Depoimento de Antônio Custodio de Lima
Entrevistado por Karen Worcman e Cláudia Leonor
Araraquara, 17 de setembro de 1999
P/1 – Seu Lima, para começar a entrevista, diga o seu nome completo, o local e a data de nascimento.
R – Meu nome é Antônio Custódio de Lima, sou nascido em Boa Esperança do Sul, em 10 de setembro de 1919. Mas já sou considerado araquarense, porque já recebi título na Câmara Municipal. Então, nascimento é Boa Esperança do Sul e a moradia é em Araraquara, desde a infância.
P/1 – O senhor tinha dito que, na verdade, tinha nascido no dia seis.
R – É, o dia seis é o correto. Mas, fui registrado no dia dez, então... Que eu recebo aí no banco, aí na LBV, tudo cartão, que eu contribuo com toda essa gente. APAE, me cumprimentam sempre dia dez.
P/1 – Por que foi registrado no dia dez?
R – Eu não posso te afirmar. Eu sei que meu pai morava em fazenda, muito distante às vezes do local de registro. E também meu pai era um homem que não tinha muita escola, acho que ele não ligava muito para a coisa, né? Minha mãe, sim. Minha mãe é que fazia a escrita da fazenda lá, à noite. Depois que ia dormir a filharada, né? Um mundo de filho. Então, ela ia lá com o meu pai para o escritório fazer o diário do dia da fazenda que ele administrava. Porque ele era... o meu pai era duro, era rígido, não me chamava de filhinho não, ele era... Então, não sei porque demorou. Aliás, eu, filho nascia, já descia no cartório, quando meus filhos nasciam. Mas, no meu caso, eu não sei. E com a minha mulher é o mesmo caso. Meu sogro é um folgadão, homem muito bom, é espanhol, né? Então, a minha mulher também está registrada com dois ou três dias de diferença. Mas não deu nada, tá tudo certo, tá tudo em ordem.
P/1 – E o nome do seu pai e da sua mãe?
R – Meu pai é Afonso Custódio de Lima, e a minha mãe, Honorina Faria de Lima. Agora a data de nascimento deles, sinceramente... nunca a gente se...
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Entrevistado por Karen Worcman e Cláudia Leonor
Araraquara, 17 de setembro de 1999
P/1 – Seu Lima, para começar a entrevista, diga o seu nome completo, o local e a data de nascimento.
R – Meu nome é Antônio Custódio de Lima, sou nascido em Boa Esperança do Sul, em 10 de setembro de 1919. Mas já sou considerado araquarense, porque já recebi título na Câmara Municipal. Então, nascimento é Boa Esperança do Sul e a moradia é em Araraquara, desde a infância.
P/1 – O senhor tinha dito que, na verdade, tinha nascido no dia seis.
R – É, o dia seis é o correto. Mas, fui registrado no dia dez, então... Que eu recebo aí no banco, aí na LBV, tudo cartão, que eu contribuo com toda essa gente. APAE, me cumprimentam sempre dia dez.
P/1 – Por que foi registrado no dia dez?
R – Eu não posso te afirmar. Eu sei que meu pai morava em fazenda, muito distante às vezes do local de registro. E também meu pai era um homem que não tinha muita escola, acho que ele não ligava muito para a coisa, né? Minha mãe, sim. Minha mãe é que fazia a escrita da fazenda lá, à noite. Depois que ia dormir a filharada, né? Um mundo de filho. Então, ela ia lá com o meu pai para o escritório fazer o diário do dia da fazenda que ele administrava. Porque ele era... o meu pai era duro, era rígido, não me chamava de filhinho não, ele era... Então, não sei porque demorou. Aliás, eu, filho nascia, já descia no cartório, quando meus filhos nasciam. Mas, no meu caso, eu não sei. E com a minha mulher é o mesmo caso. Meu sogro é um folgadão, homem muito bom, é espanhol, né? Então, a minha mulher também está registrada com dois ou três dias de diferença. Mas não deu nada, tá tudo certo, tá tudo em ordem.
P/1 – E o nome do seu pai e da sua mãe?
R – Meu pai é Afonso Custódio de Lima, e a minha mãe, Honorina Faria de Lima. Agora a data de nascimento deles, sinceramente... nunca a gente se preocupou com isso. Estou com oitenta anos, e que luta foi a vida para a gente chegar nesse ponto aqui.
P/1 – Seu Lima, seu pai trabalhava em que fazenda?
R – Ah, diversas. A última em que ele trabalhou foi a Fazenda do Ouro, aqui, uma fazendinha que tinha aqui. Que a gente chegava domingo e não via a hora de ver a mãe. Chegava no domingo, a gente ia à pé, ia ali pela Vila São Paulo, passava aquele córregozinho lá embaixo... E ia à pé, porque condução, nem a fazenda não tinha nem trólei, não tinha nada. Mas ele morou, morou na fazenda Atalaio, na fazenda Jequitá, morou aqui numa fazenda perto de nós aqui... morou em fazenda por onde ia passando, né? Onde ia passando, ia fazendo filho. Eu tenho uns irmãos que nasceram em Gavião Peixoto, irmãos que tão falecidos todos eles, só sobrou eu e duas irmãs, o resto faleceu tudo. Então, conforme ia nascendo, na fazenda, ia registrando. Então tem Gavião Peixoto, eu sou de Boa Esperança, meu pai ia tocando, né? A fazenda mais que a gente tem como lembrança é a fazenda Jequitá, fazenda boa, o patrão era um carrasco. Chegava lá, corre, corre que escondia os filhos, naquele tempo escondia os filhos, né?
P/1 – Por quê?
R – Porque não podia aparecer criança. Mas, nós convivemos com a época e não teve problema nenhum não.
P/1 – E da profissão, da atividade do seu pai, do que se lembra, o que ele fazia, como ele trabalhava?
R – O meu pai?
P/1 – É.
R – Ah, o meu pai era administrador de fazenda.
P/1 – Onde ele nasceu?
R – Meu pai, eu não sei. Porque o meu avô era mineiro, não sei onde que eles nasceram, nós não temos documentação nenhuma. Eu tenho uma sobrinha aí, a Célia, não sei se vocês conhecem, ela tem dinheiro, ela teve outro dia na padaria à cata de informação. Informação da família, que eles estão escrevendo um livro da família. Bom, o que sabia, eu passei, aí falei: “Agora, o resto você procura, tenho duas irmãs aqui, a Nilza, Nilza Lima, e tenho a Lurdes”. As duas estão viúvas também, a Nilza é professora. Então, falei: “ Elas devem ter mais”. É que a gente se preocupou mais é com o trabalho do que... me preocupo muito com família, né? Com filho na escola... Minha mulher costumava... às vezes, um filho inventava que estava com dor de barriga, a mãe escondia ele, porque quando eu chegava para almoçar, eu perguntava: “Foi todo mundo para a escola?”. Ela falava: “Foi todo mundo”. Tinha sempre um escondido lá, o Emílio, esse que está na padaria , ela escondia ele. Que a molecada eu levei no pau. Agora, o problema da minha mãe e do meu pai... eu sei que uma vez eu ia... antigamente, o comércio fechava domingo, meio dia, hoje o comércio não abre, padaria fecha meio dia ainda, né? Mas, o comércio fechava domingo, meio dia. Então, a gente terminava lá e o patrão vinha: “Aqui, o seu dinheiro”. Dava 500 réis naquele tempo, que a gente guardava para comprar lanche, para levar no Grupo no outro dia. Então, nós íamos lá. Um dia, cheguei lá, e vi a minha mãe lá com um caixão de cebola, cheio de pratos, e falei: “Mãe, cadê o seu guarda comida que tinha aqui?”. Ela disse: “Nós precisamos vender, porque está muito ruim, o patrão não paga”. Então, tem gente que descamba, a gente mudou. É mudou, falou: “Ah, é assim, é? Então, a gente vai pegar firme na vida”. Porque tem gente que fala: “Vamos beber”, Com a gente foi o contrário. Esse meu irmão que... estou na padaria hoje por causa desse meu irmão, Euclides. Euclides tem os filhos todos formados, tem filho médico, filho professor no Rio de Janeiro, uma família dele. Mesmo caso. Tinha a casinha dele, depois deixou a casinha... quando ele morreu, o filho já vendeu a casa. Eles vão acabando com as coisas, né? Mas é uma família muito boa, a do Euclides. Então, ele teve uma infelicidade na vida dele aí, negócio de loteria, foi preso. Ficou 30 dias preso, quando ele saiu de lá... ele não queria que ninguém fosse lá... não era crime, não era crime... na fazenda ele tinha banqueiro, aí bancava, né? Vendia bilhetes, tinha um chalé aí, tal. Aí, ele saiu de lá e não sabia o que fazer, queria abrir um armazém de secos e molhados, queria abrir um depósito de cereais. Mas tinha um amigo nosso que era o dono do prédio da padaria, e então, ele aconselhou Euclides: “Compra a padaria do Helói, do rapaz aí, que eu te ajudo aqui”. Negócio de padaria nunca viu um na vida, também aquilo lá era uma espelunca mais ou menos, era um barracão. Então, acabamos comprando do Helói, e aí ele queria que o meu irmão, que tinha um armazém ali na Rua 8, hoje, meu sobrinho tem ali um depósito de frios, o Percival ... e o prédio ali era meu e do meu irmão... Então, ele convidou meu irmão para ir lá para a padaria. E eu ficaria lá no armazém. Minha cunhada não deixou: “Não, meu marido não vai levantar de madrugada, não”. Então, fui para lá. Então, aquilo dali, vou dizer para vocês, aquilo ali não foi brincadeira, porque eu levantava às duas da madrugada para ir para a padaria a pé. A gente subia, eu morava lá no São José, em frente a um parque...
P/1 – Tinha quantos anos nessa época?
R – Bom, isso aí foi 51, que nós compramos. Faz quase 50 anos. Então, o meu irmão ficava aí na padaria, eu vinha, como diz a gíria, eu rendia ele para carregar uns carrinhos de pães na rua, aí tinha um mundo de vendedor na rua, uma barbaridade, tudo perda de tempo, isso aí não dá nada, negócio de vender pão na rua não dá nada.
P/1 – Voltando ainda para a sua infância... Depois a gente volta para a padaria. O senhor se lembra da fazenda, brincava com os seus irmãos, eram quantos irmãos?
R – Bom, vou ser franco para você. Até os oito anos, morava na fazenda, brincava, igual aos outros. Mas não tinha brinquedo, não tinha nada. A gente queria era ficar perto da mãe, né? Quando chegava na idade escolar, vinha para a cidade. Ficava na casa da minha tia e ia para o Grupo. Eu fiz o primário no Antônio J. de Carvalho, aqui na... tem uma casa de professores ali, antiga... tinha um professor que tinha uma palmatória, batia na mão, naquele tempo usava palmatória, né? Mas, nós ficamos aí. Terminava ali e nós saíamos, ao meio dia. O grupo era, este segmento, era das 8 ao meio dia. Eram quatro horas seguidas, né? Mas o meu pai já ia nos amigos deles arrumar uns servicinhos para o menino. Então, saia do Grupo, ia para casa, almoçava, trabalhava aqui onde tem um Unibanco, tinha um armazém grande ali, chamava Casa Sampaio. Depois passou para os Trintinellas, não sei se vocês já ouviram falar, aquele de Rincão. Rincão, os Trintinella. Então, a gente ia ali, ficava ali empurrando carrocinha, porque antigamente não tinha negócio de perua, não tinha negócio de carroceiro, não tinha nada. Tinha ali umas cinco carrocinhas, e eles forneciam para o pessoal da Colônia Paulista, não sei se a senhora conhece, ali na Vila Xavier, umas casas de ferroviário que tem ali à direita. Então, eles faziam despesa lá. Quando chegava no dia da despesa.... Antigamente, o cara comprava tudo no armazém
P/1 – O que é a ...
R – Aí, chegava na hora, o Chiquinho gritava lá: “Meninos, vão carregar!”. Eu carregava, enchia as carrocinhas, descia ali a avenida São Paulo. Quando chegava a levar no pontilhão, parava ali embaixo, que antigamente não tinha escadinha, era só a rua, aí, pegava três, quatro meninos, subia a primeira carrocinha. Depois nós voltávamos, subia outra carrocinha, para levar as despesas.
P/1 – E o que tinha dentro da carrocinha?
R – Tinha tudo, arroz, feijão, batata, fubá, óleo.
P/1 – E era o pessoal lá nas casas que comprava?
R – É, eles faziam despesa. É como o pessoal que vai hoje fazer compra, compra, não é? Então, é a mesma coisa, só que se fazia despesa. Hoje, o sujeito compra uma vez por dia. Naquele tempo, comprava uma vez por mês.
P/1 – E como eles pagavam?
R – Todos eles tinham conta por mês, dia do pagamento. No dia do pagamento da Paulista, da Companhia Paulista, que aqueles prédios lá eram todos da companhia .Agora, não sei se eles acabaram vendendo para eles, não sei, quase não tenho mais saído. Então, infância foi isso aí. Trabalhando.
P/1 – Seus irmãos também faziam esse trabalho?
R – Meus irmãos? Todos eles trabalhavam. Mas depois, quando a gente vai se conscientizando, crescendo, você não tem para que chorar. Porque se meus pais fossem homens estudados e tal, que é que eles fariam? Eles encaminhavam os filhos para a escola. Mas aqui, professor Jorge Borges Corrêa, não sei se vocês já ouviram falar, ele tinha esse Colégio Duque de Caxias aqui, no Largo da... perto da Gota de Leite... ali não tem um ginásio, um colégio muito bom ali? Antes, era na Rua 5, em frente ao São Bento, tinha ali um prédio que está lá até hoje, só que... Então, ali o nome era Escola de Comércio Araraquara, tinha uns professores lá, professor Borges, Emílio Borges, tinha uma porção de professores lá, já madurão. Então, ele criou um curso de contabilidade à noite para atender justamente os moços que trabalhavam de dia. E todo mundo trabalhava de dia, não podia ir à escola de dia, ia à escola à noite. Cheguei no meu patrão e falei para ele: “Escuta aqui, queria entrar na escola, entrei sozinho, ninguém me levou, ninguém me mandou, eu queria estudar um pouco aí, porque desse jeito aqui não dá certo, só que preciso ver quanto você pode me pagar por mês”. Porque a escola pagava, então, eles me fizeram lá um salariozinho, que nem sei quanto era. Eu entregava para o Seu Borges, ele nunca falou nada. Sabe, nós tínhamos uma classe com mais ou menos 20 ou 20 e pouco rapazes. Tenho uma fotografia lá do dia da formatura, dia do baile, minha mulher foi dançar lá. Antigamente tinha o teatro ali, o Lupo desmanchou. aquele teatro ali. Outro dia fui lá no doutor Gerson, de vez em quando vou lá ver como é que está a cabeça, e ele tem uma fotografia lá na parede, do Teatro Municipal. “Eh, doutor, isso me dá saudade da formatura, a Cidinha mesmo... teve um recital de piano lá, ela foi tocar”. Então, entramos ali na escola, depois o professor Borges conseguiu também uma escola de instrução militar, chamava E.I.M. 47, para os alunos fazerem o Tiro na escola, depois da aula. Então, a aula terminava dez, dez e meia da noite, o sargento já estava lá. A gente já ia fardado, formava o pelotãozinho, era pouco, né, e saia marchando por aí. Nossa sorte é que naquele ano, se não me engano foi 41 ou 42, teve aquela revolução e todo mundo passou por decreto. Se nós fôssemos passar, fazer exame, não passava ninguém no Tiro de Guerra.
P/1 – Isso o senhor estava fazendo que ano na escola, nessa época?
R – Na Escola de Comércio tinha seis anos. Tinha três anos de curso propedêutico, é como chamava, que praticamente era um ginásio, e três anos de curso comercial. Então, nós fazíamos isso aí, toda noite íamos lá, estudávamos, professores muito bons, tinha professor de francês, digo sempre para os meus filhos: “Se eu tivesse a oportunidade que vocês têm, eu falava tudo quanto é língua”, mas não tinha dinheiro nem para comer. Ali consegui o meu diploma de contador. Então, chegou no dia da formatura, o pessoal não tinha dinheiro para pagar festa, pagar baile, e o que é que o professor Borges fez? Ele falou: “É o seguinte, quem puder comprar cinco diplomas...
P/1 – O senhor estava falando da formatura, dos diplomas.
R – É, então, o professor Borges também, Jorge Borges Corrêa, também já mudou, morava na Rua 9. Então, ele falou o seguinte: “Se vocês têm condição de comprar...” vendia diplomas. “Então, o dinheiro do diploma que vou dar para vocês, vocês ajudam lá na despesa da sua festa”. Nós cotizamos, ali na Força e Luz da Rua 3 trabalhava um moço muito dinâmico, chamado Lourival Meirucci, ele que encabeçou tudo, todo mundo tinha que fazer terno branco, nego pendurou aí nesses alfaiates, fazendo roupa branca, né? As mulheres fazendo roupa cor–de–rosa, para dançar, né? A única dança que eu sei é Valsa Vienense, que nós dançamos lá. Essas danças novas, rock... para mim, isso não é dançar, é pular. Então, conseguimos fazer uma festa bonita, bastante gente, as famílias todas. Aí, começaram a vida. O meu irmão tinha um armazém na Rua 7, na esquina da Rua Itália, não sei se você conhece ali o Biancardi, que tem uma marcenaria, na esquina de lá, aquele armazém era nosso. Daí ele passou o armazém para mim e para o meu outro irmão, Demerval. Então, nós trabalhávamos ali. Lá era um “Deus nos acuda”, pessoal da fazenda vinha fazer despesa, aquilo era um horror de trabalho.
P/1 – O que o senhor vendia lá?
R – Tudo. Arroz, feijão, farinha, tudo. Massa de tomate, macarrão, vendia tudo. Era um armazém de secos e molhados, que fala, né? Secos e molhados. Então, quando chegava no tempo da fazenda Java , a fazenda Java vinha fazer compra aqui, então, chegava no dia ali, era um “Deus nos acuda”. Aquele sistema antigo, abria vinho para os fregueses, tomava uma pinga, fazia aquelas despesas monstro, tinha família que comprava dez sacos de farinha de trigo para fazer pão em casa, família grande.
P/1 – Quem vinha comprar, eram todas as pessoas...
R – Ah, eles não vinham na cidade como vêm hoje, não vinham na cidade. Então, vinha a família inteira, ia comprar sapatos, ia comprar as roupas. A família inteira vinha, vinha de caminhão. Aí fazia a despesa e depois o caminhão ia levar para eles lá nas casas. Depois, na esquina de cima, lá na Rua 8, tinha ali um armazém que se chamava Casa Longo Tinha um prédio grande que até hoje está lá. Esse Longo era sogro desse Juvenil Rodrigues de Souza, que tem uma gráfica., o Juvenil não tem uma gráfica? Tem, se não me engano é lá na avenida José Bonifácio. Então, andamos investigando lá se ele queria vender, ele queria vender, então nós compramos aquele prédio grande lá. Tinha o prédio de residência e o prédio de armazém. Nós tocamos um tempo, até que esse meu irmão, que nos ajudou, eu e o Euclides, ele aí pediu ajuda, queria comprar uma padaria e queria os irmãos para ajudar.
P/1 – Como se chamava esse armazém que vocês tinham?
R – Casa Lima.
P/1 – Casa Lima. Em que rua que ficava?
R – Rua 8, rua Expedicionários do Brasil, 1016, o número eu não esqueço, era 1016, 1026 e 1042, eram três. Tinha a esquina, tinha o prédio de venda, tinha uma parte que era depósito e tinha a residência. Meu sobrinho ainda mora lá, o Percival Cará de Lima. Não sei se você conhece, agora ele alugou aquele prédio da esquina, hoje tem lá uma casa que vende artigos, geladeira, essas coisas, e ele arrumou a garagem lá em cima, ele vendia muita mercadoria estrangeira lá, aliche, pinho. Agora estou vendo que ele deu uma arrumada lá, está escrito “lanches”, não sei o quê. Mas a gente não tem muita ligação hoje, a família ficou meio afastada.
P/1 – Na época da Casa Lima, o pessoal comprava os sacos de farinha. De quantos quilos eram os sacos de farinha?
R – Os sacos de farinha eram de 50 quilos.
P/1 – É mesmo?
R – É, pequeno. Mas ali na Casa Lima nós passamos diversas fases comerciais. Nós tivemos racionamento de farinha, tivemos racionamento de açúcar, racionamento de sal, um absurdo. Então aconteceu isso, no racionamento de açúcar você tinha que tirar na prefeitura um cartãozinho, e do sal também. Então, eles davam praticamente um quilo de açúcar por mês. Se a senhora tinha cinco pessoas na família, cinco quilos no cartãozinho. Então, a gente pegava aqueles cartõezinhos, ia aqui no depósito, o depósito era onde é hoje o museu, ali era a prefeitura antigamente, tinha ali os aferidores, porque antigamente não vendia por quilo, vendia por litro, o sujeito falava: “Quero cinco litros de arroz, cinco litros de feijão. ”A gente enchia. Todo ano a senhora era obrigada a levar essas medidas na prefeitura, tinha um português lá e fazia o teste, media as coisas, chegava lá tinha um saco de milho, media: “Isso está faltando”. Media o outro, media aquilo. De vez em quando, eles recolhiam as medidas. Então, se eu te falar hoje, não adianta falar, porque eu tenho um filho lá que diz: “Do passado a gente tem que esquecer.” Então, nós enfrentamos, quando chegou na ocasião do racionamento de açúcar e sal, esse pessoal de outras localidades não tinha direito, não tinha acesso aqui. Então, o que é que eles tinham que fazer? Eles tinham que tirar onde eles moravam, e eles faziam despesa lá. Então, o armazém... acabava com o armazém por causa disso.
P/1 – E por que teve racionamento?
R – Isso aí eu não sei. Racionamento de açúcar. Até um dia teve um caso lá na padaria, lá no armazém, que o açúcar quando chegava tinha, não sei se você já ouviu falar, o caixão de mantimentos, porque tudo era peso. Então, chegava lá o saco de arroz, arroz tal, arroz tal, tal, enchiam os caixões ali, aqueles caixões. Açúcar, a mesma coisa, sal também, porque tudo tinha que pesar. Era um trabalho terrível. Hoje, a gente só chega no supermercado e pega o pacotinho de arroz, pacotinho de açúcar, de sal. Fica tudo mais fácil, né? Então, tinha um fiscal da prefeitura que fazia o levantamento. Ele chegou um dia na padaria e disse: “Vim conferir o estoque de açúcar”. Falei: “Ah, pode entrar, seu Fulano, seu Martins, pode entrar”. Aí, ele ia lá, pegava concha, um saquinho, raspava todo o caixão e falava: “Aqui não está batendo, o senhor tem açúcar demais aqui.” “Mas é lógico, o senhor raspou todo o caixão.” Antigamente, um pão era de fubá, as padarias não tinham farinha, e a farinha que vinha era tudo no câmbio negro. Então, quando chegou na padaria, um dia, o meu irmão que trabalhava comigo lá , eu que trabalhava com ele, ele era o capataz lá, então, ele falou: “Olha, aí tem um saco de farinha, se não chegar hoje à noite, amanhã não se abre a padaria”. Não se abria, porque nós fazíamos dez, doze, quinze sacos de farinha em pão, por dia. Tinha um saco no depósito, de estoque, porque não tinha farinha.
P/1 – Em que década era isso? Que ano, mais ou menos?
R – Ai, não lembro mais...
P/1 – 30?
R – Não, que nós estávamos na padaria é de 51. Então, era aí ano 60, 60 e poucos.
P/1 – Nessa época em que tinha armazém, não se lembra da guerra, da Segunda Guerra Mundial?
R – Não, o problema que embananou foi quando a Revolução de 32 começou, porque o Estado de São Paulo se revoltou contra o Brasil inteiro, né? Então, banha vinha do Rio Grande do Sul, vinha de Santa Catarina, açúcar vinha de não sei onde, sal vinha do Rio Grande do Sul, aqueles negócios todos. Quem deu um levante nisso tudo aí foi o Matarazzo. Matarazzo foi uma grande potência, hoje parece que acabou tudo, né? Então, eles começaram a fabricar essa gordura vegetal para suprir a gordura, a coisa, né? Eles começaram a fabricar uma porção de coisas em São Paulo, para suprir o boicote que houve nas entregas dos outros estados. Porque o Estado de São Paulo estava brigando com eles, mas demorou pouco, a Revolução demorou pouco tempo, mas as gorduras vegetais continuam. Hoje, as padarias trabalham com gordura vegetal porque não dá gosto, essas gorduras de porco rançam. Então, os armazéns de secos e molhados não recebiam nada, porque tudo vinha de lá, salame, tudo vinha do Rio Grande do Sul.
P/1 – Onde comprava os produtos que vinham do Rio Grande do Sul? Eles entregavam aqui ou tinha que ir lá?
R – Não, tinha os viajantes, tinha os intermediários em São Paulo, os atacadistas, que falavam. A gente nunca comprou nada direto, tudo atacadista.
P/1 – Comprava em São Paulo, ou eles vinham até aqui?
R – Não, eles tinham os viajantes que vinham. Vinham tirar pedido, vinham entregar. Antigamente, praticamente não tinha muito mercadoria, vinha pela estrada de ferro. Então, a mercadoria chegava, a estrada de ferro avisava, a gente ia lá, na estação tinha bastante carroceiro ali, caminhão, então, a gente ia lá e, conforme o ramo, farinha de trigo, precisava levar um caminhão para a estação, para trazer. Hoje não, eles vêm e descarregam na porta de casa. Não tem mais negócio de...
P/1 – Café, por exemplo, o senhor vendia?
R – Café antigamente a gente tinha o moinho, moía na hora....
P/1 – De onde vinham os grãozinhos?
R – O grão vinha aqui do Irca, tinha grão que vinha do Irca. Aquele que dava o moinho, a gente... Porque tinha diversos cafés aqui em Araraquara, mas depois começou a aparecer grãos muito ruim, para moer, freguês ia lá, olhava o café no vidro, grão grande, aquele café tudo quebradinho, café quebradinho acaba queimando, então, nós fomos mudando. “Vamos levar o moinho embora, vamos comprar café é de pacote”. Hoje, tem lá dez marcas de café. Esses dias, entrou um novo lá, foram duas moças, sei lá, Café Escala. Tem o Café Terreiro, que vem de Franca, o Irca não está indo mais, tem o Serra da Grama, todo café vai lá, o cara olha, deixa cinco quilos porque acabou, né? Esse negócio desse jeito. “Qual é o melhor?” Eles falam: “O melhor, que nós usamos aqui, é o Terreiro”. Porque esse rapaz do Café Terreiro mora em Ribeirão, até trocou de nome, agora ele chama Zé do Café, foi o único que, na ocasião da crise, vinha. O resto sumiu tudo, porque não tinha café. Ele não, ia busca, agora ele está reclamando, reclamando que daqui em Franca tem pedágio tantas vezes que vai, não sei quantas vezes que volta, de Ribeirão aqui tem pedágio, e o café não está dando nada. Outro dia ele falou: “Eu vou parar, eu vou parar, porque não está dando.” Eu falei: “É, você que sabe, né? Se não vir, vem outro aí; se não tiver café... o que não pode faltar aqui é farinha, para fazer pão”.
P/1 – Ainda na época da Casa Lima, como eram as embalagens? O senhor falou que... saco, vendia canela...
R – Ah, tudo saquinho de papel. Saquinho de papel até hoje, na padaria, ainda eu que faço pedido. Então, faço pedido para saquinho de um quilo, dois quilos, três quilos, cinco quilos, dez quilos... nós temos o sujeitos que compra vinte pãezinhos, então tem o tamanho de saco certo. E de manhã, ainda quem vai na padaria sou eu, quatro horas da madrugada... tem outro meu filho que entrega, só entregamos em lugares, em Gota de Leite, Terra de Santa Terezinha, lá na Nossa Senhora das Mercedes, todos esses lugares que a gente entrega. Colégio do Progresso, que a gente entrega. Esse negócio de janelinha não tem, o único que tem é um prédio aqui na Rua 5, que tem ali uns quinze fregueses, então, chega lá, entrega para o porteiro e ele que se coisa.
P/1 – O que é isso, “janelinha”?
R – Ah, é o padeiro de carrocinha, ele punha o pão na janela: “Olha o padeiro!”. Eu tinha na padaria uns cinco ou seis que faziam isso. Barbaridade, chegava de madrugada era aquele rolo para carregar aquele pão. É que antigamente o pão era diferente, era tudo bengala, né? Eu tinha um senhor que trabalhava à noite lá, chamava Pedro Reinaldo, já faleceu outro dia, então, ele ficava a noite toda lá, a gente ia de manhã para abrir o balcão. À noite, era um horror aquilo lá. Quando meu filho, o Emílio, veio para cá, acabamos com tudo, eles que acabaram. Os meus filhos me deram uma mão muito boa, o Emílio é um profissional, ele faz tudo em padaria, ele e o Antônio Carlos, que a gente chama de Pipo. Eles, chega no domingo, por exemplo, porque o problema de irmão é que, às vezes, não se embica muito bem. O Antônio Carlos vem domingo e faz o pão sozinho, o pão que vai para... porque nós temos câmara fria, então, o pão que vai vender amanhã, eles fazem à tarde e fica na câmara fria, e à noite, vai um padeiro só para assar esse pão e fazer umas miudezas que ele faz, pão doce, broinha de fubá, pãozinho de batata, assa pãozinho de queijo, ele chama Xexéu, um bom empregado, ajuda, recolhe o leite para mim, fala: “O senhor já trabalhou muito”. Então, de manhã a gente vai lá, ainda eu que estou abrindo a padaria. Quatro horas da madrugada já desço, vou descendo, quando levanto e que estou pronto ligo lá para a padaria, para o Xexéu, que tem um telefone lá no fundo, e ele fala: “Já estou indo”. Guarda, né, porque ali no bairro tem muito malandro, capaz do nego vir me esperar lá, então, ele vai lá, com o pau na mão, para me esperar. Eu moro um quarteirão ali de diferença, da padaria até a minha casa dá uns 100 metros, nem isso. Em um instantinho a gente chega lá e é o Xexéu que vai me esperar. Então, estamos lá tocando, viu? Estamos lá tocando.
P/1 – Agora queria voltar à época em que o senhor e o seu irmão entraram na padaria e não entendiam nada de pão.
R – Eu não entendia nada.
P/1 – Por que decidiram sair dos secos e molhados, não deu mais certo?
R – Não, nós fizemos... Porque minha cunhada não queria que o meu irmão fosse trabalhar na padaria, então...
P/1 – O senhor ainda trabalhava nos secos e molhados e...
R – No começo, ele ainda ia ajudar lá, o Demerval, já faleceu, teve uma morte muito triste, teve que cortar as pernas. Minha cunhada era uma mulher muito prepotente, a dona Edite, também já morreu, então, ela falou: “Não, meu marido não vai levantar de madrugada não para ir em padaria”. Ele não queria eu, ele queria o outro. Mas, não tinha outro, fui eu. Então, o que aconteceu? Aconteceu que meu filho, o Emílio, trabalhava em São Paulo e se prontificou a vir, disse: “Pai, gostaria de ir para aí ajudar o senhor aí, fazer uma inovação disso aí e etc., mas o que o senhor tem que fazer é o seguinte. O senhor tem que ficar sozinho aí, sócio aí não dá, fica só a gente e aí só sai briga entre família, entre irmãos”. Então, propus para o Demerval, que era sócio também da padaria, eu disse: “Você quer trocar a sua parte da padaria com a minha parte que eu tenho do armazém? Aquele prédio da esquina é um prédio grande”, eu, praticamente, quase que levei desvantagem. Ele disse, “eu troco”. Eu disse: “Você fica aí no armazém e fico na padaria, eu e o Euclides”, esse meu irmão que veio aí. Acertamos tudo, de acordo com a lei, no cartório, arrumamos todos os papéis e etc. Então, aí que o meu filho falou: “Agora tem o seu sobrinho aí, o Hélio Lima, e a cunhada, mulher de oitenta anos, todos dependendo daquilo ali, com retirada e tudo”. Então propus para o Hélio: “Você quer, vamos separar isso aqui, Hélio? Você cuida da sua vida e eu vou trazer meu filho para cá, o Emílio”. Ele falou: “Eu vou estuda, tio, vou estudar um valor”. A casa que eles moravam, vizinha da padaria, era da firma, a casa que eu morava era da firma. Nós fizemos lá uns valores, eu disse: “Você fica com a sua casa e eu fico com a minha ali na esquina e a diferença nós acertamos em dinheiro”, dinheiro parcelado, né, porque dinheiro mesmo... Então, fizemos, passamos a escritura para ele, também já vendeu, passamos uma escritura para mim e acertamos lá uns valores que eles recebiam com promissória, então, todo mês ele ia lá e recebia a cota deles. Tinha também lá um empregado, um confeiteiro muito bom, que era separado da mulher. De vez em quando a mulher vinha de Piracicaba, dava um pau nele lá dentro, trazia um mundo de cartas que ele escrevia para ela., então, nós arrumamos uma moça para morar com ele e adotou uma criança, então, era a vida dele, o Antoninho de Castro. Ele fazia de tudo no balcão, fazia bolo, fazia doce, fazia tudo lá, na padaria. Aí, um dia, deu um treco nele lá, ele morreu, então, não sei se a senhora conhece a família Fillardi aqui em Araraquara, tinha uma relojoaria na Rua 2 al. Então, o Fillardi velho, que morava vizinho da farmácia, onde era a Farmácia São Geraldo, agora não tem mais, né, esquina da Rua 4 com a Avenida Feijó, tinha uma farmácia ali, São Geraldo, e o seu Fillardi morava na casa de baixo Até teve uma passagem, um dia eu fui, que eu doava sangue, que o meu sangue é tipo O+, e eu fiquei sabendo porque minha mãe foi operada uma vez aí e o médico falou: “Eu gostaria de fazer uma transfusão na dona Honorina, mas com sangue quente.” Então, testou todos os meus irmãos e o único que estava bom era o meu, então, tirou. E aí ficou lá o “serrote”, de vez em quando ia um lá na padaria “seu Lima, o senhor não podia arrumar meio litro de sangue para o meu filho?”. Ah, enquanto eu bater aqui... Um dia fui no Fillardi lá, ele falou: “Ó, aonde é que você foi?” Eu disse: “Fui tirar sangue.” Ele falou: “Mas você está andando, foi tirar sangue e tá andando?” Eu falei: “É, o quê que vai fazer?” Ele foi lá, arrumou leite para mim, arrumou suco: “Senta aí!” Então, seu Fillardi ficou doente e o filho dele foi lá e falou para mim: “Ó, Lima, tenho aqui uma promissória do seu Antoninho de Castro, se o senhor quiser pagar para ele, porque se não, eu vou executar a casa dele, coitado”. Então, o que eu fiz? Eu fui lá, ele passou o recibo na promissória, paguei, e a casinha ficou praticamente... a hipoteca, estava hipotecada, passou para mim. Depois que ele morreu, falei para o meu sobrinho: “Ó, tem a casinha do seu Antoninho lá, mas eu não queria que essa casinha saísse de lá”, queria deixar para a viúva, para o menino, a coisa era tão barata antigamente. Aí, o que aconteceu? Aconteceu que tenho um sobrinho que mora no Rio, ele falou: “Bom, então, não tem problema, o senhor paga nós”. Eu falei: “Quanto que você quer?” Ele falou: “Eu quero, da minha parte, 25.” Eu falei: “Mas só que vou parcelar para você”. Então, paguei e aí chamei a mulher lá do coiso e falei: “A senhora quer ficar com a casa? Daí a senhora me paga um pouquinho por mês”;. Ela topou. Nos livramos daquilo que a gente chama de abacaxi, né? Então, coloquei o meu filho na padaria, o Emílio. Eu não sabia que o outro também queria vir, porque a minha nora trabalha na Caixa Econômica e ela é analista, então ele tinha um laboratório de exames em Ibitinga e o meu filho trabalhava em Rio Preto, no Adolfo Lutz. A família da minha nora veio para cá e eles ficaram meio sozinhos, aí ele pediu: “Pai, o senhor não quer que eu venha aí para a padaria?” Eu falei: “Mas só que você tem que vir aí como empregado”. Ele falou: “Não tem problema nenhum”. Daí, minha nora arrumou emprego e ele trabalha comigo lá, tá lá, tudo lá.
P/1 – Então, trabalha o senhor e quem mais?
R – E a Maria do Rosário, a minha filha solteira, essa que está doente. Essa vai, tira as contas no fim do mês, passa os pagamentos.
P/1 – O senhor tem quantos filhos?
R – Agora tenho três comigo. Tenho duas irmãs e esses três filhos que estão comigo aí.
P/1 – Os três estão na padaria?
R – Os três na padaria.
P/1 – Mas fora da padaria, a Cidinha...
R – Eu perdi um filho com 34 anos, faleceu. Era engenheiro químico, estava bem empregado em São Paulo. Então, ficou aí a Rosário, o Emílio e o Antônio Carlos.
P/1 – E a Cidinha?
R – A Cidinha e a Carminha são independentes, né? Essas têm a vida delas. Mas lutei muito para que eles estudassem, todos eles estão formados. A Cidinha já defendeu até tese, é doutora. A Carminha é professora, agora é secretária da Educação. O Emílio é químico, o Antônio Carlos é químico e o João era engenheiro químico. De empurrador de carrocinha, botei todos eles para andar. Agora, de vez em quando, eles falam que não fiz nada. Bom... Todos eles têm a sua casa, todos eles têm seus automóveis, todos estão encaminhando os filhos O Emílio tem duas filhas, uma estuda em Bauru e a outra estuda aqui. Duas moças que tem uma capacidade tremenda, as duas moças do Emílio. A Carminha tem um filho, um moço, e uma mocinha. A Cidinha tem só o Serginho, também muito estudioso, o Serginho. E o Antônio Carlos tem dois, também tudo encaminhado, estudando. A família está toda encaminhada. Agora, falar que a gente não fez nada é... (risos) É muito fácil hoje, né? Os pais, hoje, já estão tudo bem, os filhos já casam e já estão tudo arrumado. Eu, quando casei, casei em 1941, promessa... que me formei em 40 e meu sogro é o espanhol e falou: “Como é, como é que vai ficar isso aí?”. Eu falei: “O senhor não se preocupe, que às vezes eu passava ali, empurrando carrocinha... então, eu falei: “O senhor não se preocupe que, quando terminar a minha escola, nós vamos pensar no casamento”. Aí o meu irmão Euclides, esse que foi trabalhar comigo, me vendeu uma casinha lá no São José, a casinha está lá até hoje, mas não é minha porque depois nós construímos uma ao lado, que está alugada, e aquela nós vendemos. Então, ali nasceu a Cidinha, os meus filhos nasceram....
P/1 – E como foi mesmo que conheceu a sua esposa?
R – Minha mulher?
P/1 – É.
P/1 – Eu tinha um armazém ali na Rua 7 , que eu falei agora, em frente ao Biancardi, e ela passava ali... “requebrandozinha”, muito engraçadinha. Aí, um dia, tinha um tio dela que é rico, o Cássio de Almeida, que tinha uma farmácia aqui no Largo do Jardim, depois foi para São Paulo, arrumou um sócio lá, compraram uma linha de ônibus. Um dia, ele veio aí e falou: “O namorado da netinha passou empurrando carrocinha aí, coitada da netinha”. Então, tem gente que se prostra, fui ao contrário. “Não, você não vai falar isso de mim mais não.” Então, quando casei e fui morar na minha casa, comprei tudo, a única coisa que fiz de novo, foi só os meus móveis de quarto. Estão até hoje lá em casa, os meus móveis de quarto. São móveis daqueles ainda que não faz mais hoje, madeira maciça. O resto comprei tudo de segunda mão, precisa ver os outros... não sei se a senhora já ouviu falar na família do Alturo, tem um que é desenhista, eles tinham uma fotografia na Rua 2, e tem o Djalma Alturo, que morava ali na Avenida da Sete, vizinho do armazém que nós tínhamos. Eles estavam em uma situação danada e comprei o jogo de jantar deles. (risos) A senhora faça o cálculo. Naquele tempo, setecentos cruzeiros, mil réis... A cristaleirinha está lá até hoje. O resto não sei quem que levou, umas cadeiras pesadas, tudo. Então, comprei tudo de segunda mão, depois fui melhorando, não ligo muito para casa, né? A única coisa que comprei., não é do seu tempo também, a Casa Firmeza, tinha ali na Rua 2, hoje tem um banco ali, se não me engano, em frente à farmácia Brita, em frente aonde era o Guarnieri, em frente ao Lupo, ali tinha uma mesa com doze cadeiras. Mas uma mesa, está lá em casa até hoje, no meu salão de festa, no meu salão de refeição. Porque eu tinha seis filhos; eu e a mulher, oito, minha sogra não saia de casa, nove... tinha dia que não tinha aonde sentar. Ela está lá, a mesona está lá. Outro dia fiz aniversário... esses filhos aprontam, né? A Cidinha mandou fazer um bolo e colocou oitenta velinhas pequenininhas em cima do bolo. Eu falei: “Precisava arrumar um ventilador para apagar essas velinhas, né?”. Encheram a casa de coisas. Primeiro, foi lá na padaria. Eu não sabia que os empregados da padaria gostavam de mim, porque ninguém gostava de velho. Então, chegou à noite, eu só vi elas cochichando ali, mas eu: “É problema, né? Tudo gentarada cheia de problema, uma é separada do marido, a outra tem filho e não casou”, mas lá no Marcão está tudo bem, lá na casinha delas. Então, quando chegou á noite, eu falei: “Bom, vou tomar banho, colocar uma roupa que hoje vai gente lá em casa”. Quando estou lá em casa, o telefone toca: “Seu Lima, o senhor precisa vir para cá com urgência”. Falei: “Chi, será que saiu briga lá, com algum padeiro, alguma coisa?”. Aí, cheguei lá na padaria e já estava lá aquele caminhãozinho de fazer festa na rua, como é que chama aquilo? Disk, não sei o quê. Aí, cheguei lá, todo mundo cantando parabéns, aquelas moças da padaria cantando parabéns, “o senhor fica aí”. Aí, já abriram o caminhãozinho, puseram uma mensagem lá, eu feito tonto ali na rua. Soltaram fogos e me filmavam lá. Os empregados foram todos me abraçar lá na rua, você não tem o que fazer mesmo, né? Depois, chegou na hora de pagar o bolo, fizeram um rolo lá comigo. Eu falei: “Essa aí não estava na minha conta, né?”. Entregaram lá na padaria. Aí ficou os padeiros lá dentro e, no outro dia, um não veio trabalhar. Foram embora tomar mais uma, eu falei: “Pode beber o que vocês quiserem aí, bebe cerveja”. “Pode tomar mais uma?” Tem um gordo lá, ia lá me abraçava e falava: “Isso aqui que é patrão.” Fizeram um rolo lá comigo, nem sabia dessa caminhonete que vai lá, esse furgãozinho O homem abriu lá, deu uma mensagem, fiquei ali vendo tudo aquilo. Falei: “Será o Benedito, meu Deus? Pena que a minha mulher não pôde estar aqui.” Ela está acamada, está doente. Mas é isso aí, não sei se eu falei muita coisa.
P/1 – Vamos parar, para dar uma respirada?
P/1 - Bom, seu Lima, vamos retomar um pouco, quando o senhor começou com a padaria, como aprendeu a lidar com a padaria, fazer pão? Como é que foi o primeiro dia na padaria?
R– Não, vou ser franco para você: Quando nós começamos com padaria, o processo de padaria era diferente. Havia os ‘cochos’, que a gente fazia fermento para crescer, entende? Num domingo eu fazia as massas, no outro domingo meu irmão fazia. Quantas vezes eu estava assistindo jogo da Ferroviária, naquele tempo eu andava atrás de futebol, regulava o óleo da massa, saia do jogo e ia para a padaria fazer a massa e o fermento. O fermento é aquele. Tem a quantidade de água, quantidade de sal, de fermento e de farinha. Despeja na “masseira”, vira e bate aquela massa, depois de pronta põe ela dentro do coxo. Aquilo, não vou dizer para você que era pão, não. Pão de padaria conheço tudo, mas nunca trabalhei fazendo pão.
P/1 – Quem fazia então?
R – Nosso padeiro. Nós tínhamos um padeiro.
P/1 – Então, quando vocês compraram a padaria, havia padeiros?
R – Tinha padeiros. Nós chegamos a ter doze padeiros lá dentro, pois fazíamos muito pão. Nós entregávamos na rua, tudo era um atraso de vida; isso aí não dá certo, esse negócio de carrinho de padeiro, foi a época, foi que nem leiteiro. A mesma coisa. Antigamente, os leiteiros entregavam o leite nas janelas e as senhoras deixavam o dinheiro dentro do litro. Não sei se é do seu tempo, não é? Então, tinha, ali na estação, o laticínio dos Nogueira, e o resto acabou tudo, né? Então, os leiteiros iam de manhã e tinham as máquinas de embalar os leites, fechar as tampas metálicas e o leiteiro saía com a carrocinha por aí: “ Ó o leite, ó o leite” e ia colocando nas janelas. Então, eles deixavam o litro hoje, e amanhã recolhiam o anterior. O freguês já deixava o dinheiro, não tinha ladrão. Hoje, se deixar o dinheiro, aí levam tudo! Então, deixavam o dinheiro na janela. Depois, na padaria, nós não trabalhávamos com leite. Comprávamos dez ou vinte litros para uso da confeitaria, porque tínhamos confeitaria funcionando.
P/1 – Por que os padeiros que vão de casa em casa é um atraso de vida? Por que é ruim?
R – A entrega de pão a domicílio?
P/1–É
R – O problema é o seguinte. Eles entregam pão de madrugada, e tem a conta do padeiro . Eu ficava a manhã inteira acertando conta.
P/1 – O padeiro era seu funcionário ou era independente?
R – O padeiro era independente. Mas eu tinha uns registrados, porque a senhora sabe, no fim dá empregado irregular, no fim ele dá trabalho. Quando eles chegavam da rua de manhã: “Vamos acertar, vamos acertar”. Pegava o fichário dele, e dizia “Fulano de tal.” E ele falava aquilo que queria, um pão. “Beltrano”, um pão. Aí somava aqueles pães, tinha o controle dos pães que ele levava, tantos desse, tantos daquele, etc. Eu somava os pães que ele levou, e o que faltava, ele pode ter vendido na rua e tinha que me dar o dinheiro, entende. Então, eu tive um padeiro, chamava–se Elói Rodrigues, esse era uma máquina para vender pão, vendia em Américo, Santa Lúcia, naquele tempo não tinha padaria daquele lado. Eu mandava pão para Rincão. Levantava de madrugada, ensacava o pão e levava na estação para despachar. Ainda bem que a gente chegava lá e: ‘Seu Lima, pode deixar que eu levo, pode deixar” Levava um pãozinho pra ele lá. Mas isso aí era da época. Hoje, não existe mais porque todo lugar tem padaria.
P/2 – Então, na época da sua padaria, tinha muitas padarias em Araraquara?
R – Não, naquele tempo não tinha. Aquele tempo tinha a padaria Santo Antônio na Vila Xavier, tinha um a padaria na rua Onze, tinha a nossa. Eram muito poucas. Havia uma lá embaixo, na rua Sete. Padaria São Bento. Agora tem mais de cem, mais de cem aí na cidade. E estão abrindo mais. Agora supermercado tem padaria, aqui não tinha nem supermercado. Tinha uma padaria ali onde é o Sé, tinha uma padaria chamada Bologna. Eles faziam farinha de milho, etc. e foi acabando, essas padarias foram acabando todas. Ali no largo Santa Cruz tinha a Madalena, tinha do lado de lá da Santa Cruz, lá naquela ruinha, avenida Osório, ali também tinha padaria. E foram abrindo. Conforme os bairros vão crescendo, vão abrindo padarias. Lá no meu bairro, tem na esquina. Tem a padaria Jaraguá, que é na outra esquina, agora abriu uma outra que chama Meu Pão; tem outra na rua Dez, e vai abrindo padaria. A mim, eles não afetam. Os meus fregueses são tradicionais, fregueses antigos, e eles vem de longe e falam: “Pão só daqui. Nosso ideal não é vender pão, é vender bolo, que o meu filho faz. Agora eu tenho uma confeiteira, muito boa. Só que ela mora longe, então ela faz salgados para o balcão. O balcão nosso, a senhora vai lá agora e está lotadinho de salgadinho que ela faz, folhados, tudo, ontem ela fez uma leva de bolo de fubá, e os fregueses: “Ah! Bolo de fubá!” E levam embora; faz doce, pão doce, faz tudo. Agora, o Emílio é uma cabeça para trabalhar. Ele e o outro. O outro, domingo vai lá, faz as entregas de pão, que ele é que entrega na rua, entrega lá no Zás, vendem pão nosso lá. Ontem, houve uma festa lá, então eles me pediram 250 pãezinhos, eu falei: “Como é que eu faço?” e ele falou para eu fazer como quisesse. Então, mandei pãozinho de batata, de aviãozinho, broinha de fubá, mandei um mundo de pão. Duzentos e cinqüenta pãezinhos. Aí ele me fala que é tudo de graça mesmo, quem vai lá comer não paga nada. Agora, não é deles a festa. Alugaram o salão para fazer festa. Então, de manhã, é aquela batidinha, de tarde quando chega oito horas da noite, é um deserto aquilo lá. Freguês já habituou–se que fecha. Todo mundo passa, leva o seu pão e assiste o Ratinho. Mas, então no tempo antigo, era um sistema de cilindrar massa, não tinha esse negócio de pão d’água, né?
P/2 – E como é isso, seu Lima?
R – Tínhamos que cilindrar a massa para alisar, agora hoje não. Hoje eles batem a massa, tem a divisora, tem a modeladora, tem tudo. Então, pesa–se a bola da massa, aí vai para divisora, divide em pedacinhos, aí passa na modeladora, chega lá o cara e só dá uma enroladinha, já arruma. Está tudo muito mais prático. Só que a gente está sempre gritando ‘Olha, capricha no pão; faz bem feitinho’. Porque se eles quiserem, esculhambam tudo. Padeiro... Eu sempre falo: “Padeiro não nasceu, veio à furo.” Hoje, tá bom. Antigamente, a gente chegava lá e falava assim: “A sua senhora está bem de saúde?” “Está, está.” Então, precisa mandar lavar esse avental.” E agora temos lá uma moça também que faz bolachinha, faz tudo, mas ainda não tem capacidade para abastecer. Eu tenho umas gavetas na padaria, não sei se a senhora foi lá, aquilo ali sempre foi cheio de bolachinhas. Bolachinhas cobertas de açúcar, outra de côco, sequilho, suspiro. Outro dia ela estava com a bola boa, e fez de tudo. Vai tudo embora.
P/1 – Quando o senhor entrou, faziam pão todo dia? E os bolos, os biscoitos?
R – Bom, o biscoito de polvilho agora vem pronto. É só assar .
P/1 – Mas, e na época que o senhor começou, o que era a coisa que mais saía?
R – Bom, naquele tempo, nós tínhamos dois confeiteiros. Tinha um senhor de cor que chamava “Chico” , então ele fazia de tudo. Fazia cocada assada , cocada branca, cocada de fruta, doce de batata, doce de abóbora, doce de mamão, abastecia o balcão. Doces, nós fazíamos tudo lá. Fazíamos doce para essas festas de “São João”, aí nas fazendas. Eles vinham aí e encomendavam: ‘500 desse, 500 daquele’. Agora, hoje, já não fazem mais festa nenhuma. Hoje, não tá fazendo mais nada. Então, o Chico fazia o biscoito de polvilho, fazia carolinas, sabe o que é carolina, né? Fazia sob encomenda as carolinas para senhora rechear em casa, e fazia carolina açucarada para vender ali no balcão. E o seu Antoninho de Castro fazia de tudo em padaria. Fazia bolo, rosca doce, nós tínhamos muitas encomendas de bolo, aniversário, hoje nós não pegamos mais. Porque tem muita mulher fazendo bolo na cidade aí! Então, nós chegamos a fazer bolos de 50 quilos, 60 quilos. Ele fazia um bolo que parecia uma ponte, tinha um buraco e ele fazia aquele tipo de fondue, meio azulado, uma pontinha em cima, umas florzinhas para atravessar a ponte. Depois ele inventou de morrer. Coitado.
P – Quem morreu? O seu Antoninho de Castro?
R – Coitado... Ele estava se preparando para fazer uma cirurgia de catarata em Campinas. Ele morava lá embaixo na rua Onze e inventou de vir comprar arroz lá na quitandinha. Aí. uma moto pegou ele na rua. Matou na hora, coitado. Eu fui lá, no dia que falaram, ver ele no Pronto Socorro, e ele estava todo arrebentado. E eu pensei: ‘É isso aí’. Estava aposentado e vou dizer para a senhora que na minha padaria não tenho nenhum problema com empregado, não tenho nenhum problema com duplicata de banco, tudo eu levo em dia. Às vezes, meus filhos falam: “ É, o senhor paga os outros em dia, e nós ficamos para trás. Eu falo: “O problema é garantir o nome. Aí você pega o jornal e todo dia tem um monte de protesto no jornal. Então, quando vim para cá hoje, já deixei tudo na mesa lá, o que tem que pagar hoje, e depois, quando eu for para lá, vejo o que tem de cheque, o que tem de depósito. Tem uma moça que também trabalha lá, há muitos anos. Esses dias, ela me falou: “Seu Lima, quero parar.” A mãe dela está doente e é ela que fica com o filhinho dela. Ela casou depois de velha, tem um filhinho, o marido é surdo. Então, usa aparelho. Agora. ele também aposentou. E ela falou: “Eu estou aposentada e ele está aposentado. Vamos ficar fazendo o quê?” Os meus filhos querem botar computador e eu falei: “É bom, vocês tomam conta, porque chega de fazer as coisas antigas” , tudo é antigo ali. A senhora precisa ver as máquinas que estão paradas lá.
P/2 – Por que tem máquina parada?
R – Batedeira de bolo, cilindro, masseira, que vai saindo. Agora, tudo é rápido. Toda masseira é rápida, agora. A senhora está batendo uma massa, aperta um botãozinho e vira rápido. Vai saindo. Ninguém quer mais ela.
P/2 – Então, vocês compraram novas máquinas?
R – Nós sempre compramos novas, agora essas mais modernas… Meus filhos tem vontade de cuidar de suas vidas, e então eu falei para a Cidinha: “Eu vou no advogado ver, vou no doutor Ted Neto, advogado velho, e a gente pode conversar,. Porque preciso ver o que vou fazer, para deixar tudo engatilhado para quando o velho morrer, ficar tudo certo e cada um assume o que é seu.” Porque eu estava levando uma vida danada, viu, todo mês comprava um terreno; me falavam: “O senhor só comprou tranqueira.” E eu falei: “Os terrenos estão aí.” Caíram de valor, não valem mais nada. Você pega esses jornais da cidade e vê o que tem de coisa para vender e de casa para alugar… Ninguém está construindo, com esses prédios aí. Em um prédio moram cem famílias, não é? Apesar que o capital, dá. Mas, as padarias precisam se reformar, se modernizar. Tá certo que outro dia recebi um telefonema de manhã do Bombardi. Ali tinha um supermercado na rua Seis e houve um problema na eletricidade e parou a padaria. O forno é elétrico! “O, Lima, você pode me arrumar uns duzentos pãezinhos?’ ‘Ah, vou ver, duzentos não tenho. Te arrumo cem.’ Dando problema, tem que se ter um forno a gás. Agora tem uns fornos modernos a gás. O gás não dá problema. Agora, elétrico!.. Dá uma falta de força aí…
P– No começo era forno a lenha?
R – Ainda é. Nós fizemos todas as experiências da época. Eu tinha um sobrinho que trabalhava comigo e que era mais moderno. Então apareceu o forno a óleo diesel. Ele comprou um forno a óleo e uma masseira rápida, uma que você marca o tempo e a massa vai rodar por um tempo certo e pára. O forno a óleo diesel deu problema na vizinhança, eles reclamaram do cheiro, aí mandei erguer o chaminé. Eu sempre digo na padaria: “O tempo que eu era gente, fazia de tudo.” Chamei uma pessoa que entendia do assunto e aumentei a chaminé para não sair fumaça na casa do japonês da esquina, o Kama. Comprei um tanque de óleo diesel que para entrar ali no salão foi difícil, agora para tirar está difícil também. Então, a gente pedia óleo diesel e o caminhão vinha, as bombas estavam lá, tudo certinho, ligava no caminhão e enchia o tanque. E aí era só ligar o maçarico do forno e aquecia. E tá lá o forno. Outro dia, um cara ofereceu desmontar, mas a troco do forno. A troco do forno. Daqui a um tempo, ele ofereceu mil reais ‘Você quer? Eu vou aí, desmancho.’ Ele tem uma firma que conserta essas coisas. Mas o Emílio é que nem eu, tem dó. Ele tem dó de mexer nas coisas e etc. Outro dia, chamei um homem porque tenho um forno, fazia pão lá no fundo, e esse forno tem um adicional que ia para a confeitaria. O padeiro não precisava vim assar bolo aqui. Assava lá na confeitaria. Nós arrumamos tudo lá, e fizemos tudo dentro da época. Era a época! Tem uma fotografia que tem lá numa revista, quem fez a reportagem foi o João Evangelista Ferraz, também já foi. Ele era jornalista. Então, ele elogiou o forno, “super vulcão”, o nosso forno, que tem duas câmaras. Mas saiu de época. Atualmente, o sujeito vai comprar pão e ele fala que o nosso pão é de forno de lenha. Os outros, forno a gás ou forno elétrico. Então, se o padeiro tiver tudo arrumadinho, e controlar a voltagem do forno, vamos dizer 300 graus. Mas padeiros aumentam, aí o pão amarela mas não cozinha. Você vê?! O forno amarela o pão e fica murcho! Agora, forno tem que trabalhar na medida certa. Tem uns pirômetros que controlam as calorias, então o padeiro vê que está abaixando e ele vai lá e põe um pão de lenha, dois . Eu trabalho com lenha de laranjeira ainda, tudo tempo antigo! Esse pessoal da lenha, eles são muito rigorosos. Eles não queriam que cortassem o mato. Agora liberaram o eucalipto. Mas aqui na parte de Boa Esperança não sei o que aconteceu com as laranjeiras, cortaram tudo. Eu tenho um fornecedor lá que ele liga: “Seu Lima, quer lenha?” Eu falo” “Pode trazer.” E ele traz o caminhão, com 25 metros de lenha de laranjeira. Barato, custa 10 reais o metro. Dura o mês inteirinho! Mas o forno está acabando. Precisa parar, esperar uma semana para ele esfriar, se não, não esfria, arrumar a fornalha e tudo que tem que arrumar. O Emílio tem vontade de comprar um forno a gás. Ele foi numa reunião de amostra e ficou entusiasmado. Eu falei: “Precisa ter dinheiro disponível, né’ para investir, não pode estar dependendo de banco. Agora parece–me que o presidente está querendo abaixar o juros. Juro de banco é muito caro.
P/1 – O senhor não faz empréstimo?
R – Eu parei. Eu sempre digo: “Quando eu era gente, ia ao banco e o gerente vinha: ‘Seu Lima, o senhor não quer comprar umas ações?’” Ações não valiam nada, né? Mas o gerente tinha a cota dele, então a gente comprava. Eu punha na conta, comprava 2.000, 3.000 ações. Eu cheguei a ter, no Bradesco, 500.000 ações. Eu falei para o meu filho: “Vende isso aí, que a gente acerta todas as contas de banco e fica livre.” 500.000 ações renderam 5.000 reais. Barbaridade, né? No Itaú, eu tinha um lote de cinqüenta e poucas mil ações, e tem um lá que eu não deixei vender, tem cento e tantas mil ações. Outro dia, me ligou um homem de S. Paulo e ofereceu: “O senhor quer vender as suas ações por 100.000 reais, sem nenhuma despesa?” E eu falei: “Não, essa não vou vender.” E falei para o meu filho vender essa aqui e a gente acerta tudo. Aí vendeu, rendeu 42.000 reais. Estavam com um preço bom as ações dele. E acertamos a vida da padaria. A padaria não está devendo nada para ninguém. Tinha um cheque especial no banco Sudameris. Agora a senhora vê, duplicata em cheque pré–datado, vai lá, vende, faz um cheque de 21 para 15 dias, e a maioria está trabalhando com banco, eles descontam as duplicatas em bancos, pois também têm compromissos para pagar, despesas. Então, duplicata não deixo atrasar um dia. Deixo tudo em dia. De vez em quando, a gente fala que tem muita firma pagando, costumo ver aquilo que eu faço, o que os outros fazem não me interessa. Eu vou cuidar aqui, não podemos ficar dispondo de nada. Comprei um Galaxão velho, um carro Galaxy, era a coisa mais gostosa do mundo, aquilo lá. “Ah, isso aí não dá nada.” Ficou lá no quintal. Todo mundo ia lá para comprar, no começo era 2.500 reais, depois passei para 1500, passei para 1000, e ninguém comprou. Então, meu genro falou que ia vender para mim, e eu falei: “Não, para você eu dou. Pode levar embora.” O Marinho, aquele diretor do D.R., o marido da Carminha, eu falei: “Pode levar embora.” Arrumou um pessoal do D.R., foi lá com bateria e tudo, e tá funcionando. Tiraram e levaram embora. Aí largaram aí, num ferro velho, não deu coragem de eles arrumarem. Agora, esses dias foi lá um pessoal na padaria saber: “O senhor tem um Galaxy aí?” E eu falei: “Eu não tenho mais, eu dei’. Aí eles foram lá: “ Nós gostamos do carro” , eu falei: “Fala com o Marinho.” Aí vendeu. Por 800 reais. Ainda com cheque pré -datado. Vê como desvaloriza as coisas?! É que nem gente velha, não tem valor nenhum. Perdeu tempo.
P– Seu Lima, para irmos acabando, o senhor fazia propaganda?
R – Sempre fiz. Todo ano fazia propaganda no jornal, dia das mães eu comprava, uma moça que trabalhava comigo comprava botões de rosas, comprava cem, duzentos ou quinhentos botões de rosas para dar para as mães no balcão. Eu não sei se você teve a ocasião de ler um negócio que fala sobre a mãe, você nunca viu?
P/1 – Uma poesia?
R – Não, é uma pessoa que escreveu sobre a mãe, então eu mandei imprimir aquilo, lá no balcão eu dava para as mães. Um botãozinho de rosas com um cartãozinho, oferta da padaria. Antigamente, era padaria do Carmo, aí trocamos porque apareceu uma outra padaria do Carmo, tem uma moça que chama Maria do Carmo, ela tem uma padaria do Carmo. Vamos por Padaria Lima, aí está tudo certo, Padaria do Lima. Mas tá errado, por Padaria do Lima, isso aqui não é só meu, nós trocamos. Tem aqueles fluorescentes da Yopa, Coca Cola, Kibon, tá tudo na Padaria do Lima, tem da Brahma, do que nós estávamos falando?
P/1 – De propaganda.
R – Nós fazíamos. Sempre fiz, no tempo do aniversário de Araraquara saia no jornal, e tem um jornalzinho dos velhos também, onde a gente tinha propaganda, mas depois a gente vai botando na cabeça que ninguém lê, viu. É só para ajudar o jornal. O Paulinho Silva, ele falava e escrevia a meu respeito e ele tinha uma coluna e quando eu fazia aniversário ele colocava ‘Aniversário do Tonico Lima’ e fazia um comentário. Então, quando chegava o aniversário do jornal, ele ligava e eu falava: “Põe aí, não põe muito não.” A padaria Lima cumprimenta , e chega. Está bom!’ (riso) Mas agora não temos feito propaganda.
P – Já fez reclame falando?
R – Nós tivemos, nos jornais sempre teve. Agora nós colocamos nos saquinhos de papel “ Pão quente a toda hora”. Mas isso é mentira! Não tem! Mas, vamos ver como é que fica tudo, ainda estou com um pouco de coragem. Agora nesses dias, a minha filha vai ser operada. A Maria do Rosário fez uma série de exames outro dia e está tudo bem e ele está preocupado com a casa, sobre quem faz comida. E falei pra comer de marmita. “Não se preocupe.” “Mas, quem é que arruma a roupa do senhor?” “Eu vou saindo aí e, quando eu acabar, mando para lavadeira. Mas, padaria não é fácil. Hoje tem muita concorrência. Inclusive, esses dias eu estava lendo o jornal, e estão formando um sindicato e convidaram meu filho. O supermercado Stoc criou a Terça–feira do pão. Pão a um centavo. Não pode vender! O outro vendedor a cinco, outro a quatro centavos. Isso aí é desespero! Eu atribuo ao desespero porque nós temos o custo do pão. Nós estamos ligados ao sindicato de Ribeirão Preto, eles mandam planilha com o custo do pão e outras coisas. Meus filhos são formados, eles sabem quanto tudo custa. Então, combinamos ali no Carmo de vender o pãozinho a doze centavos. Eu, o Boi Toloso e o Jaraguá. O Jaraguá já baixou. O Boi Toloso também. Nós estamos mantendo. Então, se outro vem lá e fala assim “Mas o outro ali é mais barato.” Eu falo: “Não sei, deve ser farinha de segunda, deve ser farinha comum.”
P – Para irmos acabando, qual a lição que tirou do comércio, da relação com o cliente, ao longo da sua vida?
R – Bom, o ponto mais importante das firmas é a clientela. Eu tenho clientes que vem na padaria e que moram lá no Jardim alguma coisa e vem comprar pão aí, mas não pode vir todo dia. Então, conforme vão abrindo padarias nos bairros por aí, vai eliminando o bom cliente. No domingo eles vem, né? A família tem carro, o chefe não foi trabalhar de carro, então eles vem. Eu tenho uma senhora que mora aí num bairro, tiro sarro dela porque ela usa um chapeuzinho, e eu falo: “Dona, a senhora ficou bem de chapeuzinho.” E ela fala: “Não, estou vindo lá de longe comprar pão aqui porque abriu uma padaria lá e é muito bonita, mas o pão murcha tudo.” Então, nós reconhecemos que contribuímos para a qualidade da coisa. Agora, a cidade cresceu muito. As pessoas vão se mudando, mas mesmo assim, tenho uma clientela muito boa, fregueses bons que nos prestigiam. Tem uns que moram longe, e nós vamos tocando. Nós fazíamos massa, nós temos todo maquinarão. Aqui na quadra tinha uma fábrica de macarrão que era do Martini, não sei se vocês ouviram falar, e ele acabou fechando porque há muita concorrência. Essas fábricas grandes aí vendem pacote de macarrão por 40,30 centavos. Não dá, né? E eles trabalhavam com farinha boa, com ovos. Então pararam. E teve um que faleceu também. E nós compramos o maquinário deles, está lá na padaria o cilindro, a masseira, a cortadora de macarrão, tem três tipos de macarrão e um cilindro para fazer massa de lasanha. Então, chegava fim de semana e ficava a casa cheia. Vinha gente de longe comprar, principalmente o rondelli que o Emílio faz: quatro queijos. Hoje eles fazem só com mussarela, e mussarela é um negócio que esfria, seca. Mas ele fazia com gorgonzola requeijão. Aí parou, mas parece que agora ele entusiasmou e sábado fez macarrão. O macarrão que ele faz vende tudo. Tinha um moço que trabalhava com nós lá, até outro dia a confeiteira adoeceu e ficou uns dias em São Paulo para uma porção de exames, e eu localizei ele e falei se ele não poderia vir trabalhar uns dias. Ele disse: “Eu estou trabalhando, mas posso ir de madrugada.” E veio de madrugada. Eu vinha de casa e ele já estava lá fazendo salgados, folheados, quando era sete horas da manhã, o balcão lotado. Fazia bolachinha, macarrão, caneloni, massa de lasanha pré–cozida: cozinhava, deixava esfriar e embalava. O freguês chegava em casa e era só enrolar. É isso aí.
P/1 – Está ok., senhor Lima. Queria agradecer a sua presença, a colaboração para o projeto do SESC.
R – Não tem problema nenhum, se o falatório serviu. Agora a Cidinha vai ver as fotografias lá em casa. Tem uma caixa, que minha mulher não pode ver. Ela chora! Diploma de contador, de cidadão araraquarense, de comerciante do ano, o sindicato que fez em minha homenagem, Essa semana teve uma turma lá no Náutico, nós fizemos no “22 de agosto” um jantar com baile, discurso e tudo. A gente cumpriu a tarefa. Só que não quero morrer, porque quero ver o time fazer as coisas. Atualmente, vão modernizando. Antigamente, você levava roupa para fazer, camisa, vestido, não é assim. Sai prontinho de lá. Tá muito bom.
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