos Walter Marinho Campos, que também foi meu colega em Ouro Preto – ele foi diretor da Petrobras e é falecido hoje. Então, fui ser assistente dele. Ficamos lá uns três ou quatro meses e ele foi designado para os Estados Unidos. Eu fiquei no poço, acompanhando. Logo em seguida, fui transferido para Sergipe, para ser assistente de um geólogo alemão, Mr. Fritz Bender, para mapear a Bacia de Sergipe.
EXPLORAÇÃO NO MARANHÃO
O Maranhão não tinha nada, era o fim do mundo. Para chegar ao Maranhão, nós tivemos que pegar um avião, com escala em Sergipe, em Pernambuco. Eu acho que era um Constelation. Daí para frente, pegamos um DC3 e fizemos escala em São Luis do Maranhão. Pernoitamos em São Luis. No dia seguinte, pegamos outro DC3 e fomos para Balsas. A pista era de terra. Lá tinha um acampamento da Petrobras, porque estavam furando um poço para petróleo, mas estava seco como todos do Maranhão.
Balsas era uma cidade pequena, mas muito agradável. A turma da Petrobras conseguiu um entrosamento muito bom com a sociedade local. Tinha um médico lá, o Doutor Rosi, que era uma pessoa formidável; nós ficamos amicíssimos. Também, havia pouca gente de nível na cidade. Não havia estrada asfaltada, nada disso. A região era dominada por um areal tremendo. Para dar uma idéia, às vezes, até jipe atolava na areia. E jipe com dois diferenciais. A locação ficava há uns 15 quilômetros da cidade. A cidade de Balsas tinha alguma infra-estrutura, tinha um colégio dos padres. Inclusive é a cidade onde nasceu o José Coutinho Barbosa, que também foi diretor da Petrobras. Quando nós fomos, ele era um garoto ginasiano, devia ter uns dez anos. De lá fui para Sergipe.
SERGIPE E ALAGOAS
Naquela época, não tinha essa conversa de te dar tempo para pensar, para arrumar as suas coisas. A ordem era a seguinte: “Esteja amanhã em Aracaju a tal hora. Pega o avião aí e não tem conversa.” Tem até um fato interessante: lá o chefe de campo era um engenheiro de perfuração – Osvaldo Garcia de Azevedo – muito amigo, e eu ia ser padrinho do filho dele, mas não pude ser. No dia seguinte, eu recebi uma comunicação via rádio às dez horas da manhã e, no outro dia, eu já estava viajando para Sergipe, onde já me esperava no aeroporto, o geólogo alemão Fritz Bender, com quem trabalhei mapeando a Bacia de Sergipe.
Em seguida, fui transferido para Alagoas. Houve um fato meio pitoresco, porque um colega de Alagoas estava sendo ameaçado de morte por um marido ciumento. Alagoas naquela época... Então, a Petrobras resolveu me mandar para lá e trazer esse rapaz para cá. Era só ciúme, porque esse rapaz nem era de nada, era até meio afeminado. Mas por isso fui dar com os costados em Alagoas, onde fui assistente de um geólogo canadense.
GEÓLOGOS E GEOFÍSICOS – DÉCADA DE 50
Eram quase que exclusivamente estrangeiros; muitos. Toda a parte técnica era de estrangeiros, principalmente, os americanos. Na equipe do Link tinha muita gente do Canadá. O Link, inclusive, era da escola no norte dos Estados Unidos, para onde ele me mandou. O irmão dele, o Theodore Link, foi o cara que descobriu o petróleo no Canadá. Ele queria ser o descobridor de petróleo no hemisfério sul, já que o irmão foi do hemisfério norte. Quando chegou, ele foi para Nova Olinda. Ele concentrou o serviço no Amazonas, porque um poço em Nova Olinda, infelizmente, deu um show de óleo e, com isso, a Petrobras gastou fortunas lá sem nenhum resultado.
TRAJETÓRIA PROFISSIONAL
Eu tive esse itinerário no Maranhão, em Sergipe. O alemão não falava uma palavra em português quando chegou aqui no Brasil. Então, na nossa equipe, eu era o único cara que tinha condições de dialogar com ele. Felizmente eu tinha feito um curso de inglês bastante razoável em Três Corações e tinha um vocabulário bom. Quando me mandaram para Alagoas, eu já estava falando inglês com o alemão e fui ser assistente do canadense, que tinha um inglês completamente diferente; inglês de estrangeiro é muito fácil. Ele também falava um pouco de português, eu falava com ele em inglês. Um belo dia, num trabalho de campo daqueles, o Mister Link e o Morales foram visitar as equipes. Nós estamos numa equipe de gravimetria em Penedo, na divisa de Sergipe e Alagoas. Estávamos jantando. A maior parte era de americanos, tinha um alemão, e a língua no jantar era o inglês. Nessa época, o geólogo chefe, a segunda pessoa do Link era o Senhor Luis G. Morales, que era um colombiano, mas praticamente americano – filho de um embaixador colombiano nos Estados Unidos. Nesse jantar eu participei da conversa em inglês. Eu tinha um ano e pouquinho de Petrobras. O compromisso da Petrobras era de dois anos. E ele me falou: “Oh, Zé Ignácio, o seu inglês está tão bom ou melhor que o do Carlos Walter, que já foi para os Estados Unidos.” Para minha surpresa, um mês depois, eu recebo um convite para antecipar minha viagem para os Estados Unidos. Eu ganhei um ano em relação aos meus colegas, porque fui um ano antes.
A universidade era escolhida pelos americanos, principalmente pelo Mister Link. A escolha foi Wisconsin, que era a escola dele. É uma escola de geologia pequena, mas com um plantel de professores espetacular. Muito boa mesmo. Eu fui para Wisconsin com o compromisso de fazer média B. Na Universidade de Wisconsin, o B começava em 83. Eu estava acostumado com aquela dureza de Ouro Preto; tirar oito em Ouro Preto era muito difícil. Achei que seria até impossível. Aí com o tempo, verifiquei que a maneira deles de graduar as provas era diferente, relativa, porque eles pegavam a melhor prova, independente de estar 100% correta e davam dez para ela. Aí, aumentava-se o número de pontos. Vamos supor: eu tiro nove, então aumentou para dez. Ele aumenta um para todo mundo. Então, com isso, é uma nota relativa, mas foi o período que eu mais estudei.
Naquela época, a escola Ouro Preto tinha a melhor matemática do Brasil, seguida pelo ITA e pelo IME. Ouro Preto era a primeira em Matemática. Tanto que lá em Wisconsin, a turma é muito boa em geologia, mas fraca em matemática. Eu era engenheiro e eles não, eram simplesmente geólogos. Então eu passei a gabaritar tudo quanto era prova que tinha matemática envolvida. A matéria mais difícil era geologia estrutural, que o professor costumava até me mandar ao quadro resolver o problema para a turma ver. Então, em pouco tempo, realmente, eu fiquei com prestígio na escola e isso facilitou tudo.
WALTER LINK
O Mister Link era uma pessoa que pra nós, que trabalhamos subordinados a ele, foi um chefe de exploração espetacular. Tinham campanhas contra ele dizendo que era entreguista, que nunca ia achar petróleo no Brasil, mas tudo conversa fiada de leigo que não entende do assunto. Ele implantou na Petrobras o sistema da Standard Oil of New Jerssey, onde ele foi chefe de exploração. Então, não era qualquer pessoa. O sistema era o seguinte: ele implantou na Petrobras, no departamento de exploração, o sistema de exploração da Standard Oil of New Jersey. Em resumo: ele aqui no Brasil redigiu manuais de todas as especialidades: manual de sísmica, manual de geologia de superfície, manual sub-superfície, com os detalhes de procedimentos e tudo. E, nessa época, os brasileiros passaram a ser assistentes dos americanos mais experientes – a maior parte deles, outros muito ruins, mas isso é normal numa população grande; tem bons e ruins.
Quando eu fui para os Estados Unidos em 1957, o Link ainda estava aqui. Quando eu voltei em 1959, ele me recebeu. Logo em seguida ele saiu, acho que foi em 1960.
TRAJETÓRIA PROFISSIONAL
Eu voltei dos Estados Unidos dois anos depois. Teve até uma passagem interessante: pelo fato de eu ter conseguido boas notas lá, um dos meus professores escreveu para o Link, dizendo que naqueles dois anos que ele tinha me dado, eu poderia tirar o mestrado, pelos créditos levados de Ouro Preto. E, pela minha performance lá, eu tinha condições de fazer o mestrado. Mas para isso, fora da área de exploração e geologia, eu teria que fazer duas cadeiras: História dos Estados Unidos e Geografia Americana. Escreveram para o Link. Eu falei: “Eu estou interessado, lógico, né?” O Mister Link respondeu, me parabenizando, mas dizendo que para a Petrobras essas duas cadeiras – Geografia e História dos Estados Unidos – não interessava nada. E o mestrado também não interessava, a maior parte dos americanos aqui não tinham mestrado e que, em vez dessas duas matérias, era preferível que eu tirasse mais duas de geologia. Eu achei que raciocínio dele estava correto e assim fiz. Terminei o curso, vim para cá.
Na volta ao Brasil, eles me seguraram no Rio por mais ou menos uns dois meses, para fazer um estágio com o staff da Petrobras. Todos os chefes eram americanos: o Mister Link era chefe de exploração, o Mister Morales era o chefe-geral, o assistente do Link era um tal de Blank Nagel, o chefe de geologia de superfície era Clyde Deal, que era também lá de Wisconsin. O Link, o Deal e mais outro da sísmica eram de Wisconsin, por isso que eles me mandaram para lá e mandaram também vários outros. Então, eu fiz esse estágio de dois meses. Eu sou um geólogo que pode ser considerado de muita sorte na Petrobras, porque daqui do Rio eles me designaram para a Bahia, onde era o foco da exploração e onde se tinha petróleo. Eu fui para ser assistente do americano. Em seis meses, o americano foi ser supervisor na sede em Salvador e me deixou a chefia da equipe no Recôncavo, fazendo mapeamento de geologia, de toda a bacia sedimentar. O escritório era em Salvador. O sistema de folga era de seis por um: seis de campo e um de folga na cidade. Era pior do que o dos caras da sede. A gente morava em acampamentos. Depois de chefe de equipe, eu tive acampamento em Mata de São João, em Madre de Deus, em Valença, em Ilhéus. Mapeei quase que toda a área. E vi e descobri petróleo. Tive a sorte de achar petróleo em uma das minhas locações na área de geologia de superfície.
DESCOBERTA DE PETRÓLEO
A sensação é realmente espetacular. Eu descobri uma situação estrutural que valia uma locação, no sul da Ilha de Itaparica – eu mapeei as ilhas todas também. Então, o sistema apresentava uma locação no staff da laje de exploração, que era geofísico, engenheiro de sub-superfície, sísmica, gravimetria e o chefe geral que era o Acyr Ávila da Luz, geólogo também de Ouro Preto. Essa minha locação tinha a sigla, por coincidência, de JI, mas não é por causa de José Ignácio, e sim porque o lugar lá se chama Jiribatuba. Estavam furando e eu ainda estava lá mapeando a área. O geólogo de poço comunicou que iam fazer um teste, que tinham furado uma camada com indícios de petróleo e eu fui para lá, todo entusiasmado. No teste de formação você alivia a pressão, porque o poço é furado por uma coluna de lama para não deixar os fluidos lá de baixo saírem, para evitar blow out e essas coisas. O poço é furado com uma lama pesada para manter o equilíbrio e para outras várias funções. Para testar, você desce uma ferramenta especial com um cilindro de borracha. Quando você ancora a cauda do testador no fundo do poço aquele cilindro se expande e isola toda a coluna que está acima dele. Com isso, o fluido da formação entra nos furinhos, nos buraquinhos do tubo e sai na superfície. A sensação na hora é quando você está na superfície, porque primeiro, o tubo de teste está cheio de ar, então você prepara uma linha de insurgência, uma tocha com fogo. Primeiro é o ar que sai da coluna, qualquer coisa que está entrando: água, óleo ou gás – sopra primeiro o ar que está enchendo a coluna. Começou a soprar, e quando sopra já é um bom sintoma, está entrando algo na coluna. Podia ser água salgada. Começou a soprar ar e de repente pegou fogo. O gás já estava misturado com o ar e pegou fogo. Não era coisa grande não. Era muito modesta, mas de qualquer forma... Ficamos esperando. E estava queimando gás. De repente, o tubo começou a vomitar óleo. Petróleo mesmo, preto Então, é aquela alegria tremenda, por participar diretamente de um furo que deu óleo. Como eu disse, a minha sorte na Petrobras, foi terem me mandado para uma bacia dessas, onde eu aprendi muito e tive a oportunidade de sentir cheiro de petróleo. O pessoal que foi para o Paraná e para o Amazonas não achou nada. Fazia aquela parte teórica, mas não sentia o óleo. Você mapear, apresentar uma locação, ser aprovado, ser furado e dar óleo. Ou não dá, mas de qualquer forma é isso.
TEORIA DA MIGRAÇÃO CONTINENTAL
Outra parte muito interessante da minha vida profissional: o meu chefe Acyr Ávila da Luz era um sujeito formidável. Ele recebeu uma carta da África dizendo que iam fazer um congresso na Nigéria. Naquela época não estava ainda provada a teoria da migração continental. A migração continental é que a África e a América do Sul formavam um continente único. Depois ele foi rachando e foi, aos poucos, se separando. Tinha um paleontólogo alemão que trabalhou na Bahia. E, na Bahia, nessa bacia onde eu trabalhei – os fósseis são os remanescentes de seres vivos que viveram na época em que foi depositado aquele sedimento – os fósseis da Bahia, se chamam ostracóides, uma conchinha pequeninha, são ostracóides de água doce. É um tipo de fóssil que só dá em água doce. Então, esse alemão, quando terminou o contrato dele com a Petrobras, foi para a Alemanha e, lá no Departamento de Pesquisa, começou a estudar as amostras que ele recebia da África – ele era um cara formidável. Ele constatou que tinha ostracóide de água doce no Gabão iguais aos da Bahia. Como podia ser isso? Com um oceano no meio, o Oceano Atlântico, como poderia ter o mesmo fóssil de um lado e do outro? Era a prova contundente, porque na época era um grande lago de água doce, com a Bahia de um lado e o Gabão do outro, e isso foi depositado. Então, como eu tinha mapeado recentemente o Recôncavo, o Acyr me indicou para apresentar um trabalho nesse congresso na Nigéria, um congresso internacional. Na época, aqui no Brasil, no Recôncavo, nós já estávamos bem mais adiantados do que eles do lado de lá, em matéria de descoberta de petróleo neste tipo de bacia no Gabão. Então, eu fui indicado para apresentar esse trabalho. Eu apresentei o trabalho no Congresso onde tinham pessoas de todas as companhias de petróleo: a Shell, a British Petroleum, a Elf francesa.
TRAJETÓRIA PROFISSIONAL
Este relatório causou muito interesse, porque essas firmas que estão lá tinham realmente interesse comercial, porque viram que poderiam aprender alguma coisa para usar do lado de lá, aonde tinham concessões e tentavam descobrir petróleo. Então, eu fui muito paparicado na África. Logo que eu acabei de apresentar o trabalho, eu recebi o convite do pessoal da Shell e da British Petroleum, que são extremamente fechados, para visitar os escritórios deles. Isso na Nigéria ainda. A Elf me convidou e me proporcionou uma viagem para ver a geologia do Gabão in loco. Então eu fui para lá e foi também um paleontólogo brasileiro que tinha trabalhado com esse o alemão. Ele apresentou um trabalho sobre Paleontologia e eu sobre Geologia Geral. No Gabão, nós fizemos uma viagem de campo. Acho que foi o primeiro geólogo que constatou in loco a prova definitiva da Migração Continental, não só pelos ostracoides, mas pela semelhança das rochas, de um lado e do outro, eram tais que eu podia mapear lá com os mesmos nomes que eu usava aqui: Formação Sergi, Candeias, Ilhas e tal. Eu fiquei entusiasmado com aquilo. O meu cicerone era um paleontólogo, um húngaro que nos acompanhou para mostrar essas rochas.
Depois eu fui apresentar ao geólogo chefe da Elf, Robert Gageonet, o resultado e o meu entusiasmo sobre o que tinha visto. Conversando com ele, disse: “Não tem dúvida, isso é prova cabal, porque não só os fósseis, mas as formações são idênticas, a seqüência é idêntica, as espessuras são muito semelhantes de um lado e do outro, um é um lado da bacia e outro é o outro. Agora, só tem uma parte no mapa que eu, realmente, não vi semelhança. Daqui pra cá, é tudo igual, eu mapearia com os mesmos nomes, mas essa formação aqui, que vocês estão dando esse nome, eu não tenho na Bahia. Então, eu discordo.” Veja como são as coisas O Gageonet falou: “Não vou lhe responder. Espera um pouquinho.” Aí, foi nos arquivos e trouxe a última versão do mapa geológico dele, que já tinha mudado o nome da formação. Essa formação é muito mais nova e não tinha o equivalente na Bahia. Era bem posterior. Entre uma e outra houve um período de erosão grande. Então, a sorte que eu tive Eu vim do Gabão não só com as informações que foram apresentadas no congresso, como também com um monte de informações geológicas. Eu apresentei um trabalho, dei cópia para o pessoal e recebi em troca perfis sísmicos dos campos do delta do Niger, dos campos de Gabão, de domos de sal. Voltei para o Brasil entusiasmado. Eu ainda era da Bahia. Cheguei à Bahia, fiz vários relatórios, muitos deles, comentando relatórios que eu trouxe dos outros – das Companhias, da Elf, da Shell, British Petroleum –, fazendo analogia com o que nós tínhamos aqui no Brasil.
Eles passaram esses estudos porque receberam também, né? Geologia pode passar, sim. Não é tipo um mapa estrutural sísmico, que pode dar uma locação. Então, eu fui lá para o escritório e, todo mundo sabe que, dois técnicos começam a conversar, sai muito assunto interessante. E, com isso, na Shell, um paleontólogo falou: “Agora com esse seu trabalho que prova realmente que as duas metades da bacia, uma é o Gabão e a outra é o Recôncavo, eu tenho um problema muito sério que eu não consigo explicar. Quem sabe você me quebra esse galho?” O problema era o seguinte: eles tinham numa formação, que é mais ou menos da idade desses sedimentos, um fóssil, um pólen – um fóssil minúsculo das plantas – mas era um pólen re-trabalhado. É um pólen que estava numa rocha que foi erodida e depositada de novo, mas era um pólen do período Paleozóico, do Permiano, como se chama o período. Então, ele falou: “O meu problema é que esse pólen é permiano, é re-trabalhado e está aqui encaixado nos nossos sedimentos. E nós não temos permianos na África. Será que você não tem esse permiano lá do outro lado?” Eu falei: “Talvez tenha. Eu vou lhe mandar uma amostra.” E mandei uma amostra de uma rocha classificada como permiana também na Bahia. Não deu outra: aquele pólen saiu daqui para lá, lógico, no deslocamento. Então, era mais uma comprovação. Patente. Isso não tem dúvida nenhuma.
O Acyr Ávila da Luz ficou muito entusiasmado com esses relatórios que eu apresentei. Então, ele recomendou à chefia aqui no Rio, que eu apresentasse esses trabalhos em todos os distritos, para incentivar a turma. Eu trouxe tanta informação Na época, eu cheguei aqui entusiasmado: “Vamos deixar de terra.” O Link não queria terra, mas falou: “Para ter auto-suficiência tem que ir para o mar ou senão criar a Braspetro”. Foi isso que ele falou. Como conseqüência dessas minhas viagens, eu fui convidado pela diretoria da Petrobras, no Rio, para apresentar o meu trabalho. Porque alguém contou e eles ficaram entusiasmados com o meu otimismo em relação ao mar. Então, eu vim da Bahia para cá, apresentar esse trabalho e, logo em seguida, me mandaram ficar um mês aqui para fazer a primeira avaliação da plataforma continental brasileira. Isso em 1966, provavelmente.
Então, eu vim pra cá e fiz um relatório baseado em pouca informação, mas de qualquer forma eu classifiquei a Plataforma Continental com base naquilo que era importante do lado de lá, por exemplo, o delta do Niger. Então, eu evidenciei que deveríamos perseguir os deltas dos nossos rios e concentrar a exploração na foz dos grandes rios do Brasil, porque eles não mudaram muito de posição com o tempo geológico e, também, pelo sal. Eu tinha visto produção de petróleo em domo de sal. Domo de sal é quando faz aquele monte de sal. E, no Brasil, ninguém conhecia, não se sabia que tinha domo de sal.
DOMO DE SAL
O domo de sal é uma das estruturas favoráveis ao petróleo. Não quer dizer que tem, porque aqui tem domo e não teve. Pode ser uma indicação favorável, porque ele mexe. O sal, como todo sedimento, é depositado na horizontal. Quando fica uma camada de uns três, quatro mil metros, a pressão e a temperatura lá embaixo transformam o sal, que é sólido, em fluido e ele começa a migrar. Qualquer fraturazinha, qualquer lugar de menos resistência, ele começa a subir. Quanto mais sobe, faz aquela estrutura, aquele calombo, dobra as formações todas em volta. Então, cria situações de traps, como são chamados, armadilhas para segurar petróleo. Eu fiz esse relatório e com isso foi a primeira coisa que se fez incentivando a ida para o mar. A Petrobras resolveu ir para o mar de corpo e alma. Nesse meu relatório, a área que eu considerei mais importante foi o delta do Amazonas, mas foi uma decepção. Tinha estruturas de toda natureza, mas só faltava uma coisa: as rochas lá não estavam maturas. O petróleo ainda não tinha sido gerado. Daqui há uns cem milhões de anos talvez esteja lá. Mas eu também classifiquei a Bacia de Campos, o delta do Paraíba, eu pus na categoria A. Categoria “A” foi onde os primeiros projetos de exploração foram feitos, as linhas sísmicas, que se furou e tal. Outra coisa também, a vida de todo profissional depende de muita sorte, lógico O sujeito precisa ser competente, trabalhador, mas precisa de sorte, precisa estar na hora certa, no momento exato.
BRASPETRO / PRIMEIRA DIRETORIA
Com essa atitude, eu fiquei com um cartaz danado. Quem ficou meu fã número um foi o Doutor Geonísio Barroso. Ele já estava estudando a criação da Braspetro e me convidou para compor a primeira diretoria da Braspetro. Fui diretor com ele, que era o vice-presidente. O Geonísio foi realmente a mola mestra da criação da Braspetro. Ele tinha sido até presidente da Petrobras. Depois foi diretor e estava mais ou menos no ostracismo nessa época. Todos nós passamos por isso. Eu passei também. O Geisel chamou o Geonísio para ser um tipo de assistente técnico dele. E ele convenceu o Geisel que devia criar a Petrobras Internacional. E começou a estudar. Foi uma grande surpresa quando ele me convidou para ser diretor. Eu fui diretor de 1972 a 1980.
BRASPETRO CRIAÇÃO
A Braspetro foi criada em 1972. Em 1977, nós tivemos a maior descoberta do mundo. [O que impulsionou a criação da Braspetro], primeiro, foi o insucesso da Petrobras em terra. Na época, nós chegamos à conclusão que além do óleo da Bahia, se descobriu um pouco em Sergipe, mas nada substancial, nada que desse a auto-suficiência. Então, o próprio Link, quando ele saiu, ele teria falado que o Brasil em vez de gastar muito dinheiro nessas bacias de alto risco aqui, devia usar esse dinheiro explorando fora, arrumando concessões fora e também no mar. Mas, naquela época, a tecnologia no mar era muito precária, não se furava como se faz hoje, furava em água rasinha e tal. Então, foi isso. E nós geólogos, nesse meu relatório também eu disse: “Se quiser ter auto-suficiência é no mar. Vamos para o mar.” E fomos para o mar. Fizeram uns programas, nesse meio tempo o Carlos Walter passou a ser chefe de Exploração aqui no Rio e mandou brasa. E daí surgiram essas descobertas.
Nós conhecíamos tudo isso, porque as multinacionais reconheciam os procedimentos de como conseguir concessões, que eram contratos de serviços. Concessão é quando um país estrangeiro te dá uma área, você corre todo o risco e o que você descobrir, divide com eles. Isso a gente tinha conhecimento. Contrato de serviço, que é o que nós tivemos lá no Iraque, todo o investimento é por sua conta e risco, mas a partir do ponto que você descobre petróleo comercial, todo aquele investimento que você fez é ressarcido pela estatal deles. E ainda te dão uma vantagem no óleo descoberto. Em resumo é isso.
DOCUMENTOS HISTÓRICOS
A primeira carta é do doutor Pedro de Moura. O Doutor Pedro de Moura foi um grande geólogo da Petrobras, desbravador do Amazonas, do Acre. Também era lá de Ouro Preto. Naquela época, todo geólogo era de Ouro Preto. Eu tenho uma carta do Doutor Moura manuscrita. Naquela época, você fazia manuscrita, não datilografava, não tinha nada. Ele dizia que estava mapeando em Candeias e escreveu para o Mister Clayton, que devia ser um americano chefe, na época do Conselho Nacional de Petróleo, dizendo – ele tinha uma letra muito boa – que tinha constatado naquele mapeamento feito em candeias uma situação estrutural muito interessante que merecia um furo. Ele estava convidado esse Mister Clayton para ir a Candeias em tal dia, porque ele já tinha preparado as montarias – naquela época era a cavalo – para mostrar como ele estava entusiasmado. E esse lugar foi o primeiro campo realmente comercial, não foi o primeiro campo de petróleo da Petrobras. Mas o Campo de Candeias é a primeira descoberta realmente comercial de óleo. Porque Lobato, Itaparica, Aratu, isso tudo é pouca linha. Esse foi o primeiro campo realmente. Outro documento é uma carta do Mister Link, falando sobre o nosso sucesso no exterior, ele escreveu para o Doutor Geonísio Barroso dois parágrafos: que, através dos relatórios internacionais, da imprensa internacional, vinha acompanhando o grande sucesso da Braspetro na Líbia, na Argélia, no Iraque, na Colômbia e estava escrevendo para dar parabéns à equipe que ele conseguiu reunir na Braspetro. Ele ainda diz o seguinte: “não basta ser uma região extremamente prolífica em óleo, como é o Oriente Médio. Além disso, é necessário um comportamento, uma condução geológica exploratória muito inteligente para se descobrir petróleo. Então, a sua turma está de parabéns. Você conseguiu reunir uma turma de alto gabarito que se iguala aos melhores geólogos e geofísicos do mundo.” Uma cartinha assim, de dois parágrafos.
BRASPETRO / ESTRUTURA
A Braspetro foi estruturada como uma subsidiária autônoma, com a sua própria diretoria. O presidente [da Braspetro] era sempre o presidente da Petrobras, na época, era o Geisel. O vice-presidente era o Doutor Geonísio Barroso. Tinha apenas dois diretores: um diretor técnico, que era eu, e o diretor comercial e financeiro, que era o Carlos Sant’Anna. Assim foi estruturada a Braspetro, para agir de maneira independente, com toda liberdade.
Quando o Doutor Barroso me convidou foi uma surpresa muito grande, porque em 1972 eu 42 anos de idade. Era muito jovem e não esperava ser convidado para a diretoria. Eu ainda falei com ele: “Eu acho que o Senhor está sendo corajoso demais chamando uma pessoa com pouca experiência. Porque o Senhor não chama o Carlos Walter, que é mais experiente? De qualquer forma, eu agradeço o seu convite, mas eu lhe peço um tempinho. Eu vou levar essa notícia à minha esposa. Ela não vai dizer nada, mas só em consideração. Eu também quero a sua autorização para levar isso ao Carlos Walter.” Ele era chefe de exploração aqui, então a pessoa indicada seria ele para ser diretor e punha outro como chefe de exploração. Aí o Barroso – que era um político vivo, uma pessoa encantadora – ficou preocupado: “O Carlos Walter vai ficar ferido. Para sua mulher, tudo bem. Mas eu não te autorizo a falar com o Carlos Walter.” Eu disse: “Doutor Barroso, eu vou ser franco com o Senhor. Apesar de não ter autorização, eu vou falar porque só aceitarei se ele, o Carlos Walter, que é o chefe de exploração me ceder o pessoal todo que eu pedir.” Eu era assistente, era a segunda pessoa, e ele era o chefe de exploração. Eu era o Morales e ele era o Link da época. “Então, ele sabe que eu conheço o pessoal todo e aqui no Brasil a gente pode ter uns caras meio medíocres, uns muito bons, uns piorezinhos, mas a gente leva a coisa. Mas para o exterior só tem que ter gente boa. Eu tenho que falar com ele. Se ele se comprometer a me ceder os técnicos por mim escolhidos – porque eu conheço todo mundo – aí eu aceito.” E não deu outra. Eu fui falar: “Olha, Carlos Walter, eu acho que você é quem deveria ser convidado, mas o que eu posso fazer? Me convidaram...” “Ah, tudo bem. Pode aceitar que todo o pessoal que você quiser eu te dou.” E deu realmente. Então, nós reunimos essa equipe elogiada pelo Link, que foi cedida pelo Carlos Walter.
BRASPETRO / PRIMEIROS ANOS
Na fundação em si, o Geonísio Barroso já tinha formado um grupinho com duas pessoas. Um, principalmente, era um geólogo que, para mim, foi o mais inteligente que eu conheci na Petrobras. Ele já faleceu, era mais ou menos da minha idade: José Maria de Lima Perrella. Ele era engenheiro, nem era engenheiro de Minas, era lá de São Paulo, e fez o curso do Cenap aqui no Brasil. Eu fiz nos Estados Unidos, ele fez aqui. Mas o cara era brilhante. Então, o Barroso chamou o Perrella e o Baccar. O Baccar é um árabe, Muhamed Amin Baccar, muito bom também. O Barroso logo pensou: “Nós vamos para o Oriente Médio, vamos para o mundo árabe, então vamos pegar uma pessoa de origem árabe já ajuda. E ele é um ótimo técnico”. Com essas duas pessoas, eles começaram a estudar áreas. Não faltava área a ser estudada. Tem muita oferta de área, a maior dificuldade é selecionar, porque a maior parte do que te oferecem é “abacaxi”. Mas nós começamos com o pé direito mesmo, porque o primeiro contrato não foi com o Iraque, foi com a Colômbia.
BRASPETRO - COLÔMBIA
O Senhor Morales, o colombiano-americano, era muito amigo nosso. Ele estava na Colômbia e tinha uma companhia de petróleo já com algumas descobertas, mas estava tendo muita dificuldade financeira. Chamava-se Tennessee-Colômbia, um grupo americano e um grupo colombiano que fundaram essa companhia com a supervisão do Morales, que era um geólogo e geofísico brilhante. Tinham descoberto um campo de petróleo e não tinham dinheiro para desenvolver esse campo. Então, eles resolveram por a venda a companhia e nós nos interessamos e compramos essa Tennessee-Colômbia. Compramos e fundamos a COLBRAS – Petróleos Colombo-Brasileiros, da qual eu também fui diretor. O Morales era presidente desse grupo, e ele continuou. O grupo colombiano ficou com 50 por cento do Tennessee-americano e nós ficamos com 50 por cento Braspetro. Ai, começamos a enviar dinheiro, porque compramos e tal.
Já tinha uma produção de óleo, escritório, tudo funcionando, tinha tudo. Já tinha uma estrutura de produção mesmo. Eles já estavam produzindo nesse campo de óleo, só não produziam mais porque na época a Colômbia tinha deixado de ser exportadora para ser importadora de petróleo. Então, eles adotaram um preço extremamente baixo para qualquer petróleo que fosse encontrado na Colômbia. E nós começamos, furamos mais um poço, descobrimos outro campo de óleo. Chegamos a produzir 12, 13 mil barris por dia. Podia produzir 20, mas por causa da lei colombiana, não nos interessava porque ia ficar mais caro o investimento do que o retorno. Quer dizer, o óleo estava custando no exterior 27, 30 dólares, em plena crise do petróleo, e eles nos pagavam três dólares e 70. Então, não era econômico. Fomos levando, mas num certo ponto, falamos: “Bom, agora nós temos que vender”.
Isso foi em abril de 1972. Em julho, agosto, o poço que estava em perfuração já deu óleo. A compra foi rápida. A Petrobras forneceu o dinheiro, foi à vista o negócio. Achamos óleo e não podíamos desenvolver a produção porque era anti-econômico por causa do preço, não pela qualidade e o volume de óleo descoberto. Pensamos: “O que adianta? Nós estamos aqui marcando passo” Então, resolvemos vender a Colômbia. Foi um episódio muito interessante. O Morales participou ativamente, os colombianos também resolveram vender. Então, o Morales conseguiu uma companhia de petróleo, a Houston Oil Company, interessada em comprar. Agora você vai me dizer, uma companhia de petróleo comprar lá uma coisa que é anti-econômica? Mas isso ficou claro para mim depois. Eu fui designado para negociar esse contrato. A Braspetro mudou um pouco o enfoque que a Petrobras tinha em relação à exploração de petróleo. Aqui a gente furava de qualquer jeito, tinha uma pequena indicação, furava. Na Braspetro era diferente. Aqui, qualquer óleozinho poderia ser econômico, mas lá fora não. Então, o Perrella [José Maria Lima Perella] desenvolveu um estudo econômico, envolvendo o risco exploratório; um tipo de fluxo de caixa. Ele era um bom matemático. Ele desenvolveu esse processo que o sujeito fazia um fluxo de caixa descontado. Era muito simples, foi ele quem bolou: todo o dinheiro investido entra numa soma com sinal negativo e toda entrada, quando produz, entra com sinal positivo. Todo aquele investimento de risco, que é negativo, é multiplicado pelo risco. Se for um risco, um para dez, e se eu proponho investir três milhões, eu vou por lá no fluxo de caixa 30 milhões, porque o risco é grande, mas se eu descobrir eu vou “lavar a égua”. Mas, de qualquer forma, as chances maiores são de não descobrir. Então, na Braspetro, não se fazia nada sem uma análise precisa, uma análise econômica. Bom, na hora de vender a COLBRAS, em caso de venda precisava de autorização do Conselho de Administração da Petrobras. Nós fizemos a análise econômica e chegamos à conclusão que se vendêssemos as nossas ações – que eram 50% – por quatro dólares e meio a ação, nós teríamos um lucro razoável, sairíamos com lucro. Então levei essa análise econômica ao Conselho de Administração da Petrobras – onde estão todos os diretores e mais os conselheiros – e apresentei a proposta. Eu estava indo para Houston e queria que eles me dessem autorização para negociar a partir de quatro dólares e meio a ação. Eu fui pra lá e vendemos por nove dólares a ação. Nós tivemos um lucro de mais de 20 milhões de dólares, só nessa venda. Vinte milhões dólares, por uma coisa pequena. Então, nós começamos realmente com o pé direito na Petrobras. A Petrobras saiu da Colômbia, mas capitalizou.
CONTRATO COM O IRAQUE
Depois veio Majnoon. Em Majnoon foi a grande coisa. O Iraque foi a grande descoberta da Petrobras. O contrato do Iraque tinha sido assinado pela Petrobras. É interessante porque foi na época da nacionalização dos campos de petróleo no sul do Iraque, entre eles um bruto campo que tem lá chamado Rumaila. As firmas – não sei se era British Petroleum, Shell, eram das sete irmãs, não eram todas – entraram na corte internacional para embargar o óleo de Rumaila. Nenhum país podia comprar o óleo embargado desse campo. O Geisel, então presidente da Petrobras, tinha muito prestígio com o – não sei se era o Castelo Branco ou qual era o presidente, era ditadura –, comprou o óleo embargado e mandou tropa lá para Santos e desembarcaram. O primeiro óleo embargado de Rumaila desceu no Terminal da Petrobras. Com isso – o árabe é sensível a essas coisas – nós ficamos com um prestígio tremendo. Foi o país que teve coragem de peitar as multinacionais. Então, como nós estávamos naquela fase, eles ofereceram três áreas para nós. Era um contrato leonino. Para dar uma idéia, esse contrato de serviço só seria rentável se a descobríssemos óleo para uma produção diária superior a 200 mil barris. Era mais do que produção do Brasil. Abaixo de 200 mil, o negócio era tão leonino que daria prejuízo para nós, seria anti-econômico. Mas entramos no contrato.
IRAQUE / DESCOBERTA DE MAJNOON
Das três áreas do contrato, duas foram negativas. A terceira era em Basrah, onde foi encontrado o Campo de Majnoon. Nós estávamos no Oriente Médio; se você começa a fazer sísmica e descobre uma inversão, a camada está dobrada pela linha sísmica, aí já é quase 80 por cento de chance de ter uma grande estrutura com óleo. Tanto que, quando o nosso geofísico descobriu essa inversão, ele comemorou a descoberta do Majnoon: “Vai ter um campo grande” Muito suave e numa enorme área, né? Então, aprovamos uma locação, fizemos todos os detalhes, mapeamos a estrutura. A nossa convicção era tão grande que nós aprovamos por nosso risco: se não desse em nada, nós íamos perder tudo, risco exclusivo. Aprovamos duas locações distantes de seis quilômetros uma da outra. Dessas duas locações, a primeira foi Majnoon, onde se descobriu seis horizontes com óleo, gigantes. A seis quilômetros do primeiro, o Majnoon 2, comprovou os seis, mostrou que tinha extensão até lá, seis quilômetros, e descobriu mais dois horizontes. Depois que nós furamos uns 12 poços de desenvolvimento, nós chegamos à conclusão que tínhamos descoberto um campo de cerca de 10 bilhões de barris de reserva, que poderia dar uma produção de um milhão de barris por dia. Um troço espetacular Era a maior descoberta do mundo nos últimos 20 anos. No mundo Então, o prestígio da Petrobras foi para as nuvens, né?
CAMPO DE MAJNOON / VENDA
Mas aí aconteceu a parte negativa: mudaram a diretoria da Petrobras e entrou o Shigeaki Ueki, que era também o presidente da Braspetro. Ele ficou preocupado com a crise de 1979, a segunda crise de petróleo. Nós já tínhamos o campo em mãos. A Companhia Estatal Iraquiana veio a nós, e como esse contrato foi assinado ainda pela Petrobras, que passou a administração do contrato para a Braspetro, tudo era decidido pela diretoria da Petrobras; nós não decidíamos, nós éramos ouvidos. Levávamos as informações, mas a decisão era deles.
Então, os iraquianos forçaram a barra, disseram que eram os únicos estrangeiros que tinham um campo de petróleo grande lá e eles queriam a nossa boa vontade de negociar o campo. Eles estavam dispostos a nos dar um bom lucro, mas queriam assumir tudo. Eu, que era diretor da parte técnica, fui a Petrobras, os conselheiros todos foram – o Ueki doido para vender – eu falei: “Eu peço ao Conselho da Petrobras que me dê o privilégio de negociar o contrato. Vou dizer por que: nós estamos trabalhando lá há quatro anos. Nós conhecemos a filosofia do povo iraquiano e, principalmente, dos técnicos de lá. Eu tenho certeza absoluta que, se nós negociarmos com calma, eles não vão cortar o abastecimento do Brasil porque eles ainda são sensíveis ao óleo de Rumaila embargado que nós compramos. Não vamos comprar, o que politicamente não é vantagem para eles, e vamos cozinhar em fogo lento, do jeito que os franceses fizeram.
Os franceses fizeram uma descoberta lá antes nós, muito menor que o Majnoon, e ganharam um dinheirão na negociação, mas levaram dois anos negociando.” Eu falei com o Ueki: “Presidente, eu lhe garanto que nós conseguimos 500 milhões de dólares de lucro líquido, se não for um bi. Então, deixa a Braspetro negociar.” Mas ele não deixou, ele foi e negociou sozinho o Campo de Majnoon. A Petrobras teve um lucro de 280 milhões de dólares. Era significativo, lógico O pessoal que é contra o meu ponto de vista vai dizer: “Até hoje o campo está lá e não foi desenvolvido, por causa da guerra com o Irã.” Tudo bem, mas eu não falei que não queria vender. Eu queria vender depois de um ano. Aí ficou aquela situação constrangedora e se resolveu trocar toda a diretoria da Braspetro.
CAMPO DE MAJNOON
Majnoon representou para a Petrobras uma grande vitória, feita pela através da Braspetro. A partir da descoberta de Majnoon, o mais importante foi que os técnicos de exploração de petróleo da Petrobras passaram a ter prestígio internacional. Foi motivo de manchete de todos os jornais no país e no mundo, na imprensa internacional. Foi a maior descoberta nos últimos 20 anos. A descoberta foi celebrada e com muita ênfase. As revistas de petróleo internacionais, as revistas especializadas trouxeram o fato em grande destaque.
A partir daí nós passamos a ser procurados por todos, passamos a fazer triagem do que nos interessava ouvir ou discutir, novas associações e coisas dessa natureza. Inclusive nós fomos convidados para participar de uma licitação no Mar do Norte, que era uma área de tecnologia mais complicada e estava dominada pelas grandes multinacionais. O Mar do Norte é um mar de águas rasas, mas muito bravo. Nós participamos de uma licitação muito importante na área norueguesa como conseqüência desse reconhecimento internacional da atuação da Braspetro e, indiretamente, da Petrobras.
BRASPETRO
Começou na Colômbia, Iraque. Nós assinamos vários contratos diferentes. O contrato do Iraque era um contrato de serviço, como eu expliquei, em que a firma assume a responsabilidade, arca com todo o risco exploratório e só ressarcida das suas despesas e, porventura, de algum lucro, caso tenha resultado positivo. Nós pegamos também várias áreas. A Braspetro se expandiu de uma maneira muito rápida. Nós pegamos uma concessão no Egito, uma na Argélia, ambas no deserto de Saara, na Líbia e pegamos uma concessão em associação com a Chevron, a Standard Oil da Califórnia, na Ilha de Madagascar.
ARGÉLIA
Na Argélia nós tivemos sucesso. O primeiro poço perfurado pela Braspetro na Argélia produziu petróleo numa região nova. A Argélia produzia gás e óleo numa situação geológica diferente, em formações mais antigas, no paleozóico, no sul do Saara, onde descobriram grandes campos, principalmente de gás, mas um grande campo de óleo, o campo de Hassi Messaoud, descoberto pela companhia francesa Elf – Elf ou Total. Então, a área que nós pegamos era já em sedimentos mais novos. A produção era do paleozóico, nós pegamos uma área para explorar sedimentos do mesozóico. O primeiro poço deu um teste de formação espetacular, produziu óleo com grande vazão. Foi uma euforia tremenda lá na Argélia, não só pelos argelinos, que era uma grande coisa porque eles tinham pouco óleo, relativamente pouco, e uma descoberta numa área nova que poderia abrir uma frente muito grande de exploração. Infelizmente, não se tornou um grande campo. Nós produzimos nesse campo durante uns dois anos e a produção foi caindo, caindo, até que se extinguiu em três ou quatro anos. Era, realmente, uma reserva pequena. Furamos outros poços sem sucesso, mas ganhamos algum dinheirinho com esse óleo. Perdemos mais na exploração que fizemos em poços secos, o que é natural.
ESCOLHA DOS PAÍSES
Era principalmente pela Geologia. O mundo inteiro conhece genericamente a geologia desses locais, a história de produção. Quando se foi para a Argélia, já sabia que estava indo para uma região de alto risco, mas que já tinha produção de óleo. A gente conhecia mais ou menos a geologia desses locais. O Egito produzia muito no Golfo de Suez, mas no deserto de Saara a produção era mínima. De qualquer forma, esses contratos eram muito menos onerosos e as condições eram muito mais suaves de execução, se exigia menos investimento, os prazos eram mais amplos para cumprir aquelas metas exploratórias. Então, com esse conhecimento genérico, normalmente essas firmas procuram a Empresa, normalmente as estatais desses países. Com o relacionamento que já tinha, a Petrobras era boa cliente, comprava da Argélia – do Egito não sei se chegou a comprar óleo – só sei que fomos levados a estudar com mais detalhe e fomos convidados pelas firmas estatais desses países e mandamos uma equipe.
No principio, a nossa equipe era muito pequena, era o Baccar e o Perrella. Foi aí que eu percebi o brilhantismo do Perrella. Era uma época em que ainda estávamos tão mal estruturados e tudo era feito de maneira precária. Ele tinha um poder de síntese espetacular. Às vezes eu ia junto, outras vezes eles iam à frente e faziam um relatório para a diretoria da Braspetro, comentando a conveniência de se ir para uma área dessas. Nesses relatórios, o Baccar analisava os dados sísmicos que eram apresentados, para ver a qualidade das linhas e a estruturação, e o Perrella analisava a geologia global. Eu não sei a Braspetro ainda tem esses relatórios, é capaz de ter. Ele fazia esses comentários em folhas de informação manuscritos, mas era um primor de geologia e de síntese. Era impressionante a inteligência dele e o poder de síntese que ele tinha; ele analisava um mundo de dados e transformava aquilo em quatro, cinco páginas manuscritas e em folha de informação. Eu recebia aquilo e com isso eu preparava uma proposta. Estudava essa análise feita por ele e pelo Baccar, onde eles davam uma idéia do risco exploratório.
Além deles, nós tínhamos uma pessoa muito importante também, o Viola [Roberto Mileo Viola], que também já faleceu. Da nossa turma só resta o [Muhamed Amin] Baccar e eu. O Viola era da parte de planejamento e da parte econômica. Era engenheiro aqui do Rio. Ele fazia as análises econômicas usando aquele critério desenvolvido pelo Perrella que eu já comentei. Então, chegava-se a uma conclusão internamente na Braspetro. Até um investimento de, vamos supor, cinco, 10 milhões de dólares, nós podíamos arriscar com o programa exploratório tal e tal, em geral não muito oneroso – sempre tinha que ter a perfuração de um ou dois poços – e dependendo desse resultado, continuaríamos ou não. A exploração internacional é diferente da feita no Brasil. Na internacional, não se pode arriscar muito e querer insistir muito. A exploração de petróleo não é uma ciência exata, mas tanto o otimismo exagerado como o pessimismo exagerado é maléfico. Você tem que ter a cabeça no lugar para não dar um fora, porque esses foras representam um investimento muito grande, principalmente no exterior. Então, era essa a filosofia que a usávamos.
PARCERIA COM A CHEVRON
Como eu dirigia a área de exploração, normalmente para um contrato, eu ia na hora da negociação com as estatais locais. Era assim que se negociava. Com a Chevron foi um pouco diferente. A Chevron tinha apanhado uma área muito grande na Ilha de Madagascar, toda a Bacia de Madagascar, e era uma região pioneira nisso. Já tinha se feito alguma exploração sem nenhum sucesso. Nunca se tinha descoberto petróleo em Madagascar. Mas a Chevron, depois com os conhecimentos da Braspetro, resolveu nos convidar, porque ela tinha comprado todas as informações geológicas e geofísicas das bacias sedimentares de Portugal e de Madagascar. Eles, como nós brasileiros, acharam conveniente que se associassem com eles – eles seriam os operadores – mas de qualquer forma ia ser um trunfo bom ter brasileiros operando com eles lá em Portugal. Inclusive, esses contatos começaram antes da criação da Braspetro. Eu nem sabia ainda que ia ser diretor. O doutor Barroso volta e meia me chamava para fazer uma viagem.
Quando a Chevron convidou um geólogo para ir a São Francisco – a sede deles é lá – para estudar, o doutor Barroso pediu à Petrobras que me cedesse para fazer essa viagem. E lá eu fui para analisar as informações sobre Portugal. Eu chego lá, em São Francisco, analisando, as informações de Portugal não me atraíram. Já tinham feito alguma exploração. Companhias estrangeiras quando fazem e não descobrem nada dão todas as informações. Tinha bastante coisa, muitas linhas sísmicas. Lá na bacia de Portugal tinha muita estruturação de sal. Tinha relatórios dos poços furados. Eu fiquei 20 dias em São Francisco. Depois de analisar tudo o que eles me mostraram, eu falei com o chefe de exploração deles que a minha recomendação para a Braspetro seria contrária a ir para Portugal, que não aceitaria esse convite. Aí o cara falou: “Mas nós temos uma outra área muito grande. Quem sabe se a Braspetro se interessa por ela?” E falou: “Nós temos a área de Madagascar.” Então, me mostraram o que eles tinham também da mesma forma, poucas informações.
As primeiras informações que se tem de uma área é a geologia. Se faz geologia rápido, com uma turma de mapeamento – foi aí que eu comecei a minha vida profissional – você tem a noção da geologia, vê as rochas, vê as coisas fundamentais da geologia para petróleo: se tem bons reservatórios, é a rocha que vai armazenar petróleo; se tem boa rocha geradora, que são geralmente os folhelhos ricos em matéria orgânica que poderiam ter gerado petróleo e se tem estruturação. Essas são as três características fundamentais na exploração: rocha matriz, rocha reservatório e estruturação para criar os campos, as armadilhas para prender o óleo, porque senão o óleo pode ter formado todo, mas sem uma armadilha, ele formou e saiu; em tempo geológico ele se dissipou.
Então, eu fiquei entusiasmado com Madagascar porque era novo, completamente novo, e tinha indicações de uma grande estrutura, uma estrutura em tamanho tipo Majnoon, muito maior das estruturas que nós estamos acostumados a furar aqui. Sabíamos que o risco era elevado, mas resolvemos ir. A Chevron já estava começando a operar lá, estava fazendo a sísmica. Nós entramos no início da jogada e mandamos um geólogo nosso para lá, que veio a ser o substituto do Perrella, o Álvaro Teixeira. Ele hoje trabalha no IBP. É um cara excelente técnico e trabalhou com eles em Madagascar. Infelizmente, o poço foi furado e não deu óleo. E ficamos nisso, nós saímos, abandonamos a área e a Chevron também abandonou.
BRASPETRO / PRIMEIROS ANOS
Então foi isso: Egito, Argélia, Madagascar e Líbia, onde assumimos uma área. Madagascar foi junto com a Chevron. Essas outras fomos sós: Líbia, Egito e Argélia. A Líbia é um pequeno país no norte da África com grande produção de óleo numa pequena bacia sedimentar do norte, perto do Mar Mediterrâneo, a Bacia de Sirte – famosa pelo reservatório e recifes fósseis, recifes de coral, que foram formados em tempos geológicos e criaram uma condição de porosidade excelente; o óleo foi formado e migrou para ali. Esses campos da Líbia são às vezes de áreas pequenas, mas com uma produtividade fabulosa. A capacidade de reserva é muito grande por causa da espessura dos reservatórios, que são pouco extensos, mas muito espessos. Pegamos uma pequena área na Líbia nessa bacia e uma área grande numa bacia de alto risco, a Bacia de Murzuq. Aí, contratamos a área, nos responsabilizamos por um projeto exploratório, num determinado tempo. Tudo tinha tempo: você tem seis meses para fazer sísmica, que tem que fazer tantos mil quilômetros de linha e tem que furar o primeiro poço depois de 12, 18 meses de início do contrato.
SÍSMICA / LINHAS
A sísmica é feita por linhas. Na época – até hoje em terra é a mesma coisa – você explode dinamite na superfície e essas cargas de dinamite geram uma onda sísmica, onda de abalo. Então, essas ondas se propagam para baixo e refletem nas camadas que nós estamos procurando pesquisar. Esse reflexo é captado na superfície; pelo tempo de ida e volta, você mapeia, se faz um mapa com o horizonte lá embaixo. Às vezes você mapeia até o horizonte objetivo, o reservatório de óleo, por exemplo. Na Bahia, os dados não são muito bons, mas no Iraque você mapeia o horizonte que quer; lá tudo é bom, inclusive as informações são perfeitas, se gasta muito pouco. Aqui às vezes usávamos por cada shot point – você faz uma série de furinhos, enche de dinamite, explode aqui e vai – em geral são linhas, se faz um reticulado, distanciados quanto mais detalhes quiser, menos distanciamento, vamos supor de quilometro em quilometro, uma rede, uma malha, e explode esses pontos. Lá nós gastávamos para cada um desses “shot point”, ponto de tiro, uns dois ou três quilos de dinamite e dava uma solução perfeita. Aqui usávamos cem e o resultado era muito precário. Bom, uma vez feito isso, somos obrigados a furar os poços. Vamos começar na Líbia. Na Líbia nós fizemos as linhas sísmicas na Bacia de Sirte, naquela área de grande potencial e não descobrimos nenhuma estrutura, então nem furamos o poço. Entramos em acordo com eles, que íamos aumentar o nosso investimento exploratório na outra bacia, mas mostramos: “Furar o quê?” Furar é perder dinheiro. Então, fizemos um poço naquele mar de areia da Bacia de Murzuq. E, nesse poço, apesar de nós termos tido um sucesso geológico, porque a mandamos logo uma equipe para lá composta de geólogos e geofísicos, depois foram os engenheiros de perfuração e aqueles auxiliares para fazer o mapeamento exigido pelo país. Eles fiscalizam também e querem participar das reuniões e tudo. O problema geológico da Bacia de Murzuq era a presença ou não de uma rocha: a rocha reservatório da bacia do Saara, do paleozóico também. E o folhelho – folhelho é uma rocha de granulação fina, que geralmente tem mais matéria orgânica do que o arenito, que é grosseiro.
Então, não se tinha convicção porque tinham feito alguns poços na Bacia de Murzuq sem a presença desse folhelho. O folhelho seria não só o gerador, mas também o capeador, porque se não tiver uma rocha que sele o reservatório, o óleo que por ventura chegar, se dissipa, vai saindo pelas partes de menor pressão até a superfície. Então, a partir dos nossos estudos geológicos numa grande área na Bacia de Murzuq, o nosso geólogo de concluiu que, num determinado local, numa determinada parte da área, esse folhelho, que era importante, estaria presente. Fizemos sísmicas, mapeamos uma estrutura e aprovamos uma locação nesse local. Nesse poço foi encontrado o folhelho. Quando achou o folhelho já foi uma festa, né? Atravessou o folhelho e encontrou um reservatório com óleo, mas que para nós, pelas condições do contrato, era anti-econômico. Então, realmente, nós cumprimos o contrato e abandonamos a área. No Egito foi a mesma coisa. Fizemos esse processo igual aos outros locais, mapeamos umas estruturas, furamos um ou dois poços. Um deles produziu gás – no deserto de Saara do Egito – mas naquela época o gás tinha muito pouco valor. A própria EGPC, que era a estatal deles não estava interessada em gás. Então, foi uma descoberta, mas que não traria lucro. Não se considera isso uma descoberta. Também saímos do Egito sem descobrir nada.
MADAGASCAR
Lá em Madagascar foi o Álvaro Teixeira. Ele é um geólogo excelente, de relacionamento humano muito bom. Ele ficou amicíssimo dos americanos da Chevron e ele conseguiu muita informação da Chevron. Quando o Perrella saiu da Braspetro – o [Carlos] Sant’Anna foi para a diretoria da Petrobras e convidou o Perrella para ser assistente dele –, eu chamei o Álvaro de volta e mandei outra pessoa para Madagascar. Nessa época, o chefe de exploração da Chevron me pediu que ele ficasse: “Eu queria que ele ficasse inclusive na folha de pagamento da Chevron, tal a excelência do trabalho dele, porque nós ficamos encantados com o ele, com a pessoa humana e o técnico que ele é. Gostaríamos de tê-lo.” Eu: “Mas nós não temos condições de oferecer, para nós não está sobrando gente de alto gabarito, está faltando.” Foi isso que aconteceu lá com a Chevron.
HISTÓRIAS / CAUSOS / LEMBRANÇAS
Eu vou contar alguns casos pitorescos ocorridos comigo mesmo nessas andanças. Na Líbia, havia o rigor contra a bebida – lá a bebida era proibida. Não entrava de maneira alguma. Na alfândega, se você quisesse entrar com uma bebida, eles não tiravam simplesmente de você, tiravam e quebravam ali na frente mesmo. Não entrava. Então o nosso pessoal passou a ser especialista em produzir vinho e cerveja. Nos supermercados, eles compravam os ingredientes e tinham até a fórmula para se fazer cerveja. E ninguém estranhava que uma família, um casal e dois filhos, comprasse cem quilos de uva. Eles faziam um vinho muito vagabundo e uma cerveja pior ainda, mas para quem está fora... Eles se viravam. Teve um que foi chefe lá, o Raul Mozart, um gaúcho, vivia apregoando as suas qualidades de cervejeiro. Eu tomei a cerveja num churrasco na casa dele. Dá para tomar, mas realmente era péssima.
Outro episódio interessante aconteceu quando eu estava no aeroporto de Trípoli, para viajar não me lembro para onde, só sei que eu ia pegar o avião da Alitália. Em Trípoli não se fala outra língua e até os nomes das ruas, não tem nada com os nossos caracteres ocidentais. E outra coisa: no Aeroporto não se faz a chamada a não ser em árabe. Então, é uma loucura. Bom, você se vira. A Braspetro logo ficou sabendo dessas dificuldades, daqueles cartões de embarque e desembarque com tudo em árabe, e nós já tínhamos uma cópia em inglês. Quer dizer, aqui é nome, e aqui tem a janelinha e você escrevia. E assim a gente se virava. Nesse episódio, eu estava do lado de fora esperando o avião da Alitalia. Um mundo de gente. Era verão, havia uma coberta com essas telhas de vidro, um calor abrasador e apinhado de gente. E eu, curioso, estava ali realmente desconfortável, vi uma porta e abri. Tinha um salão enorme com ar condicionado e umas poltronas meio chechelentas, mas geólogo está acostumado com isso. Sentei lá e não tinha ninguém. Eu pensei comigo: “Eu não posso ser o único. Deve ter algo errado nisso aqui”. Então, passei a observar a razão daquele salão desocupado. Lá eles não respeitavam esse negócio de lista de embarque, de reserva em avião, e como tem muito estrangeiro, muita companhia de petróleo, eles ficam ali porque se tinha a visão da pista do aeroporto. Quando o avião estacionava lá longe – depois fizeram um aeroporto melhor, mas esse era muito precário – eles abriam a cancela e aquele mundo de gente saia correndo, correndo mesmo, para chegar aos primeiros lugares, para embarcar, porque muitos ficavam de fora. Eu falei: Ah, o negócio é esse Então, fiquei de olho no avião da Alitália, porque dentro da sala eu não conseguia vê-lo chegar. Nem os líbios ficavam lá, queriam ficar aglomerados ali no portãozinho de embarque, por essa razão.
Outra passagem interessante: sempre descíamos em Trípoli, que já era um pouco mais civilizada. Tinha essas restrições todas, mas tinha um mau tempo lá em Trípoli e o avião foi desviado para Bengazi, outra cidade importante na costa do Mediterrâneo. O avião estava se preparando para descer e veio o cartãozinho de desembarque. Eu peguei a minha cola da Braspetro, fui escrever e o comissário de bordo, que era árabe falou: “O Senhor tem que escrever em caracteres árabes.” Eu falei: “Mas eu não sei.” Ele: “Eles não aceitam escrito Fonseca com esse efe e esse o aí não aceitam.” Aí, um passageiro do lado viu o meu apuro, um indiano – e viajando em primeira classe, porque eu era diretor tinha esse privilégio –, viu o meu problema e falou em inglês: “Talvez eu possa lhe ajudar. O Senhor me mostra o seu passaporte, se o seu nome não for muito complicado, eu dou um jeito de escrever os seus dados em árabe.” Eu mostrei e ele: “Ah, é simples Pode deixar por minha conta” Ainda falou o seguinte: “Provavelmente você não vai ter problema. Porque ou eles são analfabetos ou semi-analfabetos. Então, eles nem vão ver aquilo.” E assim aconteceu, eu cheguei e não teve problema nenhum. Esses são os fatos pitorescos.
O Egito é um país que agrada muito o turista. Eles são até meio subservientes, meio chatos. É ruim o sujeito ser meio orgulhoso, mas subserviência é muito chato também. Eles são assim porque dependem muito de turista. Então, estrangeiro é tratado muito bem, ao contrário da Líbia, onde o estrangeiro é tratado às patadas. Já sabe, falou uma língua diferente, eles já te tratam mal. Eu estava viajando de Beirute para o Cairo. Nós ainda não tínhamos escritório no Cairo. Era uma dessas viagens de contato com a firma estatal, ainda não tinha ninguém da Petrobras lá. Beirute para o egípcio é a mesma coisa que Nova York para o brasileiro. O avião vinha abarrotado de bugiganga, de plástico, de tudo o que se possa imaginar. Beirute era uma cidade espetacular, que tinha tudo e barato. Eles traziam aquelas malas estufadas de tudo quanto é coisa, amarradas com cordas. Naquela época, a minha mala era uma Sansonite muito bonita. O problema era se aproximar do balcão circular, os agentes ficavam no centro do círculo e a cambada do lado de fora com as malas. Você jogava as malas no balcão circular. Eu só observando. Os agentes tinham uma faca na mão. Chegava uma mala estufada, comportando em volume o dobro da capacidade, a primeira coisa era cortar a corda com a faca. Aí a mala fazia “puff” Estourava e ele começava a jogar para fora tudo que tinha ali dentro. Ia jogando, jogando. Depois o cara é que se arrumasse, que voltasse aquela confusão toda para a mala. Quando eu cheguei lá não houve problema nenhum, nem abriram a minha mala: “O Senhor pode passar. Tenha uma boa estada no Cairo”. Todo cortês. Depois, com o escritório no Egito, arrumamos um pessoal para lá e arrumamos um relações-públicas, um major do Exército do Egito. A partir daí, esse cara ia me pegar com uma Kombi, e dali já ia embora; ficava lá esperando um pouquinho a minha bagagem numa sala com ar condicionado e daí a pouco chegava ele, com tudo liberado, a bagagem já estava no carro e eu ia embora. Vê a diferença de tratamento.
TROCA DE DIRETORIA
O Shigeaki Ueki começou, não ostensivamente, a demonstrar que ia mudar. E o Doutor Barroso percebeu aquilo. Nessa época, os diretores eram: o Doutor [Geonísio] Barroso, o Jaci Vieira, também já falecido, bem mais antigos que eu, já com tempo para aposentadoria, e o Joel Rennó, que tinha sido colocado na Braspetro pelo Shigeaki Ueki. Inclusive, quando ele falou conosco que queria uma diretoria para o Rennó, uns dois anos depois da fundação, o Doutor Barroso falou com o presidente: “Realmente, no estágio em que nós estamos, a nossa companhia é muito enxuta, é uma companhiazinha pequena e não temos uma área para uma nova diretoria.” Mas foi criada, lógico, “chave de galão”, criaram a diretoria para ele. Quando aconteceu isso, com a negociação do Majnoon, nós nos opusemos radicalmente contra a posição dele. Porque eles nos ouviam, e isso tudo que eu falei aqui, eu falei lá para todo mundo. O Ueki, gostando ou não, ele ouviu. Então, nós passamos a perceber que ou a saíamos por gosto ou pedindo uma renúncia, ou ele ia nos tirar, apesar do sucesso. Um adendo: o principal mal de uma estatal é a ingerência política.
Então eles ficaram muito contrariados, porque no episódio da venda do Majnoon, o Ueki foi para Paris onde o aguardava o diretor de negociação da estatal iraquiana. O Ueki não convidou nenhum de nós para acompanhá-lo, mas o [Geonísio] Barroso foi assim mesmo. Isso foi na véspera do natal de 1979. Então, o Barroso foi para Paris, independente do convite e foi para o hotel onde estava o Ueki, onde seria a negociação final. Mas ele não foi convidado para reunião. Ficou na sala de espera e não foi chamado. Então, ele veio muito contrariado, com toda a razão. Pouco depois, ele falou comigo: “Você está novo ainda, não tem tempo para aposentadoria, mas eu não vou agüentar esses desaforos”. E tanto ele quanto o Jaci pediram demissão. Pediram a aposentadoria, lógico, iam sair. Eles deram na mesma hora; estavam doidos para se livrar deles e de mim também. Eu não pedi. Falei: “Não vou dar esse prazer de ser fácil para ele. Ele que me demita, ele é o presidente.” Isso foi em 1980. Os mandatos eram de três anos: de 1972 a 1975, de 1975 a 1978, em 1978 nós três fomos renovados. Então, o Carlos Walter me ligou: “Oh, Zé Ignácio, o Ueki vai te substituir.” Eu falei: “Eu tenho certeza disso, mas deixa ele me chamar, deixa me substituir. Não tem problema nenhum, é a prerrogativa dele.” Aí me chamou na Petrobras. Marcou uma audiência. Ele me recebeu muito bem, muito educado: “Oh, José Ignácio, o Doutor Barroso e o Doutor Jaci se aposentaram e tal, e como vocês começaram e estão há tanto tempo juntos, como eles estão saindo, eu achei a ocasião de fazer uma mudança geral. Principalmente, porque nós temos uma função muito importante aqui na Petrobras: nós queremos que você traga a experiência que adquiriu no exterior para a exploração no Brasil, tanto que você já sairá direto como assistente do diretor Carlos Walter, assistente de diretoria. Vão implantar aqui esse sistema de análise econômica, para fazer uma exploração gastando menos dinheiro, uma coisa mais racional. E você vai trazer uma grande experiência internacional para o Carlos Walter.” E ainda falou: “Eu não tenho nada contra você, você foi um ótimo diretor e tal.” E foi falando, falando. Eu falei: “Presidente, depois que o Senhor terminar aí, me dê dois ou três minutos para expor a minha posição.” Ele ainda veio com blábláblá: “Eu soube que você tem uma fazendinha. Eu estou interessado em comprar uma fazenda em São Paulo, não sei o quê, eu queria o seu assessoramento”. Começou a querer conversar papo furado. Então, na hora em que ele terminou, eu falei: “Olha presidente, o Senhor vai se admirar pelo o que vai ouvir agora. O Senhor vai estranhar, mas eu vou dizer. É o seguinte: se eu estivesse na sua posição, eu presidente e o Senhor diretor, eu faria exatamente o que o Senhor fez: me substituir. Mas vou lhe dizer por quê. Porque eu acho que o presidente e a diretoria tem que ter mais ou menos, não tudo, mas a linha mestra tem acompanhar, é um colegiado, mas tem acompanhar. E eu discordo da sua orientação, então está na hora mesmo de me substituir. Eu não saio com mágoa nenhuma. Eu só estou lhe dizendo que eu discordo.” Ainda falei: “Não quero dizer que eu sou o correto. Eu penso diferente, mas o Senhor é o presidente, é quem manda.” Então, acabou, está tudo bem. Por essa razão que eu sai. E nem falei que ia substituir todo mundo porque o Joel [Rennó] ficou lá. O Joel foi assistente dele quando era ministro ou qualquer coisa assim. Foi ele quem pôs o Joel lá. No dia que o Joel apareceu, eu falei com o Doutor Barroso – eu sou muito “língua solta” – falei: “Doutor Barroso, está chegando o seu substituto.” E não deu outra. O Ueki substituiu uma diretoria que deixou a Braspetro com 305 milhões de dólares em caixa. Por isso que eu falo: se não fosse estatal, ninguém substitui uma diretoria que tinha um sucesso financeiro desse. Mas tudo bem. Pôs como vice-presidente, no lugar do Barroso, o Joel Rennó e pôs um colega meu – até um cara competente – no meu lugar.
Fui ser assistente de diretoria do Carlos Walter. E ajudei-o em muita coisa. Assistente é um cargo muito importante, mas não é bom porque você faz e na hora de agir, ele age se quiser ou não. Mas eu me dava bem com o Carlos Walter. Eu tive oportunidade de fazer umas análises das pautas que vinham para ele.
ANALISES E RISCOS
Um belo dia, chegou uma proposta para se pegar uma nova área na Argélia. Aquilo era coisa conhecida minha, né? Então caiu na minha mão para analisar, vindo da Braspetro. Vou contar em termos gerais, não vou dizer os detalhes. Essa proposta, na realidade, ia ser um desastre financeiro. Eu fui ao Carlos Walter e falei: “Você não pode deixar.” O vice-presidente da Braspetro já estava na Argélia para assinar o contrato, ad-referendo. Essa negociação redundaria, no mínimo, em 20 milhões de dólares de prejuízo. Eles bobearam na análise econômica, não consideram um fator importante. Quando se pega uma área de risco, você tem pelo menos uma chance de não perder. Ali, não, baseado na própria análise, eles iam perder. Não satisfeito em falar só com o Carlos Walter, porque o vice-presidente não estava lá, eu fui aos outros diretores. Além de fazer a minha análise por escrito, telefonei para a Braspetro: “Olha, tem uma coisa que está me encabulando. Eu quero que vocês mostrem aonde sofismei, porque acho que essa proposta está furada”. Conversando com um cara da área de análise econômica, da minha época, ele me chamava de doutor: “É, doutor José Ignácio, o Senhor está certo, nós estamos errados.” Então, não vamos deixar isso ir para frente. Aí, eu fui ao diretor, fui ao Sant’Anna, escrevi, mandei cópia para todos, mas não fiquei satisfeito, porque a presença é importante, a ação de convencimento. Então falei com todos eles. E o Ueki não quis assumir isso, ele viu a gravidade, e cancelaram esse negócio. Então, a posição de assistente foi importante também. Foi importante para mim porque eu vi muita coisa que só assistente vê. Todas as pautas do Carlos Walter, aquelas importantes, passavam por mim para uma análise e para um assessoramento para ele. Nessa fase em que eu fui assistente, conheci muita coisa da Petrobras.
TRAJETÓRIA PROFISSIONAL
Eu me preparei também para a eventualidade de ser descartado. Mas isso não tinha como. Sei lá, em ditadura se pode fazer tudo, né? Quando veio a Petros, eu já tinha tempo de serviço suficiente, mas não tinha perigo de demissão. Fiquei esse tempo aí. Mas quem foi diretor e vai ser assistente... Como diretor, você está acostumado a não só arcar com a responsabilidade, como a decidir as coisas importantes. O assistente toma conhecimento de tudo, mas na hora da decisão não tem valor nenhum, só tem aquilo que você escreveu. Eu não tinha tempo para me aposentar. Depois que o Carlos Walter saiu da diretoria – o cargo de assistente é uma posição importante para a Petrobras –, entrou um outro diretor e me mandaram de volta para o departamento de exploração. Nesse departamento, eu conhecia todo mundo. Eu disse: “Eu não quero nenhuma chefia. Eu só gostaria de participar das reuniões de planejamento, de orçamento, de aprovação de locações, porque eu ainda tenho condições de dar o assessoramento. E os caras: “Lógico, José Ignácio” Mas me chamaram uma vez e depois não chamaram mais. Fui posto para escanteio e fiquei no ostracismo total lá dentro. Não tinha nada para fazer. Como eu sou muito inquieto, esperei completar apenas 30 anos e pedi aposentadoria com 80% de tempo. Eu estava ficando doente de não fazer nada naqueles últimos anos. Eu devia ter agüentado, porque depois a diretoria seria trocada, mas eu não tive paciência. Isso acontece. Não tenho nenhuma mágoa da Petrobras, a companhia sempre me deu muita oportunidade.
Eu fui procurado para fazer consultoria, mas eu sou um cara que – a turma da minha época, principalmente – entrou mais por amor à companhia. Nós realmente fazíamos aquele serviço com uma dedicação – brigava com a mulher... Era uma dedicação integral, um amor e aquele projeto que tínhamos em mente: resolver um programa importantíssimo para o país. Depois que saí, eu percebi que quando me chamavam para fazer algum trabalho era para usar o meu conhecimento lá dentro, para abrir portas, e a isso eu não ia me submeter, né? Quando fui diretor e quando eu fui assistente do Carlos Walter, eu vi como era chato, os nossos colegas ficarem insistindo, querendo usar a amizade para pode tirar algum privilégio. Então, não trabalhei, mas continuei ativo em certas coisas.
A minha fazenda é pequena, é mais um hobby. Mas eu passei a ser conselheiro, ainda mesmo na Petrobras. Eu tenho colega de turma de Ouro Preto que foi para a Bahia e virou um industrial de grande sucesso; ele fundou uma firma e ficou milionário. A firma dele é a Ferbasa, uma firma de ferro ligas, que tem um patrimônio de mais de cem milhões de dólares e ela é quase exclusivamente dele. Ele tinha uma filosofia muito interessante, ele costumava dizer que morrer rico é falta de imaginação. Ele, realmente, doou tudo o que tinha, todas as ações da Petrobras. Ele manteve um certo patrimônio para ter uma vida tranqüila e criou uma fundação de ensino para crianças pobres. Eu sou conselheiro dessa Fundação há mais de 20 anos; ela tem 30 e poucos. Tem uns 25 anos que eu sou conselheiro. A Fundação cuida da escola pro pessoal do meio rural, cuida diretamente das suas próprias escolas – tem mais de dois mil alunos – e também tem convênios com as escolas municipais, estaduais, dá assessoramento pedagógico para essas escolas. Eu ajudo, mas ajudo pouco. Vou de vez em quando a Bahia. A minha vida é uma tranqüilidade só
INTERBRAS
A primeira diretoria da Braspetro era composta pelo Geonísio Barroso, Carlos Sant’Anna e eu. O Sant’Anna era da área comercial da Petrobras, sempre entusiasmado com esse negócio, usando os contatos no exterior. Ele queria criar uma companhia de trading. E ele realmente criou, a Interbras. Logo, ele saiu para ser o vice-presidente dessa trading. Mas ele começou na Braspetro. Ele ficou na Braspetro fazendo muita coisa, aumentando a diretoria e no fim ele quase só fazia trading, então a Petrobras achou melhor desmembrar numa nova subsidiária.
MAR DO NORTE
Eu comecei a falar do Mar do Norte e não continuei. Tem uma passagem muito interessante na Braspetro que mostra o prestígio internacional que nós obtivemos com a descoberta do Majnoon principalmente. Nós fomos convidados para participar de uma licitação do Mar do Norte da Noruega. Eram duas firmas americanas, uma firma norueguesa e a Braspetro. A firma norueguesa pertence a um norueguês Lawrence não sei o quê, ele é casado com uma princesa e mora aqui no Brasil, tinha uma firma de navegação, ele é famoso aqui. Então, nós fizemos esse grupo e uma das firmas envolvidas era a Aminoil, que pertencia à Reynolds Tabaco, uma firma de tabaco, mas que tinha uma concessão no Kuwait, produziu um pouco no Kuwait. Nós fizemos uma associação e a Braspetro foi encarregada de analisar as informações sísmicas disponíveis para os interessados na licitação em Nova York. Eu mandei um dos nossos geofísicos para fazer um mapa dessa área que estava sendo licitada, dos diferentes blocos. E o resultado é que nós ficamos encantados com o resultado do mapeamento. Mapeamos lá umas estruturas que nos deixou extremamente otimistas. Então, resolvemos fazer uma proposta, mas já sabíamos que iria ser guerra de gigantes. Todas as grandes empresas estavam lá; todas, sem nenhuma exceção. Então, mandamos um grupo pequeno, já pensando no apoio político do norueguês marido de uma princesa, da família real da Noruega. Fomos para Oslo, eu fui encarregado dessa negociação, e fizemos uma proposta por dois blocos: um programa exploratório milionário, porque lá tudo é muito caro, mas nós tínhamos convicção que por parte da Braspetro – mesmo que a Petrobras não tivesse dinheiro suficiente, não nos faltaria financiamento internacional. Nós tínhamos o Majnoon nessa época. Então, fizemos a proposta, e a reunião final foi lá na Noruega. Achamos conveniente colocar na proposta que, se fosse de interesse da estatal norueguesa dividir os blocos – nós pleiteávamos dois blocos – que nós estaríamos interessados, caso ganhássemos, em oferecer uma parte para associação com a própria estatal norueguesa ou com outras firmas que quisessem para fazer um grupo, para tentar não ser o grupo menor da turma. Mas, realmente, eles não aceitaram. Não ganhamos, mas tivemos a alegria de saber que esses dois blocos que nós escolhemos se transformaram em dois campos gigantes do Mar do Norte da Noruega. Um passou a ser considerado o golden bloc e o outro o silver bloc. Um teve uma descoberta de um grande campo de óleo e o outro um grande campo de gás. Então, quer dizer, tecnicamente nós acertamos, mas a negociação foi um fracasso.
IMAGEM DA PETROBRAS
Eu ainda continuo sendo entusiasta da Petrobras. Eu acho que ela está muito bem, todo mundo sabe pelos balanços que apresenta, as atividades, as descobertas que ela está tendo. Ela está no caminho certo. Espero que ela continue descobrindo mais e mais, para o bem do país e para o seu próprio bem.
INTERNACIONALIZAÇÃO
Toda companhia petrolífera para se julgar no ranking das grandes tem que ter qualquer coisa no exterior também. Agora, a gente sabe que isso envolve riscos. Os riscos políticos como esse que recentemente aconteceu na Bolívia – ainda era Braspetro, agora voltou para Petrobras, área internacional. Mas isso é considerado até na análise de risco que a gente fazia, o risco político é um dos mais importantes. Então, a Petrobras já sabia que a Bolívia era um país de instabilidade política muito grande e que podia acontecer uma coisa dessas, mas no “frigir dos ovos”, acho que ela ainda vai ter algumas vantagens, não tanto como ela estava tendo, mas ainda vai tirar vantagem dessa descoberta.
PROJETO MEMÓRIA
Eu acho que até já falei demais Eu acho que cobriu de forma detalhada uma atividade que marcou a minha vida profissional. Foi um grande prazer e uma honra ter sido entrevistado, porque também me deram a oportunidade de mostrar o que eu sinto, não é? Isso é bom para efeito de história da Petrobras, principalmente para o futuro vai ser importante. E, com a nova tecnologia mais importante ainda, porque as futuras gerações vão ver que teve no século XX e no princípio do XXI, um indivíduo entusiasmado por petróleo e pela Petrobras que fez alguma coisa de positivo para ela.
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