P/1 – Boa tarde, Hidembergue. Para começar, eu gostaria que você dissesse o seu nome completo, o local e a data de nascimento.
R – Hidembergue Ordozgoith da Frota, Manaus, o local de nascimento é Novo Aripuanã, na foz do rio Aripuanã, afluente do rio Madeira, em 1952.
P/1 – É distrito daqui mesmo? Da região?
R – Não, o rio Aripuanã fica no rio Madeira. Fica entre… Nasci em Novo Aripuanã, entre Manicoré e Borba.
P/1 – Que dia e mês foi?
R – O dia foi 2 de dezembro de 1952. O rio Madeira afluente do rio... eu estou falando com... às vezes... Os costumes do sul e do sudeste são diferentes, o pessoal nasce na cidade, aqui nós nascemos no rio. Então, eu nasci no rio Aripuanã, na foz do rio Aripuanã. O que a gente chama de na boca do rio Aripuanã e eu me criei no rio Maria Paula, que é outro afluente do rio Madeira.
P/1 – O nome dos seus pais?
R – Laerte Soares da Frota e Olinda Ordozgoith da Frota.
P/1 – E você podia contar um pouco da história desse nome? Da origem desse nome.
R – O Ordozgoith vem do meu avô materno, ele nasceu na Espanha, de origem Basca. Veio para o Peru, do Peru desceu o rio Solimões e depois desceu o Madeira, acabou ficando lá no rio Aripuanã, onde ele constituiu família. Daí nasceram os Ordozgoith aqui no Amazonas.
P/1 – Já que você falou dos seus avós, você se lembra dos seus avós maternos e paternos?
R – Materno eu me lembro da minha avó. Do meu avô paterno e da minha avó materna. O avô materno eu não conheci, esse Ordozgoith eu não conheci.
P/1 – E qual era a atividade dos seus pais? Atividade profissional?
R – O meu pai era dentista formado aqui no Amazonas ainda na Universidade de Manaus, na primeira Faculdade de Odontologia. Depois, o meu avô por parte de pai era “regatão”. “Regatão” é aquela pessoa que tem um barco, sai pelos rios vendendo as...
Continuar leituraP/1 – Boa tarde, Hidembergue. Para começar, eu gostaria que você dissesse o seu nome completo, o local e a data de nascimento.
R – Hidembergue Ordozgoith da Frota, Manaus, o local de nascimento é Novo Aripuanã, na foz do rio Aripuanã, afluente do rio Madeira, em 1952.
P/1 – É distrito daqui mesmo? Da região?
R – Não, o rio Aripuanã fica no rio Madeira. Fica entre… Nasci em Novo Aripuanã, entre Manicoré e Borba.
P/1 – Que dia e mês foi?
R – O dia foi 2 de dezembro de 1952. O rio Madeira afluente do rio... eu estou falando com... às vezes... Os costumes do sul e do sudeste são diferentes, o pessoal nasce na cidade, aqui nós nascemos no rio. Então, eu nasci no rio Aripuanã, na foz do rio Aripuanã. O que a gente chama de na boca do rio Aripuanã e eu me criei no rio Maria Paula, que é outro afluente do rio Madeira.
P/1 – O nome dos seus pais?
R – Laerte Soares da Frota e Olinda Ordozgoith da Frota.
P/1 – E você podia contar um pouco da história desse nome? Da origem desse nome.
R – O Ordozgoith vem do meu avô materno, ele nasceu na Espanha, de origem Basca. Veio para o Peru, do Peru desceu o rio Solimões e depois desceu o Madeira, acabou ficando lá no rio Aripuanã, onde ele constituiu família. Daí nasceram os Ordozgoith aqui no Amazonas.
P/1 – Já que você falou dos seus avós, você se lembra dos seus avós maternos e paternos?
R – Materno eu me lembro da minha avó. Do meu avô paterno e da minha avó materna. O avô materno eu não conheci, esse Ordozgoith eu não conheci.
P/1 – E qual era a atividade dos seus pais? Atividade profissional?
R – O meu pai era dentista formado aqui no Amazonas ainda na Universidade de Manaus, na primeira Faculdade de Odontologia. Depois, o meu avô por parte de pai era “regatão”. “Regatão” é aquela pessoa que tem um barco, sai pelos rios vendendo as coisas e trocando em produtos. Então ele vendia arroz, açúcar, farinha, tecido e como pagamento ele recebia castanha, borracha, e trazia para vender aqui em Manaus. É isso que a gente chama de “regatão” aqui. A pessoa tem um barco, sai pelos rios levando mercadoria e trazendo produto.
P/1 – E a sua mãe?
R – Minha mãe também é do interior.
P/1 – E o que ela fazia?
R – Minha mãe era dona de casa. Nasceu no interior e apenas dona de casa.
P/1 – E irmãos, você tem?
R – Tenho seis irmãos.
P/1 – Dá para falar... listar o nome do maior para o menor?
R – O maior é o Jerônimo, depois o Laerte, Antônio, eu, Geraldo, Paulo e um que morreu que era o Henrique.
P/1 – A gente gostaria que você falasse um pouquinho da sua infância, do local que você morava, como era?
R – A minha infância foi lá no rio Maria Paula, esse que é afluente do rio Madeira no “seringal” Amapá. Então, eu me criei nesse seringal. O que é o “seringal”? Tem o barracão, onde o meu pai tinha a mercadoria que vendia para as pessoas que trabalhavam lá e perto do barracão tinham outras casas das pessoas que trabalhavam no “seringal”, que eram os seringueiros. Na beira do rio, ao longo do rio. Então, deviam ter umas dez ou 12 casas ao longo do rio. E é um rio estreito de 100 metros de largura, que desemboca no rio Madeira. Nós morávamos lá dentro, lá no rio Maria Paula e a minha infância foi toda lá. Depois, com sete, oito anos, meu pai nos trouxe aqui para estudar em Manaus. Então, nós passávamos assim: chegávamos em março no início das aulas e ficávamos até dezembro aqui. Terminavam as aulas, voltávamos para lá. Ficávamos de novo até março. Abril, retornávamos para Manaus e assim ia até servir ao Exército.
P/1 – A primeira vez que o senhor veio a Manaus foi quando o senhor começou a estudar?
R – Não, antes de começar a estudar eu já vinha de vez em quando. Mas, depois dos sete anos, o meu pai comprou uma casa aqui e trouxe toda a família para estudar. Nós estudávamos, ele ia para o interior, ficava dois, três meses lá, voltava e depois ia para lá. Então, ele ficava entre Manaus e o “seringal” e a minha mãe ficava conosco aqui.
P/1 – E o senhor sentia muita diferença no tipo da vida daqui e de lá? O que você sentia mais falta?
R – A diferença era muito grande, primeiro que lá não tinha energia elétrica. No “seringal” não tinha energia elétrica. Em compensação, era muito mais divertido, porque tinha a beira do rio. Todo dia caía na água, tomava banho, nadava, pulava, pescava, né? Coisa que a gente não podia fazer aqui.
P/1 – Quais eram as principais brincadeiras?
R – Brincadeira lá era pular na água. A gente chama de pular na água. É ficar tomando banho, nadando, brincando na beira do rio e jogar futebol no fim da tarde. Mas, andar de canoa, pescar, isso era o dia todo. Então, era muito divertido, muito bom.
P/1 – Essa casa que você morava quando criança tinha quintal?
R – Não, lá era a casa e o resto do terreno era a mata. Não tem muro.
P/1 – O que você lembra da mata? A vegetação...
R – O “seringal” tinha... por exemplo, a nossa casa, que fica no barranco de frente para o rio e por trás da casa tinha um terreno limpo, logo depois uns 200, 300 metros vinha a mata. Dali para frente era mata mesmo. A nossa grande curiosidade era entrar na mata para pegar fruta. Tinha fruta da floresta, a maioria dessas frutas são da própria floresta e também, às vezes, a gente caçava. Às vezes, escondido da mãe e do pai, a gente ia caçar.
P/1 – Que tipo de caça?
R – A caça era pássaro, macaco, essas coisas.
P/1 – E as frutas?
R – As frutas são variadas. Por exemplo, aqui do lado tem um pé de ingá, tinha muito ingá lá, goiaba nativa. Não é essa goiaba que a gente come aqui, é aquela goiaba nativa, “amapá”, “tucumã”.
P/1 – “Amapá” é uma fruta?
R – “Amapá” é uma fruta que tem lá, “tucumã”, “abricó”, tem uma infinidade de frutas que tem na mata. De vez em quando a gente compra aqui no supermercado, mas, é raro.
P/1 – E tinha alguma história, lendas da época, que você se recorda de quando você era criança? Que você chegou a ouvir?
R – Tem, geralmente a lenda era o bicho do mato, essas coisas que as crianças... que os pais falam para as crianças terem medo e se acalmarem quando estão muito danadas. E o pessoal têm muito medo também é de “visagem”, de quem já morreu, né? No interior o pessoal tinha muito medo disso aí. Então, tinha muita invenção de história de assombração.
P/1 – E tem alguma história curiosa que você lembra?
R – São muitas. Eu não me lembro assim, mas, eram muitas de... tinha um barracão lá, um barracão antigo, onde morava o dono anterior do seringal, o que vendeu para o meu pai. Ele tinha fama de ser o coronel, a gente chamava ele de coronel de barranco, não tem o coronel de barranco que a gente chama, ele tinha essa fama, era um maranhense. Falavam que ele já tinha matado não sei quantos, então, quando falavam, a gente morria de medo da “visagem”, da assombração do espírito dele. Isso aí trazia às nossas cabeças essa preocupação. Realmente o barracão era um pouco estranho mesmo e sempre as crianças tinham medo de ir nesse barracão, de ir à noite lá. Mas, a vida no interior assim... nós jantávamos às cinco horas da tarde. Cinco horas da tarde a mamãe já servia o jantar, todo mundo jantava, às sete horas da noite já estava todo mundo dormindo.
P/1 – Conta para gente como era um dia. De manhã acordava...
R – A gente acordava cedo, tomava café. O café era produto de lá mesmo.
P/1 – O que era o café?
R – Era biju, era tapioca, tudo que vem da mandioca, pé de moleque, esse era o nosso café. Macaxeira cozida, esse era o café da manhã. Daí, ia estudar com uma tia minha que ensinava e a minha mãe, depois o meu pai passou a ensinar a escrever. A minha mãe ensinava a escrever pegando na nossa mão. Até hoje o meu c é igual ao dela, eu não consegui mudar o meu c, é exatamente do jeitinho que ela faz o c. E também o meu pai dava a parte de matemática, a gente chamava de tabuada, tinha que fazer conta. Isso na parte da manhã. A tarde nós brincávamos, íamos para o rio pescar. Muitas vezes, descíamos para o porto, a gente chama de porto lá na beira do rio, pescávamos, trazíamos o peixe para a mamãe fritar, para nós comermos. Nós mesmos pescávamos para...
P/1 – E iam dormir cedo? Como é que era?
R – Dormia umas sete horas da noite. Naquele tempo, não tinha televisão, tinha rádio. Então, o meu pai ficava ouvindo A Voz do Brasil, que já passava naquela época e que tem ainda. E, à noite, mais ou menos por esse horário, ouvia a rádio difusora, que vocês não têm isso lá, não têm esse serviço. Até hoje tem aqui, que são os avisos, então alguém viajava, por exemplo, você ligava aqui para Manaus e precisava se comunicar com alguém do interior, então tinha programa de rádio onde se faziam os avisos, onde se transmitiam os avisos. Então, tinha o locutor que todo dia, naquele horário, lia os avisos das pessoas que queriam fazer algum comunicado com parentes seus. Ou, por exemplo, que dia que vai viajar, que dia vai voltar, que barco ia pegar, se tinha alguém doente, se tinha alguém precisando de ajuda. Então, esse aviso era mais ou menos um, dois minutos, que a pessoa comunicava, pagava por tempo de... não chegava a dois minutos, um minuto no máximo. Então, a pessoa comunicava com o conhecido dele, ou conhecido dela, ou parente, alguma coisa assim, o que estava acontecendo aqui em Manaus. Porque, às vezes, uma pessoa saía e avisava pelo rádio que já tinha chegado em paz, saúde, que estava tudo bem com a família, para as pessoas lá ficarem tranquilas, porque viagem ninguém sabe se já chegou, se não chegou. A mesma coisa no retorno, avisava que dia ia sair, que barco ia sair, que dia ia chegar lá, para esperarem, então tinha... nós ficávamos à meia noite, na boca da noite, ouvindo o rádio, que eram os avisos. Uma vez nós estávamos lá, o pai vinha tratar dos negócios dele em Manaus e a gente ficava com saudades, preocupado com a viagem e ficávamos esperando o que hoje seria um telefone. Ficávamos esperando ele dar o recado pelo rádio.
P/1 – E as festas, a cultura local? Conta um pouquinho.
R – As festas são aquelas de São João mesmo, aqueles “paus de sebo”. Meu pai colocava os presentes lá em cima para o pessoal subir, tentar subir, as fogueiras e têm muitas festas também de dia de santo, né? Principalmente de dia de Santo Antônio, que é o padroeiro lá do seringal. Então, mês de Santo Antônio o meu pai fazia... a festa lá não era só um dia, eram vários dias, então muita gente se reunia para fazer os bolos. Tudo de mandioca, não tem nada de trigo, tudo vinha da mandioca. Então era comida... matava o porco, matava o boi e servia aquilo por três dias. Vinham as pessoas dos outros seringais para essa festa e morava todo mundo junto. Vinham para as casas dos conhecidos, aquelas dez casas que tinham lá, o pessoal passava três, quatro dias ali, festejando. É uma reunião, uma conversação. As pessoas vinham de longe, às vezes, vinham um dia, dois remando para chegar lá, porque tudo é muito distante e o pessoal vinha de canoa. Geralmente de canoa, às vezes, alguns vinham a pé, mas, geralmente vinham de canoa e demora isso, um dia, dois dias de viagem para ir de um seringal para outro. O que também era interessante é que uma vez por ano o padre passava para batizar as crianças e fazia os casamentos, era uma vez por ano isso aí. Também era uma festa, se preparava, fazia uma festa para receber o padre, daí o padre batizava todo mundo, confessava todo mundo e fazia os casamentos daquela época. Todo mundo casava na mesma época.
P/1 – Eu queria que você falasse um pouquinho da sua escola. Como é que era a escola?
R – Lá não tinha escola. Eu estudei um pouco com a minha tia, um pouco com a minha mãe e um pouco com o meu pai. Lá não tinha escola, eram os meus pais mesmo que nos ensinavam.
P/1 – E o caderno que você tinha, como era?
R – Caderno nós tínhamos, o papai que levava os cadernos que ele comprava aqui. Caderno nós tínhamos, tabuada, livro da primeira infância, que era um livro de leitura. Isso nós tínhamos lá. E o papai gostava muito de ler, ele tinha uma biblioteca dentro desse barracão onde nós morávamos. Então, ele gostava muito de ler e esse costume dele foi transmitido para mim. Essa vontade de ler, de estudar é muito do que eu via nele.
P/1 – Vocês tinham alguma cartilha?
R – Tínhamos.
P/1 – Você lembra como era?
R – Eu me lembro do caderno de caligrafia, que até pouco tempo se usava ainda para fazer caligrafia. Até alguns anos atrás eu ainda via esse caderno por aí. A minha mãe pegava pela mão e ficava ensinando a escrever. Mas, eu aprendi a ler lá no interior, depois, vim para cá para estudar no grupo escolar.
P/1 – Você lembra o nome do grupo escolar?
R – Grupo escolar Saldanho Marinho. Por coincidência, nesse grupo onde eu estudei em 1909, criaram a primeira universidade brasileira, que foi essa universidade aqui. Foi em 1909 e a primeira série dela foi nesse grupo. Eu não sabia naquela época, ninguém sabia, mas a ____ lá no centro da cidade. É um grupo pequeno, devem ter umas oito salas, foi onde eu comecei o segundo ano primário. Não fiz os primeiros anos... comecei no segundo ano, porque eu vim já sabendo ler e escrever. Fiz até o quinto ano primário lá e depois fui fazer... naquele tempo tinha um exame de admissão para o colégio estadual, para o colégio público. Então, se fazia o exame de admissão, não tinha vaga para todo mundo. Hoje, nós não temos vaga para todo mundo nas universidades, naquele tempo a gente não tinha vaga para todo mundo no ensino médio, então tinha que fazer um exame de admissão. Aquele que passasse no exame de admissão ia para a primeira série do ginásio e aí tinha da primeira série do ginásio até a quarta e depois tinha o primeiro, o segundo e o terceiro científico. Então, eu fiz todo o colégio nessa escola pública. E era o melhor colégio aqui do estado. Naquele tempo, no colégio estadual, todo mundo estava lá, o mais pobre e o mais rico estudavam na mesma sala. Um colégio estadual, um colégio público. Então, na mesma sala que estudava o filho do governador, estudava a filha da doméstica, estudavam todos juntos. Hoje, dificilmente a gente vê isso. Em certo momento houve uma proliferação de colégios e surgiram os colégios particulares, a classe média saiu da escola pública e houve essa separação. Hoje, praticamente a classe média está na escola privada e os menos favorecidos na escola pública. Talvez esse tenha sido um dos motivos da queda na qualidade da escola pública. Saindo a classe média, saiu aquele pessoal que reivindica, que cria, que faz opinião e a qualidade vai caindo. Talvez o retorno da classe média para a escola pública melhore o ensino público.
P/1 – Mas, desta época em que você estudava, você se lembra se teve uma professora predileta ou uma matéria predileta? Você se lembra disso?
R – Todas as professoras eu gostava muito. A professora Josefina... tinham várias professoras... ainda hoje, outro dia, no ano passado, eu estava fazendo a abertura de um encontro aqui no auditório, quando eu vi uma professora minha do grupo escolar. Mas, estava muito bem ela, apesar de muita idade, a minha professora estava muito bem. Eu fui lá cumprimentar, dar um abraço nela. Mas, as disciplinas que eu gostava eram todas. Eu sempre gostei de todas as disciplinas, mas, eu tinha um sonho muito grande de estudar Ciências. No colégio estadual, naquela época quando se terminava o ginásio e se começava o primeiro ano do ensino médio, você tinha que fazer uma escolha, qual a área que você queria estudar, se era Ciências Exatas, Ciências Biológicas, ou Ciências Humanas e dali nós tínhamos uma definição na vida. Eu escolhi Ciências Exatas, eu queria fazer Física, Matemática, essas coisas. Quando eu terminei o colégio, na época não tinha Física aqui na universidade, aí eu fiz vestibular para Engenharia, que era o mais próximo do que eu queria. Aí eu entrei para a faculdade de Engenharia, a faculdade de Tecnologia, de Engenharia Civil. Quando eu estava no segundo ano, eu recebi uma bolsa do CNPQ para fazer o mestrado em Matemática. Eu fui para o Rio e comecei a fazer disciplinas de mestrado, depois, retornei para Manaus para concluir a minha graduação, que eu não tinha a graduação ainda.
P/1 – Durante a graduação você começou a fazer mestrado?
R – No segundo ano eu consegui uma bolsa do CNPQ para isso. Mas, ficava uma coisa esquisita ter mestrado e não ter uma profissão. Aí eu voltei para fazer Engenharia e conclui o curso de Engenharia Civil em quatro anos. No último semestre eu fiz concurso para Petrobrás, para ser Engenheiro da Petrobrás, naquela época era muito concorrido a carreira de Engenheiro da Petrobrás e eu fui o único do Amazonas que passou nesse concurso. Foi em setembro, em dezembro, já saiu o resultado e foi já também no mês que eu me formei. Eles permitiam que no último semestre você fizesse o concurso. Mas, eu queria fazer Física, não Engenharia.
P/1 – O concurso era para quê?
R – Engenheiro da Petrobrás. Mas, eu não queria ser engenheiro, eu queria ser físico.
P/1 – Mas ingressou?
R – Eu fiz todos os exames, aquelas coisa médicas, mas, eu desisti. No dia em que era para eu viajar para o Rio de Janeiro para trabalhar lá, eu pedi a minha desistência, porque a universidade me ofereceu uma posição de professor temporário com a promessa de que se eu ficasse, eu ia fazer mestrado no final do ano. Então, eu desisti da Petrobrás para ser professor temporário aqui.
P/1 – E aí foi o seu primeiro emprego?
R – Não. Informalmente, quando eu era garoto, com 10, 11 anos, eu vendia revistas na frente do cinema. Naquele tempo tinha o cinema, o pessoal vendia revista lá e eu vendia revista para ganhar dinheiro.
P/1 – Mas, onde você conseguia essas revistas?
R – Eu comprava das pessoas que compravam de mim. Depois que elas liam, eu comprava delas e passava a vender para outros. O pessoal ia para o cinema... eu vendia as revistas ali por quê? Porque antes de começar o cinema o pessoal entrava, ficava esperando começar e levavam uma revista para ler. Então, eu ficava na porta do cinema vendendo essas revistas. Essas pessoas liam e mais tarde, no outro dia, ou no outro domingo, essas pessoas voltavam com as revistas, vendiam por um preço mais baixo. Eu comprava para vender para outros e ficava tipo um sebo ali na porta do cinema.
P/1 – Essa foi a sua primeira atividade informal?
R – E depois, quando eu terminei o ensino médio, eu entrei no primeiro ano na universidade e passei a dar aula em cursinho. Eu dei aula...
P/1 – De Física?
R – De Física. Eu e mais uns 5 colegas criamos um cursinho. Eu dava aula de Física, às vezes, de Matemática também, o outro colega dava de Química, o outro de Geografia, o outro de História.
P/1 – Mas, criaram um cursinho particular?
R – Nós mesmos... um cursinho particular.
P/2 – Como se chamava?
R – Spin. Spin é o momento magnético do elétron. Nós chamávamos de Spin. Mas quando nos formamos, largamos. Quando faltavam uns seis meses para nos formarmos, nós largarmos isso aí.
P/1 – Mas vocês cobravam dos alunos?
R – Cobrávamos, era para ganhar dinheiro isso aí. Nós cobrávamos dos alunos, era um cursinho... a finalidade era realmente ter dinheiro para poder estudar.
P/1 – Mas quanto era? Era acessível?
R – Não, era o valor que o pessoal cobra, equivalente à qualquer cursinho. Quando eu desisti da Petrobrás, a universidade me contratou como professor temporário e me mandou fazer mestrado. Eu saí daqui de Manaus e fui para a USP [Universidade de São Paulo] fazer mestrado em Física. Eu queria Física.
P/1 – E foi para São Paulo?
R – Fui para São Paulo. Lá me aceitaram, mesmo sendo engenheiro para fazer Física. Eu fiz o mestrado e o doutorado...
P/2 – Qual foi a sua tese?
R – Eu fiz o mestrado. A iniciação de mestrado foi sobre: Propriedades Óticas de Compostos de Molibdênio. Molibdênio dopado com hidrogênio, na área de estado sólido. Quando terminei o mestrado, em seguida já fiz o doutorado, continuei lá fazendo o doutorado. O doutorado também foi sobre: Aspectos de Fotoemissão em Compostos de Valência Flutuante. Fiquei quatro anos lá fazendo o doutorado. Quando conclui o doutorado, retornei para Manaus, daí trabalhei na universidade uns quatro ou cinco anos, a universidade me mandou para os Estados Unidos para fazer pós-doutorado. Eu fiquei mais dois anos lá nos Estados Unidos.
P/1 – Continuando esse mesmo trabalho?
R – Já outros trabalhos, na mesma área.
P/1 – Qual é a área da Física?
R – Física da Matéria Condensada. Eu passei mais de dois anos lá e retornei para trabalhar aqui em... do doutorado eu voltei em 1992 e em 1994 me convidaram para ser pró-reitor de pesquisa para graduação da universidade. Eu fiquei até 1997, depois saí e em 2001 me convidaram a me candidatar a reitor. Me candidatei em 2001 e aí foi de 2001 até 2005. Em 2005, me pediram para me candidatar à reeleição, me candidatei e vou ficar no meu segundo mandato até junho do ano que vem.
P/1 – Tudo muito rápido, não? Uma curiosidade, esse tempo que você saiu daqui e foi para São Paulo e depois foi para os Estados Unidos, do que você sentia mais falta daqui? Porque você ficou muito tempo fora.
R – Eu fiquei oito anos fora.
P/1 – Do que você sentia falta daqui?
R – Da minha família.
P/1 – E a comida? Não tinha...
R – Não isso não tinha não. Da família... porque eu estava muito concentrado nos estudos, qualquer coisa estava boa para mim.
P/2 – E o clima? É muito diferente, né?
R – Eu sofri muito em São Paulo, nos Estados Unidos não. Embora seja mais frio lá, mas, em São Paulo as casas não tem calefação, qualquer brecha entra aquele ventinho frio e aí aquilo para mim era um tortura. Os pés começavam esfriar pronto, eu tenho uma péssima recordação do frio de São Paulo, né? Tinha um momento que eu era louco para vir embora, pegar um calor aqui. Essa coisa de ficar todo agasalhado, estudar cheio de pano por cima e ter que fechar tudo, as portas, as janelas, não deixar nenhuma brecha para não entrar aquele vento frio. Lá nos Estados Unidos não, porque lá tem calefação, então está frio lá fora, mas, dentro de casa ninguém sente nada. Nem em casa e nem no trabalho. Então, lá para mim não teve diferença, a diferença grande foi quando eu estava em São Paulo, na USP, em São Carlos. Em São Carlos tem a USP na área de Física, Engenharia.
P/1 – Então o senhor ficou em São Carlos?
R – São Carlos, no Instituto de Física de São Carlos. Nos Estados Unidos foi na Universidade ______ e no Laboratório de _______. Eu fiquei nos dois lugares, dois dias eu passava em um lugar, e três dias no outro, porque eram próximos... próximos uns 50 quilômetros. Eu morava no meio do caminho entre os dois, uns dias eu ia para a universidade e nos outros dias eu ia para o laboratório. Para fazer teoria no laboratório, na área experimental. Eu sou teórico.
P/1 – E nesse percurso dessa trajetória rápida, tem alguma coisa, algum caso que tenha acontecido que você sempre se lembra? Que foi marcante para você, ou na escola, ou na faculdade.
R – Eu fui sempre muito feliz no que eu estava fazendo e no que eu faço. Eu sempre... eu nunca vi nenhuma dificuldade. Têm uns problemas na vida da gente que são coisas naturais, a gente está na vida para solucionar isso aí, se não tiver problema fica monótono. Então é bom a gente ter desafios e a todo tempo resolver problemas. É bom que quando resolve um, surgem mais uns dez na frente, a solução de problemas cria outros problemas. Então, eu gostei muito... eu era muito feliz, tanto quando era aluno de mestrado, aluno de doutorado, lá no pós-doutorado eu vi muito intensamente isso.
P/1 – Mas como é que você se divertia? Porque você era um jovem estudante. Você chegou a ter um grupo de amigos? Saía?
R – Não, eu era muito concentrado na Física.
P/2 – Você se divertia na pesquisa, né?
R – Na Física.
P/1 – Mas, uma namorada? Não pintava...
R – Era casado, já fui casado.
P/2 – O senhor se casou quando?
R – A minha esposa era minha colega de faculdade, ela fazia Engenharia, nós éramos colegas de turma. Quando... eu me formei seis meses antes dela, porque Engenharia era 14 e meio o tempo mínimo, mas, deu uma possibilidade e eu me formei em quatro anos. Ela se formou no normal, no mínimo, em quatro anos e meio. Mas, eu me adiantei um semestre e me formei seis meses antes. Ela fez um concurso para a universidade, para professora de universidade. Quando ela se formou... eu me formei em dezembro, ela se formou em julho do ano seguinte. Quando ela se formou, ela fez concurso, eu já estava dando aula aqui, mas como professor temporário. No final do ano, ela se formou no meio do ano... eu tinha a obrigação de ficar o ano todo aqui, com a promessa de que no final do ano o reitor ia me mandar para fazer mestrado com a universidade pagando as despesas. Quando foi no final do ano ela fez concurso e passou, só que eu era do instituto de Ciências Exatas, e ela passou para a faculdade de Tecnologia. Eu não entrei para a faculdade de Engenharia, eu entrei lá para a Física, no instituto de Ciências Exatas, só que eu fiquei com a promessa de que em dezembro eu ia embora fazer o mestrado e aí nós ficamos numa indecisão, porque ela tinha acabado de fazer concurso e era obrigado que ela tinha que dar aula antes de sair, não podiam liberar porque ela tinha acabado de fazer concurso. Então, tomamos uma decisão de casarmos, irmos embora e ela pedir demissão. Ela pediu demissão, nós casamos na segunda-feira e quarta-feira fomos para a USP fazer mestrado juntos. Ela desistiu do emprego pra gente não perder o nosso tempo. Eu fazia mestrado em Física e ela fazia em Engenharia. Um perto do outro, tinha o bloco da Física aqui e do outro lado tinha o bloco da Engenharia. Foi muito bom, São Carlos é uma cidade pequena, foi muito legal. Quando terminou o mestrado, a universidade a contratou por aquele mesmo concurso e com o compromisso de nos deixar na USP continuando o doutorado. Então a universidade nos permitiu continuar fazendo o doutorado e fez o contrato dela. Daí ela já ficou como professora lá fazendo o doutorado.
P/2 – Deu tudo certo, né?
R – Deu tudo certo. O mestrado nós defendemos no mesmo dia, ela defendeu às nove horas da manhã e eu defendi às duas horas da tarde. E o doutorado também defendemos juntos, só que como eu tive que voltar para Manaus para alugar a casa, eu defendi... no início de fevereiro eu vim para Manaus para alugar a casa, arrumar as coisas e ela defendeu no fim de fevereiro. Aí viemos juntos e quando fomos para os Estados Unidos também fomos juntos fazer o pós-doutorado, eu fui na Física, ela foi na Engenharia. Então foi todo o tempo junto, mestrado, doutorado e pós-doutorado.
P/1 – Mas não teve a comemoração? É impossível não ter uma comemoração depois disso tudo.
R – Tinha comemoração. O mestrado foi engraçado, porque como nós defendemos no mesmo dia. E você estar fazendo uma pós-graduação, um mestrado, tem a questão da monografia, a pressão é muito grande, se termina, ou não termina no tempo certo, e depois tem a defesa com os pares, aquela tensão toda. Eu fiz uma bobagem, eu fui assistir a defesa dela nove horas da manhã, foi a pior bobagem que eu fiz na minha vida, eu quase morro de nervoso assistindo e não pode fazer nada, assiste, né? A pessoa que está lá sabe se defender, mas quem está assistindo não sabe. Fica nervoso, fica torcendo. E nós comíamos marmita naquela época, nós não cozinhávamos. Dois estudantes que só entravam em casa para dormir. Então, nós pegávamos uma marmita e lá em São Carlos como tem muitas universidades, tem muitas casas de família que vendem marmita. Quando enjoávamos de uma, passávamos para outra, passava um mês enjoávamos daquela e ficávamos mudando assim. E depois da defesa dela, meio dia, fomos para casa almoçar, pagamos a marmita e fomos para casa almoçar e não conseguia almoçar, porque quando eu abri a marmita... vocês são do sul?
P/1 – De São Paulo.
R – Pois é, vocês comem aquele feijão branco.
P/1 – Marrom, né?
R – Não aquele branco.
P/2 – O feijão branco que ele está falando.
P/1 – Aquele grande.
R – Com bucho de boi...
P/1 – Dobradinha.
R – Aquilo não entra, feijão branco em mim não entra. Quando eu abri, aquele feijão branco, essa dobradinha aí, eu não almocei, ninguém almoçou. Daí eu fui para a minha defesa sem almoçar. Quando terminou a defesa, na frente da universidade tem uma praça, fomos os dois para aquela pracinha, nós não sabíamos nem o que falar, foi uma descompressão, é pior do que a pressão, quando saiu tudo aquilo a gente não sabia nem o que fazer. Os dois sentados no banco da praça, não dava nem para falar. Aquela sensação da descompressão que dá na pessoa depois de muito trabalho, de muita pressão para concluir no prazo certo, para defender e não ter problema. Esse foi um dia que marcou, essa descompressão que houve. De uma hora para outra acaba todo aquele compromisso, toda aquela... e é muito ruim, né?
P/1 – E depois você arranja outro, né? Outra pressão.
P/2 – Você espera tanto por aquilo.
R – Depois dá um vazio enorme nos dois sentidos.
P/1 – Depois vocês voltaram os dois para cá?
R – Não. Quando a gente fez o mestrado, ela ficou grávida.
P/1 – Qual é o nome da sua esposa?
R – Consuelo. Ela ficou grávida do nosso primeiro filho e ao mesmo tempo a gente estava pedindo à universidade para continuar e fazer o doutorado. A universidade autorizou, daí nós alugamos um apartamento melhor lá. Nós morávamos em uma casa bem pequenininha, alugamos um apartamento melhor, e ficamos mais quatro anos estudando lá em São Carlos.
P/1 – E o bebê?
R – Levei o meu sogro, a minha sogra e a minha cunhada para morar nesse apartamento com a gente, para eles cuidarem do bebê. Minha sogra morou três anos comigo lá, minha sogra, meu sogro e a minha cunhada. Eles moraram três anos conosco e praticamente ela que cuidou do menino.
P/2 – O senhor só tem esse filho?
R – Eu tenho um filho e uma filha.
P/1 – Qual é o nome deles?
R – O menino é Hidembergue e a menina é Melina. Ele se formou em direito e ela está no primeiro ano do ensino médio.
P/1 – Eu queria voltar agora um pouco para a universidade, eu queria aproveitar até que você colocou a sua trajetória aqui, né? Eu queria que você contasse um pouco a história dessa universidade. Porque gente sabe que ela também está comemorando. Conta para a gente um pouco.
R – A universidade na... teve um período aqui no século passado, no século retrasado, que o Brasil era muito distante, o pessoal saía daqui, ou do Pará para ir para o Rio e dizia: “Eu vou para o Brasil.” Era muito distante, e realmente era muito diferente. Houve um período aqui que teve o apogeu da borracha, era um produto que era vendido muito caro. E entrou muito dinheiro aqui no Brasil e em particular aqui no Amazonas. Então teve um período de muita abonança aqui, e foi nesse período, em 1909, que teve um grupo de pessoas aqui, de profissionais liberais, militares, que resolveram criar uma universidade. Não é uma faculdade, eles já pensaram em criar uma universidade com vários cursos. E criaram como chamaram inicialmente a Universidade Livre de Manaus, ficou uns três ou quatro anos Universidade Livre de Manaus e depois ficou só Universidade de Manaus, o nome. Essas pessoas criaram. Tinha o curso de Direito, o curso de Agrimensura, o curso de Odontologia, Farmácia, Obstetrícia - que é parteira, tinham vários cursos naquela época. Os laboratórios, eles viajaram para a Europa e compraram vários equipamentos. Naquela época tinha um laboratório de Física aqui, têm as fotos desse laboratório. Nós temos o relatório dos cinco primeiros anos de gestão, com todos os detalhes. E tinha uma pessoa que era o idealizador de tudo isso, o Eulálio Chaves, era uma pessoa de Minas Gerais, que era do Exército e estava aqui, era o grande incentivador de criar essa Universidade. Na época, eles tinham a plena consciência de que eles estavam fazendo a primeira universidade do Brasil. Não é que agora a gente olhe para trás e analise que foi a primeira universidade do Brasil, eles tinham consciência disso. No relatório da primeira gestão eles escrevem isso, na ata da criação da universidade está isso e nos jornais da época. Os jornais tinham o maior orgulho dessa iniciativa. Mas, com o tempo, foi decaindo a borracha, foi faltando dinheiro aqui e a Universidade se desintegrou em vários cursos separados e um deles, um dos cursos que é o Direito, foi federalizado, passou a ser federal e os outros ficaram abandonados. E na década de 1960 se recriou a universidade, com o nome de Universidade do Amazonas, no início da década de 1960. E o que aconteceu? Pegaram todos os cursos que tinham aqui, que não eram muitos, tinha Economia, Direito, Farmácia, Odontologia. Pegaram esses cursos e reuniram novamente em uma universidade chamada Universidade do Amazonas e a partir daí passou a crescer. Foi se criando o curso de Engenharia, curso de Medicina e em 2002 nós acrescentamos o nome federal, Universidade Federal do Amazonas. Na verdade ela sempre foi federal, desde a década de 1960, só que não tinha o nome federal, era Universidade do Amazonas e nós aprovamos uma lei no congresso mudando o nome para Universidade Federal, embora não tenha mudado nada na estrutura dela, só se acrescentou o federal. Era federal, mas não estava no nome e para distinguir também, porque tem uma Universidade Estadual do Amazonas. E nessa década agora de 2002, a universidade passou por um crescimento muito grande, ela cresceu bastante o número de alunos. Para você ter uma idéia, entravam no vestibular em torno de 1750 alunos e hoje estão entrando quase 5000 alunos no vestibular. Quase triplicou o número de vagas na universidade. Também no início da década tinham cinco mestrados aqui e não tinha nenhum doutorado credenciado pelo MEC, hoje nós temos 31 mestrados e oito doutorados. É um crescimento bem expressivo na área de pós-graduação. Também a pesquisa, os projetos de pesquisa, os grupos de pesquisa no início da década de 2001 eram 31 grupos, hoje tem mais de 220. Além de ter crescido muito tanto na área da graduação e da pós, ela cresceu muito em extensão, ela tem uma atividade de extensão muito grande. Hoje, está havendo... se você for andar aqui nos corredores, está havendo uma mostra, vocês podem até dar uma andada para aquele lado. Então, são centenas de projetos de extensão que estão sendo apresentados aí. Um grande passo que se deu também nessa década foi a interiorização, a universidade implantou cinco institutos no interior, em Benjamim Constam, em Quari, Humaitá, Parintins, Itaquatiara. E são lugares extremamente distantes, Benjamim Constam são 1.100 quilômetros de distância, de avião... Não sei se você conhece o avião da Trip, que faz vôo lá no interior de São Paulo, Paraná, Minas Gerais, a Trip. Ela, daqui para Benjamim Constam, leva mais de três horas de vôo, isso se parar só uma vez, se parar mais demora mais. Eu já fui em um vôo que levou mais de quatro horas: Manaus - Benjamim Constam. Então, o Amazonas tem essa característica de ter um problema de logística muito complexo, ou é avião ou é pelos rios. O problema de mandar material de custeio, equipamentos, etc., vai tudo de barco. Em Benjamim Constam leva de 12 a 15 dias para chegar o barco que saiu daqui. Embora essa dificuldade toda, nós estamos com essas cinco unidades e vamos ter em torno de 7.000 alunos nelas. Hoje, já estamos com 3.900 alunos no interior do estado. E com professores que fizeram concurso para morar lá. Interessante que tem muita gente da São Paulo, Rio, Minas Gerais. Em Quari, 70% dos professores são de fora, não são do Amazonas. São pessoas que vieram da USP, vieram da UFRJ [Universidade Federal do Rio de Janeiro], gente com doutorado e estão morando lá em Quari, em Humaitá, aqui em Itacoatiara, todos eles. A maioria dos professores vêm de outro estado, do Rio Grande do Sul. Todos os estados têm gente trabalhando, dando aula, construindo essas unidades no interior e eles estão adorando viver no interior. Lá em Benjamim Constam, que fica na fronteira tríplice Brasil, Colômbia e Peru, tem uma pessoa do Paraná já com doutorado, pessoa muito qualificada, ele veio do Paraná para ser professor... Rio Grande do Sul... lá em Benjamim Constam, e as pessoas ficam encantadas. Estão lá construindo família, alguns já casaram, estão vivendo lá. Então, a Universidade, nesta década, teve uma expansão muito significativa, tanto na quantidade de alunos, como na qualidade, com criação dos mestrados, dos doutorados, dos programas de extensão, dos projetos de pesquisa.
P/1 – No caso, o senhor enquanto reitor deve visitar os...
R – Sim.
P/1 – E nessas visitas já aconteceu de você estar indo de barco, ou de avião e aconteceu de você não conseguir chegar no dia que...
R – Já aconteceram várias coisas. Já aconteceu de eu ir para Quari e me deixarem lá em Tefé, porque não dava para o avião descer por causa do tempo. E continuei, passei o dia em Tefé, era para eu ir e voltar no mesmo dia. Acabei não indo, fui para Tefé, quando o avião voltou já tive que voltar para Manaus. Então, tem muito disso e têm situações em que a gente vai em avião pequeno, às vezes, como não tem avião de carreira para fazer as formaturas, porque além desses cinco campos da universidade, ela atua em todos os outros municípios com professores de Manaus para lá. Isso aí eu estou falando, os cinco campos onde são unidades permanentes, os professores moram lá, vivem lá. Mas, nós demos muitos cursos, formamos mais de 6.000 professores no interior, com os cursos que foram dados por professores de Manaus. Então, os professores iam daqui, passavam uma semana lá, voltavam, depois ia outro. Então, nós formamos 6.560 professores no interior, com os professores daqui de Manaus. E exigiu um sacrifício enorme, não só institucional, como das pessoas para se deslocar. Na maioria das vezes, não tem avião para ir a todos os lugares, então, no momento da formatura, de formar o pessoal, marcava uma semana para fazer várias formaturas, a gente alugava um avião e saíamos. Pegávamos todo o pessoal da mesa, que iam ser os paraninfos que os alunos escolhiam, os colocavam no avião e iam para esse município. Terminava a formatura, no outro dia, passava para o outro... e aí a gente passa o maior sufoco nesses aviões de 12 lugares, 14 lugares. Temporal, essas coisas.
P/1 – Tem uma coisa interessante aqui, porque você acaba tendo... a natureza que dita, então as pessoas acabam tendo uma certa paciência, um jeito de ver, é diferente.
R – O tempo é diferente. O tempo do interior é diferente do tempo da capital, totalmente diferente. Por exemplo, as pessoas se planejam para uma viagem para Benjamim Constam - Manaus, elas planejam 15 dias, 12, 15 dias de viagem. Então, o tempo é totalmente diferente, a maneira de a gente encarar o tempo. Teve um dia em que a gente foi para Borba em um avião de quatro lugares. No outro dia, para retornar, estava dando um temporal, o pessoal ficou com medo de entrar no avião, os professores falaram comigo e estava inaugurando um transporte fluvial que eles chamam de “a jato”. É um barco pequeno e com bastante potência, ele vem tipo uma voadeira em cima da água, ele gasta seis horas e meia de Borba para cá, é bem rápido mesmo. Nós preferimos vir de barco, é mais seguro e mais gostoso, porque ele vai pela beira do rio. E para mim, em particular, eu sou daquela região do rio Madeira, para mim foi ótimo ter vindo. E parava na beira do rio para comprar biju, essas coisas, fruta, o pessoal compra. Lá, vocês param o ônibus. Param o ônibus na estrada para tomar café, merendar, alguma coisa assim. Aqui, para na beira do rio, já vem uma pessoa com uma fruta, com um biju, com um pé-de-moleque, essas coisas. E aí o pessoal vem comendo. Cheguei aqui... saímos de lá meio dia, chegamos umas sete horas da noite. Foi muito gostoso.
P/1 – Deve ser muito difícil sair daqui, um lugar que tem tanta água, né? Eu pelo menos o pouco que a gente esteve aqui, a gente já viu chover várias vezes, você olha pela janela...
P/2 – Rio para todo lado.
R – É bom viajar, esses aviões menores que voam baixinho você vai vendo floresta e água o tempo todo, chega perto de Parintins é uma infinidade de lagos que tem, você olha, é lago para todo lado, até chegar na cidade. É muito legal. Tem uma coisa engraçada lá de vocês, quando eu estava fazendo mestrado, eu sou do interior e era muito forte em mim essa coisa assim: “De onde tu és?”. “Eu sou do rio tal.” Se você perguntar para mim: “De onde tu és?”, eu vou responder naturalmente que sou do rio Aripuanã. Estava um grupo de professores, nós estávamos tomando café, eu e um grupo de professores tomando café, no corredor tinha lá um cafezinho, tinha uma senhora que vendia café e chá, vendia não, ela servia, o pessoal pagava uma cota para comprar o café e o chá e ela servia. Aí chegou um outro professor, e me apresentaram para esse outro professor e daí ele me perguntou: “De onde tu és?” e eu disse: “Eu sou do rio Aripuanã.” Foi um clima de... um pessoal espantado pela resposta. Porque a resposta de vocês é a cidade, né? “Eu sou de Marília. Eu sou de Ribeirão Preto. Eu sou do rio Aripuanã.” Isso soou totalmente diferente, não é normal. Isso me chamou atenção. Eu nunca tinha pensado nisso.
P/2 – É porque a gente leva ao pé da letra: “Nasceu no meio do rio? Como assim?”
R – Eu nunca tinha sentido essa diferença cultural e me chamou atenção, foi engraçado isso aí. Nós temos o costume de chamar rios aqui e lá as cidades. Aqui é na beira do rio e lá é na beira da BR, na beira da estrada.
P/1 – Não é a toa que vão ter lendas do boto, tudo com água, né?
R – É.
P/1 – O povo é da água mesmo.
R – É água, a infância é pulando na água. A gente chama de pular na água.
P/1 – A gente ouviu o pessoal contando as histórias de pular na água.
R – É pular na água. É nadar, passar a manhã todinha nadando, brincando dentro da água.
P/1 – Eu queria aproveitar um pouco isso da universidade. Porque para nós paulistanos, a questão da Amazônia é muito importante. E é uma curiosidade que eu tenho, uma das coisas que a gente fala muito na escola com os alunos. Eu também sou professora, só que eu sou professora secundária. E tem aquele discurso do Cristovam Buarque sobre a internacionalização da Amazônia, não sei se o senhor chegou a ver. É um debate que teve nos Estados Unidos, na época da primeira eleição que o Bush concorreu com o Al Gore, é que um repórter perguntou a ele o que ele achava da internacionalização da Amazônia, e aí ele questiona isso. E esse é um discurso que é muito discutido nas escolas, eu acho que é uma coisa que é discutida aqui na universidade. Como que é isso aqui?
R – Nós não discutimos isso muito aqui não.
P/1 – Entre os estudantes não é polêmico?
R – Não.
P/1 – Para a gente isso é bastante polêmico.
R – Nós não vemos isso assim não. Lá em São Paulo é polêmico para eles, mas, também eles não fazem nada. É bom para discurso. Na verdade, nós não temos tanto essa preocupação aqui, nós estamos aqui há 500 anos. E nós conseguimos fazer o que ninguém no mundo fez, que é preservar. Se você andar no estado do Amazonas, 95% é exatamente igual ao que era 500 anos atrás. Não falo Rondônia, não falo Pará, mas, o estado do Amazonas é preservado. Então, ninguém pode nos dar exemplo de nada, muito pelo contrário, se você andar o estado do Amazonas todo, é floresta e rio. Então, esse discurso da preservação e da internacionalização, não cabe aqui para nós. Nós estamos fazendo o nosso papel e estamos fazendo. Se nós olharmos na universidade, todos esses programas de pós-graduação, 95% deles estão voltados para o desenvolvimento sustentável. Todos eles têm relação. Se você olhar o problema da Química... química dos produtos naturais, esse é o programa lá. Lá, tem outro programa Ciências Ambientais, outro programa Biotecnologia, pensando nas possibilidades da floresta, outro programa mestrado e doutorado em Pesca Sustentável, ou mestrado e doutorado em Agronomia Tropical, então é tudo voltado para a nossa região. E a melhor maneira de preservar é através do conhecimento, não tem outra saída e nós estamos fazendo isso. O senador falar isso por lá é da boca para fora, sinceramente é da boca para fora, não tem efeito absolutamente nenhum.
P/2 – É a visão de fora, né?
P/1 – Mas é interessante saber que os estudantes acabam sendo envolvidos com a preservação na prática. Dessa forma com o estudo tal, a pesquisa tal...
R – Todos os nossos programas são voltados para a nossa questão regional. Os únicos que fogem disso um pouco são a Matemática e a Física, porque são universais. Mas mesmo assim, eles interagem com os outros programas, então tem essa preocupação inerente dentro da universidade. Esse campus aqui é um exemplo, essa área verde toda nós preservamos. Nós temos uma política interna aqui, um plano diretor, que a própria universidade não pode construir em qualquer lugar, tem dois ______ onde ela pode construir, apenas duas regiões possíveis aqui que nós podemos construir. Foi feito em 1977 esse plano diretor e até hoje foi cumprido. Todas as direções que passam pela universidade retificam esse plano diretor. Então, você anda, o campus todo é verde. Aqui do lado, essa ingazeira que tem aqui, tem dia que está cheia de macaco. Cheia de macaco comendo ingá, eles comem ingá. Ingá é da floresta, é nativo aí. Aqui desse lado tem uma árvore que tem uma fruta, enche de macaco nessa árvore.
P/2 – Que macaco que tem aqui?
R – Aqui tem principalmente o sauim-de-coleira, é um macaquinho assim. Mas, tem outros, o ____ ____ um macaco grande que tem aqui, tem cotia, tem paca, tem jacaré aqui dentro, tem cobra, tem tudo. Nessa entrada que vocês entraram, nessa escada, eu já me deparei com uma cobra andando. Eu ia andando, ela ia andando na frente.
P/2 – E onça?
R – Onça não. A pró-reitora de extensão, ela ia saindo, não tem umas árvores aí em cima no estacionamento? As árvores têm um braço que sai um pouco, ela ia saindo, ela e um professor iam conversando juntos, de repente caiu uma coisa e passou nela, quando foram olhar, era uma cobra que tinha caído do galho. Foi o maior susto que ela levou. Um dia que eu fui entrar no carro, fui abrir o carro e tinha uma cobra em cima do pára-brisa, toda nervosa querendo sair de cima do vidro.
P/2 – E nunca teve nenhum acidente com animais?
R – Que eu conheça não. Teve um acidente com uma cobra, faz muito anos. Aqui de vez em quando faz um negócio que eles chamam de sexta-feira cultural, né? Na verdade, o pessoal vai dançar e beber, essa é a sexta-feira cultural. Aí tinha um grupo de alunos, um professor, desse lado aqui do campus, faz uns 10 anos, e um deles era um pesquisador aqui do Inpa [Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia], um rapaz que estava fazendo doutorado aqui no Inpa e trabalhava com cobras, essas coisas. Ele estava bêbado, né? E no meio do salão apareceu uma cobra, aí ele foi pegar a cobra, porque ele trabalha com isso, só que ele estava bêbado. Ele se descuidou, ela mordeu o dedão do pé dele, aí foi uma agonia, levaram ele para o Instituto de Medicina Tropical e deram soro para ele. Só desse caso que eu me lembro de uma cobra mordeu alguém, só mexendo com ela.
P/1 – Outra curiosidade quanto à origem dos alunos, existem ainda muitas comunidades indígenas, povos indígenas?
R – É muito misturado aqui.
P/1 – E estudam aqui? Que povos são?
R – Os nossos alunos, uns 73% são alunos de escola pública. E nós somos... a maioria são índios misturados, uma mistura de índio com branco, uma mistura danada, o pessoal não se declara, mas eu por exemplo, sou. A minha avó materna tem origem de índia peruana, se você olhar para o meu olho você vai ver que... todos nós temos um pouco disso aí. Mas, tem lugares aqui no estado que realmente é puro, é índio puro mesmo. Lá em São Gabriel da Cachoeira, alto rio Negro, nós formamos umas cinco ou seis turmas de graduação de professores. Professores de Matemática, de Letras, de Geografia, de Filosofia, Pedagogia, formamos várias turmas lá. Mas lá são realmente índios, sem nenhuma mistura e eles têm orgulho disso. Eles são extremamente organizados, muito bem organizados, vem a confederação das Federações dos Índios do Alto Rio Negro, que eles chamam de Foirn, extremamente... politicamente organizados. E têm orgulho de serem índios. Eles querem ser índios. Então, tem uma grande discussão lá, se a universidade continua lá do jeito que é aqui, com esses cursos tradicionais, ou se faz lá uma Universidade Indígena, diferente dessas que nós conhecemos, uma universidade que se trabalhe em cima de projetos, não de disciplina, não tem grade curricular. E esses projetos têm que ser feitos na comunidade, não na cidade, mas lá... então nós estamos trabalhando em projeto para instalar essa universidade indígena lá. Em três rios, fazer três núcleos, no alto rio Negro, no ____, e no _____ e cada um deles é uma língua diferente. Então, tem que ser bilíngue, tem que ser na língua deles. Então, esse é um desafio que nós temos pela frente, porque eles falam a língua deles.
P/1 – E qual é o nome do povo?
R – Lá tem 27 etnias diferentes, mas o principal é o tucano, a etnia tucano é a que predomina, a que tem mais liderança lá.
P/1 – Como é o dia-a-dia de um reitor? Como é o seu dia de trabalho? Como começa, como...
R – Eu chego aqui às 8h-8h30 e aí saio lá pelas 9h horas, às vezes 10h, às vezes, 11h, às vezes, 8h, geralmente já está de noite. Mas, é muito legal isso aqui, é muito bom. Eu não fiz carreira para ser reitor, o meu pensamento foi outro e continua sendo.
P/2 – E o que te levou?
R – As pessoas que insistiram, os colegas, os professores. Às vezes, as pessoas confundem que um bom pesquisador deve ser um bom administrador. É um erro, isso não tem nada haver, pode ser um bom pesquisador e um péssimo administrador, gestor. Mas, teve um ano aí que... logo que eu voltei do pós-doutorado, insistiram muito para eu me candidatar para reitor. Mas, foi uma pressão tão grande, fizeram uma reunião aqui à noite... isso foi em 1995, por aí, 1996, fizeram uma reunião à noite no auditório e me convidaram, eram umas seis horas da tarde, quando eu cheguei lá o auditório estava cheio de professores e lá eu fui saber que era uma movimentação para eu me candidatar. Eu fiquei tão impressionado com aquilo, que eu fiquei com vergonha de dizer não. Eu tive vergonha de dizer não, mesmo não querendo, para você ver como que é o compromisso com os professores, com os colegas. E a minha esposa, que é professora, estava lá também, só que ela era contra. E eu nem tinha conversado com ela, nem imaginava. Daí, eu acabei dizendo que aceitava, porque eu não tive coragem de dizer não olhando para aquelas pessoas. Quando nós fomos para casa, eu passei a noite sem dormir, nem eu, nem ela. Nós nunca planejamos isso. No outro dia, eu desfiz tudo que eu tinha dito, tive que desfazer tudo... só que de manhã a universidade toda já sabia, essas coisas correm rápido. Daí, de manhã, anunciamos que não ia me candidatar.
P/1 – E quais foram as maiores dificuldades enfrentadas?
R – Só para completar, da outra vez fizeram a mesma coisa, daí não deu para negar, eu me candidatei. Me candidatei e o reitor também se candidatou a reeleição e nós ganhamos. Daí eu assumi de 2001 a 2005. Em 2005 eu pensei que já ia para casa, voltar para o meu trabalho e houve de novo um negócio desse e a gente não tem coragem de dizer não, sabe? Não é a gente simplesmente virar as costas para as pessoas. Eles não estavam satisfeitos com as chapas que estavam se colocando e achavam que eu tinha que me candidatar, daí eu tive que me candidatar de novo, eram quatro chapas e ganhamos de novo. Embora tenham muitos problemas, que eu encaro como natural mas, são muitos, e na universidade tudo é feito, tudo é construído democraticamente, discutindo. Nós não tomamos atitudes de cima para baixo aqui, têm os Conselhos, têm os Colegiados. Então, o trabalho todo tem que ser na base do convencimento e as coisas que funcionam bem são aquelas que são pelo convencimento. Depois, quando todo mundo está convencido, todo mundo vai na mesma direção, se não tiver convencido, fica muito ruim tomar uma posição sem convencer o outro. Então, tem que amadurecer, tem que discutir até chegar ao consenso, às vezes, não é o melhor que a gente quer, mas o consenso é sempre o melhor. Porque se todo mundo está no consenso, todo mundo apóia, porque todo mundo se comprometeu, tem compromisso ali. É diferente quando a gente coloca em uma votação de quem é à favor e de quem é contra, o à favor vai ser sempre a favor, e o contra vai perder, e vai ser sempre contra. Então, a melhor coisa é discutir até chegar nesse consenso, daí ninguém é contra. Mas, o importante é que a gente assumir isso, é um momento raro na vida da gente, único, de a gente poder se doar para os outros. A gente não pode fazer sempre isso. Então, aqui é o momento de a gente se doar, de servir, de facilitar que os colegas façam o trabalho deles lá. Então, eu me sinto muito bem nisso aí, eu fico muito feliz em poder, de ter essa oportunidade de ajudar o outro a fazer o trabalho dele. De facilitar, de amenizar, de fazer as pessoas trabalharem juntas, de congregar isso aí. Os problemas têm, todo dia tem problema aqui, porque não existe o mundo ideal. Então, a gente tem que ver as prioridades, tomar as decisões em cima dessas prioridades. Mas, eu me sinto muito feliz... quando têm os problemas, que são problemas grandes, eu recebo isso como uma aprovação, um enriquecimento pessoal meu, não como uma desgraça, uma coisa horrível que está acontecendo. Eu vejo isso aí como uma oportunidade única que os outros não têm, porque não estão num cargo desse, não podem ter a oportunidade de passar por essa provação e enriquecer interiormente. Outra coisa principal é que a gente muda, vai mudando. É impressionante como a gente vai aprendendo e vai sendo outra pessoa. E o melhor de tudo isso aí é que a gente vai sendo uma pessoa mais tolerante do que quando entrou, a gente fica mais tolerante, fica mais compreensivo. Quando eu sair daqui e ver que os meus colegas estão trabalhando, estão dirigindo alguma coisa, ou à frente de alguma coisa, eu tenho certeza que eu vou ser muito mais compreensivo do que eu era antes, mais tolerante. Porque geralmente a pessoa está trabalhando, eu tenho um setor aqui, que depende de outro setor, quando o outro setor não está funcionando bem, esse aqui acha que o outro não está funcionando bem porque ele não presta, não se dedica. Ele não pensa que o outro também tem as limitações dele lá. Ele não faz porque tem as limitações. E daqui a gente pode ver tudo isso, a gente pode ver porque esse está indo bem e esse não está e qual é a razão de ele não estar indo. Ele ter as limitações dele. Então, nisso aí a gente passa a ser melhor do que era antes, a pessoa fica melhor.
P/1 – E desde que o senhor se tornou reitor, teve algum fato marcante que o senhor destacaria? O que foi mais marcante?
R – Tiveram vários fatos marcantes, positivos e negativos. Negativo, por exemplo, nós fizemos um convênio com o TRE [Tribunal Regional Eleitoral], para ajudar a fazer o monitoramento, a contagem dos votos para as eleições de governador, prefeito, essas coisas. No interior do estado, em todos os lugares, via satélite, para transmitir a eleição, chegar o resultado e ser dado no mesmo horário que nas capitais. E no Amazonas é muito diferente, então nós fizemos um projeto com os alunos da Universidade para no dia da eleição mandar os alunos para o interior com notebook e via satélite lá das comunidades indígenas transmitir os votos para que o resultado do Amazonas saísse junto com o resultado do país, via satélite. O que nós chamamos de agente tecnológico. Então, nós mandamos, fizemos esse convênio e passamos a presidir as mesas de apuração aqui na capital. E no interior mandamos um grupo de alunos para todas as comunidades indígenas, ribeirinhas, com notebook e aquele telefone “globosat”, para mandar diretamente por satélite de lá para cá o resultado das urnas, ao mesmo tempo em que se abria em Manaus. Então, nesse ano, o resultado da eleição no interior saiu até antes da capital e nessa ida de alunos, foram mais de 200 alunos, caiu um avião. Um desses aviões pequenos caiu e morreram três. Isso para mim foi o momento mais difícil de conviver, eu fui para lá para ajudar a encontrar o avião, os corpos, fui ao local onde eles estavam depois de três, quatro dias. Então, esse foi um momento muito marcante para mim, foi uma provação muito grande, onde morreram esses três estudantes. Têm momentos de muita alegria também, por exemplo, essa implantação das unidades do interior, nós estamos dando oportunidade à 7.000 ribeirinhos para serem alunos da Universidade Federal, então isso é motivo... principalmente eu que sou do interior e se não tivesse oportunidade de vir estava na popa da canoa remando por aí. Então, quando eu vou ao interior e entro em uma sala de aula e vejo os filhos de seringueiro, filhos de pescador, de agricultor, todos fazendo uma universidade, uma universidade federal, com qualidade, esse é um motivo de muita alegria. São milhares de pessoas que vão ter uma ascensão social, vão mudar de nível, né? Porque antes, raramente alguém podia vir para cá, quem que em Benjamim Constam ia fazer vestibular aqui? Com que dinheiro? A passagem de Benjamim Constam para cá de avião, só a vinda é R$ 1.200, de barco é R$ 300, o pessoal vai vir para cá e morar onde? Então, eles não podem vir para cá, nós estamos levando para lá. Isso aí é a coisa mais espetacular que pode acontecer com o pessoal do interior. Daí, eu entro em uma sala, tem aqueles meninos de 17 anos, de 18 anos tudo fazendo faculdade, eu jamais imaginava um negócio desses. Tem uma situação, eu estava em Maués, eu fui fazer uma formatura dessas que eu falei, que o pessoal vai daqui para o interior dar aula, vai outro e volta. Eu fui abrir cinco turmas de Pedagogia. Os professores do interior davam aula para o ensino fundamental, mas, não tinham nível superior. Então, nós pegamos e fizemos um convênio com as prefeituras para pegar todos esses professores que davam aula e não tinham nível superior, colocamos para dentro da universidade e formamos 6.550, 6.600 professores. Então, lá em Maués nós abrimos de uma vez cinco turmas de Pedagogia, eu fui fazer a abertura lá, o início das aulas, é uma festa isso aí. Eu estava no hotel lá, um hotelzinho que tinha lá e tinha uma moça limpando o chão, devia ter uns 17 anos e ela passava o dia lá. No outro dia... eu vi que ela não estudava, porque ela estava o dia todo lá e não devia estar estudando. Antes de eu ir para o colégio, lá nós não temos universidade, é um colégio que a gente pega emprestado para dar as aulas do curso de Pedagogia. Antes de eu ir para lá eu perguntei para ela o que ela estudava e ela disse que não estudava. Eu perguntei: “Mas por que não estuda?”. Ela respondeu: “Já terminei o ensino médio e não tem mais nada para fazer aqui.” O que ela estava fazendo agora? Lavando o chão do hotel. E qual a perspectiva dela? Nenhuma. Aquilo me arrasou, a gente vê aquilo, a gente pensa em um filho da gente. O que a gente pensa de um filho da gente? Perspectiva para o futuro. Está todo o tempo preocupado com o que ele vai fazer, o que vai estudar, o que ele vai ser. A gente vê o filho do outro sem perspectiva nenhuma. Acabou ali, ela morreu ali já. Isso dá vergonha na gente. Eu fiquei com vergonha disso. Antes de ser reitor da universidade, me deu muita vergonha. Isso foi uma coisa que marcou também, esse quadro aí foi um negócio que... foi antes de nós criarmos as unidades do interior. Então, isso aí é comum em todo o Amazonas, a pessoa terminar o ensino médio e começar de novo. Termina o ensino médio, e começa de novo para não ficar sem estudar. Termina e se matricula de novo para não ficar sem estudar, com aquela esperança de um dia ter uma oportunidade. Isso tem muito, ainda tem. Nós estamos atingindo os cinco municípios mais importantes, principalmente os mais distantes, como Benjamim Constam e cada município desse não serve só ao município, serve àquela redondeza toda. Por exemplo, Benjamim Constam tem um campus lá que serve nove municípios em volta. Mas, mesmo assim não atinge todo o estado e essa situação continua. Então, a criação do campus é uma maravilha. Esse programa de mestrado que nós temos aqui de 31 mestrados e oito doutorados também é uma coisa de muita alegria. Porque antes, para você ter um mestrado, você tinha que sair daqui. Quem podia ir? Só quem tivesse sorte de entrar na universidade, porque a única que faz isso é a universidade. A universidade me pagou oito anos para ficar estudando. Quem vai me pagar oito anos? Meu salário integral e uma bolsa para ajudar no aluguel, durante oito anos. Quem vai fazer isso? Só a universidade. Eu e a minha mulher, oito anos. Quando eu fui pró-reitor de pesquisa de pós-graduação em 1994, por aí, nós mandamos de uma vez 263 professores para fazer mestrado e doutorado fora. Esse resultado de ter um monte de mestrado aqui é esse pessoal que voltou. Voltaram e começaram a criar os seus mestrados quando voltaram com doutorado. De uma vez, havia mais de 260 pessoas fora do Amazonas estudando, tudo pago pela universidade.
P/1 – Olhando a sua vida, a sua trajetória, porque hoje nós fizemos uma volta, né? Fomos lá trás... você olhando toda essa sua trajetória, a sua vida, o que você diria que foram as suas principais lições?
R – É difícil, né? Eu não tenho arrependimento de nada, de nada até hoje. Eu acho que sempre fiz o que eu gostei de fazer. Eu só fiz o que eu gostei de fazer. Eu abandonei, eu desisti da Petrobrás para ser professor temporário, sem garantia nenhuma. Mas eu fiz aquilo porque eu queria estudar Física e a universidade me deu essa oportunidade, me pagou durante oito anos, eu fiz mestrado, doutorado, pós-doutorado e sempre eu fiz o que eu quis fazer. Escolhi a área em que eu queria trabalhar, ninguém disse: “Essa área.” Não, eu escolhi. E dentro da universidade é sempre assim, nós escolhemos aquilo que nós queremos fazer e até hoje é assim, eu pesquiso aqui o que eu tenho vontade de pesquisar. Então, fiz e sempre gostei de fazer com muito entusiasmo. E tem que ser assim, se a pessoa não tem entusiasmo as coisas ficam muito mais difíceis. Quando eu fui para a gestão da universidade, tanto no início como pró-reitor de pesquisa de pós-graduação, tanto como reitor, também foi um momento que eu tive vontade de fazer isso, que eu achava que podia socializar o que eu tinha com os outros. Quando eu fui para a pró-reitoria de pós-graduação, eu fui com muito entusiasmo, eu tinha o que oferecer. Quando eu vim para a reitoria, as duas vezes eu também tinha o que dar. Com muita vontade e continuo tendo o mesmo entusiasmo que eu tinha oito anos atrás quando eu comecei na reitoria. Vamos terminar em julho, mas com a mesma vontade que eu tinha no início. Então, tudo que eu fiz me marca, eu não tenho assim uma coisa extraordinária, porque eu sempre fiz o que eu gostava de fazer. Não fiz nada na minha vida profissional por obrigação. Se eu pudesse pagar para fazer o que eu faço, eu pagaria para fazer o que eu faço aqui.
P/1 – O que seria a sua principal realização?
R – Eu acho que foi fazer Física. Porque Física foi uma coisa que eu sempre quis fazer, desde garoto eu queria fazer Física. E vou continuar fazendo, quando eu sair daqui, estou com mil planos para quando eu voltar para o departamento e começar a trabalhar.
P/2 – Quais são os seus sonhos?
R – Meu sonho é voltar a pesquisar e publicar como eu fazia antes. E, às vezes, isso me chateia, porque aqui eu não tenho tempo para isso, eu não tenho tempo nenhum. Então eu tive que parar, e às vezes me chateia isso aí, né? A gente não poder fazer as duas coisas ao mesmo tempo, é impossível. A não ser que a gente tivesse um apoio muito grande de um grupo, como nós somos pequenos aqui, somos poucos. Nós não temos alguém aqui que se possa tirar do grupo para ser reitor e essa pessoa ainda continuar produzindo. Eu tive que me dedicar com tempo integral para cá. A maior realização realmente é essa, é ser Físico, essa é a minha principal realização.
P/1 – E quando a gente fala futuro, o que o senhor visualiza para o futuro?
R – Quando eu sair daqui da reitoria, eu cumpri todas as minhas obrigações...
P/2 – Se não for reeleito de novo...
R – Não pode, a lei não permite isso. Mas eu digo o seguinte, quando eu vim para cá, eu vim para atender uma parte da comunidade que desejava, então era quase uma dívida, eu tinha que ir se não eu ficava devedor disso aí. Agora, eu sinto que eu cumpri tudo o que me pediram para fazer. Ninguém pode me cobrar... absolutamente nunca mais, ninguém pode me cobrar assumir cargos administrativos na universidade. Então, o meu grande sonho para o futuro é ser professor, trabalhar com aluno. Essa é a melhor coisa que tem. Imagina eu voltar lá para a Física e não ter preocupação nenhuma administrativa, de toda hora estar tomando decisões diferentes para questões diferentes. O que eu vou fazer? Estudar e conversar com aluno, dar aula, conversar com aluno, orientar, sentar e ficar conversando sem me preocupar com o tempo. Meu maior sonho é voltar para dar aula e orientar. Já estou comprando os livros, hoje deve estar chegando um livro que eu mandei buscar por ______. Estou louco para esse livro chegar, que eu quero começar a ler, estudar, né? Mais mesmo é estudar, não é ler. Sentar para estudar. Então o meu maior sonho é voltar a ser professor. Imagina o seguinte, eu saio de casa, vou para o meu gabinete, estudo, dou a minha aula, volto para casa sem compromisso nenhum, à noite entro na internet para pesquisar revistas, não tem coisa melhor que isso. Quer dizer é um hobby, né? Não é trabalho. Então, o meu maior sonho é voltar a dar aula. Ter a vida normal do professor.
P/1 – Tem uma coisa, a gente está fechando já. Em relação ao próprio Banco do Brasil, né? Assim como a universidade vai fazer 100 anos, o Banco do Brasil daqui de Manaus Também completou 100 anos.
R – Esse ano, chegamos juntos.
P/1 – Isso. Na sua opinião, no seu modo de ver, qual seria a importância do Banco do Brasil aqui para essa região?
R – O Banco do Brasil, desde o início, é um fator de desenvolvimento daqui. É impossível ter desenvolvimento da região Amazônica sem o Banco do Brasil. Em todos os aspectos da região. E para a universidade é um parceiro primordial. Nós tínhamos um banco aqui quando eu assumi, tínhamos um banco privado, não precisa citar o nome. Eu tirei e chamei o Banco do Brasil para cá. Eu não podia entender como dentro de uma universidade federal tinha o banco privado e não estava o Banco do Brasil. E foi a melhor coisa que nós fizemos. Foi difícil, no início, porque ninguém tira o banco privado com muita facilidade, mas, nós fomos firmes e no momento que completou o ano de renovação, nós não renovamos. Um mês antes, comunicamos o banco, trouxemos o Banco do Brasil. E o Banco do Brasil tem sido um grande parceiro da universidade, um dos parceiros principais da instituição. Para você ter uma ideia, o banco está... fizemos um contrato que vai construir aqui dentro do campus uma área de convivência enorme de 6.000 metros quadrados, onde vai ter a agência dele. Vai ter a agência do banco, vai ter o restaurante dos alunos, o restaurante dos professores e livraria, né? Academia de ginástica, correio, vai ter tudo aqui dentro. Graças à essa parceria. Certamente, o banco privado não ia ter esse compromisso social com a universidade de fazer uma área de convivência, que para nós é muito importante, é a humanização do campus. Nesse contexto, é a humanização do campus, as pessoas passam o dia aqui, ter um espaço para poder descansar, conversar, o cabeleireiro para as professoras. Os funcionários, às vezes, vão para uma formatura, saem correndo daqui para irem ao cabeleireiro ainda. Tudo isso aí é um transtorno enorme para as pessoas e tendo aqui dentro é a facilidade. A academia de ginástica, com esse trânsito louco que está aqui e em toda a parte do Brasil o trânsito está assim, as pessoas saem daqui às cinco, seis da tarde e vão para uma academia, enfrentam um trânsito horrível para chegar na academia e depois vão para casa. Ao passo que uma academia aqui dentro, a pessoa faz a academia, quando sair daqui o trânsito já está mais calmo, é muito melhor. Então, essa parceria com o Banco do Brasil foi extraordinária para a universidade. E o tratamento dos funcionários, o atendimento, realmente é uma comunidade que tem aqui a universidade e o Banco do Brasil trabalhando juntos.
P/1 – Quanto a esse projeto, o Banco do Brasil está fazendo esse projeto de comemoração dos 200 anos, de contar a história. E através dos biomas. Inclusive o senhor faz parte desse nosso trabalho aqui. O que o senhor acha dessa idéia? Desse projeto de resgate?
R – Eu não conhecia, eu soube agora desse projeto. Mas, realmente vai fazer com que os brasileiros conheçam o Brasil. Imagine de cada ponto do Brasil, a gente juntar todas essas histórias e quem conseguir ler todas realmente vai ter um conhecimento do nosso país. Realmente, é muito diferente o que é aqui, o que é no Rio Grande do Sul, o que é no Nordeste, o que é no interior de Minas Gerais, é tudo muito diferente. Mesmo no Amazonas, se nós formos olhar os detalhes, têm umas diferenças de microrregiões enormes aqui. Se você sair daqui e for lá para Roraima, já é bem diferente lá. Não sei se vocês vão por lá, é bem diferente. Já não é tão... é Amazônia, mas não é a mesma coisa. E o brasileiro conhece muito pouco o Brasil, em particular, conhece muito pouco a Amazônia.
P/1 – E o que o senhor achou de participar dando o seu depoimento?
R – Eu fiquei muito feliz, foi um momento também em que eu dei uma olhada para trás, tem muitos anos que eu não olho, né? E ter a satisfação de relembrar o que foi ocorrendo comigo e com a universidade.
P/2 – Tem alguma coisa que a gente não tenha colocado na entrevista que o senhor queira falar?
P/1 – Uma mensagem?
R – O que a gente vai se lembrando assim... eu me lembro que realmente era muito forte essa questão de eu fazer Física, de ser físico. Era uma coisa que me... era uma coisa que eu estava estudando e que me dava muita emoção. Quando a gente quer entender a natureza e quando a gente compreende alguma coisa, a gente sente uma emoção enorme. Até de abrir um livro e ver um assunto que toque em você. Então, era uma verdadeira paixão que eu tinha, era uma coisa esquisita mesmo, era uma paixão enorme. Quando eu fiz concurso para a Petrobrás, eu larguei porque eu não aguentei, eu ficava pensando assim: “Mas eu não vou mais estudar? Eu não vou mais fazer Física, mestrado em Física. Eu vou deixar de ler aquelas coisas, de me aprofundar naquilo.” Talvez nem fosse, talvez a Petrobrás até tivesse feito alguma coisa na área de pesquisa. Mas eu ficava extremamente desgostoso quando eu me lembrava, quando eu passava na frente de uma livraria, eu imaginava que eu não ia entrar mais em livraria nenhuma. Sem dinheiro. Eu imaginava que não ia mais estudar. Então essa coisa forte, essa emoção forte com uma certa matéria, com um certo assunto, foi que mudou a minha vida mesmo, o que delineou a minha vida mesmo. E eu nunca me arrependi, embora eu saiba o que era a Petrobrás na época. Não sei o que é hoje, mas, na época era uma coisa que qualquer pessoa gostaria de ser por causa do salário e das condições do trabalho. Naquela época, tinham aqueles planos de saúde deles, que eram extraordinários e já tinha naquela época. E o salário que eram 17 por ano, além do 13º salário, ainda tinham mais quatro, além de ser um salário bom. Eu acho que a lição disso aí é a gente fazer aquilo que realmente a gente tem gosto de fazer, a felicidade realmente não é material, é interior. Se a gente não estiver bem dentro da gente, não tem bem nenhum que vá melhorar. Então, eu acho que tive muita sorte de tomar essa decisão.
P/1 – Obrigado, adoramos.
P/1 – Em nome do Museu da Pessoa nós agradecemos.
R – Obrigado.
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