P/1 – Paulo, primeiro gostaria de agradecer você por ter aceitado o nosso convite, e vou começar pedindo pra você falar o seu nome completo, local e a data do seu nascimento.
R – Meu nome completo é Paulo Cesar de Oliveira Rodrigues, eu nasci aqui em São Paulo mesmo, na capital, no dia sete de março de 1959.
P/1 – E qual é o nome dos seus pais?
R – Meu pai, Clésio Teixeira Rodrigues, e minha mãe, Maria Helena Oliveira Rodrigues.
P/1 – E qual é a atividade deles?
R – Meu pai era economiário, trabalhou na Caixa Econômica Federal durante muitos anos, a vida dele praticamente inteira. Lá, ele atingiu o cargo de Diretor Presidente da Companhia Sasse, que é uma companhia de seguros e faleceu até trabalhando ainda nessa companhia. Minha mãe é professora de Matemática, também já aposentada, e ministrou aulas na escola pública durante muitos anos.
P/1 – E você tem irmãos?
R – Tenho uma batelada deles (risos). Tenho seis irmãos ao todo, dois falecidos, somos em cinco hoje.
P/1 – E você está em que lugar nessa escadinha?
R – Quarto lugar, sou o filho do meio, tenho dois irmãos e uma irmã mais velhos, o Clésio que já faleceu, José Eduardo, também já faleceu, depois Lali Maria que está acima de mim, Paulo. Depois tem Diva Maria, tem o Luís e o Pedro que são gêmeos, são os caçulas e gêmeos.
P/1 – E você conheceu seus avôs?
R – Sim, todos. Sebastião, que era pai do meu pai e Diva. E Bertino e Lali que eram os pais da minha mãe.
P/1 – E você sabe qual é a origem da sua família?
R – Alguma coisa, sim. Da parte do meu pai, eles eram mineiros. As duas famílias de Minas, naquela região ali de Juiz de Fora que dizem que não é Minas, né, é Rio de Janeiro. Mas é daquela região. E que veio lá detrás, dos portugueses, é bem uma região que foi colonizada pelos portugueses lá atrás. E da família da minha mãe já são imigrantes portugueses também, ascendência portuguesa. Meu avô não tinha sotaque de português, nasceu aqui em Tietê, se não me engano, brasileiro nascido aqui, mas filho de português. Minha avó também, parecida com ele.
P/1 – Você disse que nasceu aqui em São Paulo, em que bairro que foi isso?
R – Meus pais, após casarem, moraram no Rio de Janeiro, tanto que eu tenho um irmão que nasceu em São Paulo primeiro, depois eles mudaram pro Rio, e meus dois irmãos mais velhos acima de mim, o José Eduardo e Lali Maria nasceram no Rio de Janeiro, eles retornaram pra São Paulo no finalzinho da década de 50, um pouco antes até de eu nascer, para o bairro ali do Paraíso, na Alameda Santos. É uma casa que meu avô tinha naquela região, uma casa bastante grande e morávamos todos juntos ali. Meu avó e a família, eu, minha mãe, meus pais. E eu comecei a minha vida ali. Quando moleque, eu tenho bastante lembrança do Paraíso, da Rua Cubatão, daquela região bem do Paraíso, do Largo do Paraíso. Estudava numa escola ali próxima, que era o Pio XII que hoje não tem mais ali, só tá no Morumbi. Minha vida, moleque, de cinco, seis anos foi ali. Depois, nós mudamos pra Rua Dom Manoel que fica no Campo Belo e desde então não saí de lá, moro lá até hoje.
P/1 – E conta um pouquinho como que eram essas lembranças que você tem do Largo do Paraíso, de pequeno, o que vocês faziam?
R – Assim, ali não tinha muito o quê fazer fora de casa porque já era uma região muito próxima da Avenida Paulista, Alameda Santos, a uma quadra da Avenida Paulista, e aquela região toda era uma região movimentada, não como hoje, óbvio, mas tinha um certo movimento. A gente saía pra rua, tal, mas brincava muito dentro de casa., era totalmente dentro de casa. Eu tenho lembranças da escola, de eu ir para o Pio XII que era naquela região, que era um pouco mais arborizada que hoje, não muito mais. Prédios mais antigos, mais baixos, a gente tinha ali aquela região da Paulista que era uma região com imóveis super lindos, bonitos e baixos. Eu não peguei muito dessa evolução lá, não vi muito isso acontecer, porque eu saí de lá com seis anos de idade, então, era muito moleque ainda. Tenho muito mais memória da Rua Dom Manoel onde eu moro hoje, que era uma rua de terra, que não tinha nada ainda, aquela região não era desenvolvida. Pra vocês terem uma ideia, onde é hoje a Avenida Vereador José Diniz, há 45 anos, era o bonde. Nós tínhamos uma linha de bonde ali, eu lembro muito de pegar esse bonde pra vir pro centro. O bonde ia até o Biológico mais ou menos, e dali nós saíamos de Bonde Elétrico, que ia pela Liberdade. Pra vocês terem uma idéia, coisas que eu me lembro dessa época, um pouquinho, de vez em quando, quando eu ia ao médico, ia à Beneficência Portuguesa que era o hospital que atendia a Caixa Econômica Federal na assistência médica. E eu me lembro de passar por uma ponte estaiada, que não era bem do tamanho das pontes de hoje aqui, que passava em cima da Avenida 23 de Maio, que não era 23 de Maio, era um rio. Eu me lembro dessas cenas, sabe essas pontes que tem no Himalaia, no Peru, pra atravessar rios? Era uma ponte que atravessava ali da Avenida Liberdade, mais ou menos, para o outro lado, na altura ali da Beneficência Portuguesa. Eu lembro que aquela região era uma região que tinha a Avenida Paulista, tinha a Rua Augusta, não existia a 23 de maio, tudo aquilo era um rio, era mato, era área verde. São dois vales, né? Um vale que descia da Avenida Paulista para o Anhangabaú e o outro vale que descia da Paulista para o Parque do Ibirapuera. Eu me lembro do Parque do Ibirapuera, a gente ia muito ao Parque Ibirapuera, família, que é mais ou menos o que é hoje, tal, frequentada da mesma forma, parecida. E eu vivi muito naquela região porque o meu avô alugou esse imóvel e comprou um outro na Manuel da Nóbrega, então, eu ia muito pra casa do meu avô, pai da minha mãe, que ficava ali numa paralela da Manuel da Nóbrega. Eu continuei frequentando aquela região por muito tempo ainda, ia direto lá nas férias, saía aqui do Campo Belo e ia passar o mês de férias na casa do meu avô no Paraíso, Jardim Paulistano, coisa assim. A gente se lembra disso, não tenho muitas lembranças, lembro de brincar muito dentro de casa, descia a ladeira da casa onde a gente morava, que tinha um ladeirão, a casa tinha um terreno inclinado, lembro bastante disso, mais ou menos isso.
P/1 – E com os seus irmãos, do que vocês brincavam juntos? Era uma turma grande, como era a movimentação dentro de casa?
R – Na época, nós éramos em cinco. Engraçado, eu me lembro de brincar de fazer planta de casa, porque acho que a gente tava construindo uma casa na época, essa casa onde eu moro hoje, então, eu me lembro da gente brincar muito de desenhar plantas de casa no papel e ficar brincando ali onde era a casa, tal. Uma coisa pitoresca que eu tenho de lembrança forte mesmo era um trator que eu tinha, um tratorzinho laranjinha, tal, como se fosse uma bicicleta pequena. Eu me lembro de descer a ladeira da minha casa lá, meu irmão falando: "Tudo bem, pode descer que não vai acontecer nada", eu capotando na ladeira abaixo ali (risos) porque era uma ladeira mesmo, não tinha como segurar, e o irmão mais velho: "Não, pode descer!" (risos). O irmão mais novo vai lá e paaaaa, capota, tal. Eu me lembro desse trator que ficou na minha mente até os dias de hoje, hoje eu tenho um trator igual na Marina, só que grande. É igualzinho, é a mesma coisa, laranjinha, quando eu vi o trator até, que eu fui comprar, eu falei: "Nossa, é igual aquele trator". Eu lembro que eu falei: "Vamos comprar porque tem coisa na memória". São coisas pitorescas. E tomar sorvete ali era, não é La Basque, é... Acho que é La Basque mesmo que tem ali na Rua Cubatão e comer esfirra ali na esquina que tem o cara que serve as esfirras. Mas de brincadeira com eles, eles eram irmãos mais velhos, já iam pra escola, todos eles já estudavam, então, não tinha assim tanto contato. Eu me lembro de ficar muito com a minha mãe, com a família ali. Meus avôs moravam na mesma casa. Eu lembro muito dessas brincadeiras de desenhar planta de casa, acho que muito porque a gente tava construindo essa casa.
P/1 – E em relação ao comércio? O que tinha em volta da casa de vocês pra comprar, ou onde vocês gostavam de ir?
R – Ixi. Olha, como eu saí com seis anos de lá eu vou lembrar mais da Dom Manoel, né? Nós tínhamos um açougue próximo de casa, que era o açougue conhecido. Várias vezes eu fui levar carne pra moer no açougue, uma coisa que a gente fazia com frequência: "Leva lá a carne pra moer". Eu molequinho ia até ao açougue pra moer a carne, coisa que hoje em dia pouca gente faz, né? Sair de casa pra moer uma carne no açougue, tal. Não se faz mais isso. Eu me lembro do seu Vieira que era o dono de uma banca de revista, que era amigão do meu pai. As pessoas do bairro, inclusive do comércio, se tornaram amigos mesmo, pessoas que se respeitavam muito, se conheciam, um conhecia um pouco da vida do outro. Esse seu Vieira, por exemplo, ele viveu muito mais do que o meu pai, meu pai faleceu com 51 anos em 81, se não me engano, mas o seu Vieira eu encontrei ele “n” vezes depois disso e ele sempre perguntando da família, falando da família. Eu me lembro do bicicleteiro, que era o seu Amadeu, que a gente ia lá pra consertar as bicicletas, encher pneu de bicicleta. Eu lembro direitinho da oficininha dele, aquela coisa cheia de bicicleta, aquele aventalzinho azul claro, aventalzinho. Tinha ele, as feiras, sempre tinha uma feira ali, que chamava Rua Pirassununga, tinha aquela feira famosa, feira livre. Era meu pai que fazia as compras, normalmente no final de semana, então, a gente ia junto com ele, e como a família era grande, aí já tinha mais dois irmãos dentro de casa, eu me lembro do meu pai comprando caixa de laranja, não comprava só uma dúzia ou duas dúzias, comprava a caixa inteira. A gente ia com aqueles carrinhos de feira, tinha os garotos que acompanhavam você na feira com um carrinho de rolimã, só que era um carrinho mesmo, é coisa que não existe mais hoje. O que mais ali? A famosa Paulino, que a gente ia comer a pizza na Avenida Santo Amaro. O cinema Vila Rica, que ficava lá na Santo Amaro e era uma coisa que a gente ia muito. O cinema Vila Rica fica na altura do número 700 da Avenida Santo Amaro que não existe mais, agora são lojas, comércio. A pizzaria também ficava na Avenida Santo Amaro. Lembro das primeiras pedaladas que eu fiz no bairro, que a gente ia até o Brooklin, que hoje é do lado, coisa de um minuto, mas a primeira vez que eu fui até o Brooklin pedalando foi uma aventura, uma coisa: “Nossa, como é longe!”. Eu me lembro muito do bonde, você fala de parte de comércio, tal, o bonde foi muito frequente na minha vida porque passava na frente, a gente utilizava. Eu me lembro de estar chorando do dia que o Faria Lima tirou o bonde de São Paulo informando que ali teria uma avenida, e eu achando aquilo absurdo, na época eu achava aquilo um absurdo, concordava com o meu pai e com meu avô, que achavam que não deveriam tirar o bonde porque o bonde era uma linha que não poluía, que era um transporte utilizado no mundo inteiro, e que aquilo poderia evoluir como transporte e não passar ali uma avenida. E na época foi um terrorismo porque a avenida ia passar, e quais casas iriam ser desapropriadas, que ninguém sabia direito, foi uma certa confusão ali no bairro, todo mundo apreensivo com o que ia acontecer. Mas tinha muito pouco comércio, tinha o básico, a padaria que a gente comprava o pão, que era próximo ao açougue. A banca ficava em frente a essa padaria. E eu vi todo esse bairro sendo transformado. O primeiro bairro que eu morei, que foi no Paraíso, hoje eu vou no Paraíso é saudoso e ele é muito semelhante, fora os arranha-céus, os prédios, que era um bairro totalmente residencial. A casa onde eu morei existe lá até hoje, meu avô não vendeu a casa, o vizinho vendeu, então, nosso imóvel está lá até hoje com prédio de um lado, prédio do outro, prédio em frente, atrás. Aquele bairro eu vejo que não mudou muito, agora, o bairro que eu moro hoje, Campo Belo, foi totalmente transformado. A Avenida dos Bandeirantes não existia, eu a vi sendo construída. Eu vi a Avenida Vereador José Diniz sendo construída, o viaduto que passa em cima da Avenida Bandeirantes. Antes ali era um pontilhão, tinha o trilho do bonde, tinha um pontilhão pequeno, passa um rio debaixo da Bandeirantes, vocês sabem disso? Acho que não, né? Tem um rio que passa embaixo da Avenida dos Bandeirantes canalizado, totalmente canalizado. Eu vi esse rio sendo canalizado. Eu vi eucalipto e árvores sendo cortados pra dar espaço pra avenida. E, nesse pontilhão eu lembro muito assim, ao lado por onde passava o trilho do trem, que a gente gostava de passar no trilho do trem que era muito mais perigoso, muito mais emocionante, mas tinha uma pontezinha também ao lado que servia às pessoas irem pro bairro que se chama Vila Helena. Vocês conhecem? Vila Helena é onde é hoje o Shopping Ibirapuera, vi o shopping sendo construído, foi na década de 70, se não me engano. A escola que eu frequentava, que era uma escola pública próximo de casa, a gente ia a pé, é a Manoel de Paiva, era uma escola que tinha um baita de um campo de futebol, tal, justamente quando eu entrei na escola, a escola construiu um prédio e acabaram com as quadras, não tinha mais esporte, virou um colégio de salas de aula, só. Eu vi muita transformação nesse bairro, estou vendo até hoje, né? Muitos prédios sendo construídos agora, muitas áreas residenciais que estão se tornando áreas permitidas pra construção de apartamentos, tal. Isso eu vi bastante transformação, lá no Paraíso é mais ou menos igual, não mudou muita coisa, não.
P/1 – E falando da escola, você chegou a comentar que a sua primeira escola foi o Pio XII, tal. Qual a sua primeira lembrança de ir pra escola, ou de estar na escola? O que você se lembra?
R – O Pio XII era uma escola particular, de um bom nível na época como é até hoje, de freiras. Eu me lembro de uma escola toda branquinha, toda arrumadinha, toda certinha mesmo, a gente de uniforme. Tenho uma foto de shorts, camisa branca com aquelas gravatinhas, eram duas gravatas aqui na frente, duas hastezinhas. De novo, foi muito curto ali, foi coisa de um ano, mais ou menos, que eu fiquei na escola, eu já mudei para aquela região do Campo Belo e dali eu fui para uma escola pública que não é o Manoel de Paiva, foi uma outra que não sei se vou lembrar agora o nome dela, mas uma escola pública que ficava no bairro do outro lado onde é a Avenida dos Bandeirantes hoje. Daqui a pouco, vem o nome da escola. Era uma escola estadual primária e até a oitava série, dali você ia pro científico ou pro colegial, tinha que fazer até um exame e tudo o mais. Ali eu lembro bastante, eu tenho boas memórias. Tinha uma diretora bravíssima, né, que era uma coisa assim, eu me lembro dela dando a bronca na gente nas salas, tal. Dali, eu tenho muita coisa, dona Carminha, professora de Português que era super bacana, eu me lembro da professora, não me lembro do nome dela, mas eu me lembro do pré, que era uma sala separada que também tinha uma professora muito carinhosa com a garotada. É engraçado, é uma escola pública que tem mais ou menos o jeitão das escolas públicas de hoje, um pouco mais conservada, mas o corpo docente era muito bom, as professoras eram muito boas. O nível de ensino, a qualidade que a gente recebia ali era muito boa, tanto que ficou muito marcante. Eu me lembro de professor de Biologia, depois já pra terceiro, quarto ano. Tenho passagens muito boas na cabeça dessa época aí. Era uma escola grande, com bastante área livre, a gente tinha bastante área pra se divertir. Ia e voltava a pé pra escola, sem problema nenhum. Não tinha perua, condução, não tinha medo, a gente passava até por um caminho, ou passava por esse pontilhão que eu falei pra vocês, ia por cima, ou tinha um outro caminho, uma ponte também que passava no meio de um haras, tinha um pequeno haras ali naquela região. A gente passava no haras indo pra escola. E não era assim, fim do mundo, a gente tava dentro da cidade, era um bairro que tava se transformando. Moema tava se transformando, enfim, o desenvolvimento estava caminhando pra essa região.
P/1 – E você chegou a ter aula com a sua mãe?
R – Com a minha mãe, não, mas ela chegou a dar aula na mesma escola, no Manoel de Paiva. Ela era também professora da escola, então, eu tive esse contato de ser um filho de professora da escola. Vários amigos meus estudaram com a minha mãe, eu particularmente não, nem em casa. Ela não era muito boa pra dar aula pros filhos (risos). Santo de casa não faz milagre, quem dava aula de Matemática pra mim era minha tia, irmã gêmea dela que de vez em quando dava umas aulas de matemática.
P/1 – E qual era a matéria que você gostava mais?
R – Matemática, matéria que eu gostei muito, sempre. Física, uma matéria que eu sempre me dei muito bem. Não é que eu adorava Física, mas eu me dava bem, eu tinha facilidade. Português, eu comecei a gostar depois, com uma professora muito legal, professora Matilde que foi uma professora muito boa, mas muito boa mesmo. Educação Física, a gente não tinha, como nessa segunda escola foi construído um prédio no campo de futebol na área de lazer nossa, nós ficamos sem aula de Educação Física de esportes. O nosso professor transformou uma sala dupla ou tripla em sala de ginástica olímpica, então, tínhamos algo tipo ginástica olímpica, uma coisa engraçada, pitoresca nessa escola e foi marcante também, em vez de ter fanfarra, nós tínhamos uma escola de samba. A escola tinha uma escola de samba que aquele Osvaldinho da Cuíca era o professor, ele dava aula pra gente lá. Então, só que eu comecei a velejar muito cedo, então, eu tive esse período, mudei pro Campo Belo com seis, sete anos, e com 11 anos de idade eu comecei a velejar. Aí, a minha vida mudou bastante. Eu já não tive muito contato com os amigos de escola. Dois encontros foram realizados lá na minha empresa, lá na Pêra Náutica que é de frente pra represa, dois encontros dos colegas do Paiva. Eu não conheço ninguém cara! As pessoas vão lá, fazem a maior festa, até sabem quem eu sou, tal, mas eu não me lembro de ninguém, lembro de poucas pessoas, senão nem teria o negócio, mas como tem algumas pessoas que eu conheço, tal: “Vamos fazer o encontro”, daí eu acabo convidando pra fazer ali na minha sede, mas eu não tive muito contato com o pessoal de escola. Porque o iatismo foi muito importante na minha vida, eu comecei com 11 anos de idade, é um esporte, uma coisa que eu praticava todos os finais de semana, às vezes, até de dia de semana eu ia treinar já com essa regularidade com 11 pra 12 anos de idade, e não parei mais. Então, meus amigos mesmo, desde essa época, de 40 anos, são amigos do iatismo, poucos são os da escola.
P/1 – E como é que você entrou nesse mundo, um ramo não muito comum?
R – Eu tenho uma irmã mais velha, a Lali que é dois anos mais velha do que eu, começou a namorar um filho de alemão que é o Guna Fischer, que é um velejador, um excelente velejador. E como ele morava na região ali do Clube Pinheiros e como o clube que ele frequentava ficava na Represa Guarapiranga, era um tanto quanto longe, era como se fosse um "clube de campo", ele ia pro clube no final de semana, lógico que também queria levar minha irmã e eu ia junto, pra segurar vela, praticamente, pra tomar conta da minha irmã (risos). E eu realmente me apaixonei, logo que eu cheguei no clube que eu vi aquela estrutura toda maravilhosa, um clube alemão, todo arrumadinho, de frente pra água, uma coisa que eu nunca tinha visto na minha vida, pisciano gosta de água, tal. E, nos finais de semana, tinha muita criança e adolescente da minha idade, então, logo me envolvi com essa garotada, larguei o casal pra lá e me envolvi com a garotada que já velejava, eram barcos chamados Pinguim, uma classe Pinguim, era a classe mais numerosa lá naquela época, sempre com dois tripulantes e eu entrei de proeiro. Tinha o timoneiro que era o dono do barco, que veleja no leme que toca o barco, e eu entrei de proeiro que é praticamente o ajudante do barco, o gourmet, e comecei a velejar muito cedo. E, realmente, eu me envolvi muito com isso, me apaixonei mesmo pelo negócio, como tinha atividade todo fim de semana, nós tínhamos regatas todos os finais de semana, eu tava ocupado todo fim de semana. Uma coisa boa, então, não tinha balada, não tinha cigarro, era esporte, era vida saudável. E só eu da família que acabou se envolvendo com isso. A minha irmã, depois de dois anos, desfez o namoro e eu continuei no clube. Até hoje. Não sou mais sócio do Yatch Clube Santo Amaro, mas de lá eu fui pro Yatch Clube Paulista, daí, já convidado pra ser velejador esportista do clube, tal. Ajudei a desenvolver a Classe Pinguim nesse Yatch Clube Paulista, fui desenvolvendo e comecei a trabalhar no mercado, e to nesse mercado náutico até hoje. Fui bicampeão mundial, com 14 anos, nós ganhamos um campeonato mundial, depois com 15 anos, ganhei mais um campeonato mundial e isso também deu fama, deu repercussão no meio. E com mais ou menos 17 anos, eu já tava trabalhando no mercado náutico. Eu vi isso como uma atividade pra mim desde moleque e trabalho com isso desde então.
P/1 – E como era o caminho pra ir até esse Yatch Clube, como é que você fazia depois que sua irmã já não tava mais namorando, você perdia as caronas...
R – (risos) Era complicado. Porque meu pai não aprovava muito essa atividade, porque isso acabou desviando um pouquinho de estudo, de outras coisas, né? Eu só pensava em barco, meu negócio era barco, barco, barco, barco. Como a Avenida Ibirapuera era uma avenida que estava sendo construída ainda, o acesso à Santo Amaro não era um acesso tão fácil, mas existia a estrada, que era a Avenida Santo Amaro, que antigamente era uma estrada que ia até o bairro de Santo Amaro era um, nem sei nem se já foi município Santo Amaro, até pode ser. Eu caminhava até a Avenida Santo Amaro, que era quase um quilômetro, lá nós pegávamos o ônibus, que era o famoso Bola Branca, famoso mesmo naquela época, e a gente ia de ônibus. Ia de ônibus, tranquilo, sem problema nenhum, sem medo nenhum, com a mochilinha lá, com cuidado, evidentemente, mas não tinha essa agressividade que tem a cidade hoje, era uma coisa muito mais tranquila. De lá, nós descíamos na antiga Avenida Atlântica que passou a ser Robert Kennedy e hoje voltou a ser Atlântica de novo (risos), descia na Atlântica, esquina com a Edson Régis, descia a rua que dava no clube, andava mais um quilômetro, aproximadamente e chegava no clube. E, às vezes, ficava lá no final do dia batalhando uma carona, né, pra voltar pra casa (risos). Ficava lá vendo os velejadores mais velhos que tinham carro, porque todos eles moravam no Brooklin, ou na Chácara Flora, Alto da Boa Vista, era tudo mais ou menos próximo. Então, sempre tinha alguém dando carona na volta, às vezes, até na ida dava pra casar também alguma caroninha ali. Mas a condução, o ônibus, era o mais utilizado.
P/1 – E uma vez que você começou a entrar nesse meio, o que você precisava ter pra praticar esse esporte? Precisa de equipamento, precisa ir buscar roupa ou alguma coisa específica? Onde é que vocês iam?
R – Como todo esporte, você tem vários equipamentos que são específicos para aquela atividade. O relógio, por exemplo, a gente tinha um relógio que chamava Memoseio, que era um relógio que tinha uma contagem regressiva de dez minutos, o próprio relógio já tinha aqui uma contagem regressiva de um a dez, ia escondendo os números do tempo que já tinha passado, um minuto, dois, ele ia correndo. Só tinha nos Estados Unidos. Existia um negócio chamado Catraca Harken, que era uma roldana, uma polia, um moitão, como também o Lars Grael corrigindo, ele fala moitão. Um moitão-catraca Harken, que a gente guardava dentro de uma caixa. Era uma coisa assim, valiosíssima. Tirava do barco todo dia, instalava pra usar e tirava pra guardar pra ninguém roubar, nada, pra levava pra casa. Catraca Harken era uma coisa super específica, a roupa de neoprene. Desculpa falar as marcas, mas eram os nomes, a roupa de neoprene tinha que ser o O'Neill. Tinha que ter aquela roupa perfeita, com a manga comprida e shorts John. Os barcos eram fabricados aqui, mas na época, 1974, 75, a gente recorria muito à América [do Norte], justamente nessa época fecharam a importação aqui no Brasil. Quando nós tínhamos a oportunidade de correr algum campeonato fora, os dois campeonatos mundiais que eu ganhei foram fora do Brasil, um foi em Long Island, que é ao norte de Nova Iorque, e outro foi em Chicago. Nós aproveitávamos essa viagem pra adquirir os equipamentos que utilizávamos no dia a dia. As escotas, os cabos, em barco não tem corda, a gente chama de cabo. As escotas, os cabos, eram cabos que, às vezes, nós também trazíamos de fora, as velas eram trazidas de fora porque aqui no Brasil nós não tínhamos um tecido chamado dacron, que é o tecido utilizado pra fabricar as velas. E, até hoje, mais ou menos. Hoje, nós já temos muitos produtos sendo desenvolvidos aqui no país, mas como a importação foi fechada em 1974, reaberta depois com taxas altíssimas para esportistas, em 1990, lá com o [presidente Fernando] Collor, eu lembro que até hoje nós temos dificuldade de trazer equipamentos adequados para a prática da vela. Tudo caro, caríssimo, por causa da taxa de importação que é praticamente o dobro. Você quer trazer um barco produzido na América, que não tem no Brasil, similar, não tem nem como ser feito aqui, você paga o dobro pra trazer um barco desses pro Brasil. Percebo também que o iatismo é o esporte que trouxe o maior número de medalhas olímpicas para esse país e, realmente, poderia ter trazido muito mais se o governo, se toda a estrutura náutica fosse uma estrutura mais viável, porque é uma estrutura que também cria empregos, cria condições pra muita gente, boas condições. Eu emprego 12 pessoas que trabalham com náutica comigo e são muito felizes, os caras gostam do que fazem, é um negócio diferente. E também é uma atividade muito reconhecida, tal. É uma pena que seja assim, mas a realidade é essa, a gente vai convivendo com ela e se virando. Então, tem isso, vela, catraca, a roupa que a gente utilizava no dia a dia, as luvas, quando tinha que usar uma luvinha tinha que vir de fora porque aqui também não tinha nada que aguentasse água, sol... O gorrinho, né, porque, às vezes, era frio pra caramba, tava velejando com muito frio. E assim, um adendo, foi um esporte que me trouxe muuitas oportunidades, até hoje me traz oportunidades. É um esporte que me levou, me deu oportunidade de conhecer vários países na América do Sul, na América também, não cheguei a competir na Europa, mas tem vários velejadores que saem, competem na Europa, até no Oriente, Austrália. Têm velejadores que já foram competir na Nova Zelândia. É um esporte que dá muitas oportunidades para quem pratica.
P/1 – Você falou que começou a trabalhar nesse meio novo, com uns 17 anos. O que você começou a fazer, quais foram essas atividades?
R – Eu comecei numa área que é a área que eu mais desenvolvo hoje, que é a área comercial. Comecei na compra e venda de barcos. Meu primeiro emprego, com 17 anos mais ou menos, foi numa empresa chamada Mediterrânea que, na época, era uma distribuidora de equipamentos aqui em São Paulo, que era do João Luis Ribeiro e do Tonico Ribeiro. São duas pessoas que eu considero muito, foram a porta de entrada justamente pra mim no mercado de trabalho, muito competentes, honestos, justos. Eu tive muita sorte de entrar lá. Eu lembro até que meu pai foi lá comigo para uma reunião para conversar com eles e saber onde que eu estava indo, com quem eu ia trabalhar porque eu era muito novo, né? E gostou do lugar, tal, permitiu que eu trabalhasse ali com o que eu queria, e ali eu comecei a fazer vendas de embarcação, tipo corretagem mesmo, broker, que a gente fala, e ministrando aulas também. Comecei a transferir experiência já naquela época. Transferi aquilo que eu sabia, comecei a transferir para outras pessoas que estavam adquirindo barco ou não. Ou, simplesmente, fazendo aulas. Então, já naquela época eu ministrava aulas de vela, práticas e teóricas, e também de arrais e mestre amador, eu comecei a ministrar uma aulas pra quem queria tirar a carteira de habilitação. Eu já tinha a minha carteira com 18 anos e ali tive a oportunidade de em alguns anos com eles desenvolver essa atividade de vendas e aulas. Dali, o Tonico ficou sozinho nessa empresa, o João foi tocar uma empresa que era do sogro. Eu e o Tonico fomos para uma outra empresa chamada Crista, que ficava na Avenida Santo Amaro, número 935, que era uma empresa do Rodolpho Olival Costa. O Rodolpho era mais da área automobilística, mas eles desenvolveram uma loja de náutica junto com o Carlos Pati, que era também um corredor de Fórmula 1. Ali eu conheci ‘n’ pilotos de automobilismo como o Nelson Piquet, por exemplo, que vivia lá, então, tive bastante contato com ele, entre outros, Giuliano Macchiaroli, entre outros ali. E ali nós vendíamos veleiro, lancha, reformávamos barco, mexíamos com barco de madeira, de motor. Aí, veio o álcool, nós desenvolvemos o motor a álcool para lanchas, o motor Dodge a álcool. Vendi muito barco, foi a época que eu ganhei bastante dinheiro, tinha 18, 19 anos, tava muito bem apadrinhado ali, que se for falar... Eu tinha um patrão muito bacana, que era o Tonico Ribeiro, que era um cara que me levou pra conhecer o mar, me levou para o Yatch Clube de Santos, ali nós desenvolvemos uma classe que era o Ranger 22. Eu velejei muito com ele de Ranger 22, aprendi com o Tonico a atividade náutica no mar. Como velejar e tocar um veleiro de oceano em alto mar. Isso foi na Baía de Santos, aquela região toda de Santos, Guarujá, velejei muito ali, aprendi muita coisa de vela naquela região, foi muito bacana, uma época muito gratificante. E trabalhando, junto com o Tonico. Infelizmente, meu pai faleceu no dia primeiro de abril, se não me engano, de 81, não tenho bem certeza aí, e uns três, quatro meses depois o Tonico morreu em um acidente de automóvel. Aí, eu fiquei meio zoado, sem saber o que fazer. E, nessa época que ele morreu, nós não estávamos mais na Crista, nós estávamos na Fast Yachts, que foi o segundo estaleiro brasileiro, segundo ou terceiro, mas o de maior expressão do país, que desenvolveu, a Fast Yachts construiu barcos grandes, uma linha completa de veleiros. O proprietário era o Nelson Bastos e o Cid Antão. O Nelson Bastos foi um dos donos da Gradiente, quando a Gradiente começou, junto com o Staub, ele era sócio. Ele saiu da Gradiente junto com uma outra empresa que fabrica rádios de comunicação e comprou um estaleiro na Europa, trouxe pro Brasil praticamente, só faltou trazer o prédio. E eu, velejador, já tava no mercado, fui convidado junto com o Tonico pra ir pra esse estaleiro, foi o ápice da vida ali, do momento. Trabalhar naquele estaleiro trouxe muito conhecimento, muitos contatos, reconhecimento, enfim, desenvolvi bastante. O estaleiro estava localizado na Marginal Pinheiros, pra vocês terem uma idéia, na Marginal tinha um estaleiro de veleiros. Com o Tonico, eu fui pra frente. Daí ele faleceu quando estávamos nesse estaleiro, ele acabou falecendo e eu ficando trabalhando junto com o Nelson, de novo tive muita sorte, tinha pessoas muito boas trabalhando junto comigo, pessoas de boa índole, honestas, que desenvolviam um trabalho de qualidade, um trabalho realmente de ponta, atendíamos bem os nossos clientes, tenho uma escola muito boa com todos esses empresários que eu trabalhei.
Troca de fita
P/1 – Nessa sua última fala, você chegou a comentar do mar. Quando é que você conheceu o mar, quais são as diferenças entre se navegar na represa e no mar?
R – A grande, grande, grande, maior diferença mesmo entre velejar na represa e no mar é que no mar não tem limite. No mar você vê longe, você vê o horizonte, você tá sempre vendo horizonte, horizonte, horizonte. O mar é muito instigante pra isso também, pra quem vai pra velejar, pra fazer algumas travessias, que seja Santos-Ilha Bela, é uma travessia. Tem muita gente que morre no meio do caminho e não quer nunca mais entrar em um barco. Pra muita gente, é importante fazer primeiro uma Santos-Ilha Bela porque já vai saber ali se vai querer cruzar o oceano ou não. A primeira grande diferença foi essa e também a natureza de novo: vento. O vento é muito mais intenso, ele é muito mais respeitado, tal, porque você está no mar, ele vai subindo de intensidade, muitas vezes ele mantém uma intensidade de 40 nós, por exemplo, durante 40, 50 horas, ou mais, enquanto na represa não tem isso. A represa tem umas tempestades que você pega lá durante meia hora, quarenta minutos, ventos de 40 nós e acabou. Morre, tal, e você fica sem nada de vento de novo. Então, a represa é muito boa pra aprender porque tem os limites. Você enxerga as margens e o mar é muito bom pra praticar porque não tem limites, você vai pra onde você quiser. A minha primeira velejada no mar eu devo a uma figura, o alemão, eu era sócio do Yatch Clube Santo Amaro, ele é uma pessoa que foi muito importante para a vela brasileira porque ele era o mecânico dos brasileiros nas olimpíadas, nos jogos panamericanos etc. Ele tinha lá um armário, umas gavetas, um tipo de ‘containerzinho’ pequeno bem pequeno mesmo, porque eram só ferramentas e peças pequenas, e ele colocava tudo isso dentro dos aviões da FAB [Força Aérea Brasileira] que na época transportava os esportistas para as olimpíadas, campeonatos etc. Muitas vezes, eles iam com aviões da FAB e lá ele levava toda essa ferramentas e todas essas peças sobressalentes e atendia a todos os brasileiros que estavam participando das olimpíadas e também dos pré-olímpicos porque você sempre o país sede das olimpíadas, ele recebe os esportistas antes das olimpíadas, durante os quatro anos antes, ele fica recebendo pra ir se preparando para as olimpíadas, como estamos fazendo agora no Rio de Janeiro, nós vamos ter várias mini-olimpíadas pra chegar até as olimpíadas ou várias mini-copas do mundo até chegar numa copa do mundo. O Brasil está passando pelo mesmo processo. E o Oscar Welker, era lá do clube, ele era solteiro, tal, imigrante de pós–guerra, veio parar aí no Brasil, em São Paulo, ele era chaveiro e também abria cofres. Você perdeu a chave do cofre, ele ia lá e abria o cofre, então, salvou muita gente aí, que tinha os cofres trancados e não conseguiam, ele conseguia abrir. E o Oscar conhecia uma família, que era o senhor Youssef e a dona Ilza Hamburg, eles eram donos daquele famoso Arroz Brejeiro, quero ver vocês acharem aí alguma coisa do Arroz Brejeiro, da fábrica de arroz. E eles tinham um veleiro enorme de madeira de uns 40 e poucos pés que chamava Maracaibo que está flutuando até hoje. Um barco de madeira, um Classe-Brasil, e foi com ele que eu fiz a minha primeira velejada em alto-mar que foi justamente uma Santos-Ilha Bela, e descobri, tive esse contato com o mar. Fiz uma viagem que foi maravilhosa pra Ilha Bela, ficamos lá dias vivendo vida de rei mesmo, dormindo a bordo, e passando dias ali. E o seu Youssef e a dona Ilza. Eles gostavam muito do barco, tinha um marinheiro que eu não vou me lembrar o nome dele, mas era um marinheiro fantástico também, uma pessoa muito agradável a bordo, e passei algumas semanas ali, uma, duas semanas, não lembro exatamente quanto tempo foi, e nós repetimos isso algumas vezes. Eu fui tripulante desse veleiro por uma temporada, eu fui convidado várias vezes pra voltar a velejar com eles. Inclusive, fizemos até uma Santos-Rio, uma regata Santos-Rio, voltamos depois velejando do Rio, também, entre outras velejadas. Era um barco grande, de madeira, pesado, com velas, aquelas velas pareciam de algodão até, a gente fazia força mesmo, era um barco parrudo. Boas memórias. Era uma velejada muito prazerosa, eu era moleque, tinha uns 14, 15, 16 anos, por aí. Enfim, foi delicioso, aproveitei bastante essa época. E foi minha porta de entrada, foi aí que eu já comecei a trabalhar no mercado logo em seguida, meio junto, as coisas acontecendo mais ou menos na mesma época, foi aí que eu conheci Tonico, que eu comecei a velejar de Ranger 22 na Baía de Santos, etc.
P/1 – E como eram essas suas viagens pra Santos? Como era a descida, o que tinha nesse caminho?
R – Aí, você puxou na memória, hein? Porque com o meu avô, quando a gente morava na Alameda Santos, nós tínhamos uma casa na Praia Grande, próxima ao aeroporto, tem uma base aérea lá. E, putz, meu avô tinha no centro de São Paulo uma dessas distribuidoras, fica naquela região do Mercadão. Ele tinha lá uma distribuidora de produtos junto com os parentes dele, os portugueses estavam todos ali distribuindo produtos, até os que vinham de fora, importados muitas vezes. Eu não sei se vocês vão lembrar daquelas Chevrolet antigas que eram um baú fechado como se fosse os baús que a gente vê aí que vem da Indonésia, vem do oriente, só que com aquela frente grande onde ficava o motor, tal, e nós descíamos pra Praia Grande dentro do furgão atrás, que até era proibido, não podia, mas a gente descia escondidinho lá. Descíamos pela serra de Santos, era a Anchieta, né? Pegava a Anchieta, descia toda a Anchieta e entrava naquela famosa [Rodovia] Pedro Taques, que é a que vai pro Sul, em direção à Peruíbe. Eu passei vários verões ali antes de começar a velejar, até os meus dez, 11 anos de idade, passei vários verões naquela casa, aquilo era uma delícia, o lugar era realmente maravilhoso, era um lugar totalmente diferente, não tinha especulação imobiliária como tem hoje, não tinha o número de imóveis como tem hoje, era uma coisa meio agreste até. Quando não ia nesse furgãozão, nós íamos juntos, eu, meu avô e minha avó, de ônibus até São Vicente e, de São Vicente, nós pegávamos outros ônibus que deixava a gente na ponta da praia e de lá nós caminhávamos até a casa, às vezes chegávamos à noite, íamos passar fim de semana na Praia Grande, eu, meu avô e minha avó. Várias vezes fiz isso. Eu me lembro do meu avô chegando de lanterninha, tinha uma laterninha de bolso e a gente ia caminhando até a casa que a gente morava, que era uma casa super pitoresca também, com terreno gostoso, gramadão. Era uma casa de madeira que infelizmente pegou fogo na véspera de um verão, que nós estávamos preparando a casa pra ir realmente passar o verão de novo, teve um curto-circuito, a casa pegou fogo e de lá nós vendemos a casa depois de alguns anos e compramos uma casa que está até hoje lá em Bertioga. Aí já foi uma época que eu não aproveitei. Não aproveitei lá porque eu já velejava, já participava muito de campeonatos, regatas etc, isso ficou mais pros meus irmãos mais novos, eles aproveitaram bastante essa casa lá de Bertioga. Eu me lembro da gente descendo a Serra de Santos, aquela coisa daquela chama que tem ali embaixo da Cosipa que só tinha uma, hoje tem várias. Lembro muito da coisa pitoresca da Anchieta, que a Anchieta é uma estrada centenária, acredito, não sei se chega a ser centenária, mas é uma estrada pitoresca, que tem aquele movimento, aquela coisa que vai aumentando a temperatura quando você desce a serra, e tá indo pra praia, aquela coisa de ver o mar lá de cima, você já via a praia lá de cima, já deixava todo mundo a bordo do carro ansioso pra chegar. Era um negócio muito família também, era muito bacana porque era avô, avó, os tios todos iam, era muito família, muita molecada, sempre muito divertido. E Praia Grande é a aquela coisa agreste mesmo, era totalmente diferente do que vocês vêm hoje, não tem nada a ver.
P/1 – E você chegou a comentar que o seu primeiro trabalho foi com venda de barcos. O que é preciso pra ser vender um barco? Como é que acontece a venda?
R – Primeiro, o conhecimento: você conhecer barco. A minha venda de barco é diferente de uma venda geral. Normalmente, quem tá vendendo alguma coisa quer vender, está desesperado pra vender, quer fazer dinheiro, então, quanto mais vender melhor, não importa o que tá vendendo. Barco não é bem assim: existem barcos bons, barcos médios e barcos ruins. Barcos que são mais adequados pra um tipo de atividade, ou pra outra atividade. A primeira coisa é conhecer pra poder fazer uma boa indicação para o proprietário, pra quem quer comprar um barco. Não só o barco que caiba no bolso dele, mas que também cabe no local que ele vai utilizar, que seja seguro e divertido ao mesmo tempo pra região que ele vai utilizar. É muito diferente um barco pra você utilizar no mar e um barco pra você utilizar na represa. Barcos de represa são barcos menores, são barcos que chamamos de monotipos que ficam guardados fora d'água. E no mar, muitas vezes os barcos, estou falando de veleiros não de lancha, ficam guardados dentro d'água porque tem a famosa quilha que fica embaixo do barco e fica um pouco mais difícil de tirar e por na água. Conhecimento das marcas, os modelos, os barcos que eram fabricados no Brasil, que eram importados, os equipamentos que eram utilizados, o estado geral dos barcos. Eu vendi barco novo, mas também vendia barco usado. O barco usado, ter conhecimento pra indicar quais os equipamentos adequados e necessários pro barco, e o no usado é o estado geral deles. Mais ou menos isso, orientação, trabalhar com honestidade, se dedicar mesmo àquilo que você tá fazendo, ao atendimento que você está tendo, as pessoas ficam carentes disso, de um bom atendimento, honestidade, não ficar vendendo “gato por lebre”, uma coisa por outra. E é um mercado que eu sempre entendi que era um mercado tão pequeno que quanto mais honesto você for, melhor, porque assim você vai ser sempre bem visto e vai ter sempre clientes. Porque é muito pequeno e é muito fácil você se queimar em um mercado pequeno, é diferente de você vender automóvel por exemplo. Você está vendendo automóvel numa loja, vendeu o automóvel roubado, quebrado, fez um mau negócio para quem comprou, a pessoa foi lá e reclamou, você sai dessa loja e vai trabalhar em uma outra loja lá no fim do mundo, pronto. A pessoa não vai encontrar você nunca mais, não vai falar mal de você, vai falar mal da loja que vendeu o carro errado para a pessoa, mas não da pessoa em si. No mercado náutico é a pessoa que morre, você fez uma besteira, uma falcatrua, você – a pessoa – fica queimado no mercado. Basicamente é isso, saber instruir, depois fazer uma boa entrega técnica, estar junto com o cliente na primeira velejada dele, se ele solicitar, se ele quiser – lógico. Tem gente que sabe utilizar muito bem uma embarcação, quem não sabe, você vai, faz uma entrega técnica, ensina como funciona o produto, etc, basicamente é isso.
P/1 – E em relação ao estaleiro? Você falou que o Fast foi montado na Marginal. O que precisa pra se fazer um barco, como ele era produzido?
R – O caso do Nelson Bastos, eu entendo que ele aproveitou uma oportunidade de mercado, um crash na época, em 1974, 75 mais ou menos. O Nelson teve visão. O país tinha acabado de fechar as portas, quer dizer, não tinha como importar, então, não tinha como você ter um veleiro aqui no Brasil, nós já tínhamos clientes com poder aquisitivo pra adquirir barcos de porte grande. Nós não tínhamos estaleiros, só tínhamos a Carbrasmar e a Mariner Construções Náuticas no país fabricando barcos, eram os únicos estaleiros na época, além de outros menores no Rio de Janeiro, o Aquarius e o Brasília. Ele viu a oportunidade de construir barcos no Brasil. Ele foi na Europa, aproveitou que a Inglaterra tava numa situação econômica bastante ruim, e comprou um estaleiro inteiro. Ele chegou lá e fechou o estaleiro, falou: "O estaleiro é meu". Comprou. Ele chamava Camper & Nicholson, esse estaleiro tinha três produtos em linha de produção. Ele trouxe o estaleiro inteiro pro Brasil, só faltou trazer o prédio, trouxe todas as ferramentas, todas as instalações, tudo, e adquiriu, alugou um prédio, uma fábrica aqui no Brasil na Marginal Pinheiros, na região ali de Interlagos, que tinha mais ou menos as dimensões semelhantes à empresa inglesa, trouxe um inglês junto, que era o diretor de produção da fábrica, deixou-o por um período aqui, o contratou por um período, e continuou a mesma linha que tava lá. Então, a linha lá parou, eles tinham já adquirido três barcos no almoxarifado. Eu falo três barcos no almoxarifado porque eles tinham toda a matéria prima pra construir mais três de cada modelo, então, eles tinham nove barcos no almoxarifado, com as peças todas. Então, eles tinham todos os suprimentos pra construir três novos barcos de cada modelo. Ele fechou tudo isso e trouxe pro Brasil. Quando chegou aqui no Brasil, era um pátio, os moldes, e já laminou utilizando as peças que estavam no almoxarifado pra construir os primeiros barcos. E nós reservamos todas as peças de um modelo de cada que tava no almoxarifado pra desenvolver tudo aqui no Brasil. Então, nós começamos a desenvolver tudo que você pode imaginar de veleiro aqui no Brasil. Borda falsa que é uma peça de alumínio que vai no canto do barco, mastro, todas as peças, motor, pia, não existia cuba pra barco, desenvolvemos cuba pra barco. As mangueiras internas da parte hidráulica, toda a parte elétrica, registro, toda a parte elétrica, enfim, começamos a desenvolver tudo como era feito na Inglaterra, no Brasil, copiando – entre aspas –, porque nós tínhamos modelos de todas essas peças no almoxarifado e começamos a desenvolver. Eu trabalhei muito no desenvolvimento desses barcos e também na venda deles. O Nelson comprou uma coisa pronta, ele já tinha modelos que navegavam bem e tinha um excelente projetista que era (Raul Holland?), que era o projeto do barco. Por que eu to falando isso? Ah, se for pra ter um estaleiro, comece pelo projetista, tem que ser um barco de um bom projetista, tem que comprar um bom projeto. O que no Brasil se faz muito errado, tem muitos empresários que investem dinheiro, tempo, constroem fábricas, etc e ficam copiando coisas ou utilizando desenhos que não são consagrados, que não são conhecidos de projetistas, ou nem projetistas, às vezes, até de pessoas que se acham projetistas, vão lá, projetam, desenvolvem o molde e começa a construir um barco que é furo n'água, o barco vai a pique antes mesmo de sair pro mercado. Mas existe, tem aí no mercado vários estaleiros hoje fabricando barcos sem esse conceito básico que é o conceito de ter um bom projeto pra desenvolver um bom barco, pra investir o dinheiro e ter um bom retorno. Eu digo também até a região, onde você vai construir um barco? Existe hoje um estaleiro que está sediado em Itanhaém, por exemplo. É um lugar difícil, não tem mão de obra, não tem acesso a equipamentos, a fornecimento, é tudo difícil. Então, pra que vai fazer um estaleiro só porque diz que tá na beira d’água, né? Não adianta nada estar na beira d’água se você não tem o resto, não tem a mão de obra, fornecimento de matéria prima, fica difícil trabalhar em um local assim. Então, o Nelson, por exemplo, montou um estaleiro em São Paulo, dentro da cidade. O único problema de ser em São Paulo, no meio da cidade, é que é caro, é muito mais caro. Mas por exemplo, tem um outro estaleiro, que é o Estaleiro Craftec, que acabou de desenvolver um estaleiro com bons projetos que eles mesmo desenvolvem, mas os proprietários são formados em Engenharia Naval, desenvolvem barcos bons, de qualidade, na região de Cabreúva, que é uma região excelente, o custo do imóvel lá é barato, a mão de obra é boa, tem acesso fácil a fornecimento de equipamentos e de matéria-prima etc. Basicamente, é isso, já que vai investir, investir logo no início em um bom projeto, e estar localizado em uma região adequada para o fornecimento de matéria prima.
P/1 – E quais são as matérias primas?
R – Alumínio, aço - aí, você precisa de empresas que extrudam o alumínio, que você desenvolve uma ferramenta pra poder fazer mastro você usa muito alumínio, borda falsa, entre outras peças de alumínio cunho; o aço é muito empregado em várias partes do barco porque é muito resistente, muito forte –, fibra de vidro, resinas, depois tem madeira, tem bastantes partes de madeira pra dar um pouco mais de calor e deixar o barco mais bonito. Se for só fibra fica muito feio, o barco fica muito clean demais por dentro. Depois, tem vários equipamentos que são utilizados para velejar mesmo, são equipamentos náuticos: mordedores, catracatas, moitões, cabos, etc. Hoje já tem vários fabricantes no Brasil, já existem inclusive indústrias que exportam essas ferragens pra Europa. Alumínio, madeira, fibra, resinas... Depois tem tudo o que você precisa de furadeiras, compressores, mangueiras pra instalação interna da empresa e fornecimento de outros equipamentos normais que uma empresa precisa, como computadores, papelaria, tal. Mas os equipamentos básicos de um barco são esses que eu falei primeiro aí.
P/1 – E quando esse barco ficava pronto, como ele era entregue? Por caminhão?
R – Caminhão. São caminhões prancha, abertos, tem uma carreta, um berço que normalmente é instalado em cima do caminhão e o barco é colocado em cima desse berço, com um tipo de travel lift, ou guincho, com cintas que vão apoiar o barco, amarra e segue pra Santos, normalmente é Santos, Guarujá, que é onde eles tocam a água salgada. Normalmente é isso, caminhão, caminhões enormes. Só trafegam à noite pra não causar problema ao trânsito. Imigrantes. Hoje com a Imigrantes, com o pavimento que ela tem, largura, altura, tudo o mais, desce tranquilamente.
P/1 – E do seu trabalho na Fast como foi rumando pra você ter o seu espaço, qual foi a ideia, a localização?
R – Olha, na Fast eu sempre estive envolvido no desenvolvimento de produto e na venda, e a venda você acaba sempre transferindo experiência. Então, tava sempre transferindo experiência, ensinando as pessoas a velejar. Eu sempre imaginei que uma escola de iatismo seria um bom negócio, seria uma boa atividade, gratificante e também o pessoal não esperava que gastasse um pouco de dinheiro como se ganha (risos), quer dizer, não é uma atividade muito fácil. É muito sazonal, depende muito da meteorologia. Então, lá atrás, na Fast, eu fui trabalhando com compra e venda, tal, até um certo período. Depois, eu comecei a namorar, casei e eu e minha esposa, em vez de darmos continuidade, porque a minha geração foi uma geração que pegou um país numa época de instabilidade econômica muito grande, foi muito difícil ganhar dinheiro. Você vê que poucos amigos dessa época, da minha geração, conseguiram se dar bem sozinhos, a maioria se deu bem porque sempre teve alguma participação de família porque as gerações um pouco atrás ganharam muito dinheiro no país, foi mais fácil. Hoje, nós estamos numa época melhor de novo, agora. Então, justamente a época que eu desenvolvi, que foi dos meus 15, 16 anos, até os dias de hoje, que é 52, eu peguei muitas instabilidades econômicas, muita inflação, peguei inflação de 3% ao dia. O mercado náutico foi um mercado muito sacrificado na década de 90, então, na década de 90, em vez de eu ficar no mercado náutico eu saí um pouco e fui pra uma confecção, tive uma confecção junto com minha ex-esposa. Nós desenvolvemos uma linha de roupas sportswear, vendíamos direto pro público, vendemos algumas vezes para lojistas, mas desistimos porque tomamos alguns calotes, calote mesmo, devido a essas instabilidades econômicas, tal, que foi de novo uma época muito desagradável, muito difícil de trabalhar com dinheiro, era muito preocupante. Eu tinha lá meus 30 anos de idade, filho nascendo e o Collor aprontando um monte, tirando dinheiro da galera, 3% ao dia de inflação, era um dia a dia que começava às nove horas da manhã vendo qual era o preço do dólar, acabava o dia tendo que saber qual era o preço do dólar pra saber o que ia fazer com o dinheiro, se colocava no over, se comprava dólar, aquela confusão. Eu lembro que eu tenho um amigo, o Jaime Nissenbaum, a gente ficava se falando todo dia, trocando idéia pra ver o que a gente ia fazer com o dinheiro, o que a gente faz com dinheiro que sobra no caixa? Porque no dia seguinte vai dar 3, 2% a menos, ficava aquele corre-corre. Eu tinha empregado, tinha funcionários na confecção, pagava costureira, comprava tecido, enfim, foi uma loucura total. Eu lembro que logo depois que o Collor tomou posse e houve toda essa confusão eu, realmente, fiquei muito cansado de toda situação, de São Paulo, da vida que a gente levava aqui, da correria, e tirei sete anos sabáticos praticamente e fui pra Ilha Bela. Morei sete anos em Ilha Bela, ali criei meu filho Pedro que está hoje estudando na Columbia University, fez o pré-primário, o primeiro ano de idade dele numa escola lá em Ilha Bela. E a minha filha que hoje tem 17 anos, que tá estudando na ESPM, nasceu em Caraguatatuba, nesses anos que moramos lá. Eu fiquei sete, oito anos mexendo de novo com náutica, quando eu voltei pra Ilha Bela. Fiquei uns quatro, cinco anos com confecção, depois que eu saí da Fast tal e parei de mexer com isso, parei um pouco de mexer com barco. E aí, esses anos que eu morei em Ilha Bela eu voltei a trabalhar de novo com comércio, com prestação de serviço e lá eu montei a primeira sede da BL3 na Ilha Bela, que é uma escola de iatismo que eu abri junto com os irmãos mais novos, que são todos velejadores. Um parênteses aí,que depois que eu me tornei velejador toda minha família veleja, então, todos os meus sobrinhos, todo mundo veleja, todo mundo sabe velejar. Meus filhos não gostam, mas sabem velejar, conhecem vela. Meu filho entra num barco e sabe tudo o que tem em um veleiro, só que não é a paixão dele, ele é um cara mais do intelecto, estudioso, pratica esportes mais leves tipo basquete, futebol, coisa assim, mas não é um praticante de esporte como eu, ele é um estudante, estuda. Pra estar na Columbia, tem que estudar, né? Não é à toa que ele tá lá. Nesses sete, oito anos que eu fiquei em Ilha Bela foi isso aí, mexi, abri essa sede, aí, eu me separei, nos sete anos de Ilha Bela minha ex-esposa resolveu voltar pra São Paulo, morar aqui porque a vida lá também não é tão fácil assim, é uma vida maravilhosa, mas ganhar dinheiro lá não é fácil, e nós retornamos pra São Paulo separados. Logo depois nos divorciamos e aqui eu fiquei tocando a sede que já existia da BL3, que depois de alguns anos, isso foi em 97, em 2002 eu me tornei dono 100% dessa sede e mudei de nome pra Pêra Náutica, que já era um nome muito conhecido no mercado. O meu apelido eu adquiri na vela, na meio náutico e, com isso desde 2002, eu venho desenvolvendo essa sede que hoje é uma empresa consolidada que ministra aulas de veleiro e de windsurf, ministra curso de arrais e mestre, então, nós transferimos muita experiência, não sou mais eu que dou aula lá, eu tenho alguns instrutores, eu ensinei os instrutores, aprenderam a dar aula, um ensina o outro, e estão lá ensinando a prática da vela pra pessoas, então, às vezes, você tem lá um rapaz de baixa renda, de família simples, que ministra aula pra diretor, pra presidente, pra pessoas que tem uma renda completamente diferente e todo mundo convive super bem ali junto. Hoje é marina também, guardo barcos. E o forte, que eu venho desenvolvendo bastante, que é a compra e venda, represento algumas marcas do mercado náutico que é a Beneteau, Lagun, a Craftec que fabrica os veleiros Flash, a Brudden Náutica que é um fabricante de caiaques que fica em Pompéia, no interior do Estado de São Paulo, um excelente fabricante de caiaques, entre outras menores. E trabalho muito também com barco usado. Vendo barco novo, usado, acabo trabalhando também com a venda de alguns equipamentos e a instrução que entra junto no aconselhamento, tipo uma consultoria de qual veleiro adquirir. Tem alguns que vem e já sabem o que querem, então, só atendemos e têm outros que não sabem nada, é desde o zero mesmo. Já atendi casos divertidos de velejadores que não sabiam nada, nada, nada e hoje velejam muito. Tive e ainda tenho o prazer de transferir essa experiência pra muita gente, já são mais de cinco, seis, sete mil alunos formados lá que aprenderam a velejar com a gente e que estão hoje velejando pelos quatro cantos do mundo aí, pra tudo quanto é lado. Hoje já tem velejadores que tem barco próprio, veleiros de oceano próprio, competem, correm regatas, tem sua tripulação, e que passaram pela BL3 ou pela Pera Náutica, que são as duas empresas náuticas da família que estão no mercado.
P/1 – E como você chegou a ganhar esse apelido de Pera?
R – Esse Pera é muito engraçado. Quando moleque lá, 11 anos de idade, quando eu inicei essa prática da vela, eu levava sempre pêra a bordo do barco, e a pêra é um alimento leve, tinha que ser leve, molhadinho, é água, então, além de você estar comendo uma fruta que alimenta, você também está matando a sua sede. Porque quando você vai competir, você não leva nada, pra vocês terem ideia, Torben Grael só deixa entrar dentro do barco garrafa de água e bolacha de água e sal, acabou – para uma [Regata] Santos-Rio por exemplo, diz que é bolacha de água e sal e mais nada. Não sei se é verdade, mas, deve ser por aí mesmo porque nós sempre evitamos levar peso morto a bordo. Então, eu levava pêra e meu apelido acabou se tornando Pera, como tinha lá, um que era um pouquinho mais queimado de sol chamava ele de Feijão. O outro que era totalmente vermelho era o Camarão, enfim, cada um tinha lá um apelido e o meu acabou ficando Pera, e é assim que eu sou conhecido no mercado, pouca gente conhece o Paulo César ou o Paulo Rodrigues. Eu comecei a divulgar que meu nome era Paulo Rodrigues, agora eu ponho Paulo 'Pera' Rodrigues, pra – pelo menos – saberem qual é o meu nome, o primeiro nome pelo menos, e o sobrenome. Porque muita gente até achava que eu era sobrinho da Marília Pera, família Pera, mas não, não é sobrenome, é um apelido, e o motivo foi esse: as perinhas que eu comia a bordo dos veleiros.
P/1 – E como é o funcionamento da Pera Náutica, de que horas a que horas ela fica aberta? Onde está o auge de movimentação?
R – O auge de movimento é final de semana. A Pera Náutica é uma empresa localizada em frente à Represa Guarapiranga, nós temos uma casa alugada onde tem toda a infraestrutura necessária para o dia a dia dos velejadores, onde nós guardamos as velas, onde tem os vestiários, tem um pequeno bar-café que é mais pra atende aos usuários com algum tipo de salgado, um cafezinho expresso, uma coisinha assim. Uma sala com uma lareira. Era uma casa de Paul Kaiser, que é um alemão, e nós alugamos essa casa da família dele, os herdeiros. E essa casa é engraçada, ela é construída com bloco, então, ela parece um pouco uma escola como estrutura, sua edificação, sua arquitetura. E hoje tem essa casa, na parte da frente atravessa uma rua, do outro lado, tem a parte náutica onde ficam guardados todos os veleiros. As peças ficam guardadas num galpão nessa casa e os veleiros ficam nessa área náutica. Nós funcionamos de terça a domingo no horário comercial mesmo, das 9 às 18, temos horário bastante rígido porque nós temos funcionários, todos eles trabalham numa CLT, numa compensação de horas, então, nós evitamos hora extra porque acaba afetando na folha de pagamento e nos custos da empresa que é uma empresa que tem um custo bastante baixo porque é uma receita instável, você não sabe exatamente qual dia você vai faturar. Nós já passamos por períodos que era muito instável a frequência dos velejadores na nossa sede, verão, inverno, óbvio, sempre no inverno você tem uma queda e no verão é óbvio que tem uma alta pelo próprio calor. Ninguém pensa em iniciar um curso de windsurf no inverno. Cai na água no inverno, ninguém quer cair na água gelada. Então, normalmente os velejadores querem iniciar no verão, outubro, novembro, daí pra frente. Nós temos realmente o pico: outubro, novembro, dezembro, janeiro, fevereiro, março, abril. Começou a esfriar diminui, o telefone para de tocar etc. Porém hoje, desde 2002, eu venho desenvolvendo essa empresa com planejamento, com bastante trabalho e formando uma equipe de verdade. Quer dizer, como é uma pequena empresa, normalmente as pequenas empresas são administradas e trabalhadas no operacional no dia dela pelos proprietários, que não descentralizam. Eu descentralizei totalmente a administração da minha empresa. Hoje tenho uma gerente administrativa que não é a minha praia. A minha praia é a náutica, é a parte náutica. Eu fico na parte náutica, eu atendo meus clientes na parte náutica, e eu tenho uma pessoa, amém!, que toca toda a parte administrativa, que é a Lívia Bianca, uma pessoa que valeria a pena sentar aqui com vocês uma vez, que tem uma história muito interessante, que entrou na minha empresa dez anos atrás e não sabia ligar um computador. Dá pra entender isso? Uma pessoa que nos dias de hoje não consegue ligar um computador. E eu apostei nessa pessoa pela honestidade, pela forma como ela se dirigiu a mim, com a vontade que ela veio pra pegar aquele emprego, que queria muito aquele emprego e eu aceitei o desafio e deu certo, porque hoje ela é meu braço direito, sou padrinho de casamento dela, fiz dela minha afilhada, é uma pessoa que me ajuda, me ajuda não, na verdade hoje nós somos uma equipe. Nós estamos juntos, cada um na sua área, trabalhamos muito. A gente se ajuda muito na verdade, tanto um ao outro. Então, tive o prazer de vê-la casando, tenho o prazer de vê-la hoje formada, ela fez uma faculdade, tá fazendo agora um MBA no Senac, que já é um MBA bacana, de controladoria, então, vem se desenvolvendo. Uma menina que não foi apoiada pelos pais lá atrás, até porque talvez eles não tinham cultura pra isso, né? E eu sempre apoiei, então, eu sou muito grato por ter tido essa oportunidade, por ter dado a oportunidade pra essa pessoa, e hoje ela é meu braço direito. Está junto na empresa, dividindo as principais funções ali. E com ela, nós desenvolvemos a empresa nesses últimos nove anos. Ela ta comigo desde 2000, mas desde 2002 que a empresa é Pera Náutica, e que nós dois desenvolvemos a empresa. Então, nós começamos a colocar alguns critérios de como contratar, qual o perfil das pessoas que gostaríamos de ter trabalhando junto com a gente, funções bem definidas pra que a gente iria contratar. Então, vou contratar alguém pra quê exatamente? Qual vai ser a função? A pessoa quando entra, ela passa por um treinamento da empresa, de como funciona a empresa. Com isso, nós conseguimos ir eliminando problemas, dificuldades, dores de cabeça, gente que se propõe a trabalhar e não trabalha, não chega no horário. Nós criamos um ambiente muito agradável e com pessoas muito simples, muito, muito simples. Nós temos hoje uma outra pessoa lá que trabalha junto com a gente, trabalhava na cozinha, eu passei pro atendimento, eu vi uma vocação nessa pessoa e a coloquei no atendimento. Também não sabia ligar o computador um ano atrás mais ou menos. Hoje já ajuda a gente pra caramba no dia a dia, trabalha no nosso atendimento, atende nossos clientes, ajuda a controlar os pagamentos de mensalistas, enfim, tá se desenvolvendo também. O que eu procurei sempre na minha empresa foi a vocação, foi o que eu acabei de falar, foi procurar a vocação nas pessoas. E dar essa oportunidade para elas desenvolverem o que está na vocação delas, eu tento entender as pessoas e ver qual a vocação. Desde que a vocação tenha um espaço pra ocupar dentro da empresa, certo? Não é aleatório. mas é desta forma que estamos administrando e conseguimos hoje ter uma empresa saudável. Em 2008, nós passamos por uma fase bastante difícil, nós estávamos com 22 funcionários, tivemos que fazer várias dispensas, diminuiu o quadro pela metade. Tiramos realmente as laranjas que não eram as boas laranjas, que só danificavam o nosso ambiente, concentramos, estamos trabalhando a mesma coisa, faturando um pouco mais, com muito menos despesa, pagando nossa dívida que contraímos até 2008, então, pagamos uma conta de banco alta, estamos lá todo mês pagando, estamos conseguindo pagar, falta mais um aninho ainda e vamos ficar saudável, satisfeito, tranquilo e hoje nós já estamos muito mais tranquilos porque já conseguimos viver. Hoje eu consigo trabalhar sem ter essa preocupação, minha preocupação hoje é desenvolver melhor o nosso mercado, desenvolver melhor os nossos clientes, atender melhor. É outra situação completamente diferente. Eu consigo trabalhar hoje, hoje eu realmente desenvolvo a minha profissão, que é de um consultor náutico, eu desenvolvo minha profissão com prazer, com tranquilidade, com um trabalho, como todo paulistano, como qualquer pessoa que quer vencer, que quer condições de ter uma vida tranquila, mas desenvolvendo a profissão. Coisa que há alguns anos, a gente corria muito atrás de dinheiro, de problema, de resolver problema.
P/1 – Queria saber como é fazer a publicidade do lugar? Existe isso? Como é que os clientes ficam sabendo da existência da Pera Náutica ou dos barcos à venda, como é que funciona?
R – Eu fiz um curso, que era o melhor do MBA, pegava todos... Um curso de marketing, o melhor do MBA de marketing. Então, pega assim, todos os pontos mais importantes do MBA, eles condensaram isso e colocaram em um curso muito bacana ali na Vila Olímpia, um lugar super bacana, tal, ganhei uma bolsa lá do proprietário, foi super legal. E eu ouvi uma coisa durante seis meses de curso que foi a mais importante pra mim, e é o que realmente enche a Pera Náutica: boca a boca, mais nada. Só o boca a boca. Por quê? É uma empresa pequena, que tem um faturamento de 40, 50 mil por mês que não enche barriga de ninguém, quer dizer, é pouco dinheiro porque temos muita despesa. E marketing é caro, você fazer publicidade, você divulgar sua empresa, é caro. Hoje, com um bom site, um site sem frescura, o meu ainda acho que é um site que deixa um pouquinho a desejar, nós vamos desenvolver uma nova ferramenta, não pra esse verão agora, 2011-2012, para o próximo ano. Eu estou só remodelando meu site hoje pra atender a demanda atual, mas com um bom site você já tem pelo menos visibilidade. Hoje o boca a boca chama Google, é ali que as pessoas estão realmente precisando, estão atingindo, chegando a nossa atividade. Adoraria divulgar mais o meu negócio para São Paulo, pra essa cidade com praticamente 18, 19 milhões de habitantes, com grana, que é um poder aquisitivo altíssimo nessa cidade, tá cada vez caminhando mais pra isso, e mostrar pra esse povão todo aí, que tem uma atividade logo ali, na Represa Guarapiranga, super saudável, eu diria até que é uma atividade super saudável, que mexe muito com a cabeça, é um lazer que acaba relaxando bastante pra quem pratica e a pessoa que vai lá, faz uma aula... Na década de 90 quando nós começamos a BL3 que foi a primeira empresa de aulas, de cursos náuticos, desenvolvido por nós, Rodrigues, a família Rodrigues da Náutica agora. Ali nós pegamos o boom do windsurf, nós ficamos muito conhecidos com esse boom do windsurf. Naquela época lá, mudando um pouquinho a ordem da coisa, nós tivemos um pouco de assessoria de imprensa. Essa assessoria deu um retorno naquela época e dali pra frente foi praticamente boca a boca. Eu tive algumas oportunidades que alavancaram bastante pra gente que foi a participação de Boat Show. O Ernani Paciornick, que é um dos organizadores e idealizador do Boat Show, eu tenho muito bom contato com ele e, por umas três edições, ele me convidou para participar do Boat Show, cedendo uma área, pra que eu levasse alguma atividade para os freqüentadores. Eu sempre levei atividades como vela, simulador de vela, levei aula de nós, oficinas que foi através dessas oficinas em Boat Show que hoje eu desenvolvo oficinas até no Sesc, nas sedes, nas unidades do Sesc, tenho sido contratado por eles pra desenvolver oficinas náuticas para os participantes do Sesc. Então, Boat Show dá um bom retorno, adoraria participar de todos os Boat Shows, mas pra participar de um Boat Show é praticamente num stand pequeno, menor que esse estúdio, você investe praticamente uns 40 a 50 mil reais, é quase um faturamento de um mês nosso, então, você pegar aquilo que você faz normalmente em publicidade é 3% do faturamento, com 3% do meu faturamento, eu tenho poucas possibilidades de divulgar. O que eu tenho procurado hoje, são as redes de relacionamento, uma ou outra não muito, porque o boca a boca, pra mim, também é um negócio que chama filtro. Filtra quem chega a nossa sede. Hoje, eu me preocupo muito não só com a segurança, mas sei lá, acho que tem um povo meio louco por aí e, dessa foram, eu acabo filtrando um pouco, as pessoas que procuram a gente são pessoas conhecidas. Esse boca a boca, você imagina assim, é como se a Pera Náutica fosse um site de relacionamento, a Pera Náutica em si, o negócio em si, é o negócio de relacionamento, e um chama o outro, e eles aparecem lá. De alguma forma, eles estão indo pra lá, não sei como eles chegam. Chegam de automóvel, tal, mas não sei como eles localizam, eu sei que eles devem entrar no google, num maps da vida para localizar aí e vão até lá. Chegam até lá sem nenhum problema e praticam, acabam se inscrevendo nos nossos cursos, tal. Temos concorrentes, eu sei que os concorrentes também estão pegando uma fatia dessa do mercado, mas a fatia que eu atendo é uma fatia de pessoas que querem um atendimento simples, que lá é um lugar muito rústico, um lugar simples, mas são pessoas de um bom poder aquisitivo, culturalmente falando também pessoas muito cultas, inteligentes e que buscam ali um prazer: vela, por o barco na água e velejar, ou querem aprender a velejar pra depois ter um barco e colocar na água pra velejar, mas não querem ficar em piscina, em quadra de tênis, não é um clube. É uma marina, um local náutico. Elas procuram a gente pra velejar mesmo. Dessa forma, eu percebo assim, às vezes eu falo: "Po, poderia divulgar mais, trazer mais gente, ganhar mais dinheiro, faturar mais", ou ter mais dor de cabeça. Então, muitas vezes eu prefiro manter como está, trabalhar bem os meus clientes, dar muita atenção pra eles, porque eles mesmo estão trazendo o cliente do dia seguinte. E trazendo um cliente filtrado. É incrível, quando aparece alguém lá meio perdido assim, desculpa, mas a verdade é essa, é a pessoa que dá problema, que não quer pagar, que quer ficar chorando um desconto absurdo, que acha tudo caro, enfim, não é a pessoa pra gente. Muitas vezes, essas pessoas nem ficam lá porque percebem que não é o lugar pra elas, e elas acabam indo para uma outra marina. E, às vezes, eu recebo os velejadores que vem desses outros locais, que são os nossos concorrentes, e a gente percebe que são clientes difíceis, pessoas que não buscam justamente receber a transferência de experiência, elas querem ser a experiência, então, é um pouco difícil trabalhar com essas pessoas. Eu gosto do velejador que chega lá, bate papo, monta o barco dele, prepara, põe na água. A gente ajuda a colocar, tirar da água, volta no final do dia feliz porque velejou, contando histórias da velejada, como é que foi a velejada do dia, o que aconteceu lá, tal, etc. Hoje, por exemplo, eu sou velejador bicampeão mundial de uma classe, corri n regatas, etc etc. Eu nem fomento a regata porque o meu velejador não quer ficar esperando as duas horas da tarde pra ir pra uma regata. O cliente da Pera Náutica quer chegar às dez horas da manhã, montar o barco pra água e voltar às cinco e meia, seis horas. E no verão ele quer que eu feche mais tarde porque ele quer voltar mais tarde. Ele quer ver o por-do-sol velejando, ele quer aproveitar o tempo livre dele praticando o esporte dele. Basicamente, é isso aí, o que eu procuro hoje é site, outros sites que eu divulgo os barcos que eu estou vendendo, são sites de vendas de barco, só. E se der uma brecha de entrar no Boat Show, ou no outro Boat Show que é muito segmentado e traz o nosso cliente também, eu procuro entrar, quando é possível, sim. Sou parceiro de uma revista, que é a Revista Velejar e Meio Ambiente. Como eu sou parceiro deles, eu tenho lá um anúncio, eu confesso que esse anúncio, meia página de anúncio, é um anúncio bonitinho, tal, mas ele não traz retorno. Eu não recebo pessoas lá dizendo que... "Onde você me localizou?" "No google". Dificilmente. Ou é o boca a boca. Na verdade alguém comentou com essa pessoa, ele foi no google, achou o nosso site, endereço e apareceu lá. Mas é o boca a boca. E esse curso, eu não lembro exatamente qual foi o professor que começou a falar sobre imóveis, como vender, tal, e o maior valor que ele deu foi para o boca a boca. Foi aí que eu aprendi sobre o boca a boca e forcei mais e que eu relaxei também, porque eu ficava com essa história: "Pô! Preciso anunciar". Eu percebi que eu tinha que tratar bem os meus clientes e eles mesmos estavam trazendo mais clientes.
P/1 – E os seus clientes, quem são eles? Se você pudesse fazer um perfil, quem é que busca?
R – Primeiro, hoje o target, quem procura o iatismo com essas características que eu acabei de contar, que é para velejar, 'quero ser um velejador, quero ter um barco e curtir o meu barco, velejar pra curtição', é um cliente que tem mais ou menos 25, 26, 27 anos pra cima, é um cliente que acabou de se formar, tem o seu emprego e quer desenvolver o seu hobby. Ele investe dinheiro do salário dele no hobby. Eu tenho clientes que velejaram com os pais lá, quando eram crianças, 10, 11, 12 anos por aí, mais ou menos como eu, que não tiveram a oportunidade de continuar praticando por ‘n’ motivos, aí vão, fazem faculdade, estudam e estavam com aquilo na cacholinha lá e descobrem que ali tem um curso, um contou, o outro falou, tal, vai lá, faz o curso, compra um barco, e por aí vai. O que trouxe também bastante cliente pra gente foi Veja, foram outras publicações que, através de matérias, porque chega nessa época de verão, toda a imprensa quer saber de náutica, de atividades com água, etc. Então, a gente acaba tendo essa propaganda de graça, essa é uma divulgação boa, ótima, excelente, porque sempre ganha grandes espaços, com muitas fotos, é tudo o que... Parece matéria comprada e não é. Isso também traz bons velejadores, então, trouxe, por exemplo, um produtor de vídeos que viu num ‘boxinho’ da Veja, fez aula com a gente e ainda comprou um barco de 30 mil reais. Quer dizer, olha o cliente que ele me trouxe. É um cara formado, músico, casado já, não tem filhos ainda, e tá investindo no lazer dele, no hobby dele. Compra barco, compra equipamento, aprende, tem vontade, gostam de natureza, óbvio, senão não estariam praticando esse tipo de esporte, são pessoas normalmente saudáveis, que não fumam. O número de fumantes é muito baixo. São pessoas que tem um hábito alimentar saudável, são pessoas que tem ali uma constituição física boa, não são atletas, não tenho nenhum atleta lá, mas eu tenho um velejador de 60 anos de idade que é um engenheiro tem um escritório próprio de cálculo, 60 anos, você olha pro cara, uma fortaleza, um cara forte, sarado. E não é um exibicionista, é um cara que tem uma boa saúde, ele tá conservadão lá! Tem 60 anso e tá lá, em pé, e veleja de windsurf, aquele prancha fórmula, que é uma vela enorme de 12 metros quadrados, e o cara vai lá, veleja, tal. É humilde pra caramba, sempre fala da dificuldade que ele tem de segurar aquele velão, tal, e tá firme e forte lá. E uma coisa muito bacana que tem nesse meio, você acaba pegando esse de 60 conversa com um de 15, na mesma conversa. Pra baixo de 28, você fala, de repente, onde estão os jovens? Porque seria um esporte pros jovens, windsurf, kitesurf, vela, até radical, é super convidativo, eu acho que nós estamos perdendo muito para as baladas, estamos perdendo muito para os videogames. Eu por exemplo, vejo o meu filho, ele curtia muito mais o videogame que passar o dia velejando comigo na represa ou qualquer outro lugar que fosse e é o que ele falava que gostava de fazer, então, é o que eu deixava ele fazendo, era isso o que ele curtia. Ele não curtia velejar, não ia levar o cara forçado. Eu vejo que poucos jovens, jovens que eu falo, 17, 18, que estão entrando em faculdade, parece que a época é outra, que a cabeça é outra. Eu comecei com 11 anos e, como outros hoje, tem muitos garotos que estão velejando com 10, 11 anos de idade e estão fazendo carreira de vela mesmo, né? Provavelmente vão se tornar campeões, estão treinando todo fim de semana, até porque a própria família frequenta o clube, tá sempre lá, tal, então acaba conduzindo naturalmente pra isso. Mas os jovens fogem dessa atividade, molha, dá muito trabalho, tem que montar barco, etc. etc. O computador é muito mais atrativo, o videogame é muito mais atrativo que o videogame natural que nós temos lá, porque não deixa de ser um super hiper videogame. Você sair pra velejar é um super videogame, você está com vários controles da mão, tem objetivos, tem locais que você tem que atingir, profundidade, vento que aumenta, diminui, tem variantes, tem ‘n’ variáveis pra mexer com a cabeça. Só que não tem a mídia em cima, não sei, afastam os nossos amigos que seriam os promissores mesmo do iatismo, né? Basicamente é isso, aí, quando ele tem a namorada já começa a... Eu percebo também que eu pego casais jovens, que estão começando com a vida de matrimônio, de relacionamentos, família - sempre nessa época vira mais família, são pessoas que começam a procurar outro tipo de atividade, as baladas deixam de ser interessantes, aí, esse tipo de atividade volta a ser interessante e aí que a gente começa a atingir esse público a partir dos 25, 26 pra cima e não para. Chega lá nos 50, 50 e pouco, eu tenho 52, aí, o cara já se acha velho pra praticar o negócio. Não tem nada a ver, eu, quando era moleque, com 11 anos de idade, vi lá um velejador de 80, velejando de Star, era campeão mundial naquela época, era o seu Walter tárãrã, não lembro o sobrenome dele. Ele já tinha sido campeão mundial, um alemão que tava aqui no Brasil para um campeonato, eu o vi velejando com 80 anos, eu falei: "Puxa, isso eu vou poder fazer, praticar até na idade dele". É pro resto da vida, é um esporte que você pode começar qualquer hora e não tem hora pra parar!
P/1 – Eu queria saber se, por acaso, durante esses anos, na venda de barcos, se mudou o perfil do comprador, se ele continua mais ou menos o mesmo, o que você pode perceber?
R – Mudou. Mudou muito porque hoje nós temos uma outra situação econômica, não se compara. Só quem viveu sabe o que foi a década de 70, a década de 80. Na década de 70, nós tínhamos inflação de 10 % ao mês, hoje você tem nem isso ao ano. Você tinha 10% ao mês. Então, você imagina que os preços de carro, dos bens de consumo subiam 10% ao mês, tudo subia 10% ao mês, era uma tabelinha que ia subindo todo mês. Foi uma época muito instável, dólar batia lá em cima, depois batia lá embaixo, tudo isso influenciou muito o mercado de náutica desde que ele iniciou no Brasil que foi na década de 50 praticamente. Na década de 50, pós Segunda Guerra, os imigrantes europeus, americanos, basicamente europeus que migraram para o Brasil, que já velejavam lá, já praticavam a náutica na Europa, começaram a construir seus próprios barcos aqui porque era difícil de trazer de lá, eles provavelmente davam muito valor ao dinheiro, isso é teoria Paulo Pera, que eu desenvolvi nesses anos, até pra entender um pouco todo o mercado. E esses imigrantes, como vieram de lá com muito valor ao dinheiro, eu conheço alguns europeus que viveram em guerra, e eu vejo que a vida deles é um pouco diferente. Eles dão muito valor pra comida, pra família, para amigos e para os bens também, porque era tudo muito difícil, pra você ter alguma coisa, até comida era difícil. Então, eles respeitam muito os bens de consumo todos, não compram por bobeira, a toa. Nós tivemos década de 70, 80 e 90, na década de 90 não existia nada no mercado, não tinha dinheiro e também não tinha barco, não tinha estaleiro. Nos anos anteriores teve um boom, que até foi a Fast Yachts também participou desse boom, que foi a Cabrasmar, a Fast Yachts, entre outros estaleiros, apareceram vários estaleiros nessa época, porque a economia tinha uma tendência de melhorar, era o "Brasil, ame ou deixe-o", da década de 70, tal, que era o país da vez, como tá sendo agora de novo, tal. Vários estaleiros se instalaram, a economia começou a crescer, começou... Nós tínhamos um crescimento de economia bom, e foi foi foi, até entrar aquela coisa, Tancredo que morre, inflação alta, e aí, o mercado morreu, acabou. No final do século passado, nós tínhamos um cliente que dava muito valor ao dinheiro, era só aquele cliente bem segmentado mesmo, que procurava a Náutica, aquele que já tinha tido algum contato, alguma coisa assim. E hoje, no início agora do novo século, com novos estaleiros, novas possibilidades de importação, estaleiro de fora já com distribuidora no país. E com a economia completamente diferente do final do século passado, nós temos um cliente com poder aquisitivo alto, que não gasta dinheiro com besteira, compra aquilo que ele quer ter mesmo, e que estão procurando atividades. Nós temos economia, temos poder aquisitivo pra desenvolver essa atividade, pra desenvolver a náutica. É um cliente mais jovem, que tá comprando o barco. Hoje, com a informática, com esse meio da informática, da tecnologia, a tecnologia trouxe novos milionários pro mercado, novos ricos, e eles estão investindo nesse bem de consumo. E náutica é engraçado, barco, parece que é um desejo eterno. Última coisa que elas compram e a primeira que elas vendem numa crise, mas é uma coisa muita desejada parece, a impressão que eu tenho é essa. Hoje eu vendo com mais facilidade, o cliente é um cliente que ouve mais quem tá vendendo, ele procura adquirir mesmo um produto, ele pesquisa antes de comprar, mas não é uma pesquisa do produto em si, do que é mais adequado pra ele. Ele evita de comprar de uma marca sem vergonha, procura comprar uma marca boa, ele investe um pouco mais pra adquirir um bom produto. Eu gosto mais, é uma época mais estável, você vende com mais frequência. Você trabalha mais tranquilo, atende melhor, você tem mais mão de obra, tá tudo melhor, tudo melhorou um pouco agora, recentemente, dos últimos três, quatro anos pra cá, mais ou menos.
P/1 – E em relação à Guarapiranga? Aquela que você frequentava com 11, 12, 14 anos de idade e hoje. O que tem de diferença ali no entorno, em relação à frequência, ao crescimento?
R – A Guarapiranga, eu posso dizer uma coisa assim, nada se compara a 1974, 75, na qualidade do entorno, na tranquilidade que a gente tinha pro ir e voltar. Infelizmente, por falta de planejamento, de desenvolvimento público, é uma região que se desenvolveu sem estrutura nenhuma, e uma região que impermeabilizou muito o solo, de uma área de mananciais que não poderiam, esse solo não poderia ter sido impermeabilizado, ele tinha que ser permeável em muitas áreas. É uma região muito interessante de São Paulo, muito verde, uma região que degradou muito até o final do século passado e hoje ela vem se recuperando. O atual prefeito investiu bastante naquela região, é uma região de aproximadamente 700 mil pessoas, é um manancial que está ocupado irregularmente, ele tem por volta de 13 a 15% com ocupação irregular, quer dizer, que não é o manancial que está muito detonado, estragado, muito pelo contrário, ele tá com 85, 90% dele ainda é de matas trópicas e antrópicas que são sítios e matas naturais mesmo. É um importante manancial para abastecimento de água pra São Paulo, fornece água pra 20% da população de São Paulo, em torno de quatro milhões e meio de habitantes. Não é o principal manancial porque hoje 60% da água de São Paulo vem daquela região lá de Atibaia, daquelas represas todas de Atibaia que são reservatórios de água para a capital e também para as cidades no entorno, Atibaia, Mairiporã, etc. Eu considero uma área de lazer maravilhosa pra São Paulo, hoje a cidade está muito mais próxima, toda Berrini está indo praquela região, o centro empresarial acabou levando outros empreendimentos praquela região também, Morumbi, etc. Então, tá muito fácil de chegar até lá, final de semana não tem trânsito, então, é muito mais tranquilo. O investimento que a prefeitura fez na região melhorou um pouco, mas ainda é um investimento que deixa a desejar, a qualidade de obras que está sendo executada deixa a desejar, a forma como é feita deixa a desejar, mas alguma coisa está sendo feita. Hoje a opinião publica e a imprensa ficam juntas debatendo com os órgãos públicos e a gente acaba tendo algum resultado positivo. Acredito que a Guarapiranga agora depende um pouco dos próximos governos, visão minha. Se as próximas prefeituras vão continuar investindo naquela região ou vão esquecer. Se a região ficar esquecida, ferrou. Porque o que já foi feito vai por água abaixo, e nós vamos continuar aumentando a bandidagem, a irregularidade. Porque 90% dessa região é irregular, os imóveis são irregulares, os comércio são irregulares, ninguém tem Habits, ninguém tem licença de funcionamento, 90% da região é irregular de tudo, tudo o que você pode imaginar tá irregular. Então, tem aí uma chance de continuar recuperando, uma recuperação e o desenvolvimento de uma região que eu acredito que deveria ser uma das regiões mais valiosas de São Paulo, porque ter uma represa próxima, uma área verde. Eu, velejando na represa, quando eu saio pra velejar eu costumo contar pros amigos que é uma região que não foi devastada, como ela começou a ser desenvolvida mais na década de 80, 90, praticamente, ela começou a ter um crescimento de população numa época em que a opinião pública e a imprensa estavam muito mais em cima. Então, você não vê lá que foram devastaram, cortaram árvores etc., não é bem assim. Isso foi um pouco antes e agora a gente vê que vai recuperando. Então, quando eu velejo, quando eu to na água, eu olho no entorno e falo, isso é muito parecido a 1974, só as árvores que cresceram mais. Principalmente olhando a represa da cidade, o lado direito, que é o da Vila Guarapiranga, principalmente aquele lado que é totalmente residencial que já estava desenvolvido como imóveis com ocupação regular, então, as árvores só cresceram. O lado de Interlagos, que interliga os dois lados, a Billings com a Guarapiranga, não tem uma ligação de água, é uma ligação de terra, Interlagos significa isso, que está interligando os dois lagos, é o bairro que interliga o dois lagos. O bairro de Interlagos também é um bairro muito arborizado, que também tem construções regulares. Mais ao Sul, depois do bairro Interlagos, é que veio o crescimento desordenado e totalmente sem estrutura, essa região não tem praças, não tem cinemas, não tem poço de gasolina, o que tem é clandestino, não pode ter poço de gasolina, só em alguns lugares. Porque é uma região de manancial, não era pra ter um crescimento dessa forma. Mas os governos foram permitindo esse crescimento totalmente desestruturado. A água em si, a represa em si é muito parecida. A água já foi pior, de esgoto. Hoje a Represa Guarapiranga não é o Rio Tietê, não é o Rio Pinheiros, tá longe, longe, muito longe disso. É uma água que você não vai beber por ignorância, você não poderia beber essa água, também não é assim, mas 70% do esgoto que é despejado nessa represa vem de um bairro que chama São José, e como é um manancial que está ainda conservado, um manancial de área verde, é um manancial que recebe muita água limpa, é mais água limpa que água suja. Aí, não tem fábricas jogando esgoto na represa, não tem residências, não tem isso, como tem no Pinheiros e no Tietê, que é totalmente o esgoto da cidade.
P/1 – E onde você, enquanto velejador, e seus próprios clientes, vão buscar os equipamentos náuticos que a Pera não oferece, tem algum lugar pra ir?
R – Hoje, tem várias lojas no mercado, como a gente também. Tem várias marinas que revendem barcos, tem fabricantes de barcos no país agora, fabricante de peças de ferragem, são poucos, tem aqueles tradicionais que a gente conhece, a loja Náutica que cresceu praticamente sozinha porque só tinha ela no mercado, então, ela tem hoje várias lojas, até na capital tem duas, três lojas, mais ou menos por aí. Já existe um início do mercado, está consolidando o mercado. Se a economia continuar como está, o Brasil vai ser provavelmente um polo náutico importante do mundo, pode ser que venha a ser. Nós temos bons construtores de barcos aqui, nós temos empresários que gostam do mercado e investiriam nesse mercado se sentissem um pouco mais de segurança de continuidade.
P/1 – E em termos avaliativos, o que você tira de lição desse tempo de atividade comercial, de compra e venda?
R – Olha, no lado pessoal eu tenho, como eu falei já, o próprio esporte, estar trabalhando junto com esporte, primeiro é conseguir vencer sendo um esportista. Quer dizer, sou um esportista e tenho um negócio náutico de esporte e consigo administrar esse negócio e viver dele. Não dá pra comprar uma BMW, mas dá pra viver, pelo menos dá pra comer, ter onde morar hoje melhor ainda, com condições mais adequadas, etc. Então, eu tenho bons amigos, clientes que se tornam amigos, e isso é muito legal, então, tenho amigos mesmo do mercado que foram meus clientes, que hoje são meus amigos. Conheci lugares maravilhosos no mundo, no Brasil, que eu conheci através do meu trabalho e do esporte, que tá junto. Conheci a Ilha de Trindade, por exemplo, fui três vezes. A Ilha de Trindade pouca gente deve conhecer, é uma ilha que está a 600 milhas da costa brasileira, na altura de Vitória, mais ou menos, do paralelo 20, você sai em direção à África, anda 600 milhas que são 1200 quilômetros, você chega nessa ilha. Ilha de Trindade é uma ilhota de 10 quilômetros quadrados. Fui três vezes pra lá. Já fui navegando pra Noronha, três vezes, tava comentando ontem com irmãos, o prazer que é você chegar a Noronha velejando, não de avião, é uma coisa que eu sempre quis. Tive a oportunidade de ir três vezes pra lá, sempre velejando, sempre saí de lá velejando também, nunca saí de avião, entre outros locais da costa brasileira maravilhosos, Baía de Camamu, etc. etc. Pessoas e lugares. Uma vida hoje que começa a ser um pouco mais tranquila, mais confortável. A única coisa que eu sinto, eu entrei no mercado errado, talvez, financeiramente falando. Na época lá, meu pai insistia para que eu entrasse no mercado de Tecnologia, se eu tivesse entrado no mercado de Tecnologia, não sei, a gente nunca sabe como seria, de repente, eu teria entrado na época certa, poderia ter me dado muito bem e estar praticando o esporte como cliente e não como fornecedor. Basicamente isso. O que eu não posso reclamar é que é muuuito gratificante, isso é uma coisa assim que você ensinar dá um retorno muito grande, pessoalmente falando. Se nós temos alguma missão aqui neste mundo, na terra que não é ter dinheiro, posses, é ter esse tipo de retorno, esse tipo de retorno eu tenho com toda certeza. Nós, minha equipe, todos eles reconhecem isso, que a gente rala, trabalha pra caramba, é um trabalho diferente porque não tá dentro do escritório, muitas vezes a gente trabalha no frio, no calor, nas intempéries do tempo, na chuva. Eu já dei aula embaixo de chuva, ter de sair correndo recolhendo equipamento embaixo de raio. Você estar em contato com a natureza, com o tempo, com as intempéries do tempo não é tão simples assim, ter que ter muito cuidado, você trabalha muito com as pessoas, então, nunca aconteceu nenhum acidente lá, isso demonstra que é um esporte seguro, mas, ao mesmo tempo, que a gente toma conta, cuida, pra que não tenha acidentes, né? Tem isso, é hiper, hiper gratificante.
P/1 – E você se lembra de alguma história engraçada ou peculiar que acontece lá na escola, de saída, pra contar assim?
R – Ah, tem histórias, tantas histórias que é difícil até pescar uma história assim, engraçada. Mas dois verões atrás, por exemplo, não foi bem engraçada a história, mas foi uma história que aconteceu comigo até, eu tava a bordo do barco. Não o verão passado agora, o verão retrasado, pouca gente vai se lembrar, aquele negócio da memória que é curta, mas nós tivemos um período de 60 e poucos dias de chuva, todos os dias. Vocês não vão lembrar isso, lembra? São Paulo ficou um caos. Todos os dias, todo dia era um caos. E eu fui velejar na represa, estava lá tranquilo, trabalhando na minha área náutica no dia a dia e tenho um amigo, o Marco, que tem um barco de 19 pés, estava na água velejando e, de vez em quando, eu velejo com ele lá, a gente sai e fica velejando junto lá na represa por horas curtindo o lugar. E eu lembro que eu peguei o bote com o instrutor e falei: “Ah, me leva lá até o Marco, vou dar mais uma velejadinha no fim de tarde com ele, acabou o movimento, tal, vou pra lá curtir um pouquinho”. Fui lá curtir. Cara, entrei no barco dele, fizemos uma manobra que é bordo e estamos retornando pra região da barragem e, de repente, mas muito de repente mesmo, começou a entrar um vento, um temporal, não é aquele negócio que fica tudo preto, não ficou nada preto, de repente veio uma nuvem, como se fosse uma cerração mesmo, mas vento, chuva, forte, que eu realmente fiquei de boca aberta, nunca tinha visto na represa. A gente no barco um quilha. O barco, foi coisa assim de segundos, nós olhamos pra margem da represa tá ventando, olha só, tá ventando, vamos abaixar a vela. Não deu tempo de baixar a vela e nós começamos a navegar com o barco totalmente inclinado com a quilha quase fora d'água, as velas todas batendo por causa do vento, uma das velas rasgou. Nós sentamos do lado assim do barco como se fosse montado a cavalo e o barco todo inclinado. Nós estávamos em três, um deles começou a ficar com medo, em pânico, raio pra todo lado, eu nunca vi tanto raio como naquele dia, realmente, é verdade. Raios caindo no entorno todo da represa. São Paulo é um dos locais do mundo que tem maior incidência de raios, acho que naquele dia bateu o recorde. E o vento aumentando e a chuva aumentando... E nós estávamos indo com o barco de lado em direção morro, e esse velejador que tava com medo falou: "Dá o jibe! Dá o jibe!". Começou a gritar pra dar o jibe. E eu não conseguia dar o jibe, levando o barco no leme. O barco inclinado, sentava com a perna pra fora do barco, aquele negócio “vrum-vrum”. O Marco é um velejador experiente, o dono do barco, pra você ter uma idéia eu tava com uma camiseta e uma bermuda, ele tinha um outro casaco lá, me cedeu um casaco, foi a maior gentileza. Vesti o casaco e foi a maior gentileza. Vesti porque estava doendo,a chuva batendo no braço, tal. Não dava pra olhar pro vento nada mais, eu vendo terra chegando, vendo terra chegando, falei: "Po, vou encalhar na represa, é o fim do mundo, né?" (risos). Para na margem da represa, e nós realmente já estávamos preparados pra abandonar o barco na margem mesmo, nós vamos parar lá, não vai ter jeito. E vendo a terra chegando, vendo a terra chegando, e de um segundo pro outro deu uma leve baixada no vento, nós conseguimos fazer o jibe e ir pro outro lado. Mas foi por muito pouco que nós não fomos parar num morro que chama (Von Hard?) que é um morro que tem na frente da nossa sede. Nós iamos parar mesmo, já estava tudo planejado, programado, até como íamos fazer, se ia parar de lado, tal. Mas foi por um segundo ali, acho que a reza desse nosso amigo que tava a mais no barco lá, o Klabin. Ele rezou tanto que o vento deu uma abaixadinha e foi nessa abaixadinha que eu aproveite, demos um jibe e voltamos a navegar pro meio da represa sem risco de bater em alguma outra coisa. Essa foi uma das histórias, mas tem milhares de histórias assim, eu tenho que lembrar. Tem os macacos da Ilha dos Eucaliptos, já parei lá uma vez com a minha filha, estamos lá comendo alguma coisa e de repente vem o macaco e rouba o pão da minha filha, tira da mão dela, e aí que nós vimos que tinha macacos, una macacos grandes, desse tamanho, pretinhos lá, que estão na região. Uma outra vez que eu tava com coisas, que pra gente é engraçado, né? Eu tava velejando com um patrocinador, Victorinox, aqueles canivetes, tal, ele deu um patrocínio pra gente, eu convidei ele pra velejar, foi ele, a esposa, o filho, a filha e o neto. E não é que eu encalho o barco? Encalhei o barco num lugar lá que é um baixio, o barco ficou encalhado, o moleque começou a chorar, eu com o maior perrengue com o patrocinador, queimando o filme, tal. Tive que chamar um bote da minha empresa pra vir até lá réééé, o bote demora, porque tava longe da empresa, até o bote chegar pra fazer o nosso resgate, pra tirar a gente daquela situação. Pulei na água, foi um transtorno. Essa foi uma história que foi pitoresca, pra mim foi pelo menos, que fiquei lá no perrengue com o patrocinador, tal. Tem muitas, viu? Barco...
P/1 – Pra deixar registrado, eu queria perguntar o nome dos seus filhos.
R – Meu filho chama Pedro ______ Rodrigues e a Carolina _____ Rodrigues.
P/1 – E se você queria deixar registrado mais alguma coisa, que a gente não tenha perguntado e você acha que ficou faltando?
R – Acho que falamos geral aí, né? Acho que dei todos os recados que gostaria de dar, da represa, enfim, tudo certo.
P/1 – E qual é o seu sonho, atualmente?
R – Eu sou um cara que realizei muitos sonhos, muita coisa que eu quis fazer, tal, eu realizei. Hoje, o que eu to buscando atualmente, é a estabilidade da empresa, fortalecer mais o meu trabalho de compra e venda de barcos, porque eu acredito que eu não vou conseguir ficar eternamente na Represa Guarapiranga. Com essas mudanças todas que estão sendo feitas lá não tem muitas áreas disponíveis pra ter um trabalho digno, eu percebo que, infelizmente, trabalhar com o Poder Público não é fácil, é muito diferente da gente. Muuuito diferente, muito diferente, tem outros objetivos, completamente diferente dos nossos. Eu não me vejo pro resto da vida na Guarapiranga, infelizmente, porque nós atendemos muitas pessoas que curtem e recebem isso muito bem. Então, provavelmente, se eu for falar em sonho hoje, eu estou esperando mais um filho que vai chegar em março, aproximadamente, que venha bem, venha com saúde e seja um excelente velejador! Quem sabe esse vai ser campeão, se quiser vai ter tudo pra ser. Não que eu queira que siga minha carreira, nada disso, eu falo isso brincando, mas pode ser um desejo. E que eu realmente consiga fortalecer o meu trabalho com a compra e venda de barcos, que eu represente boas marcas, que eu desenvolva boas marcas. Quero trazer alguma coisa de fora também, to vendo alguns estaleiros para importar barcos e vender aqui, barcos que não tem como ser fabricados no Brasil. Continuar dando oportunidade pras pessoas entrarem nesse esporte de uma forma segura, sabendo o que estão fazendo, e comprando bons barcos, que tenham um bom valor de revenda, que não seja só aquela coisa, que seja sempre uma alegria, mas que a alegria da venda não seja aquela alegria que: "ah, graças a Deus vendi o barco", não isso. Que ele está vendendo aquele barco pra comprar outro barco, enfim, que seja sempre alegria, que é o que nós proporcionamos lá na Pera Náutica. Basicamente é isso. Que eu continue minha vida com saúde, como eu estou, sempre bem disposto, positivo, encarando as dificuldades que todos nós temos aí, que nós vemos acontecer no dia a dia no mundo geral, que infelizmente tem muita gente que leva esse mundo pra um desequilíbrio e não para um equilíbrio saudável geral, basicamente isso.
P/1 – Tá certo, e pra terminar, eu queria saber o que você achou de dar a entrevista, de contar um pouco da sua história pra gente?
R – Primeiro fui pego totalmente desprevenido, acho que eu não sabia exatamente o que ia acontecer. Eu sabia que eu ia dar uma entrevista, que ia falar, tal, mas não sabia o que era. É bom pra puxar da memória essas coisas gostosas, um passado saudável, prazeroso e que eu espero que se alguém, um, ouvir, ver essa entrevista e puxar alguma coisa boa pra si e der um caminho interessante pra vida eu já to satisfeito.
P/1– Tá certo, então, obrigada.
R – Valeu, obrigado também.
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