(00:00:26) P/1 - Francisca, primeiro gostaria de agradecer por você estar aqui hoje. Peço para você se apresentar, falar seu nome, onde você nasceu.
R - Meu nome é Francisca Batista Carneiro Nawa. Eu nasci em São Salvador, no Igarapé São Pedro, onde tem aquela base no morro.
(00:00:52) P/1 - Francisca, queria começar perguntando diretamente da sua avó. O que você lembra da sua avó?
R - Da minha avó eu lembro poucas coisas, porque minha avó morreu nova, eu era pequena. Meu avô eu não conheci. Eu lembro dos meus tios.
(00:01:23) P/1 - Dos seus tios?
R - Uhum.
(00:01:25) P/1 - O que você lembra deles?
R - Eram mestres, muitos [eram] seringueiros também. Trabalhavam na seringa, na roça, criavam muito porco, galinha, pato, porque nesse tempo o futuro do pobre era a agricultura. É só o que eu me lembro dos meus tios, do meu pai também.
(00:01:53) P/1 - E do seu pai, o que você lembra?
R - Meu pai também era seringueiro. Fazia canoa, barco para andar, batelão de madeira ele fazia também. Trabalhava bem mesmo.
(00:02:07) P/1 - Fazia batelão? Como é que ele fazia a canoa?
R - Deitava o pau, rolava. Quando acabava, linhava, acabava, tirava a lavagem, cavava com a enxada; era enxopa, ele cavava todinho. Quando acabava ele limpava, planeava por dentro todinha. Ele fazia as forquilhas, emborcava e botava fogo; botava umas de banda, ia esquentando ele, abrindo, abrindo até … Eram quatro, cinco, seis. Eram duas na proa, duas na polpa e duas no meio. Ficava o barco com fogo embaixo, a madeira ia amolecendo e abrindo. Ficava uma canoa para ele trabalhar.
(00:03:08) P/1 - E a sua mãe? Conviveu muito com a sua mãe?
R - A minha mãe trabalhava muito em negócio de cerâmica. Ela fazia panela, fazia todas as coisas de gelo. Aquele jarro para por flor ela fazia muito também. Minha mãe trabalhava muito também.
(00:03:36) P/2 - A senhora aprendeu a fazer cerâmicas com ela?
R - Foi...
Continuar leitura(00:00:26) P/1 - Francisca, primeiro gostaria de agradecer por você estar aqui hoje. Peço para você se apresentar, falar seu nome, onde você nasceu.
R - Meu nome é Francisca Batista Carneiro Nawa. Eu nasci em São Salvador, no Igarapé São Pedro, onde tem aquela base no morro.
(00:00:52) P/1 - Francisca, queria começar perguntando diretamente da sua avó. O que você lembra da sua avó?
R - Da minha avó eu lembro poucas coisas, porque minha avó morreu nova, eu era pequena. Meu avô eu não conheci. Eu lembro dos meus tios.
(00:01:23) P/1 - Dos seus tios?
R - Uhum.
(00:01:25) P/1 - O que você lembra deles?
R - Eram mestres, muitos [eram] seringueiros também. Trabalhavam na seringa, na roça, criavam muito porco, galinha, pato, porque nesse tempo o futuro do pobre era a agricultura. É só o que eu me lembro dos meus tios, do meu pai também.
(00:01:53) P/1 - E do seu pai, o que você lembra?
R - Meu pai também era seringueiro. Fazia canoa, barco para andar, batelão de madeira ele fazia também. Trabalhava bem mesmo.
(00:02:07) P/1 - Fazia batelão? Como é que ele fazia a canoa?
R - Deitava o pau, rolava. Quando acabava, linhava, acabava, tirava a lavagem, cavava com a enxada; era enxopa, ele cavava todinho. Quando acabava ele limpava, planeava por dentro todinha. Ele fazia as forquilhas, emborcava e botava fogo; botava umas de banda, ia esquentando ele, abrindo, abrindo até … Eram quatro, cinco, seis. Eram duas na proa, duas na polpa e duas no meio. Ficava o barco com fogo embaixo, a madeira ia amolecendo e abrindo. Ficava uma canoa para ele trabalhar.
(00:03:08) P/1 - E a sua mãe? Conviveu muito com a sua mãe?
R - A minha mãe trabalhava muito em negócio de cerâmica. Ela fazia panela, fazia todas as coisas de gelo. Aquele jarro para por flor ela fazia muito também. Minha mãe trabalhava muito também.
(00:03:36) P/2 - A senhora aprendeu a fazer cerâmicas com ela?
R - Foi com minha mãe. Minha mãe sabia fazer, eu aprendi com ela. Eu tinha dez, onze anos; ela me colocava para fazer, preparar o barro. Nós íamos para a mata, meu pai derrubava o karité, nós tiravámos as cascas, colocávamos no sol pra secar, queimar. Pisava, peneirava e tirava a energia no igarapé, tirava o barro. Deixava passar três dias. Era o que a gente ia preparar para fazer pote, panela, todo artigo que a gente quisesse fazer a gente fazia. Era muito bom.
(00:04:31) P/1 - A senhora se lembra do primeiro pote que fez ou da primeira panela?
R - Eu me lembro. Tinha catorze anos quando eu fiz o primeiro pote, que minha mãe botou para eu fazer, um potezinho desse tamanho. Eu fiz tudo bem feitinho, eu aprendi a fazer.
(00:05:00) P/1 - Tem alguma coisa que faz dar certo quando se pega barro ou alguma coisa que faz quebrar, que não pode fazer?
R - Tem. Antes da gente tirar o barro, a gente não pode beber água. A gente tem que antes tirar o barro, você não bebe água para poder tirar o barro, tem que ter ciência.
(00:05:34) P/1 - Qual foi o parto mais difícil que a senhora fez?
R - O mais difícil que eu fiz foi pegar uma criança que nasceu de pé. Nasceu só em um pé e não queria nascer tudo, mas eu pensei como era. A gente deitava a mulher, dava três socos nos quartos dela para cima. Quando acabava, amarrava uma fralda aqui, metia as duas mãos assim, de um lado e do outro, recolhia o pé da criança. Quando vinha os dois, tirava.
(00:06:19) P/1 - Antigamente todo mundo nascia de parteira? Hoje em dia todo mundo nasce com parteira assim também?
R - Todo mundo era parteira. Antigamente ninguém vinha para o hospital, eu tive quinze e só tive uma no hospital. Eu disse: “[Tive] essa, para nunca mais.”
(00:06:44) P/1 - Você lembra como foi que isso começou a acontecer? Quando as pessoas começaram a ir para o hospital?
R - Não tenho lembrança, não. Depois começaram com os exames… Depois desses exames de hospital foi que o pessoal lá foi chegando para o hospital.
(00:07:05) P/2 - Por que antigamente não tinha exame?
R - Era. Depois que começou este exame, do primeiro mês ao restante, vamos fazer o exame. Eu nunca fiz um exame na minha vida, graças a Deus.
(00:07:22) P/1 - A senhora aprendeu a rezar com quem?
R - Com a minha mãe, minha mãe sabia.
(00:07:35) P/2 - A mãe dela deixou ela bem!
R - Minha mãe sabia, ela fazia muitas coisas. Muitas coisas ela me ensinou porque a gente, quando é novo, não está nem aí para nada. Depois que a gente vai ficando mais idosa para fazer, que eu comecei a ter filhos, foi que eu fui prestando atenção e fui aprendendo, relembrando para aprender, como uma continuação.
(00:07:58) P/3 - Aquela história do seu pai que se perdeu na mata, a senhora sabe contar?
R - Meu pai foi caçar, aí ele passou em um broteão, tinha uma jiboia. A jiboia atraiu ele e ele não acertava mais o rumo para sair da mata, ficou só rodando. Quando ela atrai a pessoa, o senhor fica só rodando, até passar de onde ela está. Ele ficou só rodando, rodando, e se lembrou que a gente tira a roupa, veste do avesso e dá dois tiros; ele fez, foi quando ele saiu, pois quando a pessoa atira ela fecha os olhos, perde você de vista. Ele tinha essa experiência.
(00:08:58) P/1 - A cobra hipnotiza a pessoa?
R - É. Quando ela escuta o tiro ela fecha os olhos, as pessoas saem da vista dela. Ele botou a roupa dele do avesso, foi quando ele saiu.
(00:09:21) P/1 - A senhora já chegou a curar alguém de picada de cobra?
R - Não. Eu não sei. Eu sabia, mas eu não me lembro mais como era.
(00:09:33) P/1 - Já foi mordida por cobra?
R - Não, graças a Deus. Eu sei rezar para me defender delas. Uma comparação: vou nesse caminho aqui, me benzo, rezo e vou embora. As que tiverem por aí, quando vê a gente elas correm.
Eu morei no Venâncio. Um igarapé lá tinha cobra, eu matei 38 cobras. Eu digo: “Meu velho, vamos embora daqui. Eu estou vendo a hora de uma cobra pegar a gente.” Nós fomos embora. Eu estava mariscando, quando eu olhava para trás, ela já ia se destripando e fomos embora.
Eu ensino para meus filhos. Não sei se já ensinei, vocês nem ligam de aprender. Meu filho, essa é a melhor oração que tem para se defender do inseto.
(00:10:39) P/3 - A senhora já contou do território que a senhora passou no Peru, andou por terras viajando?
R - Meu marido foi cortar no Peru e fomos para lá. Passamos três anos e nove meses na beira do [Rio] Juruá-Mirim. Pra gente chegar no REPOIA, no Peru, a gente saía às seis da manhã e chegava às seis da tarde, era sofrimento. Eu pegava a menina, fazia uma tipoia, colocava ela aqui, botava um saco de roupa nas costas. Agora o broteão, a altura [era] ‘monstra’, eram três pontes para gente passar por cima. Do REPOIA meu marido cortava a seringa; ele vinha deixar o motor na beira de Juruá-Mirim, saía às seis da manhã e chegava às seis da tarde, por cinquenta cruzeiros nesse tempo, mas tudo dava. Sofremos tanto naquele lado que viemos embora. Ele tinha o lugarzinho dele aqui no Recreio, acabei criando meus filhos todos aqui, graças a Deus.
(00:12:02) P/3 - A senhora já contou a ciência do barro quando vai fazer o pote?
R - Já contei pra ela.
(00:12:10) P/2 - A da vassoura, que a senhora fazia vassoura.
R - Eu ia para mata tirar cipó. Fazia vassoura, caçuá para vender, fazia pote para vender. Tudo eu vendia, aqueles camburãozão deste tamanho, a água fica bem geladinha.
(00:12:33) P/3 - E aquela história que a senhora foi mariscar de novo?
R - Um dia meu esposo foi cortar, eu disse: “Vamos embora, mariscar.” Saí uma hora da madrugada, “vamos cedo que eu quero chegar cedo”. Nós [estávamos] indo, quando eu escutei aquele estrondão, meu Deus do céu, aquela canca d’água na nossa frente. Parece que ia rolando um rolo de pau assim, quando chegou para beira deu três relinchos, como um animal. Minha lamparina ficou apaga e não apaga, eu rezei uma oração; a lamparina acendeu e ficou normal.
Outra vez eu fui, e lá vem a cobra grande atrás de nós. Encostamos na praia e pulamos no seco. (risos) Ah, meu filho, sofri muito na minha vida, neste mundo para criar treze meninos, onze filhos e dois netos.
(00:13:53) P/3 - A senhora atirava de espingarda na época para matar?
R - Atirava mesmo. No Venâncio sai surucucu; eu matei 38, eu matava de tiro. Eu tinha uma espingarda de calibre] 16, ela acabou-se. Meu pai tinha uma 28. Quando ela apertava em cima da raiz do apuí, era só atirando e a rama descia, Deus me livre.
Um dia, meu marido foi caçar. Quando ele chegou com um cachorro, o cachorrinho ia passando, a onça pulou em cima e matou, mas ele deu três tiros nessa onça e matou.
Minha filha, a vida antigamente era sofrida. Não é hoje que uma mulher… Só não fiz o almoço porque o marido não deixou um punhado de lenha. Eu rolava a lenha no machado, partia tudinho e deixava arrumado para fazer comida. Quando a gente chegava de mariscar, a minha menina mais velha, Alda… Eu tratava o peixe de madrugada, deixava para ela fazer comida para os outros mais para frente. Ia para estrada, chegava às duas horas da tarde. Meu Deus. Hoje qual é a mulher que faz isso? Eu acho meio difícil.
(00:15:33) P/3 - A senhora conheceu algum Nawa do Cruzeiro do Sul?
R - Não. Só o finado Cabeça, que era dos Nawas no Cruzeiro do Sul.
(00:15:49) P/1 - Quem é esse finado Cabeça?
R - Finado Cabeça é o pai da Carmen, ela sabe quem é. Ele morava no Cruzeiro, os outros já tinham ido embora, foram embora para o Rio Azul; do Rio Azul foram para a Serra do Morro, da Serra do Morro vieram pro Recreio. Espalhou, tem um bocado por barra acima também, que são Nawas. Eles se espalharam, porque naquele tempo queriam matar o pessoal dos Nawas.
(00:16:30) P/1 - Alguma vez você já foi discriminada por ser Nawa?
R - Não senhor, nunca fui discriminada.
(00:16:39) P/1 - Essa história que você contou agora de que os Nawas vieram de Cruzeiro do Sul, como é essa história?
R - É porque o pessoal não criou… Mataram os Nawas. Eu não estou lembrando se fizeram fogo, não me lembro mais direito, mas saíram um bocado, foram morar para o Juruá. Foram para o Rio Azul, do Rio Azul uns para a Serra, da Serra espalhou tudo. Ficou alguns para o Barra Acima, lá moram um bocado, e outros vieram para Novo Recreio, se espalharam todos.
(00:17:18) P/1 - O que que tinha de diferente no Novo Recreio da época que a senhora cresceu lá de como é hoje?
R - Na época que eu cresci lá tinha pouca gente. Hoje aumentaram as famílias, porque lá tem meus filhos, hoje tem netos, tem bisnetos. Até tataraneto eu já tenho, que é a filha da Jacinta.
(00:18:03) P/1 - Você já teve alguma vez que algum remédio da mata te ajudou? Você ficou doente e se curou com alguma planta?
R - Quando sentia dor eu fazia a garrafada da casca da copaíba. É um bom remédio anti-inflamatório. Eu só cozinho, faço a garrafada para tomar, é muito bom.
(00:18:38) P/1 - Como é que a senhora aprendeu a fazer?
R - Porque eu via meu pai fazer. Meu pai fazia garrafada.
(00:18:49) P/1 - Para fazer a garrafada tem alguma ciência?
R - Tem não, senhor. É só o senhor tirar a casca da copaíba e fazer o chá, ferver, colocar no litro, e todo dia tomar um uma xicarazinha de manhã e de tarde, duas vezes por dia. É muito bom.
(00:19:12) P/1 - Além da garrafada de copaíba, a senhora aprendeu a fazer outras garrafadas?
R - Eu sei fazer o remédio para gripe do lambedor na casca do cumaru. A gente ferve a casca do cumaru com a folha do malvariço, põe açúcar, ferve, apura bem. Fica que nem aquele melzinho, quase não dá pra ver. Põe dois dentes de alho, é bom.
(00:19:45) P/1 - Você já viu gente se curar de gripe?
R - Já, eu mesmo curava meus filhos assim. Eu nunca trouxe meus filhos para comprar remédio para gripe, trato com remédio caseiro.
(00:19:58) P/1 - Você já viu esses remédios caseiros curar gente desenganada pelos médicos?
R - As vezes tem remédio que cura. A pessoa está desenganada.
(00:20:15) P/3 - O caso do Gilberto estava desenganado?
R - Gilberto, meu filho. Ele esteve no hospital. Comeu ovo torrado de manhã, de tarde comeu uma manga. Atacou uma dor nele que ele rolava todo dia. Eu mandei buscar meu marido, ele no hospital e nada dava jeito. Nós fomos, tiramos ele, e subimos para a República. Chegando a finada Maria Heloísa, mais a Alzira, deram duas lavagens nele do chá da Macela. Graças a Deus, meu filho ficou bom.
Primeiro tinha aquelas seringas, não sei se hoje ninguém tem mais. Foi o melhor remédio, ele ficou bom. Quando ele melhorou eu dei um purgante de mamão, de saramar, limpa os intestinos. Se fosse no hospital ele tinha morrido, porque ele caiu de cima da cama aos gritos com dor de estômago.
(00:21:33) P/1 - A senhora aprendeu a rezar para mudar vento?
R - Aprendi. Batalhar vento é bom.
(00:21:48) P/1 - Você já viu acontecer isso?
R - Batalhar vento. O senhor quer aprender?
P/1 - Eu quero. Esse não é o foco agora, mas se quiser falar.
R - Depois lhe digo como é que é. Pois é meu filho, o que estou sabendo é só isso mesmo.
(00:22:15) P/3 - A senhora não mariscava, não chegou a ver nenhum terremoto?
R - Eu vi muito terremoto. Está ali um, mariscava comigo no lago. Quando eu puxava um peixe, uma traíra do lago, jogava para lá que eu batia na cabeça dela, matava; o cabra puxava outra e matava outra, lá no outro lado. Eu pegava de cinco traíras. Um dia peguei um surubim, comecei a bater; o cabra puxou do outro lado, começou a bater, eu batendo e caindo e ele batendo lá. Nesse dia eu disse: ‘Tenho muita fé em Deus [que] nunca mais ponho meus pés nesse lago.” Enchi, ‘endureciquei’ todo o peixe. “Toma, Hamilton” - esse rapaz apareceu por lá, eu que criei ele. “Mãe, eu não posso, arrasta!” Eu peguei o terçado, peguei os caniços, peguei a poronga - nesse tempo era poronga, nem lanterna existia - saí arrastando, batendo na canoa.
Outra vez, estava mariscando na amarração. A Maria batia tanto peixe assim, na ponta do lago… O outro meu menino foi lá e disse: “Tem um monte de girino.” Ela disse: “Eu vou já pegar um.” Eu disse: “Tu não vai para acolá, não!” Quando ela foi passando pelo balceiro o cabra deu um assobio, foi um assobio feio.
Eu escutei, lá vem os gritos. Diz ela que quando olhou, viu um negro dos olhos de fogo. Eu disse: “Creio em Deus pai.” Rezei uma oração pra Nossa Senhora. Ave Maria!
Era nessa daí que a cobra correu atrás de nós. (risos) Eles tinham raiva quando eu chamava, mas era o jeito. Quando chegava a gente ia para o roçado, não tinha quem procurar. De noite cada qual se virava.
(00:24:43) P/3 - Queria perguntar a senhora conforme a história que a senhora contava, também pode me ajudar a conhecer cada vez mais um pouco do passado. A senhora sabe, poderia me contar um pouco da história da minha família, da minha avó pelo menos?
R - Da finada Marina? Meu filho, eu morava na República, mas sua avó era uma mulher que trabalhava muito também. Ela plantava muito limão, banana, arroz, feijão, melancia, tudo ela plantava. Quem comprava era o patrão mesmo. Ave Maria!
(00:25:44) P/1 - Você lembra se o seu povo Nawa tinha relação com os Nukini quando você cresceu?
R - Não senhor, porque foram demarcadas as terras deles. Meu marido ia cortar, no verão cortava em um canto, cortava no outro, alguém na estrada dava mais leite, mas toda vida nós crescemos como vizinhos. Crescemos no Novo Recreio, nós de um lado, eles do outro. Todos para nós eram ótimas pessoas, não tem o que dizer de nenhum. A cabocla Alzira, a Maria Pébra também, trabalhavam todas comigo. Todo mundo fazia um pouco, fazia muita vassoura, caçuá.
(00:26:54) P/2 - Fiquei curiosa para saber se você tem alguma relação com sonhos? Se recebe alguma coisa por sonho também? Já recebeu?
R - Não, minha filha. Isso não me lembro.
(00:27:14) P/3 - Ela perguntou se a senhora sonhou com alguma coisa acontecendo? Algum sonho ruim? Se acontece alguma coisa?
R - Para acontecer alguma coisa assim… A arapuã, se ela cantar de noite é má notícia, coisas más que acontecem. A gente sonhando como a senhora está dizendo, se acontece pode morrer a família da gente. Se sonhar com dente, extraindo dente, se doer, morre gente da família. É só o que eu sei dos sonhos, é isso.
(00:28:16) P/1 - Então é agradecer, né? Queria só perguntar se tem alguma mensagem para as crianças Nawas de hoje que estão crescendo. Você é uma antiga do povo, tem alguma mensagem para o futuro?
R - Como assim?
(00:28:33) P/3 - Como um conselho que a senhora fosse deixar para a nova geração, nos tempos dos seus netos, seus bisnetos.
R - A única que se interessa é essa daí das minhas filhas, as outras, nem ligam. A Carol, se eu continuasse, ela aprenderia também, ela é inteligente. A Nádia faz tudo.
Agora eu vou dar meu certificado, vou dar meu livro de parteira, que é para ela ficar no meu lugar. Eu já estou idosa. (risos)
(00:29:17) P/1 - Obrigado, Francisca.
R - De nada.
(00:29:19) P/2 - Tu pensou em mostrar esse pote? Só pegar ele levantando a tua mão aí que eu dou uma olhadinha nele, esse pote que está aí do lado.
R - Levantar o possídio? [Mostra a tigela] É o nome da tigela indígena, possídio.
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