Projeto SOS Mata Atlântica 18 Anos
Depoimento de Luiz Paulo Souza Pinto
Entrevistado por Beth Quintino e Rodrigo Godoy
São Paulo, 18/01/2005
Realização: Museu da Pessoa
Código do depoimento: SOS_HV029
Transcrito por Denise Boschetti
Revisado por Luiza Gallo Favareto
P/1- Bom dia Luiz.
R- Bom...Continuar leitura
Projeto SOS Mata Atlântica 18 Anos
Depoimento de Luiz Paulo Souza Pinto
Entrevistado por Beth Quintino e Rodrigo Godoy
São Paulo, 18/01/2005
Realização: Museu da Pessoa
Código do depoimento: SOS_HV029
Transcrito por Denise Boschetti
Revisado por Luiza Gallo Favareto
P/1- Bom dia Luiz.
R- Bom dia.
P/1- Obrigada por você ter vindo. Eu gostaria que você começasse falando seu nome completo, data e local de nascimento.
R- O meu nome é Luiz Paulo de Souza Pinto, eu nasci em 24 de abril de 1962 em Belo Horizonte, Minas Gerais.
P/1- E a sua família é de lá, Luiz?
R- Minha família é toda de Minas. Meu pai é do Sul de Minas, de Jacutinga, que é quase na divisa com São Paulo e minha mãe é de Diamantina.
P/1- E seus pais faziam o que?
R- Meu pai é médico e minha mãe nunca trabalhou, é do lar. Se encontraram em Belo Horizonte, depois foram pro interior. Primeiro em Goiás depois foram pro interior de Minas, onde meu pai exerceu a medicina.
P/1- E você tem uma família grande, com irmãos, como é isso?
R- Lá em casa somos em quatro, são três mulheres e eu sou o único homem.
P/1- Você podia falar um pouquinho da sua infância, como era a casa, o local onde vocês moravam?
R- Eu lembro muito pouco da minha infância, eu tenho alguns flashes. E lembro um pouco quando eu era muito pequeno, teve uma época que nós moramos em Ipatinga, porque meu pai trabalhava na Usiminas, ele exercia Medicina no trabalho na Usiminas e a fábrica era na região de Ipatinga. Então eu lembro algumas coisas em Ipatinga, um clube que a gente visitava, que era perto da nossa casa e a gente podia ir a pé. E eu lembro que Ipatinga tinha uma coisa muito engraçada, que era a época das tanajuras, que a rua ficava repleta de tanajura, mas ficava coberta mesmo. Uma das poucas coisas que eu lembro, que era muito interessante e como menino fica muito impressionado com aquela quantidade de bicho. É uma das poucas coisas que eu lembro de Ipatinga. E depois nós mudamos pra Belo Horizonte, meu pai foi transferido pra sede da Usiminas em Belo Horizonte e aí eu lembro muito da mudanças de casa. A gente morava primeiro em apartamento e minha mãe gostava muito de bicho, de gato, cachorro, então era uma confusão, menino, gato, cachorro. Tem um episódio engraçado que nós mudamos pra um apartamento e no condomínio dizia que não podia ter bicho em casa, aí o síndico todo simpático foi nos receber e dar boas vindas e a gente falou: “E o que a gente faz com os bichos”? Demos um jeito de esconder os gatos, o cachorro, aí na hora que nós fomos lá na sala, todo mundo conversando, começa a aparecer um gato, depois o cachorro, outro gato (risos), foi aquela confusão, aí o cara acabou: “olha, tudo bem, é só tomar cuidado e não sei o que”. Mas minha casa sempre teve essa história de muita gente, muito bicho e o pessoal de falar muito, de gritar muito. Tem um pouco de mistura de italiano, com português, com brasileiro. Então, eu lembro de uma infância divertida, eu saía muito com o meu pai pra jogar futebol, que é uma das paixões da minha vida. Adoro futebol, então a gente ia sempre em clube jogar bola. O que eu lembro da minha infância, que marcou muito, eu praticamente jogava bola o dia inteiro, era minha paixão. Eu ficava na rua jogando futebol, na rua ou no Clube, ou na quadra da casa de algum amigo. Mas o que me marcou bastante, uma coisa que eu lembro, é realmente a diversão com o futebol, com os amigos jogando futebol.
P/1- Você estudava perto de casa?
R- No colégio? É, estudava, era perto, eu me lembro que eu ia a pé no início até, eu acho o que chamam hoje de quinta série ou fundamental. Até nessa época eu ia a pé pro Colégio, o Instituto Zilah Frota, ficava, eu acho, que há três quarteirões da minha casa. E era um colégio muito, ainda pequeno, bem familiar, nós fomos um dos fundadores, minha família foi um dos fundadores. Mas depois o Colégio se transferiu pra Serra, região serrana de Belo Horizonte e minha família foi pra região da Pampulha. Então eu lembro que era quase uma viagem, a gente não queria mudar o colégio porque já estava há tantos anos lá e eu lembro que da Pampulha até o colégio a gente gastava uma hora, é como se fosse uma viagem. Mas ia com os colegas ali, era uma Kombi que fazia o Especial e ia fazendo bagunça e tal. Mas pra mim era uma eternidade a ida pro Colégio, apesar de ser divertido, era longe, mas longe assim, era aquela coisa absurda.
P/1- E como que era Belo horizonte na fase da sua infância e começo da adolescência? Era menor?
R- Belo Horizonte nessa época você podia brincar na rua, era como uma cidade do interior, ainda era muito tranquila, tinha pouco trânsito, praticamente não tinha. Nessa época não se falava em violência, em assalto, tinha uma coisa ou outra, mas nem se compara. Nos últimos, eu creio que nos últimos dez anos é que a cidade cresceu demais e de forma muito desordenada e aí veio com todos os problemas de uma cidade grande. Hoje a situação é completamente diferente dessa época que eu era menino, que eu era jovem.
P/1- Luiz, a diferença de idade pra você e suas irmãs? Como que era essa convivência com tantas mulheres?
R- Eu sou o terceiro, as mais velhas, a diferença é de um ano e meio, dois anos, a da mais velha três anos. Agora da mais nova tem uma diferença de uns dez anos. E hoje eu acho graça porque eu brigava com minhas irmãs, brigava, era uma coisa absurda. E com a pequena então, coitada, a caçula sofreu comigo porque eu dava rasteira, enchia a paciência dela. E hoje eu vejo, eu tenho três filhos, hoje eu vejo os três fazendo a mesma coisa, eu falo assim: “gente, não é possível, eu estou pagando os meus pecados”. Mas hoje eu sou muito amigo delas e nós nos reunimos todos os domingos na casa dos meus pais, uma relação muito tranquila, mas até a adolescência foi um inferno, brigava demais.
P/1- Luiz, quando você foi pra Faculdade, você foi fazer que curso e onde que você foi estudar?
R- Eu me formei no colégio com dezessete anos e eu acho que nessa idade, geralmente a gente sai meio perdido, eu vejo isso claramente hoje. Eu não sabia muito bem o que eu queria. Então naquele ambiente de família e naquela pressão também de se fazer vestibular, eu acabei optando por fazer Administração. Porque na minha família eu tinha um tio e uma tia que tinha uma empresa, tinha o potencial de crescimento muito bom, era uma empresa de autopeças, eles trabalhavam pra Fiat Automóveis e então eu pensei: “bom, já que meu tio está me oferecendo a oportunidade de trabalho, eu vou fazer Administração”. Era a lógica, vou fazer Administração, aí comecei a trabalhar com ele e fiz vestibular pra Administração. Passei e comecei a cursar Administração na Universidade Federal de Minas Gerais à noite. Então eu trabalhava o dia inteiro e estudava à noite. Eu falei assim: “Bom a minha vida está feita, está ótima”. Mas depois de um ano, um ano e meio, não era bem isso que eu queria. E foi até uma parte da minha vida muito difícil, muito confusa, porque a minha família, quando eu cheguei pra eles e disse: “olha, eu não quero fazer administração e não quero continuar trabalhando na empresa dos meus tios”. Todo mundo achou que eu tava maluco. Porque ao mesmo tempo eu falei que eu queria fazer Biologia. E Biologia em 1982, foi nessa época que eu optei pela Biologia. Praticamente ninguém sabia o que era isso, fazer Biologia pra que? Então foi uma época complicada porque todo mundo falou assim: “não, você está maluco, você não vai largar Administração, você não vai largar uma carreira de grande potencial aí nessa empresa do seu tio”. Eu falei assim: “não, eu não quero”. Eu decidi, bati o pé e nesse ponto meus pais foram muito importantes, eles entenderam apesar de achar maluco, mas entenderam. Só me pediram pra que eu não largasse Administração enquanto eu não passasse no vestibular pra Biologia. Eu acho que eles tinham uma esperança que eu desistisse. Mas eu fui em frente e eu larguei o emprego, aí comecei a fazer um cursinho de manhã pra fazer o vestibular, aí no meio do ano eu consegui passar no vestibular na PUC de Minas Gerais. Mas mesmo assim eu continuei estudando no cursinho de manhã e na Administração à noite. Então eu praticamente estudava o dia inteiro, foi uma época que eu quase fiquei maluco e, de fato, era muita coisa. A minha sorte é que a UFMG entrou em greve de administração, aí eu falei pro meu pai: “olha, eu vou aproveitar que entrou em greve, eu não quero mesmo, já passei na PUC, quero Biologia, estou gostando do curso de Biologia”. Aí ele aceitou, concordou e eu continuei fazendo cursinho porque eu queria passar na UFMG. Porque eu tinha alguns colegas já fazendo Biologia, e eu visitei, conversei com eles e eu gostei muito do lado de pesquisa de Biologia e que na PUC não oferecia isso. Então depois, no final do ano, isso foi em 1982, eu passei no vestibular pra UFMG, em Biologia, e comecei o curso em 1983. Foi aí que eu comecei minha trajetória aí no meio ambiente, na Biologia, na conservação.
P/1- E Luiz, como era essa época, em 1983, na Universidade, o que acontecia?
R- Foi uma época muito interessante porque estava terminando o período da ditadura. Então eu ainda vivi entre 1983, 1984 esse ambiente de efervescência, de discussão da liberdade de expressão. Todo mundo querendo o fim da ditadura, querendo eleições diretas. Então foi uma época muito rica dentro da Universidade, uma experiência fantástica. Eu lembro de ter participado, por exemplo, das reuniões da SBPC, que eram fantásticas porque as reuniões conseguiam trazer pessoas do governo e tinham discussões muito quentes sobre vários assuntos, por exemplo, utilização da energia atômica, as questões relacionadas a eleições diretas, questões relacionadas ao Brasil como um todo. Quer dizer, foi uma época muito bacana que se vivia dentro da universidade. E foi também quando começou o reconhecimento da profissão de Biólogo, que até então não era reconhecido. Eu não me recordo se foi em 1984 ou 1985, porque foi reconhecido oficialmente à profissão de biólogo. Então foi uma época muito agitada em todos os sentidos, tanto do lado do curso de ciências biológicas, do profissional Biólogo e do lado da vida política do país. Foi bastante interessante, eu acho que foi uma experiência inesquecível pra mim.
P/1- E nessa fase da Universidade você já estava trabalhando, você voltou a trabalhar ou você só fazia faculdade?
R- Eu parei quando eu decidi mudar pra Biologia e parar Administração eu também saí do emprego, então eu parei e fiquei só estudando. Eu procurei algumas opções, por exemplo, de fazer monitoria dentro do curso mesmo de Biologia, fazer algum projeto de pesquisa com bolsa de pesquisa de iniciação científica. Então nos últimos dois anos do curso - são quatro anos de Biologia - a partir da metade do curso, eu procurei sempre fazer estágios, principalmente no campo. Foi quando eu vi que realmente eu gostava do curso de Biologia e também da conservação de biodiversidade. Porque eu comecei a frequentar e trabalhar com pesquisa nos parques nas Unidades de Conservação. Então eu ficava, às vezes, uma semana, dez dias direto no campo, dentro dos Parques e foi onde eu aprendi de fato junto com os professores, orientadores, que desenvolviam projetos de pesquisa nessas áreas. Então eu passava vários dias com eles no campo, fazendo uma atividade de pesquisa, foi quando realmente eu pude aprender e descobrir que eu realmente tinha vocação pra Biologia
P/1- Você acha que foi nesse período que você começou dar uma atenção maior pra questão ambiental?
R- Sem dúvida, sem dúvida. Porque vivendo dentro dos Parques e vivendo com os funcionários desses parques e dessas unidades de conservação, eu comecei a ver os problemas e a necessidade de ter profissionais nessa área e como era fascinante esse mundo porque tinha muita coisa pra se fazer. Praticamente, naquela época, ainda era uma área muito incipiente. Já existiam várias unidades de conservação no Brasil, mas não tinha um corpo, uma massa crítica, um grupo de profissionais de Biologia da conservação como se tem hoje. Então tinha um campo enorme, era um nicho que ainda tinha que ser preenchido, então eu via aquilo como um potencial muito grande.
P/1- E nesse período, você lembra dessa década de oitenta, de algumas ONGs ou entidades que estavam ligadas ao meio ambiente, você se relacionava com eles?
R- Já no final do curso, isso em 1986, 1987, eu comecei a ter contatos, principalmente com a Fundação Biodiversitas, que é uma ONG de Minas Gerais e a Fundação Brasileira pra Conservação da Natureza, a FBCN, que foi uma das primeiras ONGs do Brasil. Mas na época eu não tinha, ainda, muita noção do papel dessas ONGs, eu ainda estava muito voltado pra pesquisa e pro curso. Mas eu comecei por influência do grupo de professores pesquisadores do departamento de Zoologia da UFMG, eu comecei a me interessar. Porque eles foram os fundadores da Fundação Biodiversitas e eles também tinham certa ligação com a FBCN. Então eles começaram a influenciar um grande grupo de estudantes daquela época e grande parte deles, hoje, são profissionais de várias ONGs em Minas e em várias partes do país. Então foi uma época em que mesmo sem eu perceber a importância, me influenciou bastante e foi um período que eu tive esse contato inicial com essas ONGs.
P/1- E havia troca de informações, não só com a ONG, mas da própria Universidade com outras de outros estados ou até de outros países?
R- Sim, já havia. Eu lembro que os professores que eu tinha mais contato estavam fazendo doutorado nos Estados Unidos. Então eles traziam muito a experiência americana. Porque a nossa área de conservação, de biologia da conservação, nós temos uma influência muito grande dos Estados Unidos. Então eles, já naquela época, começaram a trazer essas experiências pra gente, não existia no Brasil, naquela época, um curso de pós-graduação em conservação. Então já começou um embrião ali do curso de pós-graduação do Instituto de Ciências Biológicas da UFMG de ecologia, conservação e manejo da vida silvestre. Então eu já vivenciei junto com eles o início desse processo de criação desse curso de pós-graduação, que teve uma influência grande americana. E junto também não só nesse lado acadêmico, veio também a experiência americana das ONGs, das grandes ONGs. WWF, naquela época, tinha uma influência muito grande já, era uma organização bastante conhecida e outras ONGs americanas, a The Nature Conservancy, que já tinha um bom trabalho, era bem reconhecida também. Então começaram a trazer essas experiências pra dentro da Universidade.
P/1- E quando você terminou o curso você entrou na pós?
R- Não, eu terminei o curso em 1987. Em 1988, eu fiz um trabalho de consultoria de uma usina hidrelétrica no Triângulo Mineiro, foi minha primeira experiência profissional. Aí em 1989 eu fui convidado pra fazer um projeto de pesquisa com primata numa unidade de conservação no Espírito Santo. E foi quando eu casei porque minha esposa é Bióloga, da mesma época da universidade, nos conhecemos na universidade e ela também trabalhava com mamíferos e veio o convite. O convite foi estendido a ela também e resolvemos, “bom, nós vamos morar, vamos mudar pro Espírito Santo nessa unidade de conservação” a gente já estava namorando. Aí chegamos em casa, eu falei pra minha família, ela falou pra família dela. Só que minha mãe - foi a coisa mais engraçada - virou e falou assim: “vocês estão querendo mudar pra lá, tudo bem, mas vocês vão ter que casar antes” (risos) “vocês não vão pra lá sem casar, não”. Aí eu falei: “mãe, mas o que é isso? A gente pode casar depois”. “Não, vocês não vão pra lá sem casar, não ”. Falamos assim: “então está bom, então vamos casar”. Aí casamos e mudamos pra reserva e foi outra experiência da minha vida que também marcou muito. Recém-casados, moramos um ano dentro da reserva, a Reserva Biológica Augusto Ruschi, é uma reserva perto ali do município de Santa Tereza no Espírito Santo, perto do Museu Homero Leitão, uma região belíssima. Nós montamos uma casinha dentro da reserva e nosso projeto era um projeto com o Muriqui, que é o símbolo de conservação da Mata Atlântica. E ficamos um ano lá, praticamente entrando na mata todos os dias e vivenciando aquele dia a dia ali de uma unidade de conservação. Foi uma experiência fantástica, muito bacana que eu guardo na minha memória e que foi uma das épocas mais bacanas da minha vida. Porque era uma mata linda, quase toda primária e foi assim, praticamente o primeiro trabalho importante que nós fizemos de conservação. Porque eu estava levantando informações sobre os primatas, sobre a biodiversidade daquela unidade de conservação.
P/1- Quer dizer, vocês trabalhavam o tempo todo, porque morar dentro da reserva...
R- É, praticamente era trabalho de segunda a domingo. Às vezes a gente parava porque também era um trabalho cansativo, anda o dia inteiro fazendo senso de primatas. E, às vezes, a gente saía ia à Vitória ou simplesmente ficava um dia descansando, mas era quase o tempo todo.
P/1- E você sentiu muita diferença de ter mudado de Belo Horizonte pra Vitória, como foi?
R- Sim, porque eu me considero, apesar de viver da conservação e de viver da natureza, eu me considero extremamente urbano. E lá eu estava vivendo na zona rural, no meio da mata, e apesar de ter televisão e ter tudo... Mas era um ambiente bem rústico, bem simples, então foi uma experiência muito interessante. Era engraçado que a gente saía da reserva, às vezes, vestido com aquela roupa de trabalho de campo, bota, perneira, todo sujo, aí a gente ia direto pra cidade pra comprar alguma coisa e o pessoal olhava pra gente e achava que era a coisa mais esquisita do mundo. Estava parecendo um marciano. Mas foi ótimo, foi ótimo morar numa cidade pequena, tranquila, foi uma experiência muito boa.
P/1- E nesse período que vocês foram pra lá e que viveram um ano lá, aí já começa a ter uma troca de informação com algumas ONGs pela importância do trabalho? Ou ainda não?
R- Sim, já começamos a ter um leque maior de contatos e de interesses por parte não só da universidade, mas de outras organizações. Porque o Muriqui, naquela época, já era visto como uma espécie bandeira, uma espécie extremamente símbolo, extremamente importante pra conservação da Mata Atlântica. Então tinha vários dados de outras unidades de conservação, mas nessa unidade especificamente tinham pouquíssimas informações. Então todos estavam interessados em saber qual era o tamanho da população do Muriqui, naquela área, que era importante pra conhecer a situação de conservação dessa espécie em toda área de distribuição, que eles viviam. Então começamos a ter alguns contatos com algumas organizações e naquela época, também, a gente já tinha mais interesse por conservação, já estava despertando mais, procurando saber mais. E foi quando nós começamos a atentar mais pra SOS Mata Atlântica. O que eu lembro que me marcou muito, o símbolo da SOS, a Bandeira, aquilo é um símbolo muito forte. E eu lembro que eu fiquei muito impressionado a primeira vez que eu vi e aquela coisa do verde desaparecendo, simbolizando o desmatamento da Mata Atlântica. Então eu já começava a ouvir falar de outras ONGs e especialmente da SOS Mata Atlântica que vinha crescendo, o trabalho da SOS já começava a aparecer bastante nessa época.
P/1- Luiz, eu queria que você explicasse um pouquinho pra gente, qual a importância do Muriqui, esse equilíbrio que ele dá pra Mata Atlântica. Você poderia falar um pouquinho como funciona?
R- O Muriqui se tornou um símbolo, principalmente porque é uma espécie endêmica da Mata Atlântica, quer dizer, só ocorre na mata atlântica, em nenhum outro lugar do mundo. É uma espécie extremamente carismática, não conheço ninguém que veja esse animal, ou uma foto, ou veja ele no campo e que não se sensibilize. É um animal muito bonito, é o maior primata das Américas. Então essa união de fatores levou o Muriqui a ser considerado o símbolo. Porque além de ser carismático e uma espécie endêmica da Mata Atlântica, foi uma espécie que sofreu muito com o desmatamento. É uma espécie que depende da floresta, então com a perda da floresta, as populações do Muriqui diminuíram muito. Então ficou uma espécie extremamente ameaçada, tanto é que hoje uma das espécies do Muriqui do gênero Break Terios , que existe o Muriqui do Norte e o Muriqui do Sul. O Muriqui do Norte é um dos 25 primatas mais ameaçados do mundo. Então é uma espécie que tem uma história muito marcante, tem simbologia muito marcante, que representa de alguma forma, toda a situação que ocorreu na Mata Atlântica nesses quinhentos anos do Brasil. Além disso, é uma espécie também, que hoje, conhecendo mais o comportamento desse animal, a gente vê que é uma espécie extremamente sociável. Eles vivem em grupos grandes, é uma das poucas espécies que não há conflitos na época de reprodução. Todos os machos se envolvem com a fêmea sem ter agressões. São animais que costumam se abraçar, a se tocar muito, então é uma espécie assim, que tem um comportamento, uma história, muito interessante e muito bonita e foi uma escolha, natural de ter o Muriqui como símbolo da Mata Atlântica, que hoje acho que é reconhecido por todos e é uma das espécies que existem vários estudos, procurando melhorar a situação, procurando conservar as populações a longo prazo, tanto a espécie do Norte, quanto a espécie do Sul
P/1- E quando acabou o projeto, que era de um ano, vocês fizeram o que?
R- Quando nós estávamos terminando esse projeto, surgiu a oportunidade de fazer o mestrado na UFMG. Eu conversando com os professores do Departamento de Zoologia, com quem eu fiz estágio na época da graduação, eles me estimularam, eu achei que era o momento, seria importante pra minha carreira, aí nós decidimos voltar pra Belo horizonte e eu fiz a prova, passei e comecei o mestrado em 1990. Então eu fiquei em 1989 o ano inteiro lá no Espírito Santo e no início de 1990 eu fui pra Belo Horizonte. E aí eu fiz o mestrado até 1993. Nesse período do mestrado eu comecei a ter mais contato ainda com as ONGs, fiz alguns trabalhos nesse meio tempo pra Fundação Biodiversitas, comecei a conhecer outras ONGs da Mata Atlântica, comecei a ter os primeiros contatos com a SOS Mata Atlântica. Nós começamos a participar de alguns projetos importantes. Em 1993 já teve o primeiro projeto de avaliação de áreas prioritárias pra conservação da Mata Atlântica. Foi só da região da Mata Atlântica do nordeste, então foi um período muito importante pra minha formação não só acadêmica, pelo mestrado, mas também nesse contato de começar a viver nesse mundo da conservação na comunidade ambientalista.
P/1- Só voltando um pouquinho. No mestrado qual foi o tema? O que você desenvolveu?
R- Eu trabalhei com uma espécie ameaçada da Mata Atlântica, o Mico leão da cara dourada, o Leontopithecus Chrysomelas, os primatas continuaram na minha vida. E foi uma coincidência porque quando eu entrei no mestrado eu nem pensava em continuar trabalhando com primatas. Eu queria inclusive trabalhar com porco do mato. Mas surgiu uma oportunidade na época, porque o departamento de Zoologia da UFMG, tinham pessoas ligadas já à Conservation International onde eu trabalho atualmente e eles, a Conservation International, sempre teve a tradição de trabalhar com espécies ameaçadas. E, naquela época, estavam surgindo os comitês de conservação e manejo de espécies ameaçadas, do IBAMA, que tinha participação de vários pesquisadores das universidades. E entre esses pesquisadores estava o pessoal do departamento de zoologia da UFMG. E surgiu a oportunidade de financiamento pra uma tese de mestrado pra avaliar o estado de conservação do Mico Leão da Cara Dourada, no Sul da Bahia, avaliar a distribuição geográfica dessa espécie. Aí me convidaram, eu falei: “Ah, eu vou, aceito”. Acho interessante, era uma área dentro da Mata Atlântica porque até então, todos os meus trabalhos tinham sido dentro da Mata Atlântica. Eu tinha uma afinidade com a Floresta, com a Mata Atlântica, então eu achei extremamente interessante, aceitei e fui fazer esse trabalho.
P/1- Bom, aí nós já entramos na década de noventa. Lógico que sua vida mudou bastante de uma década pra outra. Mas assim, na questão ambiental, teve uma diferença, você sentiu uma diferença grande de uma época pra outra, naquilo que você estava vivenciando?
R- Sem dúvida. Na década de oitenta, praticamente conservação era uma coisa de outro mundo, era coisa de românticos, não havia ainda tanta preocupação e não havia tanta informação. Ajudou muito na década de noventa a Rio 92, a Conferência Mundial para o Meio Ambiente e Desenvolvimento. A partir, só os dois primeiros anos da década de noventa, só a preparação da Rio 92 já despertou muito interesse e a própria reunião foi um marco, teve uma participação muito grande das ONGs, mesmo do governo brasileiro. Eu acho que transmitiu pra sociedade de maneira geral, a ideia de que meio ambiente era uma coisa que a gente deveria prestar atenção e que era importante pro planeta, e que nós precisávamos fazer alguma coisa. Então acho que realmente foi a partir daí que houve uma reviravolta grande. Também houve surgimento de mais recursos, como o GEF, o fundo mundial para o meio ambiente, o PPG7. Começaram a surgir oportunidades de recursos pra conservação e a partir também da década de noventa, houve um crescimento muito rápido do número de ONGs ambientalistas. Surgiram várias, ou se não surgiram, começaram a se tornar mais profissionalizadas, com projetos, ações. Então houve um avanço grande na década de noventa, na área ambiental.
P/1- Você chegou a ir pra Rio 92?
R- Fui. Naquela época minha esposa trabalhava na Fundação Biodiversitas e eu já fazia alguns trabalhos também pra fundação Biodiversitas e já tinha contatos também com a Conservation International. Então eu acabei indo e ajudando na montagem de stands e entrei no clima. Eu acho que aquela reunião foi muito interessante, você via pessoas do mundo inteiro, pessoas falando sobre conservação, sobre desenvolvimento sustentável, então foi uma experiência muito marcante.
P/1- As questões eram muito parecidas entre os países porque veio gente de todos os lugares. Você acha que a partir da Rio 92, a gente pode chamar que houve uma moda de ambientalistas? Algumas pessoas saíram levantando bandeiras ou não?
R- Em parte sim, influenciou, não podia dizer que não. Claro que influenciou as pessoas, acho que começaram a acreditar que num evento daquele porte que vieram dezenas de chefes de Estado, de Presidentes, que houve aquela repercussão toda. Quer dizer, as pessoas acreditaram que poderia ser feito algo pra mudar o rumo que o mundo estava tomando. Então eu acho que isso certamente influenciou muito as pessoas, as organizações. E eu vi muito otimismo, mas por incrível que pareça, logo depois houve até um retrocesso de certa forma, na área ambiental. Houve aqueles recordes de desmatamento na Amazônia, problemas de poluição em várias partes do mundo. Esse foi um ciclo, o auge foi ali o Rio 92, talvez até em 1993, mas depois houve um declínio. Parece que o assunto se desgastou um pouco e foi até um momento difícil pras ONGs, que houve uma dificuldade muito grande de recursos pras ONGs e aquelas que não se estruturaram acabaram fechando ou diminuindo as ações, os projetos. E só no final da década de noventa começou novamente a haver um crescimento na área ambientalista.
P/1- E Luiz, como você é de Minas, então a gente vai falar um pouquinho de lá. Como você vê o governo mineiro com a preocupação ambiental, eles têm uma preocupação, o que se trabalha?
R- Sim, o governo atual é um governo que tem preocupação, mesmo porque tem duas pessoas que são pessoas já com bastante experiência nessa área e que também já transitaram pela comunidade ambientalista, que é o professor Célio Valle, que era do Departamento de Zoologia da UFMG. Foi uma das pessoas que me influenciou bastante e influenciou vários profissionais que hoje estão nas ONGs, ele foi professor de quase boa parte dessa turma que está nas ONGs, em Minas Gerais. Então é uma pessoa que conhece os problemas, sabe o que tem que ser feito, conhece os profissionais da área, já foi do IBAMA, já foi Diretor do IEF em outro governo e hoje ele está na Diretoria de Biodiversidade do Instituto Estadual de Florestas de Minas. E o Secretário atual é o José Carlos Carvalho, que também foi Ministro de Meio ambiente, já foi secretário em outro governo também de Minas. Então são pessoas que têm experiência, são da área, conhecem o problema e procuram dialogar sempre com as ONGs e tão fazendo um bom trabalho. Só não fazem mais porque realmente tem um problema sério de recurso, tem um problema sério de pessoal qualificado. Você sabe que os governos têm dificuldade de fazer concurso público, de renovar o quadro de pessoal. Então isso é um gargalo muito grande nos Estados e também no governo Federal, no Ministério do Meio ambiente, IBAMA, a mesma coisa. Tem uma defasagem enorme de contratação de pessoal e isso prejudica muito o trabalho. Mas mesmo assim o IEF, em Minas Gerais, tem uma estrutura muito boa, tem mais de cem escritórios espalhados pelo Estado, tem muitas unidades de conservação. Eles estabeleceram agora um convênio com o Banco KFW, Banco alemão, estão investindo nas unidades de conservação, estão tentando estabelecer mecanismos inovadores de financiamento na área ambiental, principalmente utilizando recursos de compensação ambiental. Estão procurando trabalhar e eu acho que eles têm tudo pra fazer um bom governo na área ambiental.
P/1- E assim, você sente bastante diferença do governo atual pro governo da década de noventa?
R- Tem. Nessa área ambiental que eu acompanho mais de perto, vejo mais de perto os problemas, a gente vê que depende muito das pessoas, depende de quem está no governo. Então isso é um ciclo, enquanto Minas está bem hoje, outro Estado está muito mal. Então esse outro Estado poderia estar bem numa época e Minas estava mal. Por exemplo, o governo passado em Minas, pra área ambiental, foi um fracasso, então isso depende muito das pessoas que estão ali, da vontade política. Eu acho que o governo de Minas, hoje, tem essa vontade política e não sabemos até quando vai durar. Espero que continue, mas infelizmente no Brasil, a gente sabe que acabou um governo vem outro e a gente não sabe o que pode vir, pode mudar tudo. Projetos bons que vinham em andamento, às vezes são parados simplesmente porque eram de outro governo. Então infelizmente isso ocorre e a atenção à área ambiental é cíclica pelos governos, depende de quem está lá.
P/1- Todo mundo diz que a legislação brasileira é uma das melhores que tem. E a gente com uma legislação tão boa, que avaliação você faz de não dar tão certo, da gente ter tanto desmatamento, tanta poluição?
R- É, isso é um fato, vou te dar um exemplo. Na Mata Atlântica, no sul da Bahia deve ter talvez, entre portarias, decretos, normas, deve ter uns quinze ou vinte instrumentos jurídicos protegendo a Mata Atlântica só da Bahia e o desmatamento continua, por quê? O Estado simplesmente não está aparelhado, não existe vontade política, não é uma prioridade, a fiscalização incomoda interesses. Então não é o problema da legislação. A legislação é boa, está ali, tem vários instrumentos jurídicos que protegem, não só a Mata Atlântica, mas os biomas. A Mata Atlântica está na Constituição brasileira, o meio ambiente saudável está na constituição brasileira e por que nós não temos isso na prática? Porque realmente não é prioridade pros governos, está lá na terceira, quarta, quinta prioridade. E como eu exemplifiquei com Minas, não é diferente com outros Estados da Mata Atlântica, a maioria deles não são aparelhados de forma adequada pra aplicar a legislação. Então pra que a legislação chegue ao campo, que consiga de fato ajudar na conservação, pra isso você precisa ter pessoal qualificado, desde o poder judiciário até o agente ambiental dos órgãos de meio ambiente. Tem que ter pessoas que entendam o que elas estão fazendo, que estejam equipadas pra que elas possam exercer o trabalho delas e isso, hoje, não acontece. Hoje o fiscal não tem gasolina pra botar no carro, quer dizer, é uma coisa absurda, infelizmente essa é a nossa realidade.
P/1- A SOS foi criada em 1986, a Fundação. Você lembra dessa época, de ouvir falar na SOS?
R- Em 1986 especificamente não, mas nos anos seguintes eu já comecei a ouvir a falar sobre a SOS Mata atlântica. Como eu falei antes, principalmente, o que eu lembro muito na época foi o impacto que causou o símbolo da SOS e as campanhas que a SOS, levantando a bandeira de um bioma. Isso não era comum naquela época, não existia. Se falava de conservação de meio ambiente, mas uma organização voltada só pra um bioma e vindo com uma campanha, um marketing forte, então já comecei ouvir as pessoas comentando sobre a SOS Mata Atlântica.
P/1-
Luiz, me fala como é que você chegou na SOS, como foi?
R- Foi através dos eventos de conservação, planejamento de conservação na Mata Atlântica. Mas assim, pra se aproximar mesmo, de fato, foi a partir dos workshops de áreas prioritárias pra conservação da Mata Atlântica. O primeiro foi em 1993, pra Mata Atlântica do nordeste. Foram projetos importantes pra orientar o governo, quais ações e quais áreas que seriam mais importantes pra conservação da biodiversidade na Mata Atlântica. Então pra fazer um trabalho desses a gente não poderia fazer sem envolver a SOS Mata Atlântica, que já naquela época desenvolvia o projeto do Atlas de Evolução da Cobertura Florestal do Bioma. E então começou haver essa troca de informações, o nosso diretor na época, o Gustavo Fonseca, o diretor da Conservation International, já vinha tendo conversas e discussões com a SOS em termos de estratégias pra Mata Atlântica. Isso foi evoluindo, até que nós fizemos um trabalho de parceria em 1999, que foi aquele grande projeto de identificação de ações e áreas prioritárias pra Mata Atlântica e Campos Sulinos. A Conservation International fez a coordenação geral e a SOS Mata Atlântica foi um dos parceiros no consórcio que se formou pra desenvolver esse projeto junto com o Ministério do Meio Ambiente. E de fato a SOS foi um dos principais parceiros, porque em 1999, a organização já tinha um banco de dados sobre Mata Atlântica fantástico. Quer dizer, já representava a principal organização não só da Mata Atlântica, mas uma das principais ONGs do país, então era uma ONG que trazia uma contribuição extremamente importante dentro de um projeto dessa natureza.
P/1- Você podia falar um pouquinho mais do projeto. Você participou desse projeto?
R- Sim, eu fui o coordenador geral desse projeto.
P/1- Então conta um pouco.
R- Esse projeto, na realidade, veio de uma série de... O que nós chamamos de workshops de biodiversidade. O primeiro no Brasil foi em 1990, pra identificar as áreas prioritárias e ações prioritárias pra conservação na Amazônia brasileira. E por que surgiu essa ideia de fazer isso? Porque já na década de oitenta, quando se começou a falar em conservação e principalmente a partir do início da década de noventa, todo mundo já percebeu que o governo não tinha gente suficiente nem recursos suficientes pra conservar os principais biomas brasileiros. Não só o governo, mas se pegar todos que trabalhavam com conservação, quer dizer, a gente não tem nem recursos humanos suficientes, nem recursos financeiros suficientes, nem tempo suficiente pra conservar tudo. Então tem que ter algum mecanismo pra pelo menos nos dar um indicativo de quais são aquelas áreas mais importantes, quais são aquelas áreas que se a gente conservar, nós vamos estar conservando a maior parte da biodiversidade brasileira. Então o primeiro exercício desse tipo, foi na Amazônia brasileira em 1990. Depois nós fizemos, em 1993 pra Mata Atlântica do Nordeste, em 1996 pra Mata Atlântica Sul e Sudeste, que já contou com a parceria da SOS também e em 1999 fizemos pra todo o bioma da Mata Atlântica. E nesse meio tempo também o Ministério do meio ambiente criou uma linha de financiamento pra fazer os workshops de biodiversidade pra todos os biomas brasileiros. Então foi realizado pro Cerrado, novamente a revisão pra Amazônia brasileira, pra Caatinga, pra Zona Costeira marinha e pra Mata Atlântica e Campos Sulinos. Foi quando a nossa relação, quando eu falo nossa eu já como Conservation International; quando essa relação, Conservation International e SOS Mata Atlântica se intensificou. As duas organizações praticamente lideraram todo esse processo de identificação de áreas prioritárias pra conservação da Mata Atlântica e a partir daí a relação foi tão interessante e tão benéfica pras duas organizações, que surgiu a ideia de se estabelecer uma aliança mais formal e mais intensa entre as duas organizações. E justamente em 1999, já no meio desse processo do projeto das áreas prioritárias, nós firmamos uma aliança. Chamamos de Aliança pra conservação da Mata Atlântica, que nada mais é do que estabelecer uma parceria mais forte, mais intensa, através de uma ação conjunta em ações e projetos de conservação pra Mata Atlântica brasileira. Então eu acho que foi uma etapa muito importante pras duas organizações. A Conservation international, trazendo uma experiência internacional, trazendo uma tradição de conservação com espécies ameaçadas, com unidades de conservação e a SOS Mata Atlântica, trazendo também uma experiência extremamente importante do Atlas de evolução da cobertura de floresta atlântica. Trazendo também essa experiência marcante do marketing em conservação, de campanhas de conservação, que eu acho que ainda não tem igual no Brasil. É a organização que faz isso de forma mais eficiente, mais eficaz, então foi uma união muito estratégica e muito importante. Eu acho que hoje nós servimos de exemplo de como duas organizações podem estar trabalhando de forma muito transparente, muito estratégica, compartilhando informações, compartilhando dados, compartilhando ações, compartilhando projetos de forma muito eficiente e muito transparente. Hoje nós temos projetos importantes dentro da aliança entre SOS e Conservation International, que um deles é o programa de apoio a reservas particulares de patrimônio natural. Tem o programa de apoio a RPPNs [Reserva Particular do Patrimônio Natural], que é um projeto, hoje, pioneiro dentro do país de apoio às reservas particulares, que na Mata Atlântica tem uma importância enorme. Porque está ficando cada vez mais caro estabelecer unidades de conservação pública no país e principalmente na Mata Atlântica, onde a terra é muito cara. Então as RPPNs são um instrumento muito importante porque elas são estabelecidas por vontade própria do proprietário. Então não tem indenização, o proprietário permanece como dono da terra. O incentivo a esses proprietários é muito importante, é essencial pra que a gente possa conservar, mesmo que sejam áreas pequenas, mas que a gente possa conservar várias áreas dentro da Mata Atlântica com o apoio do setor privado e da sociedade civil. É o proprietário que está ali, o dono da terra está pegando um pedaço da terra dele pra proteger a Mata Atlântica. Então o programa é coordenado pela SOS na parceria com a Conservation International e têm toda uma estratégia de fortalecer esses mecanismos, que são as RPPNs, mecanismos de conservação para que eles possam complementar o sistema público de unidades de conservação.
Outro projeto extremamente importante é a coordenação do Fundo de Parcerias pra Ecossistemas Críticos, é um fundo formado pela Conservation International, o Banco Mundial, o GF, o governo japonês e a Fundação MacArthur, então é um fundo global, que foi baseado na estratégia dos hotspots. E a Mata Atlântica foi um dos primeiros hotspots a serem beneficiados com investimentos desse fundo, que nós chamamos de forma simplificada de CEPF. Então na Mata Atlântica, a aliança entre SOS e a Conservation International... Essa coordenação é feita pela aliança aqui no Brasil através da... Eu perdi o que eu estava falando.
P/1- Pode continuar, a gente estava falando desse conjunto global, desse consórcio, diríamos, é mais ou menos isso?
R- Do CEPF?
P/1- Isso.
R- Então, o CEPF começou a investir recursos pra ações de conservação e nos hotspots, a Mata Atlântica foi um dos primeiros a receber esses recursos. No CEPF da Mata Atlântica, quem faz a coordenação dos projetos e todo mecanismo de investimentos de recursos para as ações e projetos de conservação, é a aliança entre a SOS e a Conservação Internacional. Então nós temos um
papel muito importante de estimular parceiros pra desenvolver propostas pro CEPF de projetos de conservação, disseminar as informações sobre o CEPF, o que é o fundo e os resultados que esse fundo estão trazendo em termos de conservação pra Mata Atlântica. O nosso papel também é fazer todo o monitoramento desse processo, o que esses projetos, que tão sendo beneficiados pelo fundo, vão resultar em ações concretas de conservação? Então a SOS Mata Atlântica e a Conservação Internacional juntos, estão administrando esses recursos, são oito milhões de dólares pra cinco anos e que eu acho que vão ser extremamente importantes principalmente pra investimentos, que nós chamamos de corredores de biodiversidade da Mata Atlântica. Os corredores de biodiversidade são regiões de planejamento de conservação, não são grandes unidades de conservação, são apenas áreas grandes que foram definidas através de um critério biológico. Então são áreas que dentro da Mata Atlântica e são consideradas de grande
importância, são áreas que tem uma concentração maior de espécies ameaçadas, espécies endêmicas. São o que nós chamamos de centros de endemismo dentro da Mata Atlântica. Então é como se fossem hotspots dentro do hotspot da Mata Atlântica. Então nós definimos como prioridade pra investimento do CEPF na Mata Atlântica, esses chamados corredores de biodiversidade, que é o corredor central da Mata Atlântica que pega o Sul da Bahia e o Espírito Santo. E o Corredor da Serra do Mar, que pega o Rio de Janeiro, Serra da Mantiqueira em Minas Gerais e o Norte de São Paulo. Então tanto a SOS quanto a Conservação Internacional tem um papel extremamente importante de estar coordenando todo esse processo, que nós esperamos, temos grandes expectativas, que gere bastante resultados, resultados concretos de conservação. E um deles é justamente esse programa de apoio às RPPNs que eu mencionei antes. Esse é o único Programa que a aliança tem como projeto com recursos do CEPF, mas é um programa extremamente estratégico, porque pra você ter uma ideia, as RPPNs, hoje, representam quase 60% das unidades de conservação da Mata Atlântica. Em termos de área não representa tanto, são só quatro por cento, mas é um símbolo, é uma simbologia muito forte porque são os proprietários que estão praticamente doando um pedaço da terra deles pra conservação de biodiversidade, por vontade própria. Então nós temos que reconhecer a intenção desses proprietários e o que eles vem fazendo pela conservação da Mata Atlântica. Então esse é um programa que nós vemos com muito carinho e tem sido uma das principais ações nessa aliança entre a SOS Mata Atlântica e a Conservação Internacional. Nós temos desenvolvido também outras ações, que eu considero também muito importantes, por exemplo, que é o prêmio de Jornalismo Ambiental, que é uma forma que nós descobrimos, nós achamos de estimular a mídia de forma geral, tanto a mídia impressa como a televisão e outras formas de estar se envolvendo mais com os assuntos relacionados com a conservação da biodiversidade. Nós estabelecemos esse prêmio também em parceria com a área de comunicação internacional da Conservation international e então houve uma parceria muito interessante entre a área de comunicação também da SOS com a da Conservação Internacional no Brasil. Esse prêmio já está na quarta edição e hoje nós estamos premiando tanto reportagens escritas como também reportagens de televisão. E todo ano a gente faz uma publicação das melhores reportagens, das reportagens premiadas com alguns artigos sobre a Mata Atlântica. Então é uma forma da gente levar a mensagem da Mata Atlântica, conservação da Mata Atlântica pra mídia de uma forma geral e pra sociedade também, então é um programa extremamente importante, e nós temos feito várias outras coisas em políticas públicas, em apoio a projetos de outros parceiros, a SOS Mata Atlântica e a Conservação Internacional dentro dessa experiência da Aliança tem procurado estimular a formação de outras parcerias. Uma delas foi a mais recente, foi o estabelecimento do que nós chamamos de Pacto Murici. O Pacto Murici é um pacto formado por oito Organizações Não Governamentais, oito ONGs em
prol da conservação da Mata Atlântica do Nordeste, que é a Mata Atlântica ali acima do rio São Francisco. Talvez seja uma das áreas mais críticas da Mata Atlântica. Hoje, se a gente pensa, por exemplo, em extinção provável de espécies da Mata Atlântica, provavelmente a Mata Atlântica do Nordeste vai ser uma das primeiras que vai ocorrer isso se a gente não estabelecer ações completas de conservação, ações fortes de conservação. Então o Pacto Murici, que foi formado o ano passado, reúne a expertise de oito ONGs e que traz também essa experiência da Aliança entre a SOS e a Conservação Internacional. A nossa intenção é estimular cada vez mais a formação de uma rede de parceiros que seja uma rede de parcerias com organizações capacitadas tecnicamente, com organizações que estejam atuando nas suas regiões, ou atuando localmente, mas que todas elas estejam de alguma forma, interligadas, formando uma verdadeira rede de conservação de ONGs dentro da Mata Atlântica. O que eu acho que vai ser uma contribuição e já está sendo uma contribuição extremamente importante da sociedade civil organizada na área de conservação de biodiversidade.
P/1- Luiz, você estava falando e eu estava pensando o quanto foi desenvolvendo e quantas pessoas estão envolvidas hoje. Você acha que existe uma maior conscientização por parte das pessoas ou é um pouco na coisa da mídia de falar tanto e as pessoas acabam agindo ou se mexendo por conta da mídia sem ter muita noção do que acontece? Como que você faz essa análise?
R- Olha, certamente a mídia tem um papel fundamental porque traz informações, traz imagens, então as pessoas ficam mais sensibilizadas. Um exemplo é o Globo Repórter que atinge milhões de pessoas. Praticamente três programas por mês, no mínimo dois são relacionados aos problemas ambientais, ou à conservação, isso tem um impacto enorme. Eu, por exemplo, já participei do programa Globo Repórter e é interessantíssimo porque as pessoas falam: “te vi no programa, não sei o que”. E é uma sexta feira à noite, que você espera que as pessoas vão estar fora de casa, mas está todo mundo assistindo e comentam, falam do programa: “gostei, é extremamente interessante, é importante”. Mas a gente sabe que entre a sensibilização e a prática tem um abismo, ainda está muito longe. As pessoas reconhecem que a conservação é necessária, é importante, o meio ambiente é importante pra vida de todos. Mas entre isso e tomar uma atitude que realmente vá fazer a diferença, ainda é muito distante. Mas não se compara com vinte anos atrás. Há vinte anos não se falava praticamente em conservação, falavam muito pouco, mas hoje as pessoas já reconhecem a importância de uma área protegida, uma unidade de conservação, de um rio limpo, de um ar com qualidade. Então as pessoas estão mais atentas a isso, mais sensibilizadas de fato. Hoje a profissão Biólogo todo mundo conhece, você fala que é Biólogo todo mundo sabe o que é, há vinte anos ninguém sabia o que era isso. E uma coisa interessante aí, já que eu mencionei o Biólogo, é que hoje a área de conservação já é uma área multidisciplinar, não é só uma coisa do Biólogo. Hoje nós precisamos do Economista, precisamos do Sociólogo, do Agrônomo, do Engenheiro Florestal. Quer dizer, hoje, conservação, não se faz só com o Biólogo ou com o Ambientalista, se faz com um conjunto de disciplinas, com um conjunto de áreas do conhecimento que são necessárias pra fazer frente a todos esses grandes desafios na área de conservação.
P/1- A gente falou muito dessa preservação de algumas áreas. Mas quando a gente fala da preservação e do meio ambiente a gente nunca fala do urbano e você é uma pessoa urbana. O que você acha que deveria ser feito nas áreas com maior população?
R- Em primeiro lugar tem que aparelhar adequadamente os municípios, as Secretarias Municipais de Meio Ambiente. Hoje, vários municípios possuem Secretaria de Meio Ambiente. Mas nós sabemos que eles não têm profissionais adequados, tem pouquíssimas pessoas nas Secretarias Municipais de Meio Ambiente. Os Conselhos de Meio Ambiente também são poucos, apesar de terem crescido e ter vários municípios que possuem, mas os conselhos não são tão atuantes, são poucos. Então tem que aparelhar os municípios, botar gente com capacidade técnica que possam desempenhar a sua função. E outra coisa, é que volta novamente a questão da legislação. Se o município tem sua Agenda 21, tem seu Plano Diretor, tem as suas normas ambientais, elas têm que ser aplicadas porque não adianta isso estar no papel se não é aplicado, se não é respeitado. Quantos municípios que nós conhecemos que tem plano diretor, mas o município continua crescendo de forma totalmente desordenada. Então tem que haver um esforço e tem que se aplicar a lei, tem que aparelhar os municípios senão fica muito complicado. E tem que ter alguns programas especiais também. Hoje, cidades como São Paulo, grandes capitais, não é só um problema do município, é um problema do Estado e um problema do governo Federal. Todos têm que estar trabalhando de forma conjunta, todos colocando sua competência, o recurso pra lidar com esses grandes problemas. Cidades como São Paulo estão de um tamanho tão absurdo que fica quase inviável se fazer qualquer coisa, é quase, não tem como administrar uma cidade dessas. Então se não houver medidas urgentes e realmente estratégicas e eficazes, não vamos conseguir resolver os problemas das grandes cidades. E a população tem que cobrar, porque isso todo mundo sente na pele no dia a dia. A sociedade tem que cobrar, tem que ser mais atuante e cobrar dos políticos e governantes, do tomador de decisão, atitudes e ações concretas.
P/1- Voltando um pouquinho pra SOS, você falou da campanha publicitária, “estão tirando o Verde da nossa Terra”, que foi uma coisa que te marcou muito.
R- Sim.
P/1- Você lembra de uma outra que tenha te chamado atenção também?
R- Das campanhas? Essa última agora que eu posso citar como exemplo, do Observatório Parlamentar. Acho extremamente fantástica, porque nos remete novamente à questão da legislação. Então esse acompanhamento do que os políticos estão fazendo, o que está acontecendo no dia a dia da câmara, do senado, é essencial. Hoje a gente não vive, se a gente quiser resultados a gente tem que estar ali, sensibilizando os políticos, tem que mostrar fielmente o que está acontecendo no campo, influenciando a tomada de decisão, influenciando as decisões do Congresso que vão se refletir nas ações do governo, nas políticas governamentais, que por sua vez vão se refletir nas ações de conservação. Então é um exemplo claro da eficiência da SOS Mata Atlântica, que enxerga de longe e sabe como montar essas estratégias, sabe divulgar e como envolver vários segmentos da sociedade numa campanha como essa. É extremamente importante.
P/1- Luiz, como você vê, quais as perspectivas pra Mata Atlântica a médio e a longo prazo?
R- Eu me acho uma pessoa muito otimista (risos). Eu acho que o ambientalista, o profissional da Biologia da conservação tem que ser um eterno otimista senão ele jogaria a toalha. Eu mencionei aqui os vários problemas nessa área de conservação, é tudo muito difícil, muito difícil e nós corremos contra o tempo. A Mata Atlântica, com os dados que a SOS tem mostrado aí ao longo desses anos, quer dizer, perdeu quase toda sua cobertura e nós sabemos que nós estamos sentados numa bomba relógio. As espécies ainda estão aí, desapareceram pouquíssimas, mas isso pode ser uma questão de tempo. Porque há um tempo entre o desmatamento e o declínio das populações, das espécies e o reflexo que esse desmatamento tem na estrutura das comunidades e na estrutura da biodiversidade. Então pode ser que se não tomarmos medidas urgentes, pra ontem mesmo, investir pesadamente, formar pessoas em biologia de conservação e outras áreas nessa área de conservação. Então ter capacidade técnica, capacidade institucional, fortalecer instituições nas diferentes partes da Mata Atlântica, Nordeste, a região central da Mata Atlântica, o interior da Mata Atlântica, região Sul. Fortalecer não só ONGs, mas fortalecer também órgãos públicos. Então se não combinarmos isso tudo, recursos humanos, recursos financeiros, pessoal capacitado, redes de organizações, de instituições. Se não houver essa troca de informações mais rápida, mais ágil, se não houver mais cooperação, se não tivermos isso o futuro da Mata Atlântica pode ser muito negro, infelizmente, porque a situação hoje é muito crítica. Mas eu confio muito nas pessoas que hoje estão lutando pela Mata Atlântica. Eu acho que
tem organizações fortes, tem pessoas sérias, competentes. Esse workshop que vai acontecer aqui em Embu é um exemplo disso. Tem várias pessoas, várias instituições, que estão há anos trabalhando pela Mata Atlântica e estão cada vez mais unidas, cada vez mais integradas, cada vez mais enxergando um objetivo comum, uma estratégia comum. Então eu acredito muito que nós podemos reverter esse processo. De não só parar a perda da biodiversidade da Mata Atlântica, em termos de cobertura florestal e possivelmente em termo de espécies, mas também começar a reconstruir a Mata Atlântica que é outra etapa, que vai ser extremamente importante. Nós temos que começar a reflorestar, a revegetar algumas áreas estratégicas da Mata Atlântica. Nós sabemos que é impossível voltar o que era porque é uma área enorme, um milhão e quatrocentos mil quilômetros quadrados. Mas dentro, hoje, do que se conhece da ciência, da biologia da conservação, nós temos condições de saber onde que é mais estratégico procurar fazer reconexões, replantios da Mata Atlântica pra que a gente possa garantir a conservação a longo prazo da biodiversidade desse bioma. Acho que nós temos competência pra isso, mas precisamos de um reforço. Precisamos de um reforço urgente, para que a gente possa mais rapidamente e mais agilmente estabelecer ações de conservação.
P/1- Luiz, Brasil e mundo, aí você vê como que você quer fazer isso. O que você acha que são os maiores problemas que enfrentam à questão ambiental, no Brasil e no mundo hoje?
R- No mundo, eu acho que é ainda o imediatismo, é a predominância das questões econômicas sobre qualquer outra coisa. Sobre meio ambiente, sobre fome, sobre miséria, sobre doença, sobre saúde. A economia sempre prevalece na maioria dos países em todo o mundo. E essas outras questões que deveriam caminhar juntas, são vistas até como empecilho ao desenvolvimento econômico. O caso clássico foi o Brasil, a discussão no final do ano passado, que a área ambiental do governo, estava atrapalhando o desenvolvimento econômico do país. O que é uma grande mentira e é um erro histórico, que infelizmente, tem atrapalhado e tem causado um retrocesso muito grande na área de conservação. E eu acho que as questões ambientais estão totalmente atreladas às questões de miséria. Quando você está trabalhando pra conservação, você de alguma forma está ajudando a solucionar os problemas de miséria. Então muitas vezes se joga uma coisa contra a outra, que é um outro erro também. E infelizmente, conservação, seja no Brasil ou no mundo, ainda não é prioridade. É lógico que se comparar com trinta anos atrás, vinte anos, melhorou sensivelmente. Hoje pra você ter uma ideia, existe mais de cem mil áreas protegidas, mais de cem mil unidades de conservação em todo o mundo. Então isso, nós costumamos brincar que é a maior franquia do mundo, o McDonalds tem trinta
mil lojas em todo o mundo, as unidades de conservação são mais de cem mil em todo o mundo, é mais de 180 países, quase duzentos países têm unidades de conservação. Então há um reconhecimento que é necessário conservar partes da biodiversidade, parte dos territórios em todo o planeta, que ele deve ser mantido na sua condição original. Parte dessas áreas também, muitas delas foram criadas por necessidade, pra manter reservatórios de água, mananciais, pra recreação, lazer, turismo. Mesmo que sejam criadas em função das necessidades humanas, mas essas áreas todas são importantes. Então houve um avanço, mas nós sabemos que se quisermos resolver os problemas mundiais, está aí o exemplo do efeito estufa. Se quisermos resolver um problema desse tipo, nós temos que ter um comprometimento muito maior, mas numa ordem de grandeza muito maior do que se tem hoje, seja por parte dos governantes, mas também da sociedade como um todo. Pra sair justamente dessa vontade expressa em palavras, pras ações práticas de redução de CO2, pra diminuir o efeito estufa, pra deixar de jogar o lixo no rio, pra ajudar na implementação das unidades de conservação, pra conservar ou proteger a reserva legal das propriedades, que é exigida por lei e que grande parte das propriedades no Brasil já nem tem mais reserva legal. Então todo mundo tem que fazer a sua parte, a gente não pode esperar também que só os governantes façam. A sociedade toda tem que participar e nós estamos agora num momento crítico. É como no caso da Mata Atlântica, isso vale também pra todo mundo. Ou nós tomamos medidas agora, concretas, urgentes e façamos uma grande aliança global pra que a gente possa mudar a história desse planeta. Ou nós vamos entrar num período preocupante de grandes catástrofes, grandes problemas de fome e problemas que vão se espalhar pelo mundo todo em função da degradação ambiental em todo o planeta.
P/1- E se você tivesse que fazer uma avaliação de ganhos e perdas, dentro do movimento ambientalista, você acha que está mais pros ganhos ou pras perdas?
R- Eu acho que ganhos. Eu acho que ganhos porque eu falo mais da experiência brasileira. Se não fossem as ONGs, eu falo isso com total segurança, a situação estaria extremamente crítica no país. As ONGs elas têm múltiplos papéis dentro da área ambiental, desde fiscalizador, aquilo que nós chamamos de ongueiro ativista, que vai lá, que grita, que vai lá e reclama com o deputado, o senador, o prefeito, até as ONGs que optaram por fazer um trabalho técnico utilizando ciência de primeira. São ONGs que têm criado mecanismos inovadores de conservação, têm estimulado o governo a vir junto, a trabalhar junto. São ONGs que estão trabalhando lá com o proprietário, no corpo a corpo, que vai lá e tenta proteger o proprietário a proteger a sua área, a sua mata. ONGs que estão fazendo publicações sobre a área de conservação, são ONGs que estão aí dando exemplo de parcerias. A SOS é um caso típico. A SOS Mata Atlântica, quantas parcerias a SOS fez ao longo da sua história? É uma organização que trabalha essencialmente com parcerias, em todos os níveis, desde o pequeno, a pequena ONG ali no interior de tal Estado até as grandes ONGs, com o governo federal, o governo estadual, prefeitura. Quer dizer eles estão abertos a trabalhar com quem queira vir contribuir nesse processo. Então as ONGs, eu acho que de certa forma são uma expressão muito bonita da democracia, da convivência. Claro que tem problemas também, ONG que briga com ONG e não sei o que, aquelas coisas. Mas é muito interessante como funciona o movimento ambientalista, na hora que todo mundo quer se unir pra uma causa, há uma colaboração aberta, sem condições, sem pré condições, todos trabalhando por um mesmo objetivo. Estão desenvolvendo novas tecnologias, desenvolvendo projetos concretos, mostrando ao governo que é possível conservar em áreas até problemáticas, trabalhando junto com o governo como esse projeto de áreas prioritárias para conservação. Era um projeto do Ministério do meio ambiente, que as ONGs abraçaram, coordenaram e organizaram junto com o governo. E tem vários outros exemplos de dezenas de ações e projetos que as ONGs vêm trabalhando, seja com os governos em todos os níveis, seja com proprietários privados, seja com empresas, desde a pequena empresa às grandes corporações. Então as ONGs, acho que vieram pra ficar, é um movimento legítimo, é um movimento extremamente importante. E eu creio que hoje as ONGs estão muito mais profissionalizadas, eu acho que a falta de recursos de certa forma contribuiu, levou para que essas ONGs se tornassem mais profissionais, que prestassem contas de tudo o que fazem, de cada centavo que gastam. Elas têm que ser muito eficientes, porque não tem muito recurso, então o dinheiro que elas gastam tem que ser extremamente estratégico, tem que ser colocado realmente em ações concretas. Então, as ONGs tem um papel fantástico e extremamente essencial em qualquer área de conservação. E várias pessoas que estavam nas ONGs, estão hoje dentro do governo, estão contribuindo lá dentro. As pessoas deixaram de jogar pedra no governo e estão lá contribuindo no governo. Hoje estão recebendo pedradas também, mas estão lá, estão trazendo sua experiência de vida, de profissional, estão tentando contribuir. E as ONGs tiveram um papel muito importante na construção de uma estratégia de conservação de biodiversidade no Brasil. E eu acho que vão ter cada vez mais, porque elas estão se fortalecendo, estão se capacitando, estão se profissionalizando. Então a contribuição das ONGs vai ser cada vez maior.
P/1- Luiz, nós estamos chegando no final. A SOS está completando dezoito anos, teve um período que você namorou ela de longe, estava vendo e outro que você ficou mais próximo, como que você vê esses dezoito anos de SOS? Uma avaliação.
R - É até interessante porque a SOS está fazendo dezoito anos e eu estou fazendo dezoito anos de profissão, quando ela nasceu eu estava saindo da universidade. De certa forma eu fui acompanhando no início mesmo. Mas eu fui acompanhando o processo de crescimento da SOS Mata Atlântica e nos últimos, eu diria, oito anos, nove anos, eu acompanhei mais intensivamente. Principalmente nos últimos cinco anos, que foi quando nós instituímos a Aliança pra conservação da Mata Atlântica. Eu vejo a SOS com muito carinho, pra mim é um exemplo de organização não governamental e talvez, se não for a principal ONG do país, é uma das principais ONGs do país que busca seus recursos, consegue ter uma equipe técnica profissional, procura estabelecer parcerias. É uma organização que está sempre de portas abertas e está
sempre buscado desenvolver projetos inovadores que tenham grande repercussão. É uma organização que levantou a bandeira de uma das principais regiões do mundo em termos de biodiversidade. A Mata Atlântica é um dos principais hotspots mundiais. Quer dizer, ela levantou essa bandeira, manteve essa bandeira em pé e luta dia a dia de forma profissional, com embasamento técnico sempre, técnico, científico nas suas ações. Então a SOS Mata Atlântica é como se fosse um modelo pra todos no Brasil, dentro do movimento ambientalista. Eu fico extremamente feliz em fazer parte dessa história, de compartilhar com a SOS Mata Atlântica a ação de conservação na Mata Atlântica, nesse bioma. E não só pelo trabalho, enfim, mas ao longo desses anos eu criei muitas amizades dentro da SOS Mata Atlântica, são pessoas que eu gosto muito, é como se eu conhecesse eles a vida inteira, tenho um prazer muito grande de estar sempre trabalhando com eles. Hoje nós temos uma relação extremamente transparente, aberta, nos falamos quase todo dia, trocamos informações. A Conservação Internacional aprendeu muito também com a SOS Mata Atlântica, apesar de ser uma organização internacional, mas nós aprendemos também com as organizações do Brasil. E essa aliança que se formou foi extremamente estratégica pra Conservação Internacional e a nossa expectativa é que essa aliança que foi renovada no final de 2004, que ela permaneça e nós possamos aí trabalhar muitos anos, mais dezoito anos, mais vinte, trinta anos, enquanto a gente estiver na ativa aí (risos), enquanto a gente estiver trabalhando eu espero estar contribuindo com a SOS Mata Atlântica.
P/1- Luiz, você consegue imaginar sua vida de outro jeito, qual é o peso que a questão ambiental tem nela?
R- Olha, eu costumo dizer pros meus amigos e em casa que se eu não fosse Biólogo eu ia ser ou jogador de futebol, ou locutor, comentarista de futebol (risos), que uma das minhas paixões é o futebol e o meu Cruzeiro. A Márcia falou que eu não podia falar do Cruzeiro, mas eu vou falar que é uma das paixões da minha vida. Mas eu digo que eu tenho algumas casas que eu me sinto totalmente à vontade. Uma é lógico, a minha casa, a casa dos meus pais. Outra casa que eu me sinto extremamente à vontade é o Mineirão, onde o Cruzeiro joga, que eu já frequento há mais de trinta anos, mas uma das outras casas é a floresta, a Mata Atlântica. Eu, quando entro dentro da Mata Atlântica eu me sinto totalmente em casa. É uma coisa muito esquisita eu não sei como explicar isso, mas eu me sinto à vontade. É como se eu conhecesse cada árvore daquela, cada animal, cada som. Então eu adoro entrar na floresta atlântica, quando eu entro e vejo que realmente estou fazendo a coisa certa. Talvez eu fosse um bom jogador de futebol, estaria hoje jogando lá com o Ronaldinho, mas eu acho que eu estou na profissão certa, eu gosto muito do que eu faço, eu acho que é extremamente, pra sociedade de forma geral, pro planeta eu acho que eu vou deixar um pouquinho da minha contribuição aqui, se eu puder fazer algo pela Mata Atlântica, eu acho que vai ser muito importante pra mim.
P/1- E Luiz,você quer deixar uma mensagem, um recado pra SOS nesses dezoito anos?
R- Eu podia dizer, que parabéns. Continuem fazendo o que vocês estão fazendo porque vocês estão no caminho certo e que tenham aí uma vida adulta, agora que saíram dos dezoito anos, com muito sucesso e que simplesmente continuem fazendo o trabalho que vocês fazem de forma simples, de forma estratégica, de forma colaborativa, que vocês vão ter certamente muito sucesso. E parabéns pelos dezoito anos.
P/1- Luiz você queria falar alguma coisa que eu não te perguntei, que você lembrou?
R- Não, eu queria falar mais sobre o Cruzeiro, mas a Márcia não deixou (risos). Falar da tríplice coroa do ano passado. Eu estou brincando, eu acho que eu falei tudo o que eu queria.
P/1- Então eu te agradeço por você ter vindo ficar com a gente um tempo.
R- Eu é que agradeço.Recolher