P - Senhor Geraldo, para começar eu queria que o senhor falasse o nome completo do senhor. R - Geraldo Soares Pereira. P - E quando que o senhor nasceu? O dia, o mês e ano. R - Nasci no dia 05 de março de 1932. P - E onde que o senhor nasceu? R - Em Montes Claros. P - Em Minas Gerais? R - É, mas, não foi bem na cidade, foi um município de Santa Rosa de Lima. Foi um município onde nós morávamos. Fica pertinho de Montes Claros, mas lá nem cartório tinha, a gente tinha que registrar em Montes Claros. O nascimento foi lá, mas depois levou o registro para registrar lá. Que quando foi para eu vir para São Paulo, fui obrigado a tirar o registro. Eu já tirei o registro com 14 anos, porque naquele tempo era tudo mudado, era parado demais. A senhora vê como meu pai pagava para “mó” de eu estudar. Eu agradeço a ele porque eu aprendi escrever meu nome, que eu era distraído. Ele vendia o leite e pagava o salário para o professor para a gente aprender número e escrever o nome. P - Eu gostaria, então, que o senhor falasse agora o nome do seu pai. R - Zeferino Pereira dos Santos. P - E o nome da sua mãe? R - Maria Soares Borges. P - E qual que era o trabalho que eles faziam? R - O meu pai trabalhava na lavoura, era lavrador. A minha mãe cuidava da casa, porque nós somos oito irmãos. P - O senhor lembra o nome dos irmãos do senhor? R - Lembro. A primeiro, mais velha, é Augusta; a segunda é Ana; o terceiro sou eu; o quarto é o Severo; o quinto é o Mário; o sexto é o Vicente; e aí que vem a Maria das Graças. Ah, o outro foi o que morreu. Ai fez oito. P - O pai do senhor plantava o que? R - Plantava milho, arroz, feijão, cana, tinha engenho, moía, fazia rapadura. Para vender, naquela época não tinha açúcar nem para fazer remédio. E a gente tinha que se virar com a rapadura. A gente tinha o engenho, plantava a cana, fazia o engenho, fazia a rapadura e vendia para a cidade. Porque é para...
Continuar leituraP - Senhor Geraldo, para começar eu queria que o senhor falasse o nome completo do senhor. R - Geraldo Soares Pereira. P - E quando que o senhor nasceu? O dia, o mês e ano. R - Nasci no dia 05 de março de 1932. P - E onde que o senhor nasceu? R - Em Montes Claros. P - Em Minas Gerais? R - É, mas, não foi bem na cidade, foi um município de Santa Rosa de Lima. Foi um município onde nós morávamos. Fica pertinho de Montes Claros, mas lá nem cartório tinha, a gente tinha que registrar em Montes Claros. O nascimento foi lá, mas depois levou o registro para registrar lá. Que quando foi para eu vir para São Paulo, fui obrigado a tirar o registro. Eu já tirei o registro com 14 anos, porque naquele tempo era tudo mudado, era parado demais. A senhora vê como meu pai pagava para “mó” de eu estudar. Eu agradeço a ele porque eu aprendi escrever meu nome, que eu era distraído. Ele vendia o leite e pagava o salário para o professor para a gente aprender número e escrever o nome. P - Eu gostaria, então, que o senhor falasse agora o nome do seu pai. R - Zeferino Pereira dos Santos. P - E o nome da sua mãe? R - Maria Soares Borges. P - E qual que era o trabalho que eles faziam? R - O meu pai trabalhava na lavoura, era lavrador. A minha mãe cuidava da casa, porque nós somos oito irmãos. P - O senhor lembra o nome dos irmãos do senhor? R - Lembro. A primeiro, mais velha, é Augusta; a segunda é Ana; o terceiro sou eu; o quarto é o Severo; o quinto é o Mário; o sexto é o Vicente; e aí que vem a Maria das Graças. Ah, o outro foi o que morreu. Ai fez oito. P - O pai do senhor plantava o que? R - Plantava milho, arroz, feijão, cana, tinha engenho, moía, fazia rapadura. Para vender, naquela época não tinha açúcar nem para fazer remédio. E a gente tinha que se virar com a rapadura. A gente tinha o engenho, plantava a cana, fazia o engenho, fazia a rapadura e vendia para a cidade. Porque é para comprar as coisas, que a gente tem muita coisa que precisava comprar. O milho, arroz, feijão, banha, nós não comprávamos. E nem carne. Que nós tínhamos de tudo. P - Isso tudo era onde o senhor morava? R - Era onde eu morava. P - E como que era a casa do senhor? O senhor lembra? R - A nossa casa era feita de pau-a-pique. Era “barriada”. Sabe como era o material antigamente? A gente tinha a madeira no mato e fazia as parede, aí variava tudinho com taboca e enchia tudo de barro. Fazia aqueles “buracão” para agarrar as pessoas, enchia tudo de barro. Acabava, ia na mangueira, pegava bosta de gado, misturava com a água e com areia e passava. Era o concreto e a tinta. Nunca mais se acabava. A bosta de vaca com areia e água vira um concreto que eu vou dizer para a senhora. Outra coisa: não "esbarranca", não acontece nada. Bicho não entra, nem nada. P - E não chovia também, não entrava água? R - Não molhava, se molhasse tinha que desmanchar para fazer de novo. Quando eu era criança, tinha “vara” de uns 12 anos, eu não aguentava trabalhar, mas ia levar comida para eles. Tinha uma madeira com nome de ximbuva e outra com nome de tapicurú. A ximbuva até está fazendo muda aí, faz canoa dela, faz tudo. Eles faziam aquelas bicas e colocava em cima do “escaibo” e aí ficava para nunca mais. Nem molhava e nem esquentava, nem nada. Aí punha uma capa em cima e pronto. Nunca mais molhava e nada. A telha de cerâmica deu trabalho para eles descobrir para fazer. Até que fizeram. Quando fizeram, o pessoal virou tudo na cerâmica. Hoje ninguém mais quer saber mais de nada. Então, tirava a “tábia” também de ximbuva. Cortava mais ou menos na base dos cinqüenta centímetros e aí aquele tronco. E tinha um facão próprio para tirar. Tirava aquela “tabinha” e cobria a casa, com prego. Eu queria ver molhar dentro Ou então, cobria de capim também. Tinha o capim de sapé que era arrancado, cobria. Mas, a de madeira era melhor porque evitava mais o fogo. O capim é mais perseguido pelo fogo. Então, a gente passou por tudo isso na vida. P - Pegava fogo fácil? R - Às vezes queimava a casa. Todo ano naquela época, tinha que queimar os pastos, porque vinha outro pasto novo. Queimava aquela praga que tinha aqui antigamente. Não ficava nada. Vinha tudo de novo. Então, parece que a vida trocava até da criação. Parece que trocava. Ficava comendo capim novo e tal. Ficavam os pastos velhos, você ia, tocava fogo, queimava tudinho. Não ficava nada. Aí vinha tudo de novo. A vida parece que trocava. A lei mudou, tudo bem. O fogo queima mesmo. É o ninho de passarinho, queima isso, queima aquilo. Mas, naquela época, queimava isso tudo, parece que era melhor ainda (riso). Parece que era melhor até para o passarinho produzir. Hoje queima e acabou, não sei para onde vai. Some, está sumindo. Naquela época não, rendia mais. P - Senhor Geraldo, o senhor lembra que quando o senhor era criança, que brincadeira que tinha? O senhor tinha brinquedo? R - Se eu falar para senhora, a senhora nem acredita. Quando eu era criança, que eu tinha de oito anos para nove, a gente vivia brincando. Tinha o gado, tinha o animal, mas a gente não podia porque a gente era criança. Não podia montar a cavalo, nem nada. Aí tinha aquela "brisaria": "O que nós vamos fazer?”. “Amanhã nós vamos campear." Aí eu saía no mato e na roça, pegava aquelas “canos” de milho e cortava. Pegava e passava. Até hoje eu faço isso. Passava a faca de um lado e outro e dava um "taizinho" nele, uma machucadinha por baixo. Ele virava a orelha de um cavalo. Aí a gente pegava uma cordinha e punha na cabeça dele. "Para onde nós vamos?" "Vamos campear um gado." E saía dentro dos matos, nas estradas, montado naquele cavalo (riso). Era desse jeito. E aí passava o dia. E “oi”, se um estragasse o do outro, tinha que pagar. Ainda tinha mais isso. Aí: "E agora? Você quebrou meu cavalo. Eu quero outro". "Não, amanhã eu vou lá na roça e trago outro." Aí ia lá, pegava outro, fazia e trazia. Por ali parou. Agora, virava no negócio de mexer com o movimento de carroça, cavalo. Então, tinha uns carrinhos que a gente fazia de duas rodas. Aí empurrava aqueles caixotinhos e saía puxando, montado em cima, puxando aquele carrinho (riso). Naquele tempo não tinha carroça de animal, não, tinha só de boi. Aí demorou e veio essa carroça de animal, que eles fizeram a roda, a roda não agüentava rodar, aí colocaram uma chapa. Aí passava em cima dos pedregulhos, tudo bem. Mas, não tinha não. Só tinha o carro de boi e a roda com. Aí a gente via aquilo e fazia. E outra coisa, uma árvore igual essa aí, a gente tinha um balanço e balançava. Pulava no balanço subia para lá e para cá. "Agora eu. Agora eu." Aí, com pouco passava o tempo. E pronto. Não tinha escola, não tinha nada. Agora, na minha época, eu peguei essa escola, que meu pai falou assim: "Eu vou pôr ele para estudar porque ele é um pouco inteligente". Porque eu aprendi tocar viola sozinho. Ninguém me ensinou. Ele mesmo, ele nesse ponto, foi contra. Ele me criou, tudo bem, mas ele falava que a gente ia tocar viola, que a gente ia virar vagabundo, não queria plantar roça (riso). Ele falava e eu escondia. Tinha uma viola e escondia. P - Então, o senhor era criança quando apareceu a viola? R - Meu pai tinha a viola só que ele não deixava eu pegar. Aí, eu lá tinha uns taquaruçu, um gomo bem comprido. A gente sempre tem um guri, que a gente sempre trabalha muito com ele. Aí eu falei assim: “O que nós vamos fazer?". Ele falou: "’Vamos inventar, vamos pegar aqueles gomos de taquaruçu, vamos inventar qualquer coisa?". "Vamos." O taquaruçu tem uma fibra muito forte. Aí nós pegamos o gomo dele e tiramos aquela fibra. Tirou, abriu um buraco no meio dele. Quando acabamos, pegamos uns cavaletes e pusemos lá naquelas fibras. Aí passava o dedo. Mesma coisa de um cavaquinho. Agora nós estamos bem. Vinha aquela molecada, as meninas. "Ah, vai chamar o fulano para vir tocar para nós." "Meu pai não pode saber." Tudo era escondido. Você já pensou uma coisa dessa? E nós fazíamos festa da molecada e ninguém sabia. Com essas violas. Quando ele veio descobrir, (riso) foi um pau que eu vou te falar Que nós estávamos aprendendo a tocar, que nós tínhamos que aprender a trabalhar. Mas, aí, eu fiquei devendo a ele uma obrigação, que ele me pôs na escola. Eu fui na escola, tinha uma vizinha minha também que ia, uma menina. Eu tinha 12 anos e a menina tinha dez. E eu comecei a gostar dela. A gente guri, andando lá e começou a amizade. Não tinha jeito que eu fazia para aquela menina sair da minha idéia. Sabe o que é que aconteceu? Quando a pessoa pegava o primeiro grau, o governo mandava chamar, ele ia para a cidade. Porque não tinha outra pessoa. Ele ia para lá. Ou ele ia dar aula ou ia trabalhar para o governo. Aí a menina pegou o primeiro grau, levaram ela para a cidade. Quase morri. (riso) Fiquei sem saber o que é que eu fazia. Eu inventei até uma música dela. P - O senhor fez uma música para ela? R - Ela mandou chamar lá e eu fui. Chegou e ela falou: "Mandei chamar porque você disse que fez uma música lá". Ela ainda não tinha arrumado outro. Já fazia uns dois anos. Aí ela me perguntou: "Você ainda quer bem a gente?". Eu falei: "Ah, agora não tem mais jeito. Já arrumei outra". (riso) Mas aí já estava com dois anos. P - Senhor Geraldo, você está falando aí que o senhor tocava viola. Como é que o senhor aprendeu a tocar bonito assim? R - Pois, é. Até agora eu estou sem saber, porque eu comecei a tocar era já de taboca (riso). P - E quem ensinou? O senhor aprendeu sozinho? R - Pois é. Foi a natureza, porque o meu pai não ensinava, disse que a gente ia virar vagabundo. A gente fez essas violas lá e começou a tocar. Dali passou para um cavaquinho e do cavaquinho passou para o bandolim, foi enrolando, com pouco estava na viola. E aí passou para o violão. Agora vim parar na viola. P - Mas, o senhor comprava a viola escondido do seu pai? Como é que era isso? R - Não. A viola eu fiz e eu tocava na viola dos outros escondido. Para “mó” de ele não ver. Não, ele não deixava não. Eu devo obrigação para ele. Foi até bom ter segurado porque se deixasse eu tinha virado, mas eu gostava muito dele também e ele gostava muito de mim. Ele falava: "Eu não quero, porque os filhos da gente viajam, já não param mais em casa". E aí o pessoal começou a me perseguir. Ele falou assim: "Olha, tem um casamento lá”. Aí eles falaram assim: “Seu Zeferino, o Geraldo vai tocar no casamento". P - Quantos anos que o senhor estava? R - Eu estava com 14 anos. Aí ele falou assim: "Mas essa semana não dá porque nós temos que levar uns mamões para fazer rapadura de mamão". Já pensou uma coisa dessa? Fazer rapadura, ralar o mamão e fazer o doce de mamão, mas como uma rapadura. Aí eu fiquei assim: "Mas não é possível". Aí chorei de raiva (riso). Chorei mesmo, com vontade de ir na festa. Depois, quando chegou perto do dia da festa, ele falou: "Nossa, filho, você também vai e tal". Aí ele foi, chamaram ele lá e fizeram uma reunião. Ele falou: "O senhor pode deixar ele ficar à vontade, que ele não faz nada contra. Ele está fazendo a coisa tudo direitinho. A inclinação dele é negócio da música”. Se tivesse me deixado, eu solto, daquela vontade, hoje eu já era outra gente. Porque eles queriam me segurar lá em São Paulo, na pensão mesmo. E tinha um cara lá que queria me segurar. Porque tinha uns meninos lá mexendo com cavaquinho e nós ficamos 12 dias esperando o trem. Aí eu comecei a andar por lá e tomar conhecimento. Comecei tocar o cavaquinho, ele me chamou lá. O cara falou: "Não. Para onde é que você vai?". "Não, ele está me chamando ali e eu fui". Ele não queria que eu ficasse lá em São Paulo. P - Deixa eu entender um pouquinho. O senhor tava lá em Montes Claros. R - Em Montes Claros. P - Como é que apareceu essa história de São Paulo? R - Não. A história de São Paulo apareceu porque meu cunhado veio para Paraná, administrar uma fazenda. De um cafezal. Aí ele me chamou para “mó” de eu ir. Que a cada seis meses ele ia lá em Minas. "Vamos?" Falei: "Não vou". "Não, vamos." "Então, fala com meu pai." Tinha 16 anos e ele só tinha a ordem dele. Aí ele: "Se ele quiser ir é bom. Pelo menos ele aprende a trabalhar". Aí eu fui colher café com ele. Cheguei lá no Paraná, eu vim para São Paulo. Cheguei em São Paulo, encontrei a família da minha mulher que morava junto conosco. E eu sou mais velho que ela três anos. Naquela época eu estava com 18 anos e ela estava com 13. Eu ficava olhando, falei: "Não dá rock". E quando foi no fim, deu. Aí fui ficando (riso). Aí eu fiquei com ela lá em São Paulo. P - Aí o senhor casou com ela lá? R - Aqui em Mato Grosso. Eu vim de lá. Aí os pais dela falaram: "Nós vamos comprar um sítio lá em São Paulo porque vamos vender aqui, porque aqui não dá mais nada. Lá em Mato Grosso, a terra é melhor". Ele estava nessa infância dessa colônia que saiu hoje, que é uma cidade. "Então vamos". E nós viemos. P - Qual colônia que é? R - Cidade de Bodoquena. Foi em 62. Até o governador que cortou esses terrenos e deu para o pessoal. Trouxe a gente até do Ceará, deu passagem de graça e colocou lá. O povo só fez a frente. Depois, vendeu tudo para os fazendeiros e acabou. Hoje já é uma cidade. Hoje tem a vantagem, porque é uma grande cidade e indústria. Porque lá tem a mineração, tem o cimento, tem tudo. E Miranda não tem nada. Miranda, cidade mais velha, ficou para trás. Lá tem não sei quantos funcionários pela Camargo Correia. Tem uma grande indústria de mineração e do cimento, que o cimento vai tudo para São Paulo, vai tudo para todos os estados. Só que aqui quase não fica, sai tudo para fora. Então eu peguei e vim. Nós viemos para cá. Eles compraram o sítio, aí bem pertinho de Miranda. Nós ficamos por aí. Aí que deu o casamento com a menina. Eu casei com essa mulher que eu tenho hoje aí. P - Então, isso foi mais ou menos em 62, 63, isso? R - Eu acho que foi 68, porque foi um casamento. P - Mas, me conta uma coisa, seu Geraldo. Quando o senhor veio para cá o senhor não conhecia ainda? R - Não. P - E o que é que o senhor achou disso, quando o senhor veio? R - Uma diferença medonha. A coisa aqui é outra vida. Você vê que quando eu cheguei aqui só havia a chalana, do remo, que subia daqui para o rio, que ia para Miranda. Gastava uma semana para chegar na cidade de Miranda para trazer sal. Hoje não, você monta aqui cedo, quando é meio-dia está lá. Gasta duas, três horas num motor desse que tem aqui embaixo. Naquele tempo as coisas eram mais fáceis de arrumar e era mais difícil uma parte. Porque numa parte era melhor e outra era pior. Porque o recurso não tinha. P - Por que era melhor? R - Era melhor, porque tinha tudo o que comer. Se eu plantava qualquer coisinha, dava. Chovia o tempo todo. Aqui não tinha seca, não fazia frio. Eu plantava o mantimento num lugar daquele que ele planta direto. A gente vivia da lavoura. Agora você vê, agora é novembro, é mês de plantar. Plantava agora em novembro. Bom, o milho dava com cinco meses. Quatro meses ele dá. Dobrou aquele, plantou outro. Não podia parar. Parava é na roça. Dobrou aquele, plantou outro. Você chegava lá, achava milho com três anos dobrado. E tatu chegava a rachar de gordo. Comendo milho ali na roça, de gordo. Mandioca, então, ninguém nem se fala. Tudo de comer era mais fácil que hoje. Agora, foi encurtando, foi encurtando e aí hoje está na situação dessa que nem roça planta mais. Você já pensou numa coisa dessa? P - O que era de pior? Que o senhor falou que tinha de melhor e pior. R - Pior é a falta de recursos. Não tinha carro, não tinha condução, só é aquilo no lombo do cavalo. Só isso aí. E aí não tinha um motor para dar a saída aqui para ir para Miranda. O motor está parado aí. Se eu quiser comer duas horas em Miranda, eu como. Com esse motor aí. Então, quer dizer que há melhora. O campo de avião está aí. Tem um campo de avião aqui também. Aquele teco-teco abaixa em qualquer lugar desse aqui, ele vem e abaixa. P - Me conta outra coisa, seu Geraldo. E as árvores, os animais, como é que era? R - Muito diferente de hoje Que naquele tempo era outra vida, até os animais. E outra coisa. Só a doença que eu lembro que existia naquela época, que castigava muito o pessoal é a tal de "cezão". Nem maleita era, se falou maleita agora. Naquele tempo era "cezão". Mas também derrubava até a cabeça dos macacos (riso). P - Como é que é essa doença? R - É uma febre “braba” que dá. Aí, por isso que eu falo, nuns pontos eram bons, outros eram ruins. Porque nem remédio tinha. O remédio, se você não soubesse fazer o remédio do mato, a gente morria. Todo mundo sofria um mal terrível, ficava correndo atrás de remédio, ia nos lugares, ia na cidade, não achava, ia no outro, também não tinha. Isso que eu falo de recurso nesse tempo. Não tinha hospital, tinha algum postinho de saúde, muito pouco. Aí que foi aumentando. Agora hoje, o pessoal às vezes quer adoecer para poder ficar parado. (riso) P - Me conta outra coisa: quando a gente fala de animal, o senhor chegou a ver onça, jacaré? O senhor conhecia antes ou não? R - Não... P - Como foi? R - Agora mesmo a gente vê. P - E o senhor lembra da primeira vez que o senhor viu? R - A primeira vez, quando eu vim de lá de São Paulo, que eu vi a onça, era lá no lugar por nome de Maria de Rosário, lá dentro do rio, para cima da ponte. Aí a gente ia pescar e tudo era mato. É muito pouca gente, quer dizer, habitação de gente era pouco. Aí ele falou: "Você vai pescar amanha?". Era mais ou menos cinco quilômetros à pé, eu falei: "Ah, eu vou". Aí eu pegava e ia. Quando foi um dia, eu fui. No caminho encontramos um bugre. O bugre falou assim: "Cuidado que a gaita está por aí". Eu falei: "Será?". "Eu encontrei ela lá". Tinha um rapaz e a gaita estava misturando com as vacas dele. Eu falei: "Eu vou lá". Aí eu fui. A primeira que eu vi, eu cheguei lá, não vi nada na estrada. Aí eu cheguei, comecei a pescar. Tinha outros caras pescando lá para cima. Porque naquele tempo pagava pena você pescar. Aí eu peguei um “caixara” e deixei igual a esse assim. Aquele “sombreão” eles não derrubavam. Daí um pouquinho, nós estamos pescando no canto. De repente deixa aquele bichão pintado. Chegou lá, ficou olhando perto do pau. Eu olhei, "Mas, será que essa aí é a onça?". Aí eu olhei: "Não é possível". Aí eu bati o pé. Ela olhou para mim. Aí eu fui, chamei o rapaz: "Tem um gato aqui, rapaz". Ele falou: "Gato?" "É. Vem cá." Aí ele veio. Chegou aqui, ela sentou, não correu. Ficou lá sentada. Mas, olha, a bicha é bonitinha demais. Coisa mais linda. E eu fiquei assim. Ele disse: "Olha, ela vai pegar o peixe". Falei: "Não pega que agora ela já viu nós". Aí ela voltou devagarinho, voltou. Entrou numa moita, deitou lá e nós ficamos olhado. Chegou lá ela estava deitada, ficou deitada olhando para nós. Falei: "Sabe de uma coisa? Eu vou é embora". (riso) Peguei esse peixe, pus nas costas e “tirei o cabelo”. (riso) Ele falou: "Também vou". Aí nós fomos. Daí para cá a gente continua vendo. Eu peguei uns peixes e comecei a limpar, fui pegar a faca lá em cima. Cheguei e ela ia arrastando bem ali. Aí entrou no mato, estava com dois filhotes lá: "Ah, deixa a bichinha dar comida". Essa estava com os filhotes. Ela vem e pega. Ela demorou um pouco vir aqui porque eles tiraram o gado. Ela gosta muito de habitar onde tem gado. Aí eles tiraram o gado e levaram para lá. Mas, quando a gente vai mexer com peixe, ela fica beirando. Só que ela é um bicho muito sagaz. Se ele estiver andando por aí e ele sentir que a gente pisa, ele não vem. Você vê o rastro dele, vê tudo, mas você não o vê. Agora, quando é hora para comer, aí ele vem. Você pode ficar aqui em cima e deixar um peixe amarrado que ela vem pegar. A gente lidou com peixe aí. Eu não sei como ela sabe. Carregou já uns três ou quatro peixes. Eu fui pescar um dia ali, essa barraca no meio do mato, ali. Aí peguei uns três pintados. Ela pega o maior, ainda tem mais isso. Eu deixei o pintado lá e falei: "Ah, eu não vou aguentar. Vou pegar". Mas nem lembrei da onça, rapaz. "Eu vou pegar uma bolsa lá, porque como eu vou levar esse peixe?" Eu sozinho, de noite. Aí peguei a lanterna e vim. Peguei uma bolsa e falei: "Não, vou levar o carrinho e deixar lá no arame. Aí eu vou puxando ele e vou deixando lá". Cheguei lá, só tinha dois. Aí eu peguei a batida dela, cheguei até lá perto: "Aaaaahh, deixa isso Tsc.". Aí peguei o que estava sobrando. No outro dia eu falei: "A onça carregou um peixe meu. Vocês não acreditam? Vamos lá". Aí nós pegamos a batida. Chegou lá, estão lá os filhotinhos olhando para a gente. (riso) E eles não correm da gente. A coisa mais linda. P - Quantos filhotinhos? R - Essa tinha três. Ela sempre dá dois, três, um, a maioria quase só dá dois. A maior quantidade que ela dá é dois, três é muito difícil. Essa estava com três: um macho e duas fêmeas. Aí ela vinha, passava ali. Às vezes ela ficava aí, a outra esturrava do lado, aí ela nadava. Quando ela vinha pertinho de nós ia um do lado, outro do outro. Atravessava e vinha atender o chamado da outra. Que a outra chama e ela vai em cima (riso). Aí, tem uma lagoa ali. A lagoa, eu dava comida para o peixe lá, para “mó” de o pessoal pegar, ficar mais fácil para eles. Aí eu ia lá levar. Quando eu ia, que eu voltava lá, estava o rastro dela. Eu falei: "Cadê essa onça, que eu não vejo? Não é possível". Então, eu pegava, jogava comida lá e ela ia, o pessoal: "Não, ela não come a comida não. Ela vai comer o peixe. Vai comer o peixe". Aí quando foi um dia, eu fui. Cheguei lá, tinha um pé de ingá, muito folheado. Eu falei: "Eu vou subir aqui". Aí subi no pé de ingá e fiquei lá, joguei a comida. "Vamos ver o que é que essa onça está fazendo aqui". Aí ficou, ficou, demorou um pouquinho, aí vem. Aí veio a mãe, devagarinho, aquele animal, eu fiquei até com medo. Devagarinho, pisando, chegou, foi lá, olhou, olhou. E daí os peixes estavam comendo a comida, ela deu um tapa numa curimã. Falei: "Deus me livre. E se bater na gente?” E eu lá em cima tremendo de medo. Não, você vê o que é que aconteceu. A gente corre risco a vida também. E eu estava com a lanterna. Eu falei: "Eu não vou alumiar". Aí eu joguei a comida e escondi a lata lá. Eu ia pegar uns peixes para trazer também, uns lambaris. E era de noite. Aí ela foi, ficou ali, ficou, ficou. Aí deu aquele tapa na curimã e veio, pegou lá e não sei o que é que ela fez. Tornou a voltar lá, acho que ela deixou em algum lugar ou ela deu para os filhotes, porque ela não deixa os filhotes onde ela não quer. Ele não vai não. Só vai onde ela dá ordem. Você vê como é que é o bicho. Aí, então, ela veio, ficou por ali, deu outro tapa lá e se ela desviou eu não reparei direito, que eu estava ansiando para ir embora e com medo de descer para vir embora. "Como é que eu vou fazer?" Era mais ou menos na base de umas dez horas da noite. Falei: "Ah, agora eu estou enrolado. Se eu alumiar, ela não vai querer sair daí". Tem um matinho do outro lado, aí eu dei um esturro lá. Falei: "Ah, ela foi lá pintar? outro. Eu vou descer". Aí eu desci. Quando eu desci, que bati a lanterna dentro dágua, queimou o foco. Falei: "Vou subir na árvore de novo. Vou amanhecer o dia". Aí eu falei: "E agora, o que é que eu vou fazer? Se eu me livrar da onça, a cobra me pega". Aí eu falei: "Não, mas eu vou". Pensando o que fazer, eu desci, peguei um pedaço de pau e tava com a lata da comida. Aí eu meti o pau nessa lata, vim de lá até aqui batendo. Eu falei: "Ela não veio por causa da batida da lata" (riso). A idéia que eu tive para poder vir embora Aí eu vim parar aqui. Falei: "Ah, eu não vou escapar de outra". Porque eu tinha esquecido de levar o foco e queimou dentro dágua. Ele queima mesmo. Eu bati ele dentro dágua, queimou. Aí eu: “Como é que eu venho no escuro, rapaz?" No meio do mato, pisando em cobra. Mas aí eu falei: "Mas, não ficou nada". Até as cobras, saíram tudo. Eu meti o pau na lata até vir parar aqui. (riso) P - Seu Geraldo, deixa eu voltar uma coisa. Então, o senhor foi morar nesse lugar, que é essa colônia aí. R - Nós fomos, mas nós não moramos lá não. Nós não moramos porque lá estava dando muita epidemia. Muita maleita. Aí nós ficamos com medo. Estava morrendo muita gente. Pessoal ia lá e ficava uns dias, não guentava, morria na estrada. Eu falei: "Eu vou num lugar desse nada. O governo não mandou nem recurso, vou lá nada". P - Onde o senhor foi morar? R - Nós fomos morar na Poeira. Deixei uma chácara em Miranda. Aí fomos morar lá, porque a chácara era pequena, nós íamos tocar, chegou lá, o dono da Poeira falou: "Não, vocês podem plantar roça aí à vontade. Quando vocês saírem, vocês plantam o capim". Aí nós ficamos lá, plantamos. Aí nós dávamos para ele mantimento também. Ele não plantava, porque pessoal daqui mesmo não trabalha de jeito nenhum. Então, nós plantávamos roça e dávamos para ele. "Não, pode plantar à vontade". Nós ficamos lá. E aí ficou um morador cuidando da chácara, que morava lá na colônia. Aí eles ficaram, iam para lá e vinham. Deixavam lá, a casa era grande. Aí eles traziam os mantimentos deles, faziam um depósito ali e começaram a vender. Não tinha para quem vender mantimento. Eu falei para ele: "Abasteço para comer". Aí nós fomos lá para o lugar com o nome de Poeira. P - Poeira é uma cidade ou é um bairro? R - Lá é fazenda, chama Poeira. Mas, lá não é cidade, não. De lá nós voltamos para Miranda e estamos até hoje. P - E como é que era Miranda? O senhor lembra? R - É muito bom também. Miranda era muito bom naquela época. Depois ficou mais difícil. Por um lado ficou ruim, mas por outro melhorou. P - Senhor Geraldo, tem alguma festa que é daqui da região? O senhor lembra se tinha alguma festa? R - Tinha, eu ia muito. P - Que festa é? R - A festa que eles faziam era o seguinte: eles matavam a vaca e assavam a carne para comer com mandioca. (riso) Podia ter o casamento com uma flor, se não tivesse mandioca com carne, para eles não é festa. No Mato Grosso é desse jeito. Para nós lá é pão, aqui é mandioca. Se não der a mandioca, a gente não quer não. Pão ele não come. Mas é muito bom. P - Mas, tinha festa da cidade? R - Tinha. Miranda mesmo, tinha festa em dois lugares. Tinha Santa Cruz, que ainda hoje tem, que é dia 13 de maio. E tinha a festa de São João. Mulher punha o nome de bicha, que era fundadeira de lá. Todo ano fazia festa na cidade. Todo mundo ficava sabendo. Na religião não ficava ninguém, mas um dava uma novilha, outro dava um porco. Mas, não custava nada. Aí todo mundo dava. E aquele mundo de gente. Vinha gente de Campo Grande, vinha de todo lugar. Só que naquele tempo também só era um trem por dia. Não tinha nem a estrada de chão. Tinha só a estrada boiadeira. Não ia carro. Só o trem que corria. Mas era muito bom. E as festas eram boas demais. Naquele tempo dava gosto de ir na festa. Agora hoje, se não tiver dinheiro não adianta ir. Você passa fome. Agora, naquele tempo não precisava. P - O senhor falou do trem. Esse trem que parou, não funciona mais? R - É. P - O senhor pode falar um pouco dele, como é que era, que é que ele corria? R - Era demais de bom. Ainda a semana passada, o cara estava me falando: "Seu Geraldo. Eu vim da venda, diz que vão fazer uma reunião lá em Campo Grande, lá em Brasília. Que no dia primeiro vai correr o trem para Corumbá. O passageiro, ele vai para Corumbá e volta para Campo Grande". Eu falei: "Mas, será que isso é verdade?" Ele falou: "É. Porque a estrada já está arrumada". Que a estrada tinha estragado os dormentes. Que os dormentes são de madeira. Ficou muito tempo parado. Só tomando chuva e nem conserto tinha. Quando eles foram mexer: "Ah, não". Foi aquele acidente que deu uma vez de trem. Eles pararam e agora arrumaram. De Campo Grande a Corumbá está tudo no jeito. Diz que vai correr dia primeiro. Eu não estou nem acreditando. Mas, que eles arrumaram, arrumaram. Porque eles colocaram muitos dormentes. P - O senhor lembra quando ele funcionava, o senhor tomava o trem? R - A gente ia direto. P - E como é que era, assim, o que o senhor via pela janela? Como é que era viajar? R - Via tudo, a gente enxergava tudo pela janela. Se eu sentava na bancada, sentava na janela, você enxergava tudo. Se for para não olhar só se eu estivesse dormindo. Lá nós temos uma estação por nome de Piraputanga, numa “morraria” que tem. Então, você não via um córrego nascer. Aquele é o córrego de Piraputanga. Então, e naquele córrego tinha, na beira dele era a extração, para o lado de cá. E antes de chegar na extração tem um coqueiro com cinco galhos. Você já viu coqueiro dar ganho? Nunca vi. Se não estiver derrubado, está lá até hoje. Chegava ali, eles falavam para o maquinista dar uma paradinha aí para nós vermos o coqueiro. Aí os caras paravam. Até pagava para ele parar. Ele já tirava licença lá na estação para demorar dez minutos. Mas, a coisa mais linda que tem. Nunca vi um coqueiro de galho. Eu vi lá depois da Piraputanga, mas na beira do trilho. Eu vou lhe contar uma história de um gaúcho. Eu vou contar porque nós estamos conversando, não só para vocês darem risada. Nós estávamos conversando, falando de mulher, falando disso, aquilo, de família. E o gaúcho: "É, chê. Minha família é gente fina. Quem manda sou eu. Faz o que eu quiser fizer. Se não fizer, o 38 come". Porque eles são "papudos". Aí o cara falou assim para ele: "Gaúcho, espera aí. Você está conversando muito. Eu quero que você me diga uma coisa: qual é a diferença que tem um pé de coco com a mulher do gaúcho?". Aí pronto. Aí ficou enrolado. Ele falava uma coisa, não era. Falava outra. "Você não sabe o que é?" "Não, não sei." "Rapaz, você não sabe porque é?" "Não sei." Olha, eu vou falar porque nós estamos aqui. "É porque o pé de coco, para a gente trepar tem que ter galho. E ele é liso, ninguém pode. As mulheres do gaúcho, como é? Não tem galho nenhum." (riso) Ele estava esculhambando nós, falando de paulista, falando de tudo (riso). Aí ele: "Eu vou-me embora, che, que já estou atrasado". (riso) P - Senhor Geraldo, deixa eu só voltar um pouquinho. O senhor estava morando em Poeira. R - Era. P - O senhor trabalhava em que nessa época? R - Nós trabalhávamos na lavoura. P - Também na fazenda ali? R - Eu trabalhava junto com o meu finado sogro, que morreu, que é pai da minha mulher. Aí nós tocávamos lavoura juntos. Aí fazia farinha, fazia rapadura, colhia arroz, feijão. Tudo junto, porque aqui era uma família só. Nós nunca tivemos separação, desde que eu casei com ela. Aí eu fiquei. Quando ele morreu, eu separei. Aí eu fui tomar conta de uma fazenda lá no Agachi. Aí o cara me chamou para lá e eu fui, trabalhei oito anos nessa fazenda e tocando roça, a mesma coisa. E aí, então, de lá eu voltei para Miranda e fiquei até hoje. P - O senhor continuou trabalhando com a lavoura ou o senhor mudou de trabalho? R - Entrei na Andrade Gutierrez. P - Como que o senhor entrou? Como é que foi isso? R - Ela me procurou, porque aqui, às vezes, fazia esse asfalto e aí me procurou, porque eu sabia mais ou menos o lugar que podia transmitir o asfalto, o lugar mais fácil para fazer, o lugar mais conveniente para fazer o asfalto. Aí eu falei: "Mas eu não sei". Ali na frente, para chegar em Corumbá, tem muito morro e tem morro que quando cai, o engenheiro chegou, pegou no morro e voltou para trás: "Aqui não dá para ir". Mas, aí a gente foi arrumando, foi desviando e saiu do morro. Foi parar em Corumbá. E aí eu fui. O Andrade [Gutierrez] me levou lá em Belo Horizonte. Aí eu vim e fiquei. Quando nós fizemos a parte da engenharia, falou: "Dá para ir?". "Dá, agora dá." Aí voltaram, eles agradeceram muito. Quando eles foram começar a fazer o serviço, eles me chamaram. Aí de lá eles me mandaram eu para cá. P - Então, o senhor era orientando: "Pode fazer aqui, não pode fazer". É isso? R - Era isso. Orientava eles, porque eles vieram e topavam nos morros, que tem muito morro lá para frente. Então, na época que o engenheiro vinha, que veio ver para poder tirar a direção da estrada, do asfalto, ele vinha e chegava, encostava no morro e voltava para trás. Falou: "Mas não é possível". Aí a gente foi devagar. Mas naquele tempo não tinha nada, era só mato. É o que a gente encontrava. Até tempo que encontrava onça. Deus me livre E o negócio eram os índios. Os índios não queriam deixar a estrada vir, queriam agredir a gente. Aí, então, vinha aquela maloca de gente, dos índios. Que se fosse uns dois ou três, eles invadiam. Eles invadiam, não queria deixar ir a estrada de jeito nenhum. Não era para ir. P - E chegou a acontecer alguma coisa? R - Quando foi para pegar a linha da estrada, foi duro para sair lá de Corumbá. Eles não queriam deixar de jeito nenhum. Essa linha de ferro, para chegar em Miranda, eles pegaram, os caras trabalhavam de dia e de noite. Eles iam lá e acabavam com o serviço do cara. P - Como que acabavam? R - Jogava pau, jogava pedra, tudo, no serviço deles. Aí interrompia. Quando o trem começou a correr, eles jogavam pedaço de pau na linha, para o trem não ir. Para o trem não vir para cá. Os índios faziam isso. É, Foi obrigado o governo colocar um fio elétrico, de fora a fora, para fazer o serviço. Colocaram um fio elétrico de fora a fora. Ele chegava ali e parava, dali eles voltavam. P - O fio elétrico era para que? R - É para eles ficarem com medo, para não chegar. Porque senão o serviço não saía. O que o pessoal trabalhava de dia, de noite eles vinham, desmanchava. Toda vez foi assim, até antes de chegar essa linha. Aí eles colocaram o fio elétrico e colocaram uma "pantasma" no fio. É uma pessoa de guarda que trabalhava. E eles ficava com medo, não chegou. Aí, de vez em quando, dava um tiro, mas era para cima. Aí eles ficaram com medo. Aí saiu esse serviço. Senão não saía. Eles não deixavam. O que se fazia de dia, de noite eles desmanchavam. P - Mas, na Andrade Gutierrez o senhor ficou quanto tempo aí? R - Na Andrade eu fiquei uns cinco anos. P - Cinco anos? R - Aí terminou, foi até esse asfalto. Esse asfalto foi tudo eu que ajudei a fazer. Quando chegou lá no morrinho, não tinha ponte ainda. Aí o governo falou: “Terminou o serviço". Eles falaram: "O governo está dizendo que daqui dois anos nós vamos fazer a ponte. Mas aí passou aqueles dois anos, nada. Passou os outros dois anos, nada. Aí o comandante da Andrade falou: "Eu só faço a ponte se nós fizermos o asfalto de Bonito. Só para fazer a ponte, eu não venho”. Então, aí o asfalto de Bonito caiu nessa obra e lá no asfalto. Aí eles falaram: "Então faz o seguinte: você faz uma obra que tem que sair lá no Lontra e faz o asfalto aqui de Bonito". Aí eles falaram: "Não, se sair as duas obras, nós vamos. Se sair uma só, nós não vamos, porque não compensa.” Quando foi para sair, saiu Bonito por fora. Aí eles falaram assim: "Não, não dá. Pode empreitar para outro". Aí eles falaram para mim: "É melhor você ficar aqui, porque aqui você já está na sua casa e você é operador de motor, então você fica lá se você quiser. Se não quiser, nós vamos para Vitória da Conquista amanhã mesmo". Falei: "Não. Não vou não. Vou ficar aqui mesmo". Aí eu fiquei. Estou até hoje aqui. P - E essa base da universidade? R - É, da universidade. Eles tinham pegado para fazer, mas eles só iam fazer se entrasse o asfalto de Bonito também. Que, só para fazer aqui eles não vinham. Aí o asfalto saiu fora, só ficou a base, porque era o centro de pesquisa. Falou: "Não, seu Geraldo, faz o seguinte, para você é bom. Nós vamos arrumar e você vai operar o motor lá. Ou você não quer ir? Se você não quiser ir, nós vamos embora". Falei: "Não, rapaz. Se vocês arrumarem para mim...". Eu trabalhando aqui recebia até os direitos. Nem em casa eu fui. Já estava aqui trabalhando. Quando o cara chegou, nós começamos a abrir esses pilares. Só para fazer os pilares demorou um ano, para abrir isso aqui e colocar de novo. P - Quando começou a ser construída essa base aqui? R - Se eu não me engano parece que foi em 81 ou 80, foi uma coisa assim. Foi nessa base que começou. Eu não marquei não, mas eu acho que tem tudo marcado lá. P - Então, o senhor viu ser construído isso aqui? R - Ajudei a construir tudinho. Não tem nada aí que eu não pus a mão, para quando foi para fazer isso aqui. Aí terminou, eu fui embora, eles me voltaram para trás. "Não, você vai para lá. Lá tem uns motores, nós compramos uns novos. Aí, tem mais outro, então você vai lá". Não tinha luz. Aí eu fiquei trabalhando com esse motor aí, direto. E fiquei parado aí, porque quando vinha uma pessoa, ligava. Igual a vocês quando vem hoje, vai embora amanhã. Demorava. E aí que começou, depois de três anos é que começou a fazer o movimento. Mas, aí já havia luz. Aí, pronto. E aí eu falei: "Bom, agora eu vou embora". Falou: "Não, só se o senhor quiser". P - Me conta um pouco disso, seu Geraldo. Quando não tinha luz, como é que é que o pessoal vivia? R - Mas tudo tinha gerador. Na casa aqui tem um gerador. P - Lá em Poeira também? R - É, lá tinha um gerador também. P - Mas, não desligava o gerador uma certa hora? Como é que era o horário? R - Ligava o gerador. Sempre o horário é até dez horas da noite. Esse aqui mesmo era assim, o horário era esse. Agora, se tivesse precisão, podia ligar até amanhecer o dia. Só que o ar também vai, mas, não tinha problema nenhum. Agora, fazia uma festa aí, ligava. Ah, a noite de festa O cara ia lá, comprava uns cem litros de óleo. O cara queimava o óleo o dia, à noite. Não acabava. Esse gerador é muito econômico. P - Aí a festa amanhecia? R - Amanhecia. "Se acabar o óleo, vamos comprar mais." E pronto. (riso) P - E o que é que vocês gostavam de fazer à noite? R - Gostava de fazer churrasco. Só churrasco. Faz churrasco, quando acaba, vem um bailezinho. (riso) Aí diverte a turma. Aí pronto. Só que não acontecia nada de jeito nenhum. Naquele tempo era muito bom demais. Só que tem muitos lugares aqui que não valia a pena a gente ir. Você quer ver? Eu corri quase até meia-noite, com a viola nas costas, com medo de bala (riso). P - Bala? Por que? R - Lá na cidade de Bodoquena. Eu fui para lá, me convidaram para uma festa, eu fui. E estava muito boa a festa. Tocamos lá e cantamos. E tinha um cara lá que tinha uma mulher e eu não conhecia. A mulher deu uma liberdade para mim. Eu, sem saber o que era, comecei a conversar. Puxei conversa que a gente não vai conversar. Aí tinha o cara que era marido da mulher, estava para lá, andando com chapeuzão de couro, 38 na cintura. Aí o cara foi, falou assim para mim: "Você tem cuidado que o marido dessa mulher é ‘brabo’ que é danado". Falou: "É aquele lá". Estava na beira do foguete. Um frio que eu vou te falar Eu falei: "Eu não tenho nada a ver com mulher de ninguém". Falou: "Mas ela está aí junto com você. Você tem cuidado, porque, às vezes, se ele vir, ele vai achar ruim". Eu falei: "Eu, heim?". Aí a mulher veio, ficou por ali, mandando eu tocar umas modas. Aí eu já fiquei meio veado. Falei: "Não, o negócio é o seguinte: eu vou dar uma saidinha por aí". Aí peguei a viola, enfiei numa bolsa e saí por ali. Nem o pagamento eu recebi. Fui, larguei e vim embora. Vim embora à pé. Isso era num lugar por nome de Morraria. Falei: "Não, eu vou embora". Aí eu fui embora. Com essa viola nas costas e com medo da onça. Lá tem aquela onça preta. Mas, de vez em quando eu batia na viola e vim embora. Aí, rapaz, eu cheguei lá, a Bodoquena estava começando. Cheguei lá, era mais ou menos na base de umas três e meia da madrugada. Aí eu fiquei ali. Fiquei ali e falei: "E agora? Tem que pegar a condução para ir para Miranda". E aí passava um, passava outro. Ninguém queria me levar. "Não, tudo bem". E aí, tinha uma fazenda lá de um capitão, que até hoje tem um filho dele que trabalha aqui na Andrade. Ainda semana passada nós estávamos lembrando disso. Ele era capitão do exército. Então, eu fui, vim e fiquei perto de um portão. Falei: "Eu vou ficar perto desse portão, que se vier alguma gente, eu peço uma carona ou eles me dão. Eu abro o portão para ele, impossível que ele não vai agradecer". O caminhão vazio passava lá. Só olhava para mim, eu fechava o portão, eles iam embora. Falei: "Mas que coisa". E eu lá. E o sol foi subindo, foi subindo. Aí quando deu meio-dia, eu não agüentei. Eu fui lá num boliche, comprei umas coisas lá e comi. Aí fiquei por ali. O rapaz falou: "Não, mas aí passar alguma gente aí, que tem muita gente que não gosta de levar. O senhor sabe. Mas fica por aí, que se passar alguma gente conhecida eu falo para levar o senhor". "Tudo bem." E tinha até uma cidade, para lá da Bodoquena, com nome de Dois Irmãos. E lá tem umas indústrias, tem agricultura, tem tudo. E lá tinha duas mulheres que eram parentes do rapaz. Estavam indo na fazenda dele. Naquele tempo não era Fusca, a gente andava naqueles carros, automóvel. Aí o cara falou assim para mim: "Tem duas mulheres, de lá do Dois Irmãos e elas vão embora agora de tarde. Eu vou falar para elas ver se dar para levar o senhor". Falei: "Tudo bem. Eu agradeço". Aí eu falei: "Mas eu vou ficar lá na beira da estrada". "Não, fica por aqui mesmo." Aí eu fiquei. Eu falei: "Não, mas lá tinha uma sombra". E lá perto do portão eu fiquei. Passava um, passava outro e eu abria o portão, os caras nem davam bola. Cheguei lá. Eu falei "Essas mulher não vai me dar carona para eu ir embora. Eu vou voltar". Quando eu ia voltando, elas foram lá, afastaram e me levaram. Aí, quando chegou lá na cidade, ela me perguntou o que eu fazia. Eu falei: "Eu trabalho". "Mas, e essa viola na mão?" Eu falei: "Essa viola aqui é da hora que a gente tem que divertir". "Você toca também?" Eu falei: "Depende". "Então você vai até lá na Dois Irmãos." Falei: "Não. Eu vou ficar aqui". "Não, você vai com nós." Falei: "Agora estou enrolado". Sabe onde é que elas me deixaram? Não tem um trevo que vai para Bonito? Me deixou ali. Pegou, enfiou, vinte mil réis no meu bolso. Falou: "Isso aqui é a passagem. Você vai desculpar. A gente estava falando assim porque nós estávamos com medo de vir sozinhas". Naquele tempo era tudo deserto. Eu falei: "Uai, o que é que adiantava? Vocês ficaram me fazendo medo. Fiquei mais com medo do que vocês". Ela falou: "Não, mas nós ficamos com medo. Nós duas sozinhas. Aí por isso que nós inventamos isso. Você não acha ruim?". Me pegou vinte cruzeiros. Aí uma pôs no bolso, pôs no outro e falou: "Vai com Deus. Algum dia a gente se encontra". Aí nunca mais eu encontrei essas mulheres. Nem ônibus tinha. Peguei a jardineira, que nem asfalto tinha, era estrada de chão. Aí eu voltei para trás. Ainda deu trabalho para chegar, porque tinha lugar, tinha a serrinha lá. Começou a chover, eu falei: "Essa jardineira não vai subir". Mas foi indo até subiu. Aí subiu dali e veio embora. Aí eu fiquei pensando: mas como a gente passa cada uma Se a gente não souber viver, a vida fica curta mesmo. P - Deixa eu só voltar. O pai do senhor não deixava o senhor tocar. Eu lembro disso. Aí o senhor trabalhou, foi lá, tinha a lavoura e trabalhou na Andrade e Gutierrez. Mas aí como é que apareceu a viola de novo na sua vida? R - Eles tudinho, por causa da viola. Eles compraram a viola e me deu. Tem até aí na caixa, compraram. Essa aqui foi que ganhei também. Eu comprei essa viola e não tinha o dinheiro. Aí o cara falou assim: "Não, rapaz. Compra". "Não, eu não tenho dinheiro agora." "Não, me compra." Ele falou: "É 380. Está com mais ou menos uns três, uns quatro anos". Eu falei "Não, rapaz. Eu não tenho dinheiro". "Não, me compra e depois você me paga." Aí vem os professores de lá e falaram assim: "Você comprou uma viola bonita". Eu falei: "Comprei". Aí eu brinquei, falei assim: "Só que eu não paguei ainda, vou pagar". "Tudo bem. Você comprou de quem?" "Fulado de tal." "E quanto você pagou?" "Paguei 380." "Não, está bom." Aí eu toquei para eles. Toquei para eles lá e voltei. Quando saí, ele falou: "Pega esse cheque e dá para o cara. Vê se ele aceita". Me deu um cheque de 400 contos. Eu falei: "Vai sobrar dinheiro, ainda". (riso) Aí eu dei o cheque para o cara. Falei: "Pode ir lá em Miranda, leva para o banco e troca o cheque". Aí eu falei: "Mas, eu vou ficar devendo". "Não, eu estou dando de coração, que o senhor merece." Eu tenho outro aí na mala. Me deu também de presente. Essa viola que o cara me deu. P - Eles sabiam que o senhor tocava? R - Sabiam que eu tocava, mas eu não tinha o instrumento. Então, eles pegaram e me deram. Tudo bem. Aí eu continuei, não tem mais jeito. (riso) P - Então, quando o senhor começou a tocar, sem proibição mesmo, o senhor estava com quantos anos mais ou menos? R - Eu já estava com 18 anos. P - Dezoito? R - É. P - Aí o senhor não parou nunca mais? R - Não. Aí não parei. Porque eu fui tocar lá no casamento, no velho que liberou para eu tocar. Que eles falaram para mim que era para liberar para eu tocar. Aí eu fui. Cheguei lá, eles falaram assim: "Zeferino, você pode liberar ele? Porque todo mundo gosta. E o pessoal só procura ele. Está certo que o senhor toca também, mas não sei se é porque é mal da liberdade, não sei". Aí fui tocar no casamento. Aí o velho foi. Eu falei "Deixa ele lá". Chegou lá, o velho começou a tocar e já deu sono, foi embora. Aí eles falaram: "Seu Zeferino, o Geraldo tocou melhor do que o senhor". (riso) Aí ele falou: "De hoje em diante, está liberado". Aí eu fiquei liberado. P - Aí o senhor tocava nas festas? Tudo? R - Aí eu tocava, mas eles chamava muito nas festas. Naquele tempo era tudo união. Naquele tempo as festas que a gente ia não pagava nada, tinha de tudo. A pessoa não podia nem cobrar para tocar. Porque, a pessoa achava de tudo o que comer, tudo quanto era recurso. Cobrar de quê? Então, a gente ia só pela amizade. Agora, dum tempo para cá é que a coisa modificou. Eu não me interessei porque a gente tocava e ia trabalhar na roça. Naquele tempo, que eu comecei. Se eu tivesse ficado em São Paulo, eu não tinha vindo para cá. Da época que eu vim de lá do Paraná, que eu vim com a imigração, que eu fiquei lá. Que o homem queria que eu ficasse: "Não, eu tiro registro dele, vou lá na delegacia, vamos escrever para o pai dele e ele vai ficar conosco". Eu ia ficar num apartamento lá em São Paulo. Mas, o homem não aceitou. Eu falei "Ah, se eu não me der bem eu vou embora". "Você não vai ficar aí, não." Aí me negou. O cara nem passagem podia comprar porque a gente estava viajando com a passagem do governo. Aí eu fiquei assim, mas não era tão besta. Eu tinha 18 anos, mas eu já sabia como era a coisa. Eu queria ficar lá em São Paulo, ele não deixou. Aí quando eu cheguei lá que encontrei esse pessoal, eu falei: "Agora eu não vou voltar mais". P - Mas, me conta uma coisa da música do senhor. As músicas o senhor aprende só de ouvir, como é que é isso? Que influência o senhor tem? Existe uma música daqui mesmo? Uma música pantaneira? R - Existe, existe. Existe a música pantaneira e existe a música também daqui, que eu faço, eu mesmo faço e canto. Já fiz e canto. A música pantaneira também. Aí existe muita música aqui, que eu escuto. Eu canto ela. E essa música que eu estou falando, dessa menina, eu fiz uma música para ela e cantei. Ela foi lá e eu vim na cidade, cantei para ela. A primeira menina que eu gostei. P - O senhor lembra da música? R - Lembro. P - O senhor pode cantar um pedacinho para a gente? R - Meu Deus do céu O ruim é porque minha voz está muito ruim. É que eu estou muito rouco, aí não dá. Eu acho que não dá para cantar. P - Então deixei. R - É porque eu não sei o que é que eu arrumei com essa voz. Eu não sei não. Acho que é porque eu fiquei uns dias tocando lá para uns caras e a gente pegou sereno, mas eu não gosto de beber. Eu só tomo alguma bebida, muito pouco. E eu não gosto de beber nada gelado por causa disso, porque faz mal para a gente. Principalmente a gente estando mexendo com o corpo quente. Eu acho que eu fiz alguma arte lá e bebi qualquer água fria. Bebi alguma coisa que atacou minha garganta. (toca violão) Eu vou experimentar a primeira música. Se der para cantar, se não der eu vou parar. (tocando e cantando) "Menina, você se ‘alembra’, quando nós era criancinha. Nós dois se amava tanto. Nosso amor não tinha fim. Hoje em dia você está formada, nunca mais lembra de mim". Não dá para cantar. (riso) P - Mas é linda. R - A minha voz é muito boa, graças a Deus. Só que eu não sei o que foi que aconteceu que eu fiquei rouco. P - O que é a música pantaneira? R - A música pantaneira que eles apreciam é a polca paraguaia e o rasqueado. Hoje está na moda também bolero, samba, mas é muito pouco. Você chega num clube desses, pode ser na cidade, se estiver tocando samba ou bolero, ninguém dança. Mas, tocou uma polca paraguaia, tocou um rasqueado, não fica ninguém no banco. Todo mundo sai para a dança. Desde quando eu cheguei aqui foi desse jeito. É a polca paraguaia e o rasqueado. Hoje mudou muito. O povo está tentando mudar. Eu acho que é meio difícil. Acho que não tira. O mato-grossense não larga de jeito nenhum. A senhora lembra daquele artista que tinha por nome de Mario Zan? Ele que fez aquela moda chalana. Até hoje aquela moda é moda nova. Até hoje, ela é uma polca paraguaia, eles cantam ela no salão para a turma dançar. Eles pedem para cantar. Então, quando eles estão cantando, eles lembram dele. Porque ele que fez aquela música, mas morreu. P - A chalana, que tipo que é? É a rasqueira ou é a polca paraguaia? R - É polca paraguaia. São esses barcos que passam aí, grandões. Aquilo é a chalana, que eles falam. Que eles falam: (tocando e cantando) "Lá vai uma chalana, bem longe se vai. Se vai uma chalana, bem longe se vai. Se vai no remanso do Rio Paraguai. Ah chalana, sem querer, pois aumentas minha dor. Nessas águas tão serenas vais levando o meu amor. Se vai uma chalana, bem longe se vai. Se vai no remanso do Rio Paraguai. Ah, chalana sem querer, pois aumentas minha dor. Nessas águas tão serenas vai levando meu amor. E assim ela se foi, nem de mim se despediu. A chalana vai sumindo lá na curvinha do rio. Ela vai amargurar, mas eu bem sei qual é a razão. Ao ingrato que feriu esse pobre coração". Essa que é a polca paraguaia que eles falam (riso). P - Muito bom. (aplaude) R - Já o rasqueado é aqui: (tocando e cantando) "Põe sua cabecinha no meu ombro e chora. E conta mágoas todas para mim. Quem chora no meu ombro eu juro que não vai embora. Que não vai embora, que não vai embora...". Eu estou ruim demais. Eu não aguento de jeito nenhum. P - Eu conheço essas músicas desde quando eu sou criança, eu não sabia que uma era uma coisa, outra era outra. Nossa, aprendi bastante. R - Tem uma música, mas uma música que eu fiz daqui do Mato Grosso, no Pantanal. É porque a gente sempre vive nessas fazendas. E aí sempre quando monta à cavalo, tem aqueles peão boiadeiro e a gente vai pondo aquilo na idéia, aí a gente chega aqui, pega a viola e começa. Aí procura o som e acha. Mas a minha garganta está muito ruim, mas vou cantar ao menos o sinal. (tocando e cantando) "Comprei um burro outro dia, botei nome de Venâncio. Oito palmo de altura. Comprei os meus anteparo. Mandei fazer um banjo. Onde eu passo nesse rancho, coração que eu não acho. Chapéu quebrado na testa, na garupa eu levo o laço. 38 na cintura, temporão, espora de aço. Sou peão de boiadeiro, mas qualquer serviço eu faço. Há o dia que eu estou mais triste, na viola eu me desmancho. Viajei para Mato Grosso, isto foi no mês de março. Num passar de uma restinga, a uma tarde de mormaço. Com uma ânsia perigosa, no burro quis dar um abraço. Arrisquei a minha vida, mas livrei o meu penar. Uma ânsia perigosa, no burro quis dar um abraço. Arrisquei a minha vida, mas livrei o meu penar". P - Seu Geraldo, lindo. Qual que é a diferença da viola de Minas com a viola do Pantanal? R - A diferença que a gente acha é só na fábrica porque lá em Minas tem uns caras que eles mesmos fabricam a viola, até muito melhor que essa aqui. Essa aqui fabrica em Volta Redonda, em São Paulo. Tem aquelas fábricas lá que fazem. Esses caipiras têm uma fábrica de viola e violão, que eles fazem. Agora, a diferença, porque os mineiros fazem a viola com facão. Fica melhor do que essa aí. Porque lá naquele tempo não tinha fábrica, fazia no mato. Fazia a viola lá no mato, que, inclusive, nem tinta nem verniz tinha. A viola ficava na natureza, a madeira. Só passava com alguma coisa para poder conservar. Mas, pintura não tinha de jeito nenhum. P - E no jeito de tocar tem muita diferença? R - Não, quase a mesma coisa. A mesma coisa, que é a quantidade de corda, do mesmo jeito. Agora, o tocar é afinação. Afinação a gente afina no gosto que a pessoa entende. Tem a afinação direta, quem nem essa aqui. Tem a afinação de oitavo, tem de gira baixo, tem transportada, quatro afinações. E a gente afina do jeito que a gente queira tocar. Porque eu gosto de tocar mais nessa afinação porque ela dá em qualquer posição que for afinar o violão. Essa outra, não. Essa outra tem que modificar, tem que isso e aquilo. O oitavo também dá. Mas, eu gosto mais de tocar nessa afinação porque ela é direta. Aí a gente afina o violão com ela e pode você tocar o que você quiser. Um cara sabendo acompanhar, pronto. Aí o povo quebra. P - E seu Geraldo, quais são as músicas que o senhor mais gosta? R - Eu gosto de cantar moda de viola também. Eu gosto mais de tocar é a moda do Paraguai, polca paraguaia, rasqueada. Eu gosto de tocar. Mas, eu canto moda de viola, que o pessoal pede demais. Quando eu chego num lugar está lá: "Canta moda de viola, eu quero escutar uma moda de viola". Outra hora: "Eu quero escutar qualquer uma coisa". Eu toco bandeirão, eu toco bolero, toco samba, toco valsa, toco marcha. Eu tenho uma música que fiz para os professores, que eu ouvi essa música lá em São Paulo. Na época eu tinha 18 anos, quando eu vim de lá. E eu fui pondo na idéia, pondo na idéia e ouvi eles cantando lá. Hoje eu canto ela aqui. O pessoal fala: "É invenção dele". Porque se eu não ponho na idéia, eu não tocava ela até hoje. Eu fiz para os professores. Teve uns que acharam ruim, outros acharam bom, mas todo lugar que eu vou eles me pedem para tocar. Toca a moda dos professores. Aí eu canto para eles desse jeito. Teve um que ficou brabo comigo. Falou assim para mim: "Mas, rapaz, você não tem serviço a fazer, não?". "Mas, por quê?" "Inventar uma música dessa aí..." Falei: "E por que? Quer dizer que o senhor está achando ruim porque o senhor não trabalha?". Falou "Não, mas isso aí não é música que se faz". É porque ele era professor formado e a música atinge um pouco os professores. P - Que música que é essa? O senhor pode mostrar? R - Naquele tempo eu escutei essa música tocar lá em São Paulo. Eu queria ir lá, então eu cheguei, comecei a tocar, ele falou: "A música é dele". E a origem ninguém sabe. Ela não tem. Diz que não tem em lugar nenhum. Então, eu ouvi tocando lá, naquela época, na Estação da Luz, em São Paulo. Não sei se ainda tem, mas tinha a Estação da Luz. Ali que parava todo mundo. Os caras começaram a cantar lá. Aí eu falei: "Mas, que música é essa?". Ela é até uma marcha. Eu vou cantar, minha garganta está ruim, mas ao menos um sinal. Vai ser uma marcha. (tocando e cantando) "Ei, no Brasil tem muito doutor. Tem muito profissional, tem muita professora. Se eu fosse o governo ia mandar a metade desse povo ir para a lavoura". Ele achou ruim. (riso) O professor ficou brabo. Depois ele voltou atrás. Eles falaram para ele: "Não, você não pode achar ruim, porque isso aí a gente está vendo mesmo". (tocando e cantando) "Ei, no Brasil tem muito doutor. Tem muito profissional, tem muita professora. Se eu fosse o governo ia mandar a metade desse povo ir para a lavoura. ‘Os bonitão’, plantar feijão. E essa loira, plantar cenoura. A turma da mamata, eu mandava todo mundo plantar batata". (riso) Ele ele ficou brabo. (risos) P - O senhor conheceu Helena Meirelles, não é? R - Conheci. P - Como que foi isso? R - Ela foi a maior violeira aqui do Mato Grosso do Sul. Ela nasceu em Ponta Porá, mas pegou mais fama porque foi para os Estados Unidos. Chegou lá e começou a tocar o espetáculo. Ela ficou muito tempo lá, tocando. Depois ela voltou para o Brasil, morreu com 93 anos. Ela morreu em Campo Grande. No dia que ela foi fazer um show lá em Campo Grande, o sobrinho dela veio aqui e falou: "Seu Geraldo, o senhor vai com nós lá em Campo Grande?". Eu falei: "Mário, não vai dar para eu ir, não". Falou: "Por que?". Falei: "Eu não vou. Lá não vai me caber". "Se não cabe você, não me cabe também. A minha tia está me esperando lá, esperando o senhor também". Eu falei: "Não, mas ela não vai me pôr de conta, porque eu não vou. Aí chego lá, não compreendo as modas dela". "Não, não. Mas, você vai. Você não está tocando comigo? Então. A mesma coisa." Falei: "Não vai nessa não." Ele está lá no Rio. No Rio ou em São Paulo, que ele mora. Aí, u não lembro mais o dia que foi, de julho, ele falou assim: "Se o senhor não for, o senhor liga, que nós viremos buscar o senhor aqui. Nós vem no dia cedo e no outro dia vai ser o show. O senhor para lá, aí no outro dia vai ser o show". Falei: "Eu não vou". Ele: "Tudo bem". Quando foi um dia ele ligou para mim: "Amanhã eu vou te buscar". Falei: "Ah, rapaz, eu não posso ir". "Não, eu já conversei com o reitor aí. Ele falou que pode ir buscar o senhor." Falei: "Ah, agora não tem mais jeito". Aí eu fui. Fui ajeitando a roupa, quando foi mais ou menos oito horas ele chegou. Ele falou: "Nós vamos dar uma pescada e quando for quatro horas, nós vamos embora. Vai ser amanhã. A minha tia vai chegar de avião". Falei: "Você está me pondo numas camisas que eu vou te falar. Eu não posso nem vestir". "Não, você veste. Você veste e vai tirar." (riso) Aí nós pescamos, ainda pegamos uns peixes. Aí eu fui com ele. Chegou lá, eu parei lá no hotel por conta da universidade. Bom, quando foi no outro dia, ele veio. Mas a pobre da mulher chegou lá e desceu no aeroporto, pegou o avião. Quando ela chegou lá, já começou a sentir. Quando foi sete horas da noite, já estava no médico. Nesse dia eu ia junto com eles. Aí conversou, conversou, pegou ela e levou para São Paulo de novo. Falou: "Não, ela não pode, foi para São Paulo". Aí ficou lá, mais ou menos uma semana e voltou. "Agora já dá para ir." Chegou e a velha caiu de novo. Aí não levantou mais, morreu. Morreu em Campo Grande. Falei: "Mas que coisa, gente". Aí acabou. Mas eu cheguei a prosear com ela, nós tocamos juntos. Não chegamos a fazer show. Tocava particular, eu e ela. Ela falava assim: "Eu vou levar ele, se ele não ‘der bom’, nós joga ele lá na cadeia". Mas tudo era brincadeira, porque ela brincava muito. Aí eu chamava ela, falei: "A senhora não tem filha, mas vai ser minha sogra ainda". Aí ela ficava braba comigo, me xingava. Mas tudo de brincadeira. Era para vir fazer uma tocada aqui. Mas isso aí é brincadeira que a gente falava. Porque ela mexia comigo, só para a gente dar risada. Aí eu falava para ela: "Ah, a senhora vai ser minha sogra ainda". "Mas, sogra como? Nem filha eu tenho." "Ah, tudo bem. Então vai ser minha mulher." Aí ela ficava braba. (riso) Não, brincadeira. Mas ela levava tudo por brincadeira. No dia que ela veio aí em Campo Grande, que aconteceu isso, ela estava doente, ela ligou, falou para o sobrinho dela: "Você pega e paga a diária do seu Geraldo." Parece que ela estava adivinhando. Fazer o show junto. Mas nós já divertimos muito juntos. Ele é uma pessoa muito decente. Ele falou: "Não, tudo bem”. Quando foi para vir embora, que eu fui para pegar o ônibus, o cara falou: "Não, o cara vai levar você lá". Eu falei: "Melhor ainda". Aí ele veio, pegou o cheque, me deu. 600 contos. Falei: "Está bom demais". Aí eu vim embora. Mas, eu fiquei sentido e ele veio aqui, falou para eu ir lá. Falou: "Se você quiser ir lá, arrumo um lugar para você ficar". Falei: "Não, mas eu não agüento pagar". Ele falou "Rapaz, você não agüenta no começo, mas no fim vai sobrar dinheiro". Eu falei: “Rapaz, eu quero ver dinheiro sobrar (riso)”. “Não, Você pode ir sem medo.” “Eu sei, mas eu vou lá, vou ser obrigado a fazer dívida por minha conta, que eu não posso. Eu não tenho dinheiro, meu dinheiro é pouco e eu vou lá entrar de que jeito?” “Não, se você quiser vir aqui, nós podemos ir em qualquer lugar." “Para eu ir para lá assim, eu não vou, porque eu não gosto de viver dependendo dos outros. Eu gosto de depender de mim.” “Não, mas não tem problema.” “Eu não faço isso porque eu não tenho”. Eu falei: “Quanto paga o aluguel do quarto para ficar uns dois meses?”. Ele falou: “O mínimo que achar, por amizade, é 800 contos”. Eu falei: “Não vou”. P - Só para não deixar passar batido aqui é uma curiosidade. Essas casas que tem aqui, esse tipo de casa que a gente vê, que é palafita, que é casa que tem essa madeirinha embaixo. Tem muita enchente aqui? Elas resistem a enchentes? R - Aqui a gente chama de pilar. "Já fez os ‘pilar’ da casa?" "Já." "Então pode levantar." Aí faz o assoalho e começa a levantar, que esses pilares demoraram mais ou menos três anos para fazer, porque fizemos de tudo. Falei: "Vamos fazer logo, aproveitar". Vieram duas firmas para fazer esse serviço. P - E resiste a enchente? R - Resiste. Eles deram uma requebrada, porque eu acho que a firma pega para ganhar dinheiro, então faz de qualquer jeito. Acho que o cimento estava meio cru, começou a querer mais, aí revestiram. Agora não tem mais perigo nenhum. P - E a altura, como foi calculada? R - Dessa aí não passa. Até agora não chegou água ainda. Não é possível uma altura dessa. P - Desculpa, agora eu queria voltar na viola. O senhor trabalhava aqui e ia nas festas. E a família do senhor nisso tudo, como é que é? A esposa do senhor ia junto também? R - Não. Não ia. Até hoje ela não foi. Você vê que vai fazer 26 anos que eu estou aqui, ela não conhece aqui, nunca veio. Nunca veio aqui. Eu ando por aí, e nesse tempo, com esse contratempo, nós nunca tivemos esse contratempo, porque eu falei para ela: "Se a pessoa não conhece a gente, deixa de viver pela vontade dele e não fazer a coisa que não pode, mas pela vontade da natureza, a pessoa vive, mas contrariado". Então, eu acho que eu, graças a Deus, não contrariei ninguém. Depois, acho que ela foi pesquisar tudo e não viu motivo nenhum, entregou o ouro. (riso) Aí, ficou. A minha patroa é muito doente. Agora mesmo ela estava no hospital. Semana que vem eu tenho que ir lá para ver como é. Ela pegou aquela doenças da diabete. Ficou quase três anos no hospital. P - O senhor já tocou fora do Mato Grosso? R - Por enquanto só aqui mesmo. Eu toquei em São Paulo uma vez, quando eu estava lá, que eu vinha. Eu parei lá na Frei Castilho, peguei uns caipiras conhecidos da gente para tocar, mas aí larguei e vim embora. Se eu tivesse ficado lá, eu estava junto com eles. Só que eles morreram também. Morreram os dois. Toquei na Frei Castillho, que lá tinha um cinema, tinha um parque. Aí, eu vim para cá e eles falaram: "Ursulino Morroeiro morreu". Eu falei: "Então, pois é". Eu vim para o Mato Grosso pela influência que estava. Eu falei: "Eu vou largar a mão, que às vezes eu pego alguma coisa lá". Aí ficou desse jeito. Naquele tempo não tinha muito valor, não. A pessoa para tocar, não tinha muito valor no negócio de música. Nem música, nem jogo de futebol. A pessoa jogava aí por conta mesmo, porque era jogador. Tocador é tocador, mas não tinha valor de nada. Governo não dava apoio. Nem a lei, nem nada. Hoje você vê um jogador ganhar mais do que o governo. Já pensou uma coisa dessa? Uma pessoa só ganhar mais do que dez, doze famílias. P - O senhor lembra de alguma festa que o senhor tocou, que aconteceu alguma coisa? R - Quando eu vim para cá, sempre tocava. Tem muitos caras que fazem aniversário lá em Miranda, me chamam, eu vou. O político também chama para eu ir tocar para eles, eu vou. Na cidade de Bodoquena, muitas vezes eu vou. Agora vou tocar na Fundação Bradesco, que eles já me avisaram. "Fundação diz que tem um negócio lá para você fazer." É só me avisar com tempo. Na Fundação, eu não toquei ainda. Eles sabem que eu toco, mas eu não toquei, vou tocar agora. Que eles vai me avisar depois, para eu tocar, que a Fundação é um pessoal muito bom, muito educado, aquele povo. É uma escola muito linda. É muito bom demais. Só aconteceu dessa vez, que eu era solteiro, que eu carreguei essa viola nas costas. Daí para cá, não aconteceu mais. Eu já fui em casamento, festa de casamento, de aniversário. Se for para ir no aniversário, o cara nem trabalha. Porque todo dia o cara faz aniversário. Aí fala: "Você não vai?". "Não, eu não vou." "Não, vai lá, rapaz." Ontem fui tocar em Corumbá, onde eles fazem a mineração, na Bacia da Prata, coisa que eu nunca tinha visto. P - Tocar para o pessoal que trabalha ali? R - É, para o pessoal que trabalha. Lá é muito lindo. A coisa mais linda do mundo. Onde trabalha funcionário lá é melhor do que um prédio dentro da cidade, onde eles trabalham. Eles me levaram lá. Eu agradeci demais e eles me agradeceram demais também. Diz que qualquer hora vai fazer uma festa, mas eles têm medo. Eles fazem uma tocada, por conhecimento deles, mas para fazer festa, para a gente convidar gente de fora, eles não convidam, eles têm medo, porque é muito perigoso um cara levar uma bomba lá. Como eles estavam falando, é perigoso. Mas lá é bonito demais, Deus me livre P - Uma outra perguntinha, seu Geraldo. O senhor vive aqui, então, aqui na unidade. Como é que é o dia-a-dia do senhor? R - Cinco horas eu já levanto. Aí eu mexo com as plantas de muda nativa. Eles falaram para eu plantar umas mudas nativas, então eu tenho umas ali. Todo dia, cinco horas, cinco e meia, eu estou molhando elas. Aí vou lá, tomo um gole de café. Quando for oito e meia eu vou lá e como. Quando é 11 horas, a comida, e aí daí um pouco já vem o incumbido: “Está furando, estão chamando você lá”. Eu falei: "Ah, eu não. Ele vai vir buscar". "Então vai desse jeito." (riso) Mando tudo contente, graças a Deus. Eu só peguei essa rouquidão desses dias para cá. A garganta está melhorando, eu não sei o que foi que aconteceu. Foi alguma coisa que eu bebi, um estava quente, outro estava frio. Atrapalhou minha voz. Só pode. Porque eu não tinha nada disso. P - Seu Geraldo, e que tipo de muda o senhor planta? Quais são as plantas? R - Só as mudas daqui do Pantanal, que eles pediram. Eu planto aqui, agora não, porque não está maduro ainda. Esse ganho já "enflorou", ele vai dar a semente. Eu vou plantar o ingá ainda esse ano. Já plantei o ano passado, mas já entregou. Já tem o ipê amarelo. Isso eu já plantei, já está tudo grande. Então, tem aroeira, tem o cedro. Mas o aroeira e o cedro, eles dão em qualquer lugar. Eu planto também, você pode plantar. Tem aroeira, tem o cedro. O pinho vem do Paraná para eu plantar. Eu plantei, está aí. Só que não pode plantar aqui, que não se dá. P - E essas árvores demoram muito para crescer? R - Não. A aroeira mesmo, está com oito meses que eu plantei. Está com mais de dois palmos. Está quase com 50 centímetros. Está lá para quem quiser ver. Só que já levaram lá para Campo Grande, que é onde precisa do reflorestamento, eles estão plantando. Aí eles falaram: "Não, planta as árvores, que nós vamos ver lá para você, porque tem lugares aí que precisa plantar". Está tudo desmatado. Eu tenho mais ou menos na base de uma mil e poucas, de umas duas mil plantadas. Vou plantar mais estou esperando ela "amadurar". Tem essa aí, o ingá. Essa aí vai "amadurar", eu vou plantar. Tem aquele outro lá, aquele pezinho, que se chama morcegueiro. Eu vou plantar ele também. Já está tudo com frutinhas. Tem o tarumã também, serve até para remédio. Vou plantar também. Eu já plantei, mas eles já levaram, já não tem mais muda. Estou esperando só "madurar" para eu plantar. Mas, a maioria que vai "madurando", eu vou plantando. Lá tem muita muda plantada. Tem ximbuva, é a madeira de fazer a canoa (riso). Eu plantei muito porque eu achei um pé com muita fruta, plantei. Tem mais de mil pés plantados. Já está tudo nascendo e outros já estão grandes. Aí eles falam para mim: "Pode plantar muda do Pantanal". Tem esse bacurí, o carandá, que é esse fininho. Então, plantei também, vou plantar mais. Tem o para-tudo, também eu já plantei, já nascendo. Tudo muda daqui. Agora eu vou plantar o abobreiro, que é aquele ali, estou esperando "madurar", soltar as sementes. Então, as mudas que forem das árvores daqui, eu vou plantar tudo. Estou plantando cedro também, aroeira, que é de todo lugar. Vou plantar mais, que eles pediram, só as mudas daqui. É o ingá, é o morcegueiro, sardinheira. Tem a canelinha também, dá a fruta. Tem a canelinha e tem o jenipapo também. Vou plantar, estou esperando só nascer. Mas a maioria já está tudo plantado. A piúva já está grande, tem pé grande e tem uma já nascendo. Eu plantei lá, tem uma amarela e tem uma vermelha, uma roxa. Então, já plantei das duas. E já está tudo nascido, tudo grande, outro que está nascendo. P - Eu vou aproveitar que o senhor está falando das plantinhas que nasceram, e falar da sua família. Quantos filhos que o senhor teve? R - Nós temos 12 filhos, mas faleceram dois. Tem dez filhos aí. Faleceram dois novinhos. Eles morreram, nem sei por que. Nós estávamos na Poeira ainda, lá que ele morreu. Aí tem dez filhos, tem duas filhas que moram junto comigo. Tem uma neta que eu crio, que mora junto com a mulher. A mulher não mora sozinha. E tem um filho meu que trabalha na polícia federal. Ali naquela polícia ali da rodoviária. Então, ele pára aí com eles. Todo dia ele vai lá em casa e volta, por isso que eu fico descansado. Eles cuidam mais do que eu. P - Como é o nome da esposa do senhor? R - Alícia Pereira Soares. P - Vamos tentar fazer uma listinha do nome dos filhos do senhor? R - A mais velha é Maria Soares Pereira; segundo, Alceu Soares; terceiro, Argeu Soares; o quarto é Moacir Soares; o quinto é Luciano Soares, que é esse que trabalha aí. Tem a Luciana, a Alicinha, que tem o nome da mãe, e tem a outra, que esqueço até o nome. Ela foi a primeira que saiu de casa. Ela toma conta de um asilo de uns velhos em Campo Grande. Ela mora lá há muitos anos. Eu esqueci o nome dela P - Não tem problema não, seu Geraldo. R - Não, eu esqueci. Mas, eu lembro do nome dela. P - A Cilene o senhor já falou? R - Não falei da Cilene ainda. Essa daí eu sei, ela teve um tempo morando lá em Goiás. Então ela saiu de casa, casou com um rapaz, foi para Goiás e não deu certo. Aí largou aquele e casou com outro. Com esse outro ela está vivendo muito bem. P - E o senhor tem neto também? R - Tenho, quatro, uma que mora comigo. P - Não precisa se preocupar, uma hora vem o nome. É que nem as mudinhas que o senhor plantou. R - Tem que marcar tudinho e depois brota. Agora eu vou acabar de plantar, tem que fazer as placas, porque aí mistura, a gente não sabe qual é. Chega assim: "Que planta é essa?". "É fulano de tal." E eu não vou lembrar na hora, tem que ver o nome na placa. Vou falar para o cara para ele fazer as placas das mudas. Faz e eu vou plantando, que eu marco tudo no lugar. Mas tem hora que a gente confunde. P - O que o senhor diria que foram as principais lições na sua vida? R - Eu achei bom aqui no Mato Grosso do Sul, porque em São Paulo eu achei muita coisa boa, mas eu achei meio apertado devido às explorações, até para trabalhar. Aqui no Mato Grosso, quando eu vim, a gente mexia só com a roça e aí a gente achou terra de graça para trabalhar. Lá em São Paulo a gente não podia trabalhar nem pelo amor de Deus Então, aqui, os caras: "Não, pode ficar aí. Vai trabalhando aí". A gente não tem terra porque não quer, porque pela confiança a gente tinha. Se eu estivesse nas terras que a gente estava, hoje a gente não saía mais não. Porque hoje a pessoa pega os direitos, fala: "Não, o fulano não precisa dessa terra toda. Eu tenho que arrumar um pedaço mesmo e eu vou entrar apertando que o pessoal está crescendo e as terras estão encurtando. Aí o cara não tem mais onde plantar, o mundo de gente que tem. Está a mesma quantidade que está o carro no Brasil. Vai chegar um tempo que cada brasileiro vai ser dono de cinco carros. (riso) O senhor quer ver? Lá em São Paulo já não pode mais, não tem mais garagem para poder colocar o carro, não cabe mais. Você nota bem um lugar que nem São Paulo, e aqui em Campo Grande também já está quase do mesmo jeito. Ainda está melhor porque tem muito espaço. Mas quando tem espaço, os carros vêm direto. Então, eu achei bom aqui no Mato Grosso porque, graças a Deus, a gente vive uma vida tranqüila. Para mim parece que a saúde é até melhor. O oxigênio aqui é outra vida para a gente. Então, eu vejo o pessoal se queixando, outros falando: "Ah, eu não vou ficar em tal lugar". Porque uns se dão bem, outros não. Tem uns que querem viver num lugar desse, outros não querem. Mas, eu , para viver à vontade, acho que é melhor. P - O que a viola significa na sua vida? R - Eu acho bom, porque quando eu fico pensando em alguma coisa, eu pego na viola e começo a tocar. Nessa semana mesmo, veio um cara, falou assim para mim: "Tem uma turma de bombeiro aposentado, mas eu vou dizer para o senhor. O senhor faz todo bem de ir. Lá não tem mulher não, só tem homem". Eu falei: "Eu não tenho nada que ver com homem. Se quiser, pode se virar com seus homens para lá. Eu tenho com a minha viola". "E quanto o senhor vai cobrar?" "Não, eu não vou cobrar nada. Eu vou lá porque é a primeira vez." E esse cara é o capitão reformado. Tem um cara que mora aqui, que é muito amigo meu. Aí ele falou para mim: "Seu Geraldo, faço tanto gosto de você ir lá no capitão". Aí ele veio me buscar. Aí ele falou: "Quanto o senhor vai cobrar?". "Não, eu não vou cobrar nada, vamos embora. Eu vou lá e fico umas horas lá. Se o senhor gostar, bem, se não gostar, é a mesma coisa". Eu fui para lá, chegou lá, era só pau dágua, só “nêgo bêbo”, que eu nunca vi daquele jeito. E os caras: "Você vai beber?". "Não, só quero água." Eu vou entrar no meio daqueles “bêbo” e embebedar também? Não, não. Só “bêbo”. Tinha mais ou menos uns vinte. Tudo “bêbo”. Você sabe aqueles bombeiros aposentados? E uns que pegaram férias e vieram tudo para aí. Virou aquela “bebalhada”. Tudo bem, eu agüentei tudo. Vim embora, o capitão falou para mim: "Seu Geraldo, o que aconteceu?". "Eu vou embora.Você me leva em casa?" E levou. Aí eu fui embora. Aí ele falou: "Seu Geraldo, o senhor tem conta no banco?". Eu falei: "Eu tenho. Você pode procurar meu nome lá que você acha". Aí ele: "Tudo bem". Eu cheguei lá no Banco do Brasil, o gerente, muito meu conhecido, falou: "Você agora engordou". "Engordou como?" Aí ele falou: "Olha aqui". Me mostrou. O cara depositou 800 contos lá para mim. Falei: "’Oxente’". Como eu não acompanho a viola, desse jeito? Eu nem esperava uma coisa dessas. Você já pensou? Eles disseram que deu cada um deles, um deu 50, outros deram 100. Quando apurou, deu quase 800 contos. Falou: "Não, é dele. Pode mandar para ele". Levou e botou na minha conta. Falei: “Pode vir homem desse jeito”. Tudo bem, só que eu fiquei lá até três horas da madrugada agüentando amolação dos “bêbos” caindo em cima da gente. Eu falei: "Vou agüentar tudo isso". Mas, por causa disso é que eles fizeram isso. Outra vez veio o exército de lá de Campo Grande, ficaram aqui também. E eu acompanhando eles para todo lugar, eu fui lá: "Seu Geraldo, você vai em Campo Grande, o senhor tem negócio na Caixa?". "Tenho.” “O senhor pode procurar lá”. "Tudo bem." Falei: "Procurar o que?" “Vai lá na Caixa.” Aí eu tive que ir para lá mesmo. Cheguei lá, tinha 500 contos. Está bom demais (riso) Então, a gente toca a vida assim, é melhor. P - O senhor conhece o pessoal do Banco do Brasil daqui? R - Conheço. É um pessoal muito conhecido da gente, muito legal. O gerente de lá conhece a gente, já sabe os negócios da gente. Porque eu faço os negócios pelo Banco do Brasil e pela Caixa Econômica também. Na Caixa Econômica também, eles me conhecem. Dentro daquela de Campo Grande, aquela Caixa grande, que a correspondência minha que vem de Brasília cai tudo nela. Daí que ela distribui para as outras Caixas. Distribui no Banco do Brasil. Então a gente, sabendo viver com todo mundo, é melhor do que a pessoa querer bancar o bom sem ser. Não adianta. P - Seu Geraldo, que sonhos o senhor tem para realizar? R - Eu sempre trabalho nesse comportamento de possuir uma condução para mim mesmo e para andar na hora que eu quero e que eu preciso. Eu tenho uma família muito grande, na condução que nós temos lá. Essa menina falou: "Meu pai, eu vou comprar uma moto". Eu falei: "Compra, mas quem vai pagar?". "É o senhor." Eu falei: "Não, você paga". Parece brincadeira, e ela não é que comprou mesmo? Foi lá, com meu nome e tirou a nota. Mas eu gostei, porque sempre precisa ir acolá. Sempre tenho meu sonho de eu trabalhar. Eu só não comprei ainda, porque eu comecei a arrumar a casa e não terminei de arrumar ainda. A hora que eu arrumar a casa, se Deus quiser, eu compro nem que for fiado. Eu preciso de um carro, que aqui mesmo, eu mexendo com isso, eu preciso de um carro para andar para aqui, para acolá. Às vezes, o carro, a universidade oferece, mas tem hora que ela não pode. Se a senhora vir meu plantio de muda que eu comecei agora, eu preciso de um carro para levar. Então, se Deus quiser, eu quero ver se Deus me ajuda, que até o final de dezembro ou janeiro, eu termino de arrumar minha casa, aí eu vou dar um jeito de comprar um carro. O meu sonho é esse, com fé em Deus. P - Seu Geraldo, a gente está fechando, o senhor gostaria de deixar alguma mensagem? R - Não, tudo bem, pode deixar. A minha família é a coisa que a gente mais adora, é muito obediente, nunca me deu desgosto para nada. Até hoje. A mulher, a gente fica assim, porque ela é meio doente, mas a gente passa por isso. Os meus filhos nunca me deram desgosto, graças a Deus. Inclusive, eu tenho esse rapaz que trabalha. Ele quase só trabalha, junto com o governador. Ele é pescador profissional, mas agora vai sair. Eu falei para ele, eu dei conselho para ele sair. Não adianta, porque esse negócio de pescaria já não dá mais. Então, dá mais é trabalho. Falei: "É melhor você largar. Eu compro um carro, te ajudo a comprar. E você trabalhar é melhor do que você mexer com negócio de pescaria". Aí ele está realizando esse sonho dele. Ele é dessas pessoas que vivem desenvolvendo, porque pescador vive por conta dele. Aí os caras pegaram ele para trabalhar na política. Não é que o prefeito ganhou para o lado dele? Ele falou: "Olha, agora você tem tudo que você precisa na mão da gente". Eu falei: "Rapaz, você não vai jogar fora, não". (riso) Aí já fizeram um salário bom para ele. E falaram: "Seu salário está garantido". É que ele trabalhou muito para ele. A pessoa, quando trabalha, ganha e merece. Tudo direitinho, graças a Deus. Porque eu saio daqui, vou lá para o Corumbá, os caras chegam: "Seu Geraldo, é o senhor? Senta aqui, vamos conversar". Até em Campo Grande, no meio de uma praça daquela, eu vou andar lá, os caras mandam eu parar: "Pára aí. O senhor não é o seu Geraldo?". "Eu mesmo." "Eu quero bater um papo com o senhor um pouquinho". Falei: "Meu Deus" "Vamos conversar. O senhor não lembra de tal, assim, assim?" "Lembro." "Então, sou eu. Vamos lá para casa?" É assim, desse jeito. Mas a pessoa que não adquire mal para os outros, não recebe mal também. Toda vida é assim. Meu pai e minha mãe sempre falavam: "Não faz mal para ninguém, que ninguém recebe mal. A gente só recebe bem". Eu falei: "É verdade". A pessoa faz um mal para você, você fica quieto. Depois ele vai receber o mal dele. É verdade mesmo, eu acredito. P - Quando você vai nas festas, você toca alguma música para fechar a festa? R - Tem. Quando eu vou na festa, eles falam para eu tocar a saideira. Mas, essa saideira nunca mais acaba. (riso) P - O senhor pode dar a nossa saideira para a gente fechar essa entrevista? R - Eu ainda vou fazer o favor de tocar a música que a Helena Meirelles tocava. E a música se chama Amélia. Essa música foi inventada na cidade de Ponta Porã. Aí veio para Miranda. Então, ela chama Amélia. (toca e canta) "Que é a mulher que eu mais amava de verdade." E ela tocava, a finada. Essa música é da Helena Meirelles. P - Seu Geraldo, a gente queria muito agradecer essa entrevista que o senhor deu para a gente, esse depoimento. Em nome da equipe toda, muito obrigada. R - Não, obrigado vocês, pela maior confiança e consideração que a gente tem. E muito obrigado vocês e a gente, se precisar, está às ordens. Qualquer lugar, você pode me chamar, que a gente está às ordens. Então, a gente mora aqui longe, mas talvez fique perto, porque devido à estrada, que é muito boa, que a faculdade também está pronta. Se precisar de qualquer lugar, eles me ajudam e eu vou. E eles falaram para mim: "Você não se preocupe com nada". Mas, minha preocupação é só adquirir um carro, se Deus quiser. Mas, a hora que eu terminar minha casa, eu faço. Não adianta eu comprar um carro, para a casa estar desarrumada. Então eu tenho que arrumar a casa primeiro para agradar a mulher (riso). Senão ela vai embora (riso). Aí eu falei: "Não, mulher. Pode deixar que eu arrumo”. Aí eu já achei até muitos carros para comprar. Eu falei: "Não, eu vou arrumar primeiro. Depois eu compro". Mas, eu tenho que comprar um carro, porque a gente ter a coisa da gente é outra coisa. Se Deus quiser, eu compro. P - Vai comprar. R - Tudo bem. P - Obrigado, seu Geraldo, por essa linda história. R - Muito obrigado vocês também.
Recolher