IDENTIFICAÇÃO Meu nome é Joaquim Dib Cohen, nasci no Rio de Janeiro, em 26 de abril de 1955. Sou conhecido por Dib, meu nome do meio, muita gente acha que é sobrenome, mas o sobrenome é Cohen. O meu nome era para ser só Dib Cohen. Meu pai queria homenagear o meu avô colocando o nome dele em mim. Meu avô era um imigrante que veio da Palestina, um judeu da Palestina, o nome dele era Dib Cohen. Ele chegou aqui no Brasil não falava português, só falava árabe, hebraico, não sei o quê, ele adotou o nome de Joaquim para facilitar, era comerciante, e ficou Joaquim Cohen. Mas quando eu nasci, o meu pai achou que eu não ia gostar do Dib Cohen, daí registrou sem a minha mãe saber, Joaquim Dib Cohen. A minha mãe pensou que meu nome era Dib Cohen. Eu fui para escola no Primário com esse nome. Na escola, eu era Dib Cohen. Quando eu fui para o Ginásio e tive que fazer uma prova de admissão – tinha que apresentar certidão de nascimento –, descobri, com 11 anos, que meu nome era Joaquim Dib Cohen. Nada contra o Joaquim, que hoje é um nome famoso, mas na escola começaram a me sacanear. Desde lá até hoje, não tenho nenhum problema com nome, mas sempre me conheceram por Dib, Tem muitas pessoas que me conhecem que não sabem que o meu nome é Joaquim. Dib é meu nome de guerra, um nome de origem árabe. Uma vez, fui fazer uma entrevista, antes de entrar na Petrobras, na Esso, o cara olhou meu nome e comentou que Joaquim era português, Dib árabe e Cohen judeu, e em seguida perguntou: “O quê você é afinal?” Eu falei: “São três povos que negociam, então são três comerciantes”. Dib significa lobo, e Joaquim, apesar de ser português, é um nome de origem hebraica, significa “deus o erguerá”, e Cohen vem dos sacerdotes, quando foi fundado o Estado de Israel. Eles eram os que tomavam conta do templo, descendente de Aarão, que era o irmão de Moisés, só que agora não tem valor nenhum, agora...
Continuar leituraIDENTIFICAÇÃO Meu nome é Joaquim Dib Cohen, nasci no Rio de Janeiro, em 26 de abril de 1955. Sou conhecido por Dib, meu nome do meio, muita gente acha que é sobrenome, mas o sobrenome é Cohen. O meu nome era para ser só Dib Cohen. Meu pai queria homenagear o meu avô colocando o nome dele em mim. Meu avô era um imigrante que veio da Palestina, um judeu da Palestina, o nome dele era Dib Cohen. Ele chegou aqui no Brasil não falava português, só falava árabe, hebraico, não sei o quê, ele adotou o nome de Joaquim para facilitar, era comerciante, e ficou Joaquim Cohen. Mas quando eu nasci, o meu pai achou que eu não ia gostar do Dib Cohen, daí registrou sem a minha mãe saber, Joaquim Dib Cohen. A minha mãe pensou que meu nome era Dib Cohen. Eu fui para escola no Primário com esse nome. Na escola, eu era Dib Cohen. Quando eu fui para o Ginásio e tive que fazer uma prova de admissão – tinha que apresentar certidão de nascimento –, descobri, com 11 anos, que meu nome era Joaquim Dib Cohen. Nada contra o Joaquim, que hoje é um nome famoso, mas na escola começaram a me sacanear. Desde lá até hoje, não tenho nenhum problema com nome, mas sempre me conheceram por Dib, Tem muitas pessoas que me conhecem que não sabem que o meu nome é Joaquim. Dib é meu nome de guerra, um nome de origem árabe. Uma vez, fui fazer uma entrevista, antes de entrar na Petrobras, na Esso, o cara olhou meu nome e comentou que Joaquim era português, Dib árabe e Cohen judeu, e em seguida perguntou: “O quê você é afinal?” Eu falei: “São três povos que negociam, então são três comerciantes”. Dib significa lobo, e Joaquim, apesar de ser português, é um nome de origem hebraica, significa “deus o erguerá”, e Cohen vem dos sacerdotes, quando foi fundado o Estado de Israel. Eles eram os que tomavam conta do templo, descendente de Aarão, que era o irmão de Moisés, só que agora não tem valor nenhum, agora Cohen só abençoa o povo. Eu tinha que ter nascido há dois mil anos (risos). FORMAÇÃO PROFISSIONAL Eu sempre quis ser engenheiro, sempre gostei de Matemática, Física, sempre fui aficionado por números. Antes de começar a faculdade, passei um ano em Israel estudando, iria fazer a faculdade lá, mas foi no ano que teve a guerra e acabei voltando e, ingressando na UFRJ, onde eu tinha passado no vestibular e tinha trancado a matrícula. Eu comecei e não sabia que engenharia seguir, porque se começa pelo básico e quando chega ao terceiro ano é preciso optar por uma engenharia específica. Comecei a não gostar, achando tudo técnico demais, ainda que eu gostasse dos números. Um interesse pelas Ciências Humanas começou a surgir. Pensava ainda em Ciências Exatas, mas com um comportamental no meio, um pouco de psicologia, sociologia etc. Daí surgiu algo que foi a salvação: há três anos havia começado um curso, na UFRJ, de Engenharia de Produção e, naquele ano que eu deveria me decidir, o curso foi reconhecido pelo MEC. Fui ver as cadeiras e era exatamente o que eu queria, porque tinha lado de engenharia, de matemática, física, construção, materiais, mas também sociologia do trabalho, ergonomia, economia, organização do trabalho; toda aquela parte que liga o homem técnico ao homem social. Eu me interessei muito e decidi pela Engenharia de Produção. Nossa turma tinha 30 pessoas, hoje eu sei que as turmas da UFRJ são de 100 alunos. A Engenharia de Produção é uma das mais difíceis de entrar, uma das mais concorridas. No início, quando nos formamos era muito difícil até mostrar para o público, mostrar para os empresários - quando buscávamos emprego -, o que nós éramos. Mas nós começamos a trabalhar e cada um de nós, meus amigos de turma e das turmas anteriores – sendo que nós éramos a terceira turma a se formar –, tínhamos um trabalho enorme de divulgar a Engenharia de Produção. Em São Paulo, estava começando também, mas a única faculdade era aqui no Rio de Janeiro. No exterior, o curso existia e era conhecido. A Engenharia de Produção me ensinou muito. O Homem é sujeito a erros, o Homem falha. Apesar de ser uma máquina pensante – a mais perfeita que existe –, é preciso criar sistemas que evitem que ele cometa erros. Este é um exemplo que eu acho ótimo e que aprendi na Engenharia de Produção. Isso está na minha cabeça o tempo todo. É o caso da guilhotina que corta papel numa gráfica. Antigamente o que acontecia? O cara botava os papéis, apertava o botão e volta e meia esquecia a mão lá e perdia uns quatro dedos. O que o engenheiro de Produção fez? Observou a máquina, o Homem, e pensou: “Vai esquecer o dedo” O esquecimento é humano. Daí ele inventou outro dispositivo, o cara botava as folhas, apertava o botão aqui e tinha que apertar um botão do outro lado. Tinha que usar as duas mãos e longe para não poder apertar com uma só para cortar o papel, desse modo, nunca esquecia o dedo. Não se culpa uma pessoa que bateu com o carro, que errou num relatório, num projeto, deve se culpar sempre o sistema de não ter sido capaz de re-checar se aquele negócio estava errado, se tem fundamento ou não. O sistema vigia o Homem, mas o Homem que cria o sistema. Não existe o Homem perfeito, não existe Homem que não falha. Eu sempre procurei lidar muito o Homem com o sistema, o sistema com o Homem, é uma visão que eu aprendi na faculdade que trago até hoje. Eu sou muito contador de histórias, sou conhecido como Forest Gump, porque vivo contando histórias do passado e pegando exemplos assim, até exemplos bíblicos. INGRESSO NA PETROBRAS Eu mal conhecia a Petrobras. A Petrobras estava crescendo, eu entrei em 1979, mas em 1976 o meu pai faleceu e tive que tomar conta da loja dele. Estava estudando e foi meio tumultuado, mas eu segui em frente. Arranjei um estágio na Esso e fiquei quase um ano lá. Eu estava no último período, tinha só uma aula por semana, uma aula de um projeto, então eu trabalhava na Esso quase que tempo integral e, às sextas-feiras, ia a essa aula. Ia à faculdade, revia os amigos, assistia a uma aula, conversava um pouco, estava mais relax. Estava todo mundo querendo trabalhar, aquela preocupação toda. Um dia, chego ao Fundão e descubro que não ia ter aula porque professora havia faltado. Fui encontrar com os amigos, num bar lá no pátio mesmo. Conversando, alguém disse: “Ih, rapaz Todo mundo se inscreveu na Petrobras, hoje é o ultimo dia.”, “Petrobras está fazendo concurso?”, “É, hoje é o último dia, tem que pegar uma declaração que você vai se formar esse ano e tal”. A inscrição era no Centro, no Largo São Francisco. Mas foi assim, por sorte, eu estava ali no bar, naquele dia, naquele momento. Corri, peguei a declaração, fui lá e me inscrevi no concurso. Eu ainda estava estagiando na Esso, e ainda tinha feito um concurso para o mestrado, não queria trabalhar direto, queria fazer um mestrado primeiro. Passei para o mestrado, havia ganho uma bolsa para a COPPEAD [Instituto de Pós-graduação e Pesquisa em Administração da UFRJ], e o resultado da Petrobras veio um pouco depois. Pedi demissão da Esso, não pela Petrobras, mas porque eu queria fazer o mestrado, falei: “Vou sair, quero fazer mestrado, depois que terminar posso até voltar”. Quando ia começar as aulas no mestrado, veio o resultado da Petrobras, fiquei na maior dúvida. Pensei: “Na Petrobras, eu vou ficar dois anos, faço o curso em dois anos e depois venho fazer mestrado pela própria Petrobras”. Eu sabia que havia essa possibilidade, tinha gente na Petrobras fazendo mestrado. “Faço isso, depois saio da Petrobras e procuro emprego na área privada”. Isso foi em 1979. Bom, estou até hoje (risos). Esses dois anos viraram quatro, oito... Acabei não fazendo o mestrado, porque o curso da Petrobras era muito bom, bastante pesado, ao nível de um mestrado. Ao entrar, você faz um curso de um ano de formação, era o Cisup, Curso de Importação e Suprimento de Petróleo. Este curso evoluiu muito ao longo do tempo; hoje é Cosup, Curso de Comercialização e Suprimento de Petróleo e Derivados. ABASTECENDO O BRASIL A Petrobras não exportava, praticamente importava petróleo, refinava e vendia os derivados. Basicamente, era um mercado de importação de petróleo, o Brasil importava 900 mil barris por dia de petróleo, refinava a produção, eram 200 mil barris, bem pequena. Importava de 900 a 700 mil barris, e refinava de 900 a 1 milhão de barris por dia. Praticamente você tinha que aprender a importar petróleo e fazer suprimento. A Petrobras era uma empresa estatal, monopolista, e tinha a responsabilidade de suprir o país. O importante era manter o país abastecido, abastecer o país a qualquer custo. Depois pensava em melhorar, tentando minimizar os custos, mas o importante era abastecer o país, não tinha aquele lance da rentabilidade ou lucratividade, que para mim, como Engenheiro de Produção, era importante, porque estava no meu sangue. Tentávamos ser lucrativos de alguma maneira, não é que fosse irrelevante, mas não era tão presente, o suprimento era mais importante do que a rentabilidade. Se tivesse que entregar um botijão de GLP lá no Norte, em Roraima, na pontinha do Brasil, com custo altíssimo para não faltar GLP, nós entregávamos. Hoje ainda continua esse espírito de suprimento, de abastecimento... SUPRIMENTO Suprimento é tudo. É manter o país abastecido de produtos, petróleo e derivados. Lógico que o petróleo é a matéria-prima para produzir os derivados, senão você não abastece. Na época, tinha duas refinarias privadas, a Ipiranga, no Sul e Manguinhos, que nós abastecíamos. Tínhamos que mantê-las também, porque não se podia deixar faltar petróleo para as refinarias que não eram da Petrobras. Do petróleo, se produzia os derivados e dali tinha uma cadeia de distribuição pelo Brasil inteiro. Era bastante complexo e quando ingressei na Empresa fiz esse curso de um ano. A minha turma tinha trinta e poucas pessoas, no fim teve até uma disputa na escolha das áreas que íamos trabalhar. Tinha Comércio Interno e Externo, Suprimento etc. Eu fui trabalhar na Divisão de Combustíveis. Os primeiros colocados escolhiam, optei, portanto, por esta Divisão. Era uma divisão forte dentro do Decom (Departamento Comercial). Eu queria trabalhar na área de estudos, tinha medo de falar ao telefone, me achava tímido. Não queria falar com clientes. Mas tinha um cara, o Sérgio Abraman, que era chefe desse Setor de Estudos, que passou para o Setor de Suprimento, quando estava indo para lá ele disse que precisava falar comigo: “Quero que você venha trabalhar comigo”. Eu falei: “Cara, mas eu tenho medo de telefone, não sei disso”, “Não, não se incomoda, vou te ensinar, venha trabalhar comigo, você tem perfil”. São aquelas coisas que acontecem que depois você percebe como é que não tinha imaginado aquilo antes. Eu nunca mais quis voltar a trabalhar com Área de Estudos e Planejamento, sempre trabalhei com a Área de Suprimento, Logística e Comércio. DECOM Eu não sei quantas pessoas havia, era no décimo nono andar do Edise. Neste andar ficava toda a parte de Comércio, Suprimento e Logística, No setor em que eu estava, fazia-se todo comércio interno de derivados, era entrega, não chegava a ser nenhum comércio. Havia cotas do Governo, de CNP (Conselho Nacional de Petróleo) para entrega. Existia uma logística, uma programação de cabotagem, nós que programávamos os navios junto com o trabalho de transporte. Tinha uma linha direta com a Fronape (Frota Nacional Petroleiros), pegava o telefone, discutia com eles, fazia a programação de cabotagem. Tinha também a parte de programação de navios para o exterior que a gente fazia naquele setor. Nós éramos em média umas 30 pessoas, mas fazíamos o trabalho de umas 200. Não quero ser aquele saudosista, dizendo que “no meu tempo era assim”, não é nada disso, eu acho que evoluímos muito, algumas coisas perdemos, outras ganhamos. Às vezes, temos que parar, dar uma sacudidela para arrumar a casa e ver o que é bom e voltar a fazer, ou mudar o que é ruim. E se for bom o que estou fazendo agora, continuar. Nós crescemos muito, evoluímos bastante. O Departamento Comercial tinha uma estrutura muito rígida, era regime militar, uma estrutura bem hierárquica. O presidente era intocável, ninguém nem sabia onde ele ficava. Depois vinha a diretoria, não se chegava perto de diretor também. E, logo em seguida, os superintendentes. Era uma hierarquia bem rígida. Depois do superintendente, tinha o chefe de divisão e o chefe de setor, depois vinha o peão, peãozada. O chefe de setor tinha uma missão muito forte que hoje o coordenador não tem, porque ele ficava com toda a massa, toda a mão-de-obra. O chefe de divisão falava basicamente com os chefes de setores. Logicamente, tinham reuniões grandes, onde todos se encontravam, mas, no geral, chefe de divisão só falava com chefe de setor; superintendente só falava com chefe de divisão. Mas nós também enfrentávamos os problemas com a comunicação, as facilidades que temos hoje não existiam. O Departamento Comercial tinha cinco grandes divisões: a Diplan, que era a Divisão de Planejamento; a Dicomb, que era a Divisão de Combustíveis; a Divisão de Comercialização de Petróleo; a Divisão de Suprimento de Petróleo; e a Divisão de Produtos Especiais. As grandes divisões cuidavam de todo suprimento. Tinha duas grandes divisões de petróleo, porque o petróleo era o carro chefe do Decom, como eu já comentei, importávamos 900 mil barris por dia. Basicamente, importávamos, refinávamos e entregávamos. Essa Divisão de Petróleo tinha uma Divisão de Comercialização, era a única que tinha comércio externo. Na Divisão de Combustível, praticamente, não se importava nem exportava derivados, eventualmente, aparecia uma carga ou outra. Eu me lembro, ouvi dizer, pode ser até mentira, mas tinha um cara da área comercial que ficava em Nova Iorque, às vezes alguém ligava para ele e dizia “Bernardo, temos uma sobra de óleo combustível, gasolina, como nós fazemos pra mandar para os Estados Unidos?”. E o Bernardo: “Ih, manda para cá isso aí não, isso aqui é uma complicação, o mercado americano... não se mete com isso”. COTIDIANO DE TRABALHO Falar com exterior era bem complicado, para dentro do Brasil também, se eu quisesse falar com São Paulo, com a refinaria ou com o terminal, tinha que pedir para telefonista discar. Esperava-se três horas para falar com São Paulo, para os Estados Unidos, você ligava de manhã para falar de noite. Falava-se muito por telex, não tinha computador, nem pensar em terminal, em e-mail, atualmente não conseguimos imaginar como se vivia sem isso. Tinha telefone que não tinha nem DDD e nem DDI, pedíamos a telefonista e esperávamos horas, ou então você batia um telex, que era conferido e assinado pelo chefe do setor, que ia pra uma área de Telex no 24º, 25º andar. No final do dia, mandavam todos e depois vinha uma listagem do que foi transmitido. Recebíamos mil telex por dia. Vivia-se bem, eu chegava à Petrobras às oito horas da manhã e cinco horas da tarde eu saía, o sistema todo funcionava (risos). É até interessante imaginar sair hoje às cinco horas da tarde do prédio... Tocava até musiquinha às oito da manhã: “tararanana, tan, tan, ao sinal oito horas...”, aí todo mundo sabia que tinha que começar o trabalho. Depois: “tararanana, taranana, ao sinal onze horas e quarenta e cinco minutos...”. Às cinco horas da tarde, no 19º andar, ficava uma fila no elevador, porque todo mundo saía ao mesmo tempo, era impressionante. E todo mundo trabalhava, na hora do almoço, “nêgo” parava de trabalhar, tirava uma hora de almoço, jogava carta, ia almoçar fora ou não. Antes, a urgência era relativa, não era esse negócio de celular de hoje que se liga a toda hora. Vivia-se sem celular. As pessoas sabiam que podiam esperar uma hora. Agora vem um pouco do saudosismo: coisas que podem ser adiadas são antecipadas porque “ah, vou falar com fulano porque tem celular”, o cara liga às três horas da manhã e justifica dizendo que é importante. As pessoas passaram a não ter o senso crítico do quê é importante ou não, porque está fácil. No passado, como era muito difícil, as pessoas só pediam uma ligação quando era importante. O mercado interno era com as grandes distribuidoras, Esso, Shell, Texaco, Atlantic, e a BR Distribuidora, que estava crescendo muito. Toda semana havia uma reunião do Conselho Nacional de Petróleo com o pessoal do meu setor, o de Suprimentos de Combustíveis, onde se traziam as cotas do que as distribuidoras queriam de produtos em cada área. Ali discutíamos e saía o plano de suprimento. A Petrobras tinha um plano de produção, recebíamos tudo por papel, por telex, não existia planilha eletrônica, era feita à mão, através de um formulário. Usávamos lápis, fazendo conta: um mais um igual a dois, e íamos vendo quanto tínhamos de produto, quanto não tínhamos. A cabotagem tinha um planejamento, programávamos os navios, porque as refinarias estavam no Sul e na Bahia, e tinha o abastecimento do Nordeste, até hoje é assim. O abastecimento era feito por navios. Verificávamos qual era o consumo previsto para cada semana e botávamos o produto ali. Toda semana vinha uma autorização dos estoques que as companhias tinham, então era feita uma nova programação, que era um mapa enorme. Pegava-se o navio ‘X’, botava assim: um, dois, três, três dias de viagem; dois dias de estoque, três dias de parada, ficávamos montando aquilo ali quase que como um brinquedo de suprimento. Essa era a parte que hoje é feita pela Logística, que antigamente era feita pelo Comercial, pelo Setor de Combustíveis, onde eu trabalhava. Tinha o Planejamento do Suprimento, que pensava em toda essa parte da produção das refinarias: quanto está produzindo, quanto vai sobrar, quanto vai faltar, quanto vai transferir de uma refinaria para outra. CRISE DO PETRÓLEO Eu entrei, talvez, no meio da grande crise de petróleo. Em 1980, houve a Guerra Irã-Iraque, quando de repente sumiu do mapa oito milhões de barris por dia de produção, o preço deu aquela disparada e ficou um caos. O Brasil entrou em recessão, entrou em crise. Eu me lembro muito bem, garoto ainda entrando na Petrobras, aprendendo, quando ficou pronta a Revap (Refinaria Henrique Lage), em 1980. Eles iam dar a partida na refinaria e o superintendente do Decom, o Armando Guedes Coelho, disse que não tinha dinheiro para comprar petróleo. O Brasil tinha falido, teoricamente, estava de pires na mão, sem divisas e não tinha petróleo, não tinha dinheiro para comprar o petróleo para partir a refinaria. E o mercado aqui deu uma encolhida com a recessão e com os preços altos. Como nós vamos fazer? Foi quando atividade comercial a propriamente dita começou tomar corpo na Petrobras. Começou a criatividade: vamos importar mais baratos, exportar os mais caros, otimizar os ganhos pra salvar o país. Saímos daquele negócio do suprimento, mas eu ainda tinha na cabeça que a obrigação da Petrobras era de suprir o Brasil. Como ela é uma companhia estatal, o Governo que vai dizer qual é a rentabilidade dela. Então, quem tinha que se preocupar em dar dinheiro para Petrobras era o Governo, eu tinha que me preocupar em suprir o país, mas quando vimos que o Governo também não tinha dinheiro, eu falei: “Peraí, tem alguma coisa nessa equação que não está fechando”. Tínhamos que nos preocupar também em socorrer o Governo que estava sem dinheiro. A Petrobras, então, começou a comprar a prazo, pegava o dinheiro que tinha, repassava ao Governo, que repassava depois para ela. Na época do presidente Shigeaki Ueki, havia uma Comissão de Abastecimento que todo dia se reunia às dez horas da manhã, onde se discutia quanto podíamos comprar de petróleo. Foi uma recessão tremenda. O Governo liberou um milhão de dólares, então vamos comprar tanto de petróleo, ou o Governo não liberou, vamos comprar ‘x’, vai faltar aqui, vai faltar ali, mas simplesmente para não faltar geral, para não transparecer para o público as dificuldades. O Brasil estava, realmente, em uma situação difícil. E começou a criatividade: não tenho dinheiro para partir a refinaria, mas estou com excesso de capacidade de refino, porque tenho uma retração no mercado, então de repente tinha mais refino do que o mercado; começamos os contratos de refino. Nós fizemos dois contratos de refino, um com a Nigéria, outro com a Costa do Marfim, vinha o petróleo destes países, refinávamos e depois devolvíamos os derivados, e ganhávamos uma margem. A gente começou a ganhar dinheiro na troca de petróleo por derivados, e ficava com alguns derivados que interessava, exportávamos outros, não havia desembolso, havia troca de papéis. É desse momento também o Programa do Álcool, quando começou a entrar álcool e sobrar gasolina e começamos a exportar para os Estados Unidos. Na década de 1980, houve uma grande exportação de gasolina para os Estados Unidos, África e para vários lugares. EXPORTAÇÕES Em 1979, 1980, começaram as primeiras exportações de forma mais constante, pode ter tido alguma outra anterior, esporádica, mas de maneira consistente só nesse período, porque começou haver sobra de mercado interno. E começou a vir alguma importação de produtos como GLP, houve um aumento do consumo porque ainda estava subsidiado. Passou a ter alguma importância, mas ainda em nível pequeno, começamos a exportar muita gasolina, querosene, e muito derivado também, porque a ordem do Governo era fazer divisas. Começamos a aprender a usar carta de crédito. Fomos exportar uma vez para Austrália que, depois de 40 dias de viagem no navio, quando a carga chegou lá, o cara ainda não tinha confirmado a carta de crédito. Nossa meta era gerar exportação ao máximo para gerar dinheiro, divisas para o país, a conta que fazíamos muito era a de Balanço Social. Balanço Social era quanto se gerava divisas, podíamos ter um prejuízo empresarial, perder em cruzeiros, mas eu estava trazendo mais dólares. Submetíamos esses projetos. O Balanço Social era mais importante do que o Empresarial. Fomos gerando muita exportação, muito ganho. Se eu exportasse um óleo combustível de baixo teor de enxofre, importasse um óleo combustível de alto teor e gerasse com isso dois dólares por barril, era uma maravilha porque estava gerando divisas. Foi quando o comércio externo começou a se formar também, eu estava como responsável pela programação dos navios de exportação, trabalhando com suprimento, mas responsável pela programação dos navios de importação e exportação. Tinha um setor de Comércio Externo que começou a crescer, e virou uma divisão. Isso no início da década de 1980, em 1981, 1982. Até 1983, era um setor de Comércio Externo de Derivados, que se tornou uma Divisão de Comércio Externo de Derivados, tal o aumento da atividade. Tinha uma confusão com a Interbrás, porque ela também fazia separado, era uma briga para saber quem fazia o quê. Depois, as duas empresas se juntaram. Antes do fim da Interbras, houve uma decisão do próprio presidente Ueki da Petrobras de acabar com a área de Comércio Externo de Derivados da Interbrás, passou tudo a ser feito pela Petrobras, isso em 1982 ou 1983. Foi, exatamente, nesse momento que apareceram os contratos de contrapartida. Foi o Ueki que botou a meta de produzir 500 mil barris por dia. A gente falou: “Pô, esse cara é maluco, 500 mil barris, onde vamos encontrar petróleo aqui no Brasil para produzir isso?”. A meta foi concluída antes da data prevista Hoje, a nossa meta é de quatro milhões de barris. Mas a contrapartida surgiu nesse momento. A gente importava muito petróleo dos árabes, do Iraque, Irã e Arábia Saudita. Acho que o Geisel era o presidente da República, ele começou a criar aquele negócio das exportações, “exportar é o que importa”, era o grande slogan. Vamos exportar, gerar divisas, todo o país estava voltado para gerar divisas. Importávamos carro quebrado e vendíamos carro melhor, tudo para ganhar dinheiro. Então, tiveram esses comércios, aqueles planos de incentivar a exportação e começou, a contrapartida também, força de aumentar as exportações. A Interbrás desempenhava um grande papel nesse ponto, porque ela ficava na ponta da exportação dos produtos e a Petrobras trazendo o petróleo. Importava petróleo do Iraque e pagava, teoricamente, o petróleo com carro, com trigo, com alguma mercadoria, com obras da Mendes Junior, teve muitos casos desse tipo. Foi quando nós crescemos, tinha o Setor de Contrapartida que ficava só cuidando, vendo como estava o balanço de divisas, esse negócio de entrada e saída. No final de 1983, o gás natural começou a entrar na matriz. Cheguei a ser convidado para trabalhar no Comércio Externo, mas o meu chefe não me deixou, porque achava que eu estava bem no suprimento. DIVISÃO DE GÁS Logo depois, criaram uma divisão de gás no Departamento Comercial. Fui convidado para ser chefe de um dos setores de gás natural, olhei para aquilo: “Cara, o quê é gás?”, não tinha a menor idéia. Hoje todo mundo sabe, mas o gás estava começando no Brasil, localizado na Bahia, Sergipe, no Rio de Janeiro. Começava-se a falar em Bacia de Campos, o primeiro gasoduto tinha começado a entrar em produção em 1983, 1984. O primeiro campo Garoupa, em Campos, estava entrando ali. Chefia não se recusa e eu aceitei. Fiquei meio assim, eu gostava do que estava fazendo, mas eu fui e fiquei como chefe do Setor de Suprimento de Gás, praticamente, por oito anos. Foi uma experiência de mercado interno, foi a minha experiência de upstream na empresa. Fui trabalhar no gás natural, saí totalmente do comércio de derivados, mas usando a minha experiência de refino que tinha aprendido como chefe de setor. O meu objetivo era implementar todo o sistema de gasodutos. Na época, o Brasil estava sob a égide do monopólio do transporte com a comercialização. Da Bacia de Campos chegava o gás, que vinha para a Reduc (Refinaria Duque de Caxias), que processava esse gás e por sua vez entregava para CEG (Companhia Estadual de Gás) fazer a distribuição. Minha responsabilidade era de implementar os projetos no Rio, na Bahia, Sergipe, Espírito Santo e Nordestão, que foi um projeto que nós criamos que vinha de Natal até Recife. Tive uma experiência onde eu pude usar um pouco da minha Engenharia de Produção, porque lidava com indústrias. Eu já não tinha mais nenhum medo de falar com as indústrias, medo nenhum mesmo, aliás, eu era totalmente desinibido, sem vergonha, eu chegava para todo mundo e brigava, quando eles não ligavam, falava: “Você tem que ser chato, se o cliente não achar que você é chato, tem algum problema.” E começamos a trabalhar aqui no Rio de Janeiro. Havia a Cosigua (Companhia Siderúrgica Guanabara), a CSN (Companhia Siderúrgica Nacional), a Siderúrgica Barra Mansa, a companhia de vidros, Casa da Moeda. Incentivávamos também o uso do gás, porque o produto começou a chegar ao Rio de Janeiro e o mercado não estava desenvolvido. A CEG ainda estava no inicio da comercialização, muito fraca. Havia uma briga forte entre o Estado, a Petrobras e o Governo Federal. O Brizola queria toda a distribuição, o Governo Federal não queria, ele começou a implantar o gás, e nós fizemos contratos com grandes companhias, consumidores pulmão, porque não tínhamos muita certeza também. Consumidor pulmão – por exemplo, no nosso pulmão o ar entra e sai – é aquele que pode entrar e sair do gás a qualquer hora. Eles pagavam um preço privilegiado, um preço com desconto, mas se eu quisesse que ele consumisse, eu pagava a adaptação dele para consumir um milhão de metros cúbicos, por exemplo, mas eu podia entregar para ele só cem, se fosse consumir um milhão, ele tinha que estar pronto para consumir um milhão, ele ia pagar um preço mais baixo. E começamos essa corrida, era visita à indústria, visita a obras de adaptação, dávamos incentivo para o cara: “Se você entrar em um mês, ganha tanto”. Fazíamos até liquidação. Era muito interessante. A Petrobras ainda estava sob forte negócio do monopólio, quer dizer, não tinha quase comércio interno, era entrega, não era comércio. O comércio externo que estava no mercado competitivo e o gás também, só que o meu concorrente não era outras empresas, o meu concorrente era eu mesmo com óleo combustível, porque o cara podia consumir gás ou óleo combustível, mas quem distribuía óleo combustível era a minha distribuidora, então não podia tirar o dela. Era meio complicado. Nós procurávamos os clientes e tinha um Setor de Comercialização, eu estava como chefe do Setor de Suprimento, mas trabalhava junto, procurava os clientes e tentava implementar o negócio mais rápido. Havia muita briga, porque às vezes o cliente atrasava, e tentava botar a culpa na Petrobras porque não queria perder o incentivo. Mas fomos implantando, com o tempo o negócio foi crescendo e ficou bem interessante. Às vezes, tinha parada num compressor, caía, sei lá, 500 mil metros cúbicos de gás de repente. Criamos, então, uma central de supervisão em que estabelecíamos a prioridade de clientes. Foi um trabalho muito bacana, aprendi muito, me envolvi mais nos processos industriais. Descobri que o vidro, por exemplo, precisa de combustível mais limpo. O trabalho de cerâmica também é interessante, íamos lá para o Nordeste ver a arte do Francisco Brennand. Tinha gás em lugares bem remotos. Hoje é uma indústria, o negócio gás cresceu pra caramba, temos a termelétrica, mas antes era bem artesanal. A Ceg era um cliente da Petrobras como a Comgás. Isso foi antes da Constituinte, em 1988. A Ceg era cliente, tinha um contrato, mas nunca assinou, isso de 1983 a 1991. E se por algum motivo não pagava, dizia que não ia pagar: “Quero ver se a Petrobras tem coragem de cortar”. Tinha umas brigas. A Petrobras não tinha coragem de cortar porque ia faltar gás para o consumidor que não tinha nada a ver com a briga política. A Ceg era um cliente como a Cosigua, a CSN etc. A área do gás era muito trabalhosa, mas movimentava um volume pequeno, nesse primeiro momento, perto das atividades da empresa. A gente costumava até brincar que dava o trabalho de 100%, mas representava 2%, 3%, 5% da matriz da Petrobras. Era bem complicado, mas estava “alavancando” a engenharia porque tinha toda a parte de obras, oleodutos, gasodutos e tudo mais. Além disso, você tinha uma aproximação com as indústrias, o que era bom para a Petrobras, mas dentro do Departamento Comercial era uma atividade marginal. Eu tinha muito mais ligação com o pessoal de Exploração e Produção do que com o pessoal de Comercial. Tem um episódio que é bem interessante. Eu conhecia o diretor de Exploração e Produção, que era o João Carlos De Luca, e o Mauricio Alvarenga era o diretor comercial, era o meu diretor. Um belo dia, estou entrando no prédio e aparece o De Luca: “Ô Dib, como vai?”, me abraçando e tal. O Alvarenga, ao lado dele, disse “Quem é ele?”. O meu diretor não me conhecia, mas era isso, porque ficávamos como se estivéssemos à parte. Nós tínhamos muita ligação com a atividade de exploração, em uma atividade de comercialização, porque o comércio estava preocupado com petróleo, grande volume de petróleo, derivados, exportação, importação, tinha todos aqueles negócios, mercado interno crescendo, entregas, cabotagem, navios. O gás veio crescendo e, em 1988, com a Constituinte, houve uma mudança – erroneamente, ao meu ver –, dando o monopólio do gás ao Estado e não à União. Eles estavam pensando na distribuição de gás canalizado para residências, mas as distribuidoras acabaram usando aquilo como um álibi, um artifício para poder dizer que a distribuição de gás era do Estado. A Petrobras depois até criou empresas estaduais para distribuição. Foi quando eu achei que estava na hora de sair do gás, depois que implantaram esse sistema. Comecei a ver que o negócio ficou político demais, porque começou a briga do Estado de São Paulo contra o Estado do Rio de Janeiro. Era o governador de São Paulo fazendo chacota do diretor da Petrobras, o governador do Rio brigando com o governador de São Paulo, aquela briga de partidos, de governos, era muito complicado. A empresa não decidia mais, a empresa vai passar a ser distribuidora do Estado, falei: “Acho que não é mais o que eu estou querendo”. Eu sempre me lembrava daquele sonho trabalhar no comércio externo. Eu tinha sido convidado, mas não fui, porque o meu chefe não deixou, lamentava às vezes pensando que eu deveria ter ido, porque estaria morando fora e tal, aquela visão de morar no exterior, de conhecer coisas novas. TRAJETÓRIA PROFISSIONAL Em início de 1992, eu passei na porta do chefe da Divisão de Comércio Externo de Derivados, do Rogério Manso, que depois veio ser diretor, conversamos um pouco, porque ele era meu amigo, entramos na mesma turma da Petrobras, e falei: “Não tem um lugar para mim aí?” Ele disse: “Para você sempre tem lugar Só não tem uma chefia”, “Não quero uma chefia, eu quero saber se você me acolhe aí”. Na mesma hora comuniquei ao meu setor: “Quero sair daqui” Larguei a chefia de setor, larguei gratificação, para você ver o meu estado, de tão cheio que eu estava. Foram oito anos. E aquilo estava me incomodando, aquele negócio muito político. Não é que eu não gostasse de política; política depois você acaba aprendendo, mas eu estava querendo voar mais alto. E, o início da década de 1990, foi um período muito difícil na Petrobras. O pessoal de hoje não viveu o período de restrições nos salários, que chegaram a pontos muito baixos. O salário acabava antes do mês. Havia essa luta, os filhos crescendo, idade escolar etc. Mudei de área para ver novos horizontes. É aquilo, se você tem um muro na sua frente e sabe que não vai passar, o melhor é voltar para trás e pegar um outro caminho. No Comércio Exterior, bem rápido, eu comecei a viajar e, logo depois, fui morar fora. Bom, fui trabalhar com o Manso, fui ser peão lá no Comércio Externo, outro mundo, outra fase na minha vida na Petrobras. COMÉRCIO EXTERNO O comércio externo tinha uma separação entre Comércio de Derivados e o Comércio de Petróleo, eram divisões separadas. A Divisão de Derivados incluía também produtos especiais, tinham três setores grandes, e um quarto: um era de óleo combustível e gás liquefeito de petróleo, GLP; outro setor era de produtos claros, gasolina, diesel, nafta, querosene de aviação; um terceiro setor era de produtos especiais como parafina, lubrificante, hexanos. O quarto setor era o de documentação, a parte de carta de crédito etc. Eu fui trabalhar no setor de GLP e óleo combustível, o Secig. Fui trabalhar com GLP. Foi algo muito interessante, o GLP era um produto que nesse período teve o seu comércio aumentado, ele tinha desabrochado, mas ele ainda tinha que crescer mais para o exterior, porque estava havendo um aumento da produção, um aumento do comércio e havia dinheiro investido nesse negócio. Era preciso trazer a expertise disso. Havia escritório em Londres, em Nova Iorque, e estava crescendo. Como o GLP era feito aqui no Brasil? Era feito muito em atacado, contratávamos uma grande companhia para fazer toda a importação de GLP. Quando comecei a trabalhar, conversamos e avaliamos que era possível mudar. Começamos a dar força ao escritório de Londres, tinha trade lá, com o Arnaldo. Tinha também em Nova Iorque, com o Alberto e eu e a Jaqueline aqui no Rio trabalhando. Decidimos que era a hora de parar de comprar de representante aqui no Brasil, vamos parar de comprar de broker, e começamos a comprar lá fora. Tinha os contratos com a Arábia Saudita, começamos a partir pra navios, foi uma evolução Fomos aprendendo e conhecendo. Eu me lembro a primeira vez que eu precisei tomar uma posição de GLP, a gente pegou um navio, porque estava muito barato no mercado e fretou. Iríamos usar só 50% da carga, tínhamos 20 mil e o navio era de 40 mil, fiz as contas e falei: “Na pior das hipóteses, o navio vai custar tanto, mas se ele vier com outra... Vamos ter que completar o navio comprando em pedaços”. Nunca tínhamos feito isso, só comprávamos o navio inteiro de um cara só. Será que podemos comprar em pedaço? Será que não se pode? Fomos ao mercado e descobrimos que o mercado era enorme. Porque o Comércio Externo ninguém ensina, não tem ensinamento, não tem livro sobre como fazer. O que fazer? O pulo do gato não está escrito, você aprende fazendo. Um dia você vai lá e pergunta para um, pergunta para outro e vai descobrindo. Foi um lucro fabuloso com aquele navio. Conseguimos completar o navio. Vieram seis embarcadores no navio, um que foi metade e a outra metade foi com cinco caras diferentes, cinco mil de cada um, um pouquinho de cada um e nós vimos que era possível. A Arábia Saudita carregava parcelas pequenas, tínhamos um medo de contrariar os sauditas pensando eles poderiam cortar o nosso contrato. Vamos ser certinhos, aquele filho bonzinho. Tem o filho que chora e o filho bonzinho. O filho que chora consegue tudo, a mãe dá mamadeira, dá biscoito, dá tudo; e o bonzinho, “Ah ele é tão bonzinho”, e não consegue nada. A Petrobras era o filho bonzinho, comprava e pagava tudo certinho, tinha um medo tremendo de contrariar, de pegar um navio lá da Arábia Saudita e vender para alguém e ganhar dinheiro. Tinha um medo tremendo. Quando vimos havia um monte de gente ganhava dinheiro em cima disso, companhias de trading... Antes, nós comprávamos de representantes de grandes companhias que ficavam aqui no Brasil e tinham contratos com a Arábia Saudita, eles faziam essa comercialização em atacado, entregavam 500 mil toneladas/ano de GLP, na tua porta, não tinha trabalho nenhum, mas vinha também a conta, e era caríssimo. A gente viu que mesmo que pagássemos mais caro, se fosse o caso, estaríamos conhecendo o mercado, saberíamos quem tinha o melhor preço, a melhor condição de entrega. Começamos a ver isso e muitas vezes comprávamos de um e víamos que a carga do outro estava mais barata, vendíamos para um outro e comprávamos um outro mais barato, podia até perder na venda daquela que tinha comprado antes. Eu perdia naquela, mas eu comprava uma outra com 20% de desconto, ganhava 10%, e começamos a fazer muito isso, a aumentar o negócio, e passamos a vender para o Japão, a fazer contrato com a Arábia Saudita, nós tínhamos um bom relacionamento com todo mundo. Comprávamos o GLP na Arábia Saudita e vendia para o Japão, por exemplo. Começamos a fazer operações de trading, offshore e, como precisávamos de GLP no Brasil, eu comprava da Nigéria que tinha uma carga de alguém que estava sobrando, então tinha uma carga mais barata, ou comprava da Argentina. TRAJETÓRIA PROFISSIONAL Eu entrei no Comércio Externo em 1992, comecei a trabalhar com GLP e foi só aprendizado. Depois, no final de 1993, eu fiz uma ou duas viagens para o exterior, fiz um curso em Boston, um curso ótimo de trading de petróleo, aprendi muito coordenação de trading. Em 1993, eu fui pra uma missão de quatro meses em Nova Iorque. Era uma briga para ver quem ia para o exterior, ficava todo mundo: “Eu quero, eu quero, eu quero”. Foi uma experiência sensacional, fiz GLP lá também, mas fiz outros produtos, parafina etc. Além disso, tive a vivência de escritório no exterior. Eu ia almoçar com os clientes, conhecia, ouvia, lia, estava com outros parceiros na mesa da Petrobras, eu tive um aprendizado enorme. COTIDIANO DE TRABALHO A coordenação sempre foi da sede, eu falava com o Brasil todo dia. Eu ia ao mercado, levantava todos os preços e discutia, fechava qual era a melhor carga para importar para o Brasil ou para exportar do Brasil. Tinha todo o procedimento, aprendíamos a fechar a carga, eu estava no mercado o tempo inteiro. Mesmo quando não tinha nada pra comprar ou para vender, estava conversando com os clientes, vendo os reports, o mercado. Começamos a ter esse conhecimento de mercado. Nós estamos evoluindo, esse processo de evolução do mercado externo é constante, ainda estamos muito longe do que eu consideraria ideal. A Petrobras é uma empresa muito bairrista, ela ainda está no sistema de suprir o Brasil. Apesar de estar se internacionalizando, ela não é uma empresa internacional, está caminhando, a passos largos, mas ainda não é. Se comparar com uma empresa como a BP ou uma Shell, que estão no mundo inteiro, elas têm mentalidades diferentes, cada unidade tem a sua grande atribuição. MERCADO NO BRASIL Você produz porque vende, vende porque produz. O processo de crescimento do Brasil foi um processo meio diferente dos demais países. Enquanto em outros países você criava a necessidade de consumo através da introdução de novos produtos, no Brasil, ele vinha muito por soluços. Se lembrar da década de 1980, 1990, houve plano atrás de plano, crise atrás de crise, Plano Cruzado, Plano Collor, plano não sei o quê. O Governo era muito influente na economia. O Brasil era um país que se dizia capitalista, mas acho que ele era mais socialista. O Estado tinha uma presença mais forte até do que em países comunistas, vamos falar assim. A demanda era muito ditada de cima para baixo e não de baixo para cima, não havia um mercado efetivamente. O Brasil estava crescendo. Na década de 1970, ele cresceu muito. Nas décadas de 1980 e 1990, houve uma substituição de produtos, o mercado automobilístico foi deteriorando etc. Agora, voltou a melhorar, recentemente. A indústria automobilística foi caindo e entrou o álcool substituindo a gasolina. A Petrobras ia muito na conseqüência e não na causa. Tinha o gás natural substituindo o óleo combustível, então você exportava mais o óleo combustível, você tinha o álcool substituindo a gasolina, então você exportava a gasolina e tinha um consumo exacerbado de GLP por força de um preço altamente subsidiado. O GLP tinha um preço subsidiado pelo Governo, havia uma distorção dos preços que incentivava essa distorção do consumo. Existia a conta petróleo, a gasolina era mais cara, o diesel e o GLP mais barato, o preço da gasolina cobria o diesel e o GLP, mas o consumo de gasolina começou a cair por conta do álcool e o Governo começou a ter um déficit muito grande para com a Petrobras na década de 1990, a conta petróleo ficou monstruosa. A Petrobras começou a ter problema de caixa, dificuldades por conta dessa conta que estava cada vez mais negativa, o Governo devendo mais e não tendo dinheiro para pagar. O mercado interno era assim. Mas lá fora acontecia muito mais naturalmente, eram outras fontes de energia, competição de mercado, você aumentava o preço tinha um efeito, uma elasticidade. No Brasil também tinha, mas era muito menor. E aqui também tinha uma distorção de consumo, o GLP, por exemplo, como era muito barato, “nêgo” usava GLP em carro direto, empilhadeira etc, mas ele estava subsidiado para cozinha. Tanto que quando houve o aumento do GLP, quando acabou o subsídio, quando o governo liberou o preço do petróleo, o GLP subiu ao preço do petróleo, e a demanda caiu tremendamente. A demanda que era, digamos assim, não oficial, não legal, parou, porque começou a ficar caro para eles, reduziu muita importação do GLP. Em 1995, 1996, chegamos a importar três milhões de toneladas/ano de GLP; importávamos muito GLP. Eu fazia essa importação, eu coordenava o GLP, que era importado da Arábia Saudita, do Kuwait, Irã, Nigéria, da Europa, Argentina etc. O mercado no Brasil é algo complicado, se você fala em mercado competitivo, você libera as amarras, mas hoje não estão tão liberadas assim, o que tem de monopólio e oligopólio por aí... Mas voltando ao assunto, eu estava na minha missão em Nova York. Foi uma experiência incrível em termos de aprendizado, da maneira de lidar com pessoas, de sentir o ambiente. Foi uma grande mudança na minha visão como homem, como profissional, como petroleiro na Petrobras. Eu tentei trazer isso depois para cá e nós seguimos até hoje na sociedade competitiva, sociedade da lucratividade, de ter que visar o lucro e não somente o social – que também é importante –, mas é preciso ser competitivo, aperfeiçoar, perceber onde está o pulo do gato: “Tem gente ganhando dinheiro, onde é que está?”. ÁREA DE DIESEL Eu voltei de Nova York em 1994 e continuei trabalhando com GLP. Depois surgiu uma vaga na Área de Diesel, em 1995, para ser coordenador da atividade de diesel de mercado externo, no setor de produtos claros. Eu também queria mudar, porque tinha feito GLP por três anos e também tinha aprendido que a Petrobras tem um problema, ela não traça a tua carreira, você que acaba fazendo isto. Desde que saí do gás, falei: “Chega, daqui para frente eu tenho que traçar a minha carreira.” Comecei a brigar para mudar de posição e, de lá para cá, coincidência ou não, eu acho que estou ficando quatro anos em cada lugar, mas sempre dentro da Comercialização. Agora, eu mudei para outra área. Passei por diferentes áreas dentro da Petrobras, como fossem empresas diferentes, nichos diferentes; você traz conhecimento de um lado e bota pra outro. O diesel foi uma experiência muito interessante. Eu fui trabalhar com diesel em 1995, quando teve, talvez, a pior greve da Petrobras, e me pegou em cheio. A greve parou todas as refinarias do Brasil, e nós tínhamos a missão de abastecer o país. O monopólio ainda não tinha acabado, mas mesmo sem monopólio, nós tínhamos aquela educação de não deixar o Brasil parar por causa da Petrobras. Mesmo que a Petrobras não tivesse obrigação, que a responsabilidade fosse do Governo, se faltasse o diesel em São Paulo, a culpa não seria do Governo que não deu preço, que não deu incentivo, seria da Petrobras, e viria àquela campanha toda contra nós. Em 1995, nós tínhamos o monopólio e a obrigação de abastecer o país. Eu não era gerente, eu estava como responsável pela Área de Atividade de Conservação de Diesel. Com a crise, nós começamos a importar diesel do mundo inteiro. A falta do diesel era ainda mais grave no país, porque era o produto de maior consumo. Nós comprávamos tudo. Se aparecia, a gente comprava, ligava para o cara do México e falava: “Você tem algum diesel aí para o Brasil”? “Eu estou com um aqui no navio, mas estou comprando para mim.” “Por quanto você quer vender?” “Não estou vendendo.” “Qual é o teu preço?” Acabávamos comprando e o mercado de diesel internacional deu um pulo. Eu já estava trabalhando com mercado futuro, tinha algumas operações de hedge, mas o preço do diesel foi lá para cima, compramos diesel dos Estados Unidos, Europa, Cingapura, Trinidad Tobago, Venezuela etc. Eu ficava como coordenador de atividade, mas logicamente, tínhamos traders de diesel no exterior. Nós não tínhamos mais o escritório em Nova Iorque, já tínhamos nos mudado para Houston. Havia trader em Houston, em Londres; em Cingapura não havia. Eles traziam as informações e eu juntava com as que eu tinha da América do Sul, Caribe etc. Feito isso, decidíamos: “Vamos fechar essa, fechar aquela, vamos barganhar”. E fomos fechando uma carga atrás da outra. Foi a demanda brasileira que aumentou o preço internacional. Foi impressionante, aprendemos muito com o extremo. O fato de termos essa necessidade enorme de comprar um volume grande – foram três milhões de metros cúbicos de diesel em um mês –, nos fez ver coisas que não imaginávamos que pudessem existir. Descobrimos muitas coisas, claro, com um custo altíssimo para Petrobras e para o país. Nós importamos muito e, de repente, assim como veio, a greve acabou. As refinarias começaram a voltar a produzir gerando um outro problema, porque muitas cargas já haviam sido compradas, porque não se sabia se a greve ia acabar hoje, amanhã, ou daqui a um mês. As cargas estavam chegando e vindo para o Brasil. As refinarias começaram a produzir e não tinha como receber aquelas cargas, tínhamos que revender. Passamos a ter que lidar com o inverso, fui aprender a vender produto que tinha comprado; porque comprar era mole, mas vender o produto e cancelar carga não foi uma tarefa fácil. Havia cargas que tínhamos comprado e o cara não havia carregado ainda, resolvemos pagar um pedágio para não carregar. Seria um grande prejuízo trazer a carga para o Brasil e ficar encalhada aqui, porque ficaria parada três meses para descarregar, não iria ter tempo, mas nós fomos vendendo. Eu vendi um navio para Cuba, não sei nem como está agora, não vou nem falar, mas na época Cuba não pagava com dinheiro, pagava com açúcar, só que nós não queríamos açúcar. COMERCIALIZAÇÃO DE PRODUTOS A compra de produtos funciona da seguinte maneira: você conversa com as companhias do exterior, procura se informar, tendo uma informação diária sobre o mercado; porque o mercado internacional tem um preço base, e é esse preço base que prevalece. Você também tem alguns prêmios ou descontos que variam em função de alguns fatores, a qualidade do produto pode ser determinante, porque se você comprar um produto melhor do que aquela qualidade base, vai ter um prêmio, se comprar pior, vai ter um desconto; varia também em função da urgência: se precisa do produto mais cedo ou mais tarde; do tamanho do lote. Quando é lote pequeno você paga mais caro; e tem também o fator de ignorância, que também influencia, porque você pode pagar mais caro se não conhece o preço do cara, ou pode acontecer ao contrário, em função do teu conhecimento do mercado. Mas é preciso negociar, fazer uma tomada de preços em várias companhias, ver quais delas tem as melhores condições de venda, e sentar para discutir. Não é somente o preço que decide uma compra, às vezes, a condição de entrega é decisiva, porque tem um navio, numa determinada posição, naquele dia que você precisa. Eu costumo falar para minha esposa o seguinte: algo barato que você não precise é muito caro, e aquilo que você precisa não tem preço. Às vezes, você tem um navio para chegar até o dia dez, só tem uma carga para chegar no dia dez, não importa o preço, você tem que pagar por ela, vai dissimular, fazer teatro, dizer que não precisa, enfim, vai blefar Na venda é pior, porque se o cara sabe que você tem aquela carga, eles se reúnem e combinam ações conjuntas. Eu já tive muito problema com isso quando vendia gasolina, porque você começa a procurar e ninguém te dá uma oferta. E o que você vai fazer com aquele produto? Vai deixar o navio parado? Não aparece uma oferta, mesmo procurando vários mercados. Quando eu estava em Houston, eu dizia: “Não dá para ficar a mercê do mercado”. E foi nesse momento que começamos a entrar com a tancagem no exterior. A tancagem no exterior te dá algumas vantagens, porque se você está com um produto para vender e não tem nenhuma oferta, você pode botar no tanque e depois esperar para vender no momento oportuno ou melhorar a qualidade, fazendo um blending – uma operação de mistura no tanque. Mas existe a possibilidade também de estocar o produto, tendo uma tranqüilidade maior para vender, aumentando o poder de barganha. Esses tanques nós alugamos de companhias de terminais, até de outras companhias de petróleo, às vezes, aluga-se um tanque por um mês, ou por dois, ou por contrato de longo prazo. Essas tancagens ficam próximas do mercado consumidor, temos em Nova Iorque, Rotterdam, Caribe, Cingapura etc. Em Nova Iorque fica no Linden, e dali você bombeia direto para o mercado de Chicago, para o mercado de Nova Iorque, e tem gasolina convencional, tem pipeline, você tem contrato, você pode fazer várias coisas. COMERCIALIZAÇÃO DE DIESEL /1995 Voltando ao assunto da greve de 1995, eu devo dizer que foi muito interessante, porque quando a greve acabou começamos a ter que revender, começamos pelo mercado de Cuba, mas eu não podia fazer o negócio em troca de açúcar. Apareceu uma companhia francesa que falou: “Vou intermediar a operação, porque eu tenho negócio em Cuba, eu faço a parte do açúcar com uma companhia cubana e te pago em dinheiro.” Em 1995 não era possível fazer o negócio de Cuba, porque não tínhamos como comercializar o açúcar. Na época da Interbras até se podia fazer a famosa contrapartida: entregava o diesel, pegava o açúcar e vendia. Mas foi muito engraçado, quando começamos a vender, com o fim da greve, o preço desabou. Foi um prejuízo enorme Tivemos prejuízo na compra, porque pagamos muito caro, e tivemos prejuízo na venda, porque o preço caiu. Começamos a fazer aqueles balanços contábeis: “Se eu já comprei, tenho que vender agora pelo melhor preço; eu vendo ou deixo o produto parado aqui três meses, com um custo de navio, que é tanto.” Aprendeu-se muito também, vimos que tínhamos poder de fogo, barganha e conhecimento de mercado. Começamos a mirar no que nós chamávamos de operação offshore de conhecimento. Bom, isso foi em 1995. TRAJETÓRIA PROFISSIONAL Logo depois teve uma mudança e eu voltei para trabalhar com GLP, também porque a Jaqueline saiu do setor, foi para Houston, e precisaram de alguém com conhecimento em GLP. Mas eu voltei a trabalhar lá numa condição diferente, eu já estava como subchefe de setor, foi uma condição boa. Fizemos vários projetos, crescemos mais ainda em GLP, já tínhamos experiência em diesel, e quando passei para GLP foi muito interessante, isso, de 1995 até 1998. Em 1997, eu estava na crise de desespero de salário, estava pensando em tirar meus filhos da escola, do cursinho de inglês, e desejava que me mandassem para outra missão no exterior, porque era uma forma de ganhar dinheiro. Os salários estavam muito achatados com uma pressão tremenda, e a missão te dava algumas vantagens, porque continuava a ganhar o teu salário aqui e ganhava outro lá. O salário daqui ficava intacto e você salvava alguma coisa. Surgiu uma missão na Argentina. O escritório da Argentina estava crescendo, eu queria algo para longo prazo, mas fui para lá e foi muito interessante também. Foi o boom de crescimento daquele país, tudo maravilhoso, privatização, mercado livre e tal, foi muito bom. Passei quase cinco meses, comercializei todo tipo de produto, conheci muita gente. PETROBRAS / ARGENTINA O negócio na Argentina era diferente. Eu tinha lidado muito no estrangeiro com americano, que é mais ou menos assim: “Quer? Quanto? Pá pum Fechou o negócio e acabou.” Na Argentina é: “Quer?” “Não sei”, ficava uma semana discutindo se o cara queria ou se não. Depois que você consegue vender ou comprar, eles ainda te jogam na cara que você está roubando: “Vocês brasileiros são muito espertos” Era complicado, eu tinha que fazer amizade. É muito personalista. Com o tempo, eu comecei a ficar muito amigo dos caras, eles vendiam para ti, não vendiam para Petrobras; eu achava até interessante, ele confiava em mim, se tivesse outro cara vendendo, ele não comprava. A Petrobras estava na Argentina, mas não é a Petrobras de hoje, tínhamos um escritório que se chamava PAR (Petrobras/Argentina), e também algumas áreas de exploração. Nós comprávamos muito petróleo argentino, porque eles tinham bastante petróleo para a exportação. Comprávamos petróleo e produtos, a comercialização entre os dois países era intensa. O escritório de trade, de lá, era pequeno, três ou quatro pessoas, e tinha também a área de E&P tentando prospectar alguma coisa. Para a Argentina, eu fui sozinho, a minha família ficou aqui. Em Nova Iorque, eles também não foram, fiquei quatro meses sozinho lá. A minha esposa foi uma vez no carnaval e passou dez dias comigo. Na Argentina, eu fui sozinho, mas tinha a vantagem de ser perto, com duas horas e meia eu chegava ao Rio. Às vezes, eu vinha passar o fim de semana aqui e, em outras, a minha esposa passava o fim de semana lá. Era muito mais tranqüilo, as passagens não eram tão caras, conseguíamos algumas promoções da Varig. Era muito conveniente estar no escritório da Argentina. Em junho de 1997, voltei para cá, e fiquei um ano aqui trabalhando com GLP. Em abril de 1998, fui convidado para sair por um período maior, de quatro anos, em Houston. ABERTURA DO MERCADO O mercado abriu, efetivamente, em 2002, apesar da Lei ter sido votada em 1995, 1996, 1997. A greve de 1995 foi célebre, porque dali para frente a opinião pública... Havia muito boato que a greve tinha sido provocada e não sei o quê. Já havia uma liberdade de preços na bomba, mas não havia liberdade de preço da Petrobras para o distribuidor. O Governo primeiro abriu o preço no posto e só a partir de 2002 liberou o preço da Petrobras. HISTÓRIAS / CAUSOS / LEMBRANÇAS Eu não sei se já contaram essa história, que para mim é o grande segredo da Petrobras ser o que ela é hoje. O Governo tinha uma dívida muito grande com a Petrobras, a dívida da conta petróleo. Em 1999, eu estava em Houston, e o petróleo deu uma desabada no preço, o petróleo caiu de 20 – o preço normal –, para dez, oito dólares o barril. Isso por conta de uma jogada da OPEP, basicamente a Arábia Saudita provocou essa queda, porque ela queria conter as cotas e ninguém cumpria, e ela era a única que cumpria, daí fez o seguinte: “Ah é? Então vamos melar o jogo.” Pegou e começou a produzir lá em cima, sem restrição, e inundou de petróleo o mercado mundial. O preço desabou, havia um excesso de oferta de petróleo. Em 1999, a Liga Européia começou a se reunir para voltar a subir o preço, devido a esse excesso de produção. E o que aconteceu em nível de Brasil – Petrobras? O Governo devia muito à Petrobras, e quando caiu o preço, como a inflação aqui estava relativamente sobre controle, o Governo não abaixou o preço dos derivados na bomba, ainda tinha o controle, então o preço continuou o mesmo. A Petrobras começou a ter um superávit, porque o preço do petróleo tinha caído muito. Ela importava com um valor X e vendia com um valor Y, começou a ter um ganho. Essa diferença ia para o Governo, porque tudo era acima do valor de importação da qualidade, era recolhido, e com esse dinheiro o Governo zerou toda aquela dívida com a Petrobras. E com o pagamento dessa dívida a empresa se encheu de dinheiro novamente, porque tinha se sacrificado nos anos anteriores, e começou a investir pesado na Bacia de Campos, começou a aumentar os investimentos, passando um, dois, três milhões para cinco ou dez milhões. Isso aumentou muito a produção e vieram produzir exatamente quando o preço havia subido, já tinha passado a fase dos 40 dólares. Os campos de Marlim foram descobertos e desenvolvidos nesse período. Como o petróleo estava muito barato, ninguém estava procurando explorar, as plataformas estavam baratas, ao contrário de há pouco tempo, quando estava todo mundo procurando, ficando caríssimo. Desse modo, ela conseguiu produzir a um custo bem mais baixo, esse é o pulo de aumentar a produção, porque ela investiu quando ninguém estava investindo, é o segredo de mercado, você fazer o que ninguém está fazendo. PETROBRAS / HOUSTON Fui para Houston, com a família inteira, eu diria que, pessoalmente e profissionalmente, foi um dos melhores períodos da minha vida. A minha filha tinha dez anos e meu filho tinha 14. Quando eu fui comunicado que ia para Houston, eu tinha marcado de ir com o meu filho ao Maracanã, ver um jogo do Flamengo, que provavelmente perdeu... Nós fomos primeiro comer no Rincão Gaúcho, foi quando eu falei: “David, nós vamos para Houston mês que vem”. Ele, com 14 anos, olhou para mim e falou: “Houston? Onde fica isso?” Ficou meio assim, mas eu argumentei: “vai ser legal lá nos Estados Unidos, aprender inglês, high school.” Depois fui falar para a Marcela, que tinha dez anos, que não iria querer, porque tem escola e não sei o quê. Eu falei para minha mulher, porque ela sempre deu força para eu ir para o exterior, ela gostava muito de viajar e tal. Mas foi muito legal, para eles foi sensacional, porque foi numa boa época, tiveram toda aquela facilidade da vida do americano, tudo era fácil de achar, casas e comidas enormes. Houston é a Itu dos Estados Unidos, porque tudo é grande. Westheimer era a maior avenida do mundo. A Nasa estava em Houston e minha filha dizia: “A Nasa está em Houston porque a lua aqui está mais perto da terra, a lua aqui é maior do que qualquer lugar do mundo.” Realmente tinha um luão, deve ter até algum efeito lá. Mas foi muito interessante, eu fui lá para fazer outra coisa que não tem nada a ver com o GLP, eu fui ser trader de gasolina em Houston. Aquela minha experiência de mercado internacional de competição foi completada nesse período de quatro anos em Houston. Eu me completei porque comecei a ter criatividade, sempre fui um cara criador, sempre fui um cara de não aceitar as regras básicas. Com o gás natural criamos formas de melhorar, de trazer lucro para a Petrobras. “Vamos melhorar o negócio, tudo pode ser melhorado, nada precisa ser continuado.” Eu olhava e aprendia como era. Eu sou um bom ouvinte, presto atenção, sou boa coruja, e depois vem o papagaio, eu saio detonando, saio falando, mas eu sou um papagaio coruja, eu falo e escuto. Eu gosto muito de criar. Fui parar na gasolina de Houston e a gasolina lá tinha aquele problema que já comentei, de não ter tancagem. Tínhamos sempre a expectativa de que não ia sobrar tanta gasolina no Brasil: “Ah, no Brasil vai faltar gasolina”. Então nunca se criou, naquele período, uma estrutura forte para exportação. Acontecia justamente o contrário, porque o álcool aumentava e o mercado nacional de gasolina estava sempre fraco. O Brasil sempre em recessão, sempre em dificuldade, o mercado não crescia, a verdade era essa; começou a crescer agora, de uns dois anos para cá, mas já veio essa trombada de novo. Eu comecei a ver que os Estados Unidos era o melhor mercado que nós tínhamos. Era melhor do que vender para África, e nos Estados Unidos, não tinha tanta restrição de qualidade, conseguimos um acordo com o Governo americano – que eu também participei –, das nossas refinarias serem consideradas o baseline da gasolina americana. Tinha um incentivo, eu podia ter um teor de enxofre maior, podia ter emissões maiores, porque eu tinha exportado muita gasolina no passado para eles, fui tratado igual a um refinador americano. Nós ganhamos uma briga na OMC (Organização Mundial do Comércio),foi a primeira briga que o Brasil ganhou dos Estados Unidos. O americano botou uma Lei que a partir de 1998 só vai poderia exportar gasolina numa qualidade X, mas as refinarias que já tinham exportado em 1990, podiam continuar naquele mesmo volume e ir reduzindo gradativamente a emissão. Eles se esqueceram das refinarias estrangeiras, porque o mercado americano é muito importador, daí nós entramos com uma ação contra os Estados Unidos para incluir as refinarias estrangeiras. Nós ganhamos a causa e eles incluíram cinco refinarias brasileiras nesse acordo, como se fosse uma refinaria americana, ou seja, podia exportar gasolina com a mesma qualidade que exportava em 1990, mas melhorando gradativamente a qualidade. Tínhamos que fazer um tracking, dizendo de onde veio a gasolina, para eles poderem diferenciar, se não fosse das cinco refinarias, teríamos problemas. Tinha todo um trabalho burocrático de compliance. Você tinha que estar perfeitamente de acordo com a Lei americana, tinha lá o EPA (Agência Americana de Proteção ao Meio-Ambiente) e vinha auditor fiscalizar, você poderia ser multado, tinha todo um trabalho a seguir. Nós conseguimos, nesse trabalho, ter toda essa unificação da qualidade da gasolina brasileira. Fizemos um trabalho muito importante aqui no Brasil, depois unificamos numa qualidade só, e conseguimos mandar lá para os Estados Unidos. É um processo muito demorado. Para dar uma idéia, levou um ano para o EPA aprovar o nosso requerimento. A Statoil, uma empresa da Noruega, estava numa condição semelhante, pegou uma carona, aplicou num mês e no mês seguinte já teve a aprovação. Eu falei: “Isso é discriminação.” Os caras vieram aqui no Brasil, os caras do EPA, e foi muito gozado. Nós tivemos uma reunião em Houston, eu participei, e na reunião decidiram vir aqui fiscalizar as nossas refinarias, tinham que aprovar o nosso projeto. Tínhamos que levá-los para todas as refinarias, para fiscalizar o laboratório, o coque de refino e tal. Eles perguntaram: “Como é o Brasil?” Eu falei: “O Brasil é um país normal.” “Pode comer em qualquer lugar?” “Pode, por quê?” “Tem Mcdonald’s?” “Se você quiser comer porcaria tem Mcdonald’s aqui e lá, mas o bom é comer comida brasileira.” Tem que dar um desconto, porque o americano texano... O Texas, eu acho, é o único Estado americano que pode separar dos Estados Unidos, na constituição deles diz que podem, porque eles decidiram se anexar aos Estados Unidos, portanto, tem a opção de sair se tiver ruim. Os outros estados não, porque foram incorporados. Começamos a exportar muita gasolina para os Estados Unidos, mas nós sempre estávamos na mão de dois ou três que tinham tancagem. Eu ligava para eles: “Tem um navio tal, com a qualidade tal, você quer?” “Ah, não sei se tem espaço, o mercado está muito ruim.” Eu ligava para outro: “Ah, não posso receber nada”. Nós ficávamos a mercê dos caras. Não era mais possível continuar naquela situação. Eu encontrava um comprador e comemorava: “Ah, que maravilha encontrei um comprador para poder pagar, eu sou bom, eu sou o melhor, eu consegui vender, eu vendi cinco navios que estavam lá, eu consegui me livrar dos navios.” “Isso não está certo, eu estou perdendo dinheiro, eu estou vendendo para esses caras.” Pensei: “Cada hora me aparece um, eles estão combinando entre eles.” Não dava para combinar, mas você sentia que o cara estava te usando. O pessoal tinha muito medo de abrir tanque. “E se o mercado cair como eu faço? Nós vamos perder dinheiro, proteção, risco de preço etc.” E eu olhando para eles: “Temos que abrir.” No fim do ano, em dezembro de 1999, eu havia chegado em 1998, quer dizer em 1999 estavam indo três navios, que tinham acabado de exportar para lá e eu ia viajar no fim do ano, tirei uma semana de férias para esquiar no México. E comecei a ficar preocupado, os navios vão chegar quando eu estiver fora, e comecei a tentar vender, e ninguém queria comprar o navio, diziam: “No fim de ano eu não posso comprar, estou com um estoque que vai virar o ano e não sei o quê”. Era complicado. “Como eu vou fazer com esses navios? Os navios vão ficar parados porque não tem ninguém para comprar, porque todo mundo viaja, e nos Estados Unidos de 15 a 30 de dezembro não acontece nada, ninguém faz nada, só em janeiro que eles retornam. Como vou fazer?” Liguei para um cara que eu já conhecia, dono de uma tancagem, e falei: “Como está o teu tanque?” “O meu tanque está parado.” “Você está disposto a alugar?” “Ah, estou sim.” Eu nem tinha preço ainda para dar, mas liguei para Rio e comecei a discutir com o coordenador, e falei: “Gente, é hora de pegar esse tanque, vamos alugá-lo com prazo de um ano para ver se dá ou não dá, eu acho que é a chance de começar a aprender um pouquinho.” Eu fiz um estudo que dava quase que empatado, não dava lucro. “Nós vamos ter que pegar isso, ficar com o custo desse navio parado vai ser muito maior.” Autorizaram-me, e eu peguei os três tanques da companhia em Nova York. Não deu outra, foi só pegar os tanques e mandar os navios para lá que no dia seguinte, um dos compradores que disse que não podia comprar, falou: “Você ainda tem aquela gasolina?” “Não tenho mais, não vou vender mais.” O outro que disse que não poderia receber, me ligou: “Estou precisando de gasolina e tal” “Não. Você não tinha preço, agora não tem mais. Eu estou com um tanque, o navio foi para o tanque” “Ah não pelo amor de Deus, me vende só uma parte.” “Não Só se eu colocar um preço lá em cima.” “Eu pago.” Para você ver, o tanque já estava sendo pago, antes mesmo de começar a usá-lo. Tanto era o poder de barganha que você tinha. No comércio você precisa ter o plano B. Você pode ter uma ótima lábia, mas se não tiver uma posição de conforto, um plano B, você não consegue. Comecei a comercializar um tanque, vendi uma parte bem cara para aquele sujeito, mas não vendi toda. Pensei: “Deixa eu ver como é esse mercado”. Eu fui para Nova Iorque e comecei a falar com um e com outro, comecei a aprender, “tem um pipeline aqui que precisa da qualidade tal”, eu disse: “Minha gasolina está muito acima da qualidade que eles precisam.” Comprei uma gasolina pior, mais barata, e misturei. O blending funcionou, ganhamos dinheiro, vendi em pedaços pequenos. Gradativamente fomos aprendendo. Primeiro, eu vendia barcaça, depois vendia em lotes para o oleoduto para vários clientes. Comecei a pegar clientes pequenos que eu nunca imaginei que existissem. PETROBRAS / HOUSTON Em Houston, eu trazia a gasolina do Brasil e mais a gasolina comprada localmente. Comecei a trazer gasolina da Europa, misturava lá. Esse projeto está até hoje lá, foi em 1999 que nós o implantamos. Até hoje fazemos isso. Depois de 2004, eles baixaram uma restrição, exigindo que o enxofre seja muito baixo nos Estados Unidos. A nossa gasolina tem um enxofre mais alto, vai ser tratada, daqui a pouco vamos ter uma gasolina para atendê-los, hoje, não temos condições, mas aquele projeto continua funcionando, sem a gasolina brasileira. Nós compramos gasolina da Europa, dos próprios refinadores americanos e de outros lugares. Misturamos ali e continuamos vendendo no mercado. Foi um projeto auto-sustentável que trouxe conhecimento de mercado e lucratividade. Ali eu comecei a conhecer muito preço de produto, preço de mercado. Quando nós abrimos aqui, em 2002, as informações que eu trouxe dos Estados Unidos, para essa abertura, foram fundamentais. Eu tinha conhecimento de preço de mercado e dos preços praticados. Quando você vendia um navio inteiro, um cara só te comprava e esse cara pegava. É como vender um boi, vamos dar um exemplo assim para comparar, porque fica mais fácil. Imagina vender um boi para um açougueiro, você vai vender por um valor X e o açougueiro vai retalhar o boi para vender em vários pedaços e vai ter uma margem de preços bem maior. Era isso que nós fazíamos, fomos retalhando. Passamos a conhecer o mercado e fomos indo. Hoje é uma atividade fundamental, hoje em dia temos tancagem em todos os lugares do mundo: em Cingapura, em Rotterdam – que fui eu que implantei quando estive lá em Londres, foi um projeto pioneiro. Nós estamos crescendo a partir de pioneirismos e experiências, e está cada vez melhor. Temos uma base forte nos Estados Unidos, temos uma refinaria lá agora, isso mudou muito, antigamente não tinha refinaria nenhuma, nós exportávamos, fazíamos como fazem países que tem a produção e exportam porque não tem mercado. Vendem para o primeiro que dá o melhor preço, e até um representante local. Nos Estados Unidos, a experiência foi muito grande, e do ponto de vista pessoal também, porque os meus filhos se deram muito bem, adoraram, a minha mulher também adorou, eu ia muito a Nova Iorque, viajava muito pelos Estados Unidos. Eu conheci muita gente, muito o mercado, conheci a comercialização, a parte de mercado futuro, mercado de risco. Foi muito importante conhecer filosofia americana de comercializar. E também implantamos esse projeto de gasolina que foi fantástico, porque permitiu vir outras coisas depois. Alugamos tancagem de gasolina no Caribe também, e perdeu-se o medo de tancar produtos, de fazer blending. Nós tínhamos muito medo de misturar produtos, mas começamos a aprender. Eu misturava, ligava para o operador de tancagem, e falava: “E aí quanto deu?” “Ah, deu tanto.” Estava melhor do que eu esperava: “Bota mais um pouquinho de sujeira.” Eu tinha que entregar com 92 de octanagem, e se estava com 93, botava uma de 91, vai botando porque é mais barato, e o produto estava no máximo do preço. A minha missão nos Estados Unidos foi de três anos e meio. Foi muito rica em termos de trading, gasolina e GLP. HISTÓRIAS / CAUSOS / LEMBRANÇAS Com o GLP nós tivemos outros ganhos, tem 500 histórias para contar. Eu vou contar uma rapidinho, porque foi muito importante, eu fazia também GLP. O GLP era como um apêndice, eu estava fazendo quando me sobrava um tempo, mas teve um belo dia que resolvemos importar uma carga de GLP dos Estados Unidos para o Brasil. Fizemos um acordo com uma companhia que tinha uma tancagem e ela ia fazer uma ponte de refrigeração, nessas condições: “Você pode carregar ou no quarto trimestre do ano ou no primeiro trimestre do ano, uma carga por trimestre.” Fretamos um navio e mandamos para lá. Bom, na hora em que o navio chegou ao terminal e ia começar a carregar, isso em 1998, teve a explosão da Planta de Cactus, no México, que é o nome de uma enorme planta de GLP que abastecia quase todo o país. O nosso navio estava carregando para trazer o produto para o Brasil, tínhamos ido até à inauguração, e me liga o pessoal do México: “Pô, eu estou precisando de GLP, você sabe quem tem GLP”? E de Houston para o México eram três dias de viagem, eu falei: “Eu tenho o produto, mas eu vou levar para o Brasil, vai sair caro.” Bom, vendemos com um preço altíssimo para o México, que estava desesperado, precisando daquilo de qualquer jeito. O preço tem um fator urgência, não é? Depois compramos outra carga para repor no Brasil, e o navio chegou ao México, quando ainda estava viajando, o trader de lá: “Você não tem outra carga?” Conclusão: esse navio que foi lá trazer uma carga para o Brasil, ficou seis meses fazendo só Houston – México. Eu não sei quantas viagens foram, talvez uma seis ou sete, até que chegasse alguma outra companhia e colocasse um navio em posição para fazer isso. Foi estar no lugar certo, na hora certa, o lucro dessa operação foi muito alto, eu não me lembro quanto que foi, mas foi muito alto. Eu tinha um ótimo relacionamento com essa companhia vendedora de GLP, então eu comprava num preço normal de mercado e vendia com preço com prêmio, ele sabia disso. Ele gostava muito da gente, preferia vender para Petrobras a vender para uma trading company, que eles detestavam. O mercado é ousadia e posicionamento. Eu passei meus quatro anos em Houston fazendo esses tipos de operações, entre outras, com gasolina, GLP e nafta também. Voltei para o Brasil no início de 2002, eu fui convidado para ser gerente de risco do Abast, no mercado futuro de petróleo e derivados, eu já tinha feito operações disso. Cheguei aqui e comecei numa gerência média, mas começamos a trabalhar essa gerência e a fazer operações. Eu comecei a aprender, tive que estudar muito, viajar muito para aprender o mercado futuro e comecei a ver onde podia e não podia ir. MERCADO FUTURO O mercado futuro, basicamente, é um mercado de derivativos, você tem o petróleo e o mercado físico. Quando você faz uma venda, você fixa um preço que está flutuando com o mercado, você vai vender agora para gerar daqui a dois meses, tem uma flutuação de mercado. O mercado pode cair muito, se você vendeu naquele preço, você perdeu em relação ao preço atual, então você pode usar um mecanismo de mercado futuro que é fixar esse preço através de um derivativo. Você vende um papel para um banco ou para outra empresa que vai caminhar no sentido oposto do mercado, se o mercado sobe, o papel cai, se o mercado cai, o papel sobe. Isso se chama operação de hedge, é uma operação de fixação de preços, fixação de margem. Começamos a trabalhar muito isso aqui. Nós fazíamos operações de compra e venda, por exemplo, eu comprei a carga de GLP em Houston, eu vou vender para o México e na entrega vai levar, sei lá, cinco dias para carregar, e três dias de viagem. Vou entregar duas semanas depois, mas na hora da entrega, pode ser que o preço esteja mais baixo do que quando carregou. Comprou por um preço e vendeu por outro, é preciso, portanto, fazer uma operação de proteção para não perder essa margem. Basicamente, esse é o mercado futuro. Tem o aspecto especulativo também. Quantas empresas hoje em dia perderam dinheiro em hedge cambial e foram especulando sem ter o produto físico. A operação do mercado futura são essas operações, principalmente àquelas que têm risco. Comecei a fazer essas operações. Tinham as equipes de traders de futuro e eu falava com os Bancos: Morgan Stanley, Goldman Sachs, com aqueles que forneciam derivativos, e também com a Bolsa de Nova Iorque, Bolsa de Londres etc. Tem vários tipos de derivativos: de papel, tem Swap, tem contratos de mercado futuro etc. e isso vai fazendo de tudo aquilo ali uma mesa de operação financeira. Só que eu sentia que a Companhia não tinha uma política de risco para isso, não tinha uma política definida, e qual é o risco que eu poderia tomar? Será que posso fazer qualquer coisa? ”Vamos vender petróleo O petróleo está uma maravilha.” Vou fixar esse preço, se o petróleo der uma subida eu perco dinheiro, se ele cair, eu ganho. Era especulação. Não estava escrito em lugar nenhum, mas dizia assim: “Nós não fazemos especulação”, mas o que é especulação e o que não é? POLÍTICA DE RISCO Eu me orgulho de ter implantado a política de risco na empresa, acredito que tenha sido algo importante. Na época, houve uma mudança no Abast, porque foi criada a Área Corporativa. Essa Gerência de Risco foi para essa área Corporativa. A Gerência de Risco tinha uma função ligada diretamente ao Gerente-executivo, que me apoiou muito percebendo que a Petrobras precisava ter uma política de risco. Fizemos uma tomada de preço e acabamos contratando uma consultora, a McKinsey, para nos ajudar nesse processo. Eu já tinha mais ou menos a idéia do que queria. Fizemos o processo de política de risco em 2005. Começamos em duas áreas, a sistêmica e a complementar. A sistêmica era tudo o que era obrigatório fazer: eu preciso importar, preciso exportar de acordo com o sistema. A complementar é aquilo que eu estou agregando valor: eu compro de A para vender para B, eu boto gasolina no tanque. Eu estou criando um risco adicional para o sistema e, nisso daí, conseguimos, estabelecer as diferenças e ter uma política de risco, quanto de risco eu queria tomar com essa área. A área cresceu muito, foi tendo uma importância no contexto da Área Comercial de Abastecimento. Eu fiquei nela de 2002 até 2005, aliás, quando foi implantada a política, eu fui convidado para ser chefe do escritório de Londres, em dezembro de 2005. Nós já tínhamos implantado, eu deixei meu “filho” pronto e ficou bem cuidada. Hoje, a área ainda continua, uma Área de Gasolina, são os filhozinhos que vamos botando, implantando. Isso também surgiu dentro daquele pensamento: “Onde podemos melhorar, o que podemos fazer”? Várias pessoas na empresa têm esse pensamento de criação. No departamento comercial isso faz a diferença. CIDADES / LONDRES / INGLATERRA Eu fui para Londres ser o gerente do escritório de lá, quando cheguei eu acho que as vendas estavam caindo, no mercado de trading basicamente. Eu comecei a conversar, protestar e, novamente, veio a história da tancagem. Não temos um tanque? Começamos a incentivar o pessoal no trabalho de equipe, convidamos um sociólogo de comportamento humano e fomos incentivando a criar mais negócios, tomar mais posição, tomar mais risco e foi crescendo... Eu cheguei lá em dezembro de 2005, tinha 19 pessoas no escritório; quando saí agora, há dois meses, tinha 45, dobramos o número de pessoas. Esse aumento de pessoal, sem dúvida, foi em decorrência do aumento de volume das operações, eu não vou dizer que foi porque eu botei meu dedo, o próprio aumento da exportação de petróleo da Petrobras e a importância do mercado europeu foi se substancializando ao longo do tempo. Mas nós criamos a tancagem de óleo combustível em Rotterdam, começamos a misturar, houve uma necessidade de mais gente para fazer um trabalho mais técnico, mais profissional, ganhando dinheiro, trazendo informação do mercado. Depois criamos a tancagem de diesel, que começou também trazer mais conhecimento, e estamos crescendo com o escritório, aliado a minha experiência com outras empresas. Não se conhece tudo, temos que copiar um pouco dos outros. Se eu vejo uma companhia que está funcionando bem, eu me pergunto: ”Por que ela está funcionando bem?” “O que ela tem de bom?” Não adianta falar: “Ah, sei tudo, sou brasileiro.” Vamos ser humildes, ver o que os outros estão fazendo. Certa vez, eu vi a Morgan Stanley lançar aquelas mesas de trading com equipamentos, eu falei: “Como você fez isso”? “O trading para funcionar bem, tem que ter informação.” Criamos uma mesa de trading no escritório velho, e quando íamos acabar o contrato, entregar o prédio, conseguimos a aprovação para alugar um novo escritório, com uma área que era o dobro da capacidade do anterior, e fizemos uma obra em seis meses. Eu convido todos a conhecerem o novo escritório de Londres, que é o Creme de la Creme, é o estado da arte em termos de escritório no exterior, de comercialização. Temos equipamentos de primeira linha, com telas, informações, televisões para todo mundo, temos duas mesas de trading com interações de informações, telefones ultra-rápidos, não é nada suntuoso, tudo é funcional e objetivo, mas separando a sala de reunião. O escritório está muito bonito e a sorte desse escritório é ter um terraço que é uma dádiva de Deus, algo difícil de conseguir. Às vezes, nós fazíamos um churrasquinho, uma festinha, muito legal, muito gostoso Nós o inauguramos agora no fim de maio [2008], quando a obra terminou, e eu voltei dois meses depois. Eu fui convidado a voltar, é um ciclo. A Petrobras tem tempo: “Você vai ficar dois ou três anos.” Eu sabia que do mesmo jeito que eu fui, eu podia voltar no dia seguinte. Eu fiquei quase três anos, dois anos e nove meses. Voltei agora, e acho até bom essa minha volta, porque a Companhia está tendo uma grande reformulação. NOVOS NEGÓCIOS Eu estou na Área de Novos Negócios, eu voltei e fiquei um mês praticamente no Abast, eu estava como Gerente-executivo e, agora, estou como Gerente de Novos Negócios do Corporativo, ligado diretamente ao Gapre (Gabinete da Presidência). Todos os novos e grandes negócios da Petrobras passam por ali: compra de empresas, venda e compra de ativos etc. Eu vou pegar toda experiência de trading, de conhecimento de mercado e empresas, e tentar aplicar. Eu comecei há pouco tempo e estou achando que é um bom momento. HISTÓRIAS/ CAUSOS / LEMBRANÇAS Acho que a empresa cresceu muito, ficou muito grande, está ficando pesada. Não quero ser saudosista, porque quando ela era pequena, não tinha equipamento nenhum. Hoje, tudo é mais rápido, mas ela precisa agora parar e dar uma pensada em comércio externo, internacionalização da empresa. Acho que é importante, irreversível. Temos que buscar cada vez mais, pegar essas cabeças que tem experiência e juntar com as cabeças novas. Os mais velhos tem experiência e sabem dizer o caminho, mas quem trilhará o caminho é o mais jovem, então tem que juntar. E nós estamos num momento muito bom. A empresa é fenomenal, eu sou “Petroblas” desde pequenininho, sou viciado pela Petrobras, meus filhos sabem disso, vivemos e respiramos Petrobras o tempo inteiro lá em casa. São quase 30 anos de empresa, eu aprendi muito, passei a respeitar esse corpo técnico maravilhoso, essa grandiosidade. Às vezes, nos chateamos com A, com B, com política aqui, política ali, mas a gente vê que a empresa está acima de tudo, realmente é o que eu sinto em mim e nas pessoas. Mas acho que este é o momento da empresa dar uma sacudidela, retomar todos esses rumos e crescer, com base, crescer no exterior. Eu acho importante crescer na comercialização interna, manter mercado, manter produção. Eu acho que é a maior empresa no mundo. Eu não tenho nenhuma vergonha quando vou para fora e converso com Exxon, BP, Shell etc. Nós damos banho em todo mundo, isso eu aprendi. Eu não tenho o menor medo de conversar com qualquer empresa e vejo que eles sentem inveja do nosso crescimento. Ainda mais agora, mais do que nunca. MEMÓRIA PETROBRAS Eu gostei muito, eu posso ficar falando até amanhã de manhã, porque tenho muitas histórias, acho muito bacana. Achei super fantástica essa idéia, é fundamental pegar essas pessoas todas. Nós temos uma pontinha de saudosismo, ao ver esses novos, nos perguntamos: “Será que eles têm aquele sentimento de quando nós entramos, aquele apego à empresa?” Nós precisamos disso, eles pegaram tudo muito fácil. Eu briguei com meu filho hoje de manhã. Eu comprei um carro novo e quando estávamos conversando, eu falei: “Você não foi nem me ajudar. Para você é tudo fácil. Você nasceu em berço de ouro, eu tive que trabalhar. Para ter fon fon eu trabalhei, e você pegou tudo pronto.” Começamos aquela discussão de pai e filho. Mas eu acho importante essa transmissão de memória, de conhecimento, acho que devemos ir além, não só num programa, porque é pouco, deveria ser uma política da empresa. Eu não sei se falta ou talvez eu não conheça uma transmissão de conhecimento que aconteça aqui. Tem que ser algo permanente, eu sou muito crítico desses projetos todos muito enlatados, que vem de procedimentos, scorecard, ambiência. Eu acho que tem que ser tudo com muito sentimento. Não há nada de errado nesses projetos, mas ambiência não é algo que se faça num fim de semana com o pessoal. Ambiência se faz no dia-a-dia, é o gerente com o empregado no dia-a-dia. Análise crítica dos custos, análise crítica de resultados é permanente, tem que estar todo dia buscando um indicador que está melhorando. Eu não vou botar um negócio enlatado lá e pronto. Temos muito mais recursos do que tínhamos antigamente, precisamos usar esses recursos para pegar essas boas práticas e não achar que vem do céu ou que alguém vai resolver. A pessoa tem que sentir que é responsável. Foi muito bom conversar com vocês e contar um pouco da minha história, eu estou à disposição para qualquer coisa.
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