Projeto Rhodia Farma: 80 anos
Realização Instituto Museu da Pessoa
Depoimento de Vitor Hugo Costa Travassos da Rosa
Entrevistado por Rosane e Milene
Hospital das Clínicas, São Paulo, 05 de março de 1999
Código: RHF_HV036
Transcrito por -
Revisado por Beatriz Buck
P/1 – Pra começa...Continuar leitura
Projeto Rhodia Farma: 80 anos
Realização Instituto Museu da Pessoa
Depoimento de Vitor Hugo Costa Travassos da Rosa
Entrevistado por Rosane e Milene
Hospital das Clínicas, São Paulo, 05 de março de 1999
Código: RHF_HV036
Transcrito por -
Revisado por Beatriz Buck
P/1 – Pra começar, diga
seu nome completo, data de nascimento, cidade.
R – Eu sou paraense, nascido em Belém do Pará, tenho 50 anos e me chamo Vitor Hugo Costa Travassos da Rosa.
P/1 – Nome dos seus pais e de onde eles são?
R – Hugo Morais Travassos da Rosa, de Belém também e Arlinda Costa Travassos da Rosa.
P/1 – Qual a origem familiar, descendência?
R –Nós somos uma...mistura que envolve índio, alemão, árabe, português. É uma mélange maravilhosa, né [risos]? Dos meus pais, do lado materno, sou descendente de árabe com português. E, pelo lado paterno, sou descendente de alemão com índio. Quer dizer, caboclo do Pará, caboclo amazônico, né? Eu falo índio porque acho que é, porque acho que o caboclo nativo é indígena, na verdade.
P/1 – E qual a atividade dos seus pais lá?
R – Olha, somos de uma família de farmacêuticos e médicos. Tradicionalmente nossa família toda tem uma preponderância pela escolha das ciências médicas e biológicas. Então, nós temos, assim, inclusive alguns nomes importantes da medicina brasileira no ramo dos Travassos. E, eu particularmente, sou desse ramo e descendo de um avô farmacêutico. E de um pai também farmacêutico. Eu diria que nasci basicamente dentro de uma farmácia,
né, porque a época...
P/1 – Seu avô já tinha farmácia...
R – E meu pai foi o herdeiro natural desse avô e, por conseguinte, nós vivemos num lugar onde a farmácia era uma
extensão da nossa casa. Por isso que eu digo que eu nasci numa farmácia. Que a gente saía da farmácia e entrava na sala da casa que era logo atrás da farmácia. Então a tradição da família é de farmácia.
P/1 – A casa que vocês moravam ficava bem atrás da farmácia?
R – Era a farmácia já. Tenho um irmão, meu irmão mais velho, que nasceu na farmácia. Dentro da farmácia. É que na nossa família, principalmente no ramo dos Travassos, nós temos hoje mais de oito farmacêuticos, temos quase uma dezena de médicos, a família toda tem essa...tendência. Péssima tendência, a área de saúde [risos].
P/1 – E a sua mãe?
R – Minha mãe não. Minha mãe é descendente de português com árabe e, por problemas na vida, ela não teve muita oportunidade, perdeu o pai muito cedo e ela acabou sendo, como era a mais velha, por ser uma das construtoras da família e ficou prejudicada
naquilo que diz respeito à academia. Não pôde participar de uma vida acadêmica e tal, e acabou se transformando, como todo bom árabe, num comerciante. Porque juntando com o meu pai que trabalhava em farmácia, ela passou a ser uma negociante da farmácia. Ela era a pessoa de atendimento e que hoje aprendeu de farmácia tanta coisa que acho que poucos farmacêuticos sabem tanto quanto ela. Então, era uma farmacêutica em potencial, assim, ou pelo menos honorária.
P/1 – Você lembra como era Belém na sua infância?
R – Eu lembro. Eu lembro. Belém era uma cidade... que, fundamentalmente, pelo menos eu olhando hoje, para aquele passado, Belém era uma cidade tipicamente portuguesa. Até hoje ela guarda essa lembrança de cidade portuguesa. Mas a época, como Belém estava sitiada, vamos dizer assim, naquela Amazônia
perdida, e que os acessos eram muito difíceis, só se ia a Belém ou de avião... ou de navio. Não existia ligação terrestre. E mesmo de avião não era uma viagem tão curta quanto hoje, né? Por mais que se fizesse um voo direto, que na época tinha que ser avião de hélice, o voo mais rápido seria Rio - Belém, o voo direto se gastava seis horas. Era quase a metade de se ir para a Europa, né? Ou era mais da metade de se ir pra Europa. Isso pra dizer que Belém era uma cidade tipicamente europeia também. Porque as ligações eram muito maiores com a Europa do que com o resto do Brasil. O paraense, naquela época, mal conhecia São Paulo. A única cidade que se conhecia bem, por ser a capital brasileira, era o Rio de Janeiro. E, por isso, o paraense vinha ao Rio de Janeiro e é
um hábito
que vinha desde aquela época até hoje. Se você vai ao Rio de Janeiro você vê que a colônia paraense é muito grande. E isso porque era a capital e o pessoal ia pra lá, para capital federal. Mas a grande maioria das pessoas, principalmente dos estudantes, que iam estudar, iam se formar, fazer universidade ou quem tinha posse para isso, iam pra Londres ou Paris ou Lisboa. Coimbra, inclusive. Porque era muito mais fácil ir para a Europa do que vir pro Rio de Janeiro ou São Paulo.
Era muito mais acessível pras famílias europeias que preponderavam mandar um filho pra Europa, que tinha mais conhecimento lá na Europa do que no Rio ou São Paulo. Então, era uma cidade pequena, logicamente, naquela ocasião acredito que Belém não tivesse mais que...100 ou 50 mil habitantes e guardava toda a ... lembrança. Hoje eu faria um paralelo entre a cidade de Porto e Belém do Pará. Eu diria que são coisas que se assemelham, que se lembram muito, os azulejos, os paralelepípedos, os bondes, enfim, toda essa estrutura que era a estrutura de Belém. E Belém guarda até hoje, pra quem quiser ir lá olhar,
hoje como coisa turística as construções europeias também, porque eram todas importadas. Ou... londrinas, ou parisienses, né? A Praça da República, que está lá, que é toda com coretos franceses, né, o mercado do Ver-o-Peso que é todo inglês, que foi todo importado pronto, só foi montado naquele local e... era uma cidade que a gente vivia uma vida realmente familiar. Então, que as pessoas se conheciam e eram muito bem educadas, todo
mundo era muito formal, né, mas guardava muito, como eu disse desde o início, as características da Europa, né?
P/1 – E você lembra das suas brincadeiras de infância?
R – Ah, nossas brincadeiras eram muito difíceis, muito mais difíceis que hoje. Mas muito mais prazerosas que hoje. Além dos esportes, que toda a criança gosta de fazer, que é jogar bola, jogar nos esportes naturais, ou empinar pipa, né, mas a característica maior é que nós construíamos o nosso brinquedo, não é? Coisa que hoje o mundo moderno não permite mais às crianças, né? Eu me lembro que no tempo que eu era criança ainda não existia o plástico, né? Esses
brinquedos de plástico não existiam. Então, a gente trabalhava ou com madeira ou com alumínio, metal em geral. E o couro. Então, na verdade, os brinquedos todos não tinham muito mecanismo. Eram brinquedos de a gente puxar. Então as crianças, na verdade, até porque o livro escolar era ... também muito europeu, então a gente aprendia trabalhos manuais em escolas, coisas que hoje ninguém sabe mais o que é isso, né? Então, a gente aprendia a trabalhar com madeira, metal, borracha, couro, então, a grande brincadeira, além dos esportes, era você fazer o seu carro, seu caminhão, seu automóvel, que você cortava na madeira compensada, pregava, fazia rodas e puxava com um barbante, com fio. A própria pipa quem construía era você. Não tinha, assim, você comprar a pipa pronta. Hoje a criança não sabe como é que faz uma pipa, né? E... então, a vida tinha esse encantamento. Que eu não diria que era apenas um encantamento. Aquilo era também um desenvolvimento das crianças, os homens da minha época, todos, com certeza absoluta, sabem fazer essas coisas, que as crianças de hoje não sabem. E essas coisas que nós aprendemos a fazer naquela época, elas nos serviram de base para entender mecanismos modernos, pra gente poder entender, inclusive a evolução das coisas, né? Mecânica... enfim, e a gente aprendia isso na escola também. Então, era muito comum a gente criar, por exemplo, de uma lata de leite em pó,
a gente fazia um carrinho que rolava, enchia assim de terra e fechava e era um carrinho que você fazia ... puxava... fazia as estradas... a gente criava muito, né, a criança não tinha televisão, eu sou de antes da televisão. Então, você não tinha nada que te prendesse a um espaço limitado. Você tinha que criar, senão você não brincava, né?. Então essas eram as nossas... além daquelas brincadeiras de criança... brincadeira de roda, pega-pega, enfim, isso tudo... não caiu de moda ainda...[risos].
P/1 – E a escola?
R – Eu sou salesiano. Eu, na minha primeira fase de estudo, fui pra escola pública, era o Grupo Escolar,
que era a melhor escola que o país poderia oferecer pra sua juventude. A escola privada, geralmente era escola de ricos que não queriam estudar. E eram poucas. A escola de quem era estudioso, caprichoso, era escola pública. Então eu tive a honra de ser aluno da escola pública. E a outra escola que se oferecia também muito boa, eram as escolas de caráter religioso, né, e eu tive a satisfação de ter feito todo o meu período pós primário, porque naquele tempo a gente dividia a escola em primário, ginásio e científico, né, depois a faculdade, vestibular, faculdade. Então, meu ginásio e científico, eu fiz na Escola Salesiana do Carmo, em Belém do Pará, na cidade velha, que até hoje tem lá uma grande igreja, do tempo da colônia dos portugueses e a gente teve uma educação típica salesiana, que é bem na linha de D. Bosco e que tem sempre a disciplina religiosa como base, né? E foi realmente uma fase de muito conhecimento, de muito aprendizado. Depois aí, eu fiz o vestibular e entrei na Universidade Federal do Pará, na Escola de Farmácia.
P/1 – Quer dizer, existia alguma… algum desejo da sua família de que você seguisse essa carreira, ou foi uma escolha natural?
R – Não… uma escolha natural. É como eu disse no início, a tendência é familiar. Meus dois irmãos são médicos. Eles optaram por medicina que eram também tendência familiar. Uma mais nova e outro mais velho. Eu sou o do meio. Sou aquele complicado que fica no meio, né? Mas eu preferi adotar, aliás, até cabe
dizer o seguinte, é gozado, né, porque a farmácia nunca foi uma profissão, assim, de elite no Brasil. Embora ela seja uma profissão de elite do ponto de vista científico, ela é vista como um ...profissional de segunda linha, é o balconista da farmácia. Aliás, hoje se confunde até com balconista de farmácia. Mas... o que acontece que, a minha escola inteira, eu estudei até com alunos, com colegas, que hoje são médicos. Todos iam fazer medicina. Quer dizer, no meu grupo do terceiro ano científico do Colégio Salesiano, que na verdade já era o preparatório para o vestibular, ninguém tinha cursinho, acabava o terceiro ano, fazia o vestibular, passava ou não passava. O preparo já era uma coisa automática, né? Todos os meus colegas da minha turma iam fazer medicina. E uma das grandes intrigas que eles tinham era: “Por que que você não vai fazer medicina? Você é um dos melhores alunos da turma! Você está preparado para passar em medicina”. E eu dizia que não era o fato de eu estar preparado, ou porque medicina era mais difícil ou menos difícil. Não é a minha vontade, né, eu quero fazer farmácia por deliberação, foi minha opção de vida acompanhar o meu avô, o meu pai, porque era aquilo que me espelhou, que eu achei que era bonito, que valia por profissão. Quer dizer, minha escolha foi de profissão, não foi de nenhum status social, nada disso. E aí eu fiz o vestibular naquele ano e passei na Universidade Federal do Pará, na Faculdade de Farmácia, e aí comecei meu curso, nesse mesmo ano e terminei o curso em 1972...
P/1 – Como é que foi esse período da faculdade… as matérias que você mais gostava, convívio com os amigos...
R – Não, foi um período muito construtivo, muito importante da minha vida. E muito marcante porque eu passei a época da minha universidade, eu vivi a época da revolução brasileira, a época que chamava-se de repressão brasileira, acho que quem mais sentiu essa repressão
foram os estudantes, não foi a população civil do Brasil. Porque a revolução brasileira ela não foi essa coisa tão...dramática que muitos dizem. Mas com certeza nas universidades a gente era um pouco fiscalizado e um pouco cerceado de muitas atividades. Eu vivi esta época, né? E pior, porque eu também tinha parente na família que tinha sido, inclusive, exilado político. Então, o meu nome Travassos é um nome meio complicado, então, a gente era até um pouco visado.
E, mas também nessa época, eu sofri um grande acidente quase vim a… morrer no fim do meu primeiro ano pro segundo ano.... que felizmente, foi num dia de Natal, eu viajava numa estrada entre Belém e Castanhal, um município do Pará, e por infelicidade minha, um carro que vinha na contramão me empurrou pra um ... abismo. Eu não tinha como sair, acabei capotando, fiquei com um trauma craniano, passei 72 horas no hospital desacordado, enfim, isso foi exatamente no ano que eu ia dar o meu primeiro trote nos meus calouros. Eu não pude, eu estava no hospital e não tive liberação para poder participar da festa.
Então, o primeiro trote que eu pude fazer foi quando eu terminei meu segundo ano de faculdade .
P/1 – Você fazia parte de alguma organização estudantil?
R – Sim, na época, em 1970, eu fui vice-presidente do Grêmio Acadêmico, participava ativamente das atividades culturais do Grêmio, e também fui, com mais outros colegas, Paulo Ledo, e outros que eu não recordo, Salim,
Norberto, fomos os responsáveis por toda a promoção da nossa formatura. Fomos responsáveis por organizar, arrecadar fundos e fazer todo o evento que foi constituído de uma série de festas das mais requintadas, graças às atividades desse grupo ter sido efetiva e termos conseguido arrecadar um fundo substancial. Conseguimos fazer uma festa de colação no Teatro da Paz, que era o teatro mais chique da cidade, com toda a pompa que era possível, com coquetel, etc., mas também fizemos festa de despedida, também num clube chique da cidade, com tudo pago pra família e ainda sobrou dinheiro. E ainda fizemos, por conta do dinheiro que sobrou, os quadros de lembrança de todos os 50 colegas e ainda deu pra pagar a taxa de inscrição no Conselho de Farmácia de todos eles. Nós fizemos uma festa e sobrou dinheiro para propiciar essas coisas pro grupo. Então, foi uma época muito cheia de.... aprendizado, né, mas de muitas amizades, na verdade de descobrimentos, né? Uma época de descobrimentos.
P/1 – Quais as matérias de que você mais gostava na faculdade?
R – Olha, eu, pelo que eu cambei na minha vida, hoje sou um farmacotécnico por excelência, e eu sempre me dediquei muito ao lado do medicamento. Aquilo que a pessoa precisa para mitigar uma dor ou para diminuir um mal, enfim… Então, eu sempre me identifiquei com as cadeiras tecnológicas. Tecnologia farmacêutica, farmacotécnica, química analítica, microbiologia industrial, enfim, sempre aquilo que...me levava a produzir alguma coisa final. Me deixava um resultado de um produto feito, de alguma coisa realizada. Mas, eu acho que todas as cadeiras, sem exceção, numa escola de farmácia, que é extremamente diversificada, difícil até pra gente dizer que conhece farmácia por ter tantos ramos, né, a gente vai desde a matemática, física até a microbiologia industrial, e... passando pela farmacologia, fisiologia, anatomia. Então, muito difícil dizer que você vai saber todas, então, você acaba sempre tendendo para um segmento. E meu segmento foi medicamento e eu sempre gostei dessa área tecnológica. A tecnologia, a farmacotécnica, né?
P/1
– E nesse período o seu pai continuava com a farmácia?
R – Sim, até hoje. Numa hora dessa ele está lá, trabalhando, com os pacientes dele....
P/1 – E aí quando você acabou a faculdade...
R – Pois é. Quando acabei a faculdade, no final do último ano eu já tinha conseguido este estágio de especialização aqui na Universidade de São Paulo, com uma bolsa que eu obtive na antiga Capes [Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior], não sei nem se Capes ainda existe. Mas obtive essa bolsa pra fazer esse curso de um ano, em que eu tive o prazer, a satisfação de conhecer pessoas maravilhosas, dentre as quais o meu orientador, o meu mestre, que foi o professor João Magalhães, né, que era o chefe da disciplina de Controle de Qualidade da Faculdade de Farmácia da USP [Universidade de São Paulo].
E com ele eu comecei a me inteirar realmente da área da indústria farmacêutica, no que diz respeito à parte de controle, à parte analítica.
P/1 –O que é que faz isso exatamente, o que é Controle de Qualidade?
R – Controle de Qualidade, que hoje se fala como garantia de qualidade, quer dizer… você procura através desse estudo ou desse trabalho, dessa atividade, garantir que um determinado medicamento preencha os requisitos nominais que você disse que ele tem. Ou seja, se eu digo que esse comprimido de Dipirona tem 500 miligramas de Dipirona, através disso eu confirmo, que o que eu fiz é aquilo que eu estou dizendo. Não só na quantidade, como na qualidade. Quer dizer que esse produto fundamentalmente esteja também disponível organicamente, né, não basta eu dizer que tem e o produto não estaria disponível, né? Então, neste estudo ele vai exatamente, com métodos analíticos, buscar maneiras de afiançar e garantir que uma coisa feita lá na linha de produção, isso fazendo logicamente um processo de acompanhamento da produção, e tudo no final digo assim: “Não, o meu produto que eu fiz aqui nessa linha hoje, com o lote tal, número tal, está ok, eu posso liberar para consumo porque ele está dentro do que eu nominalmente disse que ele é”.
P/1 – Mas aí essa atuação seria dentro da indústria farmacêutica, né?
R – Não só. No hospital também. Hoje eu trabalho aqui no Hospital das Clínicas e nós fazemos a mesma coisa. Porque, por horas e por vezes nós temos que também confirmar se um produto que eu adquiri de alguma indústria é confiável suficiente...
P/1 – Por que na indústria você faz isso lá dentro do laboratório?
R -Pra fazer o produto, tudo bem.
E aqui você faz quem sabe na recepção, quer dizer, fazendo uma qualificação do seu fornecedor. Mas também, se for um hospital como o Hospital das Clínicas, né, fazendo na produção porque também nós produzimos no hospital. Todo hospital deve ter produção farmacotécnica. Todo.
P/1 – Aqui é feito, no HC [Hospital das Clínicas]?
R – Aqui é feito também.
P/1 – Mas ele é feito, é... são produtos similares aos que existem no mercado... ou próprios?
R – Não, não obrigatoriamente. Nós temos na verdade, nós somos uma escola que na verdade desenvolve produtos para fins de estudo e pesquisa, que por vezes são produtos que se consagram no uso, ficam importantes e acabam ficando produtos de rotina que, por vezes, nem fabricados no mercado são.
P/1- Quais produtos?
R – Olha, eu tenho produtos que foram desenvolvidos aqui que hoje até a indústria acompanha, copia, mas que começou aqui. Por exemplo, o ___________ de Sódio, que é um grande hipotensor... que vem desde os anos 70 que se faz, fim de 70, e a indústria começou a fazer no Brasil nos meados dos anos 80. Mas ele começou a ser fabricado aqui porque precisava ter um hipotensor dessas natureza, né? Por exemplo, o Brasil não fabrica
noradrenalina. Nós hoje fazemos noradrenalina e vendemos para o Brasil inteiro. Aqui do hospital. E só foi possível aí, lembrando bem da história,
fazer o primeiro transplante cardíaco brasileiro, que foi o saudoso professor Zerbini que fez, no famoso João Boiadeiro, né? Pois é! No João Boiadeiro foi feito um transplante aqui que foi graças ao professor Cimino, que nessa época era o chefe aqui e que desenvolveu todas as drogas cardio vasoativas importantes para o processo cirúrgico. Se ele não tivesse feito, não teria as substâncias, provavelmente o professor Zerbini não teria feito a cirurgia e não teria tido a experiência tão valiosa que foi o transplante. E, até hoje, as cirurgias cardíacas feitas aqui no Instituto do Coração, que é do Complexo HC, todas as drogas vasoativas usadas lá, inclusive as soluções
de cardioplegia, que é a que faz parar o coração pra poder fazer a cirurgia, são feitas aqui na farmácia, certo? E para isso, a gente tem que garantir que essa solução está dentro de um padrão 100%, se não o coração não pára ou não volta a bater, né, são coisas muito importantes. E o Controle de Qualidade, quer dizer, a metodologia analítica de qualidade, é que nos afiança que aquele método foi bom, foi bem feito e que o produto reflete aquele método. É aquilo. E é uma ciência importante e muito refinada. Não é?
P/1 – E aí nesse curso que você fez quando veio
de Belém com a bolsa da Capes, foi aí que você entrou direto pra área de Controle de Qualidade?
R – É... na verdade, foi aí que me aproximei...
P/1 – Que é que você estudou naquela época?
R – Olha, eu, além de ter feito uma reciclagem em uma série de cadeiras que eu precisava aprimorar mais, e também em algumas que na minha escola de origem eu não tinha tido oportunidade porque não existia no currículo, eu tive que fazer aqui na USP, tipo tecnologia farmacêutica, cosmetologia, as mulheres não sabem que esse ramo é do farmacêutico, né, o batom, o rímel, o rouge, a sombra, né, e eu tive que reciclar analítica 1, analítica 2, né, para poder realmente acompanhar o programa prático de Controle de Qualidade. Mas também por ocasião desse curso é que eu tive a oportunidade de conhecer meu antigo mestre aqui do hospital, o professor Cimino que foi quem me ofereceu na época o meu primeiro estágio
aqui nos idos de 72. E eu fiquei aqui uns 8 meses com ele aprendendo um pouco da tecnologia farmacêutica que era uma das deficiências que eu tinha curricular.
P/1 – Aí, depois do estágio...
R – Bem, depois do estágio, como um bom bolsista da Capes, eu tinha que voltar pra minha faculdade de origem como a gente gosta de cumprir com a parte da gente, a gente voltou pro Pará para tentar cumprir a parte que me cabia que era voltar para faculdade de origem para prestar serviço por pelo menos dois anos na Universidade do Pará. Mas a Universidade do Pará não tinha, naquela ocasião, uma cadeira de Controle de Qualidade. E,
por mais que eu tentasse encaixar ela em qualquer lugar, não foi possível. Então, eu pedi que a faculdade me liberasse do meu compromisso porque eu não queria perder aquilo que eu tinha aprendido e queria trabalhar nessa
área. Nesse tempo eu trabalhei na única indústria
farmacêutica na Amazônia, que foi a (Elbifan?), foi uma experiência curta, foi quem sabe mais um período pra não deixar que a prática se perdesse, né? E eu consegui ficar lá uns oito meses, em que eu fui auxiliar, montar e criar um pouco do sistema de qualidade na indústria que era especializada em soluções injetáveis em grandes volumes.
P/1 – Que soluções eram essas...
(Fim do Lado A - fita 1)
(Início do Lado B - fita 1)
R – É o que a gente chama leigamente de soro. Aquela água que a gente pinga na veia do cidadão, durante muito tempo quando ele fica na cama, até ele arribar. Mas isso foi um curto tempo e eu voltei pra São Paulo. E foi quando eu comecei a ...atuar no Hospital Leão XIII, mas nessa ocasião também teve um concurso de farmacêutico aqui no Hospital das Clínicas e aí eu prestei, fui aprovado e resolvi também vir trabalhar aqui.
P/1 – Que produtos se falava nessa época? Quais foram os produtos que revolucionaram, entre aspas, a indústria farmacêutica que estavam entrando...no começo da sua carreira?
R – Existiam vários, né? O que mais estava em voga, pelo menos na área dos produtos antimicrobianos que são normalmente produtos muito badalados, né....(interrupção).
Então, veja bem, sempre são os medicamentos que sempre são muito evidenciados, muito ativos, que atuam nas infecções graves... Então, naquela ocasião, tínhamos acabado do advento do cloranfenicol, das sulfas, etc., e nós entrávamos, com certo vigor, nas penicilinas semissintéticas, né? As ampicilinas... né, que eram.
P/1 - Você lembra dos laboratórios?
R - Os laboratórios tradicionalmente são os mesmos. Eu acho que dos anos 70 pra cá, quem era tradicional continua tradicional, quem era ético continua ético, quem era líder continua líder. Não mudou muito isso aí. Se nós formos lembrar aqui rapidamente, por exemplo, algumas empresas até já saíram do Brasil e já voltaram. E já estão de novo aí, do mesmo jeito. Então, você tinha Bayer, Rhodia UpJohn, Schering, Fontoura, né, enfim, as empresas que estão aí hoje, algumas como eu disse a UpJohn que já foi e já voltou.
P/1 – Fez a fusão com a Rhodia...
R – A fusão com a Rhodia...né, Parke-Davis, que já foi e já está de volta, então, essas são as empresas que continuam. A antiga Sandoz, que hoje é Novartis, né, que era também Ciba Geigy, juntou tudo mas são as mesmas empresas que mudaram de nome.
P/1 – Aí você falou que entrou aqui como farmacêutico.
R – Entrei como farmacêutico, eu fiz esse concurso, passei em primeiro lugar, tive assim isso como uma grande motivação da minha vida profissional, porque vindo de onde eu vinha, chegar nessa instituição que era e continua sendo até hoje a maior instituição hospitalar da América Latina, com um nível de professorado dos mais exigentes desse país, com um nível de disciplina também dos mais exigentes, você chegar aqui, passar em primeiro lugar, com nota 9.6, uma prova dirigida pelo professor Cimino, que era um dos maiores expoentes da farmácia brasileira, ou se não diria, para mim foi um orgulho enorme. Então, pra mim aquilo me motivou a alargar um pouco a indústria que era o meu... que eu tinha elegido como minha atividade e comecei a estudar e a trabalhar em hospital. Fazer farmácia hospitalar. E estou aqui até hoje. Estou aqui desde 75.
P/1 – Como é que se estrutura aqui esse Departamento de Controle de Qualidade.
R – Não, não.
P/1 – Lá você fazia o que?
R – De onde eu vim para o hospital, eu vim pra área de produção. Eu vim fazer os medicamentos daqui. Porque aqui no Hospital das Clínicas a gente faz 50% de tudo o que a gente gasta aqui no hospital. Feito aqui mesmo. E eu era um peão nessa obra, vai. Eu vim trabalhar como farmacêutico na linha de produção, no desenvolvimento das fórmulas, no preparo, etc., que é a atividade farmacêutica de produção. Isso eu fiz durante algum tempo, até que eu fui, por esse professor Cimino, guindado à posição de diretor desse Departamento de Produção dentro da Divisão de Farmácia, que é a estrutura da farmácia. É uma divisão que tem na verdade três grandes serviços, que é o Serviço de Produção, o do Controle de Qualidade e Garantia de Qualidade, e o da área de Atenção Direta ao Paciente. Que é a área de atendimento, tanto ambulatorial como paciente internado, de informação e etc...
P/1 – O que é que o medicamento faz no paciente?
R – O que faz, o que é que tem que dar pra ele, quando tem que chegar, porque não chegou, se faltou o que que eu posso fazer, substituir, né, conversa com o médico, troca informações sobre o doente, olha, este produto está faltando, tem esse outro que pode ser aplicado, esse produto não é bom pra esse doente que ele está causando uma reação adversa... Então, esses são os três braços da Divisão de Farmácia. E que se estende a todos os institutos. Quer dizer, Instituto do Coração, Instituto da Criança, Instituto de Psiquiatria, Ortopedia, enfim...
P/1 – Centraliza aqui?
R – Não, não. Essa farmácia está com a suas casa matriz aqui, vamos dizer assim, e em cada lugar desses tem uma filial da farmácia, que tem colegas farmacêuticos da equipe cuidando, naquele lugar, dos doentes, no aspecto da terceira parte que eu falei, da atenção ao paciente. Que a produção e o controle é só aqui centralmente, tá? E aí, nessa ocasião eu fui o diretor desta Central de Preparação. E depois... ele me escolheu pra ser substituto dele, porque aqui dentro da estrutura
de regulamento do hospital, nós temos para cada posto de trabalho, nós temos que ter um substituto, para eventuais impedimentos, né? Então normalmente a gente escolhe dois. O primeiro e o segundo substitutos. Em caso de morte, doença, viagem, férias... isso já está
estruturado. Eu, hoje, tenho o meu substituto primeiro,
que é o dr. Haroldo de Oliveira Barbosa. Então, se eu saio daqui por qualquer motivo, não preciso nem avisar. Ele já assume automaticamente o meu lugar. Isso faz parte da estrutura organizacional da nossa Instituição. Então, nos idos de...78, ele me escolheu, pelo que eu saiba, me escolheu até numa auscultação aos outros colegas. Ele auscultou os colegas e resolveu escolher a mim como o seu primeiro substituto. E, infelizmente pra todos nós, ele, por volta de 79, ele já em 78 adoeceu, e em 79 ficou muito mal, e eu fui obrigado a acumular a função que eu tinha
de diretor e também a dele. Desempenhar o papel do diretor da Divisão. Em 80 ele faleceu, eu fiquei interinamente por uns quatro meses aqui, respondendo pela Divisão e, após esse tempo, eu fui confirmado diretor da Divisão.
P/1 – E aí essa Divisão na verdade, além de todo aquele braço que você já fazia, ela incorpora também a compra dos outros 50% dos medicamentos que não eram produzidos aqui.
R – Tudo. Tudo. Tudo. A Divisão ela faz tudo o que diz respeito a medicamentos. Ela adquire, armazena, seja adquirir o produto acabado do mercado, seja adquirir matéria
prima, materiais de embalagem para preparar e disponibilizar, ela produz, prepara, controla...
P/1 – Controla o interno e o que vem de fora.
R - Que vem de fora. Controla, o objetivo é ter uma boa assistência farmacêutica. Não importa de onde vem. Importa que o nosso cliente tenha no medicamento, realmente, um remédio e não um veneno.
P/1 – Como é feita a compra desse medicamento. Que não é produzido aqui.
R – Olha, o Estado... tudo é comprado dentro da mesma ótica. Tanto os insumos que se compra para produção como o... né? O Estado é regido por uma lei. O Estado brasileiro, seja ele federal, estadual ou municipal, existe uma lei nacional que orienta e rege as licitações públicas, as compras públicas. Isso vale para todo o mundo. Vale pro medicamento do hospital, vale para luva cirúrgica, vale para comprar o alimento para alimentar os doentes. A lei é a mesma, tá? E assim, sumariamente, sinteticamente, ela é uma... expressão de um cronograma de atividade que você faz e cumpre, uma espécie de... ela cumpre um roteiro que permite que ao final, a gente tenha uma decisão sobre o quê, quanto e de quem vai se comprar. Quer dizer, dentro do Hospital das Clínicas a gente cumpre, ipsis litteris a legislação. Até porque não poderia ser diferente. E o que que se processa também sumariamente. A farmácia do hospital é incumbida por discutir, junto à Comissão de Farmacologia, o que que se deve ter no hospital para atender a clientela. Discutido isso...
P/1 - Discutido em que setores?
R – Não, isso é uma comissão ligada diretamente à diretoria clínica, que discute qual é o elenco de medicamentos que é importante pro hospital. Porque nem tudo é importante. E nem são todos os produtos
que comercializados que você tem que ter no hospital. Até porque centenas deles são similares entre si. Então, a gente escolhe sem que haja duplicidade de produtos. Tem que ter um de cada coisa. Ou seja, isso que se está falando com tanto ibope no Brasil do genérico, nós já praticamos isso aqui há 50 anos. Nós adotamos a
terminologia e o conceito do produto
genérico
Quando nós dizemos que no nosso elenco de medicamentos é pra se usar ampicilina, o nome que se usa é ampicilina, e não o nome comercial do laboratório A, B ou C. Está claro? Então, essa decisão é tomada em nível de diretoria clínica. A partir daí, a farmácia então gerencia todo esse processo. Então, dita o que é pra ter. A gente estabelece junto aos usuários o quanto precisa. A partir daí nós especificamos isso, dentro do nosso sistema de informação. E a partir daí nós fazemos cumprir todo o trâmite da lei. Que é você abrir uma concorrência pública, em caráter sigiloso no que diz respeito a preço, você divulga isso a nível do mercado, via Diário Oficial, via um papel que fica lá no Departamento de Compras que todo o mundo tem acesso, vai lá… “O que é que estão comprando? Ah, estão comprando isso. Me interessa. Qual é o processo?”. Então, você que é o fornecedor e todos os fornecedores que estão cadastrados no hospital e que preenchem todos os requisitos para isso, podem livremente participar da concorrência, desde que preencham aquela especificação. A especificação é, ampicilina, 500 miligramos, cápsula, não é? Revestida, ou não, ampola, intramuscular.... Enfim, isso é toda a
especificação técnica, tá, bem clara e bem evidenciada também no processo em que o candidato a fornecer têm acesso. Então ele oferece a marca A, B ou C. Então, a farmácia tem mais uma vez a incumbência de julgar estas propostas no que diz respeito à compatibilizar o que foi proposto do que realmente se quer. Por vezes, é preciso fazer análise microbiológica, análise físico química, para poder dirimir alguma dúvida.
P/1 – E, às vezes, vem algum tipo de medicamento, vamos supor, laboratório X, ganhou a concorrência, faz o fornecimento… e passa pelo Controle de Qualidade.... e não aprova.
R – Tem, acontece. Mas a gente tem um cuidado de não acontecer isso que você falou. A gente normalmente tem o cuidado de quando está fazendo este julgamento, tem dúvida de algum fornecedor, a gente já pede uma amostra e processa uma análise pra ver se aquilo preenche a minha expectativa de...
P/1 – O processo, no o próprio processo de licitação.
R – Agora, quando acontece o inverso. Ou seja, eu já comprei, não deu pra fazer, ou descuidei e não fiz, e acontece que o produto está dando resposta negativa, não está correspondendo. A gente bloqueia o produto, cancela, devolve ao fabricante, é ressarcido dos prejuízos, tá, o que importa é você fazer a farmacovigilância desse processo.
P/1 – Dentro dessa....coisa que a gente está falando, surge me uma questão assim: existe algum programa de qualidade que o Hospital das Clínicas faz junto com o laboratório, do tipo, algum programa de parceria? Você precisa de um medicamento X e tal laboratório vai te fornecer, já, porque não sei o que, passou nas especificações, e o farmacêutico daqui vai na linha de produção de lá acompanhar a feitura disso, troca experiências, existe algum...
R – Não. Dentro do que você está colocando exatamente, não. Mas o que existe, em termos de qualidade, é o que a gente chama de qualificação do fornecedor. Então, é frequente a nossa equipe sair pra visitar uma determinada fábrica que a gente não conhece... Por exemplo, alguém se oferece a fornecer um produto que eu nunca vi. E, não é por desconfiança, mas eu nunca vi, não tenho experiência nenhuma com ele. Então, um dos primeiros momentos da qualidade é dizer, “Será que esse laboratório, que se oferece novo, que eu não conheço, ele atende às exigências de qualidade, às boas práticas…”. Então, mando uma equipe lá, que passa o dia lá dentro, vendo como é que aquele laboratório funciona, como é que ele faz, quais são os controles que ele exerce, qual é o fluxo de trabalho, como o pessoal se veste, se comporta, que matérias primas ele usa, e, por vezes, a gente tem surpresas desagradáveis e também surpresas muito boas. Às vezes, a gente parte do princípio que o laboratório não é bom, você vai lá e ele é ótimo.
P/ 1 – E os grandes laboratórios...
R – Veja bem. Os grandes laboratórios eles têm uma tradição e a gente confia muito nessa tradição, nessa respeitabilidade que essas empresas têm. Até porque, veja bem, a nossa força de trabalho não é suficientemente grande para dizer que está visitando todo o mundo a todo o tempo. Porque nós temos hoje no Brasil mais de uma centena de empresas farmacêuticas. Imagine se a gente tivesse que visitar isso tudo, teríamos que ter uma equipe permanente. E não tenho. Então, o que acontece? Você normalmente vai à busca daqueles que você tem mais preocupação porque não conhece... Onde você tem mais respeitabilidade e tem mais experiência, inclusive porque você está usando todo o dia o produto de uma empresa de porte, de nome, e você sabe que está bem. Então, não é que você não vá lá. Mas essa freqüência é diferente. Normalmente se faz a visita a essas grandes indústrias quando ela modifica alguma coisas. Mudou um plano de amostra, mudou uma área de produção, nas mudanças de... às vezes, a planta física de uma empresa sofre uma modificação, né, então a gente, às vezes, vai ver essa mudança, entendeu? Então, é uma coisa que é mais distanciada, não é tão próximo quanto uma empresa que eu não tenho uma tradição com ela.
P/1 – Entendi. Mas... esse contato, via licitação, que o Hospital das Clínicas mantém com outros laboratórios, existe a presença dos chamados propagandistas aqui no hospital?
R – Sim... nós temos aqui um programa todo montado, com freqüência, com credenciamento de empresas e pessoas que fazem a propaganda do laboratório. Primeiro, o laboratório tem que ser cadastrado no hospital. Segundo, se esse laboratório tem interesse em trazer um propagandista, ele tem direito até no máximo três, por laboratório. Ele não pode mandar quantas pessoas ele quer. E essas pessoas são credenciadas pelo laboratório e registradas e
autorizadas
no hospital. Então, ele tem um acesso, tem um crachá do hospital, tem uma personalidade aqui dentro, tá? E ele tem o acesso também limitado. Ele entra nos lugares que estão pra eles delimitados para participar da propaganda.
P/1 – Quais são esses lugares?
R – Os lugares, aqui, livres são todos restritos aqui no prédio dos ambulatórios, né? Agora, ele também pode ir a outros lugares...
P/1 – De todas essas áreas, ginecologia...
R – Todas. No ambulatório. Agora, “Ele pode participar de outras atividades? Sim, ele pode”,
desde que esteja autorizado. Vejamos um exemplo. Uma pessoa da Rhodia Farma está aqui, faz um trabalho aqui no laboratório regularmente, ele vem, entra, sai, mas ele, hoje ou amanhã precisa ou quer participar, já pediu pro professor,
já foi autorizado ele participar da reunião clínica daquela clínica que é no outro prédio. Então, ele providencia, junto ao relações públicas do hospital, eles precisam dar uma autorização pra ele passar pro outro prédio e participar daquele horário, daquele evento lá. Ele quer, por exemplo, falar com o professor. O professor, às vezes, não está muito à vontade para ele encontrar no ambulatório. Mas ele quer falar com o professor. Então, ele telefona ou pede pra o relações públicas agendar uma hora pra ele com o professor. Aí, então, o relações públicas agenda, e: “Professor, o sr. pode atender o laboratório tal?”. Aí, ele marca o dia e a hora e a pessoa vai lá e tal. Da mesma maneira que a gente cuida de toda parte de amostra grátis. As amostras grátis que o laboratório manda pro hospital vêm todas pra farmácia. Não são entregues pro médico, pro doente, não. É para a farmácia. E a farmácia faz o controle e também a dispensação desse medicamento para o paciente.
P/1 – E, dentro disso, quer dizer, se é feito, eu gostaria de entender como se casam essas duas coisas. O propagandista com o processo de licitação. Porque, quando você faz um processo de licitação, quer dizer, o que que a propaganda médica pode estar influenciando...
R – A propaganda médica é o _______
P/1 – Existe uma coisa assim, que você precisa que não passe pela licitação.________?
R – Não. Não não existe. Tudo passa pela licitação. Não importa de que maneira, que modalidade, mas todos têm que cumprir a lei.
P/1 – Mesmo que só exista ________?
R – Mesmo que só existe aquele e você compra por exclusividade. Mas tem um processo de compra que atende a lei.
P/1 – Entendi. E que maneira...
R – Mas, nada é fora desse visual. A lei vê todo esse processo. Entendeu?
P/1 – Mas de que maneira você acha que o trabalho do propagandista, já que ele é feito por licitação, depende de tomada de preço, ele pode estar... enfim, de alguma maneira fazendo com que determinado produto entre no mercado...
R – Não, ele é importante porque, o propagandista, é que é o vetor, o porta-voz do laboratório. Não existe outra maneira, em medicamento, de você falar com o médico e dizer pra ele o que está se passando. Aliás, eu vou além. Medicamento é uma coisa gozada, as pessoas não atentam para isso. Mas o remédio, medicamento, quem sabe é a única mercadoria que é vendido por vias indiretas. Não é vendido por via direta, está certo? Então, a figura do propagandista é importante, desde que ele seja um bom propagandista. Uma pessoa que entenda pra dizer o que que é aquilo, pra que serve, como funciona, e tentar formar e despertar no médico o interesse de usar e tal, se não ele não vende, filha. Porque medicamento é diferente. Medicamento você não escolhe na vitrine, você não compra pela televisão, exceto algumas... maluquices que tem aqui no Brasil, né?
Porque em outros países nem é possível, não tem nada na televisão. Então você, por mais que você queira escolher um remédio pela caixinha e por mais bonita que ela seja, você não é a pessoa certa pra escolher, né? Então, é como eu disse: medicamento é o
único produto que se vende por vias indiretas. Ou seja, o remédio é pra você, mas eu tenho que vender para o médico prescrever pra você.
P/1 – Mas então deixa eu entender. O propagandista, aqui dentro do Hospital das Clínicas, ele tem a função de fazer com que o médico prescreva...
R – É promotor...
P/1 - Mas isso não influencia na compra do hospital.
R – Não, não...porque ele vai...
P/1 - Mas o médico...
eu venho aqui me tratar, por exemplo, não necessariamente eu vá ganhar o medicamento do hospital. Eu vou comprar o medicamento que o médico daqui
for me prescrever...
R – Veja bem. Em tese, neste hospital, você vai receber o remédio aqui. Mas isso é uma situação de exceção. Na maioria dos casos acontece o que você falou. O médico prescreve aqui e você vai comprar o remédio noutro lugar, certo? Então, ele vai prescrever aquilo que ele ouviu como bom ou que ele vai ganhando experiência. E como é que acontece isso? Acontece ele contatando com esse pessoal que representa o laboratório. Mas também esse camarada pode responder por uma venda pro hospital, porque, na hora que ele está fazendo a imagem do produto ...
P/1_____________________ ?
R- É....na hora que ele está fazendo a imagem do produto, que está fazendo o médico se interessar pelo produto, e está fazendo o médico prescrever o produto, o médico também começa a gostar do produto e quer ele dentro do hospital. E o que acontece? Ele pede aquele produto pro hospital. Aí, vai pra aquele comitê que eu falei ainda agora. O comitê
de repente diz “ Não, está certo, esse pedido é válido, um produto importante”, e padroniza no hospital. Então, ele, de uma maneira indireta, padronizou o produto. E nessa hora ele criou um canal de vendas daquele produto para o hospital. Então, ele é importante nisso também.
P/1 – Existe, é assim visível a diferença de propagandistas do nível de informação dos laboratórios?
R – Ah, sim, sim. Eu diria que sim. Existem empresas que se preocupam mais com a qualidade da pessoa que eles escolhem como sua imagem. Eu diria que eles têm... tem laboratórios inclusive hoje, que voltam a uma prática antiga que é a prática de se ter como propagandista, como... eu não chamaria de propagandista nesse sentido de propaganda mas esse visitador, essa pessoa de contato... tem se procurado buscar, inclusive, pessoal da área, formado
para fazer esse contato. Coisa que há dez anos atrás tinha sido reduzida a um lugar mínimo.
Qualquer menino que pegasse uma pasta,
soubesse ler e escrever, era propagandista. Veja que isso é um negócio meio complicado, porque esse cidadão vai contatar com médicos, farmacêuticos, pessoas que têm uma formação, e ele não sabe nem falar sobre o remédio que queria vender.
No passado, as grandes empresas como a Rhodia, a Roche, esse pessoal, usavam na verdade como propagandista, o farmacêutico. Aliás, eu tenho uma lembrança histórica, que o meu ex-diretor, professor Cimino que foi o precursor de tudo isso, foi propagandista da Rhodia Farma...
P/1 – Foi.
R – E isso era uma verdade. Algumas empresas faziam isso, era condição sine qua non, pra você ser o homem que vai representar a empresa, que vai falar com o médico, tem que ser também um profissional de nível. E isso depois de um tempo foi... desmontou, acabou. E hoje, gradualmente, isso tem voltado um pouco. Não é uma instituição, não é uma obrigação, mas a gente vê algumas empresas com essa preocupação. É muito comum hoje, você encontrar algumas empresas que têm pelo menos um profissional formado na área de farmácia para exercer chefia de propaganda, é um líder no meio ou pelo menos acompanha para orientar. Tem outras empresas que têm só profissionais farmacêuticos. Isso é muito importante, chamo a atenção nisso porque, esse indivíduo ele é a imagem da empresa na rua. Se você me põe numa empresa, por melhor que ela seja, põe uma pessoa mal educada, grossa, sem conhecimento, sem...você está jogando no lixo a marca da sua empresa. Se você põe um incompetente, quem estiver falando com aquela pessoa vai ter a imagem direta, ele vai extrapolar essa imagem direta e imediata para empresa. Pôxa, se me põe esse cara
que é incompetente, imagine o que deve ser lá dentro. Isso é automático, é humano. Então, hoje a gente nota que... mas há muita diferença entre empresas, né? Tem empresas que continuam não se preocupando com isso e basta se ter uma faccia bonita, tá bom. Muito comum, por exemplo, pegar uma propagandista feminina, moça bonita, boa apresentação... pronto, já basta. Não é verdade. Até é interessante a beleza, uma coisa agradável, sem dúvida, mas numa coisa técnica precisa aliar as duas coisas, né?
P/1 – E a diferença de material gráfico, por exemplo, apresentação, literatura...como que é entregue...(barulhos) _________
R – Não, não pode, porque não faria o efeito desse material gráfico. O material gráfico na área de medicamento, _________
P/1 – Mas eu digo assim a literatura...a beleza da...
(Fim do lado B - da Fita 1)
(Início do Lado A - da Fita 2)
R – É, mas... é o que eu ia falar. Material gráfico, na área de medicamentos, não pode ser medido pela beleza única e simples, estética, né? Ela tem que ser aliada com o que lhe contém. Mas isso tudo também é muito válido na medida em que alguém saiba apresentar, certo? Não adianta você jogar aqui um monte de papel na minha mesa que eu nem leio.
P/1 – _______ [ruídos] Ele pode ir nos ambulatórios ou tem que passar por você a literatura...
R – Ele põe onde quiser. O problema é saber endereçar. Quem é quem no processo,né? Se ele quer
atingir um médico, ele tem que ir lá e fazer com que o médico no mínimo dê atenção a ele para olhar aquilo ali. Porque se ele jogar na mesa, o médico depois olha assim... e joga no lixo. Porque o bombardeio disso é muito grande. Não dá pra gente... Eu diria até que é muito inteligente, que quem vá apresentar, de repente já traga até os pontos estratégicos que interessam àquele especialista, apontando até se for o caso, se tiver tempo, já adiantar o que é que tem ali. Que aí ele vai despertar a curiosidade, para que ele leia um pouco mais. Sob pena, de ele achar que o produto apresentado é igual a todos os outros, “Tá bom, já sei..
não preciso nem ler esse troço”.
P/1 – A Rhodia, em algum momento, teve algum papel especial aqui, ou algum medicamento dela… em algum setor, desde o tempo que você está aqui... teve alguma coisa, alguma pesquisa...
R – A Rhodia Farma é uma empresa tradicional, uma empresa de renome internacional, uma empresa que vem originária de um país de alta tecnologia e é uma empresa que eu diria que não...eu diria que sempre, constantemente, ela está na linha de frente da pesquisa. Eu não saberia de repente relembrar, nesses últimos 25 anos, quanta coisa de repente, a Rhodia Farma ofereceu de novo, de moderno, de atual, para o benefício da saúde da população. Mas, com certeza absoluta, por exemplo, na área neurológica, a Rhodia Farma sempre se despontou como uma empresa de pesquisa de produtos, de fundamental importância na aplicação de neuropatologias, né? Até mesmo nas áreas de doenças tropicais, tipo _______
micoses, essas coisas. Ela também desde meados da década de 70, já ela era a única empresa que oferecia alguns produtos específicos destinados às doenças tropicais, né? Nos anos 80, 90, também. A gente recorda de coisas importantes, por exemplo, existe um produto da Rhodia Farma, que é o ___________ injetável, que foi uma revolução na época no combate às infecções de anaeróbios, né, que são microrganismos de alta virulência, de alta periculosidade a nível de infecção hospitalar, com grande índice de óbitos em pacientes infectados, e que isso foi um avanço, uma contribuição muito grande no combate
dessas situações de patologia. E hoje ela continua, quer dizer, a gente tem sempre notícias, as heparinas de alto peso molecular, de baixo peso molecular, você tem...
P/1 - ____________________________ trombose venosa profunda,
R – É... você tem trombose venosa
profunda, são coisas que são de ponta, atuais e são sempre, tem até mesmo na área de cancerologia, o _____________, na verdade, as empresas desse porte, desse gabarito, elas estão sempre, a cada ano, a cada década, elas estão apresentando produtos que se consagram, que passam décadas em evidência. Vou dar um exemplo da Rhodia Farma que é o Gardenal. Quantas décadas a gente ouve falar em Gardenal, né? É um produto que veio de uma pesquisa que começou, que se mostrou útil, continua útil e não perdeu o lugar. Porque remédio também, até, tem moda. Mas, não é uma coisa que se comporta muito dentro da moda, né?
P/1 – Até tem moda? O que isso significa?
R – Olha, até tem moda eu digo pelo seguinte: porque quando uma empresa desenvolve uma molécula, e ela joga normalmente, na hora que lança o produto no mercado, ela joga com grande força de marketing. E isso faz com que muitos médicos passem a pensar naquilo em primeira opção e esqueça, às vezes, uma opção que ele já tinha. Então, vira moda, virou moda usar tal coisa. E como em
tantas atividades humanas, têm modas que ficam e modas que passam, né? Aquilo que é bom, a moda que fica. Aquilo que não era muito... era mais uma propaganda ou até a pesquisa que não tinha sido muito aprofundada, não tinha realmente se chegado a um consenso amplo, a uma amostragem maior, é a moda que se mostra. Porque na hora que você lança o produto, na medida que você tem uma amostragem maior de pacientes usando, aí os problemas também aparecem com muito mais evidência. Então, essa é a moda que passa. Quantas vezes vocês já viram isso aí?
Mesmo vocês, sendo leigas na área, já viram coisas que foram tiradas correndo do mercado porque deu problema, hmm? Quanta gente já morreu na hora que se lançou um produto da moda. Ou seja, um produto novo. Quanta gente já morreu porque o produto se mostrou não muito… inócuo como os testes laboratoriais mostraram para aquele nível de amostragem mas, numa
amostragem maior, mostrou-se com problemas. Não sei se você se recorda, há alguns anos atrás, o Tylenol , medicamento absolutamente consagrado hoje, mas nos Estados Unidos por causa de falsificação ou de erro, não sei bem como foi aquilo, morreu gente. Tem coisas assim. Tem outras que se acabam por si só. Porque ela é lançada com uma finalidade, que muita gente deposita muita esperança e depois que se vê que não funciona bem... Então, morre. Assim como tem aquelas coisas, que começam sendo lançadas para uma finalidade e depois, na verdade, tem uma contraindicação que é mais importante do que a sua indicação principal. Vou dar uma lembrada pra vocês. Não sei se vocês se lembram de um produto que teve aqui um famoso ______, que quando foi lançado
Cytotec, foi o maior ... foi um lançamento de um produto assim, como uma revolução no tratamento da úlcera péptica, né? Era o grande produto para úlcera. Eu acho que só foi usado para úlcera por poucos meses. Que logo depois se descobriu que ele era um abortivo, como contraindicação. E aconteceu que ele passou a ser usado mais como abortivo do que como... E hoje é um produto altamente controlado no Brasil, exatamente pela característica abortiva que ele tem. Então, isso pra dizer da moda. A moda, é isso. É o lançamento. Como toda a moda. Não tem a moda do vestuário, Paris que é a grande vitrine da moda. E no outono, será que ela está de novo? Não está mais, ninguém quer mais. Mas aí também tem a moda que volta, né? Mas não no remédio, porque se não der certo não volta, né?
Então também existe um modismo no medicamento, embora ele tenha uma característica diferente. O modismo do medicamento pra gente, é claro. É um modismo que tem uma característica diferente na sua duração. Vou dar exemplo. A aspirina, quer dizer, o ácido acetil salicílico é moda há 100 anos. E, gozado, cada vez que o tempo passa, o ácido acetil salicílico apresenta mais um benefício, mais uma aplicação de interesse médico. Então, a moda tradicional, chamaríamos de fraque. Vou tomar um fraque, uma aspirina [risos]. Pronto, [risos] está certo?
P/1 – E como é o seu cotidiano de trabalho, aqui...
R –Uma maravilha... Vocês vão sair daqui e ainda eu tenho que assinar esse bando de papel para não atrasar as licitações, contratos, técnicas, contatos de aula, aula, preparação de aula, preparação de palestra, é você... Enfim, estudar literatura de medicamento para saber se aquilo é bom, se não é bom, né? É cuidar de toda a área de atendimento, é você orientar e disciplinar a equipe e organizar a equipe, criar manuais de procedimento, de como produzir, controlar, garantir qualidade, hmm, de como atender um cliente, né, de como discutir o aspecto médico de uma determinada substituição medicamentosa, né, então, a nossa vida aqui é recheada de muita coisa. Todas elas caminham no sentido de garantir que nós possamos dispor do medicamento certo, pro paciente certo, na hora certa.
P/1 – E você tem que fazer isso também dentro de uma verba já destinada para isso.
R – Sim, isso aí eu só disse qual é o nosso objetivo. As dificuldades para se atingir isso, minha filha,
são as mais variadas. Nesse momento nós temos duas vertentes que trabalham contra nós. A primeira, o corte do orçamento do Estado com relação à manutenção do hospital. Segunda, a elevação da taxa de câmbio, que como vocês devem saber, o medicamento depende quase que totalmente de câmbio a nível de se ter ou não ter medicamento.
P/- Porque vem muita matéria prima importada...
R -
Tudo. Tudo. O Brasil é altamente dependente. Tecnologicamente, de substâncias, hmm, e hoje, com a globalização, mais, porque nós temos hoje um número enorme de medicamentos que entram prontos no Brasil. Nem...
P/1 – Eu entrevistei um despachante da alfândega de Santos para discutir esse assunto. É uma loucura. Uma parte se passa lá, da história. Na alfândega.
R – Com certeza ele deve ter confirmado o que eu falei, né? Você tem várias interligações. Veja bem, a indústria nacional é apenas uma transformadora. Quando muito. O resto tudo ela compra fora. Hoje, tem processos que vêm prontos ou vêm em fase final para ser acabado aqui. E tem produtos que só põe o rótulo aqui...
P/1 – Porque ela se setorizou mundialmente. Só ficou a produção de determinado laboratório fica em tal país, que manda pro resto...
R – Não compensa. Veja bem. Se você for pensar em economia de escala, não compensa fazer de repente
(Taxotan?)
em todos os países que tenho fábrica. Por exemplo, hmm, de repente compensa, por ser uma droga de universo muito menor de uso, de repente eleger uma planta que tenho em algum lugar do mundo, que é ideal, que eu preciso e de menos investimento para aquilo, fazer todo o produto ali e dali mandar pra todas as minhas
subsidiárias. Vem pronto. Isso tudo é comercializado em dólar porque é a moeda internacionalmente válida. Que acontece? Se o dólar aumenta, o remédio não tem jeito. Você pode até retardar um pouco esse aumento, pode até minimizar com alguma redução de imposto, mas você vai ter uma elevação de preços, isso não resta a menor dúvida.
P/1 – E qual a diferença, você que está há muitos anos nesse cargo de compra de medicamentos, quando existia
o controle de preços e agora que ele está...
R – O que é que você pergunta?
P/1 -
– Qual a diferença
nessa compra de medicamentos no momento em que ele era controlado...e agora que ele foi liberado.....
R – Há muito tempo, né? Isso é um processo que vem do… Collor
e foi ganhando corpo, só que ele foi, na verdade, mal conduzido. Até porque, eu acredito, que nesse processo de globalização, o governo tinha que ter preocupação com
fortalecer
alguns segmentos industriais brasileiros, e até para competir, criando linha de crédito pra esse pessoal competir. O que aconteceu foi o contrário. As empresas brasileiras acabaram. Faliram ou foram encampadas e compradas e acabou. Conclusão, hoje no Brasil, não tem luva cirúrgica brasileira pra você comprar. E tinha. Então, hoje, em função do dólar, se você não quiser pagar o maior preço, por causa do dólar, você não vai ter luva... Imagina o cirurgião sem luva operando o cara, né? Porque o Brasil não tem mais luva. Não se faz luva no Brasil. Veja como é pior do que naquela época. Esse é o pior. Naquela ocasião, óbvio que hoje, quando eu falo hoje é nesse processo inflacionário que já está instalado, lógico que estava muito melhor sem a inflação e sem o (SIP?). Agora, se você quiser comparar, a diferença entre a inflação com SIP e sem SIP, sofrendo hoje a consequência da variação do câmbio, eu diria que hoje é muito pior que antes. A situação, na minha visão, é muito mais grave pra gente administrar do que antes. Sabe por quê? Porque quando você tinha as coisas indexadas com o SIP, você tinha um momento de tantos %
e era oficial. Então, as pessoas podiam dizer, a partir de tal dia vou vender por tanto. Já dizia que era aquele preço e já sabia e já se prevenia. E a nível de Estado, eu podia, com o amparo legal, ver se conceder aquele aumento daquele fornecedor que me cotou um preço mais baixo, um aumento concedido pelo SIP, que era uma coisa aceita por todo mundo. Oficial, hoje, não.
P/1 – Era claro, né?
R – Era claro. Agora hoje, você diz assim pra mim, “Bem, por quanto eu valorizo o dólar hoje, hmm?”, Então, eu tenho um fornecedor que me ofereceu produto X por 20 reais, quando o dólar era R$1.27. Ele fez um contrato comigo de fornecimento. Só que o dólar agora tá R$2.10, R$2.12, eu sei lá. Ele chega comigo e diz, “Olha, eu vim aqui pedir um reajuste de preço para a equiparação com o dólar”. Mas primeiro que o dólar, o preço não é direto. A variação do dólar não é variação do remédio que ele fez. Tem componente internacional, mas tem componente nacional. Então, ele não pode me pedir a mesma coisa. Ele vai me pedir o que? E a que dólar? Se o dólar ontem era um preço, antes foi outro e outro. E eu vou conceder a ele com base em quê? Vou dizer “Conceda-se o aumento que é justo”. Mas com base em quê? Primeiro, que o dólar varia diariamente. Segundo, que eu não sei na composição de custo dele o que que variou com o dólar e o que não variou. Então, hoje, administrativamente, é muito mais complexo do que antes.
P/1 – Existe algum tipo de auxílio da indústria farmacêutica pro HC? Financiamento de algum congresso, encontro, algum subsídio da iniciativa privada?
R – Olha, o HC sempre foi um hospital com característica de muita independência. E até é importante que se tenha essa independência, é um hospital onde funciona a maior
universidade médica do Brasil, onde se tem muito cuidado na parceria. Mas, nos últimos anos, a gente tem realmente aberto muito estas possibilidades. Antigamente era quase impossível. Hoje realmente se vê essa questão da parceria de maneira um pouco mais aberta. Era muito fechada. E hoje se tem, pra quase todos os eventos internos do hospital, a gente observa a presença das diversas empresas farmacêuticas ou não. Depende do evento, depende das características, vai assim contribuindo, colaborando, às vezes promovendo a parte de divulgação, né, às vezes, até mesmo no nosso Memento Terapêutico, que é o nosso livro mestre dos medicamentos que até a última edição não tinha nenhuma marca de ninguém, na última edição que fizemos, já abrimos espaço para que as empresas se tornassem presentes patrocinando a confecção desse Memento e colocando nele
uma propaganda institucional. Então, no Memento, hoje, você vai ver lá a propaganda da Rhodia Farma, da Pfizer....
P/1 – Esse é o último Memento?
R – É o único que tem. É editado a cada dois anos.
P/1 – Esse último é o primeiro que foi aberto pra isso?
R - – Foi o primeiro que foi aberto pra isso. Então você vê, você vai num coffee break de uma reunião científica, tem sempre uma empresa por trás que...
P/1 – E na pesquisa de medicamentos internos.
R – Também. Na pesquisa de medicamentos acho que as empresas são fundamentais. Participam do financiamento e devem participar, porque, senão não tem interesse para o hospital participar de uma coisa que o lucro é da empresa.
P/1 – Você lembra ou sabe colocar alguma pesquisa desenvolvida aqui que a Rhodia Farma auxiliou de alguma maneira?
R – Não me recordo assim de imediato. Mas, eu quero acreditar, que o próprio lançamento do Clexane teve uma participação, no primeiro momento,
na introdução do produto no Brasil, nas observações iniciais, não estou bem certo qual foi o grupo que participou, mas teve um grupo médico que participou das primeiras observações. Porque, veja bem, o aspecto do desenvolvimento científico ou do experimento científico ou da introdução de uma droga, ela tem vários momentos, né? Tem o momento fase três, mas tem o momento que você está lançando. O produto já tem noutros países, mas de repente não basta se eu vou lançar. Não é bem assim que se processa. É por isso que você tem que fazer com que aquele produto, também naquele país seja observado, pra ver se ele tem um comportamento semelhante ao que tem na França ou nos Estados Unidos. Quais são as dificuldades que ele vai apresentar naquela outra população, porque as pessoas são diferentes, né, embora a gente pense que a gente é tudo a mesma máquina, nós temos características diferentes de raça, cor, clima, que interfere na nossa vida e interfere na vida das drogas, né? Então, esse momento é muito comum, as empresas também fazerem uma espécie de estudo de observação, ou criarem uma massa crítica, vamos dizer assim, para a utilização daquele produto naquele meio. E quando foi lançado o Clexane, a Rhodia Farma participou
disso aqui.
P/1 – Junto com o HC?
R – Junto com o HC.
P/1 – Entendi.
R – Mesmo. Você entendeu mesmo [risos].
P/1 – E...você contou como é o seu cotidiano aqui... e no Oswaldo Cruz, você dá aulas lá, fundou uma cadeira...
R – Não, aqui, independente de tudo o que eu falei, a gente também tem o lado acadêmico, né, porque aqui não é apenas a assistência. A gente não está aqui apenas pra fazer a assistência médica e atender à população carente, e… mas também, nós temos aqui uma massa muito grande de estudantes, inclusive, aqui hoje, nós mantemos um dos poucos cursos de especialização de farmacêuticos na área
hospitalar. Então, todo o ano nós formamos 14 especialistas em farmácia hospitalar. E presentemente está começando um grupo de 99. Então a gente tem aqui, com muita constância, não só o programa regular de especialização, como nós temos todo o programa de estágio, para profissionais em graduação, que aqui serve de plano de estágio.
Nós temos convênios não só com a USP, mas com várias outras universidades públicas e privadas, que mandam seus acadêmicos, na fase final de formação, para fazer o estágio prático aqui. Então isso gira em torno de 60 futuros profissionais que passam por aqui todo o ano. E isso tem uma demanda de trabalho muito grande, preparação de aulas, de discussão de caso, de monografias, de defesa de tese de monografia, né, nós temos aqui desenvolvimento de programas de estágio, cronogramas de aprendizado, preparação dos instrutores, aulas pra esse pessoal, tanto da equipe como de pessoas de fora, convidados que a gente traz. Então, a atividade didática é muito ampla. E ela versa sobre todo esse universo que nós falamos.
P/1 – Na verdade esse cotidiano é o próprio conteúdo......
R – Sim... para aprender as atividades academicamente com fundamentos teóricos, os conceitos, etc..
P/1 – Fazendo um balanço assim, desde quando você iniciou na carreira até hoje, quais foram
as grandes transformações desse processamento dessa feitura do medicamento aqui.
R – Quais foram os avanços disso?
P/1 – É, os avanços.
P/1 – Nós tivemos aqui acho que duas grandes marcas que eu chamaria de marcas divisoras de água, vai. A primeira foi quando eu, na minha gestão, consegui instalar esta unidade onde nós estamos falando hoje. Neste prédio, neste andar. Porque, quando eu comecei, a farmácia, originalmente, era naquele outro prédio lá, o tradicional HC, e era uma farmácia toda segmentada. Um pedaço em cada canto. Não tinha uma unidade porque ela foi crescendo aos espaços disponíveis. Então, por exemplo, a direção da farmácia estava no quinto andar, a preparação de comprimidos não sei se estava no quarto andar, o ambulatório estava no anexo não sei de onde, então, o primeiro grande momento de atualização, de modernização, foi a gente conquistar esse projeto, ter aprovado este projeto e ter colocado toda a unidade de farmácia num ponto só, com todos os laboratórios compactamente distribuídos e dentro de um fluxo lógico de trabalho, né, que é o que temos hoje. E, a partir desse momento, como uma consequência até dele, foi a criação dos laboratórios específicos com um controle de qualidade que até os anos 80 não tinha. Então, nós desenvolvemos, implantamos e desenvolvemos o Controle de Qualidade. Que também nos deu uma outra visão, uma outra qualificação pro produto que é feito aqui. E agora nós estamos num divisor, também. Porque nós estamos caminhando fortemente na modernização do que se chama dose unitária. É o medicamento sair da farmácia pronto para aplicar no doente. Não mais para ser manipulado na clínica ainda para ser preparado pra dar pro doente. Então, no ano passado, 98, nós importamos equipamentos, estamos na fase de produção normal já, e só vai atingir a plenitude daqui uns seis meses, de toda a parte de sólidos, de líquidos orais, que já vão sair numa formatação em que o paciente vai ter o seu comprimido, a sua dose de xarope pronta, de forma rastreada, eu sei onde foi, posso detectar um erro em qualquer lugar, higienicamente protegida, para evitar um pouco das infecções que são na verdade repassadas entre os doentes e fundamentalmente poder racionalizar o máximo o uso das coisas. Não desperdiçar. Esse é um princípio que norteia todos os países do primeiro
mundo, no sentido de que medicamento é caro, não só aqui, mas em todo o lugar do mundo, é quem sabe o componente primeiro..
(Fim do Lado A - Fita Dois)
(Início do lado B- Fita Dois)
.....dos gastos de hospital, e que se você descuida você pode aumentar esse gasto e muito com o simples descuido de não racionalizar bem o emprego e a aplicação deste medicamento. Então, esse é o passo que nós estamos, e acho que as coisas mudaram muito, dos anos 80 pra trás e dos 80 pra frente.
P/1 – E esses medicamentos, a gente já falou muito deles no começo, mas eles saem daqui pro mercado?
R – Não.... esses medicamentos são todos feitos, elaborados e preparados para uso do hospital. Nós temos assim algumas situações muito específicas, que a gente até passa para outros hospitais, mas por razões outras. Não pela finalidade objetiva. É que nós somos os únicos fabricantes de algumas coisas no Brasil. Então, quando alguém de fora precisa, nós vendemos pra esse alguém. Aquilo que eu estava falando no início da entrevista, das drogas vasoativas para as cirurgias cardíacas, todas elas só nós fazemos. Soluções cardioplégicas, __________, ____________, só nós fazemos.
P/1 – A Rhodia uma vez tentou entrar no mercado com uma droga desse tipo. Você está lembrado?
R – Não, não me recordo.
P/1 – É uma daquelas coisas de modismo...
R – [risos]....
P/1 – E quais são os grandes desafios?
R – Olha, administrativamente, o grande desafio é a gente viabilizar uma instituição deste tamanho, com esta população, que chega à ordem dos dois mil leitos e dois mil ambulatórios/dia, sem ter recursos. Esse é o grande desafio. E dar a essas quatro mil pessoas diárias, vamos dizer assim, um tratamento decente, adequado e de qualidade. Esse é o grande desafio administrativamente. E tecnicamente, o grande desafio, é a gente atingir alguns
patamares que no Brasil ainda estão longe de que a vida hospitalar ainda consiga entender,
da área farmacêutica. Queremos atingir por exemplo a farmácia clínica. Onde o farmacêutico, realmente possa da forma mais ativa, participar nesta discussão do caso do paciente no que diz respeito ao medicamento, ao melhor emprego da droga, à melhor administração, à melhor via, as incompatibilidades… Enfim, participar desse processo como é feito largamente nos Estados Unidos e na Europa. Esse é o desafio técnico, né? E o administrativo é a gente conseguir realizar esse trabalho, que é… este ano, a gente está prevendo, assim… dificuldades muito grandes. Mas, dificuldade é a parte integrante fundamental da criação.
P/1 – E agora pra dar uma encerrada, vamos falar um pouco do seu lado pessoal. Quer dizer, fora toda essa atividade de trabalho, você é casado, tem filhos... como é o seu lado familiar.
R – É bom. É com ____. Eu gosto de filhos. Eu sou uma pessoa extremamente ligada à família, né, infelizmente vivo longe dos meus pais, o que me faz muita falta. Porque... a gente sempre fica com um pedaço a menos naquela estrutura da... principalmente no dia a dia da gente, né? Do ponto de vista da minha família estritamente falando, eu tinha cinco filhos, infelizmente perdi um, muito importante e... muito difícil. Uma das experiências mais dolorosas e das mais difíceis que passei na minha vida.
P/1 – Do seu primeiro casamento?
R – Sim. Hoje estou reduzido a meus quatro filhos e...
P/1 – Quando você casou a primeira vez?
R – Eu casei em 74.
P/1 – Separou quando?
R – 87, 88. Então, isso aí me balançou muito, me causou muita dificuldade, e ainda não consegui nem sequer assimilar bem essa...coisa. Mas, a minha vida, como uma pessoa que... tive cinco filhos, e... de duas pessoas distintas, ela reserva algumas dificuldades, mas eu graças a Deus tenho a felicidade de poder conduzir isso de maneira muito harmônica e eu sou muito feliz convivendo com essa gente. Então, a minha vida... pessoal
é com essas pessoas, os meus quatro filhos e minha mulher atual, né? E os outros que estão longe, não convivem comigo no dia a dia, né?
P/1 – Como você conheceu sua atual esposa?
R – Ah, foi uma casualidade...na vida. Causalidade no momento em que eu nem pensava casar de novo mais na vida. Mas, coisas da vida, né. Eu conheci a minha atual esposa exatamente dando um curso numa universidade aqui em São Paulo, por ocasião da doença de um professor, e fui indicado por um professor aqui da escola para a substituição. E daí,
era um curso de pós-graduação, aí eu conheci essa pessoa, uma das alunas do grupo, e por… absoluta casualidade, eu era o professor que encerrava o curso, no último dia de aula. E, por absoluta, eu chamaria de educação, os alunos me convidaram pra comer uma pizza
naquela noite [risos]. Eu sei que eu não estava nos planos deles.
Mas eles não souberam como dizer que não iam me convidar
e me convidaram, né? E eu fui pra esse encontro, até pediram pra eu acabar a aula mais cedo.... e, tá bom, sou convidado, então vamos [risos]. E eu fui jantar com eles, e nesse jantar se falava muito sobre a vida, né, de como é que é a vida, como são os amigos, as pessoas e como esses grupos são tão importantes num determinado momento, e como parecem uma bomba de nêutrons quando acaba o curso e todo mundo some, desaparece, e eu dizia pra eles que é uma coisa muito ruim, que ... as pessoas tinham que preservar mais esses contatos, que na verdade são momentos da vida que a gente pode recordar. Nisso acabou-se criando lá uma situação, que era época de carnaval, iam pro carnaval, e que depois do carnaval iam fazer outra reunião, outro encontro e que iam me convidar. Mas não me convidaram [risos]. Eu acho que eles não fizeram esse encontro. Como é comum, né? Não acontece a segunda vez, né, mas eu fiquei com endereço de alguns, telefone, inclusive da minha atual esposa, e por uma coincidência, passado um tempo, ela precisou de mim pra um caso médico, e eu ajudei ela a resolver, com um
professor aqui na escola. E daí a gente começou a se encontrar, e “Aí aquela pizza não saiu? Vocês não vão mais fazer?
Você vai jantar comigo então, em vez de ir com a turma, vamos nós dois. É vamos nós dois”, e começamos a sair e comecei a namorar com ela e casei [risos].
O meu namoro foi
uma coisa até despretensioso
mas aconteceu em função desse curso que fui dar. E acabei casando de novo. Cometi o erro pela segunda vez. Dizem que burrice [risos] a gente só faz uma vez. Eu fiz duas, devo ser
neto de português.
P/1 – Bom, avaliando a sua trajetória de vida, tem alguma coisa que você mudaria?
R – Eu mudaria só uma coisa. Se eu pudesse não ter perdido o meu filho. Do mais..... não tenho nada ... Se eu pudesse ter interferido na vida dele de maneira que eu não o perdesse. Mas eu acho que eu não teria também como fazê-lo. Seria a única coisa que eu... se tivesse força e pudesse voltar e tentar fazer alguma coisa ...eu tentaria mudar. No mais eu não... Eu sou um cara realizado, sou um cara feliz, eu
gosto do que eu faço, eu acho que faço uma coisa boa e bem feita, não é mal feita, e... tenho muito orgulho de poder estar participando numa empresa, numa instituição, em que a gente sai daqui todo o dia muito cansado, mas também muito realizado, porque a gente faz um trabalho social de uma magnitude fantástica. Nós temos aqui um número imenso de pessoas que se beneficiam do trabalho da gente, que é .... não tem preço. Não tem precedente. Então, eu fiz tudo que eu queria. Eu tive o carinho de família, eu tive uma infância criando, fazendo meus carrinhos, jogando bola, eu estudei nas escolas que mais eu podia aproveitar, e me formaram tanto no aspecto técnico quanto no aspecto religioso, no aspecto social, acredito que muito bem. Casei em duas etapas, casei bem, tenho filhos maravilhosos, que eu gosto deles, eles gostam de mim, tenho certeza, sou uma homem sadio, estou com 50 anos não tenho nenhuma doença grave, só unha encravada, isso não faz mal a ninguém, [risos], durmo bem, tranquilo com a minha cabeça, absolutamente tranquila do dever cumprido, não me sinto nunca em débito
nem com os amigos, nem com a instituição, nem a quem eu sirvo na instituição. Que pra mim é um princípio. Eu gosto de dormir bem. E pra dormir bem eu não posso ter nenhuma crítica que eu tenha falhado com aquilo a que me propus. Então, procuro
fazer sempre o melhor pra não... pra dormir bem, né?
Então, eu... viajo, passeio, minhas férias aproveito, vou com a família, vou lá pra beira da praia, né, lá no Pará, perto do Equador, ali bem...na frente só tem Miami, lá do outro lado do oceano. Então, eu não posso me queixar da vida.
P/1 – Você tem algum sonho, algum desejo?
R – Olha, dizer que não tenho um sonho......
seria uma mentira mas eu perdi muito dos meus sonhos depois que perdi o meu filho. Muitos dos meus sonhos ficaram um pouco embotados… Mas eu continuo sonhando porque o sonho é a mola da vida, né? Se você não sonhar, você não vive. Mas também não sou um sonhador... vão sonhador. Tudo o que eu sonho eu gosto de realizar. Então, eu sempre procuro sonhar dentro de um ... limite de probabilidade de realização. E sempre eu persigo esses sonhos, eu nunca abro mão deles. Então eu... ainda sonho muito com ver, no plano geral, ver um Brasil um pouco diferente deste. Em que se veja alguma coisa na área educacional, em que se valorize as pessoas que têm realmente méritos
sociais e públicos, e não o que se vê aí. Eu ainda sonho que se tenha um país que... realmente a decência suplante a indecência. Esse sonho, não sei se vou conseguir realizar. Estou vendo cada dia mais distante. Mas, tem que sonhar, né?
No plano do hospital, um sonho é que a gente atinja esses patamares que lhes falei. Ainda quero ver se,
antes que me aposente, eu consiga dizer que a farmácia, que Hospital das Clínicas pratica uma medicina, do ponto de vista da assistência farmacêutica, realmente de um país civilizado. Que realmente é uma assistência de segurança, que a medicação que o paciente usa aqui realmente é de qualidade, e que ele tenha uma orientação, tanto ele quanto a equipe médica, de um farmacêutico efetivamente preparado para fazê-lo, e que essa contribuição seja favorável e positiva no processo curativo. Porque nós sabemos que muita gente morre porque não toma o remédio ou toma o remédio errado ou ruim. Estatísticas têm um monte. Bem, no próprio jornal você vê de vez em quando que
deu-se uma medicação errada e o cara morreu, né? Quando não errada... pior. Contaminada, etc. etc. Então, isso é o que eu penso no plano da instituição. No plano pessoal, quem sabe um dia ainda quero ser um político. Não essa figura de político que se tem no Brasil que é pejorativo, né? Quando na verdade a política e a arte de viver, é a arte de fazer todas as outras ciências. Não se faz nenhuma outra ciência sem se fazer política. Portanto, a política é a rainha ou o rei das ciências, né? Então quem sabe um dia mais velhinho e tal… poder trabalhar num plano maior. Trabalhar num plano maior. Porque este plano aqui tem um limite e quem sabe estou chegando nesse limite. E quem sabe, pensar num plano maior em que você possa interferir, interceder, propiciar, permitir que ideias sejam
levadas a uma população mais ampla. No plano familiar, é ver toda a molecada encaminhada. Aí depois o outro, que é aquele dos sete palmos e tchau e... vamos conhecer o outro lado, né?
P/1 – O que você achou da experiência de ter
conversado com a gente pra um projeto de memória?
R – Muito interessante. É uma experiência nova. Não havia pensado nisso. Mas achei interessante porque, aqui, falando com vocês, eu... inadvertidamente fui percebendo que se isso aqui fica gravado, realmente
é um depoimento que eu não
havia pensando em deixar gravado, né?
Então é interessante, pelo menos no plano de se ... imaginar isso, né? Não sei o por que da minha fase, que é um pouco, ainda não penso em deixar alguma coisa, mas que por outro lado, com a perda que eu tive essa coisa veio muito à tona, como a gente pode precisar deixar antes do que a gente imagina. E de repente comecei a pensar nisso enquanto eu falava com vocês.
P/1 – Obrigada
P2/ Obrigada
R – OK.Recolher