P/1 – Para começar, eu queria que você dissesse primeiro o seu nome completo,o local e a data de nascimento.
R – Meu nome é Maria de Fátima da Silveira Santos, mas eu sou mais conhecida como Fatinha, eu nasci em Pinheiral em 13 do sete de 56.
P/1 – Conta um pouco sua origem, seus pais, de onde eles vieram, um pouco da sua origem, assim.
R – Ah, tá! Bem, meu pai é, ele nasceu na fazenda da Bem Posta, aqui na região de Petrópolis, Três Rios. Foi trabalhador da Light, né, durante 35 anos e já é falecido e a minha mãe, ela é de Minas Gerais, da cidade de Santo Antonio do Monte e nós já moramos em Pinheiral há muitos anos, desde que eles casaram foram prá Pinheiral e a gente reside lá até hoje, nossa família e a minha mãe, a família da minha mãe, eles, ela é descendente de índios e africanos, então a gente tem assim uma mistura muito, muito legal.
P/1 – Como é que era na sua infância, conta um pouco da sua casa, onde você morava.
R – Bem, é, a minha família sempre foi desde os meus avós, sempre foi uma família assim muito, muito batalhadora, muito consciente, né, é, principalmente na questão da nossa etnia, de sermos negros e tudo. Então, a gente cresceu já num ambiente de conscientização muito forte, sabe, sempre assim, é, valorizando muito tudo que a gente tinha, né, tudo que a gente trazia, toda a nossa história, isso acontece até hoje. A minha família, né, a gente, é, assim, nós somos militantes de movimento negro, a gente participa de muitas lutas, a gente tá presente sempre em tudo que fala da, da, da cultura afro, a gente tá presente aqui da região, sabe, mas isso vem de família mesmo. Meus pais e meus avós, por exemplo, a minha avó Bárbara, que a gente conviveu muito, eles assim, não tiveram, né, uma formação, né, de, de foram, estudaram até a quarta série, assim, né, no máximo a minha mãe que fez atualmente até a oitava série, mas eles têm assim uma, sempre tiveram uma vivência muito grande, sabe, e isso foi passado prá gente, então, nós temos uma, um jeito de viver bem peculiar, bem legal, bem legal e isso foi passado, né? Prá mim, meus irmãos, agora a gente passa pros filhos, netos, a minha família é uma família muito legal.
P/1 – Mas esse aprendizado é da cultura?
R – É da cultura, da, porque gente, vocês sabem que nós, enquanto negros brasileiros, a gente tem uma dificuldade muito grande em tudo, em tudo, é questão de estudo, a família negra brasileira, ela é uma família que tem muitas dificuldades, tudo prá gente é difícil, é uma luta todo dia, todo instante. Então, e tem pessoas, e a sociedade, ela fez um trabalho tão perverso com os negros, que tem muito negro que aceita essa condição, o que não aconteceu na minha família, tá, o que não aconteceu. Eu já falei, desde os meus avós, a gente, sabe, sempre procurou tá inserido, sabe dentro da sociedade e do, e do, sabe, todo o espaço que a gente busca ocupar, a gente sempre consegue, né? No caso, vem da minha geração, né, da minha família, todos nós somos formados, né, vendo a cidade, os meus filhos, sobrinhos, tão vendo pelos mesmos caminhos, sabe, a gente procura, é, trabalhar, enquanto negros a gente tá lutando pelas oportunidades. Então, isso eu acho muito forte, porque eu lido com outras famílias de negros na nossa comunidade, que a gente assim tem muito trabalho de mostrar isso a eles, que a gente tem direito a tudo, sabe? Porque esse processo que a sociedade fez de falar que o negro é inferior, que o negro não pode isso, não pode aquilo, isso é, sabe, tá, muitas pessoas da nossa comunidade aceitam isso, então eu vejo essa diferença da minha família prá outras famílias porque a gente nunca aceitou, entendeu? A gente sempre buscou trabalhá essa situação.
P/1 – E são quantos irmãos?
R – Nós somos seis, comigo seis.
P/1 – O que eles fazem?
R – É, a minha, eu tenho uma irmã que é bióloga e ela é diretora de escola, tem a outra que é pedagoga que também trabalha em escola, meu irmão, que é administrador, é professor, é, trabalha na Light e os outros dois que são gêmeos, os caçulas, são advogados, todos dois.
P/1 – Conta um pouco assim, a cidade como ela era, o quê que tá mudando um pouco como é que é.
R – É uma cidade do interior, a gente lá, na época do império, né, na época áurea do café, aqui no vale, teve uma fazenda, São José do Pinheiro e essa fazenda, ela foi muito próspera e a gente tem ainda descendentes de negros que foram escravos dessa fazenda e ela cresceu em torno disso. Aí, fundou a estação e daí da estação expandiu. Então, pertenceu a Piraí, que é uma cidade maior, há muito tempo e atualmente ela tem dez anos de emancipada. Mas é, assim, é a típica cidade do interior, mas a gente tem uma educação de qualidade, nós temos várias escolas, na prefeitura, o Estado, escola federal, é, um comércio mais ou menos, mas é uma cidade pequena, tem em torno de 25 mil habitantes e, é, né, na questão da cultura, o jongo que a gente mantém, esse jongo, ele vem desde a época da fazenda, dessa fazenda, tá, o jongo de Pinheiral, ele nunca teve interrupção, ele sempre foi passado de geração em geração e atualmente tem uns 30 anos mais ou menos que tá, né, que a gente conseguiu fazer um grupo mais organizado e a gente trabalha isso a nível de Sul do Estado, a nível de Rio de Janeiro, né, e é um jongo assim que ele é bem considerado, porque a gente procura manter a tradição, não houve mudanças de, mesmo quando a gente faz palco, a gente faz questão de mostrar a tradição nossa, então é um trabalho bem interessante.
P/1 – E, aí, você estudou, o quê que você estudou, faculdade?
R – Eu fiz Educação Física.
P/1 – Conta um pouco dessa época prá gente.
R – (RISOS) Essa época foi muito interessante, porque eu sempre fui muito, muito grande, né, então, eu praticava esporte, jogava, adoro handball, mas eu fui estudá no colégio agrícola, eu queria fazer veterinária, aí, naquela época, a gente prá entrá prá faculdade federal era muito difícil e lá nesse colégio era interessante, alguns anos atrás não só no colégio, no Brasil, né, tinha uma tal duma lei do boi e quem era filho de fazendeiro tinha 50% de vantagem prá entrá na faculdade, né, na universidade, aí, a gente que não tinha não entrava. Eu fiz vários vestibulares, vários Estados e tal, mas essa lei dificultava muito a gente. A gente então, ou você tirava o primeiro lugar ou você não entrava, então, eu acabei não fazendo veterinária que eu queria fazer. Aí, como eu gostava muito de esportes, né, pela minha estatura, assim, tal, eu fui fazer educação física e fiquei na educação física e foi bom, entendeu? Aí, consegui fazer um trabalho fácil ainda até hoje trabalho em escolas, coordenação de educação física e tal, mas já tô quase aposentando, mas foi bom, aí acabei indo por esse lado e paralelo a isso, né, envolvido com a cultura, como movimento negro, tal, então eu consigo trabalhar nas duas áreas.
P/1 – Conta um pouco desse movimento de você participou, das campanhas, conta um pouco sua participação.
R – É, a minha entrada pro movimento negro aconteceu da seguinte forma, lá em Pinheiral a gente, todo mundo lá, a maioria dança jongo, né, porque é tradição lá. E, em Volta Redonda tem um clube, ele chama Clube Palmares, é um clube que foi fundado por engenheiros negros que trabalhavam na CSN, porque lá em Volta Redonda tinha três clubes lá que os negros não podiam entrar. Então, esses engenheiros foram os primeiros negros na CSN, eles fundaram esse clube, Palmares. E lá houve um trabalho, existe até hoje esse clube muito grande na questão da cultura negra e um dia a gente tava com uma festa lá porque é tradição nossa no 13 de maio a gente fazê uma reflexão sobre o 13 de maio. Então, a gente faz a reflexão e depois a gente dança. Aí, a gente tava nessa atividade lá e foram algumas pessoas desse clube visitar o nosso trabalho. Então, eles ficaram assim apaixonados. Aí, ia ter um outro trabalho lá em Volta Redonda, na vila lá, que é um lugar assim, é nobre, aí eles, a gente vai levar vocês prá dançar lá, aí nós fomos, né, na atividade deles na praça e, isso foi início dos anos 80, aí, daí a gente entrou pro movimento, sabe, começamos a freqüentar Palmares e tamos até hoje aí, sabe. Eu fui pro coletivo de mulheres negras e a gente trabalha até hoje. Aí, depois, a gente fundou o nosso grupo lá, se organizou mais, né, registrou o grupo, aí, começamos um trabalho mais intenso, a gente atualmente trabalha em torno de 60 pessoas, né, então, é, é um trabalho bem bacana, porque a gente consegue dançá, fazê trabalho em escolas, que a gente faz palestras em universidades, em escola desde o fundamental, né, até as universidades falando não só do jongo, mas como da cultura negra e o contexto que a gente vive atualmente. Aí, então, eu trabalho nessa parte, minhas irmãs, né, que é a Meméia e a Gracinha e eu tenho também outros professores no grupo que fazem, Neide, faz essa parte, então, é, um trabalho que cresceu muito bom.
P/1 – E a missão é divulgar, qual é...?
R – É, é valorizar a nossa história, dá auto-estima pro nosso pessoal, né, igual eu falei, o negro, a gente precisa, a gente trabalha muito a questão da auto-estima por causa desse processo da sociedade de sempre fazer tudo prá inferiorizar, então, e isso, né, algumas pessoas nossas, né, aceitaram essas condições. Então a gente trabalha isso, porque a gente tem direito a tudo, enquanto brasileiros que somos. Então, a gente quando vai prá dentro das escolas, principalmente quando a gente trabalha com crianças, porque tudo, nada nesse país valoriza o negro, nada, a televisão, é revista, sabe, nada, nada valoriza. Algumas coisas que aparecem na mídia, porque a gente tá por trás brigando, entendeu? A gente movimenta o negro, a gente briga muito prá que a mídia ponha a nossa cara nas coisas. Então a gente não tem referencial nenhum, tal. Os nossos heróis negros tão indo prá dentro das escolas, porque a gente tá levando, tá, porque na minha época que eu estudei, nem é tão longe assim, não se falava, a gente nem tem, falava em Zumbi dos Palmares, sabe, não se falava, né? A gente tem aqui a história de Manuel Congo que foi um negro que foi enforcado que também fez uma rebelião de 400 negros reunidos nas fazendas que ele e Mariana criou lá, agora que a gente tá brigando, sabe, tem que trabalhá esse nome, é um herói nacional, entendeu? Inclusive hoje tá tendo uma festa aqui no memorial, que tem muitas pessoas de fora aí, muitos negros, é festa o dia todo, a gente tem que reverenciar, porque naquela época, nas condições que os negros viviam, né, ele conseguir fazer uma rebelião, reunir 400 negros e tal, poxa, isso é, né, e essa mulher junto, a Mariana. A gente teve até a felicidade que o prefeito César Maia do Rio de Janeiro inaugurou esse ano uma maternidade com o nome dela no Rio, então, sabe, prá gente foi um avanço assim muito grande, porque a gente precisa trabalhá o nome dessa mulher, né, então é esse o trabalho que a gente faz.
P/1 – Você podia contar um poquinho a história do jongo, como é que ele se divulga e como é que ele começa e, sabe disso?
R – Sei, olha, é, os negros na, eles trabalhavam de sol a sol, né, eles não podiam se comunicar, era, né, eles já trabalhavam a questão de misturar, né, as etnias prá que não houvesse, né, os dialetos eram diferentes, então, eu costumo até falar, a gente vive até hoje porque o nosso povo foi muito guerreiro mesmo, porque tudo era contra. E o único momento que eles tinham era à noite, então, né, sempre acendia uma fogueira em frente à senzala e eles batiam os tambores. Esses tambores são confeccionados em tronco de árvores, né, o nosso inclusive é feito de imbaúba e nesse momento é que eles se comunicavam. Então eles armavam as fugas, ataques às fazendas, sabe, tudo através da música e, né, através da dança. Então pro feitor ou pro fazendeiro eles tavam dançando, bebendo aguardente, né, também aguardente realmente bebiam, né, porque, é, é, bebia mesmo, porque descobriu lá que a cachaça aquecia o corpo, fazia esquecê, né, muitas coisas, então e eles comunicavam através dos pontos que a gente fala, um jongueiro, no caso, o escravo, né, ele cantava um ponto pro outro e o outro respondia e a gente mantém essa tradição até hoje. Inclusive a gente tá com um trabalho, né, em rede de prepará, né, os jovens, de tá incentivando os jovens a praticá isso, essa forma de diálogo, porque a gente, algumas comunidades que tão resgatando o jongo, então a gente tá se cantando muitos pontos, assim, repetidos, né, então a gente pode tá trabalhando, fazendo oficina prá despertá isso no jovem de tá fazendo esses pontos e, então, aí, agora, atualmente a gente ainda reverencia a figura do preto velho na, na, nas nossas rodas, porque até um tempo atrás criança não dançava jongo. Na minha época mesmo a gente não podia dançar, era só os mais velhos mesmo, de 60 anos prá lá, mas a gente ficava em volta, ali, sabe, a gente não entrava na roda, mas tava ali em volta e a gente, né, na minha casa nós começamos a dançá mais cedo porque na minha casa todo mundo é alto, então, (RISOS) a gente conseguiu ir prá roda mais cedo, mas a gente tem jongueiros que não permitem que a criança dance, entendeu? Mas a gente faz esse trabalho porque a gente precisa preservar a dança, né, então a gente trabalha muito criança, mas a tradição eram os mais velhos que dançavam. Exatamente por causa disso, por causa dessa comunicação, de um jongueira cantá ponto e o outro ter que desatar. Então, existem muitas histórias de, assim, porque o nosso povo, né, ele sempre também trabalha, trabalhou o candomblé, né, hoje em dia a gente trabalha a umbanda também, mas naquela época eram os orixás, então, e eles tinham conhecimento dessa, né, dessa força e tal e isso também rolava na hora, porque era o momento que eles tinham, sabe, era o momento. Então ou fazia tudo na roda ali ou não podia fazer outra hora, então era o momento. Então era muito forte a roda de jongo e ela é ainda até hoje, sabe. Quando a gente vai pros quilombos, a gente dança e tal, a gente sente a, sabe, a força que tem um tambor, o tambor, prá comunidade negra, ele fala muito, então, é... Não sei se vocês tiveram oportunidade de participá da roda que nós fizemos na escola ontem.
P/2 – Em que escola vocês tavam trabalhando?
R – Ah, foi linda a roda, nós tivemos ali a tia Marina de Barra do Piraí que já é uma senhora de bastante idade, jongueira, a tia Maria do Jongo da Serrinha, sabe, de vários tambores, nossa, a gente também tava na terra, né, assim, o espaço lá era terra e tinha uma mangueira, também sabe. Então, tava assim, tinha um axé muito forte ali, foi linda a roda, muito bonita.
P/2 – Deixa eu te perguntar uma coisa, você fala assim que o jongueiro canto um ponto e o outro desata.
R – Isso.
P/1 – O que é isso?
R – Ele tem que entender, um exemplo assim, eu tô vendo uma coisa em você, ou eu sei alguma coisa da pessoa, de você, alguma coisa assim, eu canto um ponto prá você, você fala “tá cantando isso prá mim”, entendeu? Aí eu tenho que te dá a resposta, sabe, é como se fosse um desafio, entendeu? Aí eu tenho que te dá a resposta, é muito bonito, muito legal mesmo. E tem também, e tem assim, né, na parte da brincadeira, né, igual eu falei, ai, eu tô vendo a sua blusa azul, então eu vou cantá um ponto porque você tá de blusa azul, mas tem também a questão, eles falam dormenta, sabe, que é um jongueiro debatendo com o outro, quem canta o ponto mais forte, sabe, aí também, é legal também que, sabe, ficá, é bacana a disputa e o coro, né, as pessoas que estão em volta fazem o coro, né, repete, normalmente a gente repete a parte final do ponto. Aí, cê dança a noite inteira, até de manhã, sabe, é muito bom. Atualmente a gente tá, nós criamos a rede memória do jongo e Caxambu, numa parceria com os professores da UFE e a gente tá agora com 18 comunidades, algumas, né, que foram resgatadas e outras tradicionais como a nossa, o jongo de São José, no quilombo São José, Valença, o jongo dos quilombos de Angra dos Reis, né, Parati Campinho, tem Guaratinguetá, Piquete, inclusive a gente vai tá dia 31 de agosto, um e dois de setembro no Piquete que é São Paulo, perto de Lorena, fazendo o 12º Encontro de Jongueiros, vão ser assim dois dias de muita dança, aí, se vocês quiserem aparecer lá, vai ter muitos mestres, é bem bacana, nenhum grupo é igual ao outro, sabe, sempre tem uma variação de grupo prá grupo e o jongo é uma manifestação que é do Sudeste, né, foi tombado como patrimônio histórico em 2005. E, aí, através do jongo da Serrinha, que o mestre Darci, ele faleceu, tem, faleceu em 2000 e, 2001, mas ele fez um trabalho, exigiu a vida inteira dele, trabalhando jongo e ele fez um trabalho muito legal que ele, assim, colocou outros instrumentos no jongo, foi prá dentro das universidades do Rio de Janeiro, foi pro palco e deu uma, assim, uma outra cara pro jongo, mas é um jongo bonito, o jongo da Serrinha e eles mantém isso até hoje e através do jongo da Serrinha foi que a gente passou a ter mais visibilidade, né, e agora no governo do Lula, né, o Gilberto Gil ele tá dando, assim, muita ênfase prá cultura popular, então a gente também tá conseguindo, né, alguns projetos e os pontos de cultura, essa área, então tá assim sendo bem bacana o Ministério da Cultura, porque tá olhando mais prá cultura popular, porque as comunidades jongueiras, por exemplo, todas são muito pobres, muito pobres e o pessoal mantém a tradição, porque é uma coisa nossa, sabe, é uma coisa nossa, sabe, a gente gosta de dançá, tem prazer em fazer isso, por isso que, né, não só a gente, como as folias de reis, as congadas e agora a gente tá tendo a oportunidade de tá dando assim alguma coisa melhor pro nosso povo, né, como os pontos de cultura a gente acaba, os nossos jovens tendo acesso, né, à... à multimídia, sabe, a gente tá conseguindo que, que, tê acesso a alguns aparelhos que a gente não teria nunca se não fosse essa oportunidade, então tá sendo muito bom.
P/1 – Eu sei que é quase impossível, mas teria como contá, cantá um ponto só prá gente ter uma idéia do quê que é isso?
R – Ah, tá, olha só, como eu falei, né, o jongo de Pinheiral, a gente, assim, procura mantê a tradição, né, e a gente tem assim, assim, é bonito o nosso jongo de se ver, porque sabe (RISOS) eu escuto isso assim, eu gosto, eu adoro, gosto de dançar e é legal, porque as pessoas, sabe, querem dançar com a gente. A gente sempre que faz apresentação, a gente no final, a gente chama as pessoas prá participarem com a gente, a gente tem assim um número muito, um público grande que sabe, que gosta do nosso jongo, porque realmente ele tem uma melodia. Eu não entendo assim muito de música, mas maestros, o pessoal da música fala isso e ele é tocado em dois tambores, que é o tambor grande e o candongueiro e nós temos um, um bastão, um pedaço de madeira que tem o nome de macuco, esse pedaço de madeira, ele faz o contratempo entre os dois tambores e o nosso jongo é o único que tem isso. Entendeu? Ele faz o, ele bate do lado do tambor grande, ele faz o contratempo, então dá um som bem bacana e a gente, e os nossos pontos também são bem bonitos, ah, é, é muito legal os nossos pontos assim, né, da melodia, o jeito de cantá. Eu vou cantá um ponto que em todo lugar que a gente se apresenta as pessoas gostam desse ponto. Não tem a voz que é muito boa, né, mas a gente canta (RISO), principalmente sem os tambores, né, que o tambor tampa um pouquinho. É assim ó: (CANTANDO) A morena me pediu laço de fita prá cintura, ai eu mandei cordão de ouro, laço de fita não atura. Oi, a morena me pediu laço de fita prá cintura, ai eu mandei cordão de ouro, laço de fita não atura. Oi, Irereeee, oi Irereeee, oi Irereeee, oi Irereeee. (PÁRA A MÚSICA) Sabe, são vários pontos prá várias situações, a gente tem um ponto, é lá na minha cidade tem um bairro que chama Três Poços, então, a gente tem um ponto, que é assim, é, (CANTANDO) No caminho de Três Poços tem um coco madurando, eu quero apanhá coco, catinguelê tá me olhando. No caminho de Três Poços tem um coco madurando, eu quero apanhá coco, catinguelê tá me olhando. (PÁRA A MÚSICA) É, sabe, foi um jongueiro que cantou prá uma moça, tava lá na roda, ela mora lá nesse bairro, né, e ele tava paquerando ela e tal, então, mas ele queria conversar, mas não podia, sabe, os pais da menina tava lá, não sei o que, ele cantou esse ponto, então foi, sabe, e as pessoas gostam muito. A gente teve, tem um também, o ano passado, Pinheiral, o rio Paraíba do Sul passa em Pinheiral, então, no passado apareceram alguma família de jacarés lá no rio e foi assim, uma festa, né, televisão, sabe, porque lá não tem jacaré lá no rio então, no quintal lá do povo lá, então, menino, foi assim, sabe, jornal, foi uma semana de confusão por causa do jacaré. Aí, o meu colega lá, o jongueiro lá fez um ponto também, é, como é que é? (CANTANDO) No varjão em Pinheiral baixo, no varjão, no varjão em Pinheiral jacaré tá dando criaaaa, oi jacaré tá dando cria, no varjão em Pinheiral jacaré tá dando criaaaa, oi jacará tá dando cria, só quem viu pode falá, jacaré tá dando criaaaa, oi jacará tá dando cria. (PÁRA A MÚSICA) Aí sabe, também faz o maior sucesso lá na região, (RISOS) porque o jacaré foi famoso lá. Então, o jongo é assim, sabe, se vê, de alguma coisa você cria o ponto e a gente vai cantando e as pessoas que estão em volta, né, que é em círculo a formação, aí, a gente repete o coro.
P/1 – E quando que ação greô entrou na sua vida?
R – Bom, também foi muito interessante. O ano passado eu tava no Rio fazendo, a gente tava organizando o 11º Encontro de Jongueiros, que foi no Quilombo São José da Serra. Aí, a Lílian, né, o Márcio, eles estavam lá no Ministério da Cultura, lá no Teatro Capanema, fazendo uma, uma oficina, lá, sobre a ação greô?, eles tavam trazendo pro Rio de Janeiro. Aí, me convidaram foi aquela, sabe, ai vai prá lá prá você conhecê e tal e eu não pude ir, porque eu tava nessa coordenação, não pude ir, mas a Celinha foi, do Pim, aí, quando, aí, a Célia voltou, trouxe o material prá mim, Fatinha, você tem que entrá, porque é a sua cara, você tem que entrá e tal, não sei o que, aí quando, aí saiu, né, o edital. Aí, veio o Santini prá cá que coordena, né, a ação greô aqui no Estado, aí me chamaram – ah Fatinha, vem prá cá prá gente montá um projeto – então como nós somos seis pontos de cultura aqui na, na região, aí convidou todos os pontos, aí nós viemos prá cá, aí, montamos o projeto. Aí, foi aprovado, né, foi um sucesso, porque a gente vai tá trabalhando em quatro municípios, né, a gente vai tá fazendo isso nas escolas durante um ano levando, né, a cultura popular prás escolas. Aí, na hora de, que a gente tava montando o projeto, então tava lá, mestre daqui, mestre dali e estavam se colocando só homens, todas as manifestações que a gente ia trabalhar era só homem. Aí, gente do céu, mas não vai entrar nenhuma mulher e tal, aí tem a questão da idade, né, que tem que ter de 50 prá cima ou tá prá lá de 60, não sei o que, aí Fatinha, cê não tem lá nenhuma mulher que possa vim, tal, não sei o que, aí alguém perguntou prá mim quantos anos eu tinha (RISO), quantos anos eu tinha, sabe, aí eu tive que falá que eu tinha 50 anos, ah, então é você mesmo quem vai, aí fui prá ser mestre de honra e tá sendo bem legal, né, porque aí ficou só eu de mulher aqui na região, porque os outros são homens, então tá sendo bem bacana o trabalho.
P/1 – Conta um pouco como é que tá sendo esse trabalho do greô?
R – Olha só, aí a gente começou, né em março, a gente tá trabalhando desde março e nós vamos levar esse trabalho prá dentro das escolas. Então a gente já fez assim trabalhamos já quatro municípios, inclusive sábado passado foi lá em Pinheiral, a gente vai trabalhar é, a Peninha Verde, o Jongo, o Calango, a Filha de Reis, e o André vai ser o greô aprendiz, então, ele vai contá a história do vale, a gente vai tá abordando outras manifestações que tem no vale, ele vai contá a história e nós vamos falar de cada manifestação prás crianças, então a gente já montou um plano de trabalho onde a gente vai tá ensinando as nossas batidas de tambor, o seu Filhinho que é da Caninha Verde, que tem que trabalhar com aqueles bastões, né, que faz aquela dança tipo mineiro pau, e vai ensinar isso, ele é uma gracinha, ele tem uma facilidade muito grande prá versar, sabe, então, ele, sabe, cê fala uma palavra ele já emenda ela rimando o negócio. Então, ele é uma gracinha. Ele vai tá com a Caninha Verde, né, e o seu Julião com o Calango e o seu Agostinho com a Folia de Reis de Valença. Então a gente também teve que tá aprendendo as manifestações, eu no caso, sou do jongo, tô aprendendo manifestações dele prá na hora da oficina a gente tá ajudando e eles também tão aprendendo o jongo, entendeu, prá poder a gente trabalhar tudo junto e tá passando isso prás crianças. Então a gente vai prá escola, vai chegá na escola assim em forma de cortejo, né, prá escola, até prá tá chamando a atenção dos jovens, tal, aí, o André vai contá a história do Vale das Manifestações e depois a gente vai fazer as oficinas, a gente vai fazer isso durante um ano nas escolas, acho que vai ser bem interessante, porque eu, no meu caso, já trabalho com escolas. Mês de maio e novembro, nós fazemos muitas apresentações em escolas e universidades, muitas, muitas, a gente é bastante solicitado, então a gente já faz esse trabalho. E é assim, é legal porque o jovem nas oficinas, eles participam, participam, querem batê, querem, aprende a dança e às vezes a gente vai em escolas que, de classe média alta e tem assim uma aceitação bem legal, sabe, é, porque os professores, eles preparam os alunos, né, contam as histórias, quando a gente chega lá, eles já têm mais ou menos a noção, não conhecem, tal, mas já têm a noção, aí, a gente faz a nossa parte, conta a história do jongo específica, depois a gente vai prá dança, então, aí eles sempre tão com perguntas, sabe, prá gente e normalmente os professores dão retorno prá gente, que depois eles fazem uma outra avaliação e dão retorno prá gente. Então, tá sendo muito bom esse trabalho nosso nas escolas. Então, eu no meu caso, eu tenho uma certa experiência do meu grupo disso, porque a gente já tá fazendo isso há algum tempo. E aí, a ação greô só veio somar, vai ser muito bom, a gente tem aqui em julho, na última semana de julho, esse ano vão ser dez dias, porque o festival vai coincidir com o Pan [Jogos Panamericanos], né, é, normalmente são as últimas duas semanas de julho, a gente tem o festival Vale do Café, que acontece aqui em Vassouras e em alguns municípios, onde é trabalhada a música clássica e a cultura popular, então a gente faz a cultura popular na cidade, nas ruas da cidade, cortejo, sabe, é muito bacana, vem muito turista e é trabalhada a música clássica nas igrejas e nas fazendas, porque aqui tem muitas fazendas históricas, então esse festival também, a gente consegue, assim, atingir um público muito grande com a manifestação popular. É, então o nosso trabalho tá sendo esse.
P/1 – E qual é a importância prá você do greô, da ação greô, você pode?
R – Nossa, olha, é muito importante, porque a gente dentro das comunidades, a gente tem, assim, um pouco de dificuldade em tá registrando a vivência dos nossos, dos nossos velhos lá, vamo dizê assim, tá. No caso da tia Marina que tava aqui ontem, do jongo de Barro, que é de Barra do Piraí, né, então, a gente tem pouco registro da tia Marina e agora com essa ação greô a gente vai podê tá colhendo mais coisa dela, sabe, né, que vai servi prá gente e vai servi prá quem tá vindo e a gente tinha dificuldade em fazê isso, então, essa ação greô ela vai nos possibilitar a tá mais próximo das pessoas idosas, né, das comunidades e tá pegando isso deles e trazendo eles, sabe, prá, a tia Marina é a segunda vez que ela vem prá cá, prá ação, que é uma pessoa que nem sai de casa, sabe, assim, e a gente tá conseguindo trazê essas pessoas prá, pro meio da gente passando experiência pros jovens, então tá sendo muito bacana.
P/2 – E como que esses jovens recebem?
R – Nossa, com o maior carinho, sabe, o maior carinho, o maior respeito, sabe, fazem perguntas e a gente tá conseguindo, porque eu vejo os jovens hoje em dia, muito alienado, né, é computador, é, sabe, lá em casa mesmo, né, é música de funk nas alturas, não sei o que, não sei o que lá, só que lá em casa tem uma diferença, porque a hora que o tambor começa a batê todo mundo vai pro tambor, porque já vem isso e outros jovens não têm essa oportunidade, né, então lá em casa ainda dá prá dividi o negócio, então, prá eles tá sendo diferente, sabe, prá eles tá sendo diferente, é muito bacana. Aqui no pin, né, eles trabalham jovens ali. Quando a gente tá com oficina ali, todo mundo larga os instrumentos deles lá, né, que é música, né, e vai prá lá pro tambor, sabe, então eu vejo o interesse deles em aprender a dançar, a cantar, tá sendo bacana.
P/2 – Deixa eu te perguntar uma coisa, não sei se é uma pergunta boba, mas ontem de manhã naquela roda, lá no casarão, ali no paço, é, teve essa coisa de uma pessoa batê um ponto e a outra respondê pegando o chapéu, né?
R – Ah, tá.
P/2 – E teve alguns jovens que deram um outro tom ali, de rap, tudo, acontece?
R – É acontece.
P/2 – O quê que você acha?
R – Acontece, porque, oh, normalmente a gente vai assim prá encontro, igual ali, lá no quilombo São José, que a gente tava sábado dia 12, você vê tudo, entendeu? Você vê o funk, você vê o rap, você vê o samba de roda, o jongo, forró, tudo ao mesmo tempo, entendeu? Então também a gente tem essa facilidade de trabalhá tudo isso e o hip-hop a gente tá trabalhando muito, sabe, tá procurando valorizá esse lado da música, porque também é uma coisa da cultura negra, então, aqui, no Rio de Janeiro, a gente tá trabalhando muito hip-hop. Então a gente trás esses caras, as meninas, a gente trás, eles, tanto faz a parte da cultura popular quanto faz a parte deles, sabe, a gente consegue, a gente consegue trabalhar com eles e eles com a gente. E tem um grupo em Volta Redonda que chama Bloco de Concreto, eles são tudo doidão, assim, sabe, as músicas deles é toda, eles tão até em Recife fazendo uma, um intercâmbio, vão ficá dois meses lá. Mas eles fazem a cultura popular com a gente, então, quando eles forem, o que eles levaram de cultura popular prá Recife foi os nossos materiais do jongo, mas eles são do Bloco de Concreto lá Bate na Lata, sabe, é bem bacana, tem o trabalho deles, eu gosto muito deles. A gente consegue trabalhar junto, sabe. É ótimo isso, acho bom, porque a gente na cultura popular, a gente tem uma história, sabe, a gente tem uma história que é muito forte e o jovem hoje em dia, ele não tem acesso a isso. Eu trabalhei na Prefeitura de Pinheiral, é até um outro ponto de cultura que tem aqui na região, é Associação dos Sertanejos, eles fazem a música de viola, música de raiz e nós fomos com esse projeto prá dentro das escolas, trabalhei em sete escolas municipais com isso. Então a gente chegava lá, o jovem, né, não vai se interessar por isso. Qual foi a surpresa nossa? Teve jovens que na parte final – “ah! Quem qué cantá e tal, não sei o que...” – pô, jovem de lá ir cantá essas músicas de raiz junto com eles, lá as violas e os meninos cantando, sabe, foi assim, foi lindo, porque a gente pensa que, né, não tá nem aí prá música se viola e tal, porque não é muito forte aqui na nossa região e a nossa surpresa, muitos jovens conhecem porque a família, né, tem essa experiência dentro da família. Então cantaram, sabe, foi lindo o trabalho e a mesma coisa acontece com a gente, a gente vai prá dançá, o jovem a gente chama, a gente faz assim, uma meia hora, 20 minutos de apresentação prá mostrá a dança, o nosso trabalho e depois a gente convida as pessoas prá participarem, todo mundo qué dançá. Muito bom.
P/1 – E como é que o mestre passa pro aprendiz as sementes, é com causos, com música?
R – É, a gente passa, né, no meu caso o jongo, eu sempre mostro como é que dança, né, o quê que tem prá fazê, o básico prá entrá na roda e dançá e os nossos batedores mostram as batidas, né, a gente vai, mostra, porque a batida do jongo é diferente, inclusive de uma comunidade prá outra tem diferença, então a gente como que faz aí depois a gente faz um rodão aí todo mundo dança. As outras manifestações é a mesma coisa. E a gente conta também a história que a gente já viveu, história que passa de geração prá geração, né, igual, rola uma história na roda de jongo, de jongueiros, todo mundo conta essa história, que antigamente, né, na época dos jongueiros bons mesmo que o jongueiro fez nascê, cantou um ponto lá que nasceu uma bananeira na... na roda de jongo lá e que deu cacho de banana, a banana madurou e todo mundo que tava na roda comeu a banana, todo mundo conta essa história. Então, sabe, é possível que isso tenha acontecido mesmo, porque eu no meu caso, por exemplo, eu conheci assim vários jongueiros que seriam capazes de fazê coisas dessas, que era jongueiro, sabe, jongueiro mesmo, né, e além de jongueiro tinha uma religião. Então, essas pessoas que são fortes dentro das religiões afro consegue se fazer muitas coisas, então é possível que isso tenha acontecido. Agora, eu vivenciá, nunca vivenciei não. A única coisa que eu vi quando era criança era o jongueiro passá nas brasas sem queimá o pé, isso eu vi, várias vezes na noite de São João que eles fazem isso. A gente faz um fogueirão, aí, aquela brasa lá prá meia-noite, na madrugada, lá, pô, os cara passa descalço na fogueira e não queima o pé, isso aí eu vi várias vezes. Então, agora essa história da bananeira, vários jongueiros contam, é muito interessante, mas é possível que tenha acontecido, não é impossível não. Porque o jongo, ele é uma dança, mas ele também tem assim muita, ele tem muitas, é, muitos preceitos, assim, sabe, porque o jongueiro velho, sabe, a gente teve um jongueiro lá, o seu Zé Cabiúna que ele ficou com a gente muitos anos e era um preto lindo, lindo mesmo, alto, sabe, tinha um rosto muito bonito, assim, bem preto ele e ele era muito elegante, ele só ia prás rodas de jongo de terno branco, sabe, e nossa, dançava bonito, a dança dele era linda, cantava muito, a gente tem o filho dele, que é um mestre também, a gente fala que ele é o único no Brasil, esse faz ponto na hora, assim, e tem o jeito de, de cantá igual o do pai dele. Só que ele tá com problema de alcoolismo então ele quase não tem saído com a gente, é novo ainda, a gente tá fazendo um trabalho prá ver se recupera ele, porque ele é jongueiro mesmo, sabe, é jongueiro mesmo. E, então, o seu Zé, sabe, aquele jeito, aquele estilo dele de dançá, nossa, tinha a maior moral mesmo no meio dos jongueiros e a gente aprendeu a dançá com ele. Então, ele sabia, ele passou algumas coisas prá gente, algumas coisas que a gente faz, né, na, nas rodas, precisa fazê nas rodas de jongo, né, então alguns rituais, algumas coisas, mas quem é jongueiro velho é que sabe. A gente quando vai dançá no, a gente vai dançá no terreiro dos outros, sabe, a gente tem alguns pontos que a gente não pode cantá, que às vezes a gente canta assim normal, canta, entendeu, mas é ponto que se eu tivé na casa de outro companheiro eu não posso cantá que eu tô, sabe, mexendo com o dono da casa, com o chefe lá do terreiro. Então, é, o pessoal mais jovem, né, nosso, lá, quando a gente, já falou, ó vocês prestem atenção nos pontos que vocês vão cantá, hein, e tal, não sei o que, porque a gente não pode, vai mexê lá com, né, então, tem muitas coisas, muitos negócio ali, aí eu costumo falá, né, quando a gente tá na reunião da rede, eu falo o pessoal que tá resgatando o jongo, eu falo – “Gente, ceis precisam conhecê a história do jongo de vocês, lá de trás, sabe, lá de trás, porque vem cantando de qualquer forma, assim, sabe, e não pode e não pode.” – então, tem essas coisas de negros (RISOS). Aí, alguma coisa a gente pode passá, outras a gente não pode passá, outras a gente fica, vai passá, tal. Eu no meu caso, né, eu que já tô na frente, vô passá lá prá frente, algumas coisas eu já passo pro meu pessoal que eu aprende com o seu Zé Cabiúna. Já tinha a Oscarina também, que era jongueira velha, entendeu, então, a gente conseguiu pegá poucas coisas, poucas, mas a gente vai.
P/1 – O seu aprendizado foi com os seus pais, na família mesmo?
R – Não, não foi na família, porque o pessoal da minha mãe, eles dançam, o pessoal é de Minas, e Minas o forte lá é congada e Moçambique e são próximos do jongo, do lado da minha mãe, do lado do meu pai que é jongo, mas eu aprendi, a gente aprendeu mesmo, porque lá em Pinheiral sempre se dançou jongo, lá tinha uma festa junina que começava em Santo Antonio, 13 de junho e só terminava em São Pedro e era direto, sabe, a semana toda, assim, então, e eles dançavam toda noite, os negros lá, dançava toda noite, aquilo ia até de madrugada e a gente ficava lá. Então, a gente aprendeu já da comunidade mesmo.
P/1 – Tem algum outro caso igual aquele da bananeira que você pode contá prá gente?
R – Ah, tem, tem vários casos, né, esse eu cheguei a presenciá, é, que às vezes, normalmente a gente dança muito no inverno, assim, festa de rua, sabe, então o pessoal bebe muito, né, a gente já bebe também. Festa de coisa assim, a gente sempre tem o banco, as cadeiras, sempre a gente deixa uma garrafa de cachaça lá perto, porque o pessoal bebe mesmo, sabe, isso já vem lá de trás. Mas tem pessoas que bebem fora da roda, depois entra na roda e quer dançar de qualquer jeito, não sei o que, então, sempre o pessoal que entrava na roda prá bagunçá a roda, então o seu José cantava uns pontos lá, aí, eu caía no chão, lá, entendeu, (RISOS) todo mundo ia caindo, isso a gente viu sabe. Ele cantava um ponto assim, é (CANTANDO) “Galo cantô, inda é madrugada, jongo não é reza e nego tá de caçoada.” – na hora que ele cantava esse ponto, ah, meu filho, era nego que tava na roda, entendeu, aí depois puxava outros lá e o negócio pegava, nego sabe, não voltava mais, caía, tinha gente de rolá, assim, oh, caí e sai fora da roda. E o seu Zé era interessante, esse seu Zé Cabiúna, ele podia beber a cachaça que tava no tambor, que a gente fala, que fica lá na garrafa, na garrafinha lá, mas se ele saísse dali e fosse beber em barracas, assim, de festas de rua ou em bar assim, ele ficava bêbado, ele ficava bêbado, passava até mal, ele tinha que tê a cachaça dele no tambor, ele podia, sabe, se ele saísse prá beber, me falaram assim. E um outro jongo que eu vivia com ele também, que eu também guardei isso, nós fomos convidados prá fazer uma festa lá em Arrozal, dançá numa festa, aí nós fomos. Lá em Arrozal tem jongueiros, tanto que agora, dois anos atrás eles resgataram, conseguiram montá o grupo lá, a gente sempre dançou com eles lá, o jongo deles é até semelhante ao nosso por causa disso, aí o nosso jongo não firmava de jeito nenhum, o seu Zé tava cantando um ponto lá e o jongo não firmava, assim, porque, igual ontem, né, eu falei pra vocês, toda as duas rodas, tanto a que a gente fez no colégio, quanto as que a gente fez na praça, a roda tava firme, sabe, tava boa, tinha axé naquela roda ali, e lá nesse jongo, aí os menino, sabe... porque aí o jongueiro canta o ponto, a gente, quem no, tá em volta não consegue pegar a toada pra responder, e tem que responder, porque é pra afirmar o ponto... aí, gente, aquilo num dava certo de jeito nenhum. E seu Zé canta ponto, aí ele falou assim, aí ele lembrou dum jongueiro falou “ó”, chamou pro dono, falou “ó, vocês convidaram fulano de tal?” – eu nem lembro o nome do homem mais, eu era criança, eu era adolescente nessa época – “não, a gente não convidou não”, um jongueiro velho, lá, da cidade, dum lugar lá, “não, a gente num convidou não”, ele falou “ó, esse jogueiro, fulano, tá amarrando meu ponto”, e a casa do homem ficava numa subida mais pra cima assim de onde a gente tava, aí o seu Zé começou a cantar ponto prá chamando o homem prá roda, e o homem não veio, e seu Zé tá cantando ponto e chamando o homem prá roda (RISO), o homem não veio, ó, eu sei que aconteceu que o seu Zé acabou bebendo, saindo da roda, bebeu, ficou bêbado, não teve jongo aquele dia, não conseguiu dançá (IMITA BÊBADO) mruaumraumra (RISOS), nós viemos embora, seu Zé passando mal na Kombi, lembro que a gente tava de Kombi, sabe, e não dançamos, tá? Isso eu vivi lá, esse negócio, a gente não dançou, entendeu? Então o jongo também tem dessas coisas, sabe? A gente, a gente brinca, a gente dança, assim, tudo, mas a gente, principalmente quando a gente sai, né, a gente, eu, a gente respeita muito, meu pessoal também respeita muito jongueiro velho, porque a sabedoria tá toda nele, sabe, cê vê, né, igual a gente vê a tia Marina lá, né, uma senhora, pô, num tá nem agüentando andar mais, a gente botou cadeira lá prá ela sentar e ela cantou ali, sabe, qué dizê, tem, toda a sabedoria tá nela, toda, entendeu, então a gente tem que respeitar muito, porque o jongo é uma coisa assim, sabe, de diversão, mas ele também tem suas peculiaridades, né, um negócio legal, bonito da gente viver, é a nossa história, a nossa história tá ali, sabe, a nossa história.
P/2 – Quando você fala que um jongo tem muito axé, o quê que quer dizer isso?
R – Tá com, tem força, sabe, tambor fa... tem jongo que a gente vai, o nosso tambor não, o meu tambor, ele tem, ele é feito de, né, no tronco da imbaúba, e o tambor grande é feito na barrica, aquelas barrica de vinho, então ele é feito de couro cru, e ele, prá o couro esticar, a gente tem que aquecer ele na fogueira, né, bota ele perto do fogo, aí o couro estica. O nosso tambor fala alto prá caramba, de longe você ouve o som dele, e tem tambor que não fala, (RISO DESDENHOSO), sabe, tem tambor que não fala, por quê? Porque a gente tem toda uma preparação com o tambor, tambor é tudo prá gente, sabe? Tambor é tudo. Inclusive ele bebe junto com a gente, a gente tem que dar cachaça pro tambor, entendeu? Então, sabe... e tem gente, tem comunidades que não faz isso, não saúda o tambor, sabe? Aí às vezes a gente vai saudar o tambor, a gente saúda o tambor, né, antes de começar o jongo, quando a gente vai entrar na roda, aí tem gente que tá vendo assim, “ah, é macumba”, e num é, é porque a gente faz reverência ao tambor, o tambor é tudo prá gente, num tem nada a ver com santo, com macumba, num tem nada a ver. É porque ele é o rei ali do negócio, entendeu? Então sempre que a gente entra na roda do jongo a gente vai lá saravá o tambor. É, mas aí tem gente falando “é macumba”, tal, e num tem nada a ver com a macumba, é porque o tambor é, ele é muito forte, não só no jongo, não só no jongo, como em outras manifestações também. Vocês podem ver, por exemplo, nós brasileiros, né, o tambor começa a bater ele mexe com todo mundo. Você pode ser evangélico, pode ser o que for lá que num adianta, o tambor bateu, sabe, ele fala... entendeu? Tem muito, muito axé mesmo o tambor, né? A gente procura sempre dançar na terra, porque a terra, também, né, é forte, sabe, a gente num gosta muito de dançar em lugar coberto... o seu Zé, nossa, quando falava com ele que a gente ia dançar assim em palco, num lugar fechado, ele ficava bravo, num gostava, jongo tem que ser no terreiro, entendeu? Mas tudo por causa desses preceitos que tem, entendeu, tudo por causa desses preceitos. A fogueira, também, sempre que a gente pode, né, as pessoas, a gente vai fazer alguns trabalhos, mas gente, se puder fazer uma fogueira, faz uma fogueira, porque a fogueira também é, ela é muito, sabe, forte, também faz parte do contexto aonde tem a dança do jongo, né... Dançar descalço, sabe, a gente também gosta de dançar descalço... então tem toda... dançar de calça comprida? Nossa, ele ficava bravo. Mulher dançar de calça comprida. Que nem aquelas negras velhas, lá, antigamente elas dançavam com aquela saiona rodada, assim, nossa, era muito bonito aquelas preta velha, então ele, a gente ia dançar de calça comprida, ele ficava muito bravo (RISO). Falava “A senhora parece dois homem dançando!”, num sei o quê, mas o jongo é isso! Aí a gente dança, sabe, até amanhecer o dia, ninguém cansa, normalmente tem uma comida por perto, sabe, sempre a gente faz canjiquinha, é, faz outra comida lá, angu à baiana, alguma coisa assim que todo mundo come, bebe, bebida rola mesmo (RISO), mas é, é muito bom jongo de terreiro, assim.
P/1 – Tem, é, tem dia assim que o tambor não tá querendo tocar, você pede permissão e ele não...
R – Não, não, o tambor, ele sempre bate. O que acontece, às vezes, que a gente observa, são lugares, entendeu, da gente chegar num lugar e a gente num, o jongo não ficar bom por causa do lugar, entendeu? Lá em Pinheiral, por exemplo, tem determinados lugares lá que a gente não gosta de dançar, porque a gente sabe que o jongo não fica bom. Ou começa a entrar pessoas que num têm nada a ver e acaba, sabe, a gente se perdendo, é, sabe, o negócio não fica bom, não fica com essa força, né, igual a gente pôde presenciar ontem aqui. Tem, tem determinados lugares que se vai que o jongo não fica bom, sabe. Amarra assim duma tal forma... a gente sente, a gente, né, que já dança, a gente sente. “Gente, esse ponto tá amarrado”, hã, então a gente, sabe, às vezes pessoas que, né, que sabem como é que faz isso, porque eu não sei fazer isso no jongo dos outros, eu num aprendi a fazer isso (RISOS), mas tem gente que sabe fazer, né, então, sabe? Aí então tem determinados lugares que a gente vai que o jongo não fica bom, assim, né, fica aquele negócio pesado, mas é por causa do lugar, num é pela, pelo tambor, pela gente não sai. É por causa do lugar. É mais, a gente presencia assim mais pelo lugar, a gente já, sabe, sabe que o negócio não vai prestar. Aí quando é assim a gente canta só um pouquinho, cai fora. “Ah não, vamos fechar, porque...” (RISO) mas é isso.
P/1 – O... porque o trabalho assim com a tradição oral, né, e tem a memória das crianças que trabalham na educação formal no colégio, como é que você consegue fazer a ligação, do formal com o oral...?
R – Ué, é assim mesmo, é através da música mesmo, sabe, a gente passa as nossas música pras criança, eles aprendem primeiro a música, né, porque a nossa tradição, ela é passada mesmo de forma oral, num tem outra forma, outro jeito, né, principalmente a tradição afro, sabe? E às vezes quando a gente trabalha, também, a figura da rezadeira, né, que a gente sempre, tem sempre com a gente alguma rezadeira, o seu Julião, por exemplo, que ele trabalha o calango, ele é rezador, então ele vai, ele fala das ervas, né, das cura com as ervas, e tal, num sei o quê, que às vezes a criança, né, a família tem até alguma coisa em casa que serve prá isso, serve praquilo, tal, então a gente trabalha isso lá, também, e é tudo através da comunicação, sabe, vai, pergunta à criança “ah, você conhece”, tal, ou “sua vó tem”, sei lá, entendeu, Interior normalmente tem uma horta, mas às vezes as pessoas não conhecem muito a questão de ervas, então quando a gente tá com a figura do rezador, a gente consegue trabalhar essa parte também, mas é tudo, sabe, interagindo com a criança, procurando mostrar o que ela tem, o que ela pode ter acesso do conhecimento da gente, a gente passando prá eles, ele pode trabalhar com aquilo.
P/1 – Qual é o significado, prá você, desse mestre, mestre greô?
R – Ah, tá assim sendo, sabe, é muito legal, porque né, igual aqui nesse encontro que a gente tá vivendo aqui, é, eu revi pessoas aqui que eu já tive contato alguns anos atrás, há muito tempo que não via, né, quando eu fazia parte do coletivo de mulheres negras eu encontrei com a Maria Moura, né, que é uma senhora de candomblé, sabe, ela é uma senhora de candomblé que tem assim uma religiosidade muito profunda e é mestre greô, entendeu, inclusive lá da Mangueira, então a gente, né, tá em contato com essas pessoas, né, a tia Maria do jongo, a tia Maria tem mais contato com ela, que é uma pessoa que sabe tudo de jongo, sabe, é uma pessoa maravilhosa, então a gente cresce junto com eles, sabe, isso é crescimento mesmo, é muito, sabe... o seu Filhinho, nossa, gente tem, eu conheci seu Filhinho tem três anos, aqui no cortejo do festival Vale do Café, e a gente já gostou dele, é uma gracinha. E agora, trabalhando com ele, né, que eu to mais diariamente com ele, que pessoa maravilhosa! Sabe, o homem, ele tem 81 anos, mas ele tem uma experiência de vida tão grande, e tudo que ele fala você aproveita, tem sentido, entendeu? Então é muito bom prá gente conviver com essas pessoas mais de idade. A minha mãe, minha mãe tem 73 anos, mas a minha mãe, ela é uma mulher assim bonita, sabe, ela num tem uma ruga e é uma preta muito bonita – ela dança com a gente também – e a minha mãe tem uma experiência de vida muito grande. Nossa, as histórias que ela conta dá um livro, sabe? Pela experiência que ela viveu em Minas, na infância dela, né, parte dela lá, depois veio adolescente prá Barra Mansa, né, e essas histórias de família assim, nossa, a história da minha família é muito rica, muito rica assim culturalmente, sabe? O meu, o meu bisavô, né, que era avô da minha mãe, ele era um negro, a minha mãe conta, que, né, na época que ele viveu ele era um grande conhecedor de tudo, inclusive ele, assim de comercializar, sabe, lá no terreno lá onde eles moravam ele tinha plantação de tudo lá, conhecia tudo, e moravam na roça, mas ele ia prá cidade comercializar...
_________________________ FIM DO ARQUIVO
R – ... aí a gente vai tá lá.
P/2 – Peraí que tem muita coisa... (RISO)
P/1 – Onde que fica o quilombo?
R – O quilombo fica em Valença.
P/1 – Valença?
R – Santa Isabel. (PAUSA) Mas aí, se vocês forem – vai ser dia oito, Toninho me falou ontem – se vocês forem, vocês me ligam prá mim poder orientar vocês prá chegar lá. (PAUSA) Lá vai muita gente de São Paulo! Lá nessa festa vai gente de São Paulo prá caramba. Nós vamos a Campinas dia 14 de julho, vamo tá numa festa lá em Campinas na, na, com a Alessandra, tem um grupo lá que nasceu também tem uns quatro ano, aí ela tá me convidando prá fazer essa festa lá com ela. A gente viaja muito!
P/2 – É, né? É bom essas trocas!
R – Nossa. A gente faz um trabalho com a Cristina Braga, que é uma harpista, ela é a primeira harpista do Teatro Municipal do Rio.
P/2 – Nossa.
R – E ela é daqui de Vassouras, ontem ela tava aí, ela veio ver um, ela mora no Rio. Ela toca harpa, é música clássica, e a gente faz a cultura popular dentro do show. Mas é um sucesso, assim, sabe? (RISOS) Aí ela canta junto com a gente, depois a gente mostra o nosso jongo, sabe, e a gente vai fazer algumas capitais com esse show – chama Tambor, o show. Mas é, é legal essa junção, né, da música clássica com o jongo, muito bom.
P/1 – Uma das coisas do greô é ser caminhante, né?
R – É.
P/1 – Vocês viajam muito por isso...
R – É, a gente, agora que vai ser como greô, né, mas enquanto jogueiros, a gente viaja muito, muito mesmo, de fazer intercâmbio com outras comunidades, e mesmo com a questão das escolas... o SESC, a gente trabalha muito no SESC. Muito mesmo, toda festa que eles fazem de cultura popular, normalmente a gente tá... é bom. E prá gente, lá, prá minha comunidade, é, esses trabalho assim foi muito importante, porque é comunidade pobre, tá, a maioria dos meninos que dançam com a gente são gari, trabalha, né, trabalha de rua, assim, de gari, então a gente tem que fazer um trabalho social com eles que eles, sabe, devido os ambientes, né, os aparelhos que a gente tá – igual esse show a gente faz com a Cristina, fica na sala Baden Power [Powell] em Copacabana, entendeu – então, sabe (RISO DESDENHOSO)... quer dizer, cê tem que ter, né, a gente tá lidando com artista, a Cristina é uma artista, né, internacional, sabe, o pessoal dela, tocam com outros artista, e tal, então eles tem que ter, né, nós temos que ter um certo comportamento prá tá ali naquele ambiente e tal. Então o trabalho de crescimento que a gente fez com esses menino, nossa, foi maravilhoso. Mas foi maravilhoso mesmo, sabe? Eles conseguiram – tanto as mulheres também, que são mulheres de casa, assim, sabe – mas eles, né, cresceram muito nessa parte, assim, do social, sabe, de tá conversando. Porque aí a gente chega, quando, sempre quando termina o show, ou antes, né, as pessoas querem saber, querem conversar, querem, né, e tal, e eles primeiro tinha vergonha de falar, ninguém falava, agora todo mundo conversa com todo mundo, dá entrevista, sabe, nossa, foi muito bacana, entendeu? (RISOS) Então a gente conseguiu, sabe, eu gosto desse trabalho, de poxa, né, você conseguir tirar a pessoa do gueto prá... é legal, isso.
P/1 – Tava contando antes da gente interromper um pouquinho aqui da sua avó, bisavó, da sua família, um pouco da história, aí cê interrompeu... pode retomar um pouquinho? Tava falando de coisas importantes...
R – Ah tá. Já mudou ali?
P/1 – Já, já. Pode... (RISOS)
R – Gente do céu. Olha só! Pois é, igual eu falei, né, minha mãe, ela tem 73 anos, mas é uma figura assim muito bonita, né? Ela, e ela conta, né, prá gente, a história, né, da família da parte dela, que, né, a bisavó dela era índia e ela trabalhava com tear, então ela fazia, né, uns pano, tecia o algodão, e eles tingiam e eles faziam a roupa, as roupas deles, lá, na casa, e o meu, e o avô da minha mãe, ele tinha assim, ele sabia comercializar, sabe, entendia tudo de plantação, então eles plantavam lá e ele ia prá cidade comercializar. Então, é, entre lá, ela fala assim, entre o pessoal da cidade ele era bem, assim, né, de tinha uma situação mais ou menos porque ele tinha esse tino, sabia fazer esse tipo de trabalho, né? E fora a questão, né, de ervas, de escultura, era um músico também, tocava um violão, e o moçambique, que eles, é, no moçambique tem rei e rainha, né, essas coisa, então eles eram, lá, sabe, a festa de Nossa Senhora do Rosário é muito bonita lá na cidade, então tinha essa tradição. Só que depois, né, aí o, minha vó veio embora prá Barra Mansa, né, aí se perdeu um pouco, né, disso, mas essa coisa de cultura, sabe, de música, isso vem, né, de muito tempo na minha família, e na minha família todo mundo gosta. Lá em casa a gente mexe com tudo: com samba, com futebol, com jongo (RISO), tudo a gente tá na, no meio, porque faz parte do nosso dia-a-dia. E isso, né, é legal, porque as famílias africanas, essas coisas fazem parte mesmo do cotidiano, né, na África a gente sabe que tudo é junto, num tem “ah, vou sair daqui prá ir fazer”, não, sabe, “alguma coisa”, não, é tudo dentro da casa, da família, rola tudo, e a gente tem bem muito isso, né, a minha família tem isso de, essa parte de, na cultura, sabe, na parte de culinária também, a gente trabalha muito a culinária afro que também vem de família, minha vó foi grande cozinheira de hotel, meu pai trabalhou também em hotel, cozinha de hotel, sabe, cozinhava muito bem, e a gente teve bar, durante muitos anos, aí todo mundo cozinha lá em casa por causa desse bar (RISO), sabe, e hoje, dentro do jongo a gente trabalha a culinária afro. Aí eu já trabalho com grupo, né, inclusive a equipe da ação greô, no vale, nós recebemos eles lá no sábado passado. Foi uma festa, sabe? Foi uma festa, assim, porque o pessoal preparou muita coisa, e nós dançamos, e aprendemo um pouco da caninha verde do Seu Filhinho, ele ficou até muito bravo, gente, vou contar essa história porque isso foi engraçado (RISOS). O André falou assim: “Fatim” – ele tá, a gente, desde março que a gente tá trabalhando, né, na São Greô, e ele quer mostrar a caninha verde original dele, porque a que tava aqui ontem, que é a Davi Ferreiro, essa indústria que tem aqui, ele fala que é diferente da que ele sabe, só que a gente tava precisando de um sanfoneiro – agora que arrumou o sanfoneiro – prá pegar a toada dele, e a música dele, porque ele fala que é diferente daquela, e o jeito de pegar o bastão de dançar também. Aí eu falei assim: “André, então vamo fazer uma oficina lá em Pinheiral prá gente pegá, né”, aí arrumei os bastões, preparei meu pessoal lá prá poder fazer oficina com ele, só que tinha um pessoal do Rio que foi junto comigo aqui de Vassouras, aí, e tinha outras pessoas de fora lá também, aí o pessoal, ah, então anda “vamo dividir então, fica uma parte fazendo oficina do jongo e uma parte fazendo oficina com seu Filhinho”, só que o tambor começou a bater, e aí a gente tava lá fazendo a movimentação dos bastões, mas no ritmo do tambor, mas ele ficava bravo, gente! (RISOS) Mas ele ficou muito bravo, “mas num pode! Vocês querendo fazer, trabalhar o bastão, né, no som do jongo” e “num pode! Num sei o quê”, assim, sabe, mas a gente num fazia no ritmo do jongo sem querer, a gente tava prestando atenção no que ele tava falando, mas quando cê via cê tava fazendo o movim... nossa, mas ele ficou muito bravo, gente, foi muito engraçado isso! Aí eu falei: “André, a gente tem que fazer uma oficina só com ele, porque a gente até precisa aprender a”... né, agora já apareceu o sanfoneiro, tudo bem, falei: “então nós temo que fazer uma oficina só com ele porque ele ficou muito chateado” (RISOS). Não deu certo. Ah, mas foi legal, então a questão da minha família é essa, é toda cultural, mesmo, sabe, a gente, assim, vive muito mesmo a tradição do mundo negro, muito.
P/2 – Então, Fatinha, quais são os pratos que vêm da cultura afro?
R – Olha só, lá a gente trabalha a feijoada, trabalha a canjiquinha, o angu à baiana também a gente trabalha muito e os doces, cocada, pé de moleque, que a gente trabalha mais.
P/2 – O quê que caracteriza o angu à baiana?
R – O angu à baiana, esse angu à baiana, fala “angu à baiana”, mas ele é aqui do Rio de Janeiro, é o angu, né, feito com fubá, e a gente faz um molho com miúdos de porco, né, rins, aqueles coisa de porco, os miúdos do porco, faz o molho lá, com tomate, pimentão, pimenta, cebola e põe por cima desse angu, aí serve, põe o angu no prato, angu molinho, põe no prato, assim, aí vem com a concha com aquele molho, põe e serve. Aqui no Rio de Janeiro todo mundo come isso. (PAUSA) E aí a gente vende, sabe, faz um sucesso, o nosso, e a canjiquinha também, o pessoal gosta muito...
P/2 – E é salgada?
R – Salgada, com costelinha de porco. É com costelinha de porco. É, a gente põe costelinha de porco, bacon, lingüiça, paio, aí faz a, e, né, e a costelinha. E a gente põe cenoura ralada também no meio. Aí, na hora de servir a gente serve numas cumbucas, assim, e põe cheiro verde, cebolinha e salsa por cima. Vende muito mesmo, a gente faz uns panelão desse tamanho, vende tudo.
P/2 – É tipo um caldo, né?
R – É tipo um caldo grosso, assim. Muito gostoso. No inverno, então, é tudo (RISO). Todo mundo gosta da canjiquinha. E a feijoada, né, que a gente também faz. Mas assim, prá rua a gente vende mais é a canjiquinha e o angu à baiana, que é mais fácil prá preparar, num tem tanta coisa, assim, prá, sabe, e a feijoada a gente faz, assim, uma vez por mês, mas aí a gente vende os ingressos antes, os convites, né, aí a gente... Mas é bacana, as pessoas vão, gostam... muito bom. E cocada e pé de moleque, que também a gente faz e vende.
P/2 – Cês são de origem africana, mesmo.
R – É.
P/2 – Que legal... (PAUSA) Em Minas come muito canjiquinha, né?
R – Come, mas Minas também é, lá Minas é mais é pernil assado, torresmo... a gente vende muito também é feijão amigo. Que o feijão...
P/1 – Feijão amigo?
R – É, o que serviu ontem. Cês foram na festa ontem? Então, tinha na festa, né, aquele feijão que é engrossado com farinha, e aí a gente põe uns torresminhos assim por cima e cheiro verde, isso também vende muito, o tal do feijão amigo.
P/1 – (MURMURAM) Então cabou (RISOS), tô agradecendo a senhora por fazer a entrevista...
R – Eu que agradeço, né, porque é muito bom a gente falar da gente, falar da nossa história, sabe, falar da nossa cultura, é muito bom isso, tá, então eu tenho muito o que agradecer vocês também por essa oportunidade, né, igual eu falei no início, agora, né, que a gente tá tendo oportunidade de tá mostrando a nossas coisas realmente como elas são, né, então toda oportunidade assim é importante a gente tá mostrando isso, porque é uma história de vida, né, é uma história de um povo, que, sabe, acho que ela tem que ser contada realmente como ela é, porque as nossas histórias sempre foram contadas por outras pessoas, né? Imagina, outras pessoas. A gente viveu situações aí de pessoas brancas se pintarem de negros prá nos representar, e a gente não precisa disso, né? Então a gente, quando a gente tem essa oportunidade de tá falando, tá mostrando as nossas coisa, é tudo que a gente quer, porque a nossa história é uma história, assim, autêntica, linda, linda, linda, linda, né, o povo negro é um povo que acho que merece, nossos ancestrais merecem todo o respeito porque lutaram muito prá gente tá aqui hoje numa condição ainda não muito boa, mas mais ou menos, né, então a gente tem muito o que agradecer a esses negros guerreiros que fizeram todo esse trabalho, principalmente as mulheres, a gente, ainda hoje na história a gente lembra muito dos homens, né, dos heróis negros, e a gente não lembra muito das mulheres, mas nós tivemos mulheres fortíssimas negras que tiveram, assim, lideranças, né, durante a história, é que num se registrou isso muito. Então a gente tá buscando através da, a gente fundou aqui até uma associação, Mariana Creoula, em Volta Redonda, que são estudantes da FERP, uma universidade que tem lá, e a gente tá levantando essas mulheres, né, pesquisando o nome dessas mulheres prá gente fazer um trabalho, porque elas existiram, existem ainda e a gente tem que botar isso prá fora, aí, mostrar essas caras. Gente, mas muito obrigada pela oportunidade.
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