Identificação
António da Piedade Ribeiro, nasci numa cidade chamada Porto de Mós, em Portugal, no dia 28 de março de 1947.
Família
Meus pais são também de Porto de Mós. Porto de Mós é diferente daqui. É o Concelho. Tem a Vila e o Concelho. Como se fosse aqui o bairro e o distrito. Então, o lugar mesmo de nascimento meu chamava São Bento. Os meus avós paternos são de Cabeça das Pombas. Agora, os meus avós maternos eram de São Bento mesmo. Eles trabalhavam na agricultura. Meu pai ele também trabalhava na agricultura. Durante algum tempo ele exerceu uma atividade que se chama de mascate. Como se fosse uma bolsa de cereais. Ele saía pro norte comprava trigo, aveia, batatas, depois ele ia pra outra região, ele vendia e comprava outra coisa e depende da época sazonal ele fazia esse intercâmbio. Comprava, vendia, comprava, vendia. Como que eu posso dizer, como se fosse um coletor. Somos três irmãos: eu, meu irmão e minha irmã. Eu sou o mais velho. Meu irmão é do meio e minha irmã é a caçula.
Casa de infância
Como era uma casa rural tinha a cozinha, a sala, três quartos. Bem amplos. Só que as casas lá são diferentes daqui. Como era um lugar bem inóspito, vamos dizer, muita pedra, então as casas eram todas feitas de pedra. Uma parede aí de uns sessenta a setenta centímetros, só que bem aprumadinha, bem feitinha. Depois era rebocada normalmente. Pela parte interna, era feito uma segunda parede afastada da primeira uns dez centímetros por causa do frio. Porque no inverno a temperatura conseguia chegar às vezes até quinze abaixo de zero. Então, aquela antecâmara que a gente fala é justamente pra que a penetração do frio, na hora que ela provocasse a condensação da umidade relativa dentro da casa, ficasse depositada ali e a casa ficasse ambientada. Pra não fazer tanto frio. E a casa era grande. Depois da casa, tinha o lugar onde era o celeiro, que a gente fala, onde guardava cereais, a comida pro gado desidratada,...
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António da Piedade Ribeiro, nasci numa cidade chamada Porto de Mós, em Portugal, no dia 28 de março de 1947.
Família
Meus pais são também de Porto de Mós. Porto de Mós é diferente daqui. É o Concelho. Tem a Vila e o Concelho. Como se fosse aqui o bairro e o distrito. Então, o lugar mesmo de nascimento meu chamava São Bento. Os meus avós paternos são de Cabeça das Pombas. Agora, os meus avós maternos eram de São Bento mesmo. Eles trabalhavam na agricultura. Meu pai ele também trabalhava na agricultura. Durante algum tempo ele exerceu uma atividade que se chama de mascate. Como se fosse uma bolsa de cereais. Ele saía pro norte comprava trigo, aveia, batatas, depois ele ia pra outra região, ele vendia e comprava outra coisa e depende da época sazonal ele fazia esse intercâmbio. Comprava, vendia, comprava, vendia. Como que eu posso dizer, como se fosse um coletor. Somos três irmãos: eu, meu irmão e minha irmã. Eu sou o mais velho. Meu irmão é do meio e minha irmã é a caçula.
Casa de infância
Como era uma casa rural tinha a cozinha, a sala, três quartos. Bem amplos. Só que as casas lá são diferentes daqui. Como era um lugar bem inóspito, vamos dizer, muita pedra, então as casas eram todas feitas de pedra. Uma parede aí de uns sessenta a setenta centímetros, só que bem aprumadinha, bem feitinha. Depois era rebocada normalmente. Pela parte interna, era feito uma segunda parede afastada da primeira uns dez centímetros por causa do frio. Porque no inverno a temperatura conseguia chegar às vezes até quinze abaixo de zero. Então, aquela antecâmara que a gente fala é justamente pra que a penetração do frio, na hora que ela provocasse a condensação da umidade relativa dentro da casa, ficasse depositada ali e a casa ficasse ambientada. Pra não fazer tanto frio. E a casa era grande. Depois da casa, tinha o lugar onde era o celeiro, que a gente fala, onde guardava cereais, a comida pro gado desidratada, seca pro tempo do inverno, porque não tem pra onde você pegar o gado e colocar no campo porque a neve está ali com vinte, trinta centímetros, não pode comer nada. Então eles ficavam três, quatro meses confinados ali. E do outro lado também acompanhando como se fosse um “L”, aí tinha a parte dos porcos, das ovelhas, das cabras, os animais menores. E, fechando o círculo, que ali era grande, ali devia ter acho que uns, como eu posso avaliar? Mais ou menos uns dois, três mil metros só a parte ali da casa. Não era rica, era uma casa modesta, mas muito bem feitinha, meu pai era muito caprichoso. E do lado, tinha um tanque onde a gente armazenava água porque lá não tinha captação de água de recurso hídrico no subsolo. Então reservávamos toda a água quando chovia, no inverno, e tinha um tanque lá que conseguia abastecer praticamente seis a oito meses do ano sem problema nenhum na época da falta de chuva. E tinha uns peixinhos pra catar, comia as larvas, por causa de mosquito, né, era uma coisa bem caprichadinha.
Educação
Eu comecei na escola com seis anos de idade. A escola dava mais ou menos um quilômetro, da minha casa pra escola. A gente ia a pé. Naquela época não tinha maneira de entrar um carro dentro do povoado. Todo trânsito era feito em carro de bois, em lombo de burro, lombo de mula, certo? Tinha uma estradinha que vinha até o começo do povoado de outros lugares, mas não tinha acesso dentro do povoado mesmo. Depois é que foi evoluindo. Só que essa estrada só foi aberta depois que eu vim pro Brasil. E do outro lado da estrada era interessante porque existe um ponto turístico lá perto que a gente chama de “grutas”. É semelhante à Caverna do Diabo aqui no Brasil, então, um ponto turístico muito interessante, chama Grutas de Alvados. Então, até ali tinha caminho, agora, de lá pra cá não tinha mais. Tinha bastante criança. Na escola, acho que deveriam ter umas 30 ou 40 crianças, só que assim, primeira, segunda, terceira e quarta série, tudo numa sala só. Era uma professora só. Então, ela fazia assim, ela colocava em fileiras, aí dava aula pro primeiro, depois pro segundo, aí dava uma atividade pro primeiro, aí fazia aula pro terceiro, dava outra atividade. Ela ia revezando assim. Quando havia uma atividade maior, então ela dispensava meio período de uma classe, pra poder se dedicar melhor à outra. Mas, era interessante, aprendia. Vocês podem não acreditar, eu vim aprender coisas aqui no Brasil fazendo um supletivo colegial, que eu já tinha aprendido em Portugal no meu primário. Quando eu falei isso pro professor ele ficou: “Não, mas não pode!”, eu falei: “Pode, e eu vou te provar”, ele falou assim: “Interessante!”.
Brincadeiras
Brincava de pião, brincava de uma coisa que a gente chamava manamula, você pula um, aí você abaixa e vai outro. E vai pulando, pulando, pulando, pulando assim... Agora, a brincadeira mais gostosa, no tempo do inverno, era na neve. A gente pegava uma pedra e ia rolando na neve, sabe quando você vai rolando algo na neve ela vai encorpando e vai crescendo e vai fazendo uma bola. Por isso que eu falo, assim, está virando uma “bola de neve”. A gente ia rolando, rolando e quando ela ficava mais ou menos desse tamanho, a gente jogava ela descendo a montanha, assim, o morro né? Aí ela ia rolando, rolando, rolando, ia crescendo, crescendo, crescendo. Quando ela encontrava uma árvore, ela batia, e aquilo explodia assim, parecia fogo de artifício de neve, coisa mais linda. Geralmente batia só em oliveiras, porque lá tinha uma produção de azeites muito grande, né, então era mais oliveira e carvalho.
Agricultura familiar
Meus pais plantavam batata, trigo, milho, cevada, aveia, centeio, só cereais. E a cultura de subsistência: verduras, legumes. Olha, lá predominava muito a sopa e na parte de proteína, no caso, seria carne, era mais pro suíno e aves, porque a carne de boi lá era muito cara. Aliás, também não podia ter muita, porque Portugal é pequenininho e não havia contingente pro rebanho. Portugal é pequenininho, São Paulo é três vezes maior do que o país inteiro, que é Portugal. A gente fazia toda a coleta no campo, trazia pra um terreiro no fundo da casa e ali a gente debulhava o trigo, a aveia, os cereais, o milho... era tudo feito ali assim. Aí punha pra secar e aí tinha umas arcas, a gente chama arca, uns caixotes de madeira grandes e despejava ali o cereal. E no meio do cereal, tinha um vegetal que colocavam que ele… coisa de ancestrais, e tinha particularidade de evitar que criasse... como é que diz aquele bichinho que come cereal? Chamava “caruncho”. Aquele que o bichinho dá no feijão. E guardava até dar a necessidade pra vender também. Aí levava pro moinho pra fazer farinha. Em casa mesmo fazia, eles pegavam um saco, levavam até o moinho, moía, devolvia, aí a gente peneirava porque vinha bruto. Aí fazia o pão, fazia o pão de centeio, fazia o pão de trigo, fazia o pão de milho. E a atividade era levada assim. No inverno, tinha a cultura que era a colheita da azeitona, aí era frio. Imagina você chegar na frente de uma árvore aí, sete, oito, dez metros de altura e você olhar, onde é que está a árvore? Porque era tudo neve, você pegar uma vara, bater pra cair a neve, encostar uma escada e ter que derrissar toda a azeitona, pra poder fazer a colheita. Trabalhava 15 minutos, descansava meia hora, porque a mão chegava que endurecia. Era uma atividade assim, por isso que eu falo, é inóspita porque era muito agressiva, lá. Comparando com a cultura brasileira, nossa, isso aqui é o paraíso, isso aqui é o céu! Aí eu comparo a derrissagem da azeitona com a mesma atividade aqui da derrissagem aqui do café, porque é semelhante. A gente chama aqui, fala derrissar, na minha terra chama “rapinhar”. Você puxava assim, caía. A gente punha umas lonas, para que quando a azeitona caísse não se misturasse no meio da terra, aí limpava a folha, mandava pro lagar, que é o lugar onde você faz a moagem da azeitona e produzia o azeite. E a minha atividade, como eu era pequenininho, era separar as azeitonas grandes pra fazer curtir, pra consumo. Separar a azeitona verde porque a azeitona ficava bem pretinha pra fazer o azeite, então a azeitona verde que tinha, que estava no meio, que não tem pra onde você separá-la pra não fazer uma segunda coleta na árvore. Aí a gente separava pra curtir, pra consumo. Era gostoso. E no campo também, a minha atividade, como eu era pequenininho, era colher alguma espiga de milho que caía, porque punha o carro de boi. E ia embora. E o carro de boi balança, sempre caía alguma, mas não podia perder nada, aí aproveitava.
Religião e colégio interno
Lá em Portugal era catolicismo, entende? Não era uma educação religiosa, praticamente, todo domingo era uma coisa sagrada, ir à missa. E a gente fazia a catequese, aí fazia a primeira comunhão, sempre eu fiz isso aí assim. E o que me marcou um pouco mais na parte da religião, foi que quando eu completei nove pra dez anos, aí meu pai queria que eu fosse alguém na vida e me colocou num colégio interno em Lisboa. Chama Escolas Profissionais Salesianas, Escola Dom Bosco. Aqui tem Salesianos também. Eu fiquei ali um ano. Era internato. Quando eu li “O Ateneu”, eu comparei a minha vida com o que é uma escola interna. “O Ateneu”, eu acho que é Raul Pompéia. Aquele lá não tem nada de história, lá foi uma vivência de vida de alguém que contou o que passa. Mas, era legal porque você tinha muita atividade, tinha lazer. Naquela época, 1958, 1957 , tinha lazer, você tinha futebol, só que muito rígido, normas, regras. Você tinha horários estabelecidos pra tudo. Fui sozinho porque meus irmãos eram pequenos. Meu irmão, quando a gente veio pro Brasil, meu irmão tinha seis anos e minha irmã tinha um ano e meio. Entrei no colégio eu estava com nove. Nove pra dez, e saí com onze anos. Aí com doze anos vim pro Brasil. A gente tinha até um código, a gente tinha um código: fazia um desenho na carta, era carta, aquele desenho só eu e minha mãe sabíamos. Era as necessidades que eu tinha dentro do colégio. E aquilo me marcou muito. Porque você não tinha liberdade, às vezes você sentia alguma coisa, mas não tinha dinheiro, porque no colégio interno você é desprovido de tudo. Você só tem um número, meu número era 32, não esqueço nunca. Toda roupa tinha o número 32 que era pra não se perder. E quando eu tinha alguma necessidade de alguma coisa, eu fazia um desenho, como se fosse um enfeite da carta, aí minha mãe mandava pelo correio o que ela podia. Menos dinheiro. Toda nossa correspondência era aberta, lida e censurada. Ditadura Salazar. Que que você quer? A gente não tinha liberdade, não tinha muita liberdade. Então, quando às vezes, eu tinha vontade de comer alguma coisa diferente eu mandava, escrevia, fazia o desenho, ela entendia e aí ela mandava pelo correio. Pra tudo existe uma maneira de você driblar a vigilância, porque homem, por mais esperto que ele seja, sempre tem um que está um passo à frente e não me arrependo de nada do que eu fiz até hoje. Foi gostoso, aprendi. Eu fiz parte de um coral lá no colégio, porque eu tinha uma voz muito fina, fiz peça de teatro, também, porque eu era o menorzinho da turma. E eles fizeram uma encenação lá de um personagem bem pequenininho e eu era o único. Só que tinha que fazer uma personalidade bem característica e real. Nossa! Eu nunca ouvi tanta palma. E nosso coral foi também na televisão portuguesa cantar. Foi interessante! E eu acho que toda essa vivência me deu… como é que se diz? Um vislumbre maior do que a gente pode conquistar. Eu já não poupo tempo pra ter cada vez mais, mais conhecimento, brigo com todo mundo que o conhecimento que é teu futuro e aprende e estuda, não é nada demais. Falo: “Não dói”. Mas, é que é difícil essa molecada entender essas coisas.
Vinda para o Brasil
Teve duas razões: uma, foi econômica, nessas andanças dele de negociar pra lá e pra cá, pra lá e pra cá, a coisa cresceu e arrumou um sócio. E aí, meu pai só que devia. E a dívida foi aumentando, aumentando, e eu não sabia o porquê. E a outra razão, foi outra, com referência a mim mesmo. Meu pai, ele amava muito a família. E na época quando a gente entrava na época de se apresentar, militar, pra servir o exército, em Portugal, você ficava um ano servindo dentro do país, depois você era destacado pra África, porque Portugal, naquela época, tinha muita colônia na África, mas elas precisavam de segurança e vigilância. Então, o exército ia pra lá. Você ficava lá dois, três anos. É uma vida perdida, quatro anos pra servir um exército e muitos não voltavam. E meu pai falava: “Eu não vou criar um filho, uma família pra ter o dissabor de não os ver mais”. Aí, ele conseguiu um contato aqui no Brasil, porque naquela época, pra você vir pra cá você tinha que ter, chamava–se uma “Carta de Chamada”. Você tinha que ter aqui alguém que se responsabilizasse pela tua sobrevivência. E ele conseguiu e veio. Ele veio em 1958. Quem deu a carta foi um conhecido dele, de lá mesmo. Quer dizer, isso é uma coisa que vai assim, um ajuda o outro. Ele veio pra cá, ficou um ano aqui, depois de um ano, ele já conseguiu, com muito trabalho, comprar um terreninho. Ele veio sozinho, aí nós viemos pra cá. Minha mãe e nós ficamos, cuidando lá da terra. Meu pai é Francisco dos Santos Ribeiro. Minha mãe é Giorgina da Piedade. Aí quando meu pai veio pra cá, então ele foi no consulado e fez uma carta de chamada pra nós. Porque era esposa e filhos. Aí ele mandou essa carta e nós, com essa carta, conseguimos o passaporte pra poder vir pra cá. Foi uma folia. E minha mãe falou assim: “E agora?”, ao mesmo tempo, ela tinha saudades, queria que ele voltasse, mas ele não ia voltar, porque aqui, ele encontrou o paraíso. Apesar que o meu avô, o pai da minha mãe, ele falava assim: “O Brasil é a terra do sumiço, todos que vão pra lá, nunca voltam”, porque ele não conhecia a verdade, só que 30 anos depois ele veio no Brasil, conhecer o Brasil. Imagina a ousadia desse homem, ele pegou, arrumou um passaporte, lá em Portugal, pegou o avião com um envelope com o nosso endereço. Desceu em Congonhas, porque ele fez ponte aérea, desceu no Rio, transferiu, o avião veio, desceu em Congonhas, Cumbica ainda não existia, né, chegou no ponto de taxi e falou: “Quero que o senhor me leve nesse endereço”. Chegou ali na Cachoeirinha, onde eu moro hoje, tocou a campainha, aí meu pai saiu lá fora e falou pra minha mãe: “Teu pai está ai!” “Ah! Estás a brincar” “Está aí, sim!” “Que? Vem com paródia pro meu lado" "Vem ver”. Ela olhou lá fora assim, era meu avô. Olha a ousadia, 82 anos . Então é como se diz, é o gene aventureiro. Aí chegou a carta, aí que minha mãe fez? Ela teria que vender algumas propriedades que tinha, porque era em caráter definitivo que a gente vinha pra cá, aí o que ela fez? No dia da missa, ela pediu pro padre anunciar que íamos fazer um leilão de todos os bens, igual esses leilões que tem aqui, tipo: “Família vende tudo”, todos os bens, a casa, as propriedades que tinha, o gado e os acervos da casa, tudo. E graças a Deus, foi bom! Só que mesmo assim, ainda não deu o dinheiro da passagem, aí tivemos que pedir um pouco emprestado. Mesmo vendendo tudo. Não é que era cara as passagens, é que as coisas tinham pouco valor, porque você tinha pressa pra vender. É a mesma coisa aqui hoje, se você tem uma coisa e você quer vender logo, você tem que dar. Agora se você tiver paciência pra esperar, você consegue até um melhor resultado. E, naquela época foi assim. Aí faltou dinheiro, aí meu avô emprestou. E viemos pra cá, viemos pra Lisboa...
A viagem
Pegamos um navio e dez dias depois estávamos chegando em Santos. Olha, pra quem nunca tinha entrado num navio, foi um assombro. Pra mim que era criança, foi até gostoso. Só que quando ele começou a subir e descer, a subir e descer, veio o enjoo. Quatro, cinco dias enjoado, parecia que não acabava nunca. E você, de noite, olhava e só via estrelas e o barulho da água batendo no navio e de dia, você só via água, e água, e água, e água, e dez dias depois, nós vimos o Rio de Janeiro. Nove dias. Aí paramos no Rio de Janeiro um dia, algumas horas... Eu não tenho assim um vislumbre, porque a gente não conhecia e não tinha dados relatados acerca das belezas do Rio de Janeiro, senão eu acho que teria observado melhor. Porque ali, você vai, entra no cais, não pode descer do navio, desceram as pessoas que eram pra ficar no Rio de Janeiro, saiu de novo e veio embora pra São Paulo. No outro dia, chegamos em São Paulo. Aí, foi gostoso! Aí ficamos procurando meu pai quando o navio encostou. Ficamos procurando meu pai no Porto de Santos. Aí eu falei: “Mãe, eu já achei o pai” “Aonde?” “Está lá encostado naquele guindaste”, ele estava lá esperando. Mas, era muita gente, mil e duzentas pessoas num navio, até pessoa que você grita, todo mundo grita, porque quando vê uma pessoa, um ente querido, um conhecido, todo mundo grita. Então, não teve jeito, aí só fomos mesmo falar e ver quando começamos a descer a rampa até chegar lá. Aí ele já vinha todo preparado, ele tinha um táxi ali, que ele fretou um táxi em São Paulo pra buscar a gente. Na época era só Anchieta e viemos pra cá, fomos morar ali na Cachoeirinha mesmo, ali onde eu moro mesmo. E a minha surpresa foi um tanto interessante, uma casinha simples, dois cômodos só, feita de tijolo, tinha duas camas e tinha um cacho de banana madurinho ali no cantinho. Glória de Deus, foi a primeira vez que eu experimentei que é comer uma banana, com 11, 12 anos de idade. Incrível. Nossa! Eu, ainda hoje, quando como uma banana, eu sinto o sabor dessa banana de 52 anos atrás. Você imagina.
Adaptação ao Brasil
E aí começamos a nossa vida aqui. Meu pai trabalhava naquela época, quando a gente veio, de cobrador de ônibus, numa empresa de onde tinha começado ali na Cachoeirinha mesmo, a empresa tinha quatro ônibus porque na época não tinha ônibus, você ia de caminhão, que chamava pau de arara porque não tinha estrada, quer dizer, tinha estrada, mas não tinha asfalto, aí começou a evolução, começou a Cachoeirinha a crescer, a crescer e a coisa começou dali pra frente foi a passos rápidos, graças a Deus, porque começou bem. E a minha mãe, logo quando ela chegou aqui, meu pai comprou uma máquina de costura pra ela, ela começou a costurar pra fora. E eu pra não ficar parado, ia pra escola, quando sobrava tempo da escola, eu ia catar latinhas, vidros, papelão e tal, pra garantir a feira. E o meu pai de vez em quando, vinha aqui no mercado central, ali na Cantareira, aí comprava um saco de limão, levava no ônibus e eu vendia limão na feira. Uma maneira de não parar mesmo. Eu estudava. Eu vim no quarto ano, eu parei em Portugal, aí vim pro Brasil, comecei o que seria o ginasial, que seria quinta, sexta, sétima e oitava série. E depois fiz o colegial. Na época que eu saí de lá, o classicismo imperava. Então, a gente tinha, às vezes, certa dificuldade pra poder fazer uma redação. Mas, graças a Deus, eu encontrei um professor, quando eu comecei na escola, ele me entendia direitinho, porque era meu professor de latim, imagina, latim, hein? Era o professor de latim e de língua portuguesa. Então, ele entendia perfeitamente, porque ele se encantava que eu colocava termos de lá porque eu não conhecia termos daqui. Depois, com o tempo, foi corrigindo, corrigindo e adaptei à linguagem daqui. Mas, todo mundo parava pra me ouvir falar, porque um portuguesinho assim, novinho, falando, era interessante. A maneira de entender as coisas não muda nada, é só você focar. Lá em Portugal, voltando um pouquinho, na escola, o caderno era uma coisa de poder aquisitivo difícil. E nós usávamos uma pedrinha de ardósia, mais ou menos de 30 por 30, uma caixinha de madeira em volta, e a gente escrevia todas as anotações naquela pedrinha de ardósia, porque a pedra de ardósia você escreve e ela fica marcada. Acabava a lição, você tinha que apagar e começar de novo. Então, é como se fosse um teste de memorização, pra você não esquecer nada. E toda aula, a professora ia repetindo, repetindo, repetindo para que a gente não esquecesse. Quando chegou aqui, eu achei interessante porque tinha caderno pra tudo, que era muito mais fácil. Aqui eu vim a conhecer a caneta esferográfica, porque lá não existia, lá, a gente usava uma canetinha molhando assim, no tinteiro e escrevendo. Então, a gente fica surpreendido com muita coisa, quer dizer, se eu fosse pra capital, em Lisboa, era diferente, mas nós morávamos num lugar rural. E de difícil acesso, poucas oportunidades.
O bairro Vila Nova Cachoeirinha
A Cachoeirinha não tinha asfalto nenhum. Onde eu estou morando hoje, não tinha nenhuma infraestrutura. Não tinha água, não tinha luz, não tinha esgoto. Não tinha guias, não tinha asfalto, não tinha nada. E ali, a gente tinha que caminhar bastante até chegar num lugar onde tinha ônibus. Eu, por exemplo, trabalhava no Mandaqui, eu tinha que ir a pé até a Vila Amália, pra de lá pegar ônibus pra lá, porque lá já tinha asfalto. Ou então, vinha até a avenida, ali no Imirim, pra poder ir pra Santana ou até a Vila Santa Maria, pra poder ir pro Bairro do Limão . E com o tempo foi evoluindo o progresso, foi rápido. Ali, onde existe hoje o Terminal Cachoeirinha, ali era uma granja, ali você comprava ovo, galinha, verduras. Só que lá onde é as Lojas Marabraz, ali tinha uma ponte, onde passava o riozinho que chamava o córrego Cabuçu, que é o rio que passa ali na Avenida Inajar de Souza. Ali a gente pescava lambari, mandi, pegava rã, tomava banho, porque era uma maravilha. E tem um lugar mais pra baixo, que chama Jardim Cachoeira, ali tem uma pedra bem grande, a água corria por ali, formando uma cachoeira. E a gente tinha uma atividade de final de semana, brincando ali. Era superinteressante, a diferença de hoje. Hoje você comenta com as pessoas elas, às vezes, ficam até na dúvida. De vez em quando, encontramos alguém da época, que ele justifica o que a gente fala. Porque vivenciou na mesma época.
Trabalho da mãe no Brasil
Minha mãe se adaptou muito depressa, porque ela, como tinha um conhecimento de costura, e naquela época, como hoje também a atividade de mão–de–obra de costureira era uma beleza. Ah! Comparando hoje com o boliviano, ele se fez aqui assim, está se fazendo, fazendo prestação de serviço de costura. A mesma coisa ela fazia naquela época. Ela começou costurando cuecas pra uma loja ali na Rua Asdrúbal do Nascimento, ali perto da praça João Mendes. Então ela pegava a trouxinha de roupas, punha na cabeça, pegava o ônibus e ia até lá, voltava e tal e era a atividade dela. A gente vai acostumando, porque nada melhor do que você conviver com as pessoas como elas são. Tem um ditado na Itália que diz assim: “Em Roma, faça como romanos”, estávamos no Brasil, vamos ser brasileiros. E deu certo, valeu a pena. E aí, meu pai veio pra cá no intento de ganhar dinheiro para saldar os compromissos lá em Portugal. E foi uma luta terrível. Todo mundo trabalhava, só que a disciplina em casa era assim: eu trabalho, comecei a trabalhar com 13 anos, 13 anos e meio, eu trabalhava, minha mãe trabalhava, meu pai trabalhava, recebia o pagamento todo mundo punha no monte. Minha mãe que administrava. Você precisava: “Pra que é que você quer?”, se era viável, muito bem, se não era viável, ela segurava. E foi guardando pra dar uma melhorada na casa, pra voltar em Portugal para saldar os compromissos que deixou lá, que era uma questão de honra. Naquela época, a gente honrava muito a promessa. E depois de alguns anos, não sei se foi, foi entre 62 e 65, naquela altura, já tínhamos comprado uma outra casa, ali onde eu moro agora e começamos a angariar fundos pra voltar lá. E meu pai voltou lá.
Volta do pai a Portugal
Meu pai foi a Portugal e nós ficamos aqui, porque minha mãe trabalhava de costureira, eu já tinha meu emprego, certo? E o meu pai aproveitou umas férias e foi lá saldar os compromissos dele. Aí, pegou o navio e foi embora. Aí que começa o desespero dessa viagem, porque na ida, quando meu pai foi pra Portugal, aconteceu um acidente com um navio que eu não me lembro qual era, e também não me lembro qual a bandeira que meu pai foi. Eu lembro da bandeira que eu vim. Eu vim no Frederico C, é uma empresa de navegação da linha “C”. Então, cada navio tem um nome: Frederico C., Eugênio C., cada um assim. E aí meu pai, pegou, foi, viajou, e no caminho, aconteceu um acidente com outro navio de uma outra bandeira, que pegou fogo. E surgiu a notícia de que um navio que tinha saído daqui assim tinha pegado fogo. Quer dizer, não sei qual a origem dessa notícia, só ficamos sabendo da verdade depois. E o desespero? Foi, foi, foi, não foi, e a gente procurava na Junta de Imigração, e falavam assim: “Aconteceu alguma coisa”, mas truncavam a informação. Não tinha por onde a gente saber e o desespero: vai até a cidade e volta e corre... e isso aí foi demorar uns dois dias pra saber uma resposta afirmativa. Até que eles falavam: “Aconteceu uma avaria num navio que foi daqui…”, porque quando ele pediu o SOS, quando recebeu o socorro, o SOS de socorro. Ele deu mais potência pro navio chegar mais depressa pra poder socorrer as pessoas que estavam já na água e tudo. E numa dessas, uma caldeira explodiu e uma parte do convés ficou em chamas. Só que nada de gravidade. Só que a notícia ficou alarmante, quer dizer, isso aí eu fiquei sabendo depois que meu pai escreveu contando toda a história, como aconteceu. Só que a carta demorou dez dias pra chegar aqui. Ficamos sabendo que não aconteceu nada, através da empresa de navegação. Mas, eu precisava ter uma certeza, e a gente não sabia. Aí quando meu pai chegou, de imediato, ele escreveu e detalhou toda a história que aconteceu. Até contou uma piadinha no meio. Diz que tinha um portuguesinho velhinho, ele falava: “Ai! Minha nossa senhora! Deus nos acuda! Meu Deus do céu! Por quê que eu vim pegar este navio aqui, assim. Por quê que eu não morri em terra? Agora, morro queimado e afogado!”. Então, aquela carta, olha, acho que foi a carta mais esperada da nossa vida. Até ela chegar e saber detalhes se estava bem, o que é que tinha acontecido. Então, ele contou pormenores de tudo isso que tinha acontecido. Que foi justamente numa corrida de socorro, de socorrer outro navio e ocorreu esse incidente. Só que, aí, misturou a notícia e como você só tinha só o telégrafo e não dava pra dar muita informação. Depois, que a notícia já foi bem clareada, bem esclarecida, aí a tranquilidade voltou à família. Aí meu pai ficou lá, acho que dois meses, e voltou de novo e começamos a nossa vida na tranquilidade, na passividade. Graças a Deus, sempre crescendo, porque o importante é você não desanimar. Ele tirou licença porque ele tinha a necessidade disso.
Trabalho do pai no Brasil
Quando ele voltou de Portugal, ele já voltou pra trabalhar na construção, porque a empresa cresceu também, e eles tiveram que construir uma garagem maior, pra acomodar toda a frota de ônibus. Isso aconteceu ali na Rua Waldemar Martins, ali na Vila Espanhola. A empresa chamava Viação Brasília, na época. E ele voltou e foi trabalhar como mestre de obras, ele entendia muito de construção, que ele fez tanta casa lá em Portugal. E ele trabalhou como mestre–de–obras nessa empresa. O que eu aprendi de construção civil, eu aprendi com o meu pai. Eu trabalhava na empresa, no almoxarifado, depois eles viram que eu tinha uma aptidão boa pra estatística, e eu já preparei um programa pra eles, pra poder fazer uma estatística mediante gráficos, de incidências de defeitos que aconteciam nos ônibus, pra poder direcionar até onde que poderia averiguar o defeito: “Porque uma peça está dando bastante defeito”. Isso aí me deu bastante incentivo de trabalho, comecei a ter melhor condição, meu salário melhorava, porque as ideias, eles acatavam, mas eles faziam uma… como é que se diz? Eles honravam a ideia. A gente tinha o benefício disso. E o meu pai, depois ele trabalhou na obra, depois ele ficou trabalhando no almoxarifado, certo? E ali foi até a gente conseguir se libertar do emprego. Aí começamos a trabalhar por nossa conta. Montamos um empório, um armazém de secos e molhados, no lugar onde eu moro mesmo e começamos a nossa vida já diferente. Aí nós já fomos trabalhando, os meus irmãos já estavam crescidos, meu irmão, naquela época, já estava ingressando pra faculdade, meu irmão é médico ortopedista.
Estudos
Eu não tive condições de estudar, porque o empenho era que alguém crescesse depressa. E nessa euforia, a gente trabalhava, trabalhava pra manter o estudo dos outros dois. Minha irmã se formou, já é enfermeira, se formou na PUC. Meu irmão de formou em Marília. Ainda está lá, ele é ortopedista. E eu cheguei a fazer faculdade, casado, com três filhos, eu fui levar minha filha pra fazer um vestibular na FEI – Faculdade de Engenharia Industrial, porque eu tinha um sonho, não consegui realizá-lo mas, ainda está latente. Pode ser que eu consiga alguém, tem alguém no caminho já que quer realizar meu sonho. Meu sonho era estudar, me formar numa faculdade, montar um escritório de projetos, que era fazer Engenharia Civil, montar um escritório de projetos, continuar estudando porque meu sonho era fazer Física Nuclear. Então, eu entrei na faculdade – ela foi fazer o vestibular – eu falei pra ela: “Me traz uma ficha de inscrição que eu quero fazer também e não fico lá estacionamento esperando quatro horas você fazer o vestibular”. E fiz. Eu fui chamado. Passei! Eu falei: “Mas, como é...”, passei na primeira chamada. E falei: “Caramba! Agora vou entrar, aí entrei, eu era o “bicho–pai” ; era o mais velho, entrei na faculdade, só que não deu pra continuar, eu fiquei um ano e meio, porque aí entraram esses governos, os nossos governos de mudança de moeda, mudança de planos econômicos, doutor Sarney e tudo isso aí, assim. E aí a minha renda, que eu tinha naquela época que garantia a minha faculdade e a da minha filha, ela foi degenerando porque inventaram aquelas tablitas e tudo encolheu, menos o gasto, só o ganho. Aí eu tive que trancar a matrícula e não deu pra voltar mais. Agora, a minha filha se formou.
Trabalho com padaria
Depois eu evoluí um pouco, aí eu me casei e a mulher com quem eu me casei, o pai dela tinha uma padaria e eu comprei a parte do sócio do meu sogro e fiquei trabalhando com ele. Então, imagina, casado, tomando conta de uma padaria e fazendo faculdade, é loucura, não é? Mas, valeu a pena, valeu a pena. E trabalhei 28 anos no setor de padaria. Toda atividade que eu fiz eu procurei um conhecimento técnico em cima de cada coisa. No caso da padaria, eu fiz vários cursos, a Fleishmann que era uma empresa fornecedora de fermentos, ela promoveu cursos. Uma empresa holandesa que era fornecedora de aditivos, forneceu cursos. Fiz curso de panificação no Senai, confeitaria, salgadinho, tudo! Eu queria ter a técnica pra fazer bem feito. E, graças a Deus, ao bem feito, eu tive sucesso em tudo. Como é que a gente ganhava dinheiro em padaria? Porque a gente não conseguia gastar. Você trabalhava de segunda a segunda, quando não, um período, dois períodos, certo? Porque você tem que estar sempre na cabeça, não existia toda essa facilidade, como hoje que você coloca um gerente, você coloca isso, coloca aquilo lá e você tem quem cuide. Então, trabalhava eu, minha mulher, minha sogra e meu sogro, os quatro. Então a gente tocava, cada casal no seu período e a gente tocava. Claro, tinha os empregados, cada um, padeiro, confeiteiro, balconistas, tudo uma coisa bem aprimoradinha. Então, a gente trabalhava e aquela padaria começava a dar bom resultado, a gente vendia, comprava outra. A gente, geralmente, procurava comprar padaria caidinha, que era mais barata, e a gente levantava, valorizava o fundo de comércio, vendia de novo e a gente ia construindo patrimônio em cima disso aí. Consegui comprar casa, graças a Deus! Carro, casa. Não aqueles carrões. O único carro que eu comprei que foi um pouco mais arrojado, foi uma Veraneio na época, 1971 .
Trabalho como técnico em refrigeração
Sou técnico em refrigeração. Esse curso eu fiz em 2001, não, é 2001. Não, peraí, em 2001 eu entrei pra trabalhar em uma empresa de refrigeração como almoxarife. Cansei de padaria. Chega uma hora que você sente um desestímulo, agora, verdadeiramente, posso até comentar, quando você é assaltado 22 vezes em um ano você perde o pique de trabalho. Tenho comprovação de alguns BOs que eu fiz, não fiz todos. A última vez que aconteceu foi até uma coisa degradante, que vieram assaltar, houve reação de clientes, houve tiroteio, graças a Deus, ninguém se machucou, ninguém se feriu. Só que tem uma coisa, você tem uma casa, assim, fluindo de pessoas e de repente você fica às moscas. Por causa do fator medo. Então, eu encerrei a minha carreira como panificador, justamente por causa da falta de segurança. E não posso me queixar, porque patrimônio que conquistei, a renda que me dava de aluguéis, conseguiu tranquilizar a minha parte econômica. E voltando ao assunto pra refrigeração, depois que eu parei, eu fui trabalhar numa empresa de refrigeração como almoxarife no almoxarifado, porque como eu trabalhei no almoxarifado na época que eu trabalhava na empresa de ônibus, eles me convidaram pra lá. Só que eu comecei a pegar interesse, achei interessante a refrigeração, o fundamento dela. Aí em 2002, foi em 2001 que eu comecei, em 2002 eu fiz uma inscrição no Senai, fui aprovado, passei, entrei e foram dois anos. Quando eu me formei, eu tinha 57 anos. Era o mais velho da turma. Mas, eu me dediquei tanto, com tanto entusiasmo, porque era uma coisa nova, que no final do terceiro semestre eu consegui ganhar um AVC. Deu um mal estar e tal, fiquei internado dois dias no Hospital São Camilo, mas, minha preocupação era porque eu estava em época de prova. Aí, acabei, tive alta do hospital, fui lá no Senai e falei assim: “Escuta, como é que eu faço as provas?” “O senhor não precisa fazer, o senhor está aprovado.” “Mas, eu não fiz prova!” “Mas, você está aprovado, pode fazer a matrícula pro último semestre.” Então ali, a escola, Senai, ela tem um empenho muito grande na responsabilidade para o aluno. Tudo que você faz tem uma anotação ou positiva ou negativa. Graças a Deus, eu só tive anotações positivas. Então, pela maneira, pelo desenvolvimento, pela maneira de atuação durante o semestre, e as provas, claro, em si, que fora feitas no decorrer do ano, me isentaram da prova final e eu continuei, e me formei. E graças a Deus, depois que formei andei tendo um pouco de percalço porque você formado novo, cartucho embaixo do braço, mas não é bem assim, porque falta uma coisa: imagem. E fui trabalhando na empresa, certo? Mas, eu já pesquisava, aí eu já via algo diferente. Eu precisava desenvolver alguma coisa minha em cima disso. A empresa me ofereceu várias condições, me pôs em vendas, eu superei as vendas e tive que sair de vendas porque eu vendia mais que eles podiam produzir. Depois, me colocaram na empresa pra fazer venda de manutenção preventiva e eu vendi muito contrato de manutenção preventiva, só que eles precisavam formar mais equipes e não tinham condições. Aí, minha esposa falou pra mim: “Se você tem capacidade, por que você não faz por tua conta?”. Que essa é a minha esposa atual, porque em 92, eu tive um problema, tive um acidente de trânsito e lá eu perdi minha esposa no acidente. Fiquei dois anos tentando andar, saí de cadeira de rodas e hoje eu estou assim, um boneco que anda pra todo lado porque o acidente foi muito violento e minha esposa faleceu. Meu filho estava comigo e teve várias fraturas e tal. Eu estava guiando. Minha vida parou. Em sete segundos, eu perdi trinta anos de vida. É incrível, como é coisa rápida. Eu vinha guiando na estrada, vinha vindo de Cabreúva, e ali a estrada é assim: ela sobe e desce, só que tem aquelas lombadas naturais e quando eu acabei ali na última lombada, logo ali chegando ali perto de Jundiaí, um caminhão entrou e eu bati na roda dianteira do caminhão. E aí acabou. Fratura de tornozelo, fêmur, costela, cabeça, eu me arrebentei todo. Mas, graças a Deus, venci, certo? E aí, me casei de novo. E desse segundo casamento, tenho dois filhos com ela. Do primeiro, tive três. Já tenho nove netos. É uma vida interessante, muito bacana, certo? Porque o que importa é que mesmo no segundo casamento, a homogeneidade da família continua. E isso mostra que o amor que você tem pelo teu próximo, não importa se é família ou não família, você faz uma marca. Como eu falei, na parte profissional, eu precisava fazer uma marca, e a minha marca foi essa: continuar pesquisando, pesquisando, estudando, estudando, estudando e de um serviço que eu fiz aqui no Quartel da Aeronáutica aqui em Santana, na parte de refrigeração é que foi o pulo para o que eu estou fazendo hoje. Eu trabalho como autônomo. Saí da empresa, porque eu queria começar uma coisa por minha conta. Certo? Não uma empresa assim, como é que se diz, grande. Mas, algo que pudesse definir a minha vida profissional que era exatamente o que eu gostava de fazer. Sempre gostei de fazer tudo, mas isso como foi uma coisa nova era mais leve, mais suave. Você precisava usar o teu conhecimento que propriamente o físico. E nesse meio tempo que eu estava fazendo esse serviço no Quartel da Aeronáutica, houve um engenheiro da Elgin, que foi lá ver o serviço comentou com alguém, esse alguém me indicou nessa empresa que eu presto serviço, que faz fabricação de adegas e aí eu fiquei trabalhando com eles desde 2008. Tudo feito no projeto. A empresa não fecha negócio pra ninguém, enquanto eu não decidir qual é exatamente o equipamento que é preciso pra que não dê problema. E todos os problemas que eles tinham antes, acabaram porque é conduzido tecnicamente. E eu estou feliz, feliz porque continuo vivendo, tenho Deus do meu lado e o melhor, o objetivo de cada um tem que ser traçado, mas dentro de responsabilidade, para que você amanhã ou depois, não encontre um dedo apontando pra você. Porque a pior coisa que tem é você ser acusado de alguma coisa, principalmente, negligência profissional. Isso eu tenho convicção firme, ninguém me faz mudar, ninguém compra a minha mudança dentro da verdade. Porque tem um ditado que diz assim: “O homem que se vende por muito barato que seja seu preço é mais caro do que vale”. E eu honro a parte profissional. Em cada um, respeito todos, não importa qual seja a área de atuação, porque graças à honestidade de trabalho que tive desde a infância até agora, é que eu consigo conquistar, come é que se diz, credibilidade.
Avaliação de vida
Eu tenho a convicção de que se você é bem sucedido, é porque você teve empenho pra isso. Se você teve algum percalço na tua vida, teve alguma perda, algum dissabor, é porque em algum lugar você negligenciou e você não observou e você errou. Então, eu acho que tudo é válido, porque se é pra bem, ótimo, você tem o teu galardão. Agora, se deu errado, é porque você esqueceu de corrigir o teu caminhar. Então, eu acho que não importa, tudo é válido. Aconteceu o acidente comigo, paciência! Por que aquilo aconteceu? Será que é porque ele fechou a minha frente ou eu não fui observador o bastante ou não sei, não importa. Aconteceu. São marcas. São marcas, não tem jeito. A marca que você leva, ninguém tira. Você tem uma marca de caráter, como diz a palavra do Senhor: “O oleiro faz vasos para a honra e para a desonra, mas é o mesmo profissional”. Nós fazemos o nosso caminhar, o nosso trabalho, somos a mesma pessoa. A gente acerta e erra. Então não tem, não tem por onde você ter arrependimento daquilo que você fez. Eu acho que tem que haver um conformismo, porque você errou e não errar mais dali pra frente. Você vigiar pra não errar. É a parte importante do ser humano, ser consciente do teu erro, você ser consciente da tua vitória, da tua conquista. Não ser, como a gente chama na minha terra, chama de fanfarrão, como é que vocês dizem aqui? Não ser presunçoso, seja normal. Todos vão te admirar pela naturalidade que você tem, pela honestidade. Então, me diz, a gente tem que criar uma marca. E essa marca ela é cobrada em tudo que você faz. Meus sonhos, hoje? É isso que te falei. É ver a minha família, são duas, né, é uma só. É ver a minha família conduzida no caminho certo, graças a Deus, cinco filhos, todos na conduta certa, orientados, com temor a Deus. Procurar erar o menos que podem para que não se desviem, pra que não sejam uma pedra na sociedade, que a pior coisa que tem é quando você fica invigilante da criação do filhos, por alguma razão, e depois você ter que se arrepender porque você deixou de fazer. Graças a Deus, todos tiveram a mesma conduta e o mesmo objetivo: crescer e ser alguém lá na frente. E os meus netos, de vez em quando eles falam assim: “Quero ser igual ao meu vô”. Não é uma alergia isso? Você ouvir isso: “Eu quero ser igual fulano de tal”. E hoje é como se diz, de uns dois anos pra cá, eu mudei a minha parte de ideologia religiosa de católico pra evangélico. É um procedimento diferente, é uma maneira diferente de olhar tudo que nos rodeia, todas as pessoas com quem você convive, a necessidade de cada um e você poder ajudar naquilo que você pode. Se você não pode ajudar economicamente, você pode ajudar espiritualmente. Se você tiver um espírito tranquilo, você tem um corpo tranquilo. Mente sã, corpo são. Se você não tem atribulação dentro da tua mente, o teu espirito está feliz, então o corpo também se sente feliz, você conduz. Então hoje, é ter uma velhice tranquila daqui pra frente, inverter minha idade, chegar nos meus 99 e ver a família crescendo: filhos, netos, bisnetos e por aí afora. E graças a Deus, continuo ativo, acho que vou ficar ativo até o último dia, tenho certeza, porque todo percalço que eu já tive, de acidente, desastre, quedas, tombos, AVCs e tal, tranquilo, não desanimo.
Contar sua história
E o importante, não sei até onde, minha história pode ser comovente pra alguém, mas eu acredito que na conquista, se formos invejados, a parte boa, é uma maneira natural de cada pessoa também conseguir conquistar. E se você gradativamente, você vai melhorando, seu vizinho vai melhorando, o teu conhecido vai melhorando. A melhoria começa a se avolumar e tudo flui pra uma melhor condição para todos. Agora, se algum ali na frente se desvia, parece que não, mas cada um é uma peça importante na evolução. Se ele se desvia, ele só tem a perder. Agora, como é que se pode colocar na cabeça de cada um, que o que você fez é certo? Basta a pessoa olhar, procurar, como é que a gente fala? Mostra o que você é e mostra os frutos que você fez. Pelo fruto, você sabe muito bem que planta você tem. Se você tem uma planta boa, você tem a certeza que tem frutos sadios, mas se você negligencia o cuidado com a sua planta, você vai ficar chateado, porque não vai dar aquilo que você quer. E nós somos a mesma coisa. Se nós tivermos bons frutos, nós vamos ser copiados. Alguém vai achar interessante e vai copiar. Por quê que todo mundo quer ser jogador de futebol? Porque ele é bem sucedido. Por que todo mundo quer ser cantor? Porque vende disco, certo? Por que o camarada quer ser o melhor numa competição olímpica? Porque ele quer se destacar, ele quer ser o melhor. Então, cada um de nós, se fizer um empenho para vencer o nosso recorde, o que a gente faz de melhor e cada vez melhorar mais, a gente só tem a certeza de que vai conseguir conquistar aquilo que a gente quer. Agora, não pare, não desista e também não esqueça de uma coisa: alguém que está lá em cima teve um empenho muito grande em fazer tudo isso. Agora, será que a gente consegue observar tudo? Outro dia eu fui fazer um serviço em Brasília e fui de carro. Na volta eu tive a sensação da manhã mais bonita de toda a minha vida, que eu nunca tinha conseguido observar. O nascer do sol naquele, naquele agreste goiano. Você olha centenas e centenas de quilômetros só terra, terra, terra, você não vê casa, você não vê nada. E aquele vermelhão lá surgindo, olhei aquele vermelho. Vermelho foi alaranjando, dali a pouco sai aquela bola de fogo, como se tivesse alguém soprando uma brasa pra te mostrar. Era o nascer do sol no agreste goiano. A coisa mais linda! Agora, toda criação divina é assim. É que você não tem tempo de observar. Quando alguém tiver o conhecimento e sentir que isso toca pra bem, faça o melhor que pode por aquilo que você sabe, tenta sempre melhorar o teu aprendizado, porque o teu conhecimento é que vai te valorizar aquilo lá na frente. Quanto mais conhecimento você tiver, mais vantagem você tem, porque através do conhecimento, você conquista a tua prosperidade. Porque você faz, melhora e mostra que você é capaz de fazer. E aqueles que se entusiasmarem pelo teu conhecimento, eles vão te dar aquilo que você realmente almeja. Hoje, é o dinheiro. E o dinheiro, a fama, o bem estar, as conquistas que você quer e a felicidade final de você se sentir uma pessoa feliz e bem sucedida. Aí você escreve lá: “Entrega teus caminhos na mão do Senhor, confia nele e ele tudo fará”. Seja obediente, Ele vai te abençoar. Eu agradeço também e espero que haja felicidade no coração de alguém em sentir que essa caminhada pra mim valeu a pena.
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