P/1 - Para a gente começar, queria que você me falasse seu nome completo, o local e a data do seu nascimento. R - Meu nome é Luena Maria Ferreira dos Santos, moro aqui em Santa Cruz Cabrália na Praia Coroa Vermelha. Nasci no dia 25 de novembro de 1982. P/1 - Você nasceu aqui mesmo? R - Em Porto Seguro. P/1 - E o nome dos seus pais, quais são? R - João Gonçalves dos Santos e Raimunda Ferreira dos Santos. P/1 - O que eles faziam? R - Meu pai era pescador. P/1 - Seu pai era pescador. R - E minha mãe era dona de casa. P/1 - Dona de casa. Como você descreveria o seu pai e a sua mãe? R - Meu pai era um guerreiro do mar, eu vejo isso. Minha mãe também, ela lutava, trabalhava em casa, ajudando ele. P/1 - Quais eram os principais costumes da sua família? O que você lembra da sua infância, como que era? R - Eu lembro que eu ia para a escola, quando voltava antes até de almoçar, eu tinha que ir para a praia dar um mergulho e depois voltava. Era todo dia. Minha mãe brigava um pouco comigo.Ou quando estava chovendo, tomava banho de chuva, mas era muito harmonioso, era muito bom. P/1 - Vocês moravam onde nessa época, quando você era criança? R - Eu morava do outro lado da balsa, que é Praia Apaga Fogo, mais conhecida como Arraial D'Ajuda. P/1 - Ah tá. R - Morava lá. P/2 - Seu pai ou sua mãe eram indígenas? R - Meu pai era indígena, veio de uma aldeia. Lá próximo mesmo e aí veio morar ali, ficou a ponta do Apaga Fogo muitos índios que saíram de lá, uns vieram aqui, para Coroa e outros ficaram lá mesmo e lá tem outra aldeia também. Só que meus irmãos moram lá até hoje. P/1 - Quantos irmãos você tem? R - Eu tenho quatro irmãos, todos homens. P/1 - Quatro irmãos homens. R - É. P/1 - Você é a única mulher? R - A única. P/1 - Como que era a sua relação com eles, na infância? R - Era bom. Eu estava até relembrando esses dias com um deles, falei "Nossa, a gente se dava bem demais". Porém, eles não gostavam que eu brincasse...
Continuar leituraP/1 - Para a gente começar, queria que você me falasse seu nome completo, o local e a data do seu nascimento. R - Meu nome é Luena Maria Ferreira dos Santos, moro aqui em Santa Cruz Cabrália na Praia Coroa Vermelha. Nasci no dia 25 de novembro de 1982. P/1 - Você nasceu aqui mesmo? R - Em Porto Seguro. P/1 - E o nome dos seus pais, quais são? R - João Gonçalves dos Santos e Raimunda Ferreira dos Santos. P/1 - O que eles faziam? R - Meu pai era pescador. P/1 - Seu pai era pescador. R - E minha mãe era dona de casa. P/1 - Dona de casa. Como você descreveria o seu pai e a sua mãe? R - Meu pai era um guerreiro do mar, eu vejo isso. Minha mãe também, ela lutava, trabalhava em casa, ajudando ele. P/1 - Quais eram os principais costumes da sua família? O que você lembra da sua infância, como que era? R - Eu lembro que eu ia para a escola, quando voltava antes até de almoçar, eu tinha que ir para a praia dar um mergulho e depois voltava. Era todo dia. Minha mãe brigava um pouco comigo.Ou quando estava chovendo, tomava banho de chuva, mas era muito harmonioso, era muito bom. P/1 - Vocês moravam onde nessa época, quando você era criança? R - Eu morava do outro lado da balsa, que é Praia Apaga Fogo, mais conhecida como Arraial D'Ajuda. P/1 - Ah tá. R - Morava lá. P/2 - Seu pai ou sua mãe eram indígenas? R - Meu pai era indígena, veio de uma aldeia. Lá próximo mesmo e aí veio morar ali, ficou a ponta do Apaga Fogo muitos índios que saíram de lá, uns vieram aqui, para Coroa e outros ficaram lá mesmo e lá tem outra aldeia também. Só que meus irmãos moram lá até hoje. P/1 - Quantos irmãos você tem? R - Eu tenho quatro irmãos, todos homens. P/1 - Quatro irmãos homens. R - É. P/1 - Você é a única mulher? R - A única. P/1 - Como que era a sua relação com eles, na infância? R - Era bom. Eu estava até relembrando esses dias com um deles, falei "Nossa, a gente se dava bem demais". Porém, eles não gostavam que eu brincasse com eles, diziam que mulher brinca com mulher e homem brinca com homem. E eu queria brincar com eles, e para eu brincar com eles, tinha que ser empregadinha [risos]. Minha mãe vendia doce, comida, farofa, vendia cocada, essas coisas, bolo, tinha uma vendinha. Como minha mãe fazia minha vontade, eles falavam "Vai lá, pega esse lá", então a brincadeira deles era essa. Eu estava relembrando, para mim brincar com vocês só se fosse de empregadinha e não deixavam eu brincar como vocês brincavam, era só assim. P/1 - Você brincava com quem, se não era com eles? R - Eu tinha minhas primas, tinha muitas amiguinhas de brincar no quintal. Os brinquedos eram de fazer barro, como lá era difícil passar carro, a gente fazia boneco de barro e botava na rua para secar. A gente brincava, ficávamos jogando bola de noite, era bem sossegado naquela época. P/1 - Como era essa comunidade em que você vivia? R - Lá não tinha quase nada de comércio. Meu pai tinha um barzinho e minha mãe ficava lá também. Ele pescava, tinha barco. Lá tinha um mercadinho, mas era o mercado que, tudo o que a gente precisava, às vezes tinha que atravessar a balsa ou pegar ônibus para ir para Arraial ou a balsa para vir para Porto Seguro, porque lá não tinha açougue. Essas coisas ainda não mudaram. A gente era tudo parente. Era muito bom, a gente gostava muito de ir para a praia, estávamos sempre fazendo alguma coisa. Meus irmãos já iam pescar, iam pegar polvo junto com o meu pai, era assim. P/2 - Você falou que seu pai era um guerreiro do mar. Qual a imagem que você guarda dele? R - Eu lembro quando ele botava um sapato e ia para as pedras, tirar polvo. Pescava mesmo, ia pescar ensinando os filhos. Meus irmãos até hoje, todos eles trabalham nessa área. Ele sempre ensinava a gente o caminho certo, conversava com a gente. Era muito bom. A relação que eu tinha com o meu pai era muito boa, era muito amor [risos]. P/1 - Ele ficava vários dias no mar? R - Não, ele gostava muito de "tarrafar", quase todo dia ele botava um tênis e ia para as pedras de noite. Pegava muita tainha, muito peixe. Ele estava sempre pegando alguma coisa, sempre levando um filho para aprender. Meus irmãos começaram, foram crescendo, mergulhando, um trabalha na escuna, outro no reservatório, fazem tudo disso. Acho que foi o exemplo de uma coisa que está no sangue, de você honrar aquilo que tu gosta e não o que os outros querem que você seja, mas o que você é. O meu jeito, eu não posso mudar por causa que uma pessoa quer, tenho que ser eu mesma. As vezes eu sou um pouco nervosa, não deixo para depois, gosto de falar na frente. P/2 - As mulheres também iam com o seu pai para o mar? As filhas? P/1 - Não, ela é única filha. R - Eu sou a única filha. P/ 2 - Ah, filha única. R - Eu sou filha única. Eu acho que a mulher não podia ser muito independente, tinha que ficar no lugar dela, cozinhar, costurar, ficar em casa. P/1 - Você ficava com a sua mãe? R - Eu ficava, mas minha mãe dizia que eu era muito elétrica. Eu queria fazer as coisas que eles faziam, queria brincar com os brinquedos dos meus irmãos, de carro, de boneco, só que eles não deixavam. Eu sempre fui assim, isso era bom [risos]. P/1 - E você lembra da casa que você passou sua infância? R - Lembro. P/1 - Como que ela era? R - Era uma casa bonita. Uma casinha de tábua, tinha um quintal. Depois minha mãe e o meu pai construíram um casarão, bem grande. Hoje tem lá essa casa. Para a gente era muito grande e tinha varanda, as plantas dela, que ela era apaixonada por planta, aquelas coisas lindas. Tinha cachorro, minha mãe tinha roseira no quintal, um ____ de lavar pratos. Ela tinha a cozinha separada, a cozinha para cozinhar um feijão no fogo de lenha. Eu gostava muito da casa. P/1 - Essa comunidade você falou que era todo mundo meio primo, né? R - É, todo mundo parente. P/1 - Vocês tinham alguma festa tradicional, que você lembre? R - Tinha a festa de São João. Meu tio é quem fazia a festa na casa dele. Ficava todo mundo dançando ali e ele olhando. Eu dançava com o meu pai, eram aquelas danças bem antigas, que eram dois passinhos para a frente e dois para trás. E se ele visse alguém rebolando, parava o som e falava que ali era forró que não era lambada [risos]. A gente se divertia. P/1 - Você ficava mais nessa comunidade ou você ia muito para a cidade? R - Não, porque lá tinha uma escolinha até a 5ºsérie que chama Zeca Passador, eu estudei lá. Depois todo mundo, todos os colegas tiveram que transferir para Porto Seguro, para estudar aqui. P/1 - Mas você vinha e voltava todos os dias? R - Todo dia. A gente cresceu assim, acostumando. Vinha de manhã ou à tarde, até que chegou um tempo que eu comecei a trabalhar e fui à noite. Mas era bom demais, só de atravessar aquela balsa, aquele mar. P/1 - Como que era a escola? R - Era bem grandão. Tinham duas salas, um banheiro, um quintal e um campo no fundo. Hoje mudou tudo. P/1 - Você gostava? R - Eu gostava muito. A primeira vez que eu repeti de ano, foi porque eu ajudei a minha prima a colar. Eu fiz a prova dela, depois que eu fiz a prova dela, eu fui fazer a minha e esqueci tudo. Eu não sei se eu fiquei nervosa, porque a professora descobriu na hora e que era uma parente também, e foi lá conversar com a minha mãe. Eu nunca mais ensinei ninguém. Mas era muito bom, era divertido. Minha mãe tinha aquele cuidado de pentear meu cabelo, fazer trança e eu tinha um cabelo bem grande e ela fazia, porque eu não cuidava, eu queria brincar. P/1 - Tem algum professor que te marcou? R - Eu acho que todos os meus professores foram especiais. Eu fiquei amiga hoje de professores que me deram aula na sexta série, tenho a maior amizade. A professora Márcia, me incentivou quando eu repeti de ano. Ela falou "Eu podia passar você, porque eu sei que essa letra aqui, todinha é sua. Mas a sua prima vai passar e você não vai passar". Eu gosto dela até hoje, mas porque ela me ensinou. Porque não é dessa forma que a gente tem que ajudar as pessoas, não é fazendo para os outros e sim fazendo e mostrando. P/1 - E como que foi a sua juventude? R - A minha juventude foi um tabu na minha casa porque eu comecei a trabalhar. E meu pai dizia que mulher não trabalhava, dizia que eu era filha única e que era para mim ficar em casa. E eu falava que não, que eu não ia ficar dependendo dele e nem dos meus irmãos. P/1 - Você trabalhava com o quê? R - Eu trabalhava em uma loja. Só que no primeiro dia que eu fui trabalhar, fui roubada. Na época, eu tinha treze anos, tinha colocado cinco reais no livro de caixa e alguém me viu. Alguém estava olhando e foi lá nessa loja e mandou eu procurar umas roupas e como eu não conhecia direito a loja, virei as costas para essa pessoa, para pegar as roupas para essa pessoa. Esse mesmo cara foi lá e roubou, foi rápido e eu fiquei desesperada, mas eu não podia falar para a minha patroa. É o primeiro dia, ela vai achar o quê de mim? Eu fiquei com medo, pedi o dinheiro emprestado com o padrinho do meu irmão e botei lá. Depois de muitos anos, eu fui falar para ela. Trabalhei muitos anos com ela. Ela tem a maior consideração, disse que as minhas filhas são as netinhas dela. P/1 - Você trabalhava de dia e à noite você estudava? R - É, porque no início naquela época com 13 anos, eu estudava de manhã e trabalhava à tarde. P/1 - Ah tá. R- Depois eu fui crescendo e ela já via que precisava mais de mim, porque ela costurava e eu ficava na loja. Mas tinha época que eu tinha que ajudar ela a costurar também, era muito bom. Depois eu fui estudar à noite, foi a hora que comecei a ter independência mesmo. Eu queria ter a minha casa alugada sozinha. Com 17 anos eu já estava bem independente. P/1 - Você saiu da casa dos seus pais com 17 anos? R - É, eu fui para a casa da minha tia porque lá era só mulheres. E lá em casa só tinha homem e eu não me sentia mais bem lá. A gente tinha aquilo de orgulhar o pai e a mãe. Eu comecei a namorar com 17 anos, porque o negócio era trabalhar e estudar, só pensava nisso. P/1 - Seu primeiro namoro foi com 17 anos? R - Foi. P/1 - E como que foi? R - Ah, foi muito bom. P/1 - Ele era da comunidade também? R - Não. P/1 - Conta um pouquinho para a gente dessa história. R - [risos] Foi uma pessoa mais experiente e a gente ficou namorando um tempão. P/2 - Você falou que vocês tinham uma coisa de orgulhar o pai e a mãe. R - É. P/2 - Como assim? R - As meninas casavam cedo e você vê que a maioria de comunidade não tem aquela coisa de sair para fora. Minhas primas casaram logo e arrumaram marido e filho e eu pensava em trabalhar e estudar. Foi esse orgulho que eu dava para o meu tio, de mostrar para ele que eu não ia, que eu falava assim que as filhas dele tudo fugiu, porque eram muito presas, a minha tia prendia muito. Era um portão e ninguém saía, eu saia porque tinha que trabalhar. Elas saíam só se fosse na hora da escola e voltava, não deixava muito brincar. Eu falava para ele, que eu não ia envergonhar ele. P/1 - Você ficou nessa comunidade até quando? R - Com 17 anos eu saí de lá e fui morar sozinha em Porto Seguro, trabalhando com essa mesma patroa. Ela me dava o maior apoio e foi um pouco difícil, mas eu sempre quis minha independência. Eu só estudava, trabalhava, só vinha mesmo para dormir. Eu não ficava em casa. P/1 - Você ficou lá em Porto Seguro. Como foi essa fase? R - Foi bom. Eu saia para festa, saia final de semana. P/1 - Como que você conheceu o seu marido? R - Foi na mesma rua. A gente morava bem pertinho. Um dia eu estava com uma professora e a gente saiu para tomar uma cervejinha, e eu vi ele, ele ficou olhando de lá e eu olhando de cá. Ele conhecia essa professora, veio e cumprimentou. Era uma pessoa muito legal, muito inteligente, só que ele tinha o mal da bebida. A esposa dele já a dez anos, não aguentou, ela foi embora para Belo Horizonte e a gente é amiga até hoje. Por que não teve nada a ver a minha relação com ele, quando eu conheci ele, ele estava sozinho e eu também estava sozinha. Eu tinha acabado o meu relacionamento lá, que eu tinha outro relacionamento sério também. E foi muito rápido, a gente começou a sair. Eu ainda fugi dele, três dias, porque ele começou a ficar atrás de mim e eu falei "Eu acabei um relacionamento agora, eu não vou entrar em outro". Eu fui para Vale Verde, para lá do Arraial e lá eu fiquei três dias em uma festa, agora não me pergunta de que santo que era, porque eu não sei. Porque o sino tocava e eu estava lá curtindo, porque eu não ligava, nunca liguei para isso. Eu fiquei lá três dias e quando eu cheguei não tinha voz, estava rouca. Ele já tinha me procurado na minha casa, na casa dos meus irmãos, tinha me procurado onde eu morava, tinha procurado com a professora e ninguém dava conta de mim, porque ninguém. Depois que eu cheguei não teve jeito para eu fugir dele, ficou no meu pé até que a gente ficou junto. P/2 - Ele era de Porto Seguro? R- Sim. Ele era Belga, só que já nacionalizado brasileiro. P/1 - Com quantos anos ele veio para cá? R - Ele já tinha dez anos. Ele já tem uns 35 anos, eu acho. P/1 - Ele veio para o Brasil passear e ficou? É isso? R - Foi. Ele era engenheiro agrônomo, mexia com plantas e fazia exportação. Quando chegou no Brasil, começou a se apaixonar por pesca e a trabalhar com isso. Veio para cá e mandava peixe para Belo Horizonte. Quando a gente estava junto, era nós dois que mandavamos o peixe para Belo Horizonte. A ex-mulher dele pegava os peixes e fazia as entregas. E até hoje ela pergunta "Lu, vamos voltar?" e eu falo "A gente vai se organizar, porque tudo mudou" transportadora e tal, que a gente mandava, ela mandava ostra, mexilhão para a gente fazer entrega. Até hoje a gente tem aquela conversa e estamos sempre conversando. P/2 - Ele tinha um barco? R - Tinha, a gente tinha dois barcos. Um era sociedade, o Miragem e outro era Margarida, que era o nome da nossa filhinha. P/1 - Você ia junto com ele? R - Eu ia pescar lá em Porto Seguro com ele, a gente já vinha com amigos pescar aqui, mas ficava na ponta da Coroa, fazendo churrasquinho ali com outros amigos no outro barco. Nós tínhamos uma peixaria lá, fazíamos o processamento, entregamos nas peixarias e mandávamos também para Belo Horizonte. P/2 - Vocês iam longe no mar? R - Não, a gente ia no arrasto, não vai muito longe, você pode estar um pouco em terra ou estar mais em fora. Não era aquele barco que você fica dias, você ia às vezes de madrugada e chega pela base do meio-dia. Era bom, todo dia a gente estava lá arrastando. P/1 - Vocês pegavam que tipo de peixe? R - Arrasto é de camarão. P/1 - Ah, de camarão. R - É. Era um barco bem bonitinho e eu ajudava ele, puxar a corda, pegar o camarão que quando chega fica muito argaço, muito peixinho, a gente separa os peixes, separa os camarões sete barba normal e os Variações Grandes que são os maiores, o Variações Médias. A gente tirava no barco e jogava de novo para dar outro lance e ficava fazendo essa separação. P/2 - Só você e ele, ou tinha mais gente? R - Era eu e ele. Depois nós vimos que dava mais produção em terra, trabalhando com o produto em terra. Foi o tempo que nós colocamos outro pescador, para pescar e comprando de outros barcos. Tinha um monte de mulheres que limpavam com a gente. P/1 - Como era a rotina de vocês nessa? R - Era bem correria. A gente gastava demais, ganhamos muito dinheiro, mas gastávamos muito dinheiro. Eram 12 mulheres limpando camarão e era aquela correria, até que um tempo a gente se endividou demais. Ficamos em Porto Seguro e começamos a trabalhar aqui um pouco, vimos que aqui era um lugar bom e viemos conhecer. Como era um lugar bom para mexer com camarão, ficamos aqui. Depois disso, fazemos nos barcos e ficamos aqui mesmo comprando camarão. P/1 - Mas vocês compravam e mandavam para Belo Horizonte? Como que era? R - Mandavamos, mas depois começou a mudança de transportadora e nós tivemos que parar. Paramos, porque teve um tempo que ele ficou doente, e eu tive que fazer tudo sozinha. Foi o tempo em que eu tive outra filha, a Íris, mas eu nunca tive tempo de cuidar das minhas filhas. A verdade é essa, nunca tive tempo de olhar muito as minhas filhas. Eu estava sempre trabalhando, às vezes ficava até meia-noite, uma hora da manhã com ele. Depois que ele ficou doente, eu tive que fazer isso sozinha e ficou mais difícil. P/2 - Quando vocês tinham várias mulheres trabalhando, limpando os camarões, você falou que endividou, por que esse trabalho não rendia? R - Eu acho que foi porque a gente gastava demais, não tínhamos controle. A gente ganhava dinheiro, porém gastávamos muito. Não tem negócio nenhum que vá para a frente desse jeito. P/1 - Você gastava com coisas da casa? Como que era? R - Não, a gente bebia muito, fumava. Nós gastávamos com isso, eram muitos amigos. Era esse tipo de gasto que a gente tinha. P/2 - Você tentou um trabalho, começou fazendo esse trabalho de comprar o camarão e limpar. R - É, por exemplo, o barco fechava comigo, o pescador. "Ó vou entregar a você", falei "tá bom", eram dois, três barcos que entregavam para a gente. Já tinha a turma de mulheres, ele também, todo mundo ajudando, ele também ficava na parte olhando e eu fazia a parte de vendas. Tinha ele, ou outra pessoa para fazer a entrega e eu fazia cobrança, tudo aqui na praia mesmo. Era correria. Mas o vício é horrível, acaba com a pessoa e quando você entra nessa, vê que não vale a pena. P/1 - Como que era com as suas filhas? R - Elas tinham muita gente que tomavam conta delas. Sempre tinha alguém, teve uma época que a gente colocou duas pessoas para tomar conta. Uma tomava conta da casa com a maiorzinha e outra só com a bebezinha. Porque não tinha tempo, você está mexendo com camarão, não pode ficar pegando em criança. Eu separava muito isso, tinha medo de elas virem para o terreiro e furar o pé em cascas de camarão. Fundo de quintal, é assim mesmo. P/1 - Vocês vieram para cá e ficaram aqui desde então? R - Foi. Minha filhinha tinha três meses. P/1 - Como você se envolveu com a associação? Já existia? R - Já. Nós nos associamos lá. P/1 - Conta essa história para mim, como que foi? R - Quando a gente chegou aqui, conhecemos os pescadores. Fui apresentada ao presidente e convidaram para uma reunião e nós fomos. Chegando lá, nós fomos aceitos, porque aqui tem que trazer uma carta para o cacique que é de outra comunidade e que ele aceita a gente. Ele responde assinando e a gente envia para outro cacique, que era da nossa comunidade, que a gente estava indo para outra. Eu ia ter todos os direitos de __, como qualquer outro. Porém ele não, porque ele era branco, não indígena. Mas enquanto a gente estivesse junto, ele ia ter tudo. P/1 - Aqui é uma comunidade Pataxó? R - É. P/2 - E tem alguns costumes que ainda são preservados? R - Tem vários. As festas [Alguém está chamando a entrevistada], roupas, todo mundo mascarado, essas coisas todas. Tem outras festas aqui, o dia do Índio, todas as modalidades de brincadeiras, tudo o que você imaginar. É muito bom. Você vê luta, jogo de cabo de guerra, de desfile. É muito lindo, você vê as coisas, eu gosto de participar. P/2 - É diferente de onde você veio? R - É. P/2 - Porque lá também é uma comunidade Pataxó. R - É, mais aqui tem tudo. Eu acho melhor aqui, gostei demais daqui. Vim tendo uma casinha de aluguel, eu morava do lado da associação. Morei ali muito tempo, tem pouco tempo que eu saí, acho que tem um ano e meio. E fui para a minha própria casa. P/1 - É sua mesmo? R - É. Continuei sempre limpando camarão. Pelos vícios, gastando dinheiro, acabou que meu marido faleceu. Já tem cinco anos, as meninas eram tudo pequenininhas. Foi uma falta porque a gente fazia um acordo para não ficar brigando. Mas foi um tempo em que ele já estava doente por causa da bebida, deu falência múltipla dos órgãos e atrofiou até o cérebro. No último dia, ele me pediu perdão, me deu um beijo e disse que ia para a igreja porque foi a mudança na minha vida. Eu fui para a igreja e quando cheguei, eu parei de beber, parei de fumar e via as coisas melhorando na minha vida. Não pelo fanatismo, mas sim pela realidade de você ver o que Deus tem poder na nossa vida. E ele criticava um pouco, ficava com ciúmes do Pastor. Foi no dia 12 de maio que ele faleceu e logo depois a pesca abriu e eu tive que ir à luta. Mesmo com as dificuldades, eu tinha duas filhas e não podia deixar o trabalho. Eu falei "Não, eu vou continuar trabalhando" e foi bom que comecei a já ter outros objetivos, vou construir minha própria casa. Eu vou continuar trabalhando, não me deixei abater demais, porque eu via que tinham crianças que dependiam de mim, apareceram vários casamentos, mas não era isso que eu queria. Não, o meu era sempre a independência, eu acho muito bonito a independência da mulher e ela lutar por isso, ainda mais na comunidade a gente está vendo isso crescer que acho que era uma coisa mais recatada, as mulheres eram mais pacatas. Hoje não, hoje a gente vai a luta, a gente faz tudo o que a maioria dos homens faz. P/2 - A mulheres estão muito mais independentes? R - Eu acho que sim. Eu acho que eu já tenho espírito de independência. Para mudar, começa a melhorar sua autoestima, a pessoa ter como poder trabalhando ali suado e comprar. Isso é muito bom, para mim isso foi uma benção, eu conseguir comprar terreno, depois Deus abriu as portas de eu conhecer uma mulher que tem uma loja de material de construção que me vendeu tudo. Eu só ia guardando os papéis, e logo depois de um tempo eu fiz a minha casa. Faltou mais algumas coisinhas, mas já estava quase tudo pago. P/2 - O trabalho com camarão, como vocês fazem? Vocês trabalham para alguém ou cada um trabalha para si? Vocês são empregadas de uma empresa ou não? Como é isso com os pescadores? Como é essa relação? R - Aqui é contada as pessoas que trabalham. Por exemplo, tem um pescador ali que tem um barco, tem o belisco, outros pescadores aqui que trabalham assim, que vendem. O Eraldo que vende, tem as marisqueiras que trabalham com ele e eu era uma das mulheres que também fiquei junto. Mesmo sem o marido, mas eu tinha o barco que entregava para mim e eu comprava todo aquele camarão que chegava, independente de quanto chegava e eu ali já tinha as marisqueiras que trabalhavam já junto comigo, não vejo para mim, é junto comigo. A gente fala que somos parceiras, elas trabalhavam e eu também trabalhava, eu limpava só que às vezes eu tinha que estar em venda, eu tinha que estar em embalando essas coisas. Porque elas só limpavam, só descascavam o camarão. P/2 - Quando você começou a trabalhar sozinha depois que seu marido morreu você foi trabalhar para algum ____? R - Não, eu continuei. P/2 - Você comprava o camarão? R - Comprava, continuava a mesma coisa. P/1 - Depois você vendia? R - Eu vendia, já tinha os clientes. P/2 - E as marisqueiras, elas são geralmente as mulheres dos pescadores? R - Sim, tem mulheres de pescadores, também tem mulheres sozinhas. P/2 - Você ainda compra? R - Hoje não. P/2 - Mas na época em que você ____. R - É. P/2 - Você comprava e vendia, você limpava e vendia? R - Vendia, já entregava. P/2 - E as marisqueiras que não compram, que trabalham para ____. R - Muitas, porque por exemplo, eu tinha vamos supor três, quatro mulheres que trabalhavam para mim. Tem outro que também tem três, quatro que trabalham para ele e assim vai. Agora tem aquelas que trabalham aqui comigo hoje, mas se o outro pescador ali está precisando e ela já acabou aqui, ela vai trabalhar lá, não tem problema. Ou se eu não tiver hoje, ela vai para o outro e vice-versa, elas trabalham assim. A gente liga para elas também ou elas vêm na sua casa, entendeu? P/2 - As marisqueiras geralmente trabalham para o pescador ou para outra pessoa que compra e contrata? R - Aqui é por pescador. Porque aqui a gente trabalha no fundo do quintal. Uns ainda ajeitam, colocando piso e tal, mas todo mundo trabalha assim. Hoje você vê que na associação não pode trabalhar com camarão porque exige tanta coisa [risos], é uma burocracia, é _____ . É tudo limpinho também, a gente pega, lava, limpa, embala, congela. É muito bom, porém, numa associação é diferente e aqui não tem uma outra empresa que contrate marisqueiras, pega do pescador o camarão e contrate a marisqueira. Aqui é a gente mesmo, os pescadores que limpam na sua casa, mas agora são poucas pessoas porque tem pescadores que só é para entregar. Como eu tinha o pescador que me entregava, vamos supor, tinha o Eraldo que ele já entregou para mim, mas hoje ele limpa, faz o processamento dele para fazer as entregas. Mas ele já entregou para mim antes. Tem outro pescador, o Nilson, também que entrega para mim e hoje ele não limpa para ele, mas ele entrega para o Eraldo. Tem várias pessoas que falam "Lu, quando você for voltar a mexer com camarão, eu to ai para entregar para você de novo". Só que eu não tenho agora, porque não pode misturar as coisas, já que eu to na associação, é diferente. P/2 - Você acha que seria melhor ter algum outro jeito de fazer? Como vocês fazem do peixe agora ou não faria diferença? P/1 - Por que você falou que não dá para fazer? R - Na associação não dá, porque os órgãos exigem selos para você estar trabalhando legalizado na associação. Vamos supor que uma pessoa jurídica para uma pessoa física, tem as suas diferenças. A gente trabalha assim para eles, eu acho que ilegal, porque a gente trabalha, mas é um trabalho artesanal no fundo de casa. P/2 - Eu perguntei se esse trabalho artesanal ____. R - É. Mas, lá na associação não pode. P/2 - Você acha que se mudasse esse trabalho artesanal faria bastante diferença para a qualidade ou não? R - Não. P/2 -Isso que eu quero saber. R - Não, é só papel [risos]. P/1 - O peixe vocês conseguem limpar lá? R - É, o peixe pode. O camarão, eles falam que a gente tem que ter o CIF. P/1 - O que é isso? R - É um selo que eles exigem de uma cooperativa. Por exemplo, para a gente enviar uma nota, podemos enviar uma nota para o mesmo estabelecimento, um hotel, uma pousada aqui, a gente não vai pagar nada em uma nota avulsa. Por enquanto nós estamos legalizando nossos documentos. Agora para o camarão, a gente tem que pagar 17% do imposto, então o camarão já é um pouco mais fino, acho que ele tem o cuidado também. Mas as pessoas que mexem com ele, são pessoas que sabem trabalhar. P/1 - Como que foi que você se envolveu com a associação? R - Da associação? P/1 - É, como que você se envolveu? Por que hoje em dia você trabalha lá? R - A gente se envolveu porque eu fazia parte das reuniões. Depois eu fiquei um tempo sem ir, porque a gente vê algumas coisas que às vezes não aceita. Depois mudou a diretoria e eu comecei a chegar mais perto, participar, eu estava sempre junto, conversando com o presidente antigo, que é meu amigo. Daí veio o diretor de pesca, que era o Chepa, começou a vir e sempre estava junto com a gente, fazendo reuniões, prestação de contas. A gente ficou mais junto. As pessoas que estavam mais presentes e depois veio o trabalho de eles estarem fazendo aqui o cultivo de ostras. P/2 - Antes de o projeto chegar, quando você ia nas reuniões da associação, sobre o que eles falavam? R - Eles falavam de algum problema que estava acontecendo, falavam do projeto para fazer uma unidade, fazer uma associação mesmo. Até porque eles não tinham um lugar para fazer uma unidade de beneficiamento. Tinha projeto e também já era ___ de muitos anos. Projeto de vir barco e parece que veio motor de barco, freezer, material de pesca. Eles dividiam, mas nem todos se agradam. A gente preparar, aí chega o barco, vamos montar, todo mundo preparado para receber esse pessoal, então vinha todo mundo, enviava convite e ali na reunião falavam a vinda das pessoas, falavam sobre a gente estar fazendo ofício para pedir as coisas para ajudar a gente, trabalhar direitinho. Eles vinham e era muito bonito. Eles registravam tudo e assinavam, porque a gente dava sempre o papel. Falavam da situação que estava encontrando a associação, ela estava ai, porque ficou dois anos essa unidade sem funcionar. A gente sentava e conversava, uma vez ia fazer um mutirão de cada um, quem é que tem um freezer, dois freezers. Eu mesma tinha um e falei "Eu empresto", outro falava, "Eu também empresto", e a gente ia fazendo assim, não ia esperar mais, porque não dava mais para esperar porque uma área dessa, esse beneficiamento novo, parado, não podia. P/1 - Como que vocês conseguiram essa unidade de beneficiamento? R - Isso já tinha a muito tempo. Quando eu comecei aqui já existia esses projetos de que eles vinham pedindo uma associação para a comunidade indígena. P/2 - Os pescadores em geral, a maioria participa de tudo isso? R - Participa. Todos ___. P/2 - Ou é só um grupinho? R - Não, o grupo que a gente fala é de todos os pescadores, marisqueiras. Eu acho que não pode haver grupo, eu acho que são todos nós. Quando tem uma reunião, por exemplo, vai o Secretário mais outro, uma marisqueira ou por exemplo, eu vou para a igreja e se eu encontrar as marisqueiras lá, eu já dou o convite para elas. Outros já vão de bicicleta, vai na porta de cada um. A gente faz assim. P/1 - Quantas pessoas mais ou menos participam? R - Tem vezes que é 50, por causa do horário. Tem dia de semana que vem pouca gente, o horário também, porque muitos estão trabalhando, é dia de semana. Agora quando é final de semana, no sábado vem a maioria, muitos pescadores. A gente marca na ata, as vezes dão 50, 60 pessoas, depende. P/1 - Que legal. E como que você conheceu o projeto "Pescando com Redes 3G"? R - Foi quando eles vieram aqui conhecer a comunidade e fizeram a reunião, apresentando Chepa, que fazia esse intermédio. O Chepa virou tão popular, que a gente tem a maior amizade. E ele que veio trazendo o pessoal aqui, para nos conhecer. No começo a gente ficou meio cismado com o que esse povo queria e depois eles começaram a explicar o que eles queriam fazer aqui com a gente. P/1 - Você falou que vocês ficaram meio ___, o que vocês pensaram? R - É porque quando a gente não conhece fica meio ___, você não sabe. Foi atrás deles capacitarem a gente fazendo curso, tendo aulas, para a gente conhecer porque não entendemos. Porque aqui na nossa região não tem muita ostra, tem no fundo no barco, mas não tem igual outras comunidades. Mas a gente não trabalhava com ostras.. Tem uma pessoa, um rapaz que ele compra e revende aqui. P/2 - Me explica, o que é o projeto para você? As principais atividades, o que é a proposta? R - Do projeto? P/1 - É. R - Eu sei que ele é um bem sustentável, ambiental. A gente via uma pessoa, um povo que veio lá de fora, não é daqui e veio nos ajudar, com as pessoas todas jovens, inteligentes e que entendiam e estavam explicando para a gente coisas que a gente não conhecia. Eles na parte que eu vejo, foram um aprendendo com o outro, porque eles deixam espaço para a gente falar e sempre deixaram espaço de escutar e aprender, nos ensinaram na parte teórica e depois ia para a prática. Eu vejo que era uma coisa que cria união. Eu lembro do Ricardo, era um amor de pessoa, um menino maravilhoso. Eu lembro que a gente trabalhou muito tempo juntos. P/1 - Quem é o Ricardo? R - O Ricardo __. P/1 - Quem é? R - Era o engenheiro. Ele que começou, era o Ricardo e o Tiago quando começou a vim dar uns cursos para a gente, começar a conversar com a gente. P/2 - Curso do que? R - De administração, de pesca em potes, de polvo, curso para a gente mexer com ostra. Era muito curso que a gente vivia fazendo e eu estava em todos, porque eu gostava, por isso eu estava ali sempre. A gente criou uma amizade boa. Chegava e tomava cafezinho, era muito bom. O projeto, que eu via mesmo, foi de nos ajudar a conhecer mais sobre a nossa área, porque a área é da pesca e coisas que às vezes a gente não sabia. Era uma harmonia, eles trouxeram para a gente até uma união. Isso foi muito bom, porque ele não excluía ninguém, se ele ligava para um, ele ligava para todos, se ia na casa de um, ia na casa de outro. Só deixou coisas boas, estava sempre olhando o lado do pescador, das marisqueiras, o que vai fazer, como é que vai ajudar, como é que vai pagar. Uma forma de sustentação para cada uma de nós que trabalhava e mexia com o camarão e já ter aquele dinheirinho, dinheiro do pão. Eles tinham esse cuidado, não de tirar do pescador, não deixar o atravessador entrar. Eles querem nos capacitar para nós mesmos, porque nós somos capazes de entregar em um hotel, em qualquer outro lugar, sem ter um atravessador e chegar e comprar o nosso produto, e nós ficamos esquecidos. Não, eles não querem isso, querem que a gente esteja sempre fazendo esse processo. Foi muito bom porque eles iam fazer isso lá em Cabrália só que não tinha aquele espaço e aqui foi muito rápido. Quando viu que a ostra não ia dar mais certo e a gente fazia de tudo, fazia de 15 em 15 dias, nós estávamos tirando as ostras, pegava os pescadores e os homens traziam do mar, colocavam ali no local em que a gente limpava as ostras. Tinha a parte de medir, e tudo tem um nome, cada aparelho. Era muito legal, tudo anotadinho, tinha que contar em cada parte, nas lanternas, quantas tinham e era bom porque a gente estava ali. Era uma coisa tão gostosa e depois nós começamos a fazer o café da manhã, trazia as coisas, comidas típicas nossas mesmo, o mungunzá, um bolo de tapioca. E a gente ria porque ele só trazia biscoito. E a gente só trazia essas coisas, bolo de fubá. Colocava tudo arrumadinho, todo mundo comia e bebia. P/1 - Isso era de manhã? R - Era de manhã. P/1 - Antes de começar o trabalho? R - Era antes, a gente tomava o café e já começava, mas sempre chegava gente e eram sempre bem-vindos porque tinha muita coisa. A gente fazia porque eram umas 15 pessoas naquela época, mas a gente fazia para mais pessoas. P/2 - Quando eles vieram com a proposta de vocês fazerem o trabalho com ostras, aqui nessa região não tinha ostras, o cultivo delas? R - Não. P/2 - Vocês não pegavam e nem tem? R - Não. P/2 - Como eles falaram para vocês, por que fazer esse trabalho com ostras? Você lembra? Por que eles trouxeram um projeto novo? Por que seria bom fazer? R - Eles falaram que era para a gente ter uma fonte de renda, porque através das ostras, a gente cultivando e elas se multiplicando, porque ela ia se multiplicar, a cada tempo através da sementinha ela ia produzir mais sementes e nós só íamos ter o cuidado de manejar sempre elas. Porém, a gente ia ter como vender, ele ia fazer essa parte, o projeto chegou com essa parte de dar tudo para a gente, a gente só ia chegar com a boa vontade e mão de obra. Mas eles iam fazer a parte de vendas, nos capacitar e ia ter um carrinho, tipo um carrinho de cachorro quente, mas próprio para as ostras, para você pegar e ir vender elas. Ela conservada e toda viva, não tinha problema nenhum para fazer mal à uma pessoa e eles iam dar a garantia quando entregasse a qualquer cliente. Eles tinham esses cuidados, para a gente não pegar e vender uma ostra morta e fazer mal a alguém, sem a gente saber. Eles ensinavam a gente. Uma forma sustentável para cada um que participava, ele falava em vários números que poderiam ser vendidos e a gente investir mais e depois estar lucrando. P/1 - E hoje em dia, qual a sua participação no projeto? R - É, acabou as ostras. Vieram os freezers ___. P/2 – Por que acabaram as ostras? Por que não deu ____. R - Por causa da salinidade. O sal estava matando as ostras, não estava dando. A gente ficou mais de um ano só cuidado delas. E viu que não tinha mais jeito e eles compraram os freezers e me convidaram para trabalhar dentro da associação. Que já tinha os barcos, então faltava o lugar para beneficiamento, mas como beneficiar se não tinha freezer, se não tinha nada? Eles doaram dois freezers para a gente. Todo mundo ficou sabendo, todo mundo ficou feliz com os freezers que chegaram lá. E aí começamos a abastecer o barco, eles colocaram capital, pouquinho mas colocaram. Começou a pagar a dívida, porque tinha muita dívida, porque a única ficava ali mas tinha muita taxa de energia que de qualquer forma você paga. Começou a pagar muitas coisinhas. P/1 - O barco já tinha? Já era da associação? R - O barco já era da associação. P/2 - O projeto deu dois barcos? R- Não, dois freezers. P/2 - Você dizia dos barcos que chegaram? P/1 - Esses barcos quem deu? R - Foi, eu sei que a entrega veio o Ministro da Pesca , foi o Altermir Gregolin, alguma coisa Gregolin P/2 - Então foi o Ministério da Pesca? R - É. P/2 - Um barco? R - Os dois barcos. P/2 - Dois? R - Foi, os dois barcos e foi até no dia da festa do índio, que eles foram lá e tiraram foto. Depois o barco já estava funcionando, já estava trabalhando, porém, o Presidente antigo que fazia esse processo estar na casa dele e os barcos chegavam, ele fazia o pagamento e tudo. P/2 - Quem cuidava desses dois barcos? R - Era o presidente. P/2 - Os dois? R - Os dois barcos. P/2 - E os peixes pescados ___. R - Chegavam na casa dele. P/2 - E quem ficava com o dinheiro da venda dos barcos? R - Era ele também, ele que fazia tudo. O barco chegava, ele pesava, pagava os pescadores, abastecia o barco, não tinha esse controle todo que tem agora. P/2 - Da associação? R - É, agora tem um controle total. P/1 - Como que é agora? R - Agora sim, eles fazem planilhas. Eu sou apaixonada por planilhas, meu outro chefe falou assim "Eu vou te dar até um curso", porque eu falei que meu sonho era fazer uma planilha. Fazer do que eu já sei, da perda de um peixe, do camarão, porque eu faço isso no papel mais é tão bom se eu soubesse fazer planilha. Hoje até eu copiei uma, eu comecei a fazer de associado, ficou toda bonitinha. A outra que ele fez de despesa, que eu que mexo com extrato de despesa, compra essas coisas de pescado. Eu fiz toda bonitinha para o Fabrício ver, toda coloridinha, despesa de barco para o barco uma cor, despesa da unidade outra cor, despesas extras, créditos também outra cor, tudo separadinho em saquinhos. Isso para mim é um orgulho porque eles gostam, vê que está organizadinho, tudo o que está lá no extrato não sai nada sem ter uma notinha. Hoje eu faço questão de chamar qualquer um associado, dos antigos, presidente, vice, até chamei um semana passada e mostrei detalhe por detalhe e eles ficam encantados. E agora sim, agora o negócio está indo. Para mim é um orgulho de fazer isso funcionar. Não assim, aceleradamente, mas está começando, está caminhando, mas eles sempre reajustando. Como eles entendem mais essa parte financeira estão sempre me chamando, sempre conversando, "Ó vamos cortar gasto", já que é para cortar gastos vamos começar por nós aqui. Porque eu falo "No papel ali eu estou como gerente", da associação também, do membro estou como tesoureira. Mas uma coisa eu falo para todos eles, "Aqui nós somos um só", então se é para um fazer uma coisa, todos vão fazer. Aqui não vai ficar colocando cargo, é para a gente ajudar a associação e vamos começar por nós. A gente vai limpar o peixe, todo mundo vai limpar o peixe, porque já é uma forma. Não que nós não vamos deixar as marisqueiras sem receber seu dinheiro, as vezes a gente pega uma ou duas, mas aquela quantidade de 12 não estamos pegando mais, para ajudar a associação a crescer. Eu acho que é assim que tem que ser, aquela força, tudo unido, isso é muito bom e muito importante para a gente. P/1 - E esses aplicativos, você contou um pouco. Como que foi essa mudança? R - Meu Deus do céu. P/1 - É bem diferente? R - Eu não sabia nem mexer, ficava até com vergonha de ficar perguntando toda hora. E o que ele faz, eu tinha medo de apertar com o dedo porque já mostrava um monte de coisa. Mas depois a gente teve aula até para isso, para mexer no Smartphone. No início ninguém queria mexer, só deixava e todo mundo fez o curso. Uma que pegou mais a gente deixava mais com ela, porque vinha pessoa de fora para a gente apresentar aquilo tudo. Então, a gente sempre colocava uma pessoa lá - "Você vai ficar com esse bicho aí" [risos]. P/2 - Quantos fizeram o curso? R - Não me lembro. Mas era sempre muita gente, eram umas 15 pessoas. Aqui era muito bom e depois veio o computador. Só que aí eu já mexia um pouco, porque o marido já mexia e tinha me ensinado, mas eu nunca tinha feito curso de computação/informática. A parte que eu mais gosto, é a planilha. Tem a parte da internet, eu não entro muito lá, quem entra mais é o outro colega, o Luan. Eu só entro mais na parte financeira, nas planilhas, na compra de pescado, despesas, saída, venda. É a coisa que eu mais gosto, é sentar ali e atualizar o extrato, é o que eu gosto. Se eu mostrar à Fabrício o extrato hoje, o cara tem um olho que ele fala assim "Isso aqui", então tem que ter tudo detalhado. Ele está sempre com a gente sentando e conversando como é que a gente vai fazer esse extrato, vamos colocar os 35%, vamos colocar despesa mais vale, de tal barco, ficou mais completo com ele. Aí veio o Rui nos ajudando com isso, hoje eu falo assim "Rui antes eu achava você meio assim e tal", mas hoje não, eu vejo seu espírito de ajudar a gente, ajudar e ensinar. P/2 - É desses dois barcos que os peixes vão para essa unidade ___. R - É. P/2 - Desses dois barcos que o Ministério trouxe, né? R - É. P/2 - E os pescadores que participam disso, quem são? R - É, agora mesmo a gente está com dificuldades de pescadores. Porque não são todos que vão encarar o mar, para ficar 12 dias, a não ser que tiver um temporal porque aí eles tem que vir antes. Como agora, o tempo estava demais e eles vieram, não tinha nem uma semana. Chegaram ontem, mas eles ficam 12 dias, a urna de gelo está cheia, eles têm rancho e só vai comprar algumas coisas para amanhã eles saírem de novo, para não perder tempo aqui. P/2 - E os outros barcos ficam menos tempo, no mar? R - Esses barcos pequenos é de arrastão. E arrastão você vai de madrugada, chega no mesmo dia, é diferente. Todo dia você está em casa. Agora esse de linha, não, esse é de ficar dias. Não são todos, são os pescadores contados. P/2 - Querem fazer ____. R - Querem, mas a forma que eles pescam, de linha junta, exige que conheçam mais o parceiro que eles vão levar, porque a linha separada é muito fácil de um pescador chegar ali e pegar um vale, R$150 reais, R$200 reais para deixar para a sua família. A gente coloca tudo para o barco sair, mas o que acontece se aquele pescador, tem um que pesca mais, o outro não pesca, o outro dorme mais. Então, ali é cada um por si. Mas aí quando ele chega,não consegue pagar o vale dele, nem a despesa. Na verdade, ele já sai devendo. Não é vantagem para a associação, porque a gente só estava perdendo, só fica débito. Porque de cada barco, de cada pescador, sair um e fica um devendo R$200 reais, e outro R$100 reais, outro R$300 reais, quando você vai ver é mais de R$1000,00 reais. É um rombo que vai para a associação. Agora é linha junta, é diferente, é todos por um, porque vão pegar e pescar junto, claro que se ele ver o colega dormindo, vai acordar o pesqueiro e vice-versa, mas estão juntos porque quando chegar é descontado toda a despesa, agora os vales são individuais, do saldo dele que vai ser descontado o vale. É diferente porque a associação nunca vai entrar, ficar em débito. P/2 - Quem teve essa ideia da linha junta? R - Eles já tinham isso, pescavam tanto de linha junta como também de linha separada. Só que nós fomos vendo junto com os meninos do projeto, que não estava dando futuro a de linha separada. O Fabrício, o Rui, os pescadores e o Presidente fizeram uma reunião e o Presidente falou "A partir de hoje vai ser assim, só de linha junta, não vai mais de linha separada" e eles concordaram. Tem uns que às vezes não gostam. A associação não está ficando no prejuízo, como às vezes ficava. P/1 - O que você aprendeu de mais importante participando do projeto? R - Foi as planilhas [risos]. Foi porque, na parte de peixe eu não tinha muita experiência, tinha experiência mais camarão, mas assim, nós vamos trabalhar, esse peixe não tem aquela dificuldade. Acho que o camarão ainda é mais fino que o peixe. Trabalhar com gelo a gente sempre trabalhou. A gente sempre trabalhou de limpar o peixe direitinho, foi mudando, começamos a organizar até as embalagens e foi assim, essas coisas foram dia-a-dia. Foi dia-a-dia que nós fomos mudando, mas o peixe em si, nós já sabemos mexer, mexendo com marisco. Agora com a parte do projeto, eles falam ainda essas coisas de nós reaproveitarmos, só que nós ainda não temos esses materiais para fazer isso. Mas eles estão sempre conversando com a gente, sobra um pedaço e nós fazemos uma isca de peixe. Essa apresentação que eles fizeram da gente com para os clientes, foi muito bonita, foi boa. P/1 - Como foi isso? R - Foi em um hotel, nós fomos, todos os colegas que trabalham no projeto direto mesmo e fomos apresentados a todos os clientes. P/2 - Em quantos vocês são? Esses apresentados? R - Três que trabalham e o presidente, porque ele não pode ficar de fora. Ficamos com um pouquinho de vergonha na hora, o povo elogia muito aqui. Isso eu acho que é a nossa força, sempre aumentando, de saber uma coisa aqui dentro que está indo para frente. Pessoas que mexem com isso, a luta foi grande, sempre vem barreiras mas a gente se apegando com Deus e trabalhando com fé e ação. Acho que tem tudo para dar certo, é só crescer. P/1 - O projeto trouxe alguma mudança para a associação? R - Sim. Eu falo sou suspeita um pouco de falar, porque eu gosto muito do trabalho com eles, não pelo o que eu recebo, porque quando eu comecei foi um pouquinho, mas não era isso que ia me fazer trabalhar mais ou menos. O importante é a gente estar com o espírito de trabalhar em uma coisa que vai ser um orgulho, uma coisa que vai acontecer e que vai dar certo. Eles estão sempre conversando. A parte financeira é o principal. Eles nos ajudaram nisso com tudo. Eu sou muito suspeita porque eu gosto demais daquelas planilhas. P/1 - E hoje vocês conseguem controlar? Como que é? R - Muito. Ontem eu não tive tempo, só um pouquinho, porque o barco chegou e eu já tive que pesar, o moço pesando e eu anotando tudinho, depois eu fui para o escritório com o Presidente e eu passo tudo para a planilha, mas ele sempre presente porque é bom sempre tem um homem ali, porque vem todos os outros pescadores. Ali eu chamo um a um para conversar e explicar como é que é, só que ontem foi coletivo e eu aproveitei e expliquei uma vez. Porque se é para eu explicar uma, duas, três vezes eu explico a mesma coisa, mostro a despesa deles, tudinho, vamos supor, vocês fizeram o mercado mas o feijão não foi, porque o feijão a gente compra o fardo e eles compram daqui, que é mais barato. Porque a gente ainda não tem essa condição mas depois a gente vai ter o próprio mercadinho da UBC. Sempre ajudar o lado do pescador. Eu explico todos os pescados que eles trouxeram, os quilos e o valor que nós colocamos, porque é tipo uma bolsa de valores, eu tenho que estar ligando para Porto Seguro, para as cooperativas, têm que estar ligando para Cabrália. A gente sempre dá um preço especial para eles. P/2 - Vocês vendem para essas cooperativas? R - Não, eu estou sempre olhando os preços, tenho que estar sempre atualizada dos preços de compra. P/1 - Por que vocês compram o peixe deles? R - Não, a gente compra do pescador. Porém, a gente tem que estar sempre atualizando os preços deles. P/2 - Para vender depois? R -É, para a gente comprar. P/1 - Para saber o preço? R - Para a gente comprar e depois nós fazemos outros cálculos de venda. P/2 - Quantos pescadores são participantes dessa ____? R - Que está indo? P/2 - Tantos dos dois barcos, depois de tudo isso que você contou, quantos mais ou menos participam disso? R - Hoje o barco saiu com cinco pescadores. Vamos supor, eles chegaram ontem no caso com cinco pescadores, mas eles já vão retornar com esses cinco. Os números, sempre mudam. A gente sempre fala "Seja bem-vindo", a vou sair, vou para outro barco, eles vêm e dão satisfação para a gente "Ah, vou pescar em outro barco". É uma pena, mas fazer o que, quando precisar estamos aqui e eles sempre voltam. Eu acho que é muito bom, a gente conversar. P/2 - Está dando para fazer esse trabalho com os dois barcos? R - Não, porque está faltando pescadores. Porque quem é de linha junta vai querer pegar um que vai hoje aventurar, eles vão levar os bons. Vão estar sempre selecionando, quando você olhar, todas as planilhas passadas de pescadores vai ver que tinha vários pescadores, mas vários aventureiros que iam hoje e não pescavam muito e ficavam na dívida. Hoje não, eles jamais iam levar, não fazem questão de levar uma pessoa que não sabe, eles querem levar uma pessoas que sabem. P/2 - Quem decide entre eles? R - Tem um mestre. Era por exemplo dois mestres, aí quer dizer que com a linha junta ficou os dois mestres juntos e eles tem a união de estar tudo meio a meio. Um ganha e o outro ganha, porque tem cotas de cozinheiro, de gelador, tem cotas. É bom. P/2 - Esses mestres que começaram, quem que escolheu eles? É a associação que decide? R - É assim, desde a época do outro Presidente, ele saiu e deixou o cargo para o outro e esse ficou. Só que quando ele veio para esse cais aqui, sempre foi ele de mestre. Teve outro pescador que apareceu e a gente deu a oportunidade, o Presidente deu a oportunidade de ele ser mestre, mas como ainda tem muita coisa para ele estar aprendendo com o GPS, essas coisas. Eles estão indo, enquanto esse outro mestre pega um pouco mais como é amanhã direitinho, vai aprendendo com esse outro já antigo e depois esse mais antigo está disponível, para procurar a tripulação dele. Porque o barco está tudo direitinho, mas a gente tem todo aquele cuidado de sempre que o barco chegar, estar lavando, está faltando alguma peça , que está dando problema, nós temos o cuidado de arrumar. P/1 - O que mudou na associação com o projeto e na sua vida? R - A minha vida melhorou porque eu aprendi mais, na parte de administração. Porém, hoje tudo tem que ter o papel para comprovar que você sabe mesmo, então eu falei para eles que queria fazer um curso bom de administração, por isso eles já me ofereceram. Eu voltei a estudar, porque na época do marido eu parei de estudar e já no último ano, por isso, não conclui. Mas agora como eu também não tenho tempo de todo dia ir para a aula, fui para fazer minha inscrição em Eunapólis, uma cidade vizinha e lá vou fazer a prova uma vez por mês. Eu estudo, eles me dão um papelzinho e você procura na internet, hoje é tudo mais fácil. Ai eu pego o tablet e levo para casa fico estudando lá, à noite são as as aulas que eu tenho. Vou estudar e no dia vou fazer prova. Para mim isso foi bom, um incentivo que eu vou estar sempre aperfeiçoando. A gente tem que estar sempre no estudo, não tem jeito e é benção, é bom demais. Às vezes você está de fora você fala "Poxa, tanto tempo, parei em 2003, muito tempo né, sem estudar", mas vale a pena e nunca é tarde. Eu estou com mais vontade de fazer o que eu quero e assim tem me ajudado bastante. Eu acho importante a honestidade, se no extrato falar que tem tanto ali, oito mil, pode saber que tem. Para mim isso é um orgulho. Eu quero me aperfeiçoar porque acho que isso é muito importante, o projeto tem me ajudado com isso, porque ele automaticamente vai te obrigando a aprender mais. P/1 - O que você ainda gostaria que acontecesse na comunidade? R - Como assim? P/1 - Em relação à pesca. O que você ainda gostaria que melhorasse? R - O que eu queria, acho que estou vendo aos poucos. A maior participação dos pescadores. Eu estou vendo através do conselho, dos membros que foram todos especiais, todos que trabalham e participam, é muito bom, porque a gente tem as nossas reuniões de membro e qualquer coisa a gente fala, eles estão vendo. A associação aprender mais um pouco de associação, ter o mesmo espírito que todos que estão participando, porque eu vejo que na reunião muitos falam, "A associação tem que ajudar o pescador, porque não está ajudando?", falam, "Não está ajudando o pescador, porque estão vendendo tudo mais em conta", e a gente sempre fala, "A gente está aqui para pegar todos os pescados", só não o camarão, por enquanto. Estamos aqui de portas abertas, hoje temos como comprar esse pescado de qualquer pescador artesanal. Porém, temos algumas exigências que eu não posso mudar. P/2 - Quais são as exigências? R - Se eu for comprar o pescado de um pescador artesanal, quero comprar fresco. Eu tenho que olhar os olhos, a guelra dele, porque a gente aqui está no foco, entregamos para hotéis, para empresas grandes. Nós vamos estar levando o nome da APIP (Associação de Pescadores Indígenas Pataxó). Eu visto a camisa da APIP e do projeto. Eu vejo que tem essas exigências porque a gente não pode estar falhando, tem que abrir mão de certas coisas, tem hora que tem que falar não. Porque se a gente abre mão para um, como que isso vai crescer? Nenhum negócio vai crescer, mas todos têm que aprender, tem hora que você toma um susto porque em uma reunião uma pessoa pega e fala isso, você fica, poxa, o que eu estou fazendo aqui? Porque estou vestindo isso aqui? e não é assim. Esse dinheiro está aqui, a gente ainda não tem condições de estar ajudando comprando uma linha para um pescador, mas a gente pode ajudar comprando o pescado dele. Depois eu conversei com um pescador, o Ramil, meu tio, chamei ele e falei assim "Olha, eu falei isso porque a gente não pode vender", é modo de dizer comprar gato por lebre. A gente não pode fazer isso, a gente tem que responder o que a gente está vendendo, a qualidade de tudo o que a gente está vendendo. Ele falou assim "Ó minha filha, eu já trabalhei há 20 anos em cooperativa e você não acha que você está errada não, você está certíssima, sabe porquê? Eu fui vender e ele disse que já teve o caso de vender ou uma pessoa vender um peixe e a pessoa chegar com a panela pronta do peixe e falar que não dá para ninguém comer o peixe". Ele contando essa história de gente que chegou com a panela na casa do pescador e falar "Olha Seu fulano, não dá para comer, o peixe está ruim, está amargo". Ele falou "Você está mais do que certa", se é aquilo mesmo e vale paralelo não é assim, são coisas que você se torna meio rancorosa, mas acho que tudo é em função do crescimento da associação e o projeto nos ajuda porque tenho que responder para eles. Eu tenho que responder pelo projeto, porque eu trabalho no projeto, recebo pelo projeto. Acho que é uma forma de que eles nos ensinaram a ser mais responsável. Ainda mais em uma coisa que não é sua, a associação não é minha, é nossa, dos associados. Mas vamos chegar a um tempo de poder comprar um motor para um barco e poder ajudar um pescador de ele pagar de todas as formas que ele quiser. Só que por enquanto a gente não pode, estamos começando a engatinhar e todo mundo está vendo. Os associados estão acreditando mais, porque todo mês a gente esta prestação de contas, de tudo o que entrou, de tudo o que saiu. Acho que isso é o orgulho, de você estar trabalhando direitinho e com a coisa que gosta. Porque é uma coisa que eu gosto, mexer com marisco, eu amo. P/2 - Uma hora você acha que o projeto pode, porque tem começo, meio e fim. Vocês falam disso, uma hora que o projeto tiver que concluir, como que vai ficar? R - Falamos. P/2 - E ai? R - Falamos sim, porque só é etapa. Já está na segunda fase do projeto, mas tem possibilidade de existir a terceira. Mas, a gente está sempre conversando que talvez não tenha, então como que vai ser? Vai começar o que? Tirar todo, aí é cálculo, eles sentando e nós conversando, porque a gente também não pode colocar a faca em um cliente, as coisas muito caras, porque nós somos uma associação. A gente tem que ajudar o pescador, a marisqueira e também levar qualidade para os clientes e o menor preço, eles deixam os seus fornecedores para comprar da nossa mão. Mas sim, uma parte sustentável de estar comprando e nos ajudando, a gente tendo eles, vai ser sempre. E se a gente estiver trabalhando, vai ser sempre assim, independente do projeto sair eles vão deixar as raízes, que foi a pessoa que está ali na parte das vendas, responsável e capacitando outras também. Cálculos são importantes, porque hoje não sai dinheiro dali, é do projeto. Mas vamos fazer cálculos já com o dinheiro dali, vamos começar a trabalhar com os produtos, começar a trabalhar com os próprios pescados de hoje, já embutindo despesas gerais, toda despesa de funcionário também. Então a gente já está começando a trabalhar com isso. P/1 - Que legal. R - Aos pouquinhos já estamos. P/1 - Você acha que os jovens estão se interessando mais pela pesca agora ou não? Depois que veio essas tecnologias? R - Eu acho que sim. P/1 - Você vê alguma mudança nos jovens? R - A gente faz questão nas reuniões, queremos que todos participem. Pode levar filho, todo mundo. Aqui na associação a gente vê também a participação deles, os pais por exemplo, estão vendo que pode ser um futuro. Estamos sempre com planos, reunião só de pescadores que às vezes a gente vai, só da comunidade pesqueira do extremo sul da Bahia que a última vez que nós fomos, foi eu, o Presidente e o Secretário e quando chegamos lá, conversamos e cada um bate papo e fala a mesma língua. Vamos procurar, vamos ter projeto de fazer uma escola de pescadores, de técnicos, de engenheiros, coisas que aqui a gente não tem. Acho que a gente está sempre querendo buscar para os jovens, porque hoje o jovem tem que sair para fazer outro estudo. Você já pensou se viesse uma escola para o nosso Estado, nem falo só para a nossa comunidade, para o nosso Estado que iria abranger todos os outros filhos de pescadores. Isso seria uma maravilha. Hoje vai ser falado sobre curso, o Presidente veio de Salvador, vai ter curso para jovens. P/1 - Curso do quê? R - Capitão e mais umas coisinhas que eu não posso falar, porque é ele quem tem que falar. Vem muitos jovens, pais que vão querer inscrever os seus filhos. É bom, a participação, todo mundo ser capaz de ir para o mar. Isso é muito bom, a participação dos jovens. P/1 - Acho que a gente já está terminando, você tem mais alguma pergunta? P/2 - Não. P/1 - Acho que só uma última aqui. O que você espera para as suas filhas, quando elas crescerem? R - Ah, eu sempre pergunto à elas. Eu já vejo no espírito delas, a independência. Elas falam "Mãe, quero que a senhora faz a minha casa lá no fundo", eu falei, "Ótimo, vou fazer sim". Então, elas falam assim "Mãe, mas eu vou almoçar todo dia na sua casa", eu falo que não tem problema, mas tem que ter seu cantinho. Eu acho que estou sempre passando isso para elas, eu falo assim, "Eu não quero que você ___", não vou dizer que eu não trabalho, que eu me orgulho do meu trabalho, me orgulho de limpar o peixe, me orgulho de vocês chegarem aqui e eu não tenho vergonha se eu estiver de touca, de bota. Eu me orgulho disso e também de ser mulher, sou independente, posso sair e fazer meu cabelo, me arrumar, normal. Acho que eu sempre passo para as minhas filhas, independência. Eu já vejo que são umas meninas assim, eu não sei porque, eu vejo elas muito independentes, elas se dão com as pessoas. Mas eu passo isso para elas, que o trabalho de limpar o peixe, o camarão é muito bom. Claro que uma mãe quer o melhor para o filho, eu quero que ela estude mais e vá procurar o que quer, uma profissão melhor. Eu falo para ela que eu me orgulho de mim, mas que eu quero que ela estude e vá em frente, se ela tiver que sair daqui, saia. Eu posso sentir saudades, mas eu vou querer o melhor para a minha filha. Não vou prender minha filha, como a minha família queria me prender, vou deixar o caminho aberto, se quer estudar em outro lugar, vai. Sou muito amiga das minhas filhas, brinco com as colegas delas. Tem hora que eu tomo susto, que elas falam cada coisa, mas eu volto e falo, "Agora eu sou amiga, eu não sou mãe", é muito bom isso. Quero o melhor para as minhas filhas e que elas sigam o caminho delas. P/2 - Está ótimo. P/1 - Tem mais alguma pergunta? P/2 - Não, está muito bom. P/1 - Como que foi contar? Gostou? [risos] R - Foi bom [risos]. Não olhando para esse negócio [risos]. Foi bom. P/1 - Você foi ótima. Achei que deu tudo certo [risos]. P/2 - É, olha só.
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