P/1 – Então, Alcy, boa tarde.
R – Boa tarde.
P/1 – Eu queria começar a nossa entrevista pedindo pra você falar o seu nome completo, data e local de nascimento.
R – O meu nome é Alcy Linares Deamo e eu nasci na região de Bauru, num lugar chamado Nogueira. Mas eu aprendi a andar aqui em São Paulo, eu fui criado aqui. E nasci em 13 de junho de 1943, no longínquo ano de 1943.
P/1 – E, Alcy, qual é o nome dos seus pais e qual a atividade que eles desenvolviam?
R – O meu pai é João Linares, e ele era primeiro marceneiro, depois se tornou modelador, que é uma profissão de metalúrgica. A pessoa faz modelo de madeira pra colocar embaixo da terra e fundir a peça em ferro. Ele fazia o modelo em madeira. E minha mãe cuidava da casa, da família, tal.
P/1 – E qual é o nome dela?
R – Dolores Deamo.
P/1 – E os dois eram paulistas?
R – Não, a minha mãe nasceu em San Juan, na Argentina, e o meu pai nasceu em Guaxupé, Minas Gerais.
P/1 – Ah, a terra do Elias José, Guaxupé.
R – Terra do Elias José, pois é. Eu só estive lá uma vez, assim meio rapidamente, passando lá. Eu conheço muito pouco Guaxupé e pouco o Elias José também.
P/1 – E os seus avós, você chegou a conhecer?
R – Não. Quando eu nasci os quatro já tinham morrido, né?
P/1 – E, Alcy, você tem mais irmãos?
R – Eu sou o irmão mais novo de quarto, sendo que eu conheci só dois porque uma irmã que nasceu morreu antes de eu nascer. O meu irmão é três anos mais velho do que eu, a minha irmã é quase dez mais velha do que eu. Então, quer dizer, quando eu nasci meus avós já tinham ido.
P/1 – E, Alcy, você morou em Nogueira até que idade?
R – Não, eu não me lembro nem conheço Nogueira porque eu vim no colo pra cá e eu fui criado aqui mesmo.
P/1 – Ah, tá. E você, quando os seus pais mudaram pra cá, eles foram morar onde?
...
Continuar leituraP/1 – Então, Alcy, boa tarde.
R – Boa tarde.
P/1 – Eu queria começar a nossa entrevista pedindo pra você falar o seu nome completo, data e local de nascimento.
R – O meu nome é Alcy Linares Deamo e eu nasci na região de Bauru, num lugar chamado Nogueira. Mas eu aprendi a andar aqui em São Paulo, eu fui criado aqui. E nasci em 13 de junho de 1943, no longínquo ano de 1943.
P/1 – E, Alcy, qual é o nome dos seus pais e qual a atividade que eles desenvolviam?
R – O meu pai é João Linares, e ele era primeiro marceneiro, depois se tornou modelador, que é uma profissão de metalúrgica. A pessoa faz modelo de madeira pra colocar embaixo da terra e fundir a peça em ferro. Ele fazia o modelo em madeira. E minha mãe cuidava da casa, da família, tal.
P/1 – E qual é o nome dela?
R – Dolores Deamo.
P/1 – E os dois eram paulistas?
R – Não, a minha mãe nasceu em San Juan, na Argentina, e o meu pai nasceu em Guaxupé, Minas Gerais.
P/1 – Ah, a terra do Elias José, Guaxupé.
R – Terra do Elias José, pois é. Eu só estive lá uma vez, assim meio rapidamente, passando lá. Eu conheço muito pouco Guaxupé e pouco o Elias José também.
P/1 – E os seus avós, você chegou a conhecer?
R – Não. Quando eu nasci os quatro já tinham morrido, né?
P/1 – E, Alcy, você tem mais irmãos?
R – Eu sou o irmão mais novo de quarto, sendo que eu conheci só dois porque uma irmã que nasceu morreu antes de eu nascer. O meu irmão é três anos mais velho do que eu, a minha irmã é quase dez mais velha do que eu. Então, quer dizer, quando eu nasci meus avós já tinham ido.
P/1 – E, Alcy, você morou em Nogueira até que idade?
R – Não, eu não me lembro nem conheço Nogueira porque eu vim no colo pra cá e eu fui criado aqui mesmo.
P/1 – Ah, tá. E você, quando os seus pais mudaram pra cá, eles foram morar onde?
R – O meu irmão, que foi pra Nogueira uma vez pra buscar uns documentos lá, ele me disse que lá só tinha o cartório e mosquito. Eu não conheço, não voltei pra lá.
P/1 – Sei. E eles chegaram em São Paulo, eles foram pra que bairro?
R – A gente sempre morou ali na região de Indianópolis, né, a região que hoje é chamado ali tudo de Moema. E era um lugar pouco habitado, tinha muito terreno baldio assim. Então era uma delícia, a gente jogava bola direto e tal, ficava aprontando ali pelas ruas, subindo em árvore e tal. Vira e mexe tinha neguinho de braço engessado ali, porque tinha caído da árvore. Então era muito divertido, era muita liberdade. Não tinha esse medo de acontecer qualquer coisa, como hoje em dia.
P/1 – Quer dizer, você passa a sua infância entre os anos 1940 e 1950, né?
R – É, mais pra 1950 do que pra 1940, né? Quer dizer, em 1950 eu tinha sete anos, eu fiz sete anos. Quer dizer, é entre 1940 e 1950, 1940 e poucos a 1950 e poucos. Assim, do que eu me lembro, porque o que eu me lembro é desde uma idade de cinco anos, por aí que eu lembro das coisas.
P/1 – E, Alcy, você se lembra dessa primeira casa onde você morou?
R – A primeira casa que eu morei fazia parte de uma vila de casas e era uma casa muito pequena, era um quarto e cozinha. E morávamos eu, minha mãe, o meu pai, minha irmã e meu irmão: cinco, nessa casa. E era um pessoal muito bom que morava em todas as casas. Então tinha uma casa na frente, por exemplo, que eram uns alemães. E um dos filhos deles, que era um cara mais velho do que eu assim, era um cara que serviu o exército já quando eu tinha lá os meus cinco anos. E eu me lembro muito desse cara chamado Hugo, porque ele me levava pra casa dele e ele me punha no colo. Ele ficava fazendo umas brincadeiras com purê de batata, construindo umas coisas. E esse cara me estimulou muito a desenhar. Ele gostava de ver os meus desenhos. E ele me estimulava muito, chamava o pessoal pra ver e tal e coisa, e foi um cara que eu tenho a lembrança dele até hoje.
P/1 – Ah, que bacana. Você começou a desenhar então muito cedo.
R – É, isso aí eu acho que todo mundo que desenha, todo mundo desenha quando é criança. Aí neguinho para, né, e tem uns que não param. E eu acho que esses que não param é que vão desenhar, o que a gente chama de desenhar bem aí, que se chama mais comumente de desenhar bem.
P/1 – E, Alcy, quer dizer, antes da gente entrar mais nessa história do desenho, você tinha uma turma, então, de garotos que brincavam juntos na rua?
R – É, sempre teve a turma. Nas várias casas que eu morei, quer dizer, eu mudei de um lugar pra outro e tal, sempre tinha uma turminha. Tinha o time da rua, era uma coisa muito legal. Quando eu era menor, assim, na primeira casa que eu morei, aliás, na segunda casa que eu morei, eu era menor e a gente jogava aquelas peladas, que corre todo mundo atrás da bola, junto. Aí, quando eu era maior, já tinha lá uns 11 ou 12 anos, aí já tinha um time organizado de onze e tal, mais ou menos organizado de onze, com camisa e tal.
P/1 – Aí você jogava nesse time?
R – Eu jogava, jogava no segundão. Nunca me deixaram, eu era meio perna de pau, eu gostava muito da bola, mas a bola não correspondia.
P/1 – Mas você jogava de que?
R – Eu jogava, olha eu era uma espécie de curinga às avessas. Eu já tentei de tudo. Já joguei de ponta direita, de zagueiro, de volante, de quarto zagueiro, que, aliás, era uma posição da época, hoje em dia se chama diferente.
P/1 – De goleiro também?
R – De goleiro não, goleiro eu nunca me atrevi.
P/1 – E como é que aparece aí, que você escolhe o seu time já nessa idade aí, na infância? Como é que foi isso?
R – O meu time eu escolhi por causa do meu irmão, que era quem me influenciava ali. Tinha três anos a mais do que eu, e ele falava de times brilhantes que São Paulo tinha, ou que tinha tido anos antes e tal, com aqueles argentinos e tal, que andaram jogando no São Paulo e tal.
P/1 – O Sastre, né?
R – O Sastre, depois tinha o
, esse já era,
tinha lá uns sete anos de idade e tal, oito anos. E aí eu me entusiasmei com o São Paulo, foi uma influência do meu irmão.
P/1 – O São Paulo foi campeão nos anos de 1957, né?
R – 1957. Era uma data inesquecível porque eu tinha lá uns 13 anos, e eu me lembro sempre que teve uma guerra de garrafa lá.
P/1 – É o célebre jogo das garrafadas, né?
R – Das garrafadas, é uma coisa. Mas o que eu lembro mais é que o Maurinho, no final do jogo, lá pelos 40 minutos do segundo tempo. O São Paulo estava ganhando de dois a um, está dois a zero o Corinthians tinha feito dois a um, estava apertando o São Paulo. Aí teve um contra-ataque e o Maurinho foi lançar. A melhor virtude do Maurinho era a velocidade e também o chute. O Maurinho ganhou na corrida do Oreco, e aí, quando a bola rolando assim ele fez assim pro goleiro, que era o Gilmar, o Grande Gilmar. Ele falou assim pro Gilmar: “Você quer aqui ou aqui?”, e o Gilmar ficou parado. Aí ele jogou a bola no canto assim e passou a mão na cabeça do Gilmar. Aí teve a guerra de garrafa, e eu e meu irmão caímos fora, né?
P/1 – Ah, vocês estavam no campo?
R – Não, no estádio.
P/1 – Ah, no Pacaembu, né?
R – E aí, quando eu cheguei no bairro eu encontrei o Zelão, que era um amigo meu. O Zelão, um garoto negro, o meu amigo. A gente brigava diariamente, quando numa idade menor assim. E o Zelão estava louco da vida porque o Corinthians tinha perdido e tal. E ele disse que o Maurinho estava impedido. Então até hoje os corintianos juram que o Maurinho estava impedido, e os são-paulinos dizem que não. Naquela época não tinha videotape ainda para checar, né?
P/1 – Ah, mas esse é um jogo famoso, né?
R – Esse é um jogo célebre, pelo menos na minha cabeça, ele não sai da minha cabeça. O cara, o estádio lotado, um jogador perguntar pro goleiro, o grande goleiro do país, que aliás aqueles jogadores dali a pouco foram ganhar a primeira Copa do Mundo, aqueles mesmos jogadores, dali a alguns meses (que o jogo final já foi em 1958). O cara chegar e perguntar se quer aqui ou aqui, com o estádio lotado. Hoje em dia quem é que ia ter peito de fazer isso, não é? E é aquela coisa do Edílson e tal, fazer aquela embaixada, mas ali o jogo já estava resolvido, é outra história.
P/1 – E, Alcy, esse foi o primeiro jogo que você foi no campo ou não? Você lembra quando você foi no estádio pela primeira vez?
R – Não, não foi o primeiro, mas foi um dos primeiros. O primeiro que eu fui eu me lembro que foi o São Paulo e o Corinthians. E o Corinthians ganhou de quatro a três. Foi acho que no ano anterior, ou no mesmo ano, eu não sei, eu não me lembro direito.
P/1 – E então, quer dizer, o futebol é um dos componentes aí da sua infância, né?
R – Ah, sim, sem dúvida.
P/1 – E de que mais vocês brincavam, além de futebol?
R – Brincávamos de empinar papagaio, empinar pipa. Tinha o pessoal que caçava passarinho e tal. E o que mais que a gente fazia? Sei lá, essas coisas. Mas eu não era muito de aprontar não, eu gostava mesmo era de... eu ficava muito desenhando, eu gostava de ler e tal. Mas eu gostava é de jogar bola. Jogar bola era uma coisa que eu gostava muito de fazer, né?
P/1 – Então quer dizer...
R – Eu levava muito jeito pra jogar bola, pra empinar pipa, pra fazer balão, que se fazia balão também pra soltar e tal. Eu não era muito bom nisso aí.
P/1 – Mas, Alcy, você está contando então que nessa região que hoje é Moema... Então, como é que era nessa época? Só tinha casa, era tudo de chão?
R – A maior parte das ruas era chão, era terra mesmo, né? E quando chovia a gente vinha da escola, o sapato ficava cheio de barro, era tudo cheio de barro, se amassava muito barro. Era tudo chão, e tinha uma casa aqui, outra lá adiante e tal. Era uma coisa pouco habitada ainda, aquela região.
P/1 – E entre essas casas tinha o que? Era mato, plantação?
R – Tinha mato, geralmente. Na frente da minha casa havia duas chácaras de verduras, aqueles caras que plantam alface, couve, cenoura e tal. E era uma área ali de uns, dava uns quatro quarteirões aquela região ali. Essa era a casa que eu fui morar, perto da TV Record lá, próximo do aeroporto, mas Indianópolis ainda, que hoje ali é tudo chamado Moema.
P/1 – E, Alcy, você falou que você jogava bola, brincava, mas que você gostava de ficar em casa lendo, desenhando. Você se lembra, assim, os primeiros livros que te caíram na mão?
R – Olha, “
” de Monteiro Lobato, que era uma coisa muito legal, aquele negócio de ser grande, ser pequeno e tal. Eu lembro de um livro que era o que trazia uma série de histórias do folclore, e tinha versos e tal. Eu estou tentando lembrar o nome do livro. O autor era Teobaldo Miranda Santos, se eu não me engano, Teobaldo Miranda, e o livro era uma coletânea de textos. Eram textos dele mesmo, mas sobre assuntos de domínio público, do folclore. Era um livro muito legal, eu adorava aquele livro. Tinha um outro livro que chamava “
”, que também era uma história cheia de mágica e tal. E eu lia muito gibi também. Eu gostava muito de ler gibi porque tinha muito desenho, né?
P/1 – O quê que tinha nesse gibi?
R – Esse livro da “
eu me lembro mais do que da história, eu me lembro dos desenhos do Oswaldo Storni. Era um livro da Melhoramentos e esse cara fazia muita ilustração pra Melhoramentos, aqueles desenhos hachurados, bico de pena e tal, e eu gostava muito dos desenhos dele. E às vezes eu dava umas copiadas nos desenhos do Storni e tal.
P/1 – E, Alcy, dos gibis aí, o quê que você lia nessa época?
R – Olha, eu lia tudo que tinha na pilha do meu primo lá, que me emprestava gibis. Eu lembro do “Tocha Humana”, o “Príncipe Submarino”.
P/1 – O Namor.
R – O Namor. O Fantasma Voador, é o fantasma que anda, o fantasma de 400 anos lá, o Mandrake. E eu lia uma revista, eu gostava muito de uma revista, numa fase assim anterior, quando eu tinha lá pelos oito, ou sete a nove anos, por aí, que era uma revista que chamava “
, que trazia muita história, jogos, história em quadrinhos, jogos também, textos, histórias em texto. Era uma coisa variada e eu gostava muito dessa revista.
P/1 – E, Alcy, isso, quer dizer, você tinha um primo que te emprestava. E o seu irmão também gostava de quadrinho?
R – Ele não lia muito não. Ele gostava mais era de andar na rua, de dar umas aprontadas. Ele era muito mais moleque do que eu. O meu irmão era mais moleque. Eu me lembro de uma história do circo lá no bairro, que parece mentira mas é verdade essa história. Chegou um circo lá no bairro. Eu passava todo dia por aquela esquina ali, quando eu ia pra escola, voltava da escola e tal, e era um terreno baldio. Aí chegou o circo, se instalou ali. E o circo era assim, ele tinha um... Metade do programa era acrobacia, palhaço e tal, não sei o que, e a outra metade era o que o pessoal chamava de drama. Tinham cinco teatros. Então naquela semana, que era a Semana Santa, teve a Paixão de Cristo. Era um circo bem mambembe, né? E o meu pai levou a família inteira pra ver o circo, ele ficava a duas quadras da minha casa. E a gente foi lá ver a Paixão de Cristo. E tem uma passagem lá, que eu passava todo dia em frente o circo e eu já conhecia de vista o chofer do caminhão do circo, era um cara com o olho meio... ou era caolho ou tinha um olho diferente lá. E o cara era o São Pedro, estava vestido de São Pedro, com uma espada na mão, uma espada prateada, de madeira pintada de prateado, e ele desceu a espada na orelha do soldado, né? Tem uma passagem da bíblia lá que acontece isso. E o soldado, eu ouvi lá de cima, bem alto: “Puta que pariu”. O meu irmão tinha me falado já de cara que o lance era ficar lá em cima porque lá em cima você puxava a lona e você via lá atrás a saída dos artistas. O meu irmão devia ter uns oito anos, eu tinha uns cinco ou eu tinha uns seis e ele tinha uns nove, uma coisa assim. Eu puxei a... Aí teve, quando São Pedro acertou a orelha do soldado e tal, aí eu não me lembro se houve um “deixa disso” pra parar a coisa, eu não me lembro como que foi. Eu sei que parou o ato lá, acabou o ato e tal. Aí, daqui a pouco eu estou ouvindo um zumzumzum. Eu estava lá em cima com o meu irmão. O meu pai, minha irmã, minha mãe estavam lá embaixo e eu estava lá em cima com o meu irmão. Ele puxou a lona lá e estava o soldado querendo partir pra cima do São Pedro, todo mundo vestido de São Pedro, de soldado, e o Jesus Cristo apartando.
P/1 – Essa história é boa. E Jesus Cristo segurou então aí, impediu o conflito.
R – Pois é.
P/1 – Mas Alcy, então, quer dizer, você estava nesse mundo aí de histórias e gibis. E já tinha televisão na sua casa?
R – Não, não tinha televisão. Televisão, eu era “tele-vizinho”. Às vezes eu via televisão no vizinho, e essa expressão televisiva pintou na época em que a televisão era uma televisão pouco acessível. Televisão, se eu não me engano, entrou no Brasil em 1950.
P/1 – Exato.
R – E eu fui ter televisão não sei quando. Eu não sei se foi uns oito ou dez anos depois, uma coisa por aí.
P/1 – Era difícil, era caríssimo, né?
R – É.
P/1 – O Brasil começou, lançou a televisão mas só tinha um aparelho, né?
R – Como assim, só tinha um?
P/1 – Só tinha aparelho nas vitrines das lojas, ninguém tinha. Só muito ricos tinham.
R – No comecinho era, depois foi ficando uma coisa mais...
P/1 – Quem diria, né, hoje qualquer
, qualquer...
R – É, naquele tempo era a revista “
. A revista “
era como se fosse hoje a televisão, a Rede Globo. A revista “
“ a gente... Quem não comprava ia no barbeiro. Assim, quando eu ia no barbeiro cortar cabelo eu ficava vendo. O cara tinha uma pilha de “
” lá, então eu ia ver lá o “Pif-paf” do Millôr Fernandes, que era o Vão Gogo, né? O Vão Gogo, o amigo da onça e outros caras, outros desenhistas que tinha lá, o Api (?) se eu não me engano era no “
”, eu já não me lembro direito se era no “
”, vai ver que era.
P/1 – E, quer dizer, nesse tempo todo você continuava desenhando?
R – É, sempre desenhando. Aí eu comecei a trabalhar com desenho quando eu tinha 16 anos. Eu fui. Um vizinho meu me levou, que trabalhava na companhia Ultragaz, me levou lá. Ele falou: “Eu vou te apresentar pro Pastoreli lá”, que era o chefe de arte da propaganda lá, “Eu vou levar você lá”. Aí ele conversou com o cara e tal, dali uns dias ele falou: “Oh, mete uma gravata aí que nós vamos lá”. Me levou lá e eu comecei. O cara falou pra mim, o Pastoreli falou: “Não, você pode vir aí todo dia e você vai observando como é que é. A gente não vai te pagar nada. Quando você começar a produzir alguma coisa nós vamos te pagar”. E eu comecei ali. Os caras, tinha uns quatro desenhistas ali, e os caras gostaram muito de mim. Os caras eram meio irmão mais velho ou o pai, assim, e me tratavam muito bem. Me davam tinta lá para colorir, me davam dicas de desenho, entendeu? Eu tive uma sorte muito grande. E me davam referências de ilustrações que eles recortavam de revistas estrangeiras e tal. Eu me lembro que o primeiro comentário que surgiu, de que o meu lance seria fazer humor, foi ali que pintou.
P/1 – Ah, é?
R – Os caras acharam: “Não, o teu negócio é mais caricatura, tal”.
P/1 – Ah, que legal. Então já cedo aí, 16, 17 anos.
R – Ali eu comecei a... Ali fazia era o seguinte, anúncio de varejo das Lojas Ultralar. Era fogão, geladeira, aquelas coisas. Foi muito legal, foi muito bom estar lá.
P/1 – Você tem isso guardado?
R – Eu acho que eu não tenho não. Eu tenho algum desenho dessa época guardado, mas desenhos daqueles que eu fazia assim com o guache que eles me davam lá, que era mais com a intenção de fazer uma ilustração que não fosse de fogão e geladeira.
P/1 – E, Alcy, depois você faz faculdade, você faz arquitetura, né?
R – Quando eu trabalhava na Linxfilm , fazia
?
P/1 – Dali você foi pra Linx?
R – Depois de trabalhar na Ultragaz, eu fui pra Lynxfilm e eu fiz um curso clássico à noite, trabalhava de dia. E aí eu fiquei uns tempos sem estudar e tal. Mas aí, quando eu estava na Lynxfilm eu comecei a achar que era legal eu estudar. Eu fui estudar arquitetura. Entrei num cursinho, fiz o cursinho. Não entrei na FAU, entrei no Mackenzie e fiz a arquitetura no Mackenzie. Se bem que eu sabia que eu não ia ser arquiteto nunca. Eu queria um lugar pra eu me aculturar e saber conversar. Saber conversar não, né? E conversar, e ouvir, falar, entender coisas que saíssem um pouco daquele universo ali do bairro, que era ficar na porta do boteco olhando mulher passar. E a gente falava de mulher e de futebol só, né?
P/1 – Alcy, a gente deu um pulo, mas eu queria só voltar um pouquinho, que a gente nem falou um pouquinho da escola, naquela época era primário e ginásio, né?
R – Sim.
P/1 – E como é que foi esse período aí de escola, de você quando moleque?
R – Olha, a escola primária. Quer dizer, eu não fiz, essas coisas que existem antes do primário eu não fiz. Eu fiz a escola primária, e numa escola do Pascoal, que era um cara, o pessoal chamava de Pascoal. Ele era um italiano que fundou uma escola lá no bairro e que era um cara muito rígido, entendeu? E ele, eu me lembro de ter apanhado de régua, daquelas réguas de madeira que têm a gradação pintada de branco.
P/1 – Sei, sei. É mesmo? Pelo professor?
R – Ele era o diretor da escola.
P/1 – E ele dava bolo nos alunos?
R – Dava bolo nos alunos quando aprontavam. Moleque sempre apronta alguma lá. O cara era desse jeito. Mas ele teve uma, ele pagou meio caro algumas vezes porque depois... Hoje ele tem uma faculdade aí, lá na região, lá, que chama Tabajara. Essas
não sei se é legal também.
P/1 – Não, claro.
R – Mas ele tem uma faculdade. Quer dizer, eu nem sei se ele está vivo ou se, não sei, realmente, o quê que aconteceu, mas a faculdade está lá, Tabajara. E ela foi fundada muito em cima daquele negócio de bairro operário, essa coisa meio assim. Tinha muita gente que estudava à noite, e ele fundou um curso de contabilidade, de Técnico de Contabilidade, era o grau colegial, né? Então tinha muita gente, que tinha muito marmanjo ali, que depois de 30 e poucos anos, trabalhava, tal, o cara resolveu continuar estudo. E tinha muito cara que estudava assim na escola dele. E tinha outros malucos. Tinha também os malucos que perderam o bonde da escola. É aquela história, o cara sumiu e... Entendeu? O João Louco, o João Louco era maconheiro naquela época, era um maconheiro...
P/1 – Precursor.
R – Era precursor do maconheiro. O João Louco era boy, que nem o pessoal falava, era boy, playboy que os caras falavam. E o Pascoal entrou na sala de repente e comunicou – comunicou, ele era assim mesmo – comunicou pro pessoal de que eles iam passar, aqueles caras da noite também iam passar a usar uniforme. Ele comunicou os caras. Aí o João Louco falou, o João Louco devia estar malucão mesmo, levantou e falou: “Pascoal, é o seguinte. Eu sei que você já foi alfaiate”. Aí o Pascoal tinha um negócio, eu já vi outras vezes acontecer isso com o Pascoal, ele ficava vermelho e ele ficava apoplético. Ele ficava nervoso, cara, e ele ficava que ele não conseguia reagir, demorava pra reagir. E o João Louco: “Eu sei que você já foi alfaiate, então eu queria um modelo assim ó, um corte aqui, uma pence aqui, não sei o que aqui, pororó, uma golinha assim e tal, e aqui bordado o Hino Tabajara”.
P/1 – Ele surtou então.
R – O Pascoal era assim. Era louco.
P/1 – E, Alcy, teve alguns professores assim que deram força pra você, viram esse seu talento, você criou uma relação mais próxima?
R – É engraçado, eu não me lembro disso. A primeira vez que me ocorre isso aí, mas que ocorreu não pra mim, pra você, mas que eu não me lembro disso não. Eu me lembro de adultos estimulando bastante e tal. Eu me lembro disso muito frequente, e acho que é por isso que eu não parei. Eu acho que o cara que não para de desenhar é por causa desse estímulo. Mas professor eu acho que não.
P/1 – É? Mas então, quer dizer, você desde pequeno já desenhava, e os adultos já gostavam e ficavam dando força, é isso?
R – É, os caras... É, porque aí também os caras não tinham nem televisão, não tinha muito o que ver, né? Tinha um cara que desenhava com carvão na rua e tal, os caras paravam pra olhar e tal. E tinha um jornaleiro lá na esquina, o Vitório, que era meu vizinho lá, que dava, ele dava jornal, dava aquelas folhas grandes de papel jornal em branco, que vinham embrulhando os jornais e tal, ele dava pra eu desenhar. E aí, quando eu passava pela banca ele me chamava pra desenhar, ele chamava gente pra olhar e tal. Isso quando eu tinha uns cinco, seis anos.
P/1 – É mesmo?
R – Então isso aí estimulou, virava um negócio meio espetáculo, eu ficava importante, com cinco, seis anos.
P/1 – Olha, realmente, porque com cinco anos a criança ainda desenha quase nada assim, né, no geral, né? Faz uns bonequinhos só, né?
R – É, mas, não sei, era...
P/1 – Você devia fazer além disso aí pra ele...
R – Eu acho que era além disso, mas não era nada de fenomenal não, porque eu vi alguns desenhos antigos e não é...
P/1 – E, Alcy, voltando então. Aí você estava na Linx fazendo
e estudando, e aí você faz vestibular e passa na Mackenzie, faz arquitetura.
R – Sim.
P/1 – E nesse período que você faz faculdade você continua trabalhando?
R – Não. Na época da faculdade não dava pra ter um emprego porque o horário de aulas era...
P/1 – Puxado.
R – Era de manhã e de tarde, então fazia alguns bicos. E meu pai que segurou a onda muito, né? Fazia alguns bicos quando tinha algum trabalho, fazendo um ou outro cartaz em teatro e coisa assim que rolou, um ou outro desenho pra alguma agência de propaganda, eventualmente assim, e outros... sei lá, alguns bicos que pintavam.
P/1 – E qual o momento assim que você marca como, vamos dizer, a sua estréia, quando publicam mesmo pra valer um desenho seu, um cartoon?
R – É, cartoon é no Pasquim. O Pasquim, eu pus uns desenhos embaixo do braço e fui lá mostrar pro Fortuna, porque o Fortuna me parecia que era um cara mais, me dava a impressão... Eu não conhecia nem um deles e não sei porque que eu inventei que o Fortuna seria um cara mais acessível.
P/1 – Alcy, só pra quem não conhece, que depois vai ler essa entrevista, o quê que era o Pasquim nessa época? O quê que ele representava?
R – Então, o Pasquim foi um jornal revolucionário porque ele trouxe... Ele, na verdade, repete, e muito, uma receita do
que foi feito pelo Millôr antes, em 1964, e que só teve oito números. Mas o Pasquim trazia textos curtos e dicas, comentários sobre coisas da cultura, da política e tal, trazia textos de página, de duas páginas, uma entrevista grande com alguma figura importante, e muito cartoon. E ele tinha uma linguagem que foi uma mudança na linguagem jornalística. Até aquela época ninguém escrevia de uma maneira mais informal como escrevia o Pasquim. Você ia ler o jornal, era uma coisa toda cheia de uma linguagem necessariamente culta e até meio rococó, muitas vezes, uma coisa muito séria demais. E o Pasquim deu essa balançada.
P/1 – E o Pasquim era no Rio?
R – O Pasquim era no Rio, e quando ele saiu ele vendia 200 mil exemplares, coisa assim. Vendia muito mesmo.
P/1 – E você foi ao Rio pra levar esses desenhos?
R – Eu fui ao Rio pra levar os desenhos. E aproveitando a chance, que tinha um amigo que ia pro Rio lá e ele me convidou, e eu meti os desenhos de baixo do braço e fui mostrar. E o Fortuna olhou os desenhos e falou: “Olha, eu gostei dos desenhos e tal, mas acontece que o Jaguar que é o cara que resolve aqui, o Jaguar não está aqui de dia porque ele trabalha no Banco do Brasil. Então você vai ter que voltar à noite.
P/1 – Eu não sabia disso não. O Jaguar era bancário?
R – É, ele trabalhava no Banco do Brasil. Aí eu voltei à noite. E trabalhava o Fortuna e o Jaguar, cada um tinha uma prancheta, e tinha um armário assim. Era uma casa que tinha sido adaptada, tinha um armário que as duas portas do armário não fechavam de tanto livro de cartoon que despencava lá de cima. E eu fiquei babando olhando aquilo assim, né, aqueles livros de Chaval, de Ronald Searle, André Francoise caindo ali.
P/1 – Essa é que era a famosa Rua Saint Roman?
R – Não, esse era no rua Clarice Índio do Brasil. Na melhor época do Pasquim, que eles estavam bem mesmo, era uma casa reformada muito bonita e tal, um negócio muito fino. E aí saiu meu primeiro desenho lá, um desses dois que eu deixei na mão deles lá. E aí eu comecei a mandar desenho. Eles escreviam lá na beirada da página de dicas, a letra do Jaguar, eu reconheci a letra do Jaguar, anos depois a letra do Henfil. Anos depois não, pouco depois, a letra do Henfil pedindo pra mandar desenho. Eles escreviam a mão no próprio... era um negócio, de tão informal que era... eu tenho essas páginas.
P/1 – E aí começou, depois dessa publicação com
você começou mesmo a carreira?
R – Ah! Eu estava esquecendo disso. O Jaguar me fez um bilhete no mesmo dia, me apresentando pro Murilo Felisberto, que era o editor do “
”. E ele pegou a peninha dele de desenhar lá e escreveu a nanquim. Dobrou, borrou, eu ainda levei o bilhete borrado pelo Murilo e ele me pôs pra fazer a ilustração da edição de esportes do Estado de São Paulo, que era feito pela mesma redação, o pessoal de esportes do “
”, e que saía independente às segundas-feiras, era vendido separado. Eu comecei a ilustrar uma sessão chamada Tabelinha lá, na base do cartoon. Aí você conhece um cara aqui, outro ali, e o Luiz Lobo, que trabalhou lá, me levou pra “
”, que estava sendo feita em São Paulo na época. Comecei a fazer cartoon lá, tal, e fui começando assim, né?
P/1 – Isso você tinha quantos anos?
R – Ah, eu tinha 25. Eu estava na faculdade, eu tinha 25, ou já tinha 27, sei lá. Eu tinha trabalhado em agência, tinha trabalhado em... Nesse meio tempo aí eu tinha aprendido técnica de desenho.
P/1 – E, Alcy, quer dizer, então você começa fazendo cartoon, começa a publicar. E quando que você faz o seu primeiro trabalho ligado aí a ilustração infantil?
R – É, eu trabalhava no jornal
em 1976, acho que foi, e aí a Regina Mariano, que era editora de livro infantil na Ática...
P/1 – Ah, a Regina Mariano.
R – Ela tinha um texto da Fernanda Lopes de Almeida que se chamava “
e ela queria que o Chico Caruso ilustrasse. Ela procurou o Chico Caruso, mas o Chico Caruso, o negócio dele... ele não estava a fim de fazer livro infantil, e eu estava. Eu trabalhava com o Chico no “
, eu trabalhava junto. E aí ele falou pra mim: “Você não quer? Você gosta disso aí, vai lá e fala com ela”. Eu fui lá e fiz o primeiro livro, foi o primeiro livro que eu ilustrei.
P/1 – Isso é que ano, você se lembra?
R – Esse livro saiu em 1977. Eu lembro porque com aquela grana lá eu paguei alguma coisa do hospital quando nasceu o meu filho, o Chico, primeiro filho.
P/1 – Ah, você já estava casado?
R – Estava casado. Em 1977, eu já estava casado fazia uns cinco anos.
P/1 – Cinco anos. E como é que chama...
R – Mas até aí eu tinha trabalhado na imprensa aí, ilustrando e tal, principalmente na imprensa, em jornal, revista, tal, fazendo ilustração, capa, tal.
P/1 – E vem cá. Mas então não vamos passar aqui batido não. Como é que chama a sua esposa?
R – Bel.
P/1 – Bel?
R – É. É Isabel, Bel Linares.
P/1 – E aí você tem quantos filhos?
R – Eu tenho dois filhos, o Chico que está com 28 anos, e a Laura que tem 26.
P/1 – Que bacana. Então esse cachê aí do “
já...
R – Já ajudou, né?
P/1 – Pagou as fraldas do Chico, é?
R – É.
P/1 – E, quer dizer, aí, a partir desse livro, o quê que aconteceu?
R – Bom, aconteceu outro livro dali a uns tempos, e aí começaram a me chamar para ilustrar livro infantil. Porque havia muito, sempre houve, muito lugar para o cartoon. Criança adora desenho engraçado, né? Sempre houve lugar para desenho de humor na literatura infantil, e era isso que a Regina Mariano queria, quer dizer... Então aí começou a surgir muito texto. Quer dizer, os textos, já haviam os textos que pediam esse tipo de desenho, o que faltava era editar dessa forma. E aí começaram a chamar pra ilustrar.
P/1 – Alcy, então você lança o “
” e à partir daí começam a aparecer outros projetos de livro. Você se lembra de algum desse período?
R – Olha, um ano ou dois depois eu fiz um outro livro que era “
, da mesma autora. E a partir daí começou a... Porque esse desenho de humor estava funcionando bem, aí começou a surgir muito livro pra eu ilustrar. E era um momento em que se fazia muito livro. Quer dizer, a Editora Ática, por exemplo, lançava uma grande quantidade de livros por ano, livros infantis. E hoje eu não sei, eu não tenho esses dados, mas me dá a impressão de que ela, mesmo a Ática, de que essas editoras não lançam tantos títulos como naquela época. Eu acho que houve uma época em que se lançava muita coisa. Então era uma coisa que toda hora tinha um livro pra ilustrar.
P/1 – E, Alcy, como é que aparece então esse projeto de você ilustrar os livros da Tatiana Belinky?
R – Bom, a Tatiana... A Lenice me passou um livro da Tatiana pra ilustrar, eu acho que era o
lá, porque eu também fui editor de arte depois. E eu também confundo as coisas de tanta coisa que a gente fez, mas eu acho que era o Miquele o editor de arte e a Lenice era editora de texto.
P/1 – Isso na Ática?
R – Na Ática. E, bom, o fato é que eu encontro com a Tatiana e ela brinca que o primeiro ilustrador a gente não esquece, ela me falou isso umas duas vezes. E eu fiquei surpreso porque ela...
P/1 – Como é que foi a frase?
R - ... Já era famosa, conhecida. Quando eu ilustrei esse texto eu falei: “Pô, agora vou ilustrar um livro da Tatiana Belinky, que legal, né?”
P/1 – E como é que era a frase que ela falou?
R – “O primeiro ilustrador a gente não esquece”. Não, porque ela é muito simpática, né, a Tatiana. Ela fala isso por causa da generosidade dela também, né? Mas, e era um livro “
, que é um trocadilho, que os ladrões estão lá na casa, e eles vão abrir o cofre e a menina liga pro pai dizendo que tem uma operação do Tio Onofre, que vão abrir a barriga do Tio Onofre, que não sei o quê, o ladrão dá até risada e tal, mas era uma senha pro pai entender a história. Aí o pai chega com a polícia e tal. As crianças até hoje adoram esse livro.
P/1 – E como é que foi o processo de fazer esse livro? Você recebeu o texto...
R – Bom, a gente, como todos os livros que a gente fazia, a gente recebe um texto... Esses livros pra criança dessa idade, eles têm um texto curto, e muitas vezes o texto cabe numa lauda, ocupa meia lauda às vezes até, ou duas, no máximo. E aí a gente tem um espaço pra trabalhar, tal número de páginas no formato, e tem que, o ilustrador mesmo, pelo menos na época era assim, dividia o texto, ver onde corta, como ilustra, e daí onde corta e tal, e construía uma história que vai ser contada pelo texto e pelo desenho. É uma história também visual, porque a criança antes de aprender a ler, ela já está lendo o desenho, o desenho já está ajudando ela a aprender a ler. Então a gente distribui a coisa pelo espaço e apresenta aquele, faz um boneco, apresenta pro editor. O pessoal olha, vê se tem alguma coisa, algum reparo, alguma coisa, e vai se chegando até o momento de fazer as ilustrações finais.
P/1 – E o quê que te chamou a atenção nessa história do Tio Onofre?
R – Não, eu achei legal desenhar uma criança esperta, fazer aquela figura dos ladrões, que é claro que tinha que ser um ladrão meio bonachão, né, claro, aquele ladrão clássico de boné e máscara, aquela história. E eu gostei muito porque tinha recursos de humor ali pra usar.
P/1 – E nessa leva você ainda faz dois livros, né?
R – Eu fiz outros dois livros, ou três, dela. Eu fiz “
,
e fiz um outro livro dela pra Melhoramentos que eram textos russos que ela traduziu. Ou ela adaptou, ou traduziu, eu não me lembro bem, faz tempo que eu fiz, e se eu não me engano eram poesias até, eu não me lembro.
P/1 – Não é o “
não, né?
R – Não, não é esse, é uma coisa anterior.
P/1 – Ah, tá.
R – “
é da Melhoramentos? Acho que não.
P/1 – Não, às vezes eu faço uma confusão. É tanto livro, cara, da... Ela falou que parou de contar depois de cem.
R – E ela escreve muito bem, ela faz também textos maiores e tal, histórias maiores, não só essas curtas. Não estou, com isso, querendo dizer que a história curta a validade seja menor ou maior, mas ela faz também textos de aventura e tal em que ela escreve muito bem. Quer dizer, outros gêneros também, né?
P/1 – E, Alcy, você teve algum contato assim com a Tatiana ou não, sempre foi uma coisa mais de ter ilustrado os livros? Vocês chegaram a se encontrar, fizeram lançamentos juntos?
R – A gente se encontrou eventualmente em lançamentos de livro dela que eu fui, ou em lançamento de outros autores aí que a gente se encontrou. E também ela foi uma vez no Recreio, na escola da Bel, da minha mulher, e aí a gente foi pegar a Tatiana em casa e fomos levá-la de volta e tal. E foi um encanto ver ela conversar com as crianças porque as crianças tinham feito poesias, escrito coisas pra ela a partir do livro dela, e ela ficou encantada com as crianças, e as crianças ainda mais com ela. Ela contou histórias, tal, e a criançada ficou encantada, foi um momento de muito envolvimento mesmo.
P/1 – Isso foi quando?
R – Isso foi uns três anos atrás, talvez, uma coisa assim, três ou quatro anos atrás. Não faz muito tempo não.
P/1 – E, Alcy...
R – Quer dizer, pra mim três ou quatro anos...
P/1 – Quer dizer, além desses projetos que você fez aí com a Tatiana, que outros projetos você fez em termos de literatura infantil que te marcaram?
R – Bom, eu fiz uns livros com a Bel agora recentemente, que são livros sem palavras e que tratam de questões infantis, tipo os pais que se separam, a criança que vai entrar na escola, o irmão que vai chegar, o filho que é único e vai chegar um irmão. Quer dizer, essas tensões que pintam aí em torno desses assuntos. Então são coisas e situações que a Bel, na vivência dela de educadora e de psicóloga, ela faz um roteiro propondo situações que trazem essa história e eu faço os desenhos. Então isso me deu a oportunidade de fazer desenhos que trazem uma emoção, que trazem uma graça da criança e da situação com os pais e tal. Tem sido muito bom fazer isso. E eu me lembro também de ter ilustrado livros da Ruth Rocha, por exemplo, alguns livros da Ruth Rocha. Eu lembro de um que é “
, que foi um livro que foi um prazer enorme ilustrar porque é muito divertido, dá muito samba assim pra um cartunista.
P/1 – E, quer dizer, relembrando uma coisa, que você teve um parceiro aí também muito importante que foi o José Paulo Paes, né?
R – O José Paulo Paes... eu estava me esquecendo do José Paulo Paes. Eu fiz um livro que eu gostei muito de fazer com ele, de ilustrar umas poesias dele, e que era uma coisa muito divertida e muito criativa, né?
P/1 – “
R – Ele chama “
, mas é um livro, mas ele é meio eclético assim. Ele tem, vamos dizer, textos que se dirigem, poderiam ser dirigidos pra idades diferentes. Ele dá a impressão de ser alguma coisa de alguns livros que se juntaram ali, né? Ele é uma coisa meio variada. Tem alguns outros livros dele que eu acho que são mais redondos assim o texto em termos de conjunto. As poesias são muito boas, aquelas. Mas foi muito legal ilustrar, foi uma coisa muito boa. É um poeta fora do comum.
P/1 – E, Alcy, como é que você vê esse movimento de ilustração pra criança no Brasil? A gente tem muita gente de qualidade produzindo.
R – Olha, tem muita gente nova, que surgiu aí ultimamente, e tem gente da minha época muito boa que continua trabalhando aí também. Eu acho que o meio brasileiro aqui, dos ilustradores brasileiros, eu acho que é de uma qualidade muito boa, muita gente boa. Eu acho, por exemplo, a Eva Furnari sem dúvida, o
), a Helena Alexandrino, o Ricardo Azevedo. E depois gente mais nova aí, o Odilon Moraes, o André Sandoval, que é um cara muito bom. E certamente eu estou esquecendo alguém, tanto da faixa anterior como da nova.
P/1 – Bem, uns cem pelo menos. É tanta gente, né?
R – É tanta gente boa.
P/1 – E, Alcy, estamos chegando no fim da entrevista. E tem algum assunto aí que a gente não falou, que você queria destacar, que passou batido?
R – Não, não estou me lembrando aqui. Eu preciso mais ser cutucado pra falar mesmo, não estou me...
P/1 – E o quê que você achou de contar aí um pouco da sua história pra esse projeto da memória da literatura infantil pro Museu da Pessoa?
R – Eu acho muito legal, eu acho que é um trabalho muito legal. Eu vou estar entre outros aí, outros caras que fazem livros, eu vou estar entre pessoas importantes que fazem livros. Eu acho, isso vai chegar pra educadores, pra crianças, não é isso? Eu acho que é uma coisa muito boa.
P/1 – Então, Alcy, muito obrigado então pela sua entrevista.
R – Obrigado a você, que foi muito bom estar aqui contando essas coisas.
Recolher