P - Boa tarde, Jean. R - Boa tarde. P - Para começar, eu gostaria que você dissesse o seu nome completo, local e data de nascimento. R - Meu nome é Jean Fernandes dos Santos Junior, nasci em Goiânia, no dia 8 de abril de 1978. Tenho orgulho de ter nascido naquela cidade, que trouxe várias coisas boas para mim, onde aprendi muito com o povo local, com as pessoas acolhedoras. Tudo de bom que eu trouxe para esse estado aqui é da região de Goiânia, Goiás. P - O nome dos seus pais? R - Jean Fernandes dos Santos e Celi Alves Fernandes. P - Seus pais eram de Goiânia também? R - Meu pai nasceu em Goiânia, minha mãe nasceu em Minas. Eles se encontraram em Goiânia, onde formaram uma família maravilhosa. Toda a minha família é de Goiânia, não tenho nenhum parente em Campo Grande, a gente deixou muitos laços bons naquela região. P - Você se lembra dos seus avôs? R - Da parte de mãe não. Da parte do meu pai tenho meu avô que é meu xodó de tudo, ele mora na região de Goiás Velho. P - O nome dele? R - Abel Fernandes. Ele mora na cidade de Goiás, historicamente conhecida pela escritora Cora Coralina, tombada pelo patrimônio da União. É uma região com uma energia muito. Minha avó nasceu na região de Goiânia, está viva também, todos os dois muito fortes. Da parte de mãe eu não conheci os meus avôs, faleceram muito tempo antes de eu nascer. P - Você falou o nome da avó também? R - Chama Coralina Xavier. Não estou lembrado do sobrenome da minha avó, mas é uma pessoa fantástica também. Eu não tenho tanto contato com a minha avó como com o meu avô, com ele eu tenho um contato direto. São duas pessoas que deram uma experiência muito boa para o meu pai, criaram laços profissionais muito bacanas para ele. São cinco filhos, dois homens e três mulheres, todos morando em Goiânia ainda. P - Esses filhos que você está falando são do seu avô? R - Sim, são todos meus tios. P - A atividade profissional dos seus...
Continuar leituraP - Boa tarde, Jean. R - Boa tarde. P - Para começar, eu gostaria que você dissesse o seu nome completo, local e data de nascimento. R - Meu nome é Jean Fernandes dos Santos Junior, nasci em Goiânia, no dia 8 de abril de 1978. Tenho orgulho de ter nascido naquela cidade, que trouxe várias coisas boas para mim, onde aprendi muito com o povo local, com as pessoas acolhedoras. Tudo de bom que eu trouxe para esse estado aqui é da região de Goiânia, Goiás. P - O nome dos seus pais? R - Jean Fernandes dos Santos e Celi Alves Fernandes. P - Seus pais eram de Goiânia também? R - Meu pai nasceu em Goiânia, minha mãe nasceu em Minas. Eles se encontraram em Goiânia, onde formaram uma família maravilhosa. Toda a minha família é de Goiânia, não tenho nenhum parente em Campo Grande, a gente deixou muitos laços bons naquela região. P - Você se lembra dos seus avôs? R - Da parte de mãe não. Da parte do meu pai tenho meu avô que é meu xodó de tudo, ele mora na região de Goiás Velho. P - O nome dele? R - Abel Fernandes. Ele mora na cidade de Goiás, historicamente conhecida pela escritora Cora Coralina, tombada pelo patrimônio da União. É uma região com uma energia muito. Minha avó nasceu na região de Goiânia, está viva também, todos os dois muito fortes. Da parte de mãe eu não conheci os meus avôs, faleceram muito tempo antes de eu nascer. P - Você falou o nome da avó também? R - Chama Coralina Xavier. Não estou lembrado do sobrenome da minha avó, mas é uma pessoa fantástica também. Eu não tenho tanto contato com a minha avó como com o meu avô, com ele eu tenho um contato direto. São duas pessoas que deram uma experiência muito boa para o meu pai, criaram laços profissionais muito bacanas para ele. São cinco filhos, dois homens e três mulheres, todos morando em Goiânia ainda. P - Esses filhos que você está falando são do seu avô? R - Sim, são todos meus tios. P - A atividade profissional dos seus pais? R - Minha mãe é do lar, ela sempre trabalhou no lar, faleceu faz 15 anos. Era uma mulher administradora de casa mesmo, o forte da família era a minha mãe. Uma mulher que, hoje, cada um de casa tem um pedaço dela. Meu pai é um engenheiro muito competente. Trabalhava na Encol, uma construtora civil que faliu há alguns anos. Ele foi o responsável por trazer a Encol para o Mato Grosso do Sul. A gente ficou dez anos com a Encol aqui. Teve o problema da falência da Encol e a gente continuou na cidade porque ela é muito acolhedora. É uma capital com cara de interior, uma cidade fantástica. Eu saio hoje de Campo Grande para morar em uma cidade que vai me dar uma qualidade de vida boa. Hoje eu não tenho expectativa para voltar para Goiânia, porque eu acho que Goiânia é uma metrópole, uma coisa muito grande, e eu quero criar meus filhos, ter a minha mulher por perto, poder almoçar com eles, estar com eles à noite. Eu acho que isso, hoje, é qualidade de vida. É uma coisa que São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte e outras metrópoles deixaram de ter. Eu acho que Campo Grande oferece isso, ainda. P - Jean, antes falar sobre Campo Grande, tenho uma pergunta. Você tem irmãos? R - Tenho. P - Duas irmãs. Cristiane Alves Fernandes tem 37 anos, e administra a empresa com o meu pai. A irmã do meio é a Keila Alves Fernandes, tem dois filhos, meus sobrinhos do coração. É uma mulher fantástica, também. Isso que eu falo, a minha mãe deixou essa semente em cada um. Minha irmã tem um tipo, a outra irmã tem outro tipo, eu tenho esse tipo mais calmo, mais de amenizar as coisas, de trazer. E o meu pai nem se fala, ele é o meu maior amigo, hoje o que eu sou profissionalmente e no pessoal, eu tenho o meu pai e a minha mãe juntos. P - Você é o caçula? R - Sou o caçula. P - Eu queria voltar um pouco na sua infância. Você falou que veio para cá com dez anos, mais ou menos. Voltando um pouco antes dos dez anos, queria que você falasse um pouco da sua casa, das brincadeiras... R - Eu vejo aquele filme “O menino maluquinho”, e é a minha infância. Assim, de correr na rua, andar descalço e arrebentar o pé na rua... Jogar futebol. Eu morava num bairro em Goiânia, Parque das Laranjeiras, e de frente da minha casa era um bosque enorme, com trilhas para você andar, tudo. A gente sempre se perdia nesse bosque, mas saía por um lugar, você estava na rua. E eu tive uma infância maravilhosa, meu pai proporcionou uma infância que eu pudesse aproveitar mesmo. P - E as brincadeiras? R - Futebol, carrinho de rolimã, bolita, essas brincadeiras que a gente não vê hoje. P - Como é que é bolita? Explica para gente. R - Bolita é aquela bolinha de gude. Futebol de botão, o botão que eu tinha, esses dias eu dei para o meu sobrinho. E eu tive uma infância que é a infância de criança, do menino maluquinho, mesmo. De estar com turma, ser o mediador, o chefe da turma, de estar junto com pessoas do bairro, a família. Eu vejo as pessoas que estão próximas a mim, vejo meus sobrinhos hoje, e, às vezes, fico até com um pouco de dó dessa infância que eles têm hoje, de frente para o computador, com video-game... P - É mais pobre? R - É. Rica no sentido do conforto que eles têm dentro de casa, mas pobre essa coisa de educação. Historicamente você não tem tanta coisa. Mas a minha foi extremamente rica. P - Você gostava de futebol? R - Sou apaixonado por futebol. P - Como era isso? Para que time torcia? Você jogava? R - Eu sou fissurado por futebol. Quando eu me formei em Jornalismo, ou trabalhava na área Ambiente, ou na área de Esportes. Eu vi que o Esporte é muito fraco aqui no Estado, a área Ambiental é muito forte. E um professor me indicou para gente fazer alguns trabalhos. Mas desde criança eu fui fissurado por futebol. Eu acho que quando eu nasci, como o meu pai costume dizer, eu nasci com a bola no braço. Jogava em Goiânia, joguei uma época no Goiás, que é um time da região, o “Verdão do Centro-Oeste”, um dos times mais lindos do Brasil. P - No Serra Dourada? R - No Serra Dourada, o estádio mais bonito do Brasil. Eu acho que essa articulação que eu tenho hoje, algumas facilidades com as pessoas, de estar tendo contato, eu devo muito ao Esporte. De ter essa oportunidade, jogar no time, ter contato com várias pessoas, de ter uma mentalidade, uma cabeça a mais, tudo. Eu devo muito ao esporte, eu fiz vários laços de amizade. Em Goiânia mesmo, eu saí cedo de lá, eu estou há 20 anos aqui em Campo Grande, mas eu tenho muitos laços em Goiânia por causa do Esporte. P - Que posição você jogava? R - Era lateral esquerdo. P - Joguei no Goiás, vim para cá, na escola que eu estudava aqui, no Colégio Dom Bosco. P - Mas lá você chegou a entrar na escola? P - Sim, ele veio para cá com dez anos. P - Então vamos voltar um pouco. Como era essa escola que você entrou? Você se lembra dessa escola? R - Lembro. P - Qual era o nome? R - “Pinguinho de gente”. Ali na entrada do bairro (risos). Eu lembro pouquíssimo, de algumas professoras, de amigos não me lembro de ninguém porque foi há muito tempo. P - Até que série que foi? R - Não lembro, mas eu lembro que por causa do futebol eu tive problema na escola. Eu queria jogar muito mais futebol do que estudar. Eu tive problema de repetir o ano, na terceira e na quarta série eu repeti por causa do futebol (risos). E a escola eu tenho um carinho muito grande, eu lembro que minha mãe estava muito presente. Minha mãe estava esse momento comigo, essa mãe coruja de estar perto, era muito gostoso. E faz tempo que eu não vou a Goiânia, da última vez eu não tive oportunidade de ir lá, de ver a escola, como está aquela região. Mas eu fui ao bairro, tudo continua mesma coisa mesmo. P - Que bairro que era? R - Era no Parque das Laranjeiras, a entrada do bairro era a escola. Eu só lembro que as minhas irmãs começaram a estudar e eu era maluco para ir estudar também. Depois que eu fui estudar no primeiro dia eu não queria ir mais à escola. Eu criei uma birra com professor, com isso... Fiquei amedrontado. P - Você estudou só nessa escola lá? Parece que você estudou no Ateneu também. R - É, eu estudei um tempo sim. Mas aí, eu já vim para Campo Grande, fiz essa transferência para Campo Grande. Minhas duas irmãs estudavam lá e eu estudei pouquíssimo tempo. De lá eu já vim para Campo Grande. P - Antes da vinda, eu gostaria que você explorasse um pouco a cultura lá. Você freqüentava a Pecuária, a coisa regional de Goiás? Conta para gente. R - Sim. Eu tinha menos de dez anos, nessa época não tinha tanto. Essa coisa de Pecuária que é muito forte lá em Goiânia, a Exposição que tem lá, como tem em várias capitais. Eles são muito fortes na área pecuária, o Centro-Oeste todo é muito forte. A Pecuária é considerada como uma das maiores exposições, não só do Brasil, como da América do Sul. Eu fui algumas vezes na Pecuária e achava que aquilo era um parque de diversão, porque a pecuária se juntava numa área imensa onde tinha todos os tipos de bichos, tinha circo, shows, parque de diversão, tudo. E meu pai levava a gente todos os anos. Goiânia é uma cidade grande que proporciona isso, eu não sei hoje porque faz 20 anos que eu saí de Goiânia. Tinha a pecuária, o zoológico que é espetacular, na época que eu saí era considerado um dos maiores zoológicos do Brasil. Tinha várias coisas, autódromo que a gente podia ir, assistir as corridas. Eu me lembro do autódromo muito bem porque quando o GP de motovelocidade veio para o Brasil, os três primeiros foram em Goiânia. Eu lembro que tinha um primo que era apaixonado por velocidade e ele me levava a todos os GPs, essas coisas. O meu pai tinha um posto de gasolina na época que patrocinava a Stock Car em Goiânia. Então, eu sempre fiquei em contato com o esporte, não tinha como sair. Se eu ficasse em Goiânia eu estaria jogando ou administrando algum clube, não sei. Você vê, às vezes, a gente muda, o mundo muda muito. A gente veio para cá e muitas coisas mudaram na minha vida. P - Então, agora vamos para Campo Grande. Conta a impressão que você teve, como é que vocês chegaram, como foi a mudança? R - Goiânia para Campo Grande foi um choque no começo, eu lembro bem. Meu pai veio antes para cá, uns três meses antes, e vieram eu, minhas duas irmãs e minha mãe. P - Vocês vieram de avião, de carro? R - De ônibus. Esse foi o choque. Goiânia sempre foi muito arrumadinha, muito arborizada. A gente veio para cá e quando a gente entrou em Campo Grande, a gente entrou numa avenida, que até existe hoje, que é a entrada e a saída da BR que vai para Cuiabá. Gente, é uma das entradas mais feias que tem. A gente foi entrando e aquela coisa, assim... Minhas irmãs, uma olhava para a outra, eu olhava para a minha mãe. E a rodoviária de Campo Grande, vocês não tiveram o prazer... Não é prazer, vocês não tiveram e nem tenham a necessidade de conhecer a rodoviária (risos) porque é a rodoviária mais feia do Brasil. Até hoje. E a gente caiu de pára-quedas. E o meu pai foi pegar a gente na rodoviária. Quando a gente desceu nessa rodoviária e viu aquela coisa. É a rodoviária mais feia do Brasil até hoje, certeza. E a gente olhou aquilo, minhas irmãs choravam... Minha mãe chorava e falava: “Onde que você trouxe a gente?” (risos). E eu extático. Sempre fui de olhar muito, falar pouco e chorar nada. Minhas irmãs choravam, queriam entrar no ônibus de novo e voltar. Foi um choque. Sair de uma rodoviária de Goiânia que é muito bonita, muito bem planejada e cair numa caverna, que é a rodoviária daqui, foi um dos maiores choques que eu tive em Campo Grande. P - E a casa que vocês foram morar? R - A casa era muito aconchegante, muito parecida com a nossa de Goiânia, um pouco menor. Mas muda tudo, se você cai numa cidade onde você vê uma rodoviária daquela, a primeira impressão é a que fica. Não é isso que eles falam? A gente ficou impressionado e até hoje a gente bate de frente com Prefeitura, Governo, em cima daquilo, para mudar essa rodoviária. É terrível. É onde você recebe os turistas, os visitantes, parentes, todo mundo. E foi terrível a impressão que a gente teve de Campo Grande. Mas eu tive a felicidade, eu tinha dez anos, minhas irmãs, uma estava com 17 e outra com 19, elas tiveram mais dificuldade que eu. Elas estavam naquele período de adolescência, de jovem para adulto, que é onde você começa a descobrir coisas, botar defeito, tem muitos entraves, barreiras. E eu moleque. Em qualquer campo que você me colocasse dentro, eu iria fazer amizade, foi como aconteceu. Eu fui para a escola aqui, uma das estaduais mais tradicionais daqui de Campo Grande. Chama Joaquim Murtinho. Eu lembro que quando a gente chegou em Campo Grande, foi um amigo do meu pai da Encol que colocou a gente lá, aquela coisa de indicação, de ter gente lá dentro. De final para o começo do ano eram filas de cinco quarteirões para tentar vaga nessa escola, que foi considerada uma das melhores escolas estaduais do Centro-Oeste. Deu uma base de vida para mim muito boa. P - Mas como aluno novo na escola, como era isso? R - Ah, sempre complicado. Eu lembro que eu e as minhas irmãs ficávamos como uma panela, os três juntos, parecendo aqueles pintinhos, encolhidos. Ia para um lado, todo mundo ia junto. Falava meio que com esse sotaque, hoje eu perdi um pouco o sotaque de Goiás, mas quando a gente chegou, a gente era tratado como mineiro misturado com goiano. E era tratado como bicho do mato, mas a gente também reconhecia que eles eram bichos do mato aqui. Esse povo também, aqui, não fala muito bem, não. Mas a minha idade ajudou muito de conhecer, do esporte dentro da escola, de fazer amigos, amizades novas. A minha irmã mais velha até hoje tem dificuldade em fazer amizade aqui em Campo Grande. Depois de 20 anos ela não conseguiu se adaptar como em Goiânia, ela já tinha os laços lá. P - Nessa escola, você se lembra de algum professor, ou matéria, alguma coisa preferida? R - Lembro. A minha matéria preferida era Geografia, sempre adorei Geografia. Educação Física nem se fala, porque eu jogava tudo, não pode ter muito esse no foco. Mas Geografia eu sempre fui apaixonado e até hoje eu tenho contato com uma professora minha, que foi a primeira professora aqui em Campo Grande, a Maria Rita, que trabalha numa instituição de um órgão de defesa do consumidor aqui, que é tipo uma organização também, e ela é fantástica. Até hoje a gente se encontra em reuniões. Eu falo que ela é minha professora, ela fala que eu sou aluno. Esses dias saiu uma matéria do Prêmio Banco do Brasil na IstoÉ, ela me ligou parabenizando. E aqui eu criei meus laços. Acho que Campo Grande... Eu sou apaixonado por Goiânia, para mim não tem terra melhor, de povo com coração bom, não tem. Mas eu criei um laço muito gostoso aqui, de amizades, tudo. Goiânia é especial na minha vida, mas Campo Grande se tornou uma cidade onde eu vou criar a minha família, acho que pelo resto da vida. Só se eu tiver uma boa proposta, de poder ter uma qualidade de vida como a daqui de Campo Grande, daí eu saio. P - Sobre a escola, ainda. Você falou que você era novo, você se lembra de alguma situação, alguma expressão que você utilizava que aqui não se utilizava... P - Essa coisa de diferença cultural. R - Eles têm mais essas coisas aqui do que Goiânia. “Guri”, eles pegaram muito do pessoal do Sul. Quando eles me chamavam de guri, em Goiânia não existe falar guri. Bala, para mim bala é de chupar. Bala, não, bala é legal para eles aqui. “Ah, que coisa bala”. E eu: “Gente, o que é isso, que povo mais louco que mora aqui”. E outras expressões que eu achava, eu tive um trabalho que depois nós podemos falar mais, da Petrobrás Cultural, eu conheci várias regiões do Brasil, que eu vi que o Brasil é fascinante. Por conta da Ecoa, mesmo, já viajei por vários lugares e vejo que o Brasil não tem nada igual. E eu vi que Campo Grande tem a sua identidade. P - Qual seria a particularidade dessa região que você vê? R - Eles são muito tradicionais. Uma característica do pessoal do Estado. Eles são uma mistura do pessoal do Rio Grande do Sul, que é o machismo mesmo, eles têm esse poder... Bolívia, vai vendo que mistura dá esse povo. Paraguai e pega um pouco do pessoal do Pantanal. Mistura isso e vê o que dá? Povo difícil de se conviver e mexer. Porque o Sul é essa coisa do autoritarismo que eles têm, Boliviano aquela coisa fechada, o cara que sempre foi fechado, resguardado. O Paraguaio que sempre se deu mal na vida, Guerra do Paraguai, essas coisas. Falam que o Brasil saiu, a Argentina ganhou um pedaço, todo mundo... E o pantaneiro que é o índião. Gente, junta isso tudo e vê o que dá (risos). P - Tem alguma história de alguma coisa, que ilustre isso, que você tenha passado? R - Tem, em Corumbá, mesmo, na primeira vez que eu fui para jogar. P - Quantos anos você tinha quando foi a primeira vez para lá? R - Quatorze anos. Fui jogar pela escola em Corumbá. E lá em Corumbá vocês vão ver e conhecer que é assim mesmo, mas não é assustar vocês não, hoje Corumbá melhorou muito. A gente chegou com o time para almoçar e jantar no restaurante e jogar contra o time da região, o Corumbaense, um time muito forte na época que a gente disputava o Estadual. E eles fecharam o restaurante com a gente dentro, falando que a gente ia morrer; que eles iam bater na gente. Aquela coisa de pressionar a gente, para entrar totalmente desequilibrado tudo no jogo da final no outro dia. Então, eles têm essa coisa de pressionar, de mostrar que são mais poderosos de tudo. É como eu falei; junta essas quatro coisas, mistura e dá nisso. Eles querem demonstrar que são mais fortes e poderosos que tudo, eles têm uma cultura muito forte. O pantaneiro e esse pessoal da região tem uma cultura fantástica, se você estudar um pouco disso aí, vocês vão ver que eles são riquíssimos, mas eles não utilizam essa cultura e querem sobrepor com a força. Não sei se vocês estão entendendo, mas é isso. Sobrepõem com a força para tentar te intimidar, acuar em algumas situações. P - Deixa eu explorar um outro lado. Você chegou em Campo Grande, que é essa área mais Cerrado. Mas o contato com o Pantanal mesmo, você teve quando foi à Corumbá, ou teve antes? R - Uns dois, três meses depois que eu cheguei aqui, meu pai me levou para pescar na região de Miranda, que é um dos rios. Hoje, Aquidauana e Miranda são os dois rios mais charmosos do Pantanal, são considerados xodós do Pantanal. E eu fui conhecer esses rios, pescaria de final de semana. Foi o meu primeiro contato com o Pantanal. P - Sua impressão... P - O que você achou? R - Maravilhoso. Eu já conhecia esse tipo de região quando eu era menor que eu ia para o Araguaia, na região de Goiás. Meu pai me pegava bebê. E uma das fotos que eu vou gravar para vocês é eu no Araguaia naquelas praias. A praia do goiano é no Araguaia. Então, eu ia para o Araguaia pescar com o meu pai. Mas o Araguaia já não é o mesmo Bioma, mas já é alto do Amazonas, a região Amazônica já, que o rio Araguaia vai. P - E quais as diferenças, descreve como é? R - O Araguaia, que é um rio que eu conheci pequeno, e depois eu conheci o rio Miranda. A diferença é que o Araguaia é gigante, é muito grande, essa coisa da Amazônia. A gente estava conversando antes, comparando Pantanal e Amazônia, e é o Miranda com o Araguaia. O Araguaia, se não me engano, são vinte e cinco rios grandes que banham o Rio Araguaia. O Rio Miranda são dois rios, tem um rio pequeno, o Piraputanga e o Aquidauana. E dele já cai no Rio Paraguai que é o maior rio da bacia Alto Paraguai, do Alto Pantanal. E a comparação não tem como. O Araguaia é muito grande e o Miranda... Por isso que eu falo, é muito o xodó do pantaneiro e o Aquidauana. P - Sobre o Pantanal, para gente explorar mais o Pantanal, coloca um pouco essa questão dos peixes, dos animais, a comunidade. R - Eu conheci outras regiões, outros Biomas, mas eu tenho que puxar para o Pantanal, não tem como. Isso, para mim, é a região mais bonita do Brasil. Ele tem tudo dentro do Pantanal, água, muita água, muita floresta, muito verde, bicho nem se fala. O Pantanal é completo. Ele oferece tudo o que você quer ver, fazer. E o Pantanal é uma das regiões mais bonitas do Brasil. Enquanto você está dentro do rio, você está vendo bicho, pescando um peixe, vendo uma comunidade, vendo uma comunidade tradicional. Diferente do Cerrado. Eu posso falar, diferente do Cerrado, da Amazônia, onde você anda quilômetros, quilômetros e quilômetros e acha uma comunidade. Eu andei por sete dias na Amazônia e não vi um bicho. Eu ando por quinze minutos pela estrada Parque Pantanal, que é a antiga estrada que liga Miranda a Corumbá, você vê vinte tipos de bichos diferentes. P - Você pode falar os nomes? R - Capivara, você tem que descer do carro para tirar, porque elas são tão mansas que você tem que tirar da estrada. Você vê jacaré, uma mulher pode sentar em cima de jacaré. Na estrada aonde vocês vão, vocês têm que parar para ver onde a Dona Maria, eles falam, a Dona Maria do Globo Repórter que cria duzentos e cinqüenta jacarés. Ela senta em cima do jacaré. E isso, onde você vai ver? Você não vê em lugar nenhum. Você vê cotia, quati. Se der muita sorte, muita sorte, você vê uma onça. De quatro anos que eu estou indo direto para o Pantanal eu vi uma vez. O cara falou que a onça é como você ver a estrela cadente. Não vão comigo porque vocês não vão ver onça, certeza. E ave vocês vão ver de tudo. A ave mais tradicional do Pantanal é o Tuiuiú, chamado Jaburu por muitas regiões do Pantanal. Garça, Colhereiro, tantos outros tipos. Mas o Pantanal é isso. No Cerrado você não vê tantos bichos, a não ser arara, nessa região que tem pequi, muitos cocos. O Pantanal é fascinante. Para mim, eu tenho certeza que, das regiões que eu conheço, de todas as regiões, dos Biomas... Eu não conheço o Pampa, não posso falar dele porque eu não conheço. Mas não tem região mais linda onde você vê tudo, como maior planície alagada do mundo, você tem aquele campão onde você vê um cervo do pantanal com um filhotinho, tamanduá-bandeira, tamanduá-mirim. É muito bicho. Se vocês tiverem oportunidade de passarem pela Estrada Parque, eu prometo, depois eu posso conversar com vocês, vocês nunca vão esquecer na vida de vocês. P - E há frutas também na região? R - Muitas. Das frutas do Pantanal, hoje o fruto mais conhecido onde a gente até faz um trabalho com as comunidades do Pantanal é a bocaiúva. Conhecido por muitos, como macaúba. É de uma região de Cerrado e está se estendendo pelas regiões secas do Pantanal. Tem uvinha, que é muito parecida com cacho de uva. Tem bacuri... Hoje no Pantanal, frutas comestíveis, para agregar valor e trabalhar como alternativa de renda; tem no mínimo umas quinze frutas. E são frutas diferentes, a única fruta que você encontra no Cerrado e no Pantanal é a bocaiúva, que é conhecida em Minas, e naquela região até a Bahia, como Macaúba. O Pantanal é muito rico de fauna e flora. P - Explica um pouco para gente como funciona o próprio Pantanal. Porque tem uma época que chove, uma época que alaga. Como é? R - O Pantanal é formado pelo ciclo das águas, você nunca vai achar todos os rios secos. Tem o Rio Aquidauana, que é o primeiro rio do Pantanal, Rio Coxim, Rio Miranda e Rio Paraguai, que é o principal rio que deságua para baixo, no Paraná. O ciclo das águas funciona da seguinte maneira: O Rio Coxim enche, joga água para uma planície e desce. O Rio Aquidauana enche e joga água para a região, mas não é porque um rio vai jogando água para o outro, é o chamado Ciclo das Águas, por causa da chuva e de outros fatores naturais. Cada rio vai jogando, rios Coxim, Aquidauana, Miranda e Paraguai. P - Mas tem um período de chuvas? R - Tem, o período de chuva daqui do Estado é de final de novembro a fevereiro, que é um período bom de chuva... Igual a chuva no Nordeste, que eles falam que é a felicidade do povo da terra. E a felicidade do pantaneiro é a chuva, quando não falha anos que tem chuva, os rios têm a mesma seqüência, se jogando uma água para o território deles e a maior cheia é a do Rio Paraguai que banha mais da metade do Pantanal. Para mim, a época mais bonita que o Pantanal tem é a época da cheia, onde ficam aquelas lâminas d’água em todo aquele apanhado de morrarias, tudo. E é onde o pantaneiro sofre muito também porque, ao mesmo tempo que eles ficam felizes com as cheias, eles têm a preocupação de muitos terem de se mudar as casas, terem que sair da comunidade que eles estão para ir para um lugar mais alto. Mas hoje, com o trabalho que a gente e outros parceiros também vêm fazendo, está dando uma qualidade de vida melhor, construindo uma casa com mais qualidade, em palafitas, mas isso é nas comunidades que a gente tem contato e trabalha. Enquanto a gente trabalha com quatro comunidades do Pantanal, ele tem mais de cinqüenta comunidades. P - Você estava falando das chuvas. Como é a característica dessa chuva? É uma chuva torrencial, chove muito tempo? R - O Pantanal não tem chover por muito tempo, são pancadas de chuva de três a quatro horas, chuva forte mesmo. Em várias regiões, por causa dessa chuva, chega a ter uma conseqüência maior, porque algumas baías e lagos enchem com algumas chuvas. Mas não são dois, três dias de chuva, é difícil o Pantanal ter isso. Na Amazônia chove por uma semana, por causa da vegetação, árvores, aquela coisa do Bioma. Mas o Pantanal não tem isso, tem chuvas fortes durante algumas horas e pára também. R - Mas vocês conhecem Corumbá? P - Não. R - Vocês vão conhecer, é bom demais lá. P - Você está falando, eu já estou com vontade de ir para lá (risos). R - Diferente de tudo o que vocês já viram até hoje. Corumbá tem uma coisa muito gostosa. É uma mistura de... Historicamente foi formada por militares que vieram do Rio de Janeiro, porque era o segundo maior porto do Brasil. Vocês vão ver, procurem a história de Corumbá lá, para vocês entenderem um pouco do que é aquela loucura, lá. Ali, fia, só tem torcedor do Botafogo, Flamengo. Você não acha nenhum corinthiano, e Goiás muito menos. P - Para quem você torce? R - Torço para o Goiás. P - Aproveita e emenda essa história. Conta aí um pouco para gente a sua história no futebol. R - Quando eu vim para cá eu já jogava na região, categoria de base do Goiás. O meu pai louco para me levar para o Atlético Goianense e eu tinha essa coisa do Goiás. Como um grande clube do Brasil que tinha um futuro muito bom. E o meu pai torcedor do Atlético Goianense ferrenho. O meu pai fala: “O meu filho teve uma decepção na minha vida, você não ser torcedor do Atlético, mas ser do Goiás”. E aí, eu tive essa oportunidade de ir jogar no Goiás e quando eu estava vindo para cá, ele veio primeiro e descobriu que tinha um colégio muito forte aqui em Campo Grande, o Colégio Dom Bosco, colégio salesiano, que trabalhava com categoria de base mesmo. Eu comecei a estudar no Colégio Dom Bosco e, ao mesmo tempo, a gente fazia esporte lá, jogava futebol de campo. E o Colégio Dom Bosco é um dos colégios mais fortes, que até hoje disputa, eles trabalham muito com essa coisa de esporte com estudante, com ser salesiano também; essa coisa católica deles. Mas eu fui muito mais para o Esporte que o católico, ali. A gente disputava vários torneios nacionais, quadrangular brasileiro aqui, lá, e a gente sempre estava no circuito de torneios nacionais. Uma vez houve um torneio em Lavras, Minas, e um cara viu a gente jogando e falou: “Não, a gente vai ter que chamar vocês para fazer um teste, alguma coisa. Vocês têm jeito, tudo, para jogar para fora”. Eu tinha 13 anos. Passei meu contato, tudo, ele entrou com contato com os meus pais. E para mim, era fora do Estado, lá em São Paulo, no Rio, mas era para jogar no Japão. Eu fiquei em 92 jogando no Japão. P - Mas como é que foi a chegada lá? P - Agora conta direitinho. R - Não teve processinho, foi loucura de chegar aqui, ter essa conversa, ter o pessoal da escola, foi um grupo também junto comigo. A gente foi para Chiba, que é uma região ao lado de Tóquio, é uma cidade. Mas no Japão não existe mais aquela coisa: “Viajo tanto para tal lugar”, é tudo muito grudado. Igual São Paulo, se eu andar em São Paulo hoje, entrar em Santo André e falar que eu estou dentro de São Paulo, eu não sei. Igual ao Rio. Você está em Niterói e tem a ponte. Mas se tampar a minha cara e falar que estou em Niterói, ou no Rio, eu não sei. E Tóquio é assim, Tiba e Atiu são cidadezinhas ao redor de Tóquio. Eu jogava com um time que era ao lado de Tóquio. A gente foi jogar um campeonato, que reuniu vários países asiáticos e para mim foi, fora a experiência da Ecoa que eu estou tendo e que está sendo fantástica, foi a segunda maior experiência da minha vida. P - Quanto tempo você ficou lá? R - Lá você não tem temporada do futebol, por causa do frio lá você tem o tempo certo das temporadas. Lá é novembro, janeiro, fevereiro. Aí, vem neve, tufões, essas coisas loucas. Terremoto. Você vai para os meses certos. E nesses dois anos que eu passei lá eu matei Natal, Ano Novo longe da família, tudo isso. Mas para mim isso foi uma das experiências mais fantásticas da minha vida. P - Você não foi com a família, foi sozinho. E como é que foi essa experiência, por exemplo, comida, amigos... R - Terrível, a pior comida do mundo. P - A língua, como é que foi? R - A língua nem se fala. Para mim, é sei lá, é índio, misturado... Coisa de outro mundo mesmo, a Cultura totalmente diferente. Lá como a Prefeitura que bancava, disponibilizou um intérprete para gente, foi um rapaz daqui do Sesi, na época, para nos ajudar, o senhor Arada, até hoje eu conheço, a gente encontra aqui às vezes. A gente ri demais da época, dos fiascos, porque tem muitos fiascos que a gente passou lá. P - Fiasco como? R - De coisa engraçada que a gente fazia. Para mim foi um choque, mas aquele choque bom, não é choque ruim de você chegar na Rodoviária de Campo Grande. Choque bom de tudo novo, país novo, pessoas novas, pessoas ricas culturalmente, pessoas tradicionais, apaixonadas pelo país deles, fissurada pelo país deles, que não querem se misturar. Na época que eu fui, em 92, eles não tinham essa coisa. Americano é lá do outro lado do oceano. O Brasileiro eles tinham mais carisma, acho que o brasileiro trás essa coisa mais tranqüila, não quer se aproveitar da situação dele, historicamente não tem isso. Então, a gente foi muito bem recebido na cidade. Eu era muito moleque, queria conhecer Disney, e há uns dois anos havia sido implantada a Disney dentro de Tóquio. E, com a experiência de jogar futebol em outro país, cara. Quem tem a oportunidade de fazer isso? Quantos milhões de brasileiros se tornam Ronaldinho, que sai um Kaká? Não é que é bom, o cara é bom, é cabeça. Quantos milhões de jogadores bons a gente tem no Brasil? E aí, desde moleque, o meu pai e a minha mãe sempre me colocaram isso: “Aproveita as oportunidades que estão vindo na tua vida”. E essa foi a primeira oportunidade que veio na minha vida, para eu pegar e abraçar, mesmo. De conhecer esse país, estar em contato com essa tradição japonesa, a tradição mais linda que eu já vi até hoje. A gente teve a Olimpíada da China, a gente vê que eles têm uma tradição muito bonita também. Mas eu convivi isso lá, e abre as portas. P - Dessa Cultura, o que você destacaria como o mais significativo para você? P - O que mais te impressionou? R - Família. P - Explica para gente. R - A gente não percebe isso, não tem essa noção do japonês com a família. Mas o japonês, os pais vivem para o filho. Brasileiro tem isso também, meu pai nem se fala, minha mãe também. Mas, é impressionante. P - Uma coisa com os idosos também, não tem? R - Muito. Eles protegem muito isso. Mas tem uma coisa que me impressionou muito no Japão, que me deixou uma imagem muito ruim do Japão. Essa coisa da família é muito bacana, eles protegem os filhos, deixam de comer para os filhos, uma coisa muito engessada. Por isso que sai esses robôs. Mas uma coisa que me deixou muito impressionado foi o seguinte: Essa coisa de proteger os filhos, de dar a vida para os filhos, os filhos têm que retornar isso para eles. Eles não têm esse negócio de: “Ah, meu filho está estudando, está se saindo bem, beleza”. Ele quer o retorno imediato. Eu me lembro de uma história que eu tive lá, a gente foi para uma linha de metrô que ligava Tiba e Atiu, são duas cidades vizinhas, e os metrôs estavam fechados no dia. E eles não falam o que acontecem, não falam nada. E esse tradutor que foi contar a história depois para gente, é que tinha uma família, acho que dois filhos, uma família que se suicidou na linha de metrô. Mas, por que suicídio? O Japão tem um dos maiores índices de suicídios de crianças e jovens no mundo. Porque a média lá, é coisa de nota, não sei muito bem, se é nota sete, e o menino tirar nota oito ou sete, o pai fala que o filho não existe para ele. Para ele tem que ser nota máxima, aquela coisa de perfeição, mesmo. Não tem meia boca para eles. Isso eu vi nos treinos nossos lá. Não tinha isso. E na época que eu fui ainda, era a época que o Zico estava no auge no Japão. Não sei se vocês lembram daquilo, o Zico deixou o futebol no Brasil, o Japão investiu nele e, ao mesmo tempo, a cultura melhorou muito lá, o futebol, com esse investimento. Você vê nos japoneses o seguinte, o que vou fazer é uma comparação da perfeição no estudo e no esporte. O técnico japonês falava para os meninos irem e voltar com a bola 50 vezes. A gente ia, tal, fazia vinte vezes, aquela coisa que faz no futebol, que é o “migué”. Você dava um “migué” para ir, para voltar, tudo. O japonês ia cinqüenta vezes. Se era para bater balãozinho para fazer coisa no cone, para ir e voltar trinta vezes; o japonês fazia trinta vezes. Não tinha essa coisa de enganar. Isso é cultura japonesa. P - Disciplina? R - Disciplina. Só para vocês verem: quando o Zico chegou na época, o Japão não participava da Copa da Ásia, não existia isso. Dois anos depois que o Zico estava lá, eles foram campeões da Copa da Ásia. Você vê que fazer a coisa com disciplina, pode ser quem for: pode ser o cara inteligente, burro, não sabe fazer, sabe fazer, consegue. Isso é da Cultura do Japão que eu trouxe. Se tiver a disciplina de estudar para um vestibular para Medicina, se você tem um QI bom ou não, sei lá. Mas você consegue. Eu achei isso fantástico, não sei se pretendo voltar para lá porque essa coisa de viajar para lá, mas, um sonho meu é voltar para lá e ver como ficou. De 92 para 94 eu vi que muita coisa mudou lá. P - E os fiascos? R - Ah, os fiascos são muitos. P - Selecione alguns e conte para gente (risos). R - Vou primeiro contar uma coisa fantástica que aconteceu no Japão. Da cultura Japonesa. Estávamos dois amigos e eu, fomos a um bairro chamado Ginza. É um bairro em Tóquio que funciona 24 horas, não fecha, são shoppings, um só de CD, música, um só de material esportivo. Não tem aquela coisa do Brasil que você vai às lojas e tem comida, panela, meia, calção, bolacha. Aquilo é assim, uma perfeição. E meu amigo entrou em um local que compra aqueles pratos japoneses de enfeitar e ele comprou para mãe dele. E lá não é aquela coisa de falar assim: “Ah, é barato”. Não é. Essas coisas culturais, eles não deixam barato. Agrega valor em cima daquilo que eles fazem. E a gente passou em frente a um loja e a gente começou a jogar videogame, porque lá o videogame fica exposto e a molecada foi em cima daquilo. E o meu colega colocou os pratos em uma sacola, tinha uns quatro, cinco pratos; colocou do lado de uma televisão e ficou jogando. A gente viu que era o horário do último ônibus passar, porque lá onde a gente estava não passava ônibus. Quando a gente viu o horário, a gente correu e esqueceu aquilo lá. E quando a gente chegou em casa, reparou que tinha esquecido aquela sacola cheia de coisa da mãe dele, que foi caríssimo. Não tem comparação de valor hoje. Ele ficou transtornado porque não tinha como voltar, era longe. A gente falou: “Deixa, amanhã a gente volta. A gente sai do treino, do jogo e vai para lá”. A gente voltou lá no outro dia eram seis horas da tarde. A gente chegou na loja, o prato estava no mesmo local, o japonês dono da loja estava lá cuidando para ver se alguém. Ele viu a gente, ele não tirou de lá. Ele falou que a mulher limpou, lavou lá, mas o negócio estava lá. Pensa; não é falar mal do Brasil, mas ô cultura [forte] a deles. É assim, impressionante. Eu fiquei fã deles. O fiasco; tem um no metrô que até hoje, quando eu olho para um amigo meu aqui, que a gente encontra, a gente se cumprimenta rindo. A gente saiu de um treino, foi para o metrô e lá é o seguinte, você compra o tíquete, eu não sei como é São Paulo porque é muito difícil eu ir para as grandes cidades. Você compra o bilhete do metrô e você não passa para entrar, você entra. Você pega o metrô e pode viajar a região de Tóquio inteira, você o coloca para sair. Olha só a mentalidade do povo. Se você sair você coloca. E para sair você não paga, você tem que estar com o tíquete. E a gente andou um tempão e quando a gente foi sair eu peguei o meu tíquete que estava no bolso e o meu amigo falou: “Cadê o meu tíquete?” “Rapaz, você está doido? Sem esse negócio a gente não sai de jeito nenhum”. E em cada metrô ficava um segurança japonês nesse lugar. Eu falei: “Cara, só se a gente fizer assim: passar correndo e ir embora. Mas ó o perigo que a gente vai fazer”. E aí, esse meu amigo começou, pô, 13 anos de idade, em um lugar onde a gente estava não conhece ninguém. Já começou aquela coisa de moleque querer chorar. (risos). Eu falei: “Bicho, eu estou longe de casa, meus pais nem sabem que eu estou aqui. Pela primeira vez eu não sei o que vou fazer, vou pegar o meu tíquete e vou embora. Você, filho, eu não sei o que você faz”. Ele falou: “Bicho...”. E, assim, era o tíquete que não era catraca, você colocava o tíquete e era tipo um controle de quantas pessoas passavam por lá, mas você não via ninguém ficar sem passar o tíquete. Não era catraca, era só de colocar. E aí, eu fui, passei e falei para o meu amigo que iria tentar comprar perto, mas não tinha. Falei: “Meu filho, corre. Corre que não tem outro jeito”. Você tem o lugar que entra no metrô e o lugar de saída, e a gente não sabia onde era a entrada desse metrô para comprar. E esse menino correu tanto, mas correu tanto. E o japonês, o guarda, corria atrás dele. Acho que a gente correu, assim, por cinco, seis quadras, sem olhar para trás. E parecia que o Japão estava atrás da gente, mas não tinha ninguém mais. Porque o cara queria saber. Porque o japonês, assim, se você não tem o tíquete, eles te falam: “Por que você não tem o tíquete” e marcam lá. Eu acho que era mais essa coisa cultural. Acho que na Inglaterra tem o negócio de você colocar uma ficha e um dinheiro para você pegar um jornal. Um jornal. Se é no Brasil, colocam um latão de... Não é querendo falar mal, mas aqui no Brasil o cara sempre quer ganhar. Eu acho que um real que o cara te dá a mais o cara esconde no bolso. Mas na cultura deles isso não existe. E isso foi um dos fiascos. A gente ficou aquela noite sem dormir porque a gente pensou que a polícia japonesa estivesse atrás da gente. Tem outras também. Um dia a gente estava louco para vir embora, não agüentava mais e o chefe da comissão lá falou: “Olha, o avião de vocês foi cancelado e vocês vão poder ir só daqui 15, 20 dias”. Brincando. A gente chorava igual... Era criança, cara? Mas chorava, assim, de soluçar. É como eu estava falando para vocês, a cultura deles é muito bonita, mas não tem nada igual ao Brasil. P - E como é que foi essa volta? R - A volta foi sensacional. Em 92 eu fui, fiquei esse tempo jogando e a gente fechava o contrato para fechar aquela época. Em 93 eu não fui porque foi a época que minha mãe faleceu. Em 94 eu fui de novo, e eles queriam fechar um contrato por muito mais tempo, porque a J-league, que é a liga japonesa, fechava, igual hoje fecha com jogador por três, quatro anos. E eu não tive coragem de fazer isso, porque o meu pai era muito agarrado a minha mãe. E nessa de 94 eu joguei a temporada deles e voltei para nunca mais. Foi uma época muito dolorosa para gente, porque a minha mãe era o esteio de casa, a administradora de casa, que olhava e via o que estava acontecendo ali. E eu não tive coragem de ir mais, porque eu vi que meu pai sentiu muito, foram 25 anos de casados, 30 anos juntos. E sentiu muito, todo mundo sentiu muito. Eu decidi voltar, continuei a jogar na região, tive proposta para ir para Rio Preto jogar pelo América, também. Mas eu não tive coragem. Eu optei, ou jogar futebol, ou estudar. E aí, a melhor possibilidade, oportunidade, futuramente, era estudar. Foi quando eu comecei a fazer o Segundo Grau, na época, e decidi qual profissão eu queria. P - E como foi essa escolha? R - Meu pai, nessa profissão da Engenharia, eu tinha muito contato com as coisas de ver construção, prédio e eu sempre gostei de Esportes. E estava no Jornalismo, que eu iria para o Jornalismo Esportivo, ou Arquitetura. E eu sempre fui apaixonado por Arquitetura. Eu viajava, via os prédios e desenhava. Via essas construções de hoje, culturais, ficava impressionado. Uma vez eu fui para Curitiba com o meu pai e vi o Jardim Botânico, a Rua 24 horas, aqueles pontos turísticos, e fiquei apaixonado pela arquitetura. Fui assistir a um documentário do Niemeyer e decidi começar Arquitetura. E quando eu comecei a fazer, me decepcionei, aqui em Campo Grande. Porque aqui, uma capital de 500 mil habitantes, eram muitos profissionais com panelas. Então, o que vinha de fora, um agarrava. E, se você não entrava nessa panela, você estava fora. Eu fiz um ano de Arquitetura, louco por estágio, por alguma coisa, e vi que a panela estava formada. E era claro. Os professores falavam para você: “Se você não pegar a panela X, a panela Y, você está fora”. E eu me decepcionei. Falei: “Cara, para que panela? Se eu estou me formando para exercer uma atividade como Arquitetura, você pode exercer sozinho. Você ter um registro de arquiteto, você pode exercer. Por que não?”. E aí eu me decepcionei e tranquei a faculdade. E tinha essa segunda opção, que era o Jornalismo. No primeiro mês de Jornalismo eu me apaixonei. Eu fiquei encantado com Jornalismo, não sei se eram os meus professores. Hoje, os meus professores da faculdade são os meus melhores amigos. Estou na Ecoa por causa de um professor meu. P - Qual o nome dele? R - Marcos Morandi. Também pode ser pela competência porque você não está em um lugar, politicamente, porque você é amigo daquele. Você continua, eu estou há três anos na Ecoa, o Morandi nunca pisou aqui. Ele tem uma amizade, um vínculo aqui, mas não é isso que segura. É a competência da pessoa, também. Eu me apaixonei pelo Jornalismo, por essa coisa de descobrir as coisas, viajar, você descobrir uma pessoa por dia. Eu sou louco por isso, por viajar, por ver gente. Sou louco, sabe, para articular. E o Jornalismo dá essa oportunidade. E te dá várias oportunidades. Eu acho, assim, Direito tem muito isso. Ele dá oportunidade para você, vários concurso. Dá uma base da vida muito bacana, questão de leis, tudo. Acho que Direito é essencial para vida da gente também. Mas o Jornalismo é apaixonante. O trabalho que vocês fazem, tenho certeza que é com gosto. P - Mas fazendo Jornalismo você chegou a ter um primeiro trabalho, ou não? R - Tive um primeiro trabalho, um estágio que eu fiz, na época TV Educativa, no governo passado, onde foi aquilo que me deu uma injeção de ânimo, de estar com a rádio ao vivo, um programa com a banda ao vivo. De receber ligações de Campo Grande e região, falar para tocar aquilo, que era um programa chamado Garage. Você ficava no estúdio fechado e uma banda com acústico. Muito bacana. Isso foi a primeira injeção que deu sobre Jornalismo comigo também e dessas pessoas que eu estava acontecendo. Eu estagiei muito pouco, pouco mesmo. Porque eu tinha que trabalhar. Eu tentei dois anos a Universidade Federal aqui, não consegui e eu entrei nessa Universidade, que é a Uniderp [Universidade para o Desenvolvimento do Estado e da Região do Pantanal]. Para mim, as coisas acontecem quando é para acontecer mesmo. Para mim foi o melhor lugar do mundo para eu estudar, eles me deram uma base de vida, uma base profissional que a Universidade Federal não iria me dar. P - Você falou que tinha que trabalhar. Em quê? R - Eu trabalhei nos meus quatro anos. Eu trabalhava de manhã em um escritório de advocacia, na parte administrativa. Eu trabalhei de manhã, estagiava à tarde e estudava à noite. E, às vezes, estagiava à noite, conversava com o professor, tudo. Mas o meu melhor estágio que eu tive foi em um projeto cultural que a gente fez junto com a Petrobrás, foi bem bacana. O estágio que a gente ficava chamava-se “Cinema BR em movimento”, que você tinha contato com todos os filmes nacionais e replicava aquilo. Você levava para as universidades, comunidades, escolas. Foi daí que eu comecei a trabalhar essa coisa comunitária. Foi a primeira experiência que me trouxe para dentro da Ecoa. Você articula. Eles te dão o DVD, aí você vai articular com a Universidade para ter um data-show, uma sala e um aparelho de DVD para passar. Articular com a Universidade X, isso você. Para poder ter um grupo de estudantes. Você tinha que ganhar o coordenador para falar que aquele filme era bacana porque tratava de um universo muito legal para o acadêmico de Letras, de Direito, de Jornalismo, de História. Depois do Esporte foi quando eu comecei a ter noção do mercado de trabalho e se virar. P - Mas como apareceu a Ecoa na história? R - Eu fiz meu último ano, fiz minha monografia, trabalhava nesse escritório, estagiava nesse projeto. Eu estava para me formar, aquela coisa de acadêmico falar: “E agora, o que eu vou fazer?”. Um professor meu, o Marcos Morandi, chegou para mim. Eu deixei a minha namorada em casa, na casa dela. Eu nunca vou esquecer isso, estou falando como se estivesse acontecendo agora. Ele me ligou, ele nunca me ligava no celular: “Jean, e aí? Como estão as coisas?”. Eu: “Ô Professor, tudo bem. Como estão as coisas?”. Eu já estava no período de monografia, só ir à faculdade para apresentar. Ele falou: “Jean, você está trabalhando onde?” “Ah, estou trabalhando naquele escritório, estou deixando o estágio porque quando eu me formar eu deixo. Estou numa coisa meio nebulosa”. Ele falou: “Então, vem aqui que eu quero conversar com você. Você sabe a Ecoa?” “Sei, uma organização totalmente respeitava no Estado, na área ambiental”. P - O que significa? R - Ecologia e Ação. E falou: “Então, como você foi um dos acadêmicos que mais se interessou na área de Jornalismo Ambiental, o Presidente da Ecoa, o Alessandro Menezes me ligou falando que estava precisando de uma pessoa para trabalhar na área de Jornalismo e Articulação, num projeto deles. Será que você tem como vir aqui?”. Da casa da minha namorada eu fui bater lá na faculdade. Cheguei lá, ele me explicou: “Olha, é assim, assim. Eu posso te indicar?”. Eu falei: “Pelo amor de Deus”. Ele ligou para o Alessandro na hora e falou: “Olha, estou com o Jean, é um cara que, do curso mesmo, quem eu posso indicar é ele. Ele tem uma experiência, já teve desde futebol até umas viagens doidas e uns projetos com umas comunidades. Então, vou indicar ele para fazer uma entrevista com você”. No outro dia, às oito horas, eu estava aqui na Ecoa. Fui na sala dele, essa sala de cima, o Alessandro me recebeu. A gente conversou, eu falei da minha experiência, tudo. A primeira entrevista que eu tive com ele foi muito boa. Muito boa por quê? O Alessandro é um cara muito articulado. Ele tem a mesma idade que eu, 30 anos. Mas ele tem uma história, uma experiência de vida de um cara de 60, 70 anos. Eu fiquei impressionado isso, dele. E o que a gente começou a conversar? Do projeto. “Ah, você trabalhou com projeto? Eu tenho uma amiga que trabalhou com projeto”. Ele, pau. Ligou para amiga dele: “Ô Regiane, tudo bem? Eu estou aqui com o Jean” “Ah, o Jean O Jean é muito bacana, o Jean isso, o trabalho dele é muito legal, tal”. Na minha frente. Ele pá, anotava. Ele: “E você se formou onde, tal” “Eu me formei com o Professor Morandi, com o Alexandre Maciel, o Cristiano que foi meu orientador, tudo”. E, quem você conheceu? “Ah, o Eduardo, que estudou comigo, um grande amigo meu” “Ah, o Eduardo, o Eduardo é amigo seu?” Pau. “E aí, Eduardo, tudo bem? Como é que estão as coisas? Tudo bom? Então, eu estou com o Jean aqui, o cara está querendo entrar, estamos fazendo umas experiências” “O Jean? Ah, o Goiano. O Goiano é show, conheço ele desde quando entrou na faculdade e tal”. Pau, desligou. Isso, na entrevista. E foi ligando. Ele falou: “Por mim, a gente tem que fazer outras entrevistas, mas tem a Diretora de Projetos da Ecoa, que você vai trabalhar diretamente, que está chegando de uma viagem”. Nessa época acho que ela estava no México em um evento das águas lá, e tinha que esperar. Isso era uma terça-feira. Ele falou: “Mas faz o seguinte”. Ela ia chegar na quinta, ele iria conversar com a Rafaela, que é Diretora hoje também, para gente fazer uma entrevista com ela também. E essa Rafaela chegou na quinta e não me ligou. E na sexta não me ligou. Na sexta à tarde eu não dei conta, liguei para o Alessandro e falei: “Bicho, o seguinte. Eu estou agoniado, vamos ver isso logo, ou é, ou não é. Não estou querendo te pressionar, mas estou com vontade, cara. Estou com gana, não quero esperar se daqui um mês: ‘ah, você não veio procurar’. Eu procuro mesmo, não espero as coisas, não”. Ele falou: “Faz o seguinte, liga para ela”. Eu, putz. Ligar para mulher. Liguei. Ela falou: “Ó Jean, eu estou ocupadíssima, não tem como te atender agora, mas o Alessandro já me passou as coisas. Você pode ir segunda de manhã?” Segunda eu estava aqui. Aí conversamos, conversamos. E foi a mesma conversa que eu tive: “Você entende Pantanal, você entende isso, tem qual língua”. Eu não tenho facilidade com inglês e falei para ela: “Eu não tenho facilidade”. Eu nunca maquiei minhas coisas não, se eu entendo, eu entendo. Se eu não entendo, eu falo, nem pergunta, nem começa a falar comigo. E joguei às claras com ela e ela: “Jean, eu tenho mais três entrevistas para fazer com pessoas daqui. Um é um Doutor da Universidade Federal, outro é um acadêmico de Mestrado é outro é um formando em Biologia. E a Ecoa trabalha diretamente com meio ambiente e precisa dessas pessoas”. Aí eu pensei: “Ferrou” e ele disse: “Mas, eu vou falar o seguinte, do jeito que eu conversei com você, essas pessoas estão descartadas. Você já está contratado”. E aí, cara, foi um alívio para mim. Alívio, isso era a uma semana da minha formatura, estar contratado por uma organização do porte da Ecoa que trabalha no Estado. P - Em que ano foi isso, mesmo? R - Começo de 2006. Para mim foi fantástico. P - E você já conhecia a Ecoa antes de ingressar? R - Já, eu já tinha feito umas matérias para Ecoa, já. A Ecoa tem umas campanhas bem bacanas. Queimada mata é uma campanha muito legal aqui no Estado. Tem a campanha que a Ecoa ficou conhecida nacionalmente, talvez mundialmente, que é a: “Diga não às usinas de álcool”, que foi a questão do Francelmo. P - Você pode contar rapidinho esse episódio? R - De 2005 para 2006, o Governo do Estado entrou com o Governo Zeca, muito bom deixar isso, Zeca do PT, que ele... Eu tinha uma coisa muito ruim com o PT, mas a partir desse governo do Lula, que eu tinha barreiras também, eu comecei a mudar minha concepção. Eu tive problemas com o Governo passado, mas não com o Governo Federal. Com ele, a coisa ruim que eu tinha, eu estou tirando o chapéu, que ele está dando muita oportunidade para muita gente que não tinha antes. Essa coisa que os governos anteriores não deram. E o Governo Zeca começou a dar oportunidade para grandes usinas de álcool no Pantanal. O Zeca, na época, fez várias políticas complicadas no Estado. Uma era contra a pesca, ele queria ter a moratória da pesca por quatro anos no Estado. P - Que ano foi, mais ou menos? R - 2005 para 2006. Ele quis fazer a moratória 2006, 2007, 2008, 2009, quatro anos sem pesca no Estado onde a população tradicional pesqueira é muito grande. Imagine, por quatro anos, que esses ribeirinhos parassem de pescar, pesca de subsistência, que eles pegam para comer. Parassem de comercializar. Imagina vocês pararem por quatro anos o trabalho de vocês, falar assim: “Vocês vão trabalhar agora como Administradores de Empresas e, daqui quatro anos vocês retomam a mesma... Não retomam. Se eu parar quatro anos, por exemplo, na época de jogar futebol, voltava um lixo. Se eu parar quatro anos de escrever, tirar foto, articular, eu volto um nada. Imagina um pescador parar quatro anos. Não é só por isso não, é pela renda deles. Aí, começa aquela coisa de assistencialismo: “Ah, dá uma bolsa para o cara, para família. Dá uma cesta básica”. Isso foi uma das coisas que o governo do Zeca complicou no Estado. Mas não teve a moratória, a política nossa foi mais forte que a deles. E teve essa das usinas de álcool no Pantanal. A plantação de álcool aqui no Mato Grosso do Sul está crescendo muito, na região de Dourados. Onde grãos e plantação de cana é absurda. Daqui a Dourados você viaja, mais ou menos, três horas. Você passa duas horas por plantação de cana-de-açúcar. Você passa por duas horas por plantação de milho e uma hora e meia por plantação de soja. Então, não tem mais Cerrado, eles acabaram com o Cerrado. Beleza, eles estão acabando com o Cerrado. Vão querer acabar com o Pantanal, também? Não é possível. E o que aconteceu. Ele pegou um Deputado Estadual para tomar a frente disso, um cara que não sabia nem o nome dele direito. P - Você pode falar o nome? R - Dagoberto Nogueira. E colocou ele como fantoche e falou assim: “Vai. A gente vai investir duzentos mil por mês para você, para fazer uma campanha, para você pagar estudiosos e a gente implantar a cana-de-açúcar no Pantanal”. Mas eles tiveram uma política tão incompetente que não escolheram o cara certo. Estou falando limpo aqui, que é para não ter isso. O cara não usou o dinheiro certo e muito menos fez o trabalho certo. Isso foi uma grande sorte para esse processo. Porque, se ele pegasse um cara competente, inteligente, articulador, a gente estava ferrado. Porque investir duzentos, duzentos e cinqüenta mil em um mês, em um estudo só para isso, é muita grana. O cara contrata hoje um pesquisador de nome na USP [Universidade de São Paulo], na Unicamp, e faz um estudo na região que acaba com a região. “Não vai ter impacto”. Estudo de zoneamento, hoje, é estudo para quem quer aquilo. Não existe um estudo, tipo, eu vou pagar para você fazer um estudo para mim, te dou X mil, para você fazer um estudo para mim, para eu fazer plantação. Você não vai falar: “Não pode fazer plantação”. Hoje, os estudos são pagos para aquilo que ele quer fazer. Ele pagou para um cara incompetente para fazer um estudo terrível sobre a plantação de cana. Isso, eu não estava na Ecoa, eu estava nesse processo de universidade para vida profissional, mesmo. E foi na época que foi, acho que, eu tenho certeza que foi um dos processos mais suados que a Ecoa teve até hoje, foi essa plantação de cana no Pantanal. Porque teve uns estudos que não foram bons, mas a política estava muito forte no estado. A Amazônia foi esquecida, o Cerrado foi esquecido, Pampa foi esquecido, Caatinga nem se fala. Porque Caatinga, eu fui a um Seminário de Socio-Bio-Diversidade esses dias, deu vontade de pegar o pessoal da Caatinga e botar dentro do Pantanal para trabalhar porque, desses biomas, eu acho que o mais prejudicado é a Caatinga. Então, tudo estava em cima do Mato Grosso do Sul, o Brasil estava em cima do Mato Grosso do Sul, na época. O investimento estava aqui. E o pior, no Pantanal. Tem alguns estudos aí, que estão rolando pelo PAC [Programa de Aceleração do Crescimento], do Governo, que é o único ponto negativo que a gente coloca no Governo Lula mesmo, mas tudo estava em cima do Pantanal na época. Eu acompanhei isso na faculdade, tive o prazer de acompanhar e deu uma base de conhecer qual é o sentido político no Estado, qual o sentido de empoderamento, de ganhar em cima daquilo, de poder, tudo, financeiro. E eu vi que Mato Grosso estava sofrendo muito nisso. E a Ecoa, na época, trabalhou muito contra isso. Fizeram uma campanha que é: “Diga não às usinas de álcool no Pantanal”, que foi uma das melhores campanhas que eu já vi, de organizações ambientais, fora essa que está tendo na Amazônia agora, que está junto com a Globo. Mas, para mim, foi a melhor campanha e foi onde a Ecoa ganhou um selo de qualidade, aquela coisa de ISO, né? Que peitou tudo e todos. Na época, teve um problema que foi isso. Decretou essa barreira das usinas, eu estava fazendo a cobertura na faculdade, na época. Nesse dia, teve uma manifestação numa rua, na Barão do Rio Grande, que é um lugar onde soa cultura aqui. P - É no centro da cidade? R - É, no centro, muito próximo daqui. A manifestação cultural é lá, você pode ir sábado de manhã que algo está acontecendo. E aí, teve uma manifestação da Ecoa, que foi juntar os ambientalistas, ir para lá, porque na semana seguinte, não me lembro o dia, que ia ser votada a implantação das usinas no Pantanal. E estava com uma porcentagem, não posso falar se é oitenta, noventa por cento, mas muito forte para implantação. Muito mesmo. E só estava a Ecoa caminhando nesse sentido contra. Nesse dia tinha um churrasco da nossa turma, de comemoração de final do ano, aquelas coisas de juntar a turma, e o pessoal: “Vai ter um manifesto lá, acho bacana você cobrir”. E fui para lá, antes do churrasco. E foi onde caiu a ficha. O movimento ambiental não é fácil, você luta com um em dez bilhões, os dez bilhões, eu digo, o poder no Brasil. E quando a gente estava nessa rua, estava perto do Alessandro, presidente da Ecoa, anotando algumas coisas, tirando foto. E ali o Francelmo, conhecia pouco o Francelmo, tinha contato apenas um ou duas vezes de encontrar, mas era uma pessoa fantástica... P - Ele pertencia à Ecoa? R - Um militante, ele era um membro da Ecoa desde, acho, a criação. Esse ana a Ecoa completa 20 anos. E fazia um tempo que ele era militante da Ecoa. Isso foi em novembro de 2005. E a gente estava nessa coisa de distribuir panfletos, adesivos, os meninos com fone, aquele auê. Eu estava conversando com o Alessandro, com o Alisson, que era um amigo meu, jornalista daqui, um pessoal que eu tinha esse contato. E eu conversei com o Francelmo, ele saiu da roda que a gente estava e falou para os meninos, amigos dele: “Olha, vou pegar mais algum material na kombi”. Ele tinha uma kombi, que dava suporte para isso. Tinha um carro e ele tinha uma kombi que dava suporte para essas campanhas. A gente viu ele subindo e aí, a gente combinou de atravessar a rua, a 14 de Julho para começar o manifesto. A gente estava naquela de se organizar ainda. Quando a gente olha para trás, uma correria imensa. Eu achei que fosse briga, assalto, achei que fosse tudo, tudo, mas o Francelmo tinha ateado fogo. Ele foi na kombi, pegou um galão de cinco litros de produtos químicos, jogou e, quando jogou, atirou fogo. O pessoal que estava perto dele falou que a chama foi quase na altura de um prédio. Que ele fez mesmo para decretar aquilo. E foi uma coisa que eu nunca tinha passado na minha vida. A coisa da minha mãe foi muito forte, eu não esperava dela, mas são experiências de vida, momentos de vida que você passa e é muito complicado. Para vocês verem, um dia antes da minha mãe falecer, ela sentou na cama. Eu tinha tido alguma coisa que eu chateei no futebol, na equipe. E ela falou: “Meu filho, você tem que aprender a lidar com tudo. Com tudo. Na sua vida profissional, na sua vida pessoal, você tem que aprender a lidar com tudo”. Um dia antes dela falecer. E aí, veio o filme. Aquele negócio do Francelmo, um negócio... Eu não posso falar que era ele, porque eu não o conhecia muito bem. Mas a situação que a gente estava passando. Foi um transtorno, os meninos daqui, que tinham contato direto com ele, ficaram apavorados. Bombeiro veio, tentou acabar aquilo. Não sei o que ele misturou, se era gasolina, querosene... Ele fez tanta mistura que ele falou que era para decretar. Ele tinha mulher, filhos... P - Mas ele já foi premeditado para fazer isso? Não entendi bem. R - Ele foi. Ele foi para decretar aquilo, para causar e ficar, “a morte dele antes da morte do Pantanal”. Ele decretou, uma coisa dele, tirou a vida própria vida para não tirar a vida do Pantanal. P - E ele não deu sinal para ninguém que ele ia fazer? R - Nada. P - Nem esposa, ninguém nem imaginava? R - Nada. P - E a repercussão dessa morte, como é que foi? R - Mundial. Eu vou em congressos e eventos. P - Que ano foi? R - No ano de 2005. Eu não sou conhecido ainda, eu estou há três anos trabalhando na área Ambiental, você está começando a pegar tudo. O Alcides que é o Diretor Executivo está há 30 anos trabalhando. Eu estou sendo reconhecido agora, o primeiro trabalho de reconhecimento foi o prêmio do Banco do Brasil, que para mim, desses três anos, está sendo o auge disso. Mas, onde eu falo que é da Ecoa, o pessoal fala do Francelmo. P - E quanto às usinas, depois disso? R - Decretou, não saiu a usina. Os deputados votaram contra, ambientalistas que estavam do lado dele, “ambientalistas”, votaram contra. E arquivou. P - E ficou um marco, um símbolo, aqui na região? Tem algo que lembre esse momento? R - Ficou. Marco que você diz, estrutural? P - É, alguma coisa que lembre o Francelmo? R - A gente lembra do Francelmo sempre. P - O ato em si. Isso. R - A gente lembra. Mas no local onde aconteceu isso, a gente, amigos, a Ecoa, fizeram um monumento, com uma placa com uma mensagem para o Francelmo. Muito bonito. Mas uma coisa que você vê que marca com coisa triste, não é uma coisa boa. P - Sim, mas o simbólico foi a luta pela preservação. Isso ficou. R - Isso está arquivado. Mas dizem os burburinhos aí que volta. Agora esse governo novo, governo André Puccinelli, está com um... Você vê que ele dá uma espetada aqui, conhece ali, tal. E a gente acha que ele está querendo voltar com alguma coisa. É um cara que trás aquela coisa do tratorzão, ele quer fazer de tudo para que arrecade no Estado. E isso é uma arrecadação muito forte. A gente está trabalhando com isso. Outro problema que a gente tem no Pantanal, e vocês vão ver claro amanhã. Chegando em Corumbá, presta atenção nisso: vocês vão passar por uma ponte, que é a ponte do Rio Paraguai, ponte linda. Vocês têm que parar e filmar alguma coisa lá, uma das pontes mais bonitas feitas no Centro-Oeste, não conheço outra. Vocês passando a ponte do Rio Paraguai, vocês vão andar mais uns 20 minutos e começam as morrarias. Antes de Corumbá. E essas morrarias, já estão todas submetidas a grandes mineradores. P - O que é uma morraria? R - Morraria é montanha. Montanha de minério, onde o beneficiamento do Estado é muito forte. Rio Tinto está instalado ali, grupo Vale do Rio Doce está instalado ali, EBX MMX, as maiores mineradores, hoje, do Brasil, que trabalham com ferro gusa. E estão todas instaladas ali. Então, eu quis pegar esse processo do Governo do Estado para vocês entenderem um pouco, que vocês não vão ver cana-de-açúcar, não vão ver plantação no Pantanal. Mas vocês ver o que está acontecendo na região de Corumbá, uma das primeiras coisas complicadas da região, são as mineradoras instaladas lá. Mas aí tem aquela coisa do contra-peso. Eles estão retirando muito, muito minério, muito ferro gusa e vendendo para Europa, para outros países, Arábia... E estão acabando com as morrarias. Esses minérios são lavados com a água do Rio Paraguai, toda aquela água, aquele barrento, está indo para dentro do Rio Paraguai... Os índices de mortalidade de peixe estão aumentando, cada ano que passa a gente vê que os peixes estão diminuindo na região, não são pescadores. Porque pescador, pegar dois peixes e uma água barrenta matar, vamos pôr aí, 100 quilos de peixe, é diferença. Então, o problema não é aí, o buraco é mais embaixo na região. Prestem atenção que vocês vão chegar em Corumbá e vão ver muito isso. E o processo está muito complicado porque o Governo do Estado doou essas áreas para as grandes mineradoras. A EBX, do Eike Batista, chegou para o Governo aqui e falou: “Olha, é o seguinte: A gente vai arrecadar tantos milhões mensais para vocês. Dá empregos diretos e indiretos. Vamos fazer um desenvolvimento sustentável na região. E aí?”. Não, com as contas X, X, X? Porque a EBX só faz X. EBX, MMX, KLX, é tudo com X, para multiplicar. Não sei se vocês sabem dessa história? P/1 e P - Não. R - O último X, é para multiplicar o ganho que ele está investindo no local. Por exemplo, vocês ficaram sabendo quando eles foram expulsos da Bolívia? Teve aquele problema e eles foram expulsos porque estava acabando com a região. Aí, o Governador, solícito, doou essa área para eles. P - Eles são da onde? R - Rio de Janeiro. P - Mas é nacional? R - É. Eles são do Rio de Janeiro, Minas. Eles são uma família de turco se não me engano, são pessoas que ganham e querem dobrar isso. E o Governo do Estado doou essa área. E dentro dessa área tem comunidades tradicionais. Então, é o seguinte: “Vocês ficam com tantos hectares e fazem o que quiserem”. P - Eu queria aproveitar e falar um pouco disso agora. Você falou de comunidades. Voltando quando você entrou na Ecoa. Como é que começou a ser o seu trabalho, porque você não ficou só como Assessor aqui, você começou a ir também para as comunidades. Conta isso. R - Esse trabalho com as comunidades. A Ecoa tem um programa que se chama “Natureza e Pobreza”, é um programa respeitadíssimo, a gente está na segunda fase dele e já tivemos bons resultados na região. O que a gente faz com as comunidades? A gente chega nas comunidades, diagnostica tudo o que está acontecendo na região, vê os conflitos, as dificuldades, os problemas, tudo o que está acontecendo. E o que a gente faz? Começa a mediar um conflito dentro da comunidade, um conflito regional. Pescador tem muito conflito com fazendeiro aqui. O Pantanal, como eu estava explicando a vocês, é uma planície, o rio é uma parte, quando ela enche, vai para dentro da fazenda, e o pescador tem problema com o fazendeiro e vice-versa. O fazendeiro fala que está acabando com a fazenda dele, e tal. Então, a gente chega nessas comunidades tentando mediar os conflitos locais, internos. “Quais os problemas de vocês?” “Ah, isso, isso”. A gente não resolve todos os problemas. Na minha família tem problema, a família de vocês têm problemas, imagina uma comunidade dentro do Pantanal, que é coisa tradicional, de anos. E a gente tenta resolver, diagnostica tudo o que está acontecendo e começa a formar uma organização dentro deles e pontuar: “Olha, vocês organizados, informados e imponderados, vocês podem ir em frente ao município, órgão municipal. Vocês estão com problema de quê?” “Saúde, escola, casa, moradia, luz, tudo”. Pontua. “Então, vocês organizados, podem fazer o quê? Ir de frente da prefeitura do seu município e reivindicar”. Agora, o Jean e a Ecoa não podem ir lá e sentar com o Prefeito: “Eles estão precisando...”. O que pesa mais é eles estarem organizados e solicitarem isso. Então, faz esse trabalho organizacional, media alguns conflitos. Alguns conflitos. Há comunidades que a gente trabalha há oito anos que ainda têm conflito. Mas são conflitos internos, entre comadre e compadre, pescador e pescadora, coisa que você não pode entrar muito. Eu não posso mediar um conflito que um pescador teve problema com a filha do cara. Essas coisas a gente não pode entrar, são detalhes. Mas alguns conflitos a gente tem que mediar, tem que ponderar eles. E a comunidade do Porto da Manga, que fica na Estrada Parque Pantanal, essa estrada hoje é a maior área de interesse de turismo do Mato Grosso do Sul, onde é fácil acesso. Vocês vão passar em frente à Estrada Parque amanhã e se vocês não entrarem, vão ficar arrependidos, porque é a área mais bonita que eu vi até hoje. É onde você desce do carro para espantar a capivara para o carro passar, onde você para do lado de uma lagoa onde tem 30, 300, 400 aves no meio de uma baía. Para mim é uma das regiões mais bonitas do Pantanal. E a Comunidade do Porto da Manga fica na Estrada Parque, ela fica no meio. A Estrada Parque é 120 quilômetros até Corumbá, ela fica no quilômetro 60, fica a 60 quilômetros da BR e a 60 de Corumbá. Foi a comunidade-chave para gente trabalhar: uma comunidade tradicional e que está próxima ao município, onde tem fácil acesso. Não adianta trabalhar com uma comunidade que fica a 15 horas da cidade. A gente está começando a trabalhar com comunidade assim, mas é muito complicado. Você transportar, dar essa logística para eles, é [fogo]. E essa comunidade do Porto da Manga foi chave porque começamos a organizar eles. A organizar, empoderar, informar, pesquisa em cima dos peixes da região. E aí, mostrar aquilo. Porque muita gente vai lá, pesquisa, pesquisa e ó, cai fora. Pesquisa monografia, TCC [ trabalho de conclusão de curso], Mestrado, Doutorado e nunca dá o retorno para ele. Essas comunidades tradicionais são muito calejadas para isso, não sei se vocês estão entendendo o que estou falando. E começamos a mostrar resultados para eles. Gente, foi formada uma Associação em 2005, na comunidade. Trabalhamos. P - Dos moradores? R - Associação dos Moradores da Comunidade Porto da Manga. Isso foi em Ata em 2005, mas o pessoal que estava antes de mim na Ecoa, começou a trabalhar no que vai melhorar a qualidade de vida. A comunidade do Porto da Manga vive especificamente da pesca, são pescadores, piloteiros, guias-turísticos, tudo o que envolve a pesca na região. E a maioria deles são isqueiros. O isqueiro, hoje, é conhecido como uma das boas rendas que o Pantanal tem da pesca. São os coletores de isca viva. Hoje, para você pescar, você trabalha com isca artificial ou isca viva. E o isqueiro, foi onde a gente abraçou para trabalhar com eles. P - Foi aí que nasceu o Projeto para concorrer ao prêmio. R - Foi onde nasceu o projeto que concorreu ao prêmio. O primeiro projeto foi trabalhado com a Ecoa e a Universidade Federal do Mato Grosso do Sul, universidade fantástica para você trabalhar em parceria. Em tudo. Saúde, pesquisa, Educação Ambiental, tudo. E a gente começou a trabalhar com esse projeto em meados de 2000, 2001, fazendo diagnósticos. Foi onde nasceu esse projeto e o programa “Natureza e Pobreza”. O primeiro resultado que a gente teve, com os isqueiros, que foi o start do nosso trabalho, foi com os isqueiros que a gente pegou... Todos os isqueiros coletam as iscas, a maioria, 90por cento, no período da noite. É um período complicado. P - O que são as iscas? R - Iscas vivas. P - O que é geralmente? R - São peixinhos menores. P - De que tipo? R - Tuvira, que é um peixe desse tamanho aqui, caranguejo, que vocês devem conhecer. Cascudinho. São peixes menores, que servem para os peixes nobres do Pantanal. P - Mas também tem que selecionar para não acabar esses bichinhos, né? R - É, o manejo que a gente fala. Esse é outro trabalho que a gente vem fazendo com eles. E essas iscas são essenciais para o Pantanal, mas tem locais que se você coletar nessa baía, vai acabar. Você está depredando o meio ambiente. Mas não, daqui dois meses a baía seca. Então, ou você pega, ou elas morrem. Mas tem o período que a gente trabalha o manejo certo, nos rios... P - Qual é o período? R - O período de coleta das iscas é de março a outubro. Fica novembro, janeiro e fevereiro sem coletar, que é a fase de reprodução e o início das chuvas para elas se espalharem. O pantaneiro adora a chuva porque o peixe espalha. Você fala: “Putz, mas fica mais difícil de coletar”. Fica mais difícil, mas eles se reproduzem assim. E, voltando um pouco, o primeiro resultado que a gente teve, foi que 70por cento desses coletores de iscas estavam tendo problemas de saúde. Problemas de picada de arraia. Você entrevistava dez isqueiros, seis já tinham sido picados de arraia. Gente, vocês não sabem o que é picada de arraia, eu não sei o que é picada de arraia, mas eu vi uma pessoa ser picada de arraia. A pessoa chora, faz o que tem que fazer, não dorme. É assim... A mulher que é picada de arraia fala que dor de parto é cólica. Picada de arraia é a dor do pantaneiro. Teve caso de gente que foi picado de arraia e pegou faca para se matar. P - É uma mordidona? R - A arraia é desse tamanho, e ela tem um rabo. A arraia marinha, a da água doce, é a mesma coisa. E quando você vai andando nos lagos, nas baías, se você pisa na arraia, ela faz assim. E ela pega o ferrão, o ferrão é tipo uma faca com garras ao contrário. Ela enfia e para sair ela vai deixando o veneno. Ela não deixa o ferrão dela, mas vai deixando o veneno. E o veneno é coisa de 20 minutos. P - E o que acontece? P - O que você faz para reverter o processo? P - A pessoa morre com isso? R - Não, não morre. O pessoal diz: “Se morresse a gente estava feliz”. P - Qual é a conseqüência? R - A dor é insuportável. Para mulher falar que dor de parto é cólica. Mas, assim, a arraia... O pantaneiro não tem medo de onça, de chuva, não tem. Pantaneiro tem medo de Boca de Sapo, que é uma cobra muito venenosa da região, e de arraia. Porque a arraia você não vê, a cobra, pelo menos, você está vendo. E essa arraia, de dez entrevistados, seis já tinham sido picado. P - E dura muito a dor e depois passa, e não tem nada que se possa fazer? R - Muito falam, os mais tradicionais, as curandeiras, benzedeiras, tudo, falam que você tem que pegar um pau, essas lenhas, por fogo na lenha e, com ela, com fogo, pôr em cima da picada. Aí, queima a perna, queima o osso, queima tudo, mas é o único jeito de aliviar, não passa. E a dor é insuportável. Uma vez eu estava pescando com o meu pai e eu vi um piloteiro ser picado de arraia. O meu pai colocou esse cara num carro para levar para o hospital mais perto, mas para ir para o hospital, porque não tem nada científico para te aliviar a dor. Falam que é de oito a dez horas de dor. Agora, imagina. Então, a gente começou a diagnosticar isso. Arraia, o espinho, cobra. P - Você falou o outro animal que as pessoas têm medo... R - Boca de Sapo é uma cobra da região, se não me engano só tem na região, no Pantanal Matogrossense e Sul-Matogrossense aqui, que é uma cobra que você não dá nada para ela. Ela é desse tamanho. P - De que cor ela é? R - Parecida com a cascavel. Você não dá nada para ela, mas a picada dela mata em 60 minutos, se você não é atendido. Agora, imagina, uma comunidade que fica a sessenta quilômetros da cidade mais próxima. Até essa pessoa... porque ela não tem carro, não tem barco, vai precisar de carona. Então, são esses dois temores que o pantaneiro tem. E a gente começou a estudar isso. Olha, para coletar isca, os isqueiros usam bermuda e chinelo havaiana. E você fica até o peito com água. Tem lugar que você pega água aqui, eles vão em baías, nos lagos, corixos, que são os lagos e os corixos pantaneiros. Aí, eles vão de chinelo para coletar. E tem a planta típica, que é o camalote, o aguapé, chamado em muitas regiões. Você fica submerso e vai pelando, em dupla. Você não vê o que tem, a água barrenta. E a arraia que é cheia daquilo. Eu fui até lá uma vez com o pessoal, eu fiquei com dor de cabeça dois dias que eu fiquei lá. Eu nunca vi onça de perto, não sei como é ver, mas eu morro de medo de cobra, pode ser cipó, que eu tenho medo. E eu atraio o raio da cobra. Pensa no cara que atrai a cobra, sou eu. É eu chegar e a cobra vem. E eu via a cobra em cima daquela tela, me dava uma coisa, impressionante. E esse povo lá. E oitenta por cento dos catadores de iscas são mulheres. As mulheres do Pantanal que é o que reina. A cultura pantaneira é muito forte. E a gente começou a diagnosticar onde que pode amenizar essa coisa deles. E isso eu estou falando do primeiro resultado que a Ecoa teve dentro desses projetos. E foi desenvolvido. A gente procurou alguns amigos antes, fui eu quem fiz esse trabalho, eu peguei quando o macacão chegou. O macacão impermeável que vem até o peito, vocês devem ter visto alguma fotos. É uma bota de açougueiro, e é grudado, do macacão até aqui. Então, você vai, pesca por cinco horas e não molha uma gota. Você pisa em arraia, tem nada, nada. Isso foi aprovação 100por cento de todo mundo. P - Mas vocês trabalharam em parceria com alguém para o desenvolvimento desse macacão? R - Já existia. Nas regiões européias muito frias, eles usam para a pesca, que o pessoal vai pescar no meio dos lagos e ficam pescando. A gente viu, achou na internet tudo e o único fabricante na região do Paraná que fabrica isso lá. A gente entrou em contato com eles, que desenvolveram vários pilotos até chegar a um macacão que dura cinco anos. Eles podem pescar diariamente, é sensacional. P - Já estão usando então? R - Já. A gente tem até o macacão ali, depois eu mostro para vocês. P - E o que eles acharam? Como é que foi? R - E das quatro comunidades, duas a gente conseguiu projeto para todos terem macacão. Todos. Você fala até hoje. A gente teve alguns resultados bons: macacão, energia, melhoria de renda, tal. Mas o macacão que é chave. P - Eles acharam legal? R - Acharam excelente. A questão de doença acabou, aquela doença de pele, picada de arraia... Há seis anos não existe picada de arraia com os pescadores de isca. Faz seis anos que eles podem pescar diariamente. Há seis anos não existe picada de cobra. Cobra existe, mas não na pesca da isca deles. P - Queria então que você falasse do projeto. O projeto que concorreu ao prêmio, ele contemplava essa experiência, esses resultados? Como é que foi? R - O projeto foi muito bacana porque o pessoal do Banco do Brasil é excepcional aqui no Estado para gente. A gente nunca recebeu financiamento do Banco do Brasil, mas eles... P - Fala o nome do projeto. R - “Projeto Iscas Vivas: Transformando as Comunidades do Pantanal”. Eu conheci o Miguel e o Sérgio, que são do Banco do Brasil daqui de Campo Grande. Eles vieram até aqui, a gente teve uma reunião para eles entenderem um pouco do projeto da Ecoa, o que podem ajudar dentro das associações de pescadores, moradores, que eles tinham vontade de ajudar nisso. Eu expliquei, fiz uma apresentação. Ele falou: “Jean, qualquer novidade, sou seu parceiro para ajudar”. A gente trocando e-mail, e um dia e ele falou: “Jean, é a cara de vocês”. Do jeito que você me passou da experiência que a Ecoa tem dentro do Pantanal, esse projeto é para vocês. O cara marcou mandar isso para mim, porque é um cara que está de fora. O negócio é você estar dentro e estar fora. Você visualiza uma coisa dentro, mas não vê a ralação que é esse projeto. Mas você vê que o cara está valorizando seu trabalho e eu achei muito bacana esse e-mail dele. Entrei em contato com ele, falei: “Olha, Miguel, bacana esse e-mail teu”. E ele: “Ó, abriu o Edital, Prêmio ‘Valores do Brasil’, comemoração do Banco do Brasil 200 anos. E esse projeto, Jean, é de vocês”. Aí, fiquei com isso. Comecei. Fui para casa e, comecei a escrever. Isso tudo que eu estou falando para vocês eu escrevi: política de pesca, mediação de conflito, trabalho de organização, articulação, empoderamento, resultado macacão, resultado com energia que eu vou contar para vocês. Tudo. Escrevi, coloquei lá. Mandei para uma amiga minha do Ibama, vocês vão ter o prazer de conhecer ela lá, chama Rosana, pessoa fantástica. Leu, escreveu. Eu, como jornalista, não tenho uma base científica como ela tem, ela é bióloga e disse: “Isso daqui é tal, tal”. E fomos. Terminou, o máximo eram 19 ou 20 folhas e tinha dado 18. Eu falei: “Cara, que agonia, né? Vou preencher isso”. Comecei e deu um estalo de pegar as fotos dos trabalhos, do início, meio e hoje, ver o antes e o depois. Comecei a colocar, botei legenda, e foi no estalo. Fui para casa e comecei a desenvolver isso, mandei para Rosana, a Rosana ficou encantada com aquilo de pôr as fotos dentro, porque muita gente é só texto, vai texto, vai texto. E mandei para o Miguel, que é quem recebe e, como padrinho, chefe do Banco do Brasil aqui, manda para Brasília. Ele ligou no outro dia e: “Jean do céu, como você coloca aquelas fotos?”. Eu falei: “Putz, estraguei o trabalho. Acho que não podia”. Porque em Edital você não fala assim. “Cara, fantástico. Foi o único projeto feito com foto. Isso não é valorizar ou não, mas é saber que o trabalho está sendo feito”. Eu, tendo como base o Jornalismo, eu tiro foto em qualquer roda de conversa que está tendo. Tem esse computador aqui, acho que tem muito mais fotos que texto. “Jean, fantástico. Tenho certeza que isso vai dar bons frutos”. Passou mês, passou mês. Mandei para outro, para o Prêmio Valores, que é da América do Sul toda, não tive resultado. E um dia eu estava aqui, recebi o e-mail falando: “Você foi classificado para segunda etapa nacional e você entre os do Bioma Pantanal”. Eu falei: “Esera aí, o negócio está ficando bom”. E nisso, conversando com o Miguel e o Sérgio aqui, eu disse: “Olha, eu só quero fazer um convite para vocês. Acho que o negócio está esquentando. Se vocês quiserem fazer uma visita e conhecer o nosso trabalho local, a gente vai, eu levo vocês”. Mas não teve agenda para levar eles, para mim, essas coisas de viagem. E deixou. Estava aqui na minha sala, o Alcides me ligou da sala dele, que é o Diretor Executivo da Ecoa e falou: “Sobe na minha sala que a gente precisa conversar com você”. Estava ele e a Vanessa que é a assistente do projeto, assistente da Rafaela que é a Diretora. Eu falei: “Putz, ele nunca fala assim”. Ele falou: “Senta aqui, que a gente isso. Recebi uma notícia, uma coisa muito séria”. E a gente tem notícia toda hora assim, sabe? Entrave, barreira, é o que mais tem. Eu pensei: “Mais um”. Aí, ele chegou e: “Olha, o cara de Brasília ligou e disse que o projeto que você escreveu está entre os três finalistas”. Eu fiquei louco. Bioma Pantanal. Para mim, Amazônia é o foco, não tem jeito. Amazônia que eles falam “pulmão do mundo”, eu não sei se é, eu não tenho a mentalidade de falar isso, mas a Amazônia é o mais importante do mundo, não tem como comparar Pantanal com Amazônia. Mas a gente tem que fazer essa comparação, a gente tem que trazer o que é bom e importante para gente. Mas o Pantanal é fantástico, tem várias organizações boas trabalhando, investindo nesses nossos trabalhos. E eu acho que estar entre os três já é um grande ganho para Ecoa. Porque nesse estudo, nessa banca examinadora tinham doutores da UnB, pessoas fortes ligadas ao Banco do Brasil. A gente não tem ligação com o Banco do Brasil, então, não é uma coisa política, torna uma coisa de valorização, como diz o prêmio mesmo. Isso que me deu uma animada. Porque é [fogo], cara, hoje todo mundo trabalha com indicação, indica aqui, indica ali, não faz isso, tampa para mim. E a gente não tem isso, a gente não tem o rabo preso no Governo Federal, Municipal, principalmente Estadual. A gente não tem, não precisa disso, por isso que a gente batalha muito pelo Pantanal. Então, para mim foi uma vitória muito grande, de saber que esse trabalho nosso está sendo reconhecido. Isso é fantástico. E de estar entre os três, bacana. Mas se for o ganhador, ia ser muito bom. Eu liguei para o Alexandre em Brasília. “Cara, tal, vamos ver, vamos ver”. E deixou tudo, sabe, aberto para mim, tudo. “Vai ter uma premiação dia...”. Isso era no final de setembro. Isso, vocês entraram comigo no começo de outubro, aí começou a pipocar vocês, a Isto É, os jornais locais. E eu não estava entendendo muito e não queria criar expectativa tipo “vencedor” e também não queria deixar tipo, “não somos o terceiro, nem o segundo”. E eu, em contato com o Alexandre do Banco do Brasil, com as meninas e vocês, eu nunca tive coragem de falar assim: “Olha, qual o resultado mesmo?” Porque eu estava com medo de assustar, de cair do cavalo ou não. Mas eu deixei, tive uma reunião em Cuiabá e, de lá, eu fui para Brasília. E no dia que eu cheguei em Brasília, teve um seminário, um dos melhores seminários que eu tive na minha vida, questão de desenvolvimento sustentável, que o Banco do Brasil fez. Fantástico. Doutores da UnB, da Universidade de Minas, Rio, São Paulo, Unicamp. Você via que a nata da área sustentável estava ali. Foi um dia especial, sim, como essa do Japão, como esse que eu fui para Amazônia e não vou esquecer. Foi um dia especial que o Banco do Brasil trouxe para gente. E o pessoal vinha me dar parabéns. E eu, caramba, dar parabéns por quê? E eu: “Ah, obrigado”. E tem uma história, depois eu vou contar para vocês, em Cuiabá. O pessoal dava parabéns e tudo. Pôxa, estão dando parabéns porque estamos entre os finalistas e é uma grande coisa”. E o Alexandre veio, eu conheci o Alexandre lá, não o conhecia pessoalmente. Ele falou: “Jean, parabéns Vocês mereceriam, tal e tal”, me abraçaram. Eles já sabiam do resultado, eu não sabia. E todos os premiados estavam ali. Eu pensei, na minha cabeça, que os três do Bioma Pantanal estariam ali. Gente, eu procurei esses pantaneiros lá, essas organizações, e não achei ninguém. “Gente, os caras que ganharam não vieram”. Os caras do bioma da Amazônia só tinha um, o cara do Bioma da Caatinga só tinha um. Os projetos de pesquisas, áreas sociais só tinha... Gente, eu não vou... “Pé no chão, filho. Isso não é nada”. E a gente foi para premiação à noite e foi noite de gala, Teatro Nacional de Brasília, onde a gente pode estar, eu, cheio, um mil e quinhentos convidados, o Presidente do Banco do Brasil, Vice-Presidente do Banco do Brasil, os patrocinadores, Diretor, Reitor da UnB, tudo. Foi fantástico para mim a noite, tudo o que estava acontecendo, e ter aquilo na cabeça, de estar representando um projeto do Pantanal. P - Você só ficou sabendo ali, na hora da premiação? R - Na hora. P - Que dia foi essa premiação? R - Dia 23 de outubro passado, lá em Brasília. E aí, cara, quando eu sento, uma mulher fala: “Você está reservado para a primeira fileira”. Quando eu sento, eu estou meio aéreo, meio assim. Vem um monte de gente fazer foto, tal, todo mundo fotografando aquelas primeiras fileiras. E eu levei uma prima minha que mora em Brasília, uma prima minha que é irmã, desde criança está em Brasília. E ela ficou encantada com aquilo tudo que estava acontecendo. E uma das coisas boas que teve aquele dia, quando eu olho para trás, estava o Guga sentado atrás de mim. Eu falei: “Cara, o que é isso? Que loucura é essa”. Fã do Guga, o cara está ali, presente. Porque o Guga é um dos patrocinados pelo Banco do Brasil há algum tempo. E começaram as premiações: científico, pesquisa, bioma e começou: Bioma Amazônia, e o raio do Pantanal o último. Por ordem (risos). E foi, Caatinga, Cerrado, Mata Atlântica... O Pantanal, eu não sabia mais onde estava; a adrenalina estava tão forte aquela hora que eu não senti nada. Falou: Bioma Pantanal; e a menina que estava apresentando, a atriz Débora Falabella, começou assim: “Quem vai entregar o prêmio é o Gerente de Marketing do Banco do Brasil, e o vencedor é... Ela falou ‘Iscas vi...’. Quando ela começou a falar eu não acreditei, foi um momento único na minha vida, único, de valorização do nosso trabalho na região. E foi muito gratificante, muito prazeroso, acho que... Eu sou correntista do Banco do Brasil, acompanho a trajetória do Banco e sei que ele tem uma responsabilidade sócio-ambiental muito bacana, sei que faz trabalhos pontuais excepcionais. Mas isso é aquela coisa do selo de qualidade do trabalho que estamos fazendo. Como o Presidente do Banco do Brasil falou, que qualquer organização que tivesse sido premiada aquela noite estaria selada para qualquer financiamento pelos próximos anos de projeto porque estaria ali um trabalho firme, sério, consciente e tendo sustentabilidade. E isso que foi bacana. Com esse prêmio, é muito recente, foi há uns 15 dias e a gente está passando por um processo. O valor é um valor para gente fazer uns trabalhos bacanas, mas o mais importante é o reconhecimento do nosso trabalho. Eu acho que, questão de marketing a Ecoa não trabalha muito, não. A Ecoa não gosta de trabalhar com marketing, não é marqueteira. Porque se fosse para ser marqueteira, a gente teria bons financiamentos. A gente gosta de melhorar, mesmo, a qualidade de vida daquelas pessoas, sendo com equipamento de trabalho, com capacitações, com empoderamento, pesquisas na região para melhoramento das iscas, índice de mortalidade, tudo. Menos marqueteira. O que a gente quer é melhorar a qualidade de vida do pantaneiro, dos ribeirinhos do Pantanal, isso é o mais importante. Mais importante é você chegar dentro de uma comunidade e falar assim: “Jean, a gente está precisando melhorar isso, aquilo”. Isso é fantástico, porque você chega numa comunidade, o pessoal está amuado, cabeça baixa... “E aí, como estão as coisas?” “Está bom” “E como está a vida?” “Está boa”. O cara já vem na hora: “Jean, não está dando certo”. O que é isso? Empoderamento. Eles estão tendo informação que podem melhorar naquilo, que a gente pode melhorar em outra coisa, que eles podem ter escola, atendimento de saúde na região. Isso é empoderamento, é informação. A gente tem um trabalho que é o de não tirar esse conhecimento tradicional, com as iscas vivas a gente instalou um centro de iscas com caixas d´água de 500 litros, redondas, de polietileno, e aquilo é urbano. Não é urbano? É urbano. Mas aquilo não vai mudar o conceito dos ribeirinhos, vai melhorar o armazenamento e forma do manejo todo. A gente instalou como casas de iscas, não vai tirar o conceito tradicional deles, mas o científico e o tradicional têm que trabalharem juntos. Desse trabalho todo, a Embrapa Pantanal tinha muito receio de trabalhar com comunidades tradicionais: “Comunidade é lá e a gente aqui. A gente mestrou, doutorou, assim, e o ribeirinho...” Tinha esse conflito. Foi um dos primeiros conflitos que a gente conseguiu mediar, entre o pescador e o pesquisador. A gente começou a trazer os dois juntos para essa troca de experiências tradicional e científica. E é onde eles fazem essa junção. Uma experiência dessa é de uma pesquisadora da Embrapa Pantanal falar que tinha um tipo de tuvira, que é a isca viva mais comercializada da região, em todo o Pantanal. E os pescadores falaram: “Não, doutora, são três”. E ela: “Não, é uma” “Não, doutora, é três”. Teve uma briga nessa reunião. Pôxa, a mulher é doutora em isca, estudou isca, falar que tinha uma, e o cara que não sabia escrever o nome dele, falar que tinha três? Foi feita uma pesquisa na Embrapa Pantanal e a Embrapa Agropecuária Oeste, em Dourados. Foi comprovado que há três iscas vivas desse tipo na região. Então, é fazer essa junção. Conhecimento tradicional é muito forte, a gente nunca pode deixar isso atrapalhar, ou que barre. E o conhecimento científico é excepcional. Então, a gente trabalha isso também, com eles. Agrega valor às iscas, agrega a rentabilidade deles dia a dia, e também outros resultados que a gente teve como energias, se vocês quiserem que conte um pouco... P - Sim, por favor. R - A energia foi um processo requisitado pela Ecoa junto com os membros da comunidade do Porto da Manga. Ponto um: melhoria na qualidade do trabalho. Macacão. Melhorou. Pesquisa? Está pesquisando. No Pantanal existe um índice de mortalidade muito grande das iscas. Os isqueiros vão a baía colocar e trazem numas cubas, que são uns baldes grandes, uns baldes assim. E eles iam coletar mil iscas, traziam para as casas deles e começavam a separar. Nesse manejo, morriam de quarenta a cinqüenta por cento das iscas. Então, o que ele tinha que fazer? Voltar lá. P - E pegar mais. R - E o meio ambiente? Aí que entra o trabalho de conservação e troca de experiências. O ponto principal da Ecoa é conservação do meio ambiente, a gente não pode se sensibilizar com a comunidade e abraçar: “Não, vocês vão melhorar”. E o Pantanal? Isso que vocês perguntaram agora: “E aí, e as iscas?”. Então, o que a gente fez: “Vamos tentar diminuir essa porcentagem, que vocês não tenham tanto esforço físico e não precisem ir tantas vezes coletar porque você está prejudicando o meio ambiente”. E a gente fez um ano e meio de pesquisa do manejo, a Rosana do Ibama e a gente da Ecoa e a Embrapa, trabalhamos um ano e meio, fazia coleta de dados, ver como eles estavam coletando, estudar um jeito de coleta, ver um jeito de manejo no Amazonas, ver um jeito de manejo em outra região, e adequar para o Pantanal. Foi feito um jeito de manejo para o Pantanal. A gente fez um curso com eles, de iscas vivas da região da Estrada Parque. Quatro meses depois, esse índice caiu para dez por cento, que foi manejar, pegar essas iscas, separar tuvira num balde, jejum no outro, caranguejo no outro. Pegar, no máximo, quinhentas iscas por balde: coletar, coletar dentro de uma coisa, chegar no local, no centro de iscas que a gente desenvolveu com eles lá, separar, fazer a água rotativa, igual ás casas de isca. Só nesse manejo a mortalidade diminuiu trinta por cento, só nisso. Trinta a quarenta por cento. Hoje, a gente trabalhando há dois anos, o índice que era de cinqüenta por cento, caiu para dez por cento. O trabalho do cara que ia coletar, muito menor. A conservação do meio ambiente, muito maior. Esse foi outro resultado. Aí, a gente trabalhando, vamos trabalhar em cima de Políticas Públicas. Porque a Comunidade Porto da Manga, como comunidade tradicional, existe “Luz para Todos” para quê? É para todos. Eu sei que em muitas regiões é impossível levar luz, é muito complicado, mas a comunidade do Porto da Manga fica a sessenta quilômetros de Corumbá. Uma estrada que tem via de acesso rápido e fácil. Vamos trabalhar. Isso começou em 2005 e foi até 2007. Em 2007 chegou a energia em Porto da Manga. Um dia eu estava em uma reunião em e Cuiabá e um cara me ligou: “Jean, vem para cá, os caras vão ligar energia mesmo”. E tinha um processo junto com o Governo Federal, que não poderia implantar energia elétrica se o território deles não estivesse regularizado. Aí, era outra barreira. As casas que eles moram é da União, margem cento e cinqüenta metros é da União, então tivemos que fazer uma política com a Secretaria Pública da União para tentar ver isso aí. O Secretário Público, na época, era um delegado e sabia muito bem do nosso trabalho. Ele foi na Enersul, que é a companhia energética aqui do estado e falou: “O trabalho que eles têm é com apoio da Ecoa, que é uma organização séria e que faz um trabalho socioambiental muito bacana”. Ele autorizou e ligaram no Porto da Manga para todas as casas. Todas as quarenta e cinco casas tem energia. P - Quando foi feito? R - Em 2007, junho de 2007. Melhora a alimentação, que eles eram à base de gelo, eles não salgam mais o peixe. Porque quando pega o peixe, o que tem para manter? Tem que salgar. E salgando, a saúde vai para o pau. Imagina você comendo peixe salgado todo dia. E antes disso, é proibido comercializar peixe salgado, o Ministério da Saúde bate em cima. Mas como você vai fazer numa comunidade tradicional se não tem como? Aí, a gente já viu a porcentagem de hipertensão cair, de setenta, oitenta por cento, para vinte por cento. Então, a qualidade de vida deles melhorou. E tem muito o que melhorar. Tem muito conflito? Tem. A gente tem que trabalhar. A comunidade do Porto da Manga pode andar, mas outras não. Mas você tem que ter aquela coisa de segurança de deixá-las caminharem. Sai do Porto da Manga e vai trabalhar em outra comunidade, fazer o trabalho que deu certo, em outra. São territórios diferentes, mas vai adequando. São vários resultados bons, vários resultados que a gente tem que ter também. O próximo é para construção das casas de cada um. As casas lá, gente, é favela dentro do Pantanal. Casa de madeira, de lona, umas casas que dá dó. Você fala: “aqui não mora gente”. Mas a Ecoa não tem nunca um financiamento para construir uma casa para um pescador, nem esse é o objetivo. Se construir essa casa para o pescador, mas eles não estiverem conscientizado, não estiver no processo, ele vai lá, sai e vende para um cara que quer construir um hotel. Então, o processo é conscientizar, empoderar, ter uma base. Não adianta a gente jogar um elefante branco dentro da comunidade e falar: “Gente, isso aqui funciona”. Fábrica de gelo. Manda ver, faz gelo aí adoidado: energia e água. Mas os caras não estão sabendo o custo-benefício, não tem base de nada. Por isso que o trabalho é de base mesmo, a gente está fazendo um bom trabalho na região. E muito disso é que a gente tem parceiros também, tem muito parceiro bom. A Embrapa Pantanal é excelente para isso, elas se sensibilizaram para o trabalho. O Ibama que era um órgão fiscalizador. O Ibama e o pescador batiam para prender, saía tiro. Acabou essa coisa do Ibama, de: “Estou aqui para prender, para contar, e para isso, para aquilo”. Hoje, o Ibama dá aula de Educação Ambiental na comunidade, pesquisa na comunidade. A gente está inscrito em um congresso em Gramado, nessa semana, que quem escreveu fomos eu, a Rosana do Ibama e um estagiário da Universidade Federal. Sobre caranguejos, índice de mortalidade. Hoje o Ibama é um parceirão deles. Em outra região o Ibama está batendo ainda. Região de Goiás, no Araguaia, fiquei sabendo esses dias, o Ibama bateu em metade das pessoas e prendeu o povo lá. Eles não sabem esse processo ainda. P - Jean, você diria que a Ecoa é uma referência aqui para região? R - Muito, muito grande. Hoje, com esse trabalho com o Pantanal, a menina dos olhos da Ecoa tem sido o trabalho com as comunidades. E é referência. Hoje, comunidade no Pantanal se trata na Ecoa. P - E o que você diria do futuro? O que você vislumbra o futuro para atuação da Ecoa? R - O futuro... É muito complicado porque assim, eu, como profissional jornalista exerço uma parte disso. Eu exerço muito mais nas ações de articulação com as comunidades. Além disso, a gente tem que buscar financiamentos anuais. A gente trabalha com esse projeto “Natureza e Pobreza”, segunda fase, termina o ano que vem e a gente tem que procurar financiamento para os outros anos. É desgastante, é um trabalho, ou você ama, ou você cai fora. P - É um desafio. R - É um desafio. E eu trabalhei nesse jornal lá na rádio educativa, trabalhei nesse projeto com as comunidades, eu nunca peguei uma bagagem de experiência tão grande como estou tendo aqui na Ecoa: escrever, falar, exercitar, te paciência, saber escutar críticas, elogios, tudo. Isso tudo eu estou aprendendo aqui. Ter aquela reflexão. Porque você está fazendo um trabalho errado, pode melhorar, você está fazendo um trabalho certo, mas pode melhorar. Você tem que ter isso. Eu tenho certeza que se eu tivesse dentro de uma redação, eu não estaria 10 por cento como eu estou hoje na Ecoa, é uma bagagem de vida excelente. A Ecoa está trabalhando hoje como um trampolim, entendeu? Ou você trabalha aqui, você não trabalha mais para baixo. A Diretora de Projetos da Ecoa, ela está sendo olhada pela ONU [Organização das Nações Unidas]. UNESCO [Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura] está abraçando ela. Um cara da Unesco, de Brasília, veio agora visitar em agosto e falou: “Gente, como que não tem projeto do Criança Esperança, alguma coisa. Isso aqui é para isso”. A gente mandou um projeto, o cara está mandando resultado. Então, é referência, é um trabalho certo, verdadeiro. A gente precisa da questão de Assessoria, de Marketing, sim. Mas a gente não é marqueteiro. Tem muitas organizações no Brasil que são marqueteiras, colocam o logo na capa da revista Veja, propaganda de carros e... Bacana cara. Mas o tesão da vida mesmo, desse trabalho nosso, é ver as pessoas tendo cabeça erguida. P - Esse seria o futuro que você abraçaria para a Ecoa? R - É. E assim, uma coisa que eu voltei da Amazônia, agora, que eu peguei isca, é fantástico, a diferença do cara tradicional da Amazônia com o pantaneiro. Isso é o que eu vou trabalhar nos próximos anos, por isso que eu estava meio tonto ainda, esses dias. O pessoal da comunidade tradicional da Amazônia tem uma auto-estima que vocês precisam ver, sensacional. Eles têm uma gana na vida, que as coisas podem melhorar. Isso é fantástico, é um pulo a mais para o seu trabalho. O pantaneiro está com baixa-estima, essas coisas dos pólos chegando, as grandes mineradoras, a hidrovia, que é um escoamento pelo Rio Paraguai de minério e os grandes barcos, as chatas, que transportam minério vão batendo, derrubando. Os minérios são muito escoados pelos rios, que vão para Cáceres no Mato Grosso ou para Santos. Essas chatas são do tamanho de transatlânticos que navegam pelo Rio Paraguai. Porque o Pantanal é assim, vocês já viram fotos, ele não é reto, é a cobra. E essas chatas têm que subir pelo Rio Paraguai, e tem lugares que ela não consegue virar e vai batendo nos barrancos. E as árvores, vai batendo nas raízes e cai. Vai assoreando. Não sei se vocês sabem da história do Rio Taquari, que é uma das histórias mais desgraçadas que teve em rios, que assoreou todo o rio, que era o mais charmoso do Pantanal. Ele acabou por causa dessa coisa. Tinha soja plantada dentro do rio, então, assoreou. E o Rio Paraguai está passando por esses problemas. E eu falei que o pantaneiro tem medo de quê? Da Boca de Sapo, da Arraia e da chata. Sabe por quê? As chatas são transportadas assim. Ela é assim. Tem um barquinho, barquinho não, barcão, que é bem aqui e vai empurrando. E isso aqui é coisa de metros e metros para frente. E o pescador à noite não vê porque o barulho do barco é atrás. Então, já tiveram casos e casos de pescadores baterem de frente sem ver, porque eles não têm lanternas, silibim e tudo, porque eles são precários. E aí, eles estão pescando no meio do rio, à noite e a chata... P - Atropela... R - Porque você não escuta. Eu já fiquei de frente a uma chata, você não escuta. Eles usam as luzes só para focar em lugares com curva, o cara que está na chata só foca na curva. Se o Rio Paraguai tem uma extensão grande de reta, ele apaga todas as luzes. Tem chata que passa na comunidade do Porto da Manga que depois de três minutos a gente escuta o barulho do motor. Então, é uma chuva de coisas que estão acontecendo no Pantanal que eles estão com uma baixa estima. Então, a gente pega isso também e fala: “Pera aí, gente. Vamos dar uma animada. Se não quiser, vamos embora, mas a gente pode ter resultado nisso, nisso e nisso. Não obrigamos ninguém a fazer trabalho, se quiser, vive nesse ostracismo, o que for. Mas se quiser ajuda, estamos aí. Se quiser bater de frente, estamos aí. Mas se não quiser, pega um trailer que nós temos no Porto da Manga, que é um núcleo móvel nosso lá, põe no carro e vai embora”. Mas aí, você está... Eu estou precisando, depois dessa viagem que eu fiz na Amazônia, eu fiz uma reflexão muito grande, muito forte, de trabalhar essa baixa estima deles. Tem que trabalhar. Porque eu vejo que os resultados lá estão vindo mais rápidos por isso, que eles acreditam. P - E a preservação do próprio Pantanal depende da preservação dessas culturas também... R - Sim. Gente, não tem quem tire o pantaneiro daquele território. Pode vir o Papa: “Sai daí”, que ele não vai sair. Tem Lei, Constituição Federal, Lei Ambiental, tudo que preserva isso. Se é um país que trabalha com leis, vamos aproveitar com isso. Duzentas mil leis, vamos pegar uma para trabalhar. É assim, é um trabalho daqueles. Mas a experiência de vida é maravilhosa. É muito bacana. É suado. Eu, que quero ter essa qualidade de vida dentro da cidade, dentro disso, mas é [fogo]. P - Jean, a gente agora está finalizando. Você começou a falar de experiências. O que você diria que foi uma das suas maiores lições depois que você começou a trabalhar aqui, fazer esse trabalho ambiental? R - Resultados. Eu não tinha essa ciência de que os resultados faziam esses efeitos grandes. Você trabalhar com resultado, você não pode trabalhar no patamar da pesquisa. O pesquisador de doutorado pode pesquisar quatro, cinco, seis, sete, tantos anos. E aqui a gente só vai com resultado. Não forçamos resultados, a gente ajuda o processo a ter esse resultado, a gente não pode trabalhar numa comunidade há cinco anos que não tenha resultado, o cara está esperando aquilo. O principal na vida profissional e na vida pessoal. Se você não tem um resultado que você se formou, aí, você começa a não... Se você não tem resultado, que sua vida de relacionamento pessoal não está bem, aí começa o famoso ostracismo pessoal. Hoje a população passa por isso. Muitos estão bem na vida profissional, mas na vida pessoal, no relacionamento, está terrível. Então, tudo gente, a gente tem que trabalhar com resultado. Resultado na sua casa, que está bem organizada, as contas estão em dia (risos), isso é um resultado. O seu namorado, a sua namorada, está bem com você, isso é resultado que o seu relacionamento está bom. Seu corpo, se você está se sentindo pesado, gordo... Tudo, tudo, acho que na vida a gente tem que trabalhar com resultado. E aqui, eu estou sabendo trabalhar com isso. Isso pessoal. Meu dia a dia. Se eu saio daqui: “Putz, não fiz nada hoje”. Cara, você fez milhares de coisas, mas a gente está numa vida tão louca, vocês duas, vocês dois, estão com uma vida tão louca hoje, que falam: “Cara, eu não fiz nada hoje”. Mas como não fez nada? Você mandou dez e-mails. Caretas, ou bobagens, mas outros cinco foram resultados. E você não pode cair nessa na auto-estima disso. “Eu não fiz”. Você fez. A gente tem que buscar essas coisas, que essa coisa do pantaneiro, só tem a decair se eles continuarem assim. No amazônico só tem a levantar. Quem está hoje focado na Amazônia? Globo. Globo é uma potência mundial, criou um portal para eles, para tentar diminuir isso. Por quê? Porque as coisas têm que acontecer, têm que parar, estagnar e melhorar um processo. Por isso que eu falei na hora que você perguntou, é resultado. Resultado aqui dentro, lá fora, dentro da comunidade. Para mim é assim, acima de tudo. Quando eu saí da faculdade eu não tinha essa noção. E muito mais na Ecoa. A Ecoa como referência nos trabalhos socioambientais tem que ter resultado. O financiador cobra no final. Você pediu financiamento para trabalhar em três anos, e aí? Não é uma pesquisa. E no final, a pesquisa com caranguejo não deu certo porque a água estava X-X manda para o CNPq [Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico]. “Ah, CNPq, não deu certo”. Ano que vem tenta de novo porque o Pantanal vai ter... A gente não é assim, se a gente está trabalhando com dinheiro, a gente trabalha muito com dinheiro de fora. A financiadora, a UCN, que é o comitê holandês, capta recursos de fundações como Ford, Microsoft, essas coisas. A gente não vai em cima do grupo Ford pegar dinheiro. A UCN é um fundo que capta recursos para o mundo, projetos ambientais, de saúde, educação. E é dinheiro público. Se uma Microsoft está tendo um beneficiamento X por cento ao ano é porque a população mundial está tendo isso. Então, a gente tem que ter resultado em cima e ter responsabilidade em cima do que a gente está fazendo. Os tantos reais que a gente gasta numa intervenção, numa viagem para o Porto da Manga, a gente tem que trazer, pelo menos: “Olha, é isso”. Entendeu? P - O que você acha dessa iniciativa do Banco do Brasil, porque isso também faz parte da comemoração dos 200 anos, a gente resgatar a história, inclusive dos próprios Biomas, através das pessoas que fazem parte deles. O que você acha dessa iniciativa? R - Olha, dos anos que eu trabalho na Ecoa, para mim é a melhor iniciativa que eu vi até agora. É uma iniciativa séria, de um órgão sério, uma instituição séria que está lidando com pessoas sérias. UnB não tem o que falar, é uma das universidades mais bem conceituadas do Brasil. E vendo uma premiação dessas, você vê que as coisas são para te fortalecer, que eles colocaram com desenvolvimento sustentável. A Ecoa não trabalha com os projetos para não ter desenvolvimento sustentável. Sustentável é o que? Sustentar aquilo que você vai fazer, sustentar o trabalho de Jornalismo... E o Banco do Brasil está fazendo isso, ele está dando crédito para esse prêmio “Valores do Brasil”, foi uma iniciativa para dar um crédito às organizações que estão fazendo isso. E eu achei excepcional, não só porque a gente teve esse prêmio, porque eu conheci vários Ecoas do Brasil trabalhando. O Pampa, eu conheci no dia, eles estão fazendo um trabalho lá, de chorar. A Caatinga, os meninos fazendo um trabalho assim de falar: “Cara, a gente não é nada”. A Amazônia. Gente, a extensão daquilo e o povo trabalhando. Entendeu? Então, assim, é um selo mesmo que o Banco do Brasil trouxe para essas organizações, reconhecimento de trabalho, reconhecimento pessoal, reconhecimento de tudo. E o fantástico é isso que veio na hora certa, para as organizações e para o Banco do Brasil, que é um momento fantástico dele, não é nenhuma instituição que comemora 200 anos, são só instituições muito fortes, sustentáveis que conseguem fazer isso. É uma junção de tudo, é o fortalecimento e o reconhecimento de muitas coisas. E a solidificação de mais coisas que podem vir. Que espalhando para o Brasil, outras organizações vão no ano que vem querer trabalhar para que o foco seja deles também. Não só de se mostrar, mas de fazer um trabalho bacana, porque eu não estivesse fazendo um trabalho sustentável disso, eu não estaria falando aqui. E eu não estaria também falando balela, blábláblá, se não fosse uma coisa séria. Vocês não estariam perdendo tempo comigo aqui, não sairiam das grandes cidades de vocês para vir para cá. É uma junção de tudo. Eu sei que o Banco do Brasil, como uma instituição forte dessa, tem que beneficiar muitas comunidades e organizações, muitas instituições e o trabalho deles não é aquela coisa. Muitos falam: “Isso é dever deles”. Não é dever. “Ah, é dever do Governo Federal levar energia”. Não é dever. Se eles quiserem eles levam, se não quiserem, não levam. O Poder Público Federal tem outras metas de fazer o seu trabalho. Se a gente não começa a fazer o trabalho nosso de base, quem são eles para fazer? Maravilhoso isso, um reconhecimento, um fortalecimento nosso e, acima de tudo, é um selo de qualidade que estamos tendo com esses trabalhos. E não é a Ecoa não, como eu falei, tem muitas Ecoas no Brasil. E fazem um trabalho emocionante. Mas espero que essas Ecoas, que esses outros Biomas, estejam fortalecidos e com pessoas competentes para trabalhar. Porque tem muitos espertões querendo ganhar em cima de organizações. A palavra ONG é muito massificada no Brasil. Eu me apresento muito como “o Jean que trabalha na ó-ene-gê Ecoa”. Muitos criaram CPI das ONGs esses dias. CPI é uma palavra forte no Brasil. Não sei se trabalham tanto para isso que seja para resolver, mas a CPI das ONGs machucou muitas ONGs que trabalham sério, porque ficou aquela marca: “Ah, você trabalha numa ONG”. Para mudar um pouco, eu trabalho numa ó-ene-gê. ONG é uma palavra bonita, respeitada, mas que não está sendo tão respeitada agora. Então, foi o maior prazer da minha vida ter recebido esse prêmio, não caiu a ficha ainda. A gente foi agora para Amazônia e o pessoal me apresentava, os amigos da Embrapa: “O Jean, representante da Ecoa, que ganhou um prêmio, tal”. Os caras parabenizando tudo isso, mas é muito maior que a gente pensa, do que a gente está sentindo agora. P - E como é que você sentiu dando esse depoimento, contando um pouco, compartilhando com a gente um pouco da sua vida, até esse prêmio? R - Eu acho que eu nunca passei por um momento desses, também. Foi a primeira vez que eu conto minha vida inteira para as pessoas. Foi a primeira vez e no dia que vocês ligaram para mim eu falei: “Epa, será que vai dar certo”. Vida contada, mas de uma forma assim, foi muito especial. Passou um filme pela minha cabeça mesmo. Passa. Desde a trajetória “Pinguinho de Gente” até agora e sempre é bom você fazer reflexão da vida. E esse momento também foi especial, hoje está sendo especial, de fazer uma reflexão e ver o que se passaram em 30 anos da minha vida. Eu tenho certeza que tenho muita coisa para fazer, desenvolver, muita coisa para trabalhar o meu lado pessoal, espiritual, tudo. Mas esse momento com vocês foi especial, vocês me deixaram muito tranqüilo, muito em casa. Eu sou jornalista, mas não gosto de dar depoimento, não gosto de ficar de frente à câmera, eu sou meio que goiano mesmo, aquela coisa de ficar, não ressabiado, mas muito tímido. E vocês, como eu falei agora, foram uma equipe excepcional, foi maravilhoso, mesmo. E espero poder estar contribuindo com o trabalho de vocês e passar um pouco desse processo nosso, dessa história de vida minha, que é uma história que tem uma bagagem bacana, com uns trabalhos legais, mas eu tenho muito o que fazer ainda. Tenho muita coisa para fazer para eles, para mim. Uma coisa que eu não posso esquecer é da minha vida pessoal. Eles estão melhorando? Bacana. E a minha vida pessoal? Então, eu trabalho muito isso também. Foi muito especial estar aqui com vocês, conversar com vocês, vocês são verdadeiros profissionais. P - Jean, em nome da equipe a gente agradece a sua contribuição. Nós que agradecemos. R - Que é isso, gente. P - Obrigada, Jean. R - Nada.
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