Projeto Memória dos Brasileiros – Módulo Maués – Saberes e Fazeres
Depoimento de José Francisco Marques
Entrevistado por André Machado e Thiago Majolo
Maués, 22 de janeiro de 2007
Realização Museu da Pessoa
MB Maués_HV_004_José Francisco Marques
Transcrito por Suely Aguilar Branquilho Montenegro
Revisado por Thiago Majolo
P/1 – Seu Francisco, tudo bem?
R – Tudo bem.
P/1 – Eu gostaria, pra começar, que o senhor dissesse seu nome completo, a data e o local de nascimento.
R – O meu nome completo é José Francisco Marques, eu nasci no dia 11 de julho de 1946, no Alto Parauari, num rio chamado Amana.
P/1 – Isso fica aonde?
R – Fica aqui no Rio Maués-Açu, aqui no município de Maués.
P/1 – Onde hoje é o interior, é isso?
R – Não senhor, é muito, muito mais adiante. Essa localidade é onde ainda hoje explora o garimpo de ouro. Na década de 40, o meu pai veio da Bahia no afã de enriquecer e também esteve nesse garimpo e levando a minha mãe pra essa localidade, lá eu nasci.
P/1 – E sua mãe era também da Bahia?
R – Não senhor, a minha mãe é filha daqui de Maués, mesmo. Já é falecida tanto a minha mãe como o meu pai.
P/1 – E qual que era o nome deles?
R – O nome do meu pai era Francisco Marques e da minha mãe era Rosa Maria Ferreira.
P/1 – E fora a questão do garimpo, o seu pai fez mais o quê?
R – Ele trabalhava com agricultura plantando cana-de-açúcar, feijão, arroz, todas essas agriculturas pra subsistência.
P/1 – E sua mãe?
R – A minha mãe era doméstica, ajudava nas coisa da lida da casa e também na agricultura.
P/1 – E todas as produções de, que você falou do seu pai foram feitas aqui em Maués ou isso era antes na Bahia?
R – Não, ele veio pra cá na década de 40, contanto que eu nasci em 46, então, nesse período, aqui fora onde está a cidade de Maués e essa periferia mais próxima, aqui era os pomares de guaraná que, vamo dizê assim, que levantava o capital das pessoas da zona rural e lá pra onde eu nasci não tinha guaraná, lá plantava-se a cana-de-açúcar, porque pra vir comprar o açúcar aqui em Maués era muito distante, então já levava a cana-de-açúcar e plantava lá, como o feijão, o arroz, a mandioca, a manila, fazer a farinha, então, quem estava lá no garimpo não vinha aqui pra cidade, porque eu não alcancei, mas essas viagens que quando eu nasci o meu pai morreu e a minha mãe desceu o rio, mas a minha mãe falava que pra ela chegar lá onde nós, era a casa do meu pai com a minha mãe, nesse Alto Parauari, levava 12 dias de remo, 12 dias.
P/1 – Mas como é que as pessoas faziam? Elas paravam?
R – Eles tinham um batelão, remava o dia, quando era noite parava num local, dormia e de manhã começavam a remar de novo até chegá lá.
P/1 – E a pessoa vinha pra cá pra quê?
R – Eles vinham pra cá trazendo os produtos da terra, os do extrativismo, a sorva, o leite da sorva, já coalhado, endurecido, o leite dava a lata e logo em seguida começou a exploração do pau-rosa, certo, o pau-rosa pra tirar o incenso. Mas no tempo que o meu pai garimpava, além do garimpo ele tirava os leite dos vegetais, que foram os primeiros produtos comercializados, antes do pau-rosa.
P/1 – E seu pai veio da Bahia pra cá já com a ideia de trabalhar no garimpo ou não?
R – Sim, ele veio, ele veio com essa ideia de trabalhar no garimpo, mas ele não teve a sorte de ter adquirido ouro o suficiente, ele conseguiu algum ouro, mas foi pouco, foi em pouca quantidade.
P/1 – E quantos irmãos o senhor teve?
R – Eu só tenho uma irmã.
P/1 – E o quê que ela faz?
R – Ela já é aposentada, ela está na cidade de Manaus, ela se encontra em Manaus. Ela já é uma senhora de idade, ela tem 72 anos, ela é 11 anos mais velha do que eu.
P/1 – E como que era a cidade da infância do senhor?
R – A cidade de Maués, ela possuía somente quatro ruas, a rua principal, a da frente, a Pereira Barreto, Adolfo Cavalcanti e mais duas lá atrás, depois já era a mata, terminava aí e logo no acero, no final da última rua, na minha infância era todo guaranazeiro, tudo era guaranazais. Toda essa periferia aí próximo de Maués eram de propriedade das pessoas mais abastadas da cidade que tinham seus guaranazais.
P/1 – E como que era a casa que o senhor morava?
R – Bom, as casas no passado, elas não eram feitas de tijolos, ou elas eram feitas de palafita da palha, cercado com a palha natural ou de taipa, como se chama, barro, barro amolecido e colocado entre os varais de madeira e ali o barro seca, se solidifica e torna-se o abrigo, era chamado casa de taipa. Ainda existem algumas casas aqui na cidade que inda têm esse vestígio.
P/2 – Essa taipa, nessa época, misturava com sangue de animais, isso em São Paulo existe muito, ou era com outro tipo, pra dar liga no barro.
R – Eles colocavam alguns capins, alguns capins secos, mas pisavam muito bem, né, e levavam pra lá e colocavam nos varais, colocava os mourões e os varais laterais, iam enchendo aquele espaço com o barro.
P/1 – E o senhor quando era criança brincava de quê?
R – Bom, quando nós éramos criança, lá no interior, nós brincávamos com lata de sardinha amarrada uma na outra, nossos barquinhos, então nós fazíamos barquinhos de uma madeira chamada molongó, era essa nossa brincadeira e com a bola feita, não essa bola como nós conhecemos hoje, mas a bola feita do leite da seringa, nós enchíamos um, um balão num, numa bola de barro, enchia ele muito bem com, com o leite da seringa e deixava no sol pra secar. Quando endurecia, nós tirava, claro que nós deixava um orifício pra saí o barro, nós tirávamos o barro de dentro daquele balão, daquela bola e já aí assoprávamos, tínhamos a nossa bola, a bola era feita por nós mesmos.
P/1 – E o senhor chegou a estudar? Estudou até que ano?
R – Aqui em Maués eu estudei até o terceiro ano primário, mas eu fui pra Manaus, lá eu estudei o hoje chamado o Curso Médio, né, eu tirei o meu curso de construção, construtor de estrada, né, pela Escola Técnica Federal do Amazonas.
P/1 – O senhor é técnico, então?
R – É, de construção de estrada, só que eu nunca trabalhei nessa profissão. Eu me empreguei logo cedo em Manaus, o meu último emprego foi na Petrobrás, como operador, por isso que eu deixei aí registrado que eu sou operador de máquinas industriais. Aí me aposentei na década de 90, em 93, e voltei pra minha terra, que hoje meu, minha terra de nascimento e desde lá já trabalho aqui como agricultor, como ruralista no plantio de guaraná. Nós temos um pomar com cinco mil pés de guaraná, que a gente trabalha com associações, né, com as cooperativas, com os órgãos do governo, como o Idam [Instituto de Desenvolvimento Agropecuário do Estado do Amazonas], Embrapa [Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária], a Prefeitura, então, nós temos uma gama de parceiros e sempre buscando a melhoria, não só minha, mas de toda aquela comunidade que… Que está ali próxima do meu pomar, Comunidade Menino Deus.
P/1 – Mas deixa eu perguntar um pouquinho antes, nessa parte da escola, o senhor disse que fez o curso técnico, mas foi difícil estudar? O senhor encontrou algum tipo de dificuldade?
R – Não, eu estava em Manaus, eu estudava lá, lá eu trabalhava como auxiliar de cozinha no restaurante, ganhava meu dinheirinho, né, meu salário e ia pra escola.
P/1 – Isso o senhor já tinha quantos anos?
R – Eu já saí daqui com 14 anos, eu tirei o meu segundo grau já velho, vou lhe dizer, eu tirei o meu segundo grau eu tinha 28, ia fazer 29 anos, eu já não era tão jovem, não.
P/1 – E fora o trabalho, o que mais o senhor fazia na juventude?
R – Bom, pratiquei alguns esportes, como a natação, não como, como amador, mesmo, né, mas o que eu mais gostava era de jogar bola, né, jogar uma bolinha com chinelo de tarde, aos domingos, essa a minha diversão.
P/1 – Mas chegou a pensar, assim, que podia ser profissional.
R – Não, não, porque eu conhecia a minha limitação, eu era limitado.
P/1 – E fora isso, tem mais alguma coisa pra se divertir que o senhor fazia?
R – Olhe, no meu tempo de adolescência e juventude não existia essas diversões que temos hoje, né? Claro que a semana a gente ia trabalhar e ia pra escola, aos domingo, quando jogava uma bola, quando não ia ao cinema, né? Nós íamos, tinha o cinema, que sempre eu gostava muito de assistir uma, um bom filme. É do meu tempo, aqueles seriados do Robin Hood, o seriado dos Cavaleiros Negros. Vocês lembram, talvez vocês nem imaginem, só de legenda, né, os Durango Kid da vida, então, era do nosso tempo, já mais tarde que apareceu aqueles filmes, aqueles filme épico como os Dez Mandamentos era, e tantos outros que não me vem à lembrança, mas eu gostava de assistir filmes.
P/1 – Eu queria que o senhor explicasse um pouco melhor pra gente, em que ano e por que que o senhor deixou a cidade de Maués e foi pra Manaus?
R – Eu deixei a cidade de Maués na década de 1959, motivado pela vontade que a minha mãe tinha de eu estudar, como eu tinha uma irmã, a minha irmã mais velha já estava em Manaus, aí nós fomos todos, saímos daqui de Maués, que nós morávamos no interior e fomos pra Manaus. Naquela oportunidade, a cidade de Manaus tinha pouco mais do que 300 mil habitantes, era uma cidade pequena e era muito melhor estar numa capital pequena como Manaus, onde a fartura, principalmente de comida era abundância, do que estar aqui em Maués. Aqui nós tínhamos muito mais dificuldade do que lá em Manaus, porque pra quem queria trabalhar, tinha serviço, não tinha problema pra trabalhar, pra arranjar um trabalho, ganhar algum dinheiro. Era muito mais fácil se sustentar em Manaus do que aqui em Maués.
P/1 – Mas aqui não tinha o segundo grau, ou tinha?
R – Não, não tinha não, aqui só tinha mesmo o primário e ginasial, só tinha, ainda não tinha segundo grau, mas ainda não estava nem no ginásio nem, eu ainda estava no terceiro ano primário, como eu lhe disse, porque eu estudei pouco tempo, porque a minha mãe precisava de mim lá no interior e aí eu saí logo daqui e, aí, ela disse: “Não, se nós ficá aqui tu não vai estudar, então vamos pra Manaus que lá tu trabalhas e estuda.” E foi o que eu fiz.
P/1 – E o senhor fazia o quê quando criança lá no interior?
R – Ah, nós, o nosso trabalho era cuidar da roça, né? No interior, se você não planta, você passa fome e muita fome. Isso não tem, não quer dizer que seja hoje, de que, ah, já depredaram, já mataram todas as caças, já pegaram todos os peixes, não. Quando eu era criança e adolescente aqui, existia época que tinha muito peixe e muita caça, é período e até hoje ainda acontece isso. Tem período, no período da seca é muito farto aqui, mas tá começando a encher os rios e tem um período que é fome, muita fome, se você não planta e não cria, você vai passar fome no interior. Então, a minha mãe apesar dela ser viúva já, mas ela plantava, plantava o café, plantava banana, plantava todas as culturas de subsistência.
P/1 – E, aí, então, o senhor deixou Maués em 59 e volta quando pra Maués?
R – Eu voltei pra Maués em 93.
P/1 – Já aposentado?
R – Já aposentado.
P/1 – E o quê que tava diferente em Maués?
R – Ah, Maués, como é minha terra, não vou deixar de falar bem dela, eu, sempre me aguardava, essas praias lindas que lá em Manaus não tinha e o ambiente que eu gosto, que eu gosto da zona rural, porque eu gosto de ouvir o canto dos pássaros, coxiar dos grilos, né, dos sapos, essas coisas do interior mesmo e hoje eu tenho amor à cultura do guaraná. O meu pomar de guaraná é a minha segunda casa, eu gosto de estar lá com eles. Se você tivesse oportunidade de ver um guaranazal, você vai ver com certeza, mas o meu guaranazal é o que eu mais eu gosto de estar lá junto das minhas plantas, então, me motiva já, hoje já sexta década de vida, mas eu me sinto bem fortalecido junto desse vegetal chamado guaraná.
P/1 – E por que o senhor resolveu investir na produção de guaraná e não em outra?
R – Vou lhe ser sincero, talvez pela comodidade, digamos, eu sou motorista, eu vou comprar um carro, vou dirigir carro de praça na cidade, ou então já me aposentei, vou voltar de novo pro porão duma fábrica no distrito, será que eu tô ganhando vida ou tô perdendo? É uma questão de opção, aqui eu posso ganhar pouco, posso até não ganhar nada, mas eu tenho vida. O Interior do Amazonas, aqui a nossa cidade, você ganha vida, porque um município com pouca violência, um município que não tem nenhuma crise de epidemias, não tem, lá, no meu interior, nunca adoeci nesses últimos 13 anos que eu voltei, nunca adoeci lá, por quê que eu vou sair daí? Não há motivo.
P/1 – E como é que o senhor aprendeu as técnicas de cultivo e beneficiamento do guaraná?
R – Eu já lhe falei, eu me criei nesse ramo, a minha mãe, apesar de ter pouco recurso, ela tinha um pomar pequeno e eu ficava muito feliz quando nós vendíamos o nosso guaraná, que ela comprava uma calça pra mim, comprava uma bota, comprava um, principalmente quando ela comprava alguns biscoitos que o regatão levava, ficava muito feliz e era com o dinheiro do guaraná e ela tinha por hábito tomar todos os dias, ela ralava o seu guaraná e tomava e eu me criei vendo isso. Mesmo eu tendo ido pra Manaus, que a gente chama da cidade grande, conheci outras capitais do Brasil, como São Paulo, conheci não, visitei, né, visitei São Paulo, visitei o Rio de Janeiro, visitei Fortaleza, visitei a Grande Recife, a Belo Horizonte, mas nenhum local desse me cativou pra ficar, porque eu sempre pensei: “Eu estou em Manaus, eu sou empregado, mas se eu não tiver o suficiente pra acompanhar a evolução, é melhor eu estar no interior, é muito melhor”. Se eu não puder ter o ar-condicionado lá em Manaus, porque que eu vou sair daqui da zona rural que o ar-condicionado é natural, se o meu ganho é pouco de aposentado, não dá pra mim me sustentar, porque que eu não fico aqui no rio, que eu boto o meu anzol n’água eu pego um peixe ainda, porque é que eu não planto a minha macaxeira pra mim comer, o meu cará, a minha melancia, tudo isso aqui eu faço e faço com muito gosto.
P/1 – O senhor chegou a falar que a sua mãe vendia a produção pro regatão, né, o senhor podia explicar pra gente, muita gente não conhece a figura do regatão, o quê que é o regatão e como é que funcionava esse comércio?
R – O regatão é um comerciante que aqui na região, na sua região talvez ele andasse de carroça, né, ou de carro ou de caminhão, aqui na nossa região ele anda de barco. O regatão coloca toda a sua mercadoria no seu barco, leva algum dinheiro e sai comprando os produtos regionais. Na época que eu era pequeno, que a minha mãe comercializava, eles iam e ficavam lá no nosso porto esperando nós torrarmos o guaraná. Quando ele via o guaraná torrado, ele não saía do porto, enquanto não adquirisse aquele guaraná, ele queria o guaraná, então nós não tínhamos problema de procurá venda, o regatão já ia lá e comercializava conosco. E o quê que a gente precisava? Precisava do sabão, precisava duma roupa, né, que naquele tempo não se vendia a camisa feita, nem calça, nós comprávamos, mas a minha mãe comprava fazenda e ela talhava ali e costurava, como nós não tínhamos máquina, ela costurava à mão, costurava as camisas e as calças. Quando tinha alguém que tinha máquina, costurava na máquina, mas quando não, costurava na mão, mesmo, com agulha costurava as camisas e as calças.
P/1 – E na maior parte das vezes ele, o regatão, pagava pela mercadoria ou ele trocava por outra mercadoria?
R – Não, o comércio era mais de troca, agora, se nós disséssemos: “Olha, tô precisando dum dinheiro pra pagar alguém que trabalhou comigo ou que, uma dívida”, ele dava também uma importância em dinheiro. Ele nunca pagava tudo em dinheiro, não, isso eu nunca vi a minha mãe fazer um negócio de compra ou entregar o produto e receber tudo em dinheiro, sempre recebia uma parte em mercadoria e outra parte era em dinheiro.
P/1 – E você acha que era uma troca justa em termos de valores?
R – Eu não posso te dizer isso, primeiro que eu tinha naquele período, eu tinha entre, eu tava saindo, entrando na adolescência, né, dos 12 aos 14 anos, eu fui me embora. Eu sei que pra nossa condição de vida, eu acho que era o preço justo, porque a gente adquiria o que nós precisávamos, porque é um período, né? Hoje ninguém sabe o quê que é o preço justo, a gente vê todo mundo questionando que o dinheiro é pouco, o qual que é o dinheiro suficiente pras pessoas, pra maioria das pessoas? Eu fico feliz se eu ganhá um real, um real é bom pra mim, mas tem gente que não pensa assim, pra ele só presta se ele ganhá mil ou ganhá milhões, pra mim não, um real é dinheiro, não que eu seja conformado, não que eu esteja feliz com, com o que eu vejo, mas eu acredito que a gente não deve ter ganância, vamos ser, como eu lhe falei, eu conheço as minhas limitações, eu só tenho cinco mil pés de guaraná, eu não posso colher guaraná de quem tem 50 mil, do que tem cem mil pés, eu tenho que me conformar com aquilo que eu tenho.
P/1 – E ainda existe a figura do regatão no interior?
R – Bom, raramente, né, já, já é uma figura, já fora do contexto, a gente ainda vê alguns, mas muito poucos quase, vamos dizer assim, raros, motivados por alguma necessidade alguém vai lá, compra alguma coisa, mas não assim como no período que eu era, que eu tava na minha adolescência que nesse período da compra do guaraná eles tavam lá em todos os rios, ou de motor ou de remo, eles tavam lá, os regatões eles tavam querendo compra o produto.
P/1 – E hoje o senhor vende guaraná em semente ou em pó?
R – Eu vendo guaraná em pó e guaraná em semente.
P/1 – E por que vender dos dois tipos é melhor?
R – Primeiro, o em pó é mais caro, mas eu tenho o meu nicho de mercado é pequeno e o em rama, nós temos a Ambev [Companhia de Bebidas das Américas] que compra as toneladas que eu tivesse, como eu tenho poucos quilos ela compra todos e outros comerciantes também que preferem comprar o guaraná em rama, que a gente chama, né, em caroços pra eles beneficiarem da maneira que eles bem entenderem.
P/1 – Esse guaraná em rama, o caroço, como é, ele já sofreu algum beneficiamento ou…
R – Não, ele só sofreu os tratos pra manter-se com seus, com as suas constituições físicas permanentes, que é a torrefação, o que nós chamamos aqui. O guaraná de Maués ele tem toda uma, toda a qualidade especial por causa desse trato na hora da colheita, nós temos um trato na colheita que nós não deixamos ele fermentar, nós torramos ele muito bem no forno de barro e esse guaraná ele tem durabilidade até de mais de um ano dependendo do condicionamento dele, ele permanece com as suas características de origem.
P/1 – E quais que são os passos pra você ter um guaraná de primeira qualidade?
R – Não sei se eu posso revelar ou se eu vou revelar o que eu vou falar é a verdade, eu não tenho nenhuma especialização quanto isso, o que eu tô falando aqui é empiricamente, mas como eu faço, é da seguinte forma: o guaraná, ele tem um período da floração até o ponto de colheita, que é 75 dias e ele dá um sinal quando ele está pronto para a colheita, nós chamamos ele arrebentou, ele coloca o seu olho pra fora da casca, então, nesse período o produtor de guaraná vai e recolhe os cachos que estão arrebentados. Ele leva pra casa de tratos, que nós chamamos aqui a casa de, o barracão de farinha e lá nós não deixamos ele fermentar, no máximo passamos com ele lá naquela casa 48 horas, aí, já passamos pro processo de limpeza, tirar a casca polpuda, é o que chamam tirar a polpa, que a, nós chamamos aqui a casca, que não tem valor nenhum e o arilho e aí lavamos ficando só com a semente, somente com a semente, aí vai pro processo de peneiração, seleção de grãos, nós chamamos peneirar. Dependendo do grau, do tamanho do, dos caroços é a granulometria da nossa peneira e, aí, separamos as sementes mais graúdas das mais miúdas e em seguida levamos ao forno. O período pra ele torrar sem queimar é de oito horas, aí, você mede o grau de umidade. Pra ele ser um guaraná pra ter durabilidade ele não pode ter mais do que cinco por cento de umidade, ele tem que tá bem torrado. É esse o procedimento que nós fazemos no nosso guaraná.
P/1 – Deixa eu perguntar alguma, algumas outras coisas a respeito dessa produção, por exemplo, existe uma melhor época pra plantar o guaraná?
R – Existe sim, o período do plantio de guaraná é de janeiro a março, são 90 dias, o período que mais tá chovendo aqui na nossa região, não se deve plantar o guaraná no período que, da estiagem. Por ele ter uma, uma raiz muito periférica, ele tende a morrer, se não tiver água suficiente ele morre.
P/1 – E o senhor escolhe o terreno pra plantar o guaraná?
R – Sim, temos que escolher o terreno, pro plantio de guaraná não pode ser terreno que, alagadiço e tem que ser terreno de terra firme e de preferência com a terra amarela, né, terreno com terra amarela, que nem as terras pretas, nem as terras arenosas ele se dá bem.
P/1 – Ele não se dá bem na terra preta?
R – Terra preta nem terra arenosa ele não se dá bem, não.
P/1 – E o senhor planta guaraná por semente ou por muda?
R – É por muda, por muda, nunca plantei guaraná por semente, não.
P/1 – Já era no sistema da Ambev ou não?
R – Já, porque no passado, plantava-se de semente, mas na semente ele demora muito pra dar fruta. Um guaraná plantado da semente no local, no campo, ele leva de sete a oito anos pra produzir e você já levando a muda pro campo, já a muda crescida, você tem um período de três a quatro anos pra ele começar a produzir.
P/1 – E o senhor conseguiu as primeiras mudas como?
R – As primeiras mudas eu consegui através da prefeitura. A prefeitura tinha um viveiro, ela me doou umas mudas, depois me vendeu outras e, aí, eu saí comprando também da Embrapa, né, mudas da Embrapa e já o guaraná melhorado, né, que é o chamado guaraná de estaquia, esse guaraná tá me dando bons resultados, não tanto quanto é propagado, né, mas ele tem dados uns resultados regular, que bom ainda não encontrei o guaraná bom, ainda não encontrei.
P/1 – O quê que é o guaraná bom que o senhor fala?
R – É, o guaraná bom é aquilo que é divulgado através da imprensa que um pomar de guaraná de 400, com 400 árvores, né, que a gente chama aqui 400 pés de guaraná, você colha 500 quilos. Seria um quilo por pé. O meu pomar de guaraná este ano, ele tá me dando uma média de 200 gramas por pé.
P/1 – É diferente, né?
R – É bem diferente do que é dito.
P/1 – E é preciso deixar espaço entre as plantas de guaraná?
R – Sim, os espaços são cinco metros na, vamo dizer, em linha, né, e entre linhas cinco também, né, as linhas de pé a pé, cinco metros e aqui entre as linhas, cinco, né, porque é chamado cinco por cinco, são 400 pés por hectare.
P/1 – E o senhor descobriu isso como?
R – Não, isso aí já tinha alguma, eu não descobri não, isso aí já, já era uma, uma técnica usada pelo, pela Embrapa e pela Ambev, né, porque a Ambev e a Embrapa, a Ambev é a maior, foi a empresa que chegou aqui na década de 50 que, com a idéia de mudá toda a, a política e o plantio de guaraná, mas só que eles não conseguiram seus objetivos, eu acho que a Embrapa, a Ambev tem muito a nos oferecer, mas só na comercialização, quanto ao plantio dela eu ainda não vi, assim, muita vantagem.
P/1 – Por que o senhor acha?
R – Porque primeiro, que ela tem o pomar muito grande e a produtividade dela talvez seja inferior a que eu tô dizendo, que 200 gramas por pé eu não sei quanto ele colhe, mas eles não colhem um quilo por pé, com certeza eles não colhem. Aqui a única empresa que poderá colher um quilo por pé, se eles forem bem honestos mesmo, porque a questão é a honestidade. O município ele não produz o guaraná que é divulgado, a quantidade. Então, eu, o respeito aqui o pomar da Embrapa, porque todos os anos esse pomar apresenta uma produtividade boa. Então, eles lá têm um, a tecnologia que nós produtores não temos, primeiro, custo de manutenção do pomar. Como é uma empresa do governo podem gastar o que bem entenderem ou o que precisarem, eu não digo entender, eu estou, me perdoe, é uma expressão forte, mas o que eles precisarem quanto à adubação, quanto à técnica de manejo e outras coisas mais. Eu não, eu sou um pequeno produtor, eu não tenho capital e não tenho as forças necessárias pra cuidar de tantos pés de guaraná, eu cuido lá mais ou menos dos dois mil, dois mil e 500 pés, três mil pés de guaraná, por aí, eu cuido bem e é de cinco mil e os outros dois mil só são mal cuidados e são limpos, mas não são podados direitinho, não são adubados adequadamente, porque eu não tenho recurso, eu não tenho posse. Agora, a Embrapa não, a Embrapa é diferente, eles pode fazer todo esse manejo tecnológico e, aí, eles têm um resultado maravilhoso.
P/1 – A Embra…, o sistema de plantio da Embrapa e da Ambev não é a mesma coisa?
R – São idênticos, né, porque eles trabalharam muito, eles trabalha junto, né, são parceiros, assim como também a Embrapa é nosso parceiro, a Embrapa é meu parceiro, quanto a técnica, me ensinar, foi eles que disseram: “olha, é adubo xis, é adubo ípsilon” – só que eu não posso adubar como eles pedem, porque eu não tenho o recurso. Se eu for colocar o adubo químico necessário na minha, no meu pomar de guaraná, eu tenho que vender o meu quilo de guaraná hoje no mínimo por 30 reais o quilo, quando tá na praça nove reais e eu não tenho como fazê isso.
P/1 – Mas não existe a possibilidade da produtividade ser maior se adubasse mais?
R –Essa questão eu não posso questionar, porque eu já adubei alguns pés de guaraná com adubo químico, mas os resultados não foram o esperado, não é só adubação que precisa, além da limpeza e adubação, precisa de tratos culturais adequados. O guaraná como qualquer uma outra cultura, ela depende de poda e uma poda dum pomar, ele requer técnica, não é uma pessoa chegá lá cortar qualquer galho, é saber qual é o galho que está precisando ser estirado e isso aí nós não temos, como pequeno produtor nós não temos ainda os recurso pra dizer “olha, você vai fazer o meu guaraná, eu quero que esse guaraná seja trabalhado desta forma” – porque, como eu lhe falei, nós trabalhamos em mutirão, algumas diárias que a gente pode pagar pros nossos comunitário e o nosso próprio trabalho, nosso próprio esforço. Então, nós não temos os recursos necessários pra fazer um trato adequado. Você com certeza vai conversar com outros produtores e eles devem falá a mesma coisa.
P/1 – E a qualidade de um guaraná que foi adubado e de outro que não, você percebe a diferença ou não?
R – Não, não há diferença nenhuma, pelo menos eu não o vejo, quanto à qualidade das árvores, eu olhando os pomares mais bem cuidado que é o da Ambev e o da Embrapa, na qualidade vegetativa, claro, eu vou puxar pro meu lado, mas eu não tô mentindo, o meu tá tanto quanto igual o deles e tem algum local que o meu guaranazal, na parte vegetativa, é muito mais adequado. Não tem doença, é raro as doença que está afetando o meu pomar. A questão de dá ou não dá fruta eu acredito que está no manejo, né, aquele que pode mais manejá o guaraná, ele pode dá mais fruta, aquele que não pode, ele vai ter que se conformá com 200 grama, com 300 grama, com meio quilo, quem sabe se no futuro não chegue uma tecnologia que se possa alcançá o que a Embrapa consegue, um quilo, segundo ela, né, eu não posso dizê que é isso, porque eu não estou lá medindo, só posso falar do meu.
P/1 – E depois de plantado, quanto tempo demora pra colher o guaraná?
R – O guaraná, como eu lhe disse, ele começa a produzir, se levá pra lá já as muda com cinco ou seis folhas, né, já crescida, entre quatro a cinco anos, antes disso ele pode dá alguns cachos, mas não, não paga nada, quer dizer, tá dando 200 grama, eu vou colher um cacho de guaraná vai dá 20 gramas, 10 grama, então, quer dizer, ele pode dá na idade tenra, três anos, mas ele dá pouco, a produção dele, o guaraná, ele só, ele só vai te dá uma, uma resposta quanto à produtividade dele quando a rama espalha pelo menos um metro e meio a dois metro de diâmetro, a rama ter espalhado, diâmetro, aqui, entre metro e meio a dois metros, já, aí, sim, se ele carregá, aí, ele pode dá um quilo ou mais de um quilo, mas antes disso não tem.
P/2 – E depois de, depois que dá a primeira vez, qual é o ciclo, uma vez por ano, duas vezes ao ano?
R – Não, ele só dá uma vez por ano. Aqui nós temos guaranazais com mais de 50 anos, então, praticamente uma árvore que vai dá pra você plantar jovem e colhê até a sua velhice.
P/1 – Mas essa é a média de duração de uma planta, 50 anos?
R – Não, nem todas dão, elas, sempre tá morrendo uma. No meu pomar tem, tem anos que morre quatro, cinco árvores, eu não sei o quê que ocasiona a morte delas.
P/1 – Mas numa média, assim, geralmente dura quanto tempo?
R – 20 anos, né, 25 anos.
P/1 – E qual o período que se faz a colheita?
R – O período de colheita do guaraná vai de novembro a janeiro, são 60 dias, né, este ano tá havendo um fenômeno, começou em novembro, dezembro foi a força, acabou aquela colheita, e agora começou uma nova que tá chamado, a safrinha, a segunda, a segunda colheita, foi um fenômeno que não é pra acontecer, que ele só dá uma vez ele tá dando este ano tá dando duas vezes, inclusive eu tô colhendo agora uma segunda safra que nós chamamos.
P/1 – Mas isso acontece com que frequência?
R – Não, isso aí é este ano que eu estou vendo, isso aí é a primeira vez. Eu acredito, acredito que foi a questão climática
P/1 – E como que é feita hoje a colheita do guaraná?
R – A colheita do guaraná é feito manualmente, o produtor verifica o período que o guaraná está aberto como eu falei, os cachos estão se abrindo, ele conduz pro campo um paneiro e uma saca, uma saca de fibra, ele deixa a saca de fibra num local que ele sabe onde deixou e sai com o paneiro colhendo os cachos que estão maduros. Tira todo, todo os, tira todas as sementes, né, que ele chama semente, todos os guaranás maduros dos cachos, quando o paneiro tá cheio, ele põe dentro do saco, quando o saco fica cheio ele leva pra sua casa de, de, de beneficiamento. É esse processo, o processo é simples.
P/1 – E o senhor disse que trabalha no sistema de mutirão, né, muita gente não conhece como que funciona isso, o senhor podia explicar?
R – O mutirão se faz de duas maneiras, a maneira que nós trabalhamos aqui é aquela que chama trocas de dias, eu trabalho pra ti hoje junto com enes parceiro, cinco ou seis mais parceiros, nós vamo te ajudá lá no teu, na tua roça, no teu trabalho, quando você precisá, quando eu precisar, eu fui no teu, quando eu precisá de fazer o mutirão, eu vou lá e te convido. O ônus que nós temos nessa troca de dias é só com alimentação, não tem, não envolve dinheiro em espécie, né, e tem os mutirões que é feito pago, né? Eu vou fazer o mutirão vou chama dez, 15 homens ou mulheres, dependendo do serviço, aí, vai aquelas pessoas, você dá alimentação e quando é de tarde você paga a diária. Também é chamado de mutirão, porque ninguém pode ter funcionário, né? Nós produtores somos pequenos, o nosso ganho não comporta termos funcionários.
P/1 – Tem algum produtor grande, assim, que não seja empresa em Maués?
R – Que eu conheça não, que eu conheça não.
P/1 – E quem que trabalha na colheita do guaraná e na transformação são, geralmente sempre fala e sempre apontam homens, né, mas existem mulheres que também trabalham nessa coisa do guaraná, crianças, existem funções específicas pra cada qual?
R – O guaraná é como uma casa de farinha de mandioca. Hoje com a proibição das crianças irem ao trabalho, não se vê mais isso na zona rural, mas no passado era comum, mas as mulheres sim, a gente chama as mulheres, se a mulher quiser ir ajudá a colher o guaraná, elas vão colher o guaraná, elas colhem o guaraná. A minha mulher se ela vai comigo pro guaranazal, ela leva o seu paneiro pra apanhar também o guaraná e me ajudá na colheita, a mesma coisa acontece com os demais produtores que tenham família como eu. Como eu não tenho mais filho em idade escolar, os meus filhos são todos adultos, se eles tiverem aqui e forem pro guaranazal, eles vão me ajudar e se tivesse na idade escolar e eu precisasse, eu era obrigado a levá eles, por que como que eu ia tendo um bocado de gente pra comê, porque eu não levaria pra, pra me ajudá também? O governo diz que não pode, mas sem atrapalhar a escola, né, porque a escola é de manhã ou de tarde, porque eu acredito que se a gente dispensar uma mão-de-obra, não digo de uma criança pequena, mas de um rapaz que tá com oito, dez, 12 até 15 anos, que ainda tá estudando lá, fazendo muitas vezes até alfabetização, ele ficá só pra estudar, prejuízo pro, pro pai.
P/1 – O senhor falou que isso foi proibido, proibido de que forma?
R – Olha, a forma que foi proibido eu como, eu volto a dizer, eu não tenho mais, a minha filha mais nova, a caçula, tem 28 anos, mas aqui no município, na minha comunidade chegou a proibição dizendo assim: “Quem quiser receber bolsa-escola ou alguma ajuda do governo, tem que cadastrar os seus filhos e colocá na escola.” Então, isso motivou os pais a colocarem seus filhos na escola e automaticamente tirá a criança lá do, do campo, do terçado, da enxada, né?
P/1 – Isso é desde quando?
R – Isso aí não tá com muito tempo não, amigo, isso aí deve tá com uns cinco, quatro ou cinco anos, acho que o Fernando Henrique já começou com isso, né, e o Lula tá implementando, né? Acho que é nesse período.
P/1 – O senhor acha que mudou realmente esse perfil, assim, na zona rural?
R – Aqui no nosso município, na minha comunidade mudou, toda criança tá na escola, ela tem a merenda escolar, tem, tem essa ajuda do governo, quem que vai perder uma ajuda só pra ficar com o menino roçando lá, é melhor tê ajuda do governo e mandá o menino estudá.
P/1 – Vale mais financeiramente?
R – Vale mais financeiramente, com certeza.
P/1 – E eu queria que o senhor explicasse também, o senhor já falou um pouquinho, mas explicasse mais detalhadamente, como é o processo de secagem do grão?
R – A secagem do grão do guaraná, ele é feito com fogo, né, com, é uma fornalha no forno, né, o forno de barro ele é assentado em cima duma, duma plataforma também feita de barro, que aí entra aquele, aquele questionamento que eu falei de taipa, né, é uma plataforma feita de barro, entre 60 a 80 centímetros de altura, coloca-se o forno em cima daquela plataforma e embaixo do forno toca-se o fogo. Esse fogo é bem forte mesmo, que é pra esquentar o forno ao máximo, aí, colocamos a semente em cima do, do forno com um pouco de água que é pra não queima. O guaraná fica ruim se você queima o lado da semente, você tem que tê todo um cuidado. Como a semente do guaraná vai pra cima do forno molhada, automaticamente esfria logo o forno, há uma queda de temperatura brusca, aí, é chamado período de escaldação, de cozimento da semente. Esse processo de cozimento leva entre duas horas, duas horas e meia, aí, puxa-se todo o fogo debaixo do forno, deixa só a brasa, aí, ele vai começando a se desidratar lentamente, essa desidratação não pode ser brusca, porque senão ele queima. Quando ele vai desidrata mesmo, aí, tem que ser lentamente. Por isso que eu digo, passa entre oito, às vezes umas nove horas pra ficar com esse cinco por cento de umidade.
P/1 – Só, assim, pra quem não conhece o processo, vocês tiram o fruto, não é isso?
R – Sim.
P/1 -Então, seu Francisco, quando vocês põem pra desidratar a semente, não é tudo que vocês tiram do pé, não é, vocês colocam só uma parte, eu gostaria que o senhor explicasse pra gente, o quê que vocês separam, como é que funciona depois que colhe até chegá na desidratação.
R – Como eu falei, aqui está o guaraná desidratado, ele não é deste tamanho aqui, ele era um grão maior, em função dele ter desidratado, ele encolheu, então, essas sementes elas são selecionadas através da peneiração, dependendo da granulometria, os grãos vão dizer se esses são graúdos ou são miúdos. Então, lá na casa de torrefação os produtores têm suas peneiras, então, eles peneiram os grãos maiores, colocam em um local separado, digamos, coloca aqui numa vasilha, esses são os maiores e os menores colocam em outro local, vai pro forno os maiores primeiro, quando os maiores já estão bem, já estão mais ou menos cozido, que a gente chama o cozimento, aí, que nós colocamos os grãos menores, porque se nós colocarmos todos juntos um vai queimar e outro vai torra. Quando a quantidade de guaraná é muito grande, que você tem muito guaraná miúdo, você não pode fazer isso, você torra separadamente os grãos maiores e separadamente os grãos menores. Você poderia torrar todos juntos, é óbvio, poderia, só que você vai queimar a semente, isso aqui, ó, essa semente que é o casquilho, né, nós temos o casquilho e a semente tá aqui dentro. Essa casca aqui, ela tem um valor comercial também, mas o que é vendido é só essa semente limpa. Então, é esse o procedimento, o guaraná pra ser torrado ele tem que ser separado os grãos maiores dos grãos menores e tem que levar o que eu lhe falei, duas horas e meia de muito fogo embaixo do forno e depois tirá todo o fogo e ele ir se desidratando lentamente até chegá a essa consistência. Este guaraná que eu estou mostrando aqui, ele está bem torrado, ele pode aturar até um ano dependendo de onde eu vou acondicionar ele e ele vai continuar com essas mesmas características.
P/1 – Mas quando vocês vão desidratar vocês então levam o guaraná lá com casquilho, remela, vai todas as partes?
R – Não, quando nós vamos desidratar ele já está nessa, nessa consistência, o arilho, a casca polpa que nós chamamos, a casca grossa nós já retiramos, temos uma máquina lá que nós passamos o guaraná com a casca e onde quebramos toda a casca levamos essa, esse material junto pra um tanque, lá nós separamos através da densidade, dentro do paneiro nós lavamos, é chamado processo artesanal de limpeza por densidade. Em cima do paneiro bóiam as cascas e as sementes que são mais pesadas ficam no fundo do paneiro. Tiramos a casca pra fora do paneiro e fica no fundo do paneiro a semente e é essa semente que nós levamos lá pra, pra onde está o forno, peneiramos, né, fazemos essa separação e aí torramos.
P/1 – Quanto tempo leva esse processo desde a colheita até chegar nesse estágio?
R – Se for a quantia for pequena, eu colho hoje, limpo hoje mesmo e hoje mesmo torro, depende da quantidade. Você quer uns cinco quilos de guaraná, então vou lá no pomar, retiro aquilo que eu acredito que seja cinco quilos, levo lá pra despolpadeira, passo na máquina, vou lá pro tanque, lavo e toco fogo no forno, desidrato ele, lá pra de tarde já está tudo ok.
P/1 – Mas o senhor costuma fazer, assim, por etapas?
R – Não, não, a gente não faz porque ninguém, não há essa necessidade, o que nós fazemos é que nós não deixamos ele fermentar, porque a casca do guaraná ele fermenta e nesse processo de fermentação, há uma, ele desprende um, uns gases que esquenta, né, eu não sei o nome dessa, desse processo químico eu só sei que nessa fermentação do guaraná ele, ele aquece tanto que a semente só falta é queimá, é aquele guaraná escuro que você vê, é porque ele fermentou muito na, no, no, dizendo, no saco, antes de ser beneficiado.
P/1 – E o senhor podia explicar pra gente desse ponto da secagem dos grãos até o guaraná chegar em bastão que etapas que tem que se passar?
R – Nós já estamos perto, né, olha, aqui já tem algumas sementes decascadas, essas sementes vão para um pilão, você sabe o que é pilão, não sabe?
P/1 – Mas é bom o senhor explicar.
R – O pilão é uma máquina, é um processo de misgalhar sementes através do atrito de madeira com o grão com a própria madeira que é o pilão. Nós temos a mão de pilão que chamamos o cepo de, de, de porrete de bater junto do, do pilão que é uma madeira onde faz-se o oco, né, faz-se um buraco, coloca-se a semente do guaraná decascado dentro desse, desse cepo de madeira, desse buraco e começa-se o processo de martelar. Se pila manualmente ou se pila através do processo mecanizado. Quando o processo é mecanizado, tem um motor virando os cepos, que nós chamamos as mão de pilão batendo ali continuamente. Quando o processo é artesanal, é o homem que levanta o porrete, a mão de pilão e começa a bater. Ele bate até pegar uma consistência pastosa. Esse grão aqui que você está vendo bem sólido, ele vai colocando uma dosagem de água controlada e, aí, ele se torna um guaraná em estado pastoso, aí, como você sabe o processo de fazê pão, o pão de trigo, é idêntico fazer o pão do guaraná, só que o pão de trigo leva 30, 40 minutos pra secá, pra ficar no ponto de comer, o pão do guaraná pra ele desidratar-se, ele passa 30 dias no fumeiro, é esse o processo.
P/1 – Quê que é o fumeiro?
R – O fumeiro é, seria o forno de se… É o secador, o fumeiro é o secador, só que é um secador lento, muito lento, porque senão ele queima.
P/1 – Mas como que é, tipo um, uma máquina, é vocês que fazem?
R – O fumeiro que nós temos aqui em Maués quase todos eles são processo bem artesanais. Há uma fornalha, não embaixo do, do, de onde estão os, os, os, os pães de guaraná, é um pouco afastado, só que o calor é canalizado pra aquela direção onde estão os pães de guaraná, então, aquele calor começa a passar lentamente e o dono do, o, o dono, o, quem tá cuidando do fumeiro, tem que ter o cuidado de hora em hora, de duas em duas horas ou de três em três horas, ele vai lá e dobra manualmente os pães de guaraná e assim ele fica logo nos primeiros dias o movimento dos pães de guaraná são mais curtos, dão de duas em duas horas. À medida que os dias vão passando, também vai diminuindo o fogo na fornalha, vai passando de seis em seis horas ele faz uma, ele muda a posição do, do pão do guaraná lá no giral, que a gente chama, onde está colocado o fumeiro, né, são várias, são vários, vários giral, vamos dizer assim, plataformas pequenas onde estão os pães de guaraná e esse calor circula por ali.
P/1 – E como se transforma então, chegando na última etapa, o bastão em pó?
R – O guaraná em pó é esse aqui, você leva no moinho, né, o moinho tem que ser bastante resistente e que coloque uma granulometria muito fina, muito pequena, ele passa uma vez ou se não ficar bom passa até duas vezes, contanto que o pó fica tão fino quanto o pó do café que nós tomamos, né? Esse é o processo mais prático, por isso que nós vendemos guaraná em rama pra certos compradores e eles lá processam, faz esse procedimento de, de moer e vender o guaraná moído. Quando o guaraná tá em bastão que eu quero transformá ele em pó, o tradicional aqui nós passávamos na língua do pirarucu, é uma espécie de grosa ou ralo, como você queira entender, só hoje tá ecologicamente proibido, que ninguém mais pode matar pirarucu, né, mas a língua do pirarucu é um, é um equipamento muito utilizado para nós transformar o guaraná em bastão em guaraná em pó. Quando nós não temos isso, nós usamos outros mecanismos, como seja o moinho, quebramos o pão de guaraná que é muito duro, cortamos ele, colocamos no moinho e vamos moer, aí pra transformar em pó. É por isso que hoje já não se está mais comercializando o guaraná em bastão com muita, com muita intensidade como foi no passado, porque as pessoas não, nem toda casa tem um, tem um moinho ou tem uma língua de pirarucu pra ralar e já prefere compra o guaraná em pó.
P/1 – O senhor especificamente faz como o guaraná em pó?
R – Eu seleciono as sementes, limpo as sementes, levo pra um moinho terceirizado, num cidadão aqui, uma empresa que tens uns moinhos, aí, eles moem o meu guaraná, embalam em embalagem de meio quilo, de um quilo, de cinco quilos, de cem gramas, de 200 gramas, aí, eu trago pra cá pra minha casa e coloco os rótulos. Os rótulos é por minha conta. Aí eu pago pra ele fazer esse serviço.
P/1 – E eu queria que o senhor dissesse pra gente ter uma idéia, né, assim, descrevesse pra gente bem detalhadamente como é que é um dia do senhor na época que é a colheita do guaraná. Que horas que o senhor acorda, o quê que o senhor faz primeiro.
R – Os meus dias são como todos os outros, eu me acordo cedo, depois de cinco horas da manhã eu já me levanto. Quando eu estou lá no meu sítio, eu chamo assim, não é fazenda, é sítio do guaraná, eu me acordo cedo na época da colheita, nós precisamos de acordar cedo, porque a gente vai, se nós tamos colhendo, nós temos que preparar o café, preparar o café, tomá o café cedo e cedo ir pro pomar, começar a panear. Quando tá na força do guaraná, aí, eu não, eu não cuido sozinho, eu tenho outras pessoas que me ajudam, essas pessoas chegam e vão pra lá me ajudá. Pela minha constituição física hoje, eu já não posso pegar aquele sol tão forte do, de 11 horas, meio dia, então eu já, eu sou o primeiro que vou pro pomar, pra mim aproveitar bem a manhã. Quando é dez horas eu já enchi meu saco, o meu paneiro que já venho pra casa, mas é que eu não vou pará ali, eu não vou ficar parado, eu vou passar o guaraná que está em condições de, não sozinho, mas ajudá aquelas pessoas a passá o guaraná na máquina, a despolpadeira, ou então vou lavá, eu tô fazendo alguma atividade lá no sítio, é isso.
P/1 – E o senhor tem, acha que tem alguma coisa que faça de diferente no plantio do guaraná? Alguma coisa, assim, que o senhor acha que só o senhor faz.
R – Não, eu não serei presunçoso de falá isso, o que eu faço de diferente é que eu quero fazer o meu trabalho com certo, com uma certa perfeição. Como eu lhe disse, o meu guaraná ele, eu não deixo ele fermenta, eu não torro sementes graúdas com sementes miúdas, se eu vô vendê o meu guaraná em rama, você vai compra só a semente do guaraná, você não compra nem um outro tipo de artifício pra fazer aumentar o volume do guaraná e nós sabemos que outros produtores, mesmo pequeno como nós usam de certos artifícios e o mais comum é não torrá o guaraná direito pra ele ganhar mais peso, mas quem que perde com isso? É o próprio produtor, porque aquele comprador que comprou o guaraná mal torrado, vai ter que retorrar de novo ou então o guaraná vai apodrecer lá no depósito dele, então, ele não vai mais compra o guaraná daquele, daquele cidadão. Então, eu acredito que a maioria faz o que eu faço, seleciona as sementes, torra bem torrado, desidrata muito bem, porque se não fizermos isso, o guaraná é um produto alimentar, né, como é um produto alimentar, ele apodrece. Se não tiver bem torrado, bem acondicionado ele vai estragá e o comprador? Se é o comprador lá de São Paulo, hoje apesar das distâncias não serem, não serem problema, em devido dos veículos como o avião, mas de repente demora na, demora no depósito do, da, algum tempo pra chegar lá em São Paulo ou lá no Rio Grande do Sul, se esse guaraná não tiver com boas características vai acontecê o que nós vemos aqui, o guaraná que vem de fora não tem a consistência do nosso guaraná. Chega um guaraná sem sabor, sem cheiro, sem odor, por que? Porque não foi bem, as pessoas não sabem os procedimentos adequados pra cuidar do guaraná.
P/1 – O senhor acha que desde quando o senhor começou a plantar até hoje, mudou alguma coisa no jeito de plantar?
R – Não, o jeito de plantar não, mas aqui no município o jeito de cuidar do guaraná mudou, porque hoje já temos a capacitação vinda tanto dos órgãos do governo federal, do governo estadual, do governo municipal, ainda agora está entrando pra dentro destes rios uma equipe da Ecocert, que é a parceria da prefeitura, governo do Estado e o Sebrae Amazonas que estão fazendo a certificação de alguns produtores quanto à capacidade do guaraná estilo orgânico.
P/1 – O quê que é o guaraná estilo orgânico?
R – É o guaraná que não é adubado com adubo químico, é só adubado com a, com adubo da natureza, isto é, feita a compostagem, a madeira, a folha da madeira, o capim, o esterco da galinha, do boi, o pó de serragem, a casca do guaraná, a casca da mandioca, faz-se aquela grande pilha e começa a mexê ela de 30 em 30 dias, jogá água e aí vai acontecendo a decomposição desse material através de, de mudanças, né, de temperatura e vai se transformar numa, num adubo muito barato e de, de uma utilidade que nós não sabíamos. Então a gente queimava a madeira, queimava o lixo, hoje quem tá nesse processo não queima mais nada, só, só faz mesmo é juntar todo quanto é lixo, papelão, papel, papel, roupa velha, tudo que se não for plástico nem vidro, resto de comida, peixe que tá estragado ou comida que tá estragada vai lá pra pilha orgânica.
P/1 – E agora quem usa esse tipo de processo vai receber um selo, é isso?
R – Vai receber o selo da Ecocert [Organismo de inspeção e certificação].
P/1 – O senhor falou então que tem o guaraná orgânico, vira e mexe falam pra gente, tem o clonado, tem o não sei o que, tem, falam vários tipos de guaraná, afinal de contas, que tipo de guaraná tem em Maués?
R – Só um, guaraná Maués, mesmo. As denominações, como eu digo, volto a frisar, o que eu sei é empiricamente, aparentemente guaraná é só um, mas pelo tamanho da folha e o formato da folha, das folhas, alguma diferença e a Embrapa que é a área técnica responsável por esse manuseio, por essa, por esse diagnóstico de que qualidade é o guaraná a, bê, cê ou dê, tem aqui dois tipos de guaraná que são muito produtivos aqui no município, é o BRS Maués, isso é nomenclatura da Embrapa, e o BRS Amazonas, titulado pelos números um é 300 e o outro é 871, essa é sua nomenclatura numérica. Esses dois, essas duas espécies que eles chamam lá, esses dois tipos de guaraná, eles são os mais produtivos aqui no município, mas só quem pode lhe dá essa, uma adequada resposta quanto aos tipo, ao, ao, às qualidade de guaraná que tem no município, somente a Embrapa pode lhe dá isso.
P/1 – Mas…
R – Pra mim todo guaraná é igual.
P/1 – Mas falam pra gente assim, tem o guaraná orgânico, o tradicional, o senhor não leva isso em consideração, acha que tanto faz?
R – Não, eu levo, o meu é guaraná orgânico, eu tô nesse processo, desde o ano de 1900… aliás, desde 2003, nós já tamos em 2007, eu nunca mais adubei meu guaraná, meus guaranazeiro com adubo químico, eu comecei, eu aprendi a fazer a compostagem, eu faço a compostagem e levo lá pros pés dos guaranazeiros e planto outras culturas, assim como verduras, melancia, a melancia lá no meu terreno dá muito bem, mas claro, com adubo orgânico.
P/1 – Essa coisa de guaraná clonado.
R – Bom, isso aí é só a Embrapa que pode lhe responder, isso aí, eu não vou, eu não vou nesse, nesses afins, porque eu não sei, mas lá no meu pomar tem uns guaranás que chamam de estaquia e é esse que chamam de clonado, porque eu não sei o quê que é clone, se eu for falar o quê que é, eu não sei, eu não estudei pra isso, o que eu sei é que qualquer um galho de guaraná, se você enterrar no chão adequadamente, ele cria raiz e prossegue e é isso que eu vejo, que é um ramo de guaraná que eles ativam o enraizamento e levam lá pro pomar, que eles chamam guaraná de, eu chamo guaraná de estaquia e alguém chama de clonado, eu não sei, eu sei que eles têm essas duas denominações BRS Manaus e BRS Amazonas, são os dois, são os dois tipos de guaraná que eu tenho lá no meu pomar que dão mais resultado, que dão mais frutos.
P/1 – E quem compra o guaraná hoje em dia dos produtores?
R – Nós temos a Ambev como nosso parceiro para compra. Ela este ano quando fez o seu dia de campo que chamou todos nós produtores pra irmos lá, o seu gerente comercial falou de viva voz que ela precisaria de 400 toneladas de guaraná, então, automaticamente essa empresa poderia comprar todo o guaraná de Maués, só que pelo preço que ela está pagando hoje, uma grande parcela já dos pequenos produtores, entre eles eu estou no meio já procuram outros compradores que pagam um preço melhor, quando não eu transformo em pó pra pegar um preço melhor também, porque senão não dá pra mim manter o pomar.
P/1 – Quem são esses outros compradores?
R – Nós temos compradores de outros estados, da capital, acredito que não, não é interessante eu enumerá o número, o nome dos meus clientes que compram meu guaraná, mas eu te garanto que tem no Estado do Amazonas, né, tem no Estado do Pará, tem no Estado do Ceará que fazem procuração do nosso guaraná aqui em Maués. Não em grande escala, porque nós somos pequenos e quando pedem uma quantidade maior, nós dizemos, somos honestos em dizer que não temos, pra quantidade que ele, ele nos pede.
P/1 – E como que é feito esse comércio?
R – Esse comércio é feito como todo, todo o, toda empresa ou associação cooperativa faz através de boletes bancários, né, ou então da confiabilidade, é a lei da confiabilidade, particularmente ou da minha associação ou eu mesmo como pessoa física, eu só mando um guaraná pra uma, pra um comprador se ele depositar o dinheiro na minha conta. Eu dou o preço, deposita o dinheiro na minha conta, eu vou ao correio, coloco aquele guaraná no mercado pra todos, né, e despacho. Na hora que eu despacho, coloco o número do despacho, o dia e a expectativa que me deram no correio de quando vai chegar na casa dele ou no local que foi assim determinado.
P/1 – O mercado para todos é um produto do correio, é isso?
R – Não, não é esse que, que a gente paga menos, não é do Lula, aí? Comercialize com todos, mercado para todos mesmo, exporta fácil, né?
P/1 – Tá, e bem, queria falar um pouco sobre a história de Maués, o senhor fez alguns estudos sobre a história de Maués e tal e eu queria que o senhor contasse um pouco pra gente o quê que o senhor descobriu sobre a cidade de Maués.
R – Cidade de Maués é minha cidade de origem, então eu não podia lhe dizer que ela tem mais de 170 anos só de emancipação como município, né, ela tá aqui há muito tempo, né, acredito que século XVIII, os primeiros exploradores já estavam andando por aqui por esses rios e ela vem, apesar do local onde ela está localizada, é um local não de fácil acesso, porque não fica às margens do rio Amazonas, fica bem distante daqui pra chegar no rio Amazonas, mas mesmo assim em função de nós termos aqui uma gama de, de produtos pro extrativismo, como nós tivemos aqui o tempo da sorva, era uma, uma planta que dá um látex que foi retirado muito da floresta. Nós tivemos o ciclo da balata, que também é outro, outro vegetal que dá o látex. Aqui o tinha menos era a borracha, a seringa, mas depois nós viemos ter o ciclo do pau-rosa, é uma madeira que dá o incenso muito cheiroso, ainda hoje, ainda, ainda temos uma usina que beneficia, que retira o incenso dessa madeira aqui no município e já tivemos cinco, hoje só temos uma e pela bondade do Criador aqui é a terra do guaraná, foi aonde tudo surgiu, né? Volto a lhe dizer que quando eu me entendi, o guaraná aqui nesse município era o produto mais procurado, claro que esses produtos, como eu já falei, como a balata, o sorvo, o pau-rosa eram tirados e a castanha, eram retirados da floresta, mas na época do guaraná, o guaraná era o produto mais procurado aqui nesse município e que eu me lembre, que se nós formos procurá a nossa história nos anais, talvez da Prefeitura, que a nossa Prefeitura é muito rica em conduzir a, a, os livros do que ocorreram, quem foram os primeiros prefeitos, essas coisas todas, mas não, fala pouco das atividades do guaraná, né, mas nos já encontramos nesses, nesses manuscritos que já era comercializado o guaraná no século XIX, no ano de 1800, né, e que eu me lembre, da década de 50 a 70 foi a época que o guaraná deu o maior impulso aqui, foi o, foi o carro chefe e de 70 pra cá, nesses últimos 30 anos tá em decadência, né? Não que não tenha guaraná, tem guaraná, mas vieram as pragas, né, faltou recurso pra se dar os tratos adequados pra, nos pomares e hoje eu não sei, não sei te dizer se, se tem produtor que compense como eu em número suficiente pra fazer com que esse guaraná ainda chegue a um nível de produção que chegou no passado. Temos notícia que esse município produziu perto de mil toneladas, 600, 800 toneladas de guaraná e hoje tá relegado a uma insignificância, né, a produção do município tá muito pequena e a nossa história não pode ser escrita com, com, vamo dizê assim, com a decadência do guaraná, nós temos que fortalecer esse produto, essa cultura tão bonita que nós herdamos dos índios que nós chamamos aqui, né, dos primatas, né, sei lá, como queira chama, mas isso é uma bebida indígena, né? Eu tenho sangue indígena na veia, que a minha avó era índia, por parte de mãe, meus avós por parte de pai deviam ser negros lá na Bahia, mas por parte da minha mãe aqui no município eram índios, eram sateré, então eles tinham hábito de tomá essa bebida do guaraná, bebida guaraná.
P/1 – Então, o senhor estava contando um pouco da história de Maués, né, e da herança sateré lá da coisa do guaraná, mas o senhor também falou que conseguiu registrar quando que esse guaraná começa a ser plantado não por índios mais, né, mas por brancos, o senhor podia falar um pouco disso?
R – Sim, acredito que no final do século XIX, lá pela metade de 1850 em diante já tem registro de indivíduos que não eram índios que produziam, plantavam guaraná, mas em pequena escala, né, porque passá da cultura do índio pro branco não é uma coisa tão simples, mas com certeza no final lá por 1890, já se tinha um bom comércio desse produto aqui no município e ele era restrito, ele ficou restrito esse município até a revolução da década de 60, 64, após a revolução, aí entra a questão política, né, um período de recessão, né, que quem manda é o governo, acredito que terá outras pessoas com quem você vá conversar que possa explicar melhor isso, mas até onde eu sei, é que com a revolução onde o governo tudo podia e tudo fazia ou para o bem ou para o mal foi que foi disseminado o guaraná deste município pra outros municípios e até pra outros Estados. Não tem como a gente prová, porque eu não tenho documento aqui, mas posso lhe dizer que foi nesse período que o guaraná se expandiu para outros municípios fora de Maués, porque até então, até a década de 60, no início de 60, 50, 50 só tinha guaraná no município de Maués e em função dessa difusão pra outros municípios e outros Estados o guaraná de Maués não ficou sendo único, com certeza em função disso que o preço também caiu, porque temos alguns Estados e alguns municípios que o guaraná dá muito mais, a produção deles é muito mais é, positiva, maior do que a produtividade no município de Maués, daí vir a situação que nós nos encontramos hoje. Nós não tamos com pires na mão nem dizendo que não vamos mais cuidar do guaraná, não é esse o fato, nós precisamos de, de apoio ou procurar pessoas que paguem o preço justo para o nosso produto. É comprovado que o guaraná de Maués é o que tem a maior concentração de cafeína, aqui no município nós temos análise de teor de cafeína até seis por cento, coisa que não temos no mesmo produto em outros municípios ou em outros Estados. Então, o guaraná de Maués talvez pelo, pela adaptação do clima, ou local da sua origem ele tem essa característica.
P/1 – Mas deixa eu voltar um pouquinho antes dos que primeiro começam a plantar o guaraná no esquema mais comercial, existe uma coisa das famílias Negreiros e Miquelis, o senhor podia falar um pouco sobre essas famílias, parece que tem um história tradicional no município.
R – Tem sim, tínhamos os Cavalcantis, tínhamos os Dinelis e tínhamos os Negreiros e tínhamos os japoneses, ainda tem alguns japoneses. Os Negreiros praticamente abandonaram a cultura do guaraná. Os Dinelis também, os japoneses foram embora, mas é desse período que eu volto a te falá, que é de 50 a 70 é que essas famílias estavam no auge da sua produtividade. Tínhamos guaranazais, já tínhamos produtores naquela oportunidade que tinham 200, 300 hectares de guaraná. Se não me falha a memória, o maior guaranazal quem tem aqui hoje é a Ambev, ela tem 200 e poucos hectares e na década de 50 tinha uma família Negreiros que um guaranazal com 300 hectares. Tinha os Cavalcanti, também tinham grandes guaranazais. Tem outro cidadão, que é a família Muniz, também tinha grandes guaranazais. Essas famílias tradicionais do guaraná, os seus patriarcas já são todos falecidos e os seus descendentes começaram uma nova atividade, não, não deram prosseguimento a essa cultura. Acredito que daí a, não a ruína, mas essa decadência. Quanto a falá sobre essas famílias, como família, essas famílias que eu acabei de lhe reporta, família Negreiros, nós tivemos ele como prefeito, foi prefeito do nosso município esse cidadão. A família Cavalcanti nós tivemos um dos seus descendentes como prefeito também de Maués. A família Muniz também tivemos essa família como prefeita dessa cidade. Então, se conclui o quê? Que quem tinha guaraná, guaranazal em grande quantidade tinha o poder, poder econômico e eles deixaram a sua, as suas escritas. Temos a família Miqueles também, os seus ancestrais tinham guaranazais, hoje ninguém mais trabalha com guaraná nessa família. Existem os terrenos, existem os locais onde existiu essas fazendas, esses sítios grandes, os grandes pomares, mas tá tudo já degradado, tá tudo mato a gente chama aqui, o mato tomou conta, não tem mais guaranazais, mas eles deixaram um legado, que foi a sua perspicácia, né, de manter o guaraná aqui guardado no município por muito tempo. Eu acredito que mais de 30 anos, 40 anos, 50 anos, quando começaram a produzir mesmo, não é da minha, não é do meu tempo, é muito antes de eu nascer, eles já, alguém queria levar o guaraná de Maués, mas não, diziam que não nascia, que não dava guaraná em outro canto e ficou restritamente esse município e só veio a sair desse período que eu me reportei anteriormente. Hoje temos guaraná em quase todo Brasil. Eu não sei se é para o bem ou para o mal, porque se der uma praga aqui, pode ter guaraná lá em Roraima, né, lá em Rondônia, lá na Bahia e em função disso o preço também foi, foi diminuindo, mas ainda há o comércio, um comércio que paga um preço justo pro guaraná, basta só a pessoa se organizar e divulgar. Como nós não temos recurso, nós produtores pequenos, muitas vezes o Sebrae traz os cursos, a prefeitura, as Embrapa, mas sempre colocam a Ambev como nosso principal parceiro e eu não sei se a Ambev não tem interesse em subir o preço, eu acho que ela tá pagando muito bem o preço que ela paga, mas não é, eu não tô aqui pra dizer quem tá certo, quem tá errado. O certo que eu te digo é que o preço que hoje se paga o guaraná neste município, não paga o trabalho que ele dá pra ter um pomar. Então é por isso que nós, pequenos produtores, tamos procurando comercializar com outro Estado, já procurando até outros países, já não estamos vendendo nosso guaraná só pra esse comprador em potencial que é a Ambev, só isso, mas para mim se não houvesse a Ambev, podia tá pior. Porque se nós não temos recurso com a empresa aqui, escute bem, a empresa aqui comprando e nós todos desorganizados já não conseguimos um preço melhor, imagine se não tivesse um comprador, aí que desistimos mesmo, né? Eu imagino assim. O que falta pro pequeno produtor é se organizar, é chegar lá com quem quer compra o produto, olha meu querido, nós temos o produto, mas o preço de custo é isso aqui, fazer carta, né, comunicando aos órgãos como Embrapa, IDAM [Instituto de Desenvolvimento Agropecuário do Estado do Amazonas], Ministério da Agricultura e dizê: “Olha, o preço de produzir o quilo de guaraná em Maués é 15 reais. Como que vocês querem pagar oito, sete, cinco?” – o cara tá pagando pra ter o guaranazal meu querido, tá pagando, é isso que ocorre. Nós não tamos, nós pequenos produtores, ninguém tá, é, nós nunca levamos em consideração reclamação, nós queremos ação. Como eu lhe falei, as crianças saíram do, do terçado, da enxada vão pra escola, mas por quê? Porque o pai tá recebendo um benefício. Se nós guaranaicultores tivermos a certeza de que nós vamos ter um preço justo pro nosso produto, nós iremos produzir mais, vamos se esforçá pra plantar mais guaraná, vamo ter essa maravilha que você vai sentir o odor do guaraná, isso é o cheiro do guaraná de Maués, ao passo que você chega em qualquer lugar tem guaraná, tem, mas você vai sentir o odor, não é esse aqui, esse aqui não é guaraná, não, é alguma outra coisa. Pra nós aqui do município, o guaraná só o nosso mesmo, porque ele tem um odor característico.
P/1 – Deixa eu perguntar seu Francisco, agora que o senhor tá falando da questão dos preços e tal, algumas pessoas disseram pra gente que na década de 80, naquele período da década de 80 o guaraná foi bastante valorizado e depois o preço caiu, o senhor se lembra disso?
R – Ele falou uma palavra errada, o guaraná deu o maior preço neste município foi no, no, pode colocar isso aí, foi quando mudou do cruzeiro, da URV pro real, não foi nem do cruzeiro pra URV, foi quando foi a mudança em 94, em 1994, o quilo do guaraná neste município chegou a 23 reais o quilo.
P/1 – Isso em grão?
R – Em grão, essa semente que eu lhe mostrei, o guaraná em semente chegou a 23 reais.
P/1 – E depois na década de 80…
R – Não, foi só um fenômeno, foi só um fenômeno, daí, ele, foi só aquele ano, em 1994, então, nós tamos hoje em 2007, fazem 13 anos que ele não chega nem à metade desse preço que foi, que ele chegou em 94 quando foi a mudança do, da… do, da nossa moeda.
P/1 – Também disseram pra gente que na década de 80 ou 90 houve um grande praga em Maués, que boa parte dos guaranazeiros se perdeu, o senhor tava aqui nessa época?
R – Em 80 não, eu cheguei aqui em 93, que eu só posso falar desses guaranazais de 93 pra cá. As doenças ainda estão aí nos guaranazais.
P/1 – Mas a praga mais brava o senhor não pegou?
R – Não, tem uma praga aí que ela é, ela é, a chamada antraquinose, é uma, é uma praga que dá no guaranazeiro que ele começa a enrolar as folhas, secá e ele leva ao aniquilamento da árvore. Quando nós temos uma árvore, um pé nesse estado, o melhor que se faz é fazer uma poda drástica ou então sacrificá logo aquela árvore e plantá uma outra no local, porque aquela tá praticamente, é quase que irrecuperável. Agora, graças a um, a um trabalho que a gente tá fazendo aí, o nosso pomar não tá contagiado com essa doença.
P/1 – Que trabalho que vocês têm que fazer pra não contagiar?
R – É, fazer umas borrifações, aí, né, borrifar com biocalda, feito com tabaco de corda, tucupi da mandioca.
P/1 – E quem ensina a fazer isso?
R – Isso aí foi ensinado por uma, uma fundação chamada Fucap que teve uma parceria da prefeitura e ela esteve aqui atuando no município por mais de três anos efetivamente. Agora que ela está um pouco afastada, mas ela trouxe esse, esse conhecimento.
P/1 – Só, queria saber também, o senhor chegou a falar dos japoneses que plantavam aqui e que eram um grupo que tinha bastante guaranazais, quem eram esses japoneses e o senhor sabe quando eles chegaram?
R – É, saber diretamente, eles chegaram muito antes de eu nascer, eles vieram no período da Primeira Guerra Mundial junto com os judeus. Na Segunda Guerra Mundial, quando ocorreu a Segunda Guerra Mundial que os japoneses estavam contra os americanos, aconteceu o fenômeno, acredito que no Brasil todo, isso é história, né, Maués não ficou, ficou ausente desse fato, os japoneses daqui foram expulsos, né, como foram expulsos os japoneses de Parintins, mas eles quando chegaram aqui nesse município, quando eu me entendi, alguns japoneses que ainda ficaram por aqui, eles tinham os seus pomares de guaraná bem cultivados e bem produtivos, era a família Saqueama, era a família, é, é, Nishiqui, né, Nishiqui, tinha os nomes de japonês, eu não sei pronunciar direito, mas esses cidadãos, né, que chegaram aqui do Japão, eles ensinaram pra nós uma maneira de cultivá, de trabalhá, coisas que nós não sabíamos, eles nos ensinaram.
P/1 – O senhor falou bastante também da questão dos maués, né, dos sateré-mawés. Como que é essa relação da cidade com esses indígenas?
R – Se você andar na nossa cidade, você não vai saber quem que é daqui de Maués e quem é lá da tribo, nós tamos hoje convivendo numa praça só, claro que eles estão vindo mais à nossa praça do que nós nas deles, mas os nossos índios aqui eles são bem dóceis, né, são, falam o nosso idioma, né, o português, entre eles, eles falam o seu dialeto, mas conosco qualquer um me dá bom dia, boa tarde, como que o senhor está, eles são muito dóceis, muito, muito atenciosos. O relacionamento dos índios com nós que chamamos brancos é muito bom aqui.
P/1 – E o senhor identifica, assim, a cidade de Maués ter hábitos dos saterés-mawés ou não?
R – Com certeza, você reparou, passou a hora do seu miú, miú o quê que significa? Hora da janta, da comida. É, Maués, nós todos somos, como eu lhe disse, eu sou descendente de sateré, não posso negá o que está no meu sangue, não posso negá de jeito nenhum.
P/1 – Que outros hábitos o senhor acha que vem direto dos saterés?
R – Bom, é a mandioca, o trato da mandioca, esse guaraná, nós estamos falando da cultura indígena, que é o guaraná. Índio não plantava banana, não plantava maracujá, não plantava graviola, índio plantava banana, ô, plantava mandioca e guaraná. Essas outras culturas como o café, feijão, arroz, isso chegou depois, mas aqui a nossa cultura é a mandioca e o guaraná. Então, isso tá no meu sangue, sangue de todo esse povo que aqui habita.
P/1 – E na festa do guaraná se encena a lenda, né, do guaraná…
R – A Cereçaporanga, a moça que foi raptada pelo, pelo índio? Uma encenação maravilhosa, né, quem já assistiu pela televisão, o nosso grupo teatral aqui de Maués, cada ano ele tá mostrando mais pujança, muito mais profissionalismo, né, mais dedicação. No ano de 2006 quem assistiu a lenda, saiu muito, foi muito bem comemorado, né, valeu a pena.
P/1 – O senhor podia contá pra gente como é que é essa lenda?
R – Não, eu acho que eu não sou a pessoa adequada, não sou adequado pra contar essa lenda, porque não me cabe isso, acredito que terá outra pessoa mais experimentada nesse ramo pra fazer esse comentário.
P/1 – E o quê que muda na cidade de Maués na época da colheita?
R – A circulação de dinheiro, quando se tem bastante guaraná, tem bastante circulação de dinheiro, porque o guaraná é um produto caro, como você sabe, né, o guaraná não é um produto barato. Eu reconheço que o guaraná não é um produto barato, eu reclamo porque ele dá pouca, ele produz pouco, mas se ele produzisse como o arroz, como o feijão, sete, oito reais o quilo tava caro demais, mas a questão é como eu tô lhe dizendo, em um hectare, 400 pés de guaraná, tá me dando quanto? Tá me dando uma mixaria, 80 quilos, 80 quilos.
P/1 – Com cinco mil pés o senhor colhe 80 quilos?
R – Não, os cinco mil pés eu colhi uma tonelada e alguma coisa, tô dizendo num hectare, 400 pés tá dando na média, 80 quilos, nos 400 pés, 200 gramas por pé.
P/1 – E conta aqui pra gente, de que forma o senhor consome o guaraná?
R – Eu consumo guaraná de manhã cedo, eu coloco uma colher de guaraná em 300 mililitro de água.
P/1 – Que colher que é?
R – Uma colher pequena, aquela que chama colher de chá, bem cheia. Misturo muito bem, deixo decantá por três minutos e tomo, tomo todinho, sem adoçante nenhum, puro.
P/1 – E que benefícios o senhor acha que isso trouxe pro senhor?
R – Eu não tenho problema de… De aparelho digestivo, eu me sinto ativo.
P/1 – E dizem muito que o guaraná tem propriedades medicinais, o senhor reconhece alguma propriedade medicinal do guaraná?
R – Já falei, não tenho problema com aparelho digestivo, desde há muito tempo o guaraná sempre cuidou das diarréias. Quando você tá com uma diarréia muito, muito, vamo dizer, muito aguda, o guaraná é uma solução, é uma das soluções pra esse mal.
P/1 – E aí se toma numa quantidade diferente ou não, é a mesma que você…
R – Você adiciona o guaraná com goma, com a goma da mandioca, com certeza vai parar a tua diarréia, com certeza, se não for aquela de matar o camarada, ele para.
P/1 – Mas conta pra gente: em proporções, quanto que você põe de guaraná, quanto põe de água, quanto põe de goma? Como se isso fosse uma receita mesmo.
R – Fosse uma receita pra remédio?
P/1 – Isso.
R – Você coloca um copo, pega um copo de 200 mililitro, coloca uma colher de chá de guaraná, uma colher de mesma proporção de goma, mistura muito bem e toma sem adoçante, é o remédio.
P/1 – E fora esse, tem pra outras curas também o guaraná, ou não, o senhor só acha que só serve pra essas coisas?
R – Bom, essa aí é uma receita, tem enes receitas, cada um a seu modo, uns tomam com mirantã, que é um afrodisíaco, segundo alguns experientes tomam com a muirapuama, também como afrodisíaco, tomam com mel de abelha pra corrigir a circulação, circulação do sangue, é, depende da necessidade do indivíduo. Eu falei como que eu tomo, eu tomo por hábito, todo dia antes do café eu tomo da maneira que eu falei, coloco num copo de 200, 300 mililitro, uma colher bem cheia de guaraná, misturo muito bem, dissolvo muito bem na água, deixo decantá por três minutos e tomo.
P/1 – E tomar guaraná pode fazer mal?
R – Dizem que em quantidades maiores pode causar a, vamo dizer, alguns já sofreram problemas cardíacos, alguns.
P/1 – Mas o senhor já chegou a conhecer pessoas que passaram por isso?
R – Não, eu não conheci não, eu soube de um caso, de um turista que chegou em Maués e disse que ele queria tomar guaraná com, mas ele queria tomar guaraná mesmo, que aqui que era a terra do guaraná e o cara colocou uma quantidade que não podia lhe fazer mal e ele não se conformou, quis tomar mais, ele tomou, mas ele foi de avião pra Manaus. Não se sabe se foi o guaraná ou se foi outra coisa que ele tinha tomado, mas a última coisa que ele tomou foi o guaraná. Comigo aconteceu um fato, alguns anos atrás eu tomei um guaraná, que chamam guaraná sapó, um guaraná que é ralado na pedra, isso é característica do índio, o índio, ele pega o guaraná, vai lá prepara como eu ensinei, né, como eu falei, no pilão, pila, faz uma bola, coloca ali no fumeiro um, dois dias, aí, pega uma pedra que tem na beira do rio, uma pedra que tem umas certas ranhuras e vai lavando a mão dele e ralando o guaraná, como a gente chama, né, ali na cuia. E eu estive aqui num rio no Maués-Miri e a senhora tava fazendo aquela, aquele procedimento…
P/1 – Só um minutinho.
P/1 – Então, o senhor tava contando pra gente um episódio quando o senhor chegou a passar mal por tomar o guaraná, o senhor podia contar pra gente?
R – É, volto a frisar que eu estive numa residência aqui no Maués-Miri e a pessoa me ofereceu um guaraná ralado na pedra, eu vendo a pessoa ralando o guaraná na água, ali, e ela dizia: “Já está bom”, eu digo: “Não, não tô nem vendo a cor do guaraná”, “Então vou ralá mais um pouquinho”. Não demorou, aquele guaraná tá parece um leite, bem, bem, não tava meio escuro, mas tava de uma cor quase que do leite mesmo, e eu tomo, eu tomo esse guaraná, meu amigo, era assim umas três horas da tarde, naquela noite já não consegui mais dormir e nem no outro dia e nem na outra noite, eu comecei a me preocupar, eu me comecei a me preocupar, o quê que tá acontecendo comigo? E conversando com outras pessoas que estavam lá comigo, foi o problema foi o guaraná que tu tomaste uma dose que, muito grande, tu tomaste um guaraná muito forte. Mas eu já venho tomando todos esses anos, nunca aconteceu, aconteceu essa vez comigo, de eu perder o sono, não aconteceu nada demais, eu só não tinha era como dormir.
P/1 – Assim, já finalizando, a gente tá procurando também essa coisa dos “causos”, né, as histórias aqui de Maués e a gente queria saber se o senhor tem uma história, assim, que o senhor gostaria de contar relacionada ao guaraná, uma história que o senhor acha interessante, deveria ser registrada no livro, fora do que a gente perguntou.
R – Olha, a minha, a minha maior alegria, a minha maior alegria que eu tive na vida foi quando nasceu o meu filho e depois eu vim ter uma alegria muito grande, foi quando eu vi um certo dia andando no meu guaranazal, eu vi o meu guaranazal, assim, uma parte do meu guaranazal cheio de frutos, assim, aquela coisa maravilhosa e só quem sente aquela emoção de você ver o fruto do seu trabalho, o resultado, é a emoção. Quando se faz alguma coisa com uma expectativa não de ganhar de dinheiro, nem de ser o melhor, coisas assim, interesses materiais, mas quando você vê a natureza lhe devolver uma coisa que você não sabia se ia acontecer e acontece, essa é uma história que eu não podia deixar de registrar, né, por isso que eu trabalho com guaraná, porque ele nos dá uma alegria pra nós produtores de guaraná, a sua maior alegria, eu acredito, é você ver o seu pomar no período de colheita as árvores todas cheias de frutos, eu ia te dizê: “Poxa, esse trabalho que eu tenho que continuar fazendo” – é isso aí.
P/1 – E por fim, eu gostaria de saber o que o senhor achou de contar essa história.
R – Olha, essa história eu tenho que contar porque eu quero que fique registrado, que é uma verdade, tudo que eu falei aqui foi baseado nas minhas experiências e pouca coisa foi da literatura, quanto a história do nosso município, ela é muito rica em outros aspectos, mas quanto ao aspecto da cultura do guaraná ela é muito pobre ainda e este livro que vocês tão conduzindo hoje, eu acredito que vai ficar pra posteridade. O que eu falei aqui foi baseado mais na experiência, na vivência, mas acredito que você vai encontrar outras pessoas que possam fazer essas afirmativas com melhor, vamo dizê, com mais profundidade, porque até onde o meu conhecimento foi, em termos de literatura, volto a dizer, foi muito pobre, não que eu não quisesse. Todos os boletins da Embrapa eu já os li, que diz respeito ao guaraná, mas elas são muito, muito limitadas, elas divulgam o quê? Como se planta, quanto se aduba, o qual é a perspectiva, mas não diz: “Olha, o guaraná isso, assim, assim, assim, assado, cozido” – detalhar quando começou, por que começou, não tem. Então, meus amigos, eu quero que fique registrado que nesse município existe uma cultura maravilhosa que é o guaraná e ela não deve ficar sem registro. Ela está aqui desde que o homem começou a beber alguma bebida, que foram os índios há muito tempo atrás, há muitíssimo tempo atrás e que hoje tá sendo levado para todo o Brasil e alguns outros países, mas tudo começou aqui em Maués.
P/1 – Bem, a gente agradece muito a entrevista do senhor, obrigado.
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