P - Dr. Valentim, primeiro eu queria que o senhor se apresentasse, seu nome, seu local e data de nascimento. R - Valentim Gentil Filho, eu nasci em São Paulo, em 21 de agosto de 1946. P - Como se chamavam os seus pais e avós? R - Valentim Gentil, cujos pais eram Rafael Gentile e Maria Antonia Cernicciaro Gentile, e Rita DAndrea Gentil, cujos pais eram Antonio DAndrea e Rosalia Magliano DAndrea. P - O que faziam os seus pais? R - Meu pai era formado em Direito, tinha sido advogado, era advogado do banco do estado, e depois fez uma carreira política, morreu na presidência da Assembléia Legislativa em 1948, depois de ter presidido a Assembléia Constituinte do Estado de São Paulo de 1947, aos 48 anos. Minha mãe era dona de casa. P - O seu pai era político. Ele foi deputado? R - Ele foi Secretário de Agricultura, depois teve um outro cargo desses executivos, depois ele foi deputado acho que por umas três legislaturas diferentes, a última que foi logo depois da ditadura e era uma Assembléia Constituinte. Morreu com 48 anos, na presidência da Assembléia. E aí foi dado o nome dele a uma porção de escolas, avenidas, ruas, até para uma cidade, na verdade, tem uma cidade no Estado de São Paulo que chama Valetim Gentil, perto de Votuporanga. P - E tem alguma relação com a história dele ou foi só uma homenagem? R - Nada. A cidade tinha o nome de uma das filha do ditador, e aí como tinha acabado a ditadura, resolveram trocar o nome e parece que era uma menina sem nenhuma expressão. É uma cidadezinha pequenininha, aí eles preferiram trocar, a Câmara Municipal que preferiu trocar o nome da cidade e deu o nome, fez a homenagem. Ele era da região, mas eu acho que ele nunca passou lá, a cidadezinha era pequenininha. P - O senhor nasceu em São Paulo. R - Nasci em São Paulo, eu fui o único da família que nasceu em São Paulo. Eles todos moravam em Itápolis, que é uma cidade perto de Taquaritinga, Araraquara. P - E por que...
Continuar leituraP - Dr. Valentim, primeiro eu queria que o senhor se apresentasse, seu nome, seu local e data de nascimento. R - Valentim Gentil Filho, eu nasci em São Paulo, em 21 de agosto de 1946. P - Como se chamavam os seus pais e avós? R - Valentim Gentil, cujos pais eram Rafael Gentile e Maria Antonia Cernicciaro Gentile, e Rita DAndrea Gentil, cujos pais eram Antonio DAndrea e Rosalia Magliano DAndrea. P - O que faziam os seus pais? R - Meu pai era formado em Direito, tinha sido advogado, era advogado do banco do estado, e depois fez uma carreira política, morreu na presidência da Assembléia Legislativa em 1948, depois de ter presidido a Assembléia Constituinte do Estado de São Paulo de 1947, aos 48 anos. Minha mãe era dona de casa. P - O seu pai era político. Ele foi deputado? R - Ele foi Secretário de Agricultura, depois teve um outro cargo desses executivos, depois ele foi deputado acho que por umas três legislaturas diferentes, a última que foi logo depois da ditadura e era uma Assembléia Constituinte. Morreu com 48 anos, na presidência da Assembléia. E aí foi dado o nome dele a uma porção de escolas, avenidas, ruas, até para uma cidade, na verdade, tem uma cidade no Estado de São Paulo que chama Valetim Gentil, perto de Votuporanga. P - E tem alguma relação com a história dele ou foi só uma homenagem? R - Nada. A cidade tinha o nome de uma das filha do ditador, e aí como tinha acabado a ditadura, resolveram trocar o nome e parece que era uma menina sem nenhuma expressão. É uma cidadezinha pequenininha, aí eles preferiram trocar, a Câmara Municipal que preferiu trocar o nome da cidade e deu o nome, fez a homenagem. Ele era da região, mas eu acho que ele nunca passou lá, a cidadezinha era pequenininha. P - O senhor nasceu em São Paulo. R - Nasci em São Paulo, eu fui o único da família que nasceu em São Paulo. Eles todos moravam em Itápolis, que é uma cidade perto de Taquaritinga, Araraquara. P - E por que é que eles vieram para São Paulo? R - Porque o meu pai estava na presidência da Assembléia e ficava difícil com os filhos já grandinhos. Eu sou temporão, meus irmãos são todos mais velhos, e aí eles estavam estudando, e era difícil ficar em Itápolis e meu pai ficar viajando para cima e para baixo. P - Qual é a memória mais antiga que o senhor tem de São Paulo? R - Memória mais antiga, eu sou ruim de memória, sempre fui, mas a memória mais antiga foi a chuva de prata da comemoração do 4º Centenário, em 1954. P - Que idade o senhor tinha? R - Eu já tinha 8 anos. Eu devo ter memórias mais antigas, essa foi a mais marcante. Era o Anhangabaú, os aviões passando e jogando papelzinhos de alumínio, era uma chuva de prata. Essa é a mais bonita que eu lembro em São Paulo. P - O senhor cresceu em que bairro? R - Perdizes, Perdizes e Pacaembu. P - Como era Perdizes na sua infância? R - Suficientemente tranqüilo para eu poder ir à pé, à noite, nas aulas, para entrar no ginásio. Eu fazia um cursinho próximo à Rua Cardoso de Almeida, saía da minha casa e andava uns três quilômetros a pé às sete horas da noite para ter aulas particulares, no quarto ano primário, para poder entrar na admissão pulando o quinto ano. E voltava às nove meia, qualquer coisa assim, sem ser incomodado por nada, e parava no bar para tomar um sorvete. Era um super bairro tranqüilo. Tinha o pessoal que morava meio no cortiço, coisas assim, mas o máximo que alguns deles fazia era beber um pouco mais, não existiam drogas, as pessoas não eram assaltantes, não eram violentas, jogavam bola com a gente, corriam atrás de balão. As únicas brigas eram brigas de turma para correr atrás de balão na várzea onde é a Avenida Sumaré hoje, sem nenhum perigo. P - O senhor morava numa casa? R - Morava numa casa. P - Quem morava nessa casa? R - Minha mãe e duas irmãs, mais novas. P - Seus irmãos mais velhos... R - Já eram casados. P - Quem exercia a autoridade na sua casa? R - Acho que minha mãe, depois que meu pai morreu minha mãe exercia autoridade. Ela era brava, boa e brava. P - O senhor teve educação religiosa? R - Eu estudei no Colégio São Luís, que é um colégio de jesuítas, e fiquei lá até o segundo colegial. Então eu aprendi toda a teoria e freqüentava a igreja e tudo, mas eu aprendi também com os jesuítas a questionar as coisas, a polemizar, a dialética e tudo mais. E aí eu me afastei um pouco da prática religiosa, e depois a medicina não ajuda muito, pois você está em contato cruento diário com a realidade da vida e da morte, desde o primeiro dia de aula, e aí conflita um pouco com muitas das coisas que as pessoas pensam a respeito da vida. Eu sei que tem muitos médicos que continuam sendo religiosos, eles conseguiram, provavelmente, acomodar isso melhor do que eu. P - Existia alguma expectativa na sua infância, na sua época de escola, que o senhor viesse a ser médico? R - Não, a primeira experiência que eu tive com medicina foi amputar a perna de um gatinho que estava absolutamente tomada por uma infecção. Foi a minha primeira experiência cirúrgica, e foi péssima, o gatinho morreu, eu fiz tudo errado, foi a primeira tentativa de usar um bisturi e não era bisturi, foi traumática para o gato e traumática para mim, eu não devia ter feito aquilo. Eu não tinha interesse particular em medicina, apesar de ter alguns parentes médicos. Eu tinha interesse em saúde mental, eu tinha muita curiosidade sobre como é que funcionava a mente e como é que o corpo e a mente interagiam. E eu fui entrar na Faculdade de Medicina, sabendo que eu não tinha vocação para ser um clínico, um cirurgião, uma coisa assim. Eu fui entrar porque a psiquiatria parecia uma coisa interessante. Depois que eu entrei na faculdade, eu comecei a descobrir outras coisas interessantes. Eu achei que fisiologia era muito interessante, tudo o que tinha a ver com o funcionamento do corpo e da mente me interessava. Não me interessava a psicologia, nem filosofia, nem sociologia, nem antropologia particularmente, interessava como é que a mente normal e a mente doente se relacionavam com o corpo e o que é que fazia que a coisa se alterasse. P - Não tem nenhuma relação com a sua experiência com o gato. R - Não, acho que aquilo talvez tenha me afastado da área clínica, seguramente. P - Que idade o senhor tinha? R - Uns 12, 13 anos. Eu convivi também com gente morrendo, meus tios eram muito mais velhos, meus avós, morte era um negócio que eu sabia que existia de perto. Eu tinha parentes médicos que me levavam de vez em quando, me lembro uma vez que me levaram na Santa Casa de noite para visitar o hospital, e meu tio que era cirurgião de cabeça e pescoço abriu uma porta, puxou um cadáver de dentro, e me mostrou o que era um cadáver. Tinha tudo para nunca mais querer entrar num hospital. (risos) Vi peças de pacientes operados, não tinha nada a ver comigo. P - De que doenças o senhor se lembra da sua infância? R - Minhas? P - Suas, ou que houve alguma epidemia. O senhor tem alguma memória a respeito disso? R - Eu era bastante saudável, quebrei a perna, quebrei o braço jogando futebol, não tive nenhuma doença importante na infância. Eu me lembro das doenças dos parentes. Me lembro de enfarto, câncer, pressão alta, me lembro de outras pessoas doentes, eu não tinha nada muito importante. P - E o senhor se lembra dos tratamentos que essas doenças que o cercavam? R - Tirando os cirúrgicos, que eu acompanhava, já era uma fase de medicação, não tinha sanguessuga, não tinha nada dessas coisas. Eu já sou do pós-guerra, já existiam coisas contemporâneas, eu acho, talvez muito diferente do que se faz hoje em termos de avaliação diagnóstica, mas em termos de tratamento eram remédios, injeções, soro, oxigênio, antibióticos. P - Como é que foi a escolha da faculdade? O senhor escolheu essa entre outras... R - Essa a gente não escolhe, essa a gente consegue entrar. A gente sonha com ela, mas a gente não... Eu não tinha certeza que eu ia entrar. No terceiro colegial o São Luís resolveu que os alunos que iam fazer biológicas iam sair do colegial e ir para outra escola, porque eles estavam fazendo um terceiro científico voltado para a Engenharia. Então eu fiz lá no Paes Leme, que era um colégio um pouco mais fraco, que me acolheu muito bem e que tinha excelentes professores também, que me ensinaram muita coisa que eu não tinha aprendido no São Luís. Aí eu ia para o cursinho, ia para o Paes Leme, e eu achava francamente que eu ia entrar numa faculdade, mas que não tinha expectativas, autoconfiança que eu ia entrar aqui. Eu fiz exame na Santa Casa antes e acho que isso que me ajudou, porque eu acabei entrando na Santa Casa, para minha surpresa, de fato eu fiquei surpreso de entrar na Santa Casa. E aí eu fui pra praia descansar em vez de ficar estudando para o vestibular daqui: "Ah, lá eu não vou entrar mesmo. Estou bem na Santa Casa". E acabei entrando assim mesmo. Talvez isso tenha prejudicado um pouco a minha colocação, mas estava bom, eram 100 vagas, entrei acho que nos 70 e tantos. P - Além de estudar pouco para entrar na medicina, de que outras coisas o senhor se lembra da sua adolescência? R - Jogar bola, a gente jogava bola na rua e a gente jogava bola seriamente na rua. A gente jogava bola toda à tarde, era um negócio legal, de amizades. P - Era nas Perdizes? R - Na rua, tinha um terreno baldio que a gente fez campo de futebol, tinha um amigo meu que estava construindo uma casa e fez um campinho e a gente jogava. Era uma vida muito simples, era uma coisa assim... A gente não tinha posses, e a gente morava razoavelmente bem para os nossos padrões, confortavelmente seguros, num bairro legal. Mas a gente não tinha carro, a gente não tinha nada de coisas eletrônicas; eu vejo hoje, as crianças têm acesso, pelo menos as crianças de classe média. A gente não tinha nada disso, mas se divertia muito com conversas de turma, jogar taco na rua, jogar futebol na rua, jogar na escola, no colégio. P - O senhor tinha namorada? R - Eu tinha namoradas acho que a partir dos 12, 13 anos, eu tinha umas namoradinhas. Fiz uma das coisas mais hilariantes de que alguém pode se lembrar, que eu não vou contar pra você, mas os tipos de presentes, das cartas, das trocas de correspondência, eu tinha muita facilidade de me apaixonar, muito, incrível Grandes paixões. Tudo daquele jeito antigo de pegar na mão e ir no cinema, comprar uma balinha, dar um presentinho. P - O senhor ia no cinema aonde? R - Ah, aqui em São Paulo até que eu não ia muito. Eu não me lembro dos cinemas em que eu ia em São Paulo, eu me lembro do interior, que a gente ia no cinema. P - O senhor passava as férias? R - Eu passava as férias em Itápolis ou Novo Horizonte. Era muito divertido, os bailinhos. Era uma época muito legal, até os 14, 15 anos, as coisas de que eu mais gostava era jogar futebol, andar a cavalo, ir para a fazenda dos meus tios, ir para os bailinhos das minhas primas ou sobrinhas. Eu tinha uma sobrinha quase da minha idade. Era um negócio legal. P - Aí o senhor entrou na faculdade. Como era a faculdade? R - A faculdade é assim: quando eu entrei, quando eu estava no terceiro colegial, que eu saí do São Luís, eu comecei a descobrir que existiam algumas outras coisas muito interessantes que eu não sabia antes que existiam. E comecei a me interessar muito mais por vida social, que eu não tinha muito antes. Quando eu entrei na faculdade, tinha sido uma surpresa muito grande entrar aqui, teve aquele encanto todo, mas eu não estava preparado para a faculdade. Eu estava preparado para sair do sufoco da vida muito puxada de estudante que eu tinha, eu fui sempre entre os cinco ou dez alunos das classes por que eu passei, a vida inteira. Eu acho que eu entrei na faculdade pelo o que eu aprendi do primeiro primário ao segundo colegial, e não pelo que eu fiz de cursinho no terceiro científico, porque eu estudei bastante para o vestibular. Mas a partir daí deu uma destampada. E eu não fui um aluno muito bom no primeiro e segundo anos da faculdade. Eu fui um aluno que se envolveu outra vez com esportes, com bailes, com namoros, com vida social, com viagens, desenvolver amizades, entrar no Show Medicina, participar da Mac-Med, que era uma competição importante, muito mais do que me dedicar à anatomia, de que eu não gostava, ou Histologia, de que eu também não gostava, ou bioquímica, de que eu gostava um pouquinho. Eu comparo com o que eu peço dos alunos: eu dou aula no segundo ano, eu provavelmente teria muita dificuldade para corresponder às minhas exigências em relação aos meus alunos. Eu vejo bons alunos da Faculdade de Medicina, meu filho, por exemplo, que é um bom aluno e está no terceiro ano da medicina, ele estuda muito mais, com muito mais gosto, sabia muito mais o que queria. Eu comecei a descobrir coisas interessantes no terceiro ano da faculdade, quando eu fui para a farmaco, eu fui monitor de Farmacologia, na época era o começo da Psicofarmacologia no Brasil, Carlini estava na Santa Casa, o Zanini estava voltando de um estágio em Nova York. Na Faculdade de Medicina aqui não existia ninguém que mexia com Psicofarmacologia, veio o primeiro professor, que era um psiquiatra, que era o Hélio de Souza Lima, estagiava na farmaco. Quem tinha interesse em Psicofarmacologia eram pouquíssimos psiquiatras que faziam essas clínicas. E eu estava interessado em mecanismos, eu não estava interessado nessa época em ensaios clínicos, eu estava interessado em saber como aquelas drogas tiravam alucinações, delírios, era a época do desenvolvimento de modelos animais e tal. Então eu fui para a farmaco ser voluntário, me deixaram como monitor. Então desde 1965, 66, eu comecei a estudar Psicofarmacologia. E aprendi coisas incríveis sobre comportamento animal, eu achava que tinha aprendido e tentava colocar em prática, fiz os experimentos mais absurdos e sem orientação que você pode imaginar, tudo errado. P - Um exemplo. R - Ah, eu tinha um equipamento que ficou folclórico na faculdade, porque eu queria olhar o comportamento dos ratos tomando neurolépticos, e colocasse numa caixa de Skinner, que é uma caixa de estimulação elétrica das patas. Então eu fiz uma caixa de Skinner, pedi para um técnico do laboratório criar um assoalho. Eu ficava com um estimulador que eu pudesse dar um choque. Coisas que eu tinha lido nas revistas e tentado montar lá. Então, para o rato não me ver e não sentir a minha presença, eu montei um esquema todo de pano preto, que eu ficava atrás de um visor e o rato ficava lá dentro da gaiola a três metros de distância. Coisa mais absurda que você pode imaginar. E eu fiz experimentos lá e nunca deu nada, nunca publiquei, coitado dos ratos, perda do tempo de todo mundo. O legal que isso me manteve motivado a estudar. E a participar dos seminários. Aí eu comecei a entender que, primeiro, não era aquela a área que me interessava, eu não tinha jeito para fazer pesquisa com animal, eu não queria saber de modelo experimental de comportamento, queria mexer com as drogas como instrumento para entender doenças mentais e não para entender farmacologia pura. Eu fui começando a descobrir que o meu negócio não era farmaco, o meu negócio ainda era psiquiatria mesmo, que farmaco era um instrumento para eu usar, para entender. P - Nessa época, qual era o estado da psiquiatria? O que é que se conhecia. R - Eu não sabia muito. Nós estamos falando de antes de 1970, não foi nem 70. Aqui na psiquiatria eu tinha pouquíssimo contato, tive umas aulas, e era um negócio meio aversivo, porque essas enfermarias eram, e continuam sendo, da época em que não existiam medicamentos. Este prédio foi construído em 40, na década de 40, inaugurado em 52, no ano em que descobriram a clorpromazina, o Anplictil. No ano em que ele foi inaugurado, ele estava absolutamente superado como conceito. P - Como arquitetura. R - Como arquitetura, porque esta aqui é uma instituição onde os pacientes agitados ficavam fechados em quartos, saíam sob escolta, tomavam duchas e faziam eletrochoques, insulinoterapia, as técnicas que eles tinham até o aparecimento dos medicamentos. Então era meio convento, meio quartel, meio prisão, muito aversivo, escuro. E os pacientes eram tratados como malucos, e os psiquiatras pareciam muito estranhos, a forma como eles ensinavam a psiquiatria ou era aversiva para gente, porque era muito botânica, muito descritiva de fenômenos, e muito distante do paciente, ou então era muito especulativa, baseada numa psicanálise muito... Psicanálise aplicada à Psiquiatria, que é a pior forma de psiquiatria na minha opinião é essa psicanálise aplicada em psiquiatria. Eu acho que a psicanálise é legal, mas quando ela tenta explicar a psiquiatria fica tão ruim quanto a botânica explicando. Então quase desisti da psiquiatria, porque não tinha pé nem cabeça pra mim. Tinha pra eles e com razão, porque eles contribuíram para hoje a gente ter a psiquiatria moderna. Mas pra mim não fazia muito sentido. Aí eu comecei a me interessar por ortopedia. Porque aí eu ia no pronto-socorro e era divertido, porque vinha alguém com a perna quebrada e você tirava radiografia, consertava e o cara saía bom. Eu tinha quebrado o braço e a perna já, sabia que era legal. Era dinâmico e não era nada muito fosfórico, muito elocubrativo, eu nunca tive muito jeito para filosofia. E era o que tinha resultado, eu queria resultados. Mas eu continuei interessado, porque o LSD dava alucinação, porque o Amplictil tirava a alucinação, porque que antidepressivo tirava depressão, que história era essa, como que você pode usar umas moléculas para mexer com o cérebro e com isso você muda a associação subjetiva ao comportamento das pessoas. E isso continua me fascinando até hoje, até hoje eu não consigo entender essas coisas e continua me fascinando. Então eu fui continuando a estudar isso. Eu nunca usei droga, eu tive acesso, tive ampola de LSD, tinha acesso a qualquer droga que eu quisesse, nunca usei, eu achava que não era pra isso, eu me interessava nessas coisas como instrumento de investigação, eu não via valor recreativo nisso. Eu não usei drogas em termos, porque tomei meus porres com álcool, cheirei lança-perfume no carnaval, naquela época tinha lança-perfume no carnaval. P - Produzido pela Rhodia. R - Tinha o Rodouro, maravilhoso P - Você se lembra da embalagem? R - Da embalagem? Eu lembro da lata dourada. Da caixa não me lembro. P - E como é que era essa história de usar lança-perfume? R - Era uma coisa muito aceita socialmente, você ia para os bailes e as pessoas levavam caixas, acho que eram caixas de papelão com meia dúzia de latas douradas dentro. E aí abria como quem abre uma caixa de Coca-Cola, e dava para as crianças jogarem nas costas umas das outras. Era cheiroso, perfumado, em princípio uma coisa que não era para ser cheirada, era para brincar mesmo. Mas era um poderosíssimo agente euforizante, e eu me lembro de um carnaval em que eu estava num navio, indo para Argentina, e a gente botava lança-perfume num lenço e inalava como se fosse fazer uma anestesia, na verdade. P - Porque é um anestésico. R - É um anestésico. E a gente ia para o banheiro e cheirava lança-perfume, eu me lembro de estar no banheiro do navio, tinha um saguão e tinha um banheiro das mulheres do outro lado. E o navio estava balançando, era um mar agitado lá para o Sul, e eu cheirei a lança-perfume e saí do banheiro completamente zonzo, e dei de cara com o comandante do navio. Eu devia ter uns 18 anos, eu não sabia o que fazer. E aí você misturava isso com álcool e acontecia de você acordar no dia seguinte deitado no sofá onde deveria estar uma menina embaixo, em que você tinha apoiado a sua cabeça; nessa altura ela nunca mais olhava para a sua cara, porque você tinha dado um vexame. Eu não sei se a minha geração tivesse tipo acesso a drogas mais pesadas o que teria acontecido, eu vejo nas gerações seguintes. Quando eu falo que não tinha interesse naquilo, porque não era da cultura, a gente não tinha cultura para usar maconha, quem usava maconha era maconheiro, eram os caras que ficavam perto da Biblioteca Infantil, ali na Major Sertório, coisas assim, eram pessoas muito mal vistas. Eu não conhecia ninguém que usava maconha, na verdade; depois que eu entrei na Faculdade de Medicina, já em 1970, alguns caras usavam maconha, mas a gente não ficava muito entusiasmado, nem endossava muito. As coisas eram o álcool e o lança-perfume. As pessoas podem morrer com lança-perfume. Infelizmente, depois que a Rhodia parou de produzir o Rodouro, apareceram lanças muito mais perigosos, com maior teor de tetracloreto de etila. E tinha uns lanças da Argentina, em garrafas de vidro, tinha umas coisas que eram contrabandeadas. E aí passou a ser uma coisa mesmo de drogados e aí a gente largou, porque virou um negócio... não tinha o mesmo espírito da coisa. P - E aí depois do seu interesse passageiro pela ortopedia, como é apareceu a psiquiatria? R - Eu acho que já estava no quarto, quinto ano, e a ortopedia, a traumatologia, era muito divertida. O pronto-socorro era muito divertido, eu gostava de movimento. Então eu vinha para o pronto-socorro e ficava aí até as duas horas da manhã, acompanhando, suturando, drenando abcesso, comendo o bife da meia-noite que tinha aí no HC, que era um bife que parecia ter sido tirado de algum cadáver, de tão horroroso que era. Mas a gente achava o máximo brincar de médico no terceiro ano da faculdade. Aí chegou uma época em que o meu interesse em farmaco foi ficando mais sério, eu comecei a entrar em grupos de estudo e coisas assim. Aí eu tive o curso de psiquiatria clínica aqui, comecei a entender o que é que eram as coisas. E comecei a compar a literatura e a ver que a psiquiatria é uma ciência que estava despertando para uma nova era, fim da década de 70. P - E tinha quais características? R - Existiam novos tratamentos que exigiam melhor precisão de diagnóstico, permitiam investigação de modelos experimentais, que permitiam a formulação de hipóteses sobre fisiopatologia; na hora em que você entendia o mecanismo de ação de uma droga, ou sabia alguma coisinha sobre o mecanismo de atuação de alguma droga, você imediatamente tentava relacionar com a patologia que ela tratava. Então quando se descobriu, nessa época, a ação dos antidepressivos, a gente começou a ter as hipóteses de porque as pessoas entravam em mania e depressão. Isso em 65, 66, quando se descobriu os inibidores da MAO (monoaminoxidase), o bloqueio da MAO, e a reserpina dando depressão; montou-se toda uma teoria sobre... Isso é que é muito interessante: quando se descobriu que neurolépticos bloqueavam os receptores alfa (alfa-adrenérgicos), surgiu alguma coisa, depois se descobriu coisas no líquor e na urina de pacientes esquizofrênicos e de repente se descobriu o bloqueio de dopamina. E aí toda essa área tornou-se uma área muito mais cientificamente objetiva. P - O divisor de águas disso foi a crorpromazina, foi o Amplictil ou não? R - Foi a descoberta dos antipsicóticos, do lítio, dos antidepressivos, tudo isso aconteceu num período de dez anos, de 49 a 57. Em 49 surgiu o lítio, em 52 a crorpromazina e reserpina, e em 57 mipramina; reserpina, acho que reserpina antes disso. P - E o que é que mudou na abordagem do paciente? R - Se você não soubesse diferenciar o que era depressão e o que era esquizofrenia, você não tinha resultado terapêutico. Até então se dizia: "O paciente está esquizofrênico, ou paciente está deprimido, faça psicoterapia ou faça eletrochoque". Tanto faz, o tratamento era o mesmo, evoluía bem, evoluía mal, o tratamento era igual. Na hora que você tinha que separar, isso é um quadro psicótico paranoide, usa neuroléptico, isso aqui é um quadro depressivo com alucinações e delírio, usa combinação de neuroléptico com antidepressivo, usa eletrochoque nesse e não naquele. A gente continua usando eletrochoque. Aí a coisa mudou, você tinha que ter uma maior precisão diagnóstica e fazia sentido você fazer hipótese sobre fisiopatologia. Tentar um modelo médico de novo. Na década de 60, nos Estados Unidos, ainda os caras não tinham absorvido isso, e nas revistas eles diziam que você tinha que ver o indivíduo e esquecer tudo o que você sabia sobre a teoria, adotavam uma postura quase psicanalítica. E aí você via um esquizofrênico muito de perto, você já não via mais a esquizofrenia, você via o indivíduo, como hoje, se você chegar muito perto de um indivíduo com qualquer diagnóstico, você não vai ver o diagnóstico, você vai ver a pessoa. Do ponto de vista humano isso é muito legal, porque você vê a pessoa. Do ponto de vista do atendimento a essa pessoa é muito ruim, porque você não vê o diagnóstico, e você não vendo o diagnóstico, você não aprende tudo o que se sabe sobre aquele diagnóstico. Se tem um cara com pneumonia muito de perto e você não vê a pneumonia, o cara morre. Se você vê um esquizofrênico muito de perto e não vê a esquizofrenia, você trata errado, ele piora, cronifica. Se você vê um cara com depressão muito de perto e não vê a depressão, ele fica sofrendo, você fica vendo a pessoa, sofrendo junto com paixão, mas não é atendimento médico. Na hora em que você pode discriminar os medicamentos e os tratamentos, que pode descriminar melhor os vários problemas, a gente passou a poder efetivamente ajudar as pessoas e entender o que estava acontecendo de errado com elas pessoas. Depois disso, se você puder, você chega perto e vê a pessoa, mas não antes. É uma inversão em relação à psicanálise. P - E aí, esses medicamentos neurolépticos, que características eles têm e como é que mudaram o atendimento das pessoas? R - Então, eles eram capazes de pegar pessoas que estavam delirando, alucinando e agitadas, e torná-las abordáveis, se podia passar a conversar, e não deixá-las semanas ou meses gritando, agitadas, agressivas, se auto-mutilando ou fazendo outras coisas. Isso fez com que a instituição pudesse deixar de ser uma prisão, um quartel, e passou a ficar com mais características de hospital, onde, depois de uma semana que as pessoas estavam tomando esses medicamentos, elas se acalmavam, podiam contar o que estavam sentindo, porque é que elas estavam preocupadas, o que as estavam assustando, e a gente podia, além de usar os medicamentos, começar a intervir psicoterapicamente ou comportamentalmente para tirá-las do estado em que se encontravam. Da mesma forma, começava a trazê-las de volta para a sociedade e fazer as famílias aceitarem. Isso ainda não é possível fazer com todo mundo, mas hoje isso é possível fazer com 80% dos casos. Naquele tempo era possível fazer com 20% dos casos, quando eles melhoravam com eletrochoque ou outras coisas assim. Porque o eletrochoque não era muito bom da forma como a gente usava. Não era muito bom para a esquizofrenia, nem para os outros quadros. Hoje os caras dizem que a gente usava errado. A gente tinha que usar com muito mais freqüência. Mas as técnicas eram ruins, os aparelhos eram ruins, o pessoal fazia sem anestesia, então era traumático, a equipe não estava de acordo com a forma como era feito, as pessoas eram submetidas a procedimentos que envolviam um certo grau de coação e violência física na contenção. Muita gente não queria ser tratado, fora uma cultura toda que era ruim. Hoje não, hoje eletrochoque é um negócio que você faz com anestesia, com consentimento, a pessoa vem espontaneamente, deita na cama, estende o braço, sabe o que vai acontecer, não dói, não queima, o equipamento é moderno, não dá lesão. Ainda assim tem todo esse preconceito; imagine em 1970. Foi proibido nos Estados Unidos nessa época, teve uma celeuma toda. Eu acho que estes medicamentos, eles viabilizaram a psiquiatria como especialidade médica, senão ela teria progressivamente sido extinta e substituída por alguma outra coisa que eu não sei o que seria. Os caras mais orgânicos seriam da neuro, os mais psicológicos seriam da psicologia e da psicanálise e outros viriam para a área reabilitação, asilo. Acho que a sociedade não teria agüentado uma psiquiatria que não tivesse instrumentos específicos de intervenção dentro do modelo médico. P - Então a psiquiatria, como a gente conhece hoje, ela está intimamente ligada com a possibilidade de acesso a essas drogas? R - Às terapêuticas. Não só às drogas, mas às terapêuticas modernas. Hoje você tem técnicas de intervenção não só medicamentosas, como comportamentais e até cirúrgicas, eletrochoque moderno e tal, que viabilizaram a psiquiatria como uma especialidade médica, dentro do modelo médico tinha sido jogado pela janela pelos autores americanos; Karl Menninger, por exemplo, que dizia que não precisava fazer diagnóstico diferencial, que as psicoses eram todas iguais, ou pelo Meyer, que dizia que eram reações emocionais a problemas. E aqui no Brasil também muita gente que dizia: "Imagina, quando você faz o diagnóstico, você perde o cliente, você perde o contato com o cliente". O pessoal recomendava que, ao entrar profundamente em psicanálise, a primeira coisa que você devia fazer é rasgar o seu receituário e esquecer a medicina. E vários colegas meus fizeram isso, se orgulhavam de fazer isso. E foram bons psicanalistas, mas saíram da psiquiatria. P - Foram conduzidas pesquisas com o uso destes medicamentos que o senhor acompanhou? R - Eu acompanhava de longe, o que existia aqui nessa época eram alguns profissionais que faziam pesquisa associados à indústria farmacêutica. A iniciativa de pesquisa com estes medicamentos, obviamente, foi da indústria farmacêutica. Eu sei que o professor Pacheco e Silva esteve envolvido nos primeiros estudos com o Amplictil aqui no Brasil, que o Fernando Bastos, que foi outro catedrático, também. Depois os assistentes deles que se interessavam mais por essa área, como o Nelson Carlos, o Isaac Guz, Cláudia Severo, tiveram envolvidos com novos estudos com novas drogas e fizeram muitas pesquisas. O que a gente não gostava é que estes caras não contavam muito o que é que eles estavam fazendo, eles usavam os residentes como mão-de-obra, dava impressão de que eles estavam adquirindo prestígio e sendo convidados para congressos, falando das coisas, e a gente ficava muito por fora. Não existia pós-graduação, não existia reconhecimento pelo trabalho, às vezes a gente tinha oportunidade de acompanhá-los, e aí chegava nos congressos, a gente não tinha muito orgulho do trabalho deles, porque parecia um trabalho menor. Porque as grandes descobertas não eram feitas por aqui, o que as pessoas estavam fazendo era reproduzir o que tinha sido descoberto em outro país. Isso, em grande parte, ainda é assim hoje. Mas com o tempo estavam começando a aparecer hipóteses originais, aí que a coisa começou a ficar interessante. Então você tinha uma pergunta específica e você podia investigar essa tua hipótese, e aí algumas parcerias com a indústria começaram a ficar muito mais atraentes do ponto de vista científico, acadêmico. Teve teses aqui com alucinógenos, teses com medicamentos e coisas assim. Eu tenho uma tese, por exemplo, as minhas teses são com medicamentos, meu PhD em psicofarmacologia na Inglaterra e minha livre docência eram com antagonistas de benzodiazepínicos, aqui no Brasil mesmo. Mas este tipo de pesquisa, onde a gente testava mecanismo de ação, coisas assim, não era bem o que se fazia no início. No início era tentar verificar se nossos pacientes respondiam da mesma forma que os pacientes da Europa e dos Estados Unidos. O que era importante para a gente se familiarizar, era mais uma forma de importar e aprender guiar o automóvel novo que tinha chegado do que desenvolver indústria automobilística. P - Então a indústria procurava médicos aqui pra testar medicamentos cujas matrizes já estavam testando. R - Já estavam comercializando. Principalmente fase três, quatro. No início, um ou outro centro fez alguma pesquisa que poderia interessar para a indústria em termos de desenvolvimento, mas em geral não. E essa foi uma tendência dos últimos 30 anos. Eu acho que boa parte da indústria ainda não faz pesquisa de desenvolvimento no Brasil. Mas mesmo que a indústria não faça, o know-how metodológico que ela trouxe para esses ensaios clínicos foi muito importante. Acho que a principal contribuição dessas pesquisas, além da familiarização dos médicos locais com estes produtos, foi o desenvolvimento de pessoas interessadas em metodologia e uso dos instrumentos de avaliação de diagnóstico, que foram se sofisticando cada vez mais, e trouxe grande ímpeto, um grande impulso para a psiquiatria. Recentemente o Jean Delay, que era um dos caras que introduziu a crorpromazina, deu um depoimento que saiu publicado numa revista inglesa, não, na Revista do Colégio Internacional Neuropsicofarmacológico, o Jean Delay, até afixei aí fora o xerox da entrevista dele, contando o que é que representou a crorpromazina, a introdução da cropromazina; este artigo é interessante para vocês lerem. Eu arranjo uma cópia pra vocês. E ele conta como que era psiquiatria antes e depois. P - Resumidamente, o que é que ele fala? R - Acho é melhor vocês lerem porque eu sou um cara ruim de memória, eu leio tanta coisa diferente. P - Só retomando, então: o senhor colocou que a relação com a indústria, uma das contribuições foi oferecer aos médicos uma metodologia de pesquisa. R - Além de outras coisas. A indústria fez coisas fundamentais para a psiquiatria. Ela permitiu intercâmbio internacional, não só para a psiquiatria, mas para toda a medicina, ela permitiu intercâmbio internacional, ela apoiou eventos, ela difundiu informações, ela usou os serviços de marketing para trazer publicidade para os seus próprios produtos, mas junto com isso teve um benefício colateral, secundário, que foi trazer informações gerais. Ela apoiou iniciativa institucionais, a indústria tem um papel fundamental no desenvolvimentos da medicina moderna nessa nossa área, principalmente em psiquiatria, porque a grande virada da psiquiatria foi a introdução dos medicamentos psiquiátricos; diferente da cirurgia, que já vinha com as técnicas deles, a psiquiatria dependeu demais disso, porque ela estava indo toda para uma linha psicossocial e nada para a área médica. E a indústria trouxe essa possibilidade. Junto com isso ela trouxe os malefícios, mas no cômputo geral, eu acho que os benefícios são maiores. P - O senhor falou a respeito dos materiais que eram de propaganda mas que carregavam informações importantes, como é que eram estes materiais? R - O que você via no início, artigo científico dizendo: "Esta nova droga é melhor do que a anterior". Sem nenhuma sofisticação metodológica, era a opinião do professor tal. A gente ia nos congressos e o professor ia lá, falava como se tratava com a nova droga. Era, mais ou menos, como se o pessoal estivesse vendendo o elixir do cirurgião barbeiro do livro O Físico. (risos) É a mesma técnica, o mesmo jeito primário, um bando de índios levando miçanga, santinho e espelhinho pra casa. Continua um pouco assim, um bando de gente que faz isso, se propõe a fazer isso, e a gente acha que é uma coisa que não vai mudar porque esta técnica deu certo desde os princípios, muito antes da indústria farmacêutica. Desde os primórdios da medicina é o que se faz. Não só na área médica, mas muito claramente na área médica. É uma forma de difundir conhecimento associado à necessidade econômica de alguém que está fazendo a comercialização de alguma coisa. Mas ao lado disso, como a indústria começou a competir com ela mesma, existiam as empresas que queriam se colocar como mais embasadas, mais éticas, mais cientificamente desenvolvidas. A Rhodia é uma delas. Então as grandes empresas farmacêuticas começaram a competir entre si para ver qual fazia a maior contribuição efetiva. E aí começaram, até por exigências governamentais, nos Estados Unidos e na Europa, a sofisticar a metodologia. E aí começou a trazer essas informações pra gente. E na época que não existia internet e fax, e que viagens custavam muito caro - só os ricos iam para os congressos -, ela começou a possibilitar que os mais pobres pudessem ter acesso. Os que não tinham dinheiro para ter uma enorme biblioteca, ganhavam o material; começou a fomentar congressos, levar as pessoas para visitar centros estrangeiros, trazer gente cada vez melhor. Este processo foi muito maior do que seria possível se não houvesse indústria, se houvesse só o governo e a universidade. Veja o que aconteceu na Rússia, onde a indústria não pôde entrar: eles ficaram parados no tempo. Então é muito claro, nas economias, como as economias socialistas e comunistas daquela época, o quanto eles pararam no tempo por não poder ter esta competição da indústria, mesmo na área de automóveis e outras áreas. Então isso beneficiou muito a psiquiatria, eu acho que mais do que em algumas áreas, em que prescindiam desse apoio, que tinham mais tradição ou tinham mais metodologia desenvolvida, como a cirurgia e a ortopedia. P - Esta mudança da qualidade do material que a indústria ofereceu e oferece aos médicos é mais ou menos de que época? R - Década de 80. A psiquiatria, nos Estados Unidos, sofre uma grande mudança em meados dos anos 70, ela abandona o modelo do Adolph Meyer e da psicanálise aplicada, a tal da psiquiatria psicodinâmica, e volta para uma psiquiatria mais clínica, baseada em diagnóstico, em pesquisa epidemológica, em necessidade de verificação das eficácias da práticas terapêuticas, de desenvolver modelos de fisiopatologia e mecanismos de causa e prevenção de doenças. E daí ela retoma uma posição de destaque na psiquiatria mundial e investe muito dinheiro, o governo americano investe muito dinheiro, e revê coisas que ela tinha abandonado, inclusive o eletrochoque. E começa a exigir, através do FDA, a comprovação da eficácia dos medicamentos - depois da Talidomida, principalmente -, da segurança e da eficácia. Neste momento ela obriga a indústria a investir muito dinheiro na comprovação da eficácia e segurança de seus produtos, e se isso encareceu demais seu desenvolvimento, que pulou de algumas dezenas de milhões de dólares para algumas centenas de milhões de dólares por produto comercializado, ela trouxe uma sofisticação tecnológica de desenvolvimento científico proporcionais. Então se hoje a gente não tem muito mais droga nova, eu não acho que não é qualquer cerceamento da liberdade de criar, mas porque, de fato, depois que você encontrou a penicilina, é duro você encontrar um outro antibiótico que seja completamente diferente da penicilina. Depois que você descobriu o Amplictil, até você descobrir um outro antipsicótico que seja, qualitativamente, diferente, vai demorar muito. Depois que você descobriu a imipramina, se você encontrar um outro antidepressivo que seja completamente diferente, você vai demorar muito. Você vai ter décadas de investigação e variações sobre o mesmo tema e aperfeiçoamento de efeitos colaterais, melhor tolerabilidade, questões de farmaco-sinéticas, farmacotécnicas e tudo mais. Mas você não espera encontrar nada muito melhor do que penicilina ou clorpromazina ou imipramina. Você vê, se você comparar um neuroléptico mais recente hoje, a diferença em relação à eficácia terapêutica é negligível, a diferença é em termos de tolerabilidade, perfil de ação, espectro de ação. Mas é assim, você pega um indivíduo alucinando, compara clorpromazina com o último, a eficácia é a mesma. É claro que tinha uma série de desvantagens nessas drogas antigas e tem uma série de vantagens nas drogas mais recentes, mas é a mesma coisa que os antibióticos mais modernos em relação ao uso da penicilina. As bactérias estão lá. É a mesma coisa com os antidepressivos, mesma coisa com os sedativos, com os tranquilizantes. P - Talvez isso explique, por exemplo, a história do Gardenal para a Rhodia, que é o medicamento mais antigo em linha. R - A pessoa que toma um anticonvulsivante como um fenobarbital, o Gardenal, você conseguiu reverter convulsão. O que mais você pode esperar de um anticonvulsivante? Você pode esperar que ele dê menos sedação, que ele interfira menos no fígado, que ele dê menos prejuízo para reflexo, mas você não pode pedir que ele impeça mais convulsão, porque ele já impediu. O progresso agora vai ser alguma coisa que vai atuar antes do indivíduo ficar com tendência pra convulsão. Bom, mas isso você vai ter que entender o mecanismo que gerou a convulsão. Isso você vai precisar entender a fisiopatologia. Estou colocando pra gente, temos que descobrir alguma coisa antes do cara ficar esquizofrênico. Bom, isso vai depender de desenvolvimento da genética, de conhecimentos sobre função do cérebro. Se tiver uma forma de prevenir, então isso vai ser um avanço significativo, como a vacina é para o tratamento da paralisia infantil. Na hora em que você encontrar a vacina, todas as coisas que você fazia para reabilitação do doente são desnecessárias. Aí você pode fechar a área de paralisia infantil. Na hora em que você achou a tuberculose, você pensou que você controlou, mas parece que não controlou. Mas na hora que você pensou que tinha controlado, você podia fechar os hospitais de Campos do Jordão, um monte de tisiologistas aposentados. Eu espero que isso um dia aconteça com a psiquiatria, o que não vai acontecer, eu espero que isso aconteça com a esquizofrenia, uma forma de prevenir a esquizofrenia, maravilha P - O senhor conduziu alguma pesquisa em que houve a participação da Rhodia Farma? R - Só num projeto de vários anos de duração sobre pânico, chamado Projeto AMBAN, Ambulatório de Ansiedade. E a Rhodia S.A, e não a Rhodia Farma, a Rhodia S.A, através do Edson Musa, por uma solicitação direta da Rhodia S.A, mas com o apoio direto da Rhodia Farma, através da diretoria da Rhodia Farma, do Ruderico de Moraes. P - Nós entrevistamos. R - Vocês entrevistaram o Ruderico? Eles nos apoiaram sem nenhuma relação com o desenvolvimento de produtos da Rhodia. Na verdade, nós tínhamos conduzido uma pesquisa de desenvolvimento de um hipnótico, eu acho que é o zopiclone, que é o Imovane, mais para comparar doses. Uma coisa irrelevante. Mas em paralelo com isso nós ficamos de 1985 a 1990 e tantos fazendo pesquisas com pânico em termos de diagnóstico, tratamento, epidemiologia, associação com outras doenças, terapias comportamentais, um monte de teses, um livro na terceira edição, e um monte de publicações internacionais, que não foram patrocinadas pelas Fineps - nós pedimos e não conseguimos -, nem pelos fabricantes dos medicamentos que a gente testava, porque não estavam nas prioridades deles em termos de desenvolvimento de produtos. E foi patrocinado pela Rhodia, por uma metalúrgica chamada Metalúrgica Matarazzo, por algumas pequenas doações de algumas outras empresas, e que permitiu o estabelecimento do que é hoje o AMBAN, que é o laboratório de ansiedade, que continua a produzir teses, atendendo a um monte de gente. P - Este livro que está na terceira edição, qual é? R - "Fobia e Obsessões". Tem um agradecimento específico, direto para Edson Musa, Paulo Bellotti e Ruderico de Moraes, que foram as três pessoas da Rhodia que contamos com apoio, por mais de dois anos, mensal, na forma de uma doação que a gente utilizava para pagar secretária, comprar material, comprar remédio; a gente comprava medicamentos na farmácia para poder fazer as pesquisas, a gente não ganhou nenhum grátis nos primeiros anos. P - E além de patrocinar, a Rhodia deu algum outro tipo de auxílio, informação... R - Eles nos abriram, a gente tinha um relacionamento muito bom com o Ruderico e com a área médica da Rhodia, e eles nos davam todo o apoio. Em particular, eles nos deram apoio, nós tivemos que montar um serviço de análise e estatística, banco de dados em estatística. Então tinha o Nava, preciso olhar no livro, que era um estatístico da Rhodia, que tinha grande experiência de análises de ensaios clínicos, nós montamos os ensaios clínicos e ele nos ajudou a programar, ele deu consultoria na área de banco de dados de estatística durante muito tempo. Ganhamos o acesso ao sistema SAS e fizemos tudo isso graças ao apoio dele, também. Além disso, a Rhodia nos dava cursos, trazia gente, apoio de várias formas. E fez essa parceria no estudo do zopiclone. Para a gente era muito importante, porque essa era a metodologia com que a gente trabalhava, essa área de ensaios clínicos. Toda vez que sai o livro, sai com agradecimento à Rhodia por causa disso. P - Eu queria lhe fazer uma pergunta a respeito da propaganda médica cotidiana. Como é que o senhor vê o trabalho do vendedor-propagandista, que traz esta literatura e que vem conversar com o senhor a respeito de um medicamento? R - Eu sou um cara da área, no terceiro ano da faculdade eu comecei a estudar isso, na época em que isso estava começando a engatinhar no Brasil, na área de psicofarmacologia. Fiz meu PhD nisso, fui professor de farmaco durante muitos e muitos anos, então tem pouca coisa que os propagandistas podiam me trazer que eu não soubesse ou não tivesse tido acesso de uma alguma outra forma na época, que eu me dedicava particularmente a isso. Agora não, agora eu estou mais na área estratégica do Instituto de Psiquiatria e da psiquiatria com um todo. Então eles trazem coisas que eu não sabia, a que eu não teria acesso, eu comecei a dar mais valor e perceber que eles têm um papel importante de disseminação da informação, que principalmente nos tempos de hoje, que eles embasam a informação. O pessoal das divisões médicas, das diretorias médicas, dão um suporte muito maior que no passado para eles, e eles têm treinamento muito mais sofisticado. E as indústrias colocam à disposição serviços de informação computadorizada, banco de dados, hoje a coisa está muito mais no sentido de dar suporte científico do que fazer propaganda de elixir ou distribuir miçanga e santinho. Eu ainda acho que a estratégia de marketing ela não é o que eu gostaria, mas eu reconheço que ela funciona. Se a indústria fizesse do meu jeito, provavelmente ela não teria continuado a existir. P - E qual seria o seu jeito? R - Propaganda institucional, análise balanciada, somente informação altamente confiável, sem desvirtuar, sem enviesar; mas eu entendo que outra vez aquele livro O Físico, do cirurgião barbeiro que pega um garoto e vai fazer mágica, e que todo mundo vem e ele dá a mensagem, é o que sempre funcionou e vai continuar funcionando, vai continuar sendo assim, não só na área farmacêutica, em todas as coisas. Vai ver até que até nos congressos mais de alto nível científico, você bota lá umas três ou quatro speakears pra atrair os fiéis, para ouvir o gospel que na verdade está sendo transmitido pelo presidente da associação que organizou. Eu tenho a super sensação de estar fazendo um pouco malabarismo para alguém dar a mensagem em congressos. Mas isso não só na indústria farmacêutica, isso é uma técnica. P - Eu só vou terminar agora com algumas questões últimas até porque a contribuição dos medicamentos e outras coisas o senhor já me contou tudo. Como é o seu cotidiano de trabalho hoje? O que o senhor faz? R - Eu chego às oito e fico resolvendo questões institucionais, ligadas ao instituto; metade do meu tempo eu gasto nisso. A outra metade na instituição é para montar um projeto de pesquisa sobre a regulação do humor, que a gente espera que vai ser importante nos próximos anos, e pra dar supervisão para as últimas teses que eu estou orientando, ou para tentar alavancar uma campanha de financiamento para reforma e modernização deste prédio de 15 mil metros quadrados. A gente quer pôr em prática uma planta que foi desenvolvida nos últimos seis anos e que agora está pronta, projeto final está entregue já, vai custar 29 milhões de reais, que é igual a 29 apartamentos do Sírio ou do Einstein. Para transformar isso aqui na instituição psiquiátrica mais moderna do Hemisfério do Sul, do mundo, baseado em Pittsburgh e em Londres. P - Que característica ele tem? R - Todos os ambientes são modelos de intervenção testáveis, a enfermaria é dedicada para a patologia específica e tem um ambiente especialmente desenhado para aquele tipo de problema; em vez de você misturar esquizofrênico com deprimido, com demenciado, com alcoolista, com drogado, com anoréxico, você tem uma unidade para cada uma dessas coisas. E tem uma equipe especialmente treinada para lidar com isso no menor espaço de tempo possível e no ambiente mais estruturante para cada uma dessas patologias. Para que você não exponha os pacientes da convivência desnecessária e forçada com pessoas mais graves do que ele ou diferentes do que ele. O que não é saudável, não se justifica, é traumatizante, é anti-terapêutico, e é o que existe no mundo. O que existe no mundo são maus tratos neste sentido, de falta de espaço; é como se você estivesse hoje numa enfermaria de cirurgia e você mistura um cara que está com câncer com um que está com a perna quebrada, um que está tirando o apendicite, com uma que está dando a luz. Isto é um hospital psiquiátrico moderno ou uma unidade psiquiátrica que está sendo votada hoje no Senado. Eles estão descobrindo a roda quadrada. Eles estão inventando hospital psiquiátrico dentro de um hospital geral, que vai ser um micro manicômio dentro do hospital geral. E o que existe em poucos centros no mundo, com os quais a gente teve contato e que a gente está trazendo pra cá, que não existe no Brasil, nem na América do Sul, não existe nem no Hemisfério Sul, é um hospital psiquiátrico com unidades especializadas. Nós somos os pioneiros no Brasil inteiro em ambulatórios especializados. Hoje, se você olhar no nosso ambulatório, que é um ambulatório geral, nós temos um ambulatório especial para pânico, especial para depressão, especial para esquizofrenia, especial para uso de drogas. As equipes funcionam muito melhor assim, os pacientes são melhor atendidos assim, as pessoas podem estar muito mais atualizadas; não dá mais para fazer psiquiatria geral, todo mundo fazendo psiquiatria geral, como não dá para o parteiro fazer cirurgia de abdômen e ao mesmo tempo tratar o pulmão de outro cara. Não dá mais para fazer isso em alto nível. Então, uma parte do meu tempo é gasto nisso. Depois, no fim da tarde, eu vou ganhar a vida, pois com o que a gente ganha na universidade não dá para sustentar uma família. Então o que a gente ganha no hospital é muito mais a oportunidade de intervir na especialidade, na sociedade, ter a sensação de estar contribuindo de alguma forma, ter desenvolvimento, e aí a gente vai aplicar no consultório com uma porção de gente privilegiada o que a gente aprendeu nos anos; porque no momento em que você está fazendo este tipo de coisa, você não está estudando, mas você está dando oportunidade para as próximas gerações estudarem, os caras que estão fazendo tese comigo estudam muito mais do que eu, e provavelmente eu aprendo muito mais com eles do que eles comigo. P - O que é que mudou no seu cotidiano de trabalho, no seu consultório, do momento em que o senhor começou, nos anos 70, e do trabalho que o senhor faz hoje? R - Eu acho que eu tenho mais capacidade de reconhecer sinais precoces de resposta e não resposta terapêutica, e tendo visto centenas e milhares de pacientes, eu adquiri alguma coisa que eu não consigo colocar no papel como todas as pessoas com experiência. Eu consegui identificar algumas coisas que na minha experiência dão certo, que podem ou não estar de acordo com a literatura, e que quem vai julgar o produto final é o meu cliente. E como meu consultório não implodiu, eu suponho que algumas pessoas acham que isso está funcionando. Isso tem muito mais a ver com o que a gente chama de arte médica do que essência médica; eu me recuso a fazer pesquisa no consultório, por exemplo. De vez em quando eu faço uma avaliação sistemática do que aconteceu, mas eu não vou mais atrás de qual é o último lançamento, qual é a última hipótese sobre o mecanismo de ação, porque eu acho que essas coisas fazem parte de cogitações importantes para o desenvolvimento, mas elas não trazem ainda uma possibilidade de aplicação clínica imediata. Então quando eu estou aqui, eu quero saber isso, porque eu estou pesquisando isso, os meus orientandos estão pesquisando isso. Quando eu estou no consultório eu quero mais saber das coisas que estão consolidadas, e vou checar quando leio um artigo se aquelas minhas hipóteses selvagens, naturalistas, coincidem com o que está sendo demonstrado na pesquisa ou o que é que eu pensava que não podia... Por exemplo, eu vivo dizendo para as pessoas que não podem comer açúcar e chocolate quando tomam estes remédios porque senão engorda e os endocrinologistas durante muitos anos falaram que é porque eu não tinha estudado direito a endocrinologia. Agora eles estão proibindo as pessoas de comer açúcar e chocolate, acaba de sair um livro nos Estados Unidos dizendo que o mais importante em dieta é tirar o açúcar e o chocolate. Então, é claro que eu fico atraído para este tipo de informação. Vão dizer que tudo isso que eu estou dizendo, provavelmente muitas das outras coisas que eu pensei, é besteira. P - Como é a sua vida familiar hoje? (fim do lado B - fita 1) R - Das oito da noite à meia-noite, para quem tiver acordado, das sete às sete e meia, quando estiver acordado, e nos fins de semana. P - O senhor tem filhos? R - Tenho filhos que já estão grandes, que já estão mais independentes, e eu procuro aproveitar o fim de semana com eles, viajar o máximo que eu puder, não mais para tanto congresso, mas duas vezes por ano eu tiro 15 dias, duas vezes por ano, para... ver o que mais existe fora. Em geral eu acho esses congressos menos interessantes do que eu achava no passado, gosto mais de reuniões específicas sobre problemas específicos. P - O senhor tem um filho que estuda medicina. R - Terceiro, quarto ano, passou para o quarto ano agora. Ele quer ser cirurgião de coração. Ele está indo muito bem, vai fazer estágio agora nos Estados Unidos, nas férias, está trabalhando com o pessoal aqui do Incor, está fazendo iniciação científica já há uns dois anos. Está indo muito bem. P - E a sua esposa é... R - A minha esposa é psicóloga e analista, ela trabalha num consultório, clínica particular, mas faz um pouco de pesquisa com a gente na área de psicoterapia, psicanálise. P - Tem alguma coisa na sua trajetória que o senhor mudaria? R - Difícil, porque afinal eu não teria outro lugar de maior impacto potencial do que eu tenho hoje. Ficando no Brasil, eu cheguei aonde eu poderia chegar em termos de carreira, esta é a instituição mais importante do país e eu estou sentado no topo dela, compartilhando com o Gattaz, que chegou há pouco tempo mas que já está ajudando bastante. Eu cheguei aqui em 94, nesta posição. Se eu fosse mudar algo em termos de carreira, provavelmente eu não teria chegado aqui. Se você me perguntasse há uns quatro anos atrás, eu poderia cogitar melhor sobre isso. P - E tem alguma coisa que o senhor gostaria de realizar? R - Além da reforma do Instituto de Psquiatria? P - Não sei, um sonho. R - Um sonho institucional é transformar isso aqui numa instituição moderna de ambiente, porque hoje nós já temos gente pra fazer isso mas não temos espaço. Fora isso, na área profissional, não; eu espero que o meu projeto de regulação do humor dê resultados, mas eu entendo que isso é uma coisa que depende de muita gente, e muito tempo, e muito esforço, nada que vá amadurecer em muito curto prazo. Os sonhos são vários, mas nada assim... Para mim, o grande sonho era poder chegar nessa posição e tentar transformar isso aqui. Eu nunca me conformei com este prédio, nem no tempo de estudante. Então o meu grande sonho era dizer como é que a coisa deve ser feita, mostrar, e não dizer, todo mundo diz, era mostrar como é que a coisa pode ser feita de uma forma melhor. E para isso a gente precisa reformar o prédio. P - O que é que o senhor achou dessa experiência de contar a sua trajetória para o nosso projeto? R - Interessante, porque eu fiz uma série de filmes com psiquiatras, professores titulares ou não, de vários departamentos, 30 horas de vídeo gravados com gente que já morreu, contando as suas próprias histórias e fazendo perguntas parecidas. E eu não fiz, sou eu e o Eurípides Miguel, eu não entrevistei o Eurípides Miguel, e não me entrevistei. E não sei se algum dia vou fazer isso, mas é gozado você ficar tão velho quanto as pessoas ficarem te entrevistando. (risos). P - Muito obrigada. R - Obrigado vocês.
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