Depoimento de Thomaz de Carvalho
Entrevistado por Márcia Ruiz e Cláudia Leonor
Estúdio da Oficina Cultural Oswald de Andrade
São Paulo, 28 de outubro de 1994
Transcrita por Rosali Nunes Henriques
P - Eu queria que o senhor dissesse o seu nome, o local e data de nascimento e o nome dos seus pais e dos seus avós. O nome do senhor.
R - Meu nome, Thomaz de Carvalho.
P - O local e data de nascimento.
R - Nascido no dia 2 de março de 1904.
P - Em que cidade o senhor nasceu?
R - Em Monte Alto, na cidade de Monte Alto, Estado de São Paulo.
P - O nome dos pais do senhor.
R - Francisco José de Carvalho e Mariana Gonçalves Geracina.
P - O nome dos avós do senhor, por parte de...
R - Por parte de pai, Vicente Xavier Corrêa de Carvalho e a minha avó, no momento, não me lembro.
P - Não tem problema. E por parte de pai, eles são por parte de pai. E por parte de mãe?
R - Os avós por parte de mãe, Gaspar Pinto da Fonseca e Luíza Pinto da Fonseca.
P - Me diz uma coisa, seu Thomaz, o senhor teve irmãos, irmãs?
R - Tive. Meu pai foi casado duas vezes, da primeira mulher do meu pai, tinha cinco irmãos, quer dizer, três homens e duas mulheres. E com a minha mãe éramos em sete, sete irmãos.
P - E o senhor era o mais velho?
R - Não, eu já estava justamente no meio. Três acima e três abaixo.
P - Qual foi a atividade profissional do seu pai?
R - Meu pai era lavrador, tinha uma propriedade agrícola pequena mas era dele, né?
P - E a mãe do senhor?
R - E a minha mãe é, era prendas domésticas.
P - Certo. Eu queria que o senhor descrevesse um pouco o lugar onde o senhor morou enquanto pequeno e que o senhor falasse um pouco como foi a sua infância, como foi a sua infância?
R - Ela, eu nasci em Monte Alto e Monte Alto, como naquela época, no ensino primário, tinha grupo escolar e eu fiz o grupo escolar de Monte Alto, 1º e 2º ano. Depois meu pai mudou-se, saiu, vendeu o que tinha em Monte Alto, foi para Uchoa. E em Uchoa não tinha,...
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Entrevistado por Márcia Ruiz e Cláudia Leonor
Estúdio da Oficina Cultural Oswald de Andrade
São Paulo, 28 de outubro de 1994
Transcrita por Rosali Nunes Henriques
P - Eu queria que o senhor dissesse o seu nome, o local e data de nascimento e o nome dos seus pais e dos seus avós. O nome do senhor.
R - Meu nome, Thomaz de Carvalho.
P - O local e data de nascimento.
R - Nascido no dia 2 de março de 1904.
P - Em que cidade o senhor nasceu?
R - Em Monte Alto, na cidade de Monte Alto, Estado de São Paulo.
P - O nome dos pais do senhor.
R - Francisco José de Carvalho e Mariana Gonçalves Geracina.
P - O nome dos avós do senhor, por parte de...
R - Por parte de pai, Vicente Xavier Corrêa de Carvalho e a minha avó, no momento, não me lembro.
P - Não tem problema. E por parte de pai, eles são por parte de pai. E por parte de mãe?
R - Os avós por parte de mãe, Gaspar Pinto da Fonseca e Luíza Pinto da Fonseca.
P - Me diz uma coisa, seu Thomaz, o senhor teve irmãos, irmãs?
R - Tive. Meu pai foi casado duas vezes, da primeira mulher do meu pai, tinha cinco irmãos, quer dizer, três homens e duas mulheres. E com a minha mãe éramos em sete, sete irmãos.
P - E o senhor era o mais velho?
R - Não, eu já estava justamente no meio. Três acima e três abaixo.
P - Qual foi a atividade profissional do seu pai?
R - Meu pai era lavrador, tinha uma propriedade agrícola pequena mas era dele, né?
P - E a mãe do senhor?
R - E a minha mãe é, era prendas domésticas.
P - Certo. Eu queria que o senhor descrevesse um pouco o lugar onde o senhor morou enquanto pequeno e que o senhor falasse um pouco como foi a sua infância, como foi a sua infância?
R - Ela, eu nasci em Monte Alto e Monte Alto, como naquela época, no ensino primário, tinha grupo escolar e eu fiz o grupo escolar de Monte Alto, 1º e 2º ano. Depois meu pai mudou-se, saiu, vendeu o que tinha em Monte Alto, foi para Uchoa. E em Uchoa não tinha, tinha um professor só mas ele dava aula numa classe mista, meninos de várias idades, meninos e meninas, era um professor só que havia naquela cidadezinha. E em Uchoa fiquei até o falecimento dos meus pais que se deu no ano de 1918. Depois fui para Taquaritinga, passei... primeiro fui para Santa Ernestina onde me colocaram numa farmácia. Ali começou a minha vida nesse meio de drogas e remédios, essa coisa.
P - O senhor tinha quantos anos?
R - Eu tinha 14 anos quando entrei nesse, nesse negócio, né?
P - E nessa fase escolar, de grupo escolar, que tipo de lembrança marcou mais o senhor assim? O que é que o senhor lembra que foi interessante nesse período escolar, teve alguma coisa que marcou o senhor?
R - É, em Monte Alto havia, naturalmente como aquela cidadezinha daquela época, o grau de educação era muito diferente do que é hoje, né? Então havia aquele grupo escolar e naturalmente os meninos, meninas, e coisa. Tinha um rio muito perto da cidade onde se tomava banho no rio, essa coisa, e a vida entre aqueles meninos e meninas. Interessante é que Monte Alto havia dois grupos, nós, eu pertencia a um grupo que era chefiado pelo meu irmão mais velho, e outro grupo que era chefiado por outro. Então, havia naquele tempo aquele negócio de romper a bandeira, quebra bandeira, faz esse negócio, aquela, era o que se fazia naquele tempo. Brigava-se às vezes, às vezes a gente brigava. Uma vez em Monte Alto, fato interessante, que eu desci, tinha ido no outro extremo da cidade, quando voltava um menino, eu nesse tempo teria oito a nove anos de idade, mas não me esqueço disso, ele pega uma vara, como ele pertencia ao outro grupo e ele era mais velho do que eu uns quatro anos, então ele me batia nas pernas: tchu. "Anda direito, tá com o passo errado" e eu pensava comigo se eu corro ele corre mais do que eu, se eu vou enfrentá-lo ele é muito mais forte do que eu, mais velho e assim ele me levou até quando passava na, em frente a casa de uma minha irmã, eu empurrei a porta e pulei para dentro, ele passou. Então na frente tinha uns cacos de telha eu peguei uns cacos e chamei ele: "Herculaninho." Quando ele virou, aquele caco de telha pegou-lhe no meio da testa e a cara do Herculaninho encheu-se de sangue e eu entrei pra dentro. O mais interessante é que chega em casa o Herculaninho, levaram-no na Santa Casa, deram, levaram uma porção, diversos pontos. Mas ele não acusou a briga não, ele disse que tinha caído. Esse, acho que foi um dos fatos que me aconteceu na minha infância que eu não esqueço, né? O restante é coisas, é banalidade.
P - É, o senhor disse que o senhor mudou-se da cidade de Monte Alto foi para Uchoa e depois o senhor foi pra que cidade que o senhor foi trabalhar? Começou a trabalhar numa farmácia?
R - Eu comecei a trabalhar na farmácia em Santa Ernestina quando tinha 14 anos, né, depois da morte dos meus pais.
P - E o senhor veio pra São Paulo quando?
R - Pra São Paulo eu vim em 1922, no ano do centenário da Independência.
P - Da Independência. E, me diz uma coisa, em Santa Ernestina o que o senhor fazia nessa farmácia?
R - Em Santa Ernestina? Ah, fazia todo o serviço ali, tinha um poço com 22 metros de profundidade aquele sarrilho pra tirar água, então eu tirava água pra farmácia, pra encher aquela coisa toda, que farmácia gastava muita água, né, e fazia todo o serviço ali na farmácia.
P - O senhor já começou a aprender a manipular?
R - Aprendi. Aliás, a farmácia era de um rapaz, ele era solteirão, tinha uns 28, 30 anos. Mas muito correto, muito direito, me ensinou a trabalhar muito bem, era muito exigente, queria tudo muito bem feito, muito limpo, muito coisa, e para mim isso foi muito bom porque me ensinou a trabalhar, a gostar do trabalho! Eu tenho uma recordação muito saudosa desse homem.
P - O senhor, logo após o falecimento dos pais do senhor, o senhor foi morar com quem, seu Thomaz?
R - Aonde?
P - O senhor foi morar com quem depois do falecimento dos seus pais? O senhor foi morar com quem depois que os pais do senhor morreram?
R - Ah, com quem que eu fui morar?
P - É.
R - Bom, quando em Santa Ernestina morava na farmácia, dormia na farmácia e tomava a refeição na casa de uma tia do dono da farmácia, que eles pagavam lá a tia para poder. E assim eu fiquei lá uns dois anos e pouco, dois anos e meio mais ou menos. Depois saí e começou a minha vida, né? Voltei pra Taquaritinga trabalhava em Taquaritinga. Eu trabalhei na farmácia Central, o dono chamava-se Juca Camargo, e depois vim pra São Paulo. Vim pra São Paulo no ano de 1922.
P - E me diz uma coisa, seu Thomaz, como é que era dentro da farmácia, a manipulação? Como era feita essa manipulação, como é que era guardado, em que tipo de vasilhame?
R - Na farmácia, naturalmente no laboratório da farmácia, os vasilhames usados eram os copos graduados, copos marcados, né, cálices marcados de 15 gramas, 15 centímetros cúbicos, 30 centímetros cúbicos, ia até 500 centímetros cúbicos. Então, vários tamanhos os copos. E se usava, naturalmente, as receitas eram aviadas, os médicos formulavam naquele tempo e se preparava, se manipulava as fórmulas no laboratório da farmácia.
P - E a pessoa responsável por essa manipulação era o próprio farmacêutico?
R - Era o farmacêutico.
P - E ele era o dono da farmácia?
R - O dono. É, o dono da farmácia. Naquele tempo, aí vinha uma época de licenciamento. Então, aqueles que tinham, que trabalhavam em farmácia, uns dez anos e tinham a sua farmácia, então prestavam exame aqui em São Paulo e se licenciavam, né? Houve muito licenciamento naquela época.
P - E como é que os remédios, depois de manipulados, eles eram entregues ao consumidor, como? Em vidros?
R - Eram embalados, os líquidos eram embalados em frascos, frascos de vários tamanhos, né, desde 30 até 1.000 gramas, vários tamanhos. E as pílulas, cápsulas, essas coisas, também eram embalados, alguns em vidros, vidros de boca larga, outros em caixa de papelão, e onde levava o rótulo, né? O rótulo era uma cópia da receita. E no vidro, o rótulo colado no vidro, as caixas também recebiam o seu, a sua, o seu rótulo com a fórmula e assim eram entregues aos clientes, né, aos pacientes.
P - E naquela época na farmácia só se vendia remédio e não se vendia nenhum produto de higiene, nem nada?
R - Ah, vendiam. Uns produtos de toucador, de higiene, sempre se vendeu em todas as farmácias, né? Sabonetes, pastas dentifrícias, escovas de dente, pentes para cabelo, escova pra cabelo, sempre foi vendido pelas farmácias, né?
P - O senhor disse que veio pra São Paulo em 1922. E o senhor saiu de onde o senhor estava, era Taquaritinga nessa época?
R - Taquaritinga.
P - Por que o senhor saiu de lá?
R - Sai porque São Paulo atraía, não é? A gente precisava se desenvolver. Eu, na idade em que eu estava, eu precisava entrar num meio mais, de maior movimento, de maior possibilidade, de aprender a desenvolver a minha vida.
P - Certo.
R - E afinal de contas eu não posso me queixar, acho que Deus me ajudou muito.
P - E o senhor veio...
R - Porque eu, afinal de contas, vim pra São Paulo não tinha nada e consegui fazer alguma coisa.
P - E o senhor veio pra cá a convite de alguém ou o senhor veio sozinho?
R - Não, eu vim pelo meu primeiro patrão de farmácia pelo chamava-se Paulo da Rocha Mattos, Paulo da Cunha Mattos.
P - E que bairro que o senhor foi morar? O senhor se lembra?
R - Bela Vista, na Rua Santo Antônio.
P - E qual foi a impressão que o senhor teve de São Paulo na época?
R - Bom, a impressão: São Paulo naquela época, teria uns 600, 700 mil habitantes, então havia aqueles bondes, os bondes abertos, tinha cortina no estribo pra você entrar no ônibus e os cobrador chegava dos banco, cada banco levava até cinco pessoas sentadas. Nas horas de movimento, é claro que tinham cinco sentados e cinco em pé (risos), entre os dois bancos, né? E os cobradores recebiam a passagem e marcava, tinha um cordão ali onde ele fazia tim-tim, tim-tim. E a gente então dizia: "Dois pra Light, três pra mim." (risos)
P - Me diz uma coisa senhor Thomaz, o senhor já, o senhor veio pra São Paulo a convite desse primeiro patrão, e o senhor já foi trabalhar com ele ou o senhor foi trabalhar em outro, com outras pessoas o senhor teve outra atividade?
R - Nessa época quando eu vim, eu não trabalhei com a pessoa que me trouxe pra São Paulo. O senhor Paulo me arranjou um emprego numa farmácia aqui na Avenida Tiradentes, chamava-se Farmácia Silveira, o dono era um sergipano, um homem que me deixa uma grata recordação porque ele tinha um cavanhaque, então naquele avental branco, aquela coisa, tinha um espírito assim muito vivaz, muito coisa. Todas as pessoas que entravam na farmácia ele sempre tinha um gracejo, uma brincadeira. Toda criança que entrava na farmácia ganhava uma pastilha de bálsamo-de-tolu, é uma pastilha muito doce.
P - Essas pastilhas serviam pra que?
R - Não, era pra...
P - Era uma pastilha mesmo, era tipo uma balinha?
R - Era uma balinha, né? Servia naturalmente para lubrificar um pouco a garganta, né? Era muito gostosa, a pastilha de tolu.
P - E qual a diferença que o senhor percebeu na época do comércio da cidade de Uchoa, de Taquaritinga, com essa farmácia aqui de São Paulo? O senhor percebeu alguma diferença na forma de comercializar?
R - Era praticamente a mesma coisa, né? Porque a fórmula tanto que você teria que manipular aqui, no laboratório da farmácia aqui, como fazia no interior. E a venda dos produtos terminados, os fármacos já terminados, eram vendidos lá como aqui, aqueles poucos que existiam. Porque esse, como a indústria farmacêutica no Brasil se desenvolveu muito depois da guerra, né? Depois da guerra, terminou em 42, né? Começou em 39 e se eu não me engano foi até 42, 43. Então, depois dessa época, que se desenvolveu a indústria farmacêutica. Hoje, numa farmácia aqui é muito difícil até pra você se o médico receita uma fórmula, você tem que procurar uma essas chamadas farmácias científicas, de manipulação. Naquele tempo não, toda farmácia era obrigada a manipular.
P - Deixa eu perguntar uma coisa pro senhor. É, no interior, em Taquaritinga, Santa Ernestina, o senhor falou que tirava água do poço pra fazer os remédios. Aqui, como era isso aqui em São Paulo?
R - Aqui já tinha água encanada, né? Aqui já o problema era bem diferente, você já tinha o filtro já ligado na, como hoje, pouco modificou essas coisas, né? Mas no interior era diferente porque usava aqueles, aqueles potes com filtro, né? Que eram duas peças, uma com aquela pedra de filtro. Você teria que encher aquilo, esvaziar no vaso que mantinham a água filtrada para uso da na manipulação ou outros quaisquer, né?
P - E me diz um coisa, seu Thomaz, o senhor disse assim como é que era assim essa farmácia, por exemplo, como aqui na Rua Tiradentes, ela tinha prateleiras, tinha balcão?
R - Ah, tinha.
P - Como é que os produtos eram expostos?
R - Geralmente, as farmácias naquele tempo no interior e aqui em São Paulo também era praticamente a mesma coisa, só que em tamanhos maiores, às vezes. Mas a farmácia tinha a sua instalação, as prateleiras, tinha a seção de perfumaria com aquele balcão envidraçado, aquela coisa. E geralmente naquele tempo, naquela época, as farmácias tinha uma grade na frente. Então o freguês entrava e era atendido ali, naquela, era tipo balcão, estreito. Era atendido ali, para evitar que aquela invasão de como há hoje, hoje é diferente, né? Hoje você entra numa farmácia parece que está entrando num supermercado, né? Naquele tempo não, tinha uma grade onde o freguês chegava até ali e para dentro ele não entrava onde está, a única diferença que há o resto era ...
P - E tinha algum lugar especial que o senhor gostava de ficar dentro dessa farmácia? O senhor gostava de ficar mais na farmácia ou o senhor gostava de ficar fazendo laboratório?
P - Ah, bom. Geralmente o laboratório era praticamente ligado a frente com uma pequena diferença de uma armação qualquer e então ou você ou estava na frente ou estava no laboratório, estava no laboratório quando tinha o que fazer no laboratório, alguma fórmula alguma coisa. Então tinha que estar no laboratório manipulando, fora disso também atendendo freguês na frente, ou arrumando prateleiras, limpando, arrumando os medicamentos pra ficar, causar uma melhor impressão aos clientes, aos fregueses que entravam no estabelecimento, né?
P - O senhor lembra a primeira fórmula que o senhor manipulou ou não? O senhor lembra qual foi o primeiro produto que o senhor manipulou, pra que servia?
R - Não, não. No início eu me lembro, porque era aquilo, era o medicamento, as fórmulas ou era para uso interno ou externo. E então quando você manipulava o remédio, embalava o vidro ou pote, ou lata, se era pomada, e você era coisas que hoje não existem mais: aqueles trochiscos, óvulos vaginais, essa coisa, que hoje as farmácias não fabricam mais, já vêm, laboratórios que fazem essas coisas, né? Então, hoje é mais fácil, qualquer pessoa pode trabalhar na farmácia porque os laboratórios fazem toda espécie de medicamento, né?
P - Certo, me diz uma coisa seu Thomaz, depois que o senhor saiu dessa farmácia na Tiradentes o senhor falou que foi mais ou menos em 22, qual foi a outra atividade? O senhor continuou? Por quanto tempo o senhor ficou nessa farmácia?
R - Em 1922. Em 1922 foi o ano que eu vim pra São Paulo.
P - Certo, e o senhor ...
R - Me empreguei na farmácia Silveira. E depois trabalhei dois anos e pouco, passei aquele período da revolução de 24, de 22, 24. Em 24 era uma revolução que estourou aqui dentro da cidade de São Paulo. Era o general Isidoro Dias Lopes, né? Então foi um período muito difícil de vender. Eu morava nessa época numa pensão na Rua Visconde do Rio Branco que continuando ela iria dar ao Palácio Campos Elíseos onde estava o Governo do Estado. Então aquilo era aquele fogo cruzado de todo lado, a farmácia, como funcionava na Avenida Tiradentes, foi obrigada a fechar e nós, eu fui pra São Carlos pra casa da minha irmã e fiquei lá até terminar a revolução, depois eu voltei e a vida continuou.
P - E o senhor depois, quer dizer, na verdade, a revolução ela afetou então a parte comercial? Quer dizer, na verdade, assim, a farmácia foi fechada por causa da revolução de 22, 24?
R - Ah praticamente todo comércio de São Paulo parou, sobretudo nessas ruas ali dos Campos Elíseos, Avenida Tiradentes, esses quartéis que existe por ali, havia muito tiro, tiroteiros de todo lado, né? E a revolução do Isidoro demorou mais de mês nessa situação aqui em São Paulo.
P - Aí o senhor, quando o senhor voltou de São Carlos, o senhor foi fazer, o senhor voltou pra São Paulo novamente, o senhor foi fazer o quê? Aí o senhor voltou a trabalhar em farmácia, foi fazer outra atividade?
R - Voltei para São Paulo, eu voltei para a mesma farmácia, né? Aliás o dono da farmácia, muito bom, pagou aquele mês que a farmácia esteve fechada e tudo, pagou, não houve problema nenhum, e eu continuei ali, continuei, eu fiquei nessa farmácia dois anos e pouco. Depois saí, e saí da farmácia para ver se eu conseguia um emprego onde houvesse tempo pra eu estudar e poder melhorar um pouco os meus conhecimentos de ordem geral, porque antes aquela vida de farmácia trabalhando lá até o dia inteiro, você não tinha, trabalhava até às nove, dez horas da noite. Então não dava tempo pra gente estudar nem nada e o meu o meu currículo escolar era muito fraco porque em Monte Alto tinha feito o 1º ano do grupo escolar, depois em Uchoa aquele professor lá que dava aula pra todo mundo ali, né? Então era essa a minha base educacional nesse tempo, o restante fui aprendendo na própria vida, né, acho que a melhor mestra que existe, né? (riso) Então até que consegui aqui em São Paulo, consegui por falta de sorte minha, não consegui emprego efetivo, só consegui um emprego onde eu deixei a farmácia de vendedor ganhando comissão apenas.
P - Onde foi esse emprego?
R - Na Drogaria Brasil, na Drogaria Brasil que justamente quando o ano em que eu saí o José Pires de Oliveira Dias fez uma fusão com a Drogaria Bráulio criando então a Drogasil. E eu fui para a Vila Maria, fui pra Vila Maria onde comprei uma farmacinha. Ali onde fiquei até o ano de 1936. Depois disto, criamos uma firma, eu e alguns amigos empregados de drogaria, justamente porque havia, naquela época, um descontentamento das farmácias de um modo geral com a Drogasil que era uma firma que fornecia às farmácias, então nós montamos uma firma atacadista com o nome de Drogafarma para fornecer às farmácias. Até, isso foi até 36.
P - E me diz e nesse período o senhor conseguiu fazer o objetivo, conseguiu alcançar o objetivo que o senhor tinha que era estudar, o senhor conseguiu fazer isso?
R - Isso só depois que eu comprei a farmácia em Vila Maria, em 1929. Eu comprei a farmacinha pequenina lá em Vila Maria e aí naturalmente procurei estudar, arrumei professor, essa coisa que me dava aulas particulares e eu fiz aquele período de, como se dizia naquele tempo, preparatório no Ginásio Moura Campos. Então a gente requeria um número grande de matérias todo fim de ano e fazia aquele exame, aquelas coisas, e com isso me preparei para entrar na Escola de Farmácia, que aliás funcionava nesse prédio onde nós estamos.
P - Então o senhor acabou fazendo a Faculdade, (fim da fita 017/01-A) Escola de Farmácia. Escola de Farmácia e Odontologia de São Paulo que pertencia à USP?
R - É isso. Escola de Farmácia e Odontologia.
P - E isso foi em que ano?
R - Eu entrei em 29 na Escola de Farmácia e me formei na turma de 32.
P - E durante esse período teve a revolução tanto de 30 como 32, teve alguma, modificou, parou a faculdade, alguma coisa, teve algum problema com relação ao pessoal?
R - Teve porque aquelas revoluções, não é? Como é que chama? Revolução Miguel Costa, Isidoro, não Isidoro foi antes, mas houve aquela revolução em 32, a Revolução Constitucionalista, essa coisa. E então foi um período que ajudou muito os alunos de faculdade daqui da capital porque todos eles eram promovidos por decreto, né, porque não tinha tempo mesmo pra escola, não funcionava às vezes.
P - Então, quer dizer, as pessoas passaram por decreto?
R - Ah, sem dúvida!
P - Ah, certo.
R - Aqui na Escola de Farmácia eu fiz só um ano houve exames, os outros anos todos promoções por decreto.
P - E como é que era o ensino de Farmácia naquela época?
R - Bom, era praticamente, você naturalmente reduzindo um pouco a farmácia, porque a farmácia era obrigada a ter laboratório, laboratório de manipulação e a legislação farmacêutica era exigente. Então você tinha que ter oxigênio e algumas coisas assim de emergência, a farmácia era obrigado a ter. Hoje não! Hoje a farmácia tem se quer ter se não quer tá cheio de hospitais, né, a facilidade pra pronto-socorro essas coisas. Naquela época a farmácia tinha que prestar esse serviço de emergência, né? Então a própria legislação farmacêutica exigia que a farmácia, no mínimo, tivesse aquela relação de artigos essenciais, né, é a diferença. Hoje não, hoje o sujeito abre a farmácia e tem o que ele quer, que lhe dá lucro, que lhe dá vantagem então, se não tem, não tem, o sujeito vai procurar noutra casa pra ele.
P - O senhor colocou o seguinte, seu Thomaz, que depois que o senhor, depois de 30 e poucos, o senhor montou a Drogafarma, né, que era porque o pessoal estava descontente com a Drogasil.
R - Certo.
P - E o senhor disse que eles forneciam, naquela época, produtos pras outras farmácias. Então a farmácia, qual é era a diferença entre farmácia e drogaria?
P - Naquela época, as drogarias, o que se chamava drogaria, praticamente vendia só no atacado, aqui em São Paulo tinha a Drogaria Brasil, Drogaria Bráulio, Drogaria Morse, Alaion, Ribeiro Branco, a Ipiranga, eram as casas principais, Internacional, uma drogaria internacional. Eram as firmas mais importantes, a Casa Baruel, não sei se vocês sabem, era muito famosa. Porque aí começou, depois começou os varejos pelo Baruel, Casa Baruel, a Morse e foi modificando com essa, com esse afluxo de produtos já preparados, com o desenvolvimento da indústria, a criação da indústria nacional de produtos farmacêuticos, os laboratórios, filiais de firmas, de laboratórios internacionais, começaram a montar aqui no país esses laboratórios, como Laboratório Bristol, Park Davis, e diversos, né?
P - E nessa época, em 36, o senhor já estava casado ou não, seu Thomaz?
R - Não, eu me casei em 30 ... 30, mas que coisa! Como é a memória dos velhos, vê se eu não me lembrar (risos) do meu casamento. Eu me casei com uma colega, é, mas depois, bem depois de formado. É uma eu acho que...
P - O senhor não, o senhor a conheceu na faculdade? E o senhor só foi casar...
R - Mais tarde. Quando estava na Drogafarma, ali por 38 por aí.
P - E ela trabalhava? Ela...
R - Ela tinha uma farmacinha. Ela e uma irmã tinham uma farmácia. Quando me casei, eu disse: "Olha, acaba com essa farmacinha porque não dá isso aí não". E ela então ela deixou de trabalhar e passou a ser dona de casa (riso).
P - Ah, certo. Depois da Drogafarma, o senhor acabou com a Drogafarma quando? O senhor continuou com ela até quando, senhor Thomaz?
R - Drogafarma até 40 e na Drogafarma, eu, começamos com a Drogafarma no ano de 1936 e foi até a guerra. A guerra criava aquelas dificuldades todas e a Drogafarma então foi adquirida pela Drogasil e eu não quis ficar na Drogasil, eu era cotista da Drogafarma, me retirei e logo depois começamos com a Drogaria São Paulo em 43.
P - Então, a Drogaria São Paulo, na verdade, ela surgiu em 43, 1943.
R - Isso.
P - O senhor disse que a guerra dificultou muito. Tinham muitos produtos importados? Matéria prima importada pra ...
R - Muito, muitos produtos. Mesmo já terminados, os fármacos já terminados. Era difícil a importação, alguns medicamentos, porque a indústria nacional de produtos farmacêuticos era muito incipiente, muito, só se desenvolveu depois da guerra. Mas então havia muita falta de produtos, produtos às vezes de extrema necessidade, como era o caso dos cardio-diuréticos, essas coisas. E então, havia falta de produtos, quando surgiu a penicilina, então aquela dificuldade toda pra se obter a penicilina.
P - Me diz uma coisa, seu Thomaz, existe, o senhor vê uma diferença, o senhor disse que a Drogaria São Paulo surgiu em 43, ela surgiu em que local?
R - Na rua, naquele tempo era a Rua 11 de Agosto, mas era da firma M. Dellape e Cia., que nós adquirimos a Drogaria São Paulo e se criou então em 43 o nome de Drogaria São Paulo Limitada. Foi registrada, naquele tempo havia diversas farmácias São Paulo, Drogaria São Paulo, tinham umas diversas, aqui na capital e no interior. Mas a Drogaria São Paulo registrou a marca, essa coisa toda, e depois de registrado então começou naturalmente uma ação de defesa dos seus direitos, do seu nome, da sua coisa. E hoje Drogaria São Paulo é uma só. Drogaria São Paulo tem filiais aqui na capital, na Baixada Santista, no interior, aí na Central do Brasil está em quase todas as cidades: Jundiaí, Campinas, Ribeirão Preto, Araraquara. E tem se desenvolvido, né?
P - Me diz uma coisa, senhor Thomaz, tem uma diferença, o senhor vê uma diferença grande entre o público que freqüentava a farmácia no início, logo quando senhor começou, mesmo nas farmácias que o senhor trabalhou e mesmo no início da Drogaria São Paulo com o público que freqüenta hoje a farmácia, ou não?
R - Bom, há uma diferença, mas uma diferença causada pelo, pela própria evolução da vida, das condições de vida, das necessidades tanto materiais, materiais de higiene, de perfumaria, isso se desenvolveu muito. Naqueles tempos antigos era muito reduzida essas coisas, a maioria dos produtos eram quase todos importados e ultimamente tem se desenvolvido hoje aqui a indústria farmacêutica tá muito, está muito desenvolvida. Então hoje, as farmácias hoje se dividem em dois tipos: as chamadas farmácias científicas, que manipulam as fórmulas, que são raras hoje, mas tem alguns médicos ainda que, às vezes, quer associar alguma substância. Então ele faz a sua fórmula e a receita é aviada nesse tipo de farmácia, chamada científica, né? O restante tem tudo, né, comprimidos, cápsulas, xaropes, elixires, é, está tudo já pronto, né?
P - E a forma de pagamento? Como era feita antigamente? A gente podia, as pessoas compravam tinha uma caderneta pra pagar? Elas pagavam em dinheiro?
R - Ah, geralmente as farmácias sobretudo, hoje é mais difícil, hoje as drogarias, essas redes que existem aqui em São Paulo não, só vendem à vista, não é? Mas naqueles tempos antigos era conta corrente, né? No fim do mês o proprietário da farmácia teria que tirar, extrair uma relação para os seus clientes e mandar a conta e receber em casa deles e essa coisa. Hoje, hoje não, hoje essas redes como, vamos admitir, a Drogaria São Paulo, por exemplo. A Drogaria São Paulo está hoje com mais de 100 pontos de atendimento só aqui na capital, fora as que tem nessas norte, afinal de contas, de Guarulhos até Taubaté, tem casas em todas cidades, no interior também tem várias filiais. E a venda é feita à vista, não há crédito, né? O freguês, o freguês compra, paga no ato.
P - E o senhor acha que isso, essa mudança ocorreu a partir de quando?
R - Ah, desde que começou a desenvolver essas redes, porque é interessante uma coisa, porque quando começou essa época inflacionária, né?, eu ainda tinha farmácia nessa época quando começou a inflação, era na época do Getúlio é que começou com essa brincadeira. E, às vezes, quando o freguês vinha pagar o remédio que ele tinha adquirido no mês anterior, já estava valendo o dobro. Então, não é possível manter vendas à crédito, né? Depois dessa, começou aquela, isso nós voltamos hoje, depois do Plano Real já tá cheia de firmas aqui em São Paulo oferecendo mercadoria à prazo, dois, três, quatro e até dez pagamentos, né? Mas naquele período inflacionário o sujeito não podia fazer isso, né? Fazia, ficava mal de, se descapitalizava, né?
P - É. O senhor usou algum tipo de publicidade com a Drogaria São Paulo, ou não? O senhor teve? O senhor logo que o senhor...
R - Não, a Drogaria São Paulo, no início, ela trabalhava mais no atacado. Então, era aquelas relações com os proprietários de farmácias, essa coisa. Depois ela, devido à inflação excessiva, essa coisa, começou a vender à vista com desconto e criar filiais para atendimento ao público em geral. Hoje, a Drogaria São Paulo tem, o seu movimento todo é direto ao consumidor, né? Tem pontos, só aqui em São Paulo tem cento e poucas filiais, pontos de venda, né?
P - E essa rede de, criar uma rede de lojas, drogarias, o senhor sentiu essa necessidade? Por que o senhor fez isso?
R - Naturalmente, nós fizemos, ficar procurando desenvolver a nossa firma, né? Então, procurando atender o consumidor e procurando facilitar o acesso do consumidor nos bairros, nessa coisa, porque antigamente não havia. Então, as drogarias se fixavam ali na Praça da Sé, Rua Direita, aquele centro ali, Rua São Bento, aquele triângulo, né? Que antigamente se chamava cidade, né, era Rua XV de Novembro, São Bento, e Direita, XV de Novembro e São Bento, né? Fazia aquele triângulo ali que se chamava cidade. Hoje, em qualquer bairro melhor aí você encontra filiais da Drogaria São Paulo, Drogão, Raia e essas firmas que... Drogasil.
P - Que período que começou a ser montada a rede, começou a expandir? O senhor se lembra, mais ou menos, a época?
R - Ah, desde 40 que eu comecei com a Drogaria São Paulo já havia, é, as firmas foram se desenvolvendo de acordo com as suas possibilidades econômicas, né? Você começava com uma casa, uma loja só, dali a pouco, um ano, dois anos, monta uma ou duas filiais, e não sei o que e assim foi indo. A Drogaria São Paulo começou com uma casa só, era na Praça da Sé, hoje tem cento e poucas casas só aqui em São Paulo, né? Isso é fruto desse trabalho, dessa prestação de serviço que é, exige uma competitividade muito grande entre essas firmas, né, e isso, eu, de acordo com o meu ponto de vista, só beneficia o consumidor, não é?
P - Me diz uma coisa, seu Thomaz, pelo que o senhor contou pra gente, o senhor viveu muito, o senhor teve uma época que o senhor foi empregado e teve uma época que o senhor foi patrão.
R - Certo.
P - Eu queria que o senhor falasse um pouco dessa relação patrão-empregado, como é que é isso dentro dessa experiência que o senhor teve dentro do comércio. Ela... Eu queria que o senhor contasse um pouquinho disso pra gente.
R - Certo. Eu acho que aí há pouca coisa porque empregado é empregado mesmo e patrão é patrão isso em qualquer segmento da sociedade, é igual a isso, né, empregado é empregado. É claro, quando a firma, conforme ela vai se desenvolvendo, vai se organizando, criando seus departamentos, as suas coisas, então se torna mais fácil a administração, não é? Quando era no começo a luta era muito grande porque você tinha que atender todas os fornecedores, é fregueses, empregados, pagamentos, vendas, era muito trabalho. Hoje não, hoje as firmas tão organizadas, têm os seus laboratórios, seus departamentos, departamento pessoal, departamento de coisa, de formas que hoje é bem mais fácil.
P - Me diz uma coisa, o senhor tem filhos, seu Thomaz?
R - Que?
P - Filhos.
R - Filhos. Tenho dois filhos. Os dois são engenheiros mas estão na Drogaria São Paulo os dois.
P - Eles hoje atuam dentro...
R - Acontece que o meu filho mais velho ele é engenheiro formado pela Escola Politécnica, ele engenheiro eletricista e trabalhou algum tempo na Cesp. Depois saiu da Cesp e foi para a Hidroservice, foram construir uma usina no Peru. Depois deixou a Hidroservice e veio pra Drogaria São Paulo. E o mais novo, vocês já conhecem o Ronaldo. O Ronaldo é engenheiro formado pelo ITA, o Instituto Técnico da Aeronáutica, lá de São José dos Campos, é engenheiro mecânico, mas também começou trabalhar, fazer estágio naquela idade, mas acabou indo para a Drogaria. Hoje ele é o diretor superintendente, é o meu filho mais novo mas ele é, na Drogaria São Paulo ele é o mais antigo porque ele foi pra Drogaria São Paulo porque nasceu a vocação, por qualquer coisa e naturalmente é diretor superintendente hoje e outro irmão, que é mais velho, trabalha sob a orientação dele.
P - Certo. Me diz uma coisa, hoje a sua, qual é a sua principal atividade hoje, seu Thomaz, o que o senhor faz hoje? O senhor ainda atua na Drogaria São Paulo?
R - Bom. Eu atuo porque eu sou responsável por uma das filiais de acordo com a legislação que obriga cada filial ter um farmacêutico responsável, eu sou responsável por uma das filiais da Drogaria São Paulo. Como a lei permite até duas responsabilidades diferentes, então eu sou responsável por um armazém de distribuição e por uma filial de varejo. A minha esposa, que é farmacêutica também, é responsável por uma casa de varejo, uma filial de varejo e, naturalmente eu já trabalhei muito sabe, então hoje eu já não faço nada mais. Também tem os problemas, de idade, audição, a vista, é, esses problemas que são, vão se agravando que a gente vai conseguindo.
P - Me diz outra coisa, quando o senhor vai consumir algum remédio o senhor compra na Drogaria São Paulo, o senhor adquire na Drogaria São Paulo?
R - Ah, sem dúvida (risos). Eu quando preciso de alguma coisa compro da Drogaria São Paulo, mas compro e é debitado na minha conta. Eu pago mensalmente não tem desconto não. (risos)
P - E não tem crédito, o senhor tem que pagar à vista?
R - Não (risos). Não, eu pago, no fim do mês me é descontado.
P - Certo. Como é o seu dia-a-dia hoje, seu Thomaz? O que o senhor, o senhor vai pra essa farmácia responsável e tal, o que o senhor faz em casa por exemplo? O senhor mora hoje com quem?
R - Eu moro na Alameda Jaú e eu e minha esposa, porque os meus dois filhos cada um tem a sua residência, e praticamente não faço nada. Levanto, me levanto a hora que, não tenho hora pra nem para ir dormir e nem para levantar, né, a hora, já trabalhei muito, já obedeci muito horário durante a minha vida.
P - Me diz uma coisa, se o senhor pudesse, o que o senhor gostaria de mudar no comércio hoje? O que o senhor acha que deveria ser mudado?
R - Bom, eu acho, eu acho que o governo não devia se procurar, ou participar, o comércio paga impostos, paga essa coisa para manter essa situação toda, esses políticos nossos, alguns se destacam pela sua honestidade, pela sua atividade, outros se destacam justamente pelo inverso, nada fácil essa coisa toda. Então, ________ o dinheiro de impostos, que nós pagamos impostos sobre tudo, qualquer coisa que nós fazemos o governo participa, entre o governo municipal, estadual e federal em mais de 50% do preço do produto. Isso em produto farmacêutico, se nós vamos contar o que é pago nas matérias-primas, depois no laboratório e nos intermediários, depois atacadista, varejista, essa coisa, bem mais de 50% do preço que você paga é impostos. Então eu tenho a impressão que se os nossos políticos refletissem um pouco para ver se melhora a situação das classes mais necessitadas, esses criariam um imposto único, uma qualquer coisa que podia ser proporcional e talvez as condições de vida melhorasse bem no nosso país.
P - Me diz uma coisa. Como é feita a distribuição? O senhor mesmo, o senhor mesmo disse que tem mais de cem Drogarias São Paulo, como é feita essa distribuição dentro da cidade?
R - A Drogaria São Paulo tem três armazéns de distribuição, e naturalmente tem a sua rede de caminhões, essa coisa toda para atender a rede de filiais, essas coisas, tem a sua frota de caminhões de entregas. E as compras são centralizadas, em cada armazém de distribuição tem o seu setor de compras e tem o escritório central onde naturalmente controla todo o movimento, né?
P - E existe muito roubo hoje, dentro desse processo de distribuição?
R - Oh. Como diz o italiano: "Fatto la legge criato la burla" (riso). Quanto mais cuidado se tem pra se evitar os furtos, sobretudo empregados, eles vão criando sempre uma maneira nova pra poder fazer alguma coisa, né? É muito grande. E também infelizmente também, esse sistema que a Drogaria São Paulo, que hoje usa o comércio, que é sobretudo esses produtos de saída e mais saída, que pode ser vendida livremente, que são expostas ao público, é preciso muito cuidado, uma fiscalização muito grande. Porque há muito furto, tanto de empregados como também de clientes. Então, é preciso cada loja ter seu fiscal olhando, só olhando os clientes. (riso) Olhando de longe porque não pode se manifestar, né?
P - E isso mudou com o tempo? O senhor acha que antigamente existia menos?
R - Não, acho que a porcentagem é a mesma. Isso faz parte da índole da... não sei, porque às vezes a pessoa quer tirar pelo prazer de tirar, né?, não precisa. Então quer, pega um produto qualquer, às vezes uma mousse, uma qualquer coisa. É por isso que a Drogaria São Paulo hoje, ela pede aos clientes pra não entrar com bolsa ou qualquer cesta, pacote, essas coisas. Então, tem na entrada um setor onde os clientes deixam essas coisas, né? Mas, assim mesmo há, às vezes, há o sujeito que pega _________, desfila, põe no bolso. E quando chega na caixa, às vezes se surpreende, porque aquilo que ele vai pagar, ele apresenta ali e recebe uma nota um pouco mais cara (risos), desse produto que está no bolso (risos).
P - Já foi incluída na nota.
R - Olha, aquilo ele tá a maioria não fala nada. Algum diz: "Mas que negócio é esse?" "Ah, bom, veja no seu bolso, verá que o senhor encontra".
P - O senhor disse que a farmácia ela mudou a nível assim de, a disposição dos medicamentos e mesmos dos produtos. O senhor disse que hoje ela parece muito com um supermercado, né, a pessoa se serve e tal. O senhor acha que isso aumentou as vendas?
R - Ah, aumentou, aumentou. A Drogaria São Paulo começou esse sistema aqui em São Paulo na filial (fim da fita 017/02-A) da Mooca e na mesma época também estendeu o horário, passou a trabalhar 24 horas por dia e aumentou muito o movimento da filial. Então ela foi estendendo isso para todas as filiais. Então, hoje toda filial da Drogaria São Paulo trabalhava 24 horas por dia.
P - Houve uma mudança na legislação, é nos tempos anteriores e agora?
R - A legislação farmacêutica é um pouco antiquada, né, não tem havido mudanças muito sensíveis, se bem que a lei primitiva, acho que a última modificação da legislação farmacêutica já está precisando de reforma, né?
P - Uma outra pergunta que eu gostaria de fazer pra gente ir encerrando, senhor Thomaz. Qual o maior sonho que o senhor tem ainda na vida hoje?
R - Qual?
P - Seu maior sonho. O que o senhor ainda gostaria de realizar?
R - Ah, isso eu acho que todos os homens, se não acontecer comigo. Hoje não porque eu já estou superado pela, pessoalmente,
mas os filhos acredito que eles têm essa preocupação como todo... ninguém, o homem nunca está satisfeito, né, ele quer sempre melhorar, sempre progredir, sempre fazer alguma coisa. E se não tem ambição, se não deseja melhorar, é melhor fazer o que os velhos são forçados a fazer: retira-se e deixa os jovens, aqueles que têm ainda possibilidade de fazer alguma coisa, que continuem. Mas que tenha ambição, que queira progredir, que queira fazer alguma coisa, né, prestar melhores, melhor serviço, né, fazer uma concorrência limpa mas de maneira que beneficie mais os clientes e com isso atrair mais.
P - E a nível pessoal, enquanto pessoa, o que o senhor sonha, o que o senhor gostaria de estar fazendo? A nível pessoal, enquanto pessoa, o senhor Thomaz.
R - O velho vai perdendo, eu gostaria muito de viajar, sempre sonhava com viagens, essas coisas. E afinal de contas, apesar dos meus 90 anos, eu viajei muito pouco porque quando tinha disposição física para a viagem, a situação econômica não permitia, então você fazia uma viagem por ano, ou uma vez ou outra, isso aí, né? Mas hoje se eu quisesse fazer alguma viagem, qualquer coisa, eu teria condições econômicas pra fazer mas não tenho, fisicamente, não tenho mais disposição (riso), eu me sinto satisfeito com o que eu já fiz.
P - Pra última pergunta, seu Thomaz. O que, qual a importância desse depoimento que o senhor está dando pro Museu da Pessoa?
R - Bom, isso vocês é que podiam me esclarecer qual o objetivo dessa pesquisa de opiniões que vocês fazem, mas acredito que isso sirva para as pessoas que tomarem conhecimento, às vezes se aproveitar, porque a vida é uma sucessão de experiências, né? Então, quando nós podemos ver o que outros já fizeram parece que nós recebemos aquilo como um auxílio para nós desenvolvermos a nossa vida, né? Me parece que eu acho muito interessante essa pesquisa de opiniões que vocês fazem aqui e tornam isso de conhecimento público. Acho que é de grande vantagem para o desenvolvimento de cada pessoa que toma conhecimento disso, né?
P - Tá certo então. Muito obrigado, senhor Thomaz, por seu depoimento. A gente agradece e...
P - A gente vai encerrando.
P - E vai encerrando.
R - Eu agradeço a vocês. E apenas tenho que dizer é isto: não esperava uma oportunidade como essa, se colhesse, se soubesse disso podia ter me preparado um pouco melhor para transmitir a vocês com mais facilidade e com mais, suficientemente melhor, de maneira mais compreensível, né?
P - Mas foi muito bom (risos).
R - Encerrou?
P - Sim.
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