Projeto: Um século de desenvolvimento industrial no Brasil - 100 anos da White Martins
Depoimento de Abílio Tasca
Entrevistado por Débora Querido e Monique Lordelo
Local: São Paulo - SP
Data: 18/10/2011
Realização: Museu da Pessoa
Código da entrevista: WM_HV039
Transcrito por Priscilla Proe...Continuar leitura
Projeto: Um século de desenvolvimento industrial no Brasil - 100 anos da White Martins
Depoimento de Abílio Tasca
Entrevistado por Débora Querido e Monique Lordelo
Local: São Paulo - SP
Data: 18/10/2011
Realização: Museu da Pessoa
Código da entrevista: WM_HV039
Transcrito por Priscilla Proetti e MW Transcrições (Mariana Wolff)
Revisado por Grazielle Pellicel
P/1 - Débora Querido
P/2 - Monique Lordelo
R - Abílio Tasca
P/1 – Primeiramente Abílio, seja bem vindo. Obrigada pela vinda, pela disponibilidade.
R – Obrigado vocês pelo convite.
P/1 – Imagina. Abílio, pra gente começar, eu gostaria de pedir pra você a data de nascimento e o local, por favor.
R – É 23 de fevereiro de 1958, em São Caetano do Sul, São Paulo.
P/1 – E o nome é Abílio Tasca mesmo?
R – Abílio Tasca.
P/1 – Abílio, conta um pouquinho pra gente dos seus pais, o nome deles. Eles também eram de São Caetano?
R – É. Eu sou de uma família de imigrantes italianos. E São Caetano do Sul é uma cidade relativamente nova, pertencia a Santo André, e um foco de italianos. Ficou dentro de uma área limitada que depois veio a ser São Caetano do Sul. Então meus pais são de lá, meus avós são de lá, e meu bisavô italiano veio da Itália, da região de Treviso. O nome do meu pai é Abílio Luis Tasca, o nome da minha mãe é Isaura Martins Tasca - minha mãe trabalhava na Cerâmica São Caetano fazendo azulejos. Se conheceram lá, casaram e aí o resto da história... Eles tiveram três filhos, eu sou o mais novo: Arlete, Sérgio. E os meus outros dois irmãos têm o nome Martins e, exclusivamente, o meu pai quando me registrou, não tem o Martins. Até hoje, eu não sei o porquê. (risos) Aqui dentro da White Martins seria muito engraçado: “Você é sócio da White Martins?”, “Não, não sou não”, mas teria o Martins.
P/1 – Que pena. (risos) E os seus avós, todos moravam em São Caetano?
R – Todos em São Caetano do Sul.
P/1 – E o que eles faziam? Você sabe?
R – O meu avô por parte de mãe, ele era oleiro. Tinha uma olaria e fabricava tijolos. Inclusive, eu cheguei até a ver, o nome dele era Mário Maria Martins, então tinha três M’s no tijolo. E eu cheguei... Alguém conseguiu, da família, resgatar um desses tijolos e levou pra minha mãe. Não sai da memória o dia que ela viu, ela chorou, assim, de copiosamente ver que ela... Meu avô, por parte de pai, o Mário Tasca era eletricista, também lá em São Caetano do Sul. E as mulheres criavam família, naquela época. O meu avô, ele veio do interior de São Paulo: Presidente Epitácio. E minha mãe conta a história de como foi a viagem de lá pra cá, o meu avô sempre tendo novos negócios até chegar numa região lá de São Caetano do Sul que tinha bastante barro, o suficiente pra um alagado. E esse alagado era matéria prima pra fazer tijolo, aí veio a olaria.
P/1 – E você lembra dessa olaria? Você chegou a conhecer?
R – Não. Inclusive, o meu avô; quando eu nasci, o meu avô materno já tinha falecido. Eu conheci apenas os meus avós por parte de pai, de mãe, não. E eu tenho vaga... Eu tinha seis anos quando o meu avô morreu, de parte de pai, o Mario Tasca.
P/1 – E seus pais ainda...?
R – Meus pais, minha mãe é viva, tem 83 anos, e meu pai faleceu há cerca de, em 96, inclusive, bom... Inclusive, num dia que eu estava fazendo um trabalho, estava até de madrugada na fábrica, recebi um telefonema que ele tinha falecido. Mas isso aí, ele aproveitou bem a vida, os dois aproveitaram bastante a vida. Educaram bem os filhos. O meu pai, depois de eletricista, ele se juntou com o meu tio e montou uma marmoraria e depósito de material de construção, passou a ser empresário. Teve um crescimento bastante interessante na vida e depois se aposentou com, praticamente, 65 anos. E viveram bem os dois, os filhos já estavam grandes, casados. Foi pescar bastante. Aproveitaram a vida, conheceram a América do Sul. Sempre viajando.
P/1 – Tua mãe ainda mora em São Caetano?
R – Ainda mora em São Caetano, sozinha. Não quer sair de lá.
P/1 – E como foi a sua infância em São Caetano?
R – Muito bacana. Infância naquela época significava ruas não asfaltadas - estou falando de 65, com sete anos mais ou menos. Então, o que não faltava era lugar pra jogar bola empinar pipa, bolinha de gude, o que mais? Carrinho de rolimã, onde tinha asfalto. Muita diversão. Uma diversão diferente dos meus filhos, de hoje, que eles estão mais “in”, mais em computador, reuniões em lugares fechados, menos área disponível. Bem solto, bem solto. Bastante amigos, muitos amigos.
P/1 – Você brincava muito com os seus irmãos? Você era o caçula.
R – O pequeno sofre mais, né? (risos) O pequeno sofre mais. E a minha irmã mais velha é oito anos mais velha do que eu, meu irmão intermediário mais cinco, e dá uma diferença grande. Quando você está com sete anos, sua irmã já está com quinze, já é uma moça. Então não teve, assim, uma interatividade de amizade. Quando a idade é mais próxima, quando você tem dois, três anos de diferença, ainda brinca ou tem um crescimento mais ou menos igual. Mas com um “gap” de oito anos, é bastante diferença. Meu irmão, um pouquinho mais diferente, cinco anos, teve, como se diz? Alguma... Ele, como ele era o caçula, e sempre que chega um caçula depois do caçula, ele sempre perde um pouco dos privilégios. Então até uma certa idade houve uma certa diferença entre nós dois, depois isso foi evaporando com o tempo. Eu trabalho desde os 14 anos. Na minha família, por questão de educação, com 14 anos, era mais ou menos assim: “Vai trabalhar”, a minha irmã começou a trabalhar com 14 anos na Brinquedos Trol - vocês provavelmente não conhecem -; meu irmão, com 14 anos, entrou na escola Senai da General Motors, e tocou. Eu, com 14 anos, fui procurar emprego no, não esqueço até hoje, olhei no Estadão de domingo e segunda-feira tinha um emprego de “office-boy” no centro de São Paulo. Eu fui, já tinha tirado a carteira de trabalho, sozinho, em São Caetano. Aí consegui um serviço, um trabalho numa empresa que vendia pecúlios pra um plano da Aeronáutica, trabalhei lá praticamente seis meses. Depois apareceu uma oportunidade de trabalhar numa fábrica de molas em São Bernardo do Campo, no departamento de Engenharia. E aí começou a minha paixão pela engenharia. Então, o meu primeiro trabalho lá era como arquivista, era arquivar desenhos técnicos e tirar cópias de desenhos técnicos. Naquela época, cópias de desenhos eram tiradas em formato de papel hidrográfico. Não sei se vocês sabem como é isso. É um papel que tem uma espécie de uma resina, aí você coloca, os desenhos eram feitos em papel vegetal, a nanquim, tinta nanquim; aí você colocava o papel com essa resina, a tinta nanquim por cima e passava numa luz ultravioleta. Onde a luz não passava, ficava a resina e onde a luz passava - o papel vegetal é transparente, é claro -, ele queimava a resina, ficava branco. Depois você pegava isso aí e colocava numa solução com vapores de amônia, e aí o desenho clareava e ficava uma cópia exatamente daquilo que era feito. Então foi isso. Aí começou o meu trabalho no departamento técnico, e eram... Mas aí com alguma dificuldade em relação à escola, porque tive que estudar à noite e trabalhar de dia. E era uma coisa bastante interessante porque com 14 anos, já, cinco e meia da manhã, “cedão”, pegava uma carona até o ponto de ônibus com o meu pai que ia trabalhar, depois pegava pra esse lugar mais ou menos mais ou menos não, exatamente dois ônibus depois, andava mais ou menos uns três quilômetros a pé até chegar na fábrica. Bem legal, emocionante. Mas com 14 anos, tudo é alegria.
P/1 – (risos) E sobre a educação que você citou, como era antes de começar a trabalhar? Porque eu acho que aí foi, dividiu...
R – Foi junto. Antes, eu comecei a... Antigamente, era assim. Hoje, já não é mais. Tinha quatro anos de primário, curso de admissão - é um ano que se fazia a admissão -, mais três anos de ginásio. Depois, eu fui... Curso técnico, fiz curso técnico, depois cursinho e Engenharia. Então, no primário, os quatro primeiros anos, de 58 a 65, entrei na escola com sete anos. 65 a 69: escola de manhã e brincar à tarde. Não vou esquecer que muitas vezes a minha mãe colocava o chinelo em cima da mesa, pra fazer as lições de casa, porque o mais interessante era brincar. Mas, literalmente, brincar. Televisão [era em] preto e branco naquela época... Televisão, naquela época, eram móveis, não sei se vocês viram em casas de antiquários televisão, aqueles móveis bonitos, com quatro pés assim, que era uma decoração da sala. Não tinha muito programa pra criança naquela época, tudo era preto e branco, e os desenhos da Disney eram todos em inglês.
P/1 – Aí vocês só viam, então?
R – É, não tinha... O negócio era rua mesmo, ficar brincando na rua.
P/1 – E qual era a tua brincadeira predileta? Você falou de algumas.
R – Ah, sem dúvida, o carrinho de rolimã. O carrinho de rolimã porque não era só o carrinho, era fabricar o carrinho de rolimã numa marcenaria, ou quem tinha caixas de transporte de frutas, pegar as madeiras. Depois você ia numa oficina mecânica e arrumava os rolamentos disponíveis - você não comprava nada. Depois, pegar a ferramenta do pai escondido, ir em algum canto e ficar serrando. E era assim. Depois...
P/1 – Seu pai tinha muitas ferramentas?
R – Muitas. Meu pai, ele tinha muita habilidade com as mãos. E eu herdei isso, e meu filho também herdou isso. Então, tem bastante tato pra mexer com as coisas, prazer de mexer com as coisas.
P/1 – Isso te fazia gostar de alguma matéria específica na escola?
R – Olha, é assim: eu sempre tive muita facilidade com Matemática e Física. Natural, vinha por prazer então... Inglês era o meu problema. Tirando o Inglês... Português não era a minha paixão, nunca foi a minha paixão. Minha paixão foi sempre Ciências Exatas. Aí trabalhei durante quatro anos numa fábrica de molas. Eu queria seguir a carreira militar e prestei exame. Bom, eu fiz o curso técnico em Eletrônica, porque meu irmão fez o curso técnico em Eletrônica numa escola conceituada lá em São Caetano do Sul, e eu gostava daquilo que ele fazia, montar rádios em casa, fazer “kits” em casa. Fazia montagens, era legal. Você juntava um monte de peças e o negócio funcionava como rádio. Aquela época era a época que a gente estava saindo da válvula e indo pra transistor - só pra você ter ideia, estou falando agora de começo dos anos 70. E aquilo me deu uma paixão por eletrônica e o curso técnico de eletrônica. Em desenvolvimento de circuitos você usa muito cálculo matricial. Então, a escola era muito forte em cálculo matricial, e a escola era boa. E mesmo trabalhando, eu gostava daquilo que fazia. Sempre nesse negócio. O dia era extremamente árduo. Não tinha carro, condução pra ir [e] voltar, jantava em casa, ia pra escola, saía tarde, mas...
P/1 – Qual era o nome da escola?
R – Instituto de Ensino São Caetano do Sul, uma escola técnica de São Caetano, conceituada no ABC. Mas eu queria, não sei porque, eu enfiei na cabeça que eu queria ser militar. Aí eu fiz o concurso na Escola Naval, e entrei. Só que quando eu fiz, imaginava que a Escola Naval era uma coisa, e fiquei lá durante quase três semanas. E não era nada daquilo que eu imaginava. Assim, o trote é pesadíssimo, é nojento, e eu lembro que eu estava chegando num domingo lá, então todo mundo tinha que... Era o primeiro dia, um domingo, tinha um prédio, uma marquise grande, com uma cadeira e um barbeiro, e todo mundo que ia chegando assim sentava na cadeira e “tchum, tchum, tchum”: coisa de uns 30, 35 segundos você já estava com o cabelo cortado. (risos) Todo mundo jovem, cabeludo, acabou ali. Mas eu vi que não era bem aquilo. Tocava a sirene às seis da manhã, então seis e meia todo mundo em ordem unida em frente à bandeira, cantando o Hino Nacional, e chovendo. Aquilo foi um: “Não é bem isso que eu quero”. Queria fazer Engenharia em modalidade naval, e principalmente com o governo pagando, que seria mais gostoso. Mas, meus pais ficaram super felizes, orgulhosos quando eu entrei. E também eu lembro muito bem o dia que eu cheguei em casa sem avisar, (risos) que eles estavam esperando que eu voltasse só daqui há seis meses, mais ou menos, e de repente entrei em casa lá, de cabelo cortado: “O que você está fazendo aqui em casa?”. (risos) Foi assim, diferente. E aí, você veja que tudo que eu sempre tracei na vida foi o lado técnico já na escola, desenvolver carrinho de rolimã, trabalhar logo cedo, com 14 anos, no departamento de engenharia, o curso técnico ajudando com fórmulas de cálculo de mola, já fazia cálculo de molas, fazia um pouco de projeto - e foi tudo se misturando, até que chegou na escola de Engenharia. Que eu ia ser engenheiro estava na cara até por também gostar de automobilismo. Eu nunca vou esquecer quando o Emerson Fittipaldi e Wilson Fittipaldi vieram na fábrica, eles tinham uma equipe chamada Copersucar, eles vieram lá pra falar com o Gerente do Departamento Técnico que sentava do meu lado, pra desenvolver uma mola pro Copersucar. Então, todas essas... Fórmula Um eu já gostava, passei a gostar mais ainda. Foi se misturando até chegar no curso de Engenharia, que era só uma continuidade daquilo que eu esperava. Também, eu vi que os engenheiros, naquela época, eles tinham um tratamento diferenciado, bem diferenciado. Os engenheiros eram pessoas que estavam em posições relativamente boas dentro da companhia, e eu queria seguir essa linha. Então, tentar juntar o gostoso com o agradável.
P/1 – (risos) Mas aí você saiu da Escola Naval e voltou. Aí fazia...?
R – Aí eu fiz cursinho, porque já tinha passado todos os vestibulares. Aí tem o vestibular de meio de ano da FEI [Faculdade de Engenharia Industrial], em São Bernardo do Campo. Eu fui fazer FEI, fiz em cinco anos.
P/1 – E como foi essa época da faculdade?
R – Terrível.
P/1 – (risos) Por quê?
R – Assim, a FEI é uma escola de Engenharia renomada e forma bons profissionais, contudo, acho que até por causa da Revolução de 64, eles tiveram um Centro Acadêmico muito forte, e houve greves, quebra de escola. E é uma entidade tocada por padres, né, é uma entidade católica. E eles formaram uma grade que você, com o passar do semestre, sempre estava com turmas novas, não mantinha a mesma turma, que não é o que acontece com a maioria dos meus colegas que se formaram em outras escolas. E tinha provas; semana de prova era uma coisa horrível, você tinha 12 a 15 matérias numa única semana e era... A FEI é uma escola conhecida porque é difícil de sair, e eu perdi muitos colegas que tiveram até problemas psicológicos, achando que eles eram incapazes e não é verdade. E que era difícil você ter... O grupo que eu entrei de 700 pessoas, oito pessoas saíram, conseguiram fazer em cinco anos. A maioria fez em, são semestres sempre, com um ou dois semestres a mais, de cinco e meio a seis anos. Então foi, isso dispersou muito a turma. Então, tanto é que meus colegas de faculdade eles estão por aí.
P/1 – Você trabalhava nessa época?
R – Não, é impossível fazer uma boa faculdade de Engenharia trabalhando. O que foi duro. Assim, as provas eram muito fortes, você estudava, estudava muito e tinha provas que você chegava pra fazer e falava: “Será que eu fazendo a prova da matéria que eu estudei?”. (risos) Isso aconteceu muito, teve provas... Eu consegui fazer em cinco anos, me forçava a fazer em cinco anos porque eu sempre trabalhei e sabia o custo do dinheiro, e não gostaria de chegar em casa, como é que se diz? Falando: “Tomei pau”, que era o tema que se usava. Contudo, teve provas, teve uma prova especificamente, que eu me lembro muito bem, que eu não sabia se eu tinha tirado zero ou dez. Quando eu fui ver a nota lá no quadro de notas, você já deve ter visto, tinha um número lá, que de novo eu não sabia se era zero ou dez (risos), e eu fui falar com o professor: “Ó, você tirou dez”. (risos) Podia ter sido zero. A questão não é essa. Era tanta pressão de reprovação que você se sentia mal. Então, foi bom, a escola é boa. Eu fiquei com uma base de formação muito boa, mas poderia ter sido um pouco mais agradável. Mas foi duro, fazer cinco anos na FEI foram [para] poucos.
P/1 – Vitória mesmo. Mas, nesse tempo, você, no pouco tempo que tinha fora os estudos, como você se divertia? Nos finais de semana, o que vocês faziam em São Caetano?
R – Aí tinha um grupo de pessoas que não era de São Paulo; tem o pessoal da república, do lado então tem as festas na república. Festa na república sempre é bom, então se cantava, se dançava, se bebia. A gente ia pra praia, a turma da faculdade na praia, e eu já namorava naquela época, então ou estava com a namorada ou estava com os colegas. Se jogava muita sinuca, pebolim um, pebolim dois, pebolim três, se fazia, como é que se diz? Menos na semana de provas, semana de provas, realmente, era... Então, basicamente isso. E Fórmula Um.
P/1 – Sempre acompanhou?
R – De perto.
P/1 – Então foi várias vezes pra Interlagos?
R – Muitas. Interlagos. E antigamente não era Interlagos, era em Jacarepaguá - não sei se você lembra. Uma das poucas corridas que o Ayrton Senna fez no começo da carreira com a Lotus preta, foi em Jacarepaguá. Corria com o Nick Lauda na época. Isso faz tempo, eu lembro.
P/1 – Bom, e aí foram cinco anos de FEI; teve tempo de fazer algum estágio? Ou alguma Iniciação Científica?
R – Teve. Eu fiz estágio na Telesp [Telecomunicações de São Paulo]. Tem, então, a Engenharia Mecânica, ou a Engenharia, na maioria das vezes, você tem, os três primeiros é básico pra todos, e no quarto, no final do terceiro ano, você escolhe qual a carreira que você quer seguir. Tem gente que vai pra Engenharia Química Na minha época tinha Química, Elétrica, Eletrônica, Mecânica Plena, Mecânica de ar condicionado e refrigeração, Mecânica de produção, que é a administração de processos produtivos - acho que já falei Metalúrgica, acredito que não -, Metalúrgica. Então, eram essas as atividades. Eu optei por Engenharia Mecânica no terceiro ano, e você ainda poderia, dentro da Engenharia Mecânica, você tinha três opções: a Plena, que é aquela que lida com todas as formas de energia por isso que era a minha paixão; tinha a automobilística; e tinha a de produção. De produção, era mais organizacional. E eu sempre tive na cabeça que eu gostaria de continuar trabalhando na área Técnica. Automobilística seria uma paixão, contudo, a indústria automobilística, na época, passava por uma forte crise. E o Brasil, ele não é um país, ainda, que desenvolve tecnologia de produção de carros aqui, você recebe muito projeto pronto. Naquela época, os carros que saíam de produção, tipo, Maverick, Landau, lá dos Estados Unidos, as, como se diz? As prensas antigas eram encaminhadas pros países de terceiro mundo. Não é que nem hoje que você tem o lançamento mundial de um carro, você lança ao mesmo tempo na Europa, no Brasil e Estados Unidos, não tem... Então, mesmo gostando de automobilismo, eu não segui dentro da FEI, porque saberia que eu deveria trabalhar numa empresa que não desenvolve tecnologia própria. Como se diz? Importa tecnologia. E aí eu fui pra Engenharia Plena. Dentro da Engenharia Plena, apesar de ter tudo, você pode trabalhar dentro de processo de usinagem convencional, ou seja, usinagem de peças etc. Era o início da programação de CNC [Comandos Numéricos Computadorizados]. Naquela época ainda, os computadores eram a cartão.A gente programava em Fortrane. A Engenharia Térmica, que é aquilo que eu mais gostava, que me despertou mais paixão, era o mais gostoso. Eu me lembro que era uma ciência muito gostosa. Você perguntou de estágio, eu já vou chegar no estágio da Telesp de novo, tá? Saiu um... Eu me formei em 83, saiu um anúncio no quadro lá do Centro Acadêmico, que a Brinquedos Grow estava precisando de um estagiário de Engenharia Mecânica. Eu fui lá no outro dia sete horas da manhã. Menina, tinha uma fila na portaria, que saía - a Brinquedos Grow fica num quarteirão enorme -, ela saía, dava a volta e quase fechava. E os porteiros riam, falavam: “Olha, engenheiro”, (risos) “Olha a situação que a gente está, melhor ser porteiro”, falamos pra eles. Estava num processo recessivo muito forte a economia, naquela época. Bom, dentro dos processos térmicos, refrigeração e ar condicionado é uma ciência, é um ramal da Engenharia Mecânica, e apareceu essa oportunidade de trabalhar na Telesp. Antigamente, as Centrais Telefônicas eram grandes centrais de relés, tudo era por relé, saindo daquelas... Quando a gente vê aquelas fotos antigas que você tem nos seus livros, lá, uma telefonista, antigamente, ficava com aqueles cabos plugando numa mesa. Depois passou para as Centrais Telefônicas com grandes relés, e aquilo gerava uma quantidade enorme de calor. Então você precisava projetar sistemas de ar condicionado pra manter aquilo dentro de uma temperatura. Então, as antigas Centrais Telefônicas da antiga Telesp eram todas a relés, tinha todo um departamento de engenharia voltado pra climatização dessas áreas. Eu trabalhei lá um ano, um ano dentro da Telesp, mas não quis seguir lá porque, de novo, não tinha futuro, não seria brilhante, quer dizer, não via, não me via fazendo muita coisa além de fazer especificação de equipamentos pra terceiros fazerem, com uma certa limitação. Então não era por aí.
P/1 – Aí você saiu do estágio da Telesp, e isso, ainda não estava formado?
R – Não estava formado, estava no último ano. Aí me formei, e com o diploma na mão eu fui procurar outro serviço como engenheiro. A economia ainda não estava em estado aquecido, aí eu fui trabalhar numa concorrente da White Martins que se chama Air Liquide, antiga Oxigênio do Brasil. Fui trabalhar lá como, exatamente o que eu faço hoje, engenheiro de Processos. Eles precisavam de pessoal de engenharia de processo para processos de combustão industrial, e o único fogão, queimador que eu tinha ligado, até em casa, foi o queimador do fogão de casa. Então foi emocionante.
P/1 – E aí você começou a aprender um pouquinho sobre gás?
R – Porque até então, a faculdade te dá o básico. Como é que se diz? É uma plataforma, não sei se acontece com vocês até ainda hoje, eu achava que determinadas coisas que eu aprendi na faculdade, deveria ter levado um pouco mais a sério. Eu acho que deve acontecer com todos. Mas assim, ela deu a base pra você começar a se desenvolver ou estar pronto pra trilhar o caminho. E também era emocionante porque essa empresa era a maior empresa de gás do mundo, mas com uma estrutura muito pequena na América do Sul. Me recordo bem que foi uma coisa, assim, sem... Hoje, quando você vai trabalhar, se existe um certo treinamento, você tem uma política de segurança, uma política de treinamento, de apresentação da empresa. É comum eu ver hoje, um cara antes de sentar numa cadeira pra aquilo que ele foi contratado, ele percorrer tal semana em tal departamento da empresa, ou 15 dias aqui, 15 dias lá, pra dar uma certa visão global. Então, lá foi o seguinte: “Ô Abílio, é o seguinte, tal cliente está com a instalação quase pronta, não tem ninguém pra ir. Dá pra você ir?”, e era uma fábrica, era uma recuperadora de latão. Então foi bastante interessante, foi legal.
P/2 – Abílio, você falou de recessão, desse momento de sair da faculdade. Aí, na verdade, são duas perguntas numa só: os teus colegas, pra que mercados que iam? Tinha essa projeção do mercado, da cadeia do gás [e] havia possibilidade de crescimento, via futuro nisso aí? Você falou que na Telesp não tinha muito futuro, na cadeia automobilística também não. O que vocês pensavam quando saíam da faculdade?
R – Então, tentando dividir a pergunta: primeiro, por exemplo, naquela época e hoje também, há uma oferta muito grande pra engenheiros que querem trabalhar na área bancária. Até lembro, o Citibank foi fazer um programa de seleção, deu um provão lá, aí eu fui, passei no provão. Aí, na Avenida Paulista eram as entrevistas. Eu acho que eles estavam procurando talentos em síntese, eu acho que é isso. Aí a entrevistadora falou, seguindo de novo, sempre eu querendo trabalhar do lado técnico, ela falou: “O que eu posso fazer com você aqui no banco?”. (risos) Eu falei: “Se você está pensando assim, imagina eu”. Até pensei em avaliação de riscos em determinados projetos, coisas desse tipo, coisa que também não me atrai muito. Mas, muitos dos meus colegas foram trabalhar na área Bancária, ou na área de Negócios ou como engenheiro de Vendas. Muitos, a maioria, poucos ficaram, realmente, na área Técnica propriamente dita. O lado financeiro, você também não tinha muita opção porque não tinha uma oferta de emprego. O negócio era realmente, quando tinha uma oportunidade, era assim: 15 pra um, 20 pra um - não era fácil não. Eu só tenho um outro colega que foi trabalhar em empresa de gases do ar, eu só fui ficar sabendo disso depois de algum tempo, e quando você vai trabalhar nessa área de Gases do Ar pra fazer aquilo que eu comecei a fazer lá, você tem um leque de oportunidades. É muito legal você trabalhar dentro desse segmento pelo seguinte, pensa assim, você que... Que segmento você pode trabalhar, dentro de um ramo que você pode ter? Entrar dentro de uma empresa e conhecer o “core business”; normalmente, é o “core business” do negócio dela em tantos segmentos diferentes. Por exemplo, eu entro, até pela idade, pela formação e por relacionamento e algum sucesso que eu tive, a gente já tem nome no mercado. O mercado, apesar de parecer muito grande, ele não é. São poucas pessoas que sempre, num determinado nicho de mercado, se conhecem muito. Eu estou hoje fazendo um trabalho dentro de... Hoje mesmo, eu tive dentro de Lã de Rocha, única fábrica de Lã de Rocha que tem na América do Sul com esse tipo de forno, e o cara deixa eu mexer nesse forno. Se eu parar o forno, para a fábrica. No final da manhã, fui atender um cliente que tem uma fábrica de vidros ornamentais. Semana passada, eu estava vendo um forno de cobre no Chile - é a maior planta de cobre do mundo -, e se eu parar aquilo lá, são 400 toneladas de... Eu paro metade da planta dele. Eles têm quatro bandas de cobre primárias no Chile, então cada planta tem dois fornos. Você imagina a quatro libras, quatro euros, quatro libras esterlinas, por libra, mais ou menos, aí, uns dez dólares por quilo, a responsabilidade que você tem em ficar mexendo nessas coisas. Aí eu vou numa fábrica de cimento e mexo na fábrica de cimento, aí vou pra uma indústria de aço mexer no alto-forno da siderúrgica ou estar mexendo nos fornos de laminação; eu estou querendo dizer pra você o seguinte: não tem limite. Esses dias eu estava num centro de pesquisa, já fui contratado pelo pessoal da Embraer pra fazer, que são “x” pessoas que trabalham naquele projeto do foguete brasileiro, do motor brasileiro, que parte deles até morreu naquele acidente que teve em Alcântara, e tem sempre coisa nova na jogada. Então é assim, um eterno aprender. Então, meu primeiro serviço na White Martins, começou com o Saint Gobain, na fábrica da Santa Mãe na Água Branca; e estava falando que esse projeto foi pra fábrica de São Vicente, problemas ocorreram que a gente não tinha resposta pra aquilo que estava acontecendo, mas o “core business” do negócio, que era o seguinte, era reduzir uma determinada emissão daquilo que saía do forno. Só que aí também a Cetesb [Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental], também é uma parte legal do trabalho.Ela não conseguia entender esse resultado, aí a própria Saint Gobain me colocou sempre com eles, em contato com a Cetesb, pra explicar o que tinha sido feito, “lá, lá, lá”... Porque uma combustão com oxigênio gerava muito menos gases, isso e isso, e aí tal parâmetro tem que ser medido de tal forma e não da forma convencional como eles mediam, eles aceitaram. A Cetesb é aqui do lado, a gente teve reuniões aqui, e ficou um negócio muito interessante. Conhecemos o que acontecia com o forno. Muita gente no mundo aprendeu, com relação a esse projeto, diga-se de passagem, e muito do que a gente vê desenvolver em termos de mercado. Foi muito positivo em função dessa primeira experiência. Porque quando você faz um projeto, você sempre tenta fazer um projeto inovador com um líder de mercado, porque as outras empresas sempre se espelham no líder. O líder, quando vê alguma coisa sendo feita numa empresa menor, não dá tanta relevância. O menor, quando vê alguma coisa sendo feita no líder, eles se espelham. Mas, o processo decisório é muito mais simples. Então foi muito interessante esse trabalho, no Brasil e nos Estados Unidos, tiraram “papers” fora do Brasil, tiraram patentes em cima desse trabalho. Foi muito legal, foi o grande forno que aconteceu no Brasil. E esse foi o primeiro trabalho. Aí aconteceram outros lá na Nadir Figueiredo, que vocês vão visitar, é fruto desse trabalho.
P/1 – A Saint Gobain ainda continua sendo cliente?
R – Continua, desde 91. Esse trabalho eu fiz em 91. Então foi, assim, bastante, muita dedicação, pouco tempo pra família. Início de carreira é mais ou menos assim mesmo, mas muito gratificante com relação a resultado, a reconhecimento e ao que eu sempre falo, tenta deixar na sua vida uma marca importante pra que as, como é que se diz? Fique, sabe? Não deixa passar em branco aquilo que você faz na sua vida. Não tente fazer coisas para ficar na média, tente fazer algumas coisas que sejam marcantes; essa é uma dessas que certamente eu tenho convicção que foi muito forte nesse segmento, muito forte. Então, eu acho, tem outras, mas essa foi muito gostosa, foi um golaço, com muita dedicação, muito aprendizado. E esse foi o primeiro projeto da... Então, eu entrei em 88 na White Martins, e esse projeto foi em 91. Quantos anos você tinha em 91?
P/1 – Ih, eu...
R – Te peguei. (risos)
P/1 – (risos)
R – Faz tempo e está até hoje, e vai ficar. E assim, né, muitas pessoas entendem que mercados: “Você faz um, você faz todos”, [e] não é verdade. Por exemplo, o nosso, eu diria pra você, hoje, nós já temos muito desses espalhados pelo mundo, mas eu diria pra você que a gente não está nos 30%, ainda, do que a gente pode fazer. Mesmo depois de tanto tempo, nós temos os 70% pra fazer ainda, principalmente no mercado de vidros especiais, e nesse vidro solar que eu estava lhe dizendo aqui, que está tendo um bom exponencial em função de novas formas de energia não poluentes, casas. Daqui a pouco, boa parte da energia consumida numa casa, você vai ter seu painel solar dentro de casa, como alguns condomínios existem. Aí, fora, a parte comum do edifício, o jardim etc. já são painéis solares. Você está andando lá, está se divertindo. Faz parte da arquitetura do edifício, mas já com um processo ecologicamente correto, gerando sua própria energia. Então isso tem um segmento enorme pela frente.
P/1 – A partir da Saint Gobain, aí você se especializou mais na parte de vidros mesmo?
R – Não é que... Ok, é verdade o que você está falando, por gosto e necessidade, mas é o seguinte: nós estamos num mundo capitalista, a nossa empresa precisa estar em todos, o líder precisa estar em todos os segmentos. Não precisa ter todos os clientes, mas precisa ter as maiores empresas do segmento. Aí veio a necessidade, por exemplo, do alumínio. Por exemplo, o Brasil recicla, é campeão em reciclagem de alumínio no mundo. Como é que você sai da latinha de alumínio da cerveja, que o cara jogou lá na praia, pra voltar aqui pra fazer um lingote e fazer esse lingote virar um cabeçote de motor? Então, dentro da área de alumínio, veio aquela patente que eu mostrei pra vocês, a ideia foi aquela. Um resumo pra vocês entenderem, tudo [que] vem do campo é importante a gente... Não é no escritório que caem as ideias brilhantes, as ideias vêm da necessidade que você se encontra no dia a dia. Por exemplo, nós tínhamos um problema, as empresas de gases tinham um problema, que assim, no processo de recuperação de alumínio, o que é o forno do alumínio? A gente pode até imaginar, é essa sala aqui, mais ou menos como isso aqui, uma piscina de alumínio e daqui pra cima onde você tem uma série de queimadores aqui em cima, aquecendo. Joga a sucata lá em cima, eleva-se a temperatura e esse alumínio vai se fundindo devagarzinho, devagarzinho. Tem determinados processos, uma grande parte desse processo, que depois que você fundiu o alumínio, você vai vazar esse alumínio, e tem processos de vazamento que já vaza na forma de um produto, normalmente, um tarugo de alumínio, um cilindro desse tamanho, por sei lá, oito metros de comprimento. Então é devagarzinho. Nós tínhamos um processo excelente de combustão: a gente colocava os queimadores de oxigênio aqui em cima, tirava os queimadores de ar do cliente e a gente fundia rapidinho, metade do tempo, metade da redução do consumo de combustível. Só que assim, acabado o processo de fusão, enquanto ele ficava vazando pra fazer o produto, esse tempo de vazamento era tão grande quanto o tempo de fusão, e você ficava queimando com oxigênio, gás natural com oxigênio e não precisava mais fundir, só manter a temperatura. E aí veio a ideia daquele queimador que eu mostrei pra vocês há pouco, o que é aquele queimador lá? É um sistema de combustão de baixa emissão, “lá, lá, lá”, mas, principalmente, que quando eu estou precisando fundir a carga que eu acabei de carregar o forno, eu aperto um botãozinho [e] acabou de fundir, uma chaminha com um pouquinho de ar é melhor e economiza oxigênio, gasta menos dinheiro pra fazer. Então, esse mesmo queimador vai operar com ar, e o mesmo equipamento tem essa flexibilidade - isso não existia. Então, a necessidade faz você se virar pra desenvolver coisas que você precisa. São coisas bobas, mas que passam. Vinho por exemplo, taças de vinho, a maioria das taças feitas no Brasil, ou quase todas, se você - você vê muito em taças de água também, nas nacionais -, quando você vai pegar, colocar a boca aqui na borda, você vê que tem uma parte arredondada grossa. Aí, a Nadir Figueiredo nunca conseguiu tirar isso, essa borda arredondada grossa, no processo de fabricação, e isso desqualifica o produto, principalmente pra exportação, porque o processo que eles fazem lá fora pra fazer essa taça é o corte mecânico, depois o vidro. Tudo o que é feito pra você chegar nesse artigo aqui. O vidro é como se fosse uma pasta, na temperatura de 800 graus, você molda ele e tal. Quando baixa de 800 graus, ele fica, a viscosidade fica muito alta e você não consegue mais transformá-lo. E pra você pegar, por um sobre vidro aqui e depois ficar cortando numa outra máquina é um processo industrial que leva a perdas, quebra muito produto etc. O corte, no que sai, fica perfeito, mas... E aí a gente desenvolveu uma aplicação; falando de Nadir Figueiredo, que, a gente sempre fala “a gente”, porque ninguém faz nada sozinho. Os caras têm uma baita experiência de como fazer vidro, eu tenho uma baita de uma experiência no processo de combustão, então ele tinha um problema e eu tinha o conhecimento. “E se a gente fizer isso assim [e] assado?”, usando um outro tipo de gás - agora hidrogênio, né? Menina, você precisa ver que coisa linda que saem essas taças. Tem poucas coisas na minha vida que eu fiz diferente, que logo que você dá partida, funciona. A maioria dá sempre errado, sempre dá, você sempre tem retrabalho, mas essa foi uma das coisas que mais me marcaram. E esse era um processo pra gente depositar patente, só que a Nadir Figueiredo falou: “Não, não vou depositar patente disso”. Pelo seguinte: quando você faz uma patente, você escreve, é obrigado por lei a escrever tudo de como você fez. Que nem a história da Coca-Cola; você sabe que a fórmula da Coca-Cola não é patenteada, né? Por quê? Tem um negócio que chama “trade secrets”, que é o seguinte: se alguém inventar, ele passa a ser dono, proprietário disso, tem o privilégio de usar. Você que estava fazendo Coca-Cola, não quis escrever [e] continua com as tuas fábricas aqui, mas você não pode fazer nenhuma fábrica nova. O medo da Nadir Figueiredo é exatamente isso, pombas. A gente desenvolveu isso aqui, a gente vai escrever? Vem um outro cara [que] coloca um pó de “pirlimpimpim”; um auditor de patente entende que aquilo é uma nova patente, o cara vai pegar e vai fazer isso depois. Não, vai ficar só entre a gente, e só está com eles agora. Então, assim, a necessidade do cliente leva a gente a fazer algum projeto de P&D, de Pesquisa e Desenvolvimento. Aí estou dando uma mãozinha pros nossos colegas da Itália agora, pra essa mesma coisa, que eles fazem taças lindas, maravilhosas, mas num negócio desse tamanho, ou corta com um processo de corte mecânico, que é, como é que se diz? Contraproducente e baixo rendimento etc. Se eu for ficar falando as coisas que eu fiz aqui, eu vou ficar falando dias. Você me desculpe, mas é bastante emocionante, assim, e é prazeroso, um negócio que dá prazer, que dá gosto. E de novo, como eu falei lá atrás, eu não fico fazendo copo o resto da minha vida. Eu tive, essa é a segunda vez que eu faço alguma coisa pra fazer taças de vidro e hoje já tenho outros projetos. E assim vem. Nem tudo funciona, a gente erra bastante ainda, mas tem muita coisa que fica.
P/1 – E sempre inovando.
R – Então, quando você tem uma certa... Não sei como é com vocês, mas comigo era muito isso. Acho que é muito pessoal, não sei se foi por conta da minha educação familiar. Eu sempre tive muita vergonha de perguntar, ou... Na classe de aula, se eu tinha uma dúvida, eu não perguntava porque eu tinha vergonha de estar perguntando o óbvio, comigo aconteceu muito isso. Então era mais fácil depois eu chegar em casa, tirar a dúvida em casa, ou com conhecidos ou lendo. Quando eu comecei a trabalhar com isso, não teve treinamento. Como eu disse há pouco. Então eu peguei o que tinha de material lá da França - e também, eu não falava francês, tive que fazer um curso de francês em paralelo - e me virar com o material que tinha. Então eu sempre fui muito esforçado, era comum eu estar de final de semana em casa estudando, muito comum isso. Eu sempre, no começo, quando você é novo, você quer mostrar serviço, não quer mostrar erros. Sei lá, isso é uma coisa que eu tinha. Então eu não tentava ser muito inovador, no começo, com medo de errar. Quando a experiência vem vindo, você vai se relacionando com uma série de pessoas, empresas. Hoje, eu tenho uma série de, pra mim, ícones que eu conheço, que são minha rede de contatos, pessoas que eu realmente acredito que são conhecedoras e não faladoras. Então, quando, por exemplo, eu vou fazer algum projeto e tenho alguma dúvida, eu pergunto pra três, quatro pessoas que são pra mim renomadamente conhecedoras, e [se] eles não me dão uma boa explicação, eu não tenho medo de ir e fazer diferente. A idade me permite, hoje, fazer coisas que eu tinha medo de fazer no passado. Não tenho mais medo de errar; o que vai acontecer se eu errar? Errar, errei e acontece, mas, acontece mesmo. Tem coisa que dá certo, a maioria dá certo, mas a gente erra. Isso foi, acho que com o tempo, com o passar dos anos, se modificando. Hoje eu não tenho vergonha nenhuma de chegar no congresso e soltar uma pergunta, pensando que o pessoal vai imaginar que eu estava, enfim, fazendo uma pergunta tola.
P/1 – Falando em outros setores, você trabalhou em setores como o têxtil, papel, alimentos... Teve algum projeto dentro desses outros setores que você gostaria de comentar com a gente?
R – Teve um projeto que eu gostaria de fazer também, sobre papel e celulose, que um, eu já trabalhei, que é no forno de caldo da Champion, a atual International Paper; e tem um outro que, esse é muito audacioso, eu preciso estar com a pessoa certa, na hora certa, pra colocar em desenvolvimento. Como que você produz papel? Você pega madeira, coloca num digestor pra separar as fibras. Você quer as fibras da madeira, de fato, né? E essas fibras são ligadas com uma enzima que é chamada lignina. Então, no processo de que você quer a fibra, você faz uma lavação dessa fibra, e sobra esse licor que sai, que é a parte orgânica que você está querendo da fibra, essa parte orgânica é um combustível. Hoje já é assim. O coração de uma fábrica de celulose é chamado caldeira de recuperação, onde você pega essa lignina, que é esse ligante das fibras, queima numa caldeira, gera vapor, e você precisa de muito vapor pra produzir papel no tratamento das fibras, limpeza etc. E é um dos projetos que, eu gostaria de fazê-lo com oxigênio puro, por razões “a”, “b” ou “c”, que nunca ninguém fez ainda em caldeiras, por razões técnicas “a”, “b” ou “c”. Isso aí é uma coisa que, um projeto que, de novo, eu preciso encontrar um francês, como eu te disse lá, encontrar a pessoa certa disposta a abraçar, porque é um projeto muito grande. Eu diria pra você aí, que certamente, se isso acontecer, vai ser o maior projeto da minha vida. Mas, precisa achar, precisa achar um cara.
P/1 – Hoje, teus projetos estão em que área?
R – Eu vou falar de projetos maiores. Tem um projeto, esse já está fechado, é pra agosto do ano que vem, uma planta nova da Nadir Figueiredo, na planta de Suzano. Eu estou com esse projeto da Codel, no Chile - a Codel, que é líder. Tem uma outra que é um grupo sul-africano grande, que ficou sabendo que eu estou fazendo isso aqui e eu tive que ir lá semana passada. Estou com outro projeto no Peru, na Southern, que ficou sabendo que é a Codel que está fazendo e também quer fazer. Estou com um projeto na Usiminas, no processo de “stove” - o que é esse negócio? Pra você produzir aço, primeiro, você precisa do minério de ferro. Você precisa chegar ao ferro metálico, que tem bastante carbono - isso é feito no alto-forno. Esse alto-forno, ele tem combustão com ar, [e] esse ar é aquecido por um recuperador de calor. Então, esse projeto, que é um projeto bastante viável, de uso de oxigênio aí, sei lá, alguma coisa como 200 toneladas de oxigênio por dia - bastante pra aquilo que eu faço. Estou com um projeto de forno de reaquecimento, também na Usiminas, de Ipatinga, bastante grande. E tem uma série de projetos médios, esses daqui são... E quem faz muito não faz nada, porque cada projeto exige muita dedicação pra você fazer começo, meio e fim bem feitos. Você tem que; não existe uma coisa pronta que você chega lá, engata uma mangueira, abre a válvula e sai pro abraço. Cada um, você tem “site” específicos [em] que tem que fazer estudos específicos. Esses são os maiores. Então, é indústria de vidro, indústria de aço e indústria de cobre, esses são os maiores projetos. E tem aí uns cinco, seis de porte médio, que é indústria cerâmica, aqui no entorno de São Paulo. É isso, por esse ano.
P/1 – Você estava falando de vários estrangeiros, conta um pouco pra gente dessa expansão da White Martins... Praxair, um pouquinho na América Latina, desses projetos no Chile...
R – A expansão da White Martins pra América do Sul, ela correu assim: a White Martins foi comprando empresas locais pequenas. Tinha uma empresa de gases do ar pequenininha, da Argentina - não era uma empresa local -, foi lá e comprou. No Chile foi uma coisa parecida com isso, na Venezuela, na Colômbia, que eu tive também. E foi, assim, isso acontece ainda hoje, sabe? E voltando um pouquinho atrás no tema, os engenheiros novos, eles, por uma questão talvez de formação, eles perguntam muito e estudam pouco. Isso, inclusive, na América Latina; o pessoal de todos os países. Então, isso pra mim é um problema e é uma, como é que se diz? E eu estou encarando isso como uma oportunidade de tentar fazer as pessoas olharem o processo de aplicação, com menos um caráter vendedor e mais um caráter de implementação. Estou querendo dizer pra você o seguinte: vai um menino lá numa empresa XPTO, lá na Argentina, ele chega, pega um questionário - a gente tenta, procura deixar um questionário pras pessoas não fazerem perguntas absurdas; a gente faz um questionário por segmento. Então ele chega, pega aquilo lá, entra, pega um e-mail, manda um e-mail e não analisa aquilo que ele recebe. Isso é ruim pra eles e pra companhia. O que eu analiso como oportunidade, é dar formação pra esse pessoal, pra irem um pouco mais a fundo naquilo que fazem, e serem mais independentes. Pra você chegar a um certo nível de, pra você ser produtivo, tem que ter um certo grau de liberdade naquilo que você faz. Quanto menos você depender - ninguém é uma ilha, ninguém vive sozinho, não é esse o ponto, mas você tem que ter independência. Você tem que querer fazer as coisas e depender o mínimo dos outros pra aquilo que você faz e pra aquilo que foi contratado pra fazer. Então, o que acontece é como o pessoal da América do Sul, exceto um colega do Peru que eu diria que é um caso à parte, são um pouco superficiais na análise, amistosos pra caramba. Nossa, que gente amistosa, educada, polida. O pessoal do Chile dá um banho de educação, polidez. Eu até estou aprendendo com eles, que eu sou muito direto ao ponto, (risos) eu vejo desse lado. E pra eles, no primeiro momento, voltando ao tema daquele momento da transição, foi um pouco de choque cultural porque eles eram empresas de venda de gases, mais ou menos aquele esquema de bater na porta: “Tenho gás pra te vender”, e não ser pró-ativo, desenvolver alguma coisa, não esperar o cliente vir te procurar. Você ir com alguma coisa na mão, pra entrar lá no cliente, pra ele vir a consumir gás. Isso foi, assim, um pouco marcante pra eles, e a vida é dura, porque esse é o caminho que as empresas de gases acharam de ter expansão. Então estava sendo um pouco duro no começo, pra eles. E que mais? Sobre aspecto cultural, eu fiz bastante trabalhos na Venezuela, e ocorreu um negócio bastante interessante: tem um grupo na Venezuela - acho que tinha, porque o Hugo Chávez acabou com metade da Venezuela, acabou no sentido de estatização -, ele é um grupo da Pepsi-Cola que tinha a sua própria fábrica de garrafas pra fazer o envase e sua própria fábrica de cerveja, e fazia os produtos pra fazer a cerveja também. Naquele momento, nós éramos só Brasil. A Praxair, mundialmente, comprou uma empresa chamada Liquid Carbonic, aqui e no mundo, e esse negócio da Venezuela veio pra dentro da companhia, na planta de Cagua, na Venezuela. O rapaz, o engenheiro de aplicações, ele; a Liquid Carbonic era muito fraca na parte de desenvolvimento de aplicações em vidro, tinha feito um trabalho, e o trabalho, não é que deu errado, ele não deu certo. (risos) Dar errado é quando sai uma coisa catastrófica, não deu certo e que não se conseguiu apurar nada de resultado. E isso criou um desconforto pra eles, porque a planta deles era aqui, atravessava a rua, era essa fábrica de vidros. Aí tinha um concorrente sueco que estava namorando essa fábrica de vidros, todo mundo queria essa fábrica de vidros lá na Venezuela, e o cara: “Andamos e façamos, somos e temos”, e o cara se pegou, que a Liquid Carbonic não tinha tecnologia. Aí chegou a White Martins - a Praxair tinha acabado de comprar a Liquid Carbonic -, e esses caras são suecos e nós somos brasileiros, então, aos olhos dos venezuelanos, os suecos são melhores que os brasileiros, mais bonitos talvez também, e nossa companhia já não tinha dado certo - não é que tinha dado errado. Então teve um trabalho danado de evitar que a concorrência colocasse um tanque na frente da nossa planta. Foi um trabalho danado. Um detalhe que eu não falei aqui, mas é o seguinte: por cada empresa que eu trabalho, eu ganho um amigo, pelo menos um amigo. Não tem jeito de ser diferente. Como eu falei pra você, o importante é que a gente acaba ganhando amigos, muitos. Esse Vice-Presidente que não queria ver a Liquid Carbonic, por lá, a Praxair e a White Martins nem de frente, consegui marcar uma reunião, depois consegui trazer esse cara pro Brasil pra mostrar essas fábricas de vidros no Brasil. Naquele final de semana, tinha Fórmula Um, e o cara era apaixonado por Fórmula Um também; fomos juntos. E aí a gente pegou e fez um baita de um trabalho lá na Venezuela. O Domingos [Bulus], não sei se vocês já entrevistaram o Domingos, naquela época, não sei se ele contou pra você, ele foi o número um da Praxair da Venezuela, antes de ser o número um da White Martins, aí ele falou: “Abílio, faz o que for necessário pra ganhar esse negócio aí”, então a gente fez, assim, verticalizou a tensão no cara. Aí fizemos um trabalho bonito, um trabalho com um baita resultado, bonito tecnicamente; ganhamos amigos, e somos amigos até hoje. Esse vice-presidente dessa empresa já está em outra empresa lá nos Estados Unidos; continuamos amigos, e assim vai. Então, eu falei tanto do trabalho e não falei de amigos, né? Por onde a gente passa, por todas essas empresas, eu tenho grandes amigos, grandes amigos. Puxa vida, e eu até chamo de minha rede, porque assim, eu sempre me coloco à disposição dessas pessoas quando eles precisam, e eu não tenho nenhuma vergonha, ou, como é que se diz? Pudor de ligar pra eles quando eu preciso. Alguns deles já perderam o emprego em algumas fábricas e eu consegui, por relacionamento, colocá-los em outros lugares, foram poucos casos, não foram muitos não, mas essa “net”, né, é muito interessante, muito gostoso. Não que essas pessoas; eu conviva com elas, mas é assim, a gente se dá o direito de se relacionar a qualquer momento, mandar e-mail, pedir coisas que não se deve perguntar. Muito gostoso.
P/2 – Você falou de uma empresa africana. Até então a gente não tinha visto essa parceria da White no mercado africano. Você tem como falar um pouco disso?
R – Essa empresa é um baita de um grupo. se chama Anglo American. Sugere que é uma empresa inglesa e americana, mas é uma empresa só africana, é uma empresa de mina. Ela, a maioria dos grandes negócios dessa empresa é sair de minérios e chegar a metal, cobre, no caso, que é esse projeto no Chile que eu estou envolvido, eles têm um projeto... Eles têm negócio aqui no Brasil de níquel. Já fui na Venezuela, na fábrica deles, pra também fazer um projeto muito inovador de recuperação de níquel, que não deu certo porque - não é mentira, isso tem até hoje, eu guardei o anúncio no jornal, que estava fechando o negócio - saiu no diário oficial que o Chávez estava estatizando a empresa Anglo American, porque era uma empresa que estava roubando as riquezas da Venezuela. Então a empresa foi estatizada lá na Venezuela. Então, ela tem níquel aqui no Brasil, ferro níquel aqui no Brasil, e tem no mundo inteiro, tem na Austrália. Ela é empresa de nível de Vale do Rio Doce. Assim, a Vale também não está só no minério de ferro, tem o cobre, tem outros negócios. E esse negócio na Anglo American do Chile, pra mim vai ser meu grande, é primeira vez que eu vou trabalhar com eles, mas de novo, nesse caso, lembra aquela história de trabalhar com líder? Estão chamando a gente porque já estão sabendo que o líder já está com o contrato assinado, já é meio caminho, meio caminho andado. O líder dá mais trabalho também. Nesse projeto, agora, do Chile, eu tomei uma experiência nova pra mim: essa empresa contratou uma empresa de engenharia pra auditar o meu trabalho, assim foi, isso nunca aconteceu de alguém na empresa que eu estou me relacionando pra colocar alguma coisa, ela contratar um terceiro pra auditar aquilo que eu estou fazendo, achei assim... Ele me perguntou com muito tato - o chileno é muito educado, extremamente educado -, ele perguntou assim um belo dia, se eu via algum empecilho se ele colocasse essa empresa, que ele não chamou de auditar, mas é o que eles estão fazendo, auditar. Aí eu falei pra ele: “Sabe, rapaz, que bom que você está fazendo isso, porque isso vai me ajudar a não errar”. Então, assim, ele ficou meio descadeirado, mas é isso mesmo. Enfim, no final das contas, dá mais trabalho. É, nem sei se eu devia falar, mas eu vou falar: tem dois ou três caras dentro do grupo Praxair que eu, que estão na minha "net", que eu preservo muito, realmente gosto dos caras, e sempre os consulto, eles também me consultam e nós estamos... Acontece muitas coisas em implementações, no campo, muitas coisas gozadas, perguntas imbecis, ou besteira que nós fazemos e num primeiro momento ainda está como brincadeira, mas a gente pensa assim: ainda juntar o que nós três temos juntos e escrever um livro, (risos) porque são passagens muito, muito engraçadas que acontecem, assim, são perguntas extremamente absurdas ou besteiras que nós fizemos por desconhecimento, assim, que hoje a gente ri.
P/1 – Na verdade, isso vai a encontro do que eu ia perguntar. Assim, dentro dessa ideia de implantação, de inovação, quais foram os maiores aprendizados, assim, da tua carreira, ao longo da White Martins? Até mesmo os erros que depois viraram aprendizado.
R – Eu não sei nem como responder isso pra você. Assim, eu sou um cara que cobro muito, que cobro muito de mim mesmo. Isso me dá um trabalho, cara, porque, como é que se diz? Não existe - pelo amor de Deus, não me entenda mal - não existe a perfeição. Mas é o seguinte, sabe aquele negócio de você fazer um baita de um esforço comunal pra errar menos? Então, isso me toma muito tempo, porque eu fico preparando, eu gasto muito tempo na preparação. Então, eu gasto... E normalmente, essas coisas, esse planejamento, tal, a gente não faz no horário comercial de trabalho, porque no horário comercial, é telefone, gente falando aqui do lado. Quando todo mundo vai embora aí você começa a se concentrar mais naquilo que você está fazendo, aí eu acabo gastando boa parte do teu tempo pessoal fazendo esse tipo de coisa. É uma tensão danada, porque inovar é se dar o direito de errar e pombas. Querer errar pouco, você acaba se judiando, se maltratando com relação a isso. Mas isso daí também, é o seguinte: você erra menos, mas você continua errando. Isso é fato. "Quem não erra, não faz", essa frase é famosa. E quando eu erro, e eu erro bastante, eu começo a me questionar porque eu estou errando. Desculpa se é meio filosófico, mas é isso mesmo. Como eu procuro [me] cercar demais aquilo que eu estou fazendo pra não errar, a maioria das vezes que eu acabo errando, assim, eu peço conselhos pras pessoas, pessoas que, de novo, eu acredito. Aí eu falo: “Pô, mas isso daqui eu perguntei pro cara (risos) e o cara também não tinha a visão própria daquilo que estava acontecendo". Bom, eu vou te falar uma coisa: é muito gostoso quando você acerta. Assim, eu já me peguei num dos projetos, ele foi tão tenso, a negociação foi tão tensa que na partida desse negócio aí, eu tava longe de casa, eu estava olhando aquele negócio e começou a vir resultado. Era de noite, ninguém estava sabendo ainda - o pessoal só ia pegar esse negócio no dia seguinte. Você já... Não sei se você já, eu não faço sempre porque eu não sou louco, tá, mas sabe quando você dá um berro pra aliviar a tensão interna? Não sei se vocês já fizeram esse tipo de coisa. Eu fiz, nesse caso. Pô, cara, é uma coisa tão gostosa. A pressão estava muito forte, [e] eu também não tinha certeza se esse negócio ia funcionar, tinha jeito, sabe? Não sei se era essa a tua pergunta exatamente, se a tua pergunta estava nesse foco.
P – Também nesse sentido, mas pensando mais, assim, em valores também, em lições de... No modo de agir da White, que você assimilou.
R – A companhia mudou muito, eu acho que a margem que a gente tinha pra errar anteriormente era maior que a margem que a gente tem hoje quando você faz, tem uma diferença brutal entre Engenharia e P&D, Engenharia e Pesquisa e Desenvolvimento. Engenharia é você pegar um projeto que está pronto e replicar, com as suas adaptações; P&D, você só tem começo, nunca tem fim - e não é incomum, isso, pra qualquer pesquisador, um cara começar um projeto pensando aqui que ele tem uma linha de pesquisa e, de repente, ele para porque pra entrar naquilo, pra seguir na frente daquilo lá, ele precisa ter um conhecimento paralelo. Então ele dá uma paradinha e vai pegar o conhecimento paralelo, e nesse conhecimento paralelo, ele abre uma nova janela. Então, cara, você precisa ter uma disciplina danada pra chegar nisso daqui e também você precisa ter uma disciplina legal pra não esquecer que aquilo que você fez aqui pode ser uma nova oportunidade pra uma outra coisa que você pode fazer. Então é bem diferente. Hoje, a companhia não tem P&D ainda, de novo, assim, na essência, um departamento de P&D, como tem na Praxair nos Estados Unidos. E a gente está instalando um laboratório de combustão aqui na White Martins, na IPT, em São Paulo. Então vai começar a trazer de volta a cultura de trabalhar como P&D. Gente que pensa em P&D, e gente que pensa como Engenharia de Aplicações, quando você mistura... O que eu faço hoje? Eu estou misturado em função da minha experiência. Eu consigo fazer as duas coisas, mas eu não tenho laboratório, então muito das coisas que faço saem da minha cabeça: converso com colegas, faço um desenho, monto um protótipo, levo pro cliente e faço. O ideal do P&D, o que você faz? Você faz alguma coisinha, monta um laboratório, faz todas as suas besteirinhas, todos os seus errinhos lá no laboratório, e leva um produto mais pronto pro cliente. Mas quem está em P&D, é normal e é desejável que essa pessoa se abstraia pra ter criatividade no que está fazendo. Quando você está em aplicações, propriamente ditas, você tem números de resultado em dólares por ano, que você tem que fazer. Então você tem que fazer. Tô tentando ser bem claro, tá? Você tem que fazer o seu resultado, esse é um "keep eye" que você tem que atender. "Olha, o meu departamento tem que fazer 'x' milhões de dólares por ano", eu, dentro do meu departamento, tenho uma contribuição de tanto; e P&D só tem data de começo, não tem data de fim, entendeu? O que eu faço, é mais ou menos: quando eu estou falando que estou fazendo um projeto novo, em função desse, eu dou um bico calibrado naquilo que eu acho que deve ser feito e vou, acerto ou erro, mais acerto do que erro, mas também erro. Mas eu preciso fazer, assim.. E quando a companhia, e normalmente não tem, conhecimento em uma área... Veja bem, nosso mercado só é todos os mercados possíveis onde você pode colocar seu produto, então eu até brinco, quem está fora de uma empresa de gases do ar deve pensar que é uma maravilha
Eu tenho um gás pra oxidar, que é o oxigênio; eu tenho um gás pra proteger, que é o nitrogênio; eu tenho um gás raro, o argônio, que não reage com nada; eu tenho o hidrogênio que reduz e pode fazer combustão. Então eu sempre tenho um gás pra usar. Você já parou pra pensar nesse seu trabalho, qual é o segmento onde uma empresa de gás não atua? Não tem. Tem hospital, tem laboratório de análise clínica, indústria do aço é fácil, petroquímica é fácil, no funileiro ali da esquina, no chope que você consome,
- o produto não é industrializado, mas tem "chopperia" que você usa o CO2 -, na maquininha de Coca-Cola. A gente sempre está presente. Então, ela é muito ampla, não tem um cara que conhece tudo, gente, e não vai ter nunca, mesmo em segmentos específicos, como certamente na área de vocês, não sei qual é. Dentro da sua área vocês se subdividem em algumas áreas, em uma série de áreas, e você tem alguns especialistas em determinadas apêndices. Você não vai pegar um cara que seja... Você vai bater uma pergunta pro cara, o cara já te dá a resposta no ato, pra tudo. Não tem, aquele cara entende mais disso. E aquele cara tem uma visão melhor daquilo lá; a mesma coisa acontece com a gente. Então sempre tem que ser agressivo naquilo que você vai fazer, pra fazer diferente. Não pensa que você vai entrar num livro e vai achar aquilo que vai fazer. Uma coisa é replicar projeto e outra coisa é fazer projetos de P&D, e outra coisa é com a tua experiência, você devagar nessas coisas novas que você pode fazer, acertando ou errando.
P/1 – Você citou P&D. O que é a relação da White com... Você falou do laboratório de combustão aqui no IPT [Instituto de Pesquisa Tecnológica], como é a relação da White Martins com as universidades?
R – Então, eu não vou falar da White Martins, vou falar do segmento que eu atuo. Lá atrás eu disse pra você que a necessidade faz o caso. Quando eu comecei a trabalhar em vidros, na fábrica da Saint Gobain, eu estava falando pra você que eu fiz um trabalho e "lá, lá, lá"; houve consequências no forno, aí eu precisava de uma pessoa que entendesse muito de corrosão de refratários [e] fui procurar na universidade. Quem é a melhor universidade no Brasil de ciências dos materiais? É a Federal de São Carlos. Aí fui lá na Federal de São Carlos: “Estou precisando de pesquisadores sobre nebulização de um determinado combustível líquido, quem é o cara?”, “Ah, esse cara está dentro de IPT, o nome dele é Laiete. Esse cara é o melhor cara no Brasil, que sabe como você produzir gotículas de determinados tamanhos de determinadas distribuição, assim [e] assim...”, “Estou precisando de um cara que saiba como medir emissão em qualquer tipo de forno”, “Marilim”, “Onde é que tá?”, “Laboratório do IPT, 'lá, lá, lá'...”. Então, a minha necessidade pra cada problema que eu enfrentei na minha vida, eu tentei - tentei não, fui procurar essas pessoas, essas entidades. Então, as principais que eu já trabalhei: a PUC do Rio de Janeiro, IPT em São Paulo, Escola Politécnica da USP [Universidade de São Paulo], e Federal de São Carlos, mas não só na área de Ciência dos Materiais, teve outras áreas que eu acabei tendo um relacionamento forte. O projeto de cerâmica, em função desse problema de refratário que a gente deu um bom encaminhamento, e depois tomamos uma patente. A White Martins tem com outras áreas, eu tenho certeza que com a Federal de Viçosa, na área de papel e celulose, na parte de corte e solda. Isso eu tenho certeza que eles têm, mas eu não conheço exatamente até onde eles vão, e certamente eles também não sabem o que eu faço. Então, mas é isso. Sempre você vai buscar conhecimento pra um problema que você tem, foi sempre assim que eu cheguei na universidade. E é um problema da universidade brasileira: a universidade brasileira espera que você vá bater na porta dela, eles não têm a vocação, eu diria, de se misturar com a indústria, com raras exceções. Existem exceções, mas com raras exceções. Eu nunca vou esquecer: eu estava num evento na Politécnica, e tinha um pesquisador apresentando não um "paper" escrito, mas um "paper" no mural, nesse evento. Esse cara era da Unicamp. Eu tinha lido o que ia ter nesse congresso e achei interessante que esse cara da Unicamp estava apresentando, e fui lá conversar com ele no dia e horário que ele estava lá, é até engraçado isso pra mim, marcou muito. Eu falei: “Pô, interessante o que você está fazendo rapaz, eu estou imaginando onde que eu posso aplicar isso daqui etc.” Sabe o que ele me falou? Falou: “Ah, rapaz, o negócio é o seguinte, esse daqui faz parte do meu trabalho de mestrado, eu não tenho interesse nenhum (risos) - acredite se quiser - em fazer qualquer desenvolvimento, além de apresentar esse trabalho aqui, visando o meu trabalho final de mestrado, faz parte disso”. Pra mim foi muito chocante e por outros lugares que eu tentei trabalhar com universitários, a indústria tem uma velocidade que a universidade brasileira não tem. Então, pra nós, um projeto tem começo, meio e fim, e a gente tem que ter resposta em seis, oito meses: essa não é a velocidade da universidade. Então isso é um problema grave - já foi pior. Por exemplo, a Federal de São Carlos, o laboratório do professor Elson Longo, o professor Elson, há alguns anos saiu numa capa da revista Veja: “Os pesquisadores brasileiros com o maior número de 'papers' publicados em revistas especializadas com renome”, esse professor Elson que me convidou pra fazer Mestrado, esse cara, ele é um baita de um empreendedor, dentro da universidade, que assim, os recursos que ele tem na universidade são poucos, essa cara tem uma visão um pouco diferenciada; o que ele fez? Os melhores alunos que iam se formando, ele começou a segurar dentro do que ele chamou [de] um centro cerâmico, o nome que ele deu pra uma entidade, e ele conseguiu fazer isso dentro da Federal de São Carlos. Ele começou a fazer alguns projetos pequenos e foi conseguindo um pouco de dinheiro. Com esse pouco de dinheiro, ele foi se equipando e montando um laboratório. Então, eu diria pra você assim, sem sombra de dúvidas, que o melhor laboratório de materiais do Brasil, hoje, está dentro da Universidade Federal de São Carlos, com um professor que tem uma visão diferenciada. Ele podia estar dando aula, e ficar com aquelas maquininhas meia boca de fazer análise. Ele está no estado da arte, com relação a máquinas de ensaio que são caríssimas, são caríssimas e têm um custo operacional muito alto, que são sempre operadas por professores doutores, que são os próprios alunos que ele forma.
P/1 – (risos) Abílio, a gente está falando muito aqui da tua paixão pela pesquisa, pela implantação, mas eu queria te perguntar um pouquinho das paixões fora isso, assim, do teu pouco tempo de lazer. O que você gosta de fazer? Você falou que é casado, como concilia tudo isso?
R – Então, eu tenho dois filhos: um de dez e um de catorze. Eu casei com 33 anos, aproveitei, diria pra você assim, bastante a vida até me casar, viajei muito, saí muito, fiz bastante coisa. Quando eu me casei, eu conheci a minha esposa trabalhando. (risos) Droga! (risos)
P/1 – (risos) Ela é da White, ou não?
R – Não, ela é [de] um cliente que eu estava desenvolvendo uma tecnologia, no sul, numa cidadezinha que chama Criciúma, em Santa Catarina. Ela era engenheira de processos de uma empresa chamada Cecrisa e aí a gente acabou se conhecendo lá, aí tava difícil porque Criciúma–São Paulo é longe pra “danare” também, passagem aérea é cara, então a gente se revezava. A gente ficou assim uns seis, setes meses indo e vindo, eu mais indo do que ela vindo, até eu falar: “O negócio é o seguinte, tá bom, mas não dá pra ficar assim. Ou a gente casa...”. E ela, cabeça boa, uma mulher de cabeça bem boa, morando numa cidade pequena, trabalhando. “Eu vou para aí ou você vem pra cá pra gente ficar junto.” Bom, casamos lá numa igrejinha maravilhosa, pequenininha, lá em Florianópolis, e viemos morar aqui no Butantã, num apartamento pequenininho - e ela que veio pra cá. O nosso projeto foi o seguinte: os cinco primeiros anos sem filhos, viajando sempre que possível. Ela e eu adoramos praia. Eu sou, assim, vidrado em praia. Praia não é necessariamente ficar tomando cachaça na praia não, é andar na praia, jogar frescobol, esse tipo de coisa. Então a gente conheceu praia pra danar nesse país e fora do Brasil, andamos bastante. Aí vieram os filhos. Filho é uma coisa maravilhosa. Puxa vida, se vocês não tem, não adianta falar porque só quem tem sabe o que é. Aí vieram os dois meninos com três anos de diferença, seguindo o plano. O plano era quatro, mas quando chegou depois dos dois primeiros, dá muito trabalho. É legal, mas dá trabalho. Dá trabalho, mas é legal. As crianças são boas - não é porque é meu filho, mas também porque é meu filho - são dois rapazes muito inteligentes, muito disciplinados, esportistas. Um joga tênis bem pra caramba e vôlei bem pra caramba; o pequenininho, de dez anos, de onze anos, fez onze anos agora, joga, é campeão de tênis no clube que ele está, campeão de ping-pong, [e] joga futebol. O meu tempo livre hoje é família. Envolto com essas circunstâncias da família, mais a Fórmula Um, eu tenho um projeto, também, pessoal, mas é de novo, a gente sempre fala a mesma coisa... Eu amo carros antigos, sou apaixonado por carros, mas apaixonado mesmo, sabe, é um negócio assim que... E eu comecei há quatro anos o projeto de recuperar um carro, estou chegando aí nos 90% desse projeto. Comprei um Ford Maverick GT 1975, e estou fazendo ele inteirinho, está ficando, assim, zero quilômetro, mas está dando um trabalho, (risos) gastando um dinheiro que eu não tenho. Mas assim, uma paixão que... E junto com os meus filhos, porque eles também gostam de automobilismo desde pequenos - e não tentando ser professor deles, mas não é isso, eu, ali é as duas coisas. Quando eu comprei esse carro, se eu mostrar a foto pra vocês, vocês choram porque estava um bagaço só, feio porque [é um] carro de 75 sem restaurar. Então eu dei a oportunidade deles verem exatamente aquela coisa feia, horrível, chegando mais feio ainda, quando está todo despontado e nesse processo aqui, eu estou no quarto ano já, três anos e pouco. E aí você raspar o carro inteiro, tirar toda a tinta, aí aparecer aqueles podres embaixo, remendar tudo, até onde ele está chegando aqui, agora, pra eles também verem o que é um processo, como é que se diz? Sem querer dizer processo, mas como você sai de uma bagaça e você chega numa coisa legal. E vai ficar pra eles isso. Duvido que esse carro saia da família. Por questões comerciais, não vai valer a pena, porque eu já gastei muito mais do que ele vale, mas é por prazer. O som do motor é outra coisa. Então é isso, e viajar, praia, apoiar meus filhos com prazer. Faço isso com muito prazer, em torneios pra eles disputarem, que eles querem - são muito competitivos. E é isso.
P/1 – E agora, pra ir finalizando: o que significa pra você a White Martins estar completando cem anos?
R – Pombas... Se você, é assim, se você olhar pros lados, eu, de novo, com 53 anos, vi verdadeiros impérios caírem. Vocês já ouviram falar das Indústrias e Refinarias Matarazzo? O que ela já foi e como é difícil você conseguir manter um negócio durante cem anos, por tudo aquilo que já se passou. Esses caras já passaram pela Segunda Guerra Mundial - eu não tava aqui, nós não estávamos aqui, mas a companhia existiu na Segunda Guerra Mundial. Eles, eu diria pra você, assim, que dessa história, eu tenho 23 anos dessa história, passou [por] tanta coisa. É fruto de muito esforço e competência, uma companhia ficar onde ela está e ter liderança, ser competitiva, estar buscando ainda esse crescimento com muita competência. Como eu me sinto? Me sinto orgulhoso, cara, na boa. Já vi outras coisas, já vi tantas outras coisas se "degringolarem" em função do tempo, por questões administrativas - eu falo tanto do lado técnico. Mas a minha contribuição, de coração, e dando o de melhor pra que... Lembra que eu falei lá atrás, de que tudo é dinheiro? É tudo... Sem sucesso, sem lucro, uma organização não vive, mas isso não quer dizer absolutamente que a gente só vive em função do lucro, a empresa é mais do que isso. Então, é a participação que eu tenho nisso e dentro de tantos amigos que em 23 anos a gente conheceu tanta gente, muita gente saiu, aposentou, tanta gente nova chegou - e tem gente aí pra mais desafios fortes, viu? Eu estou me sentindo bastante orgulhoso disso, e é uma empresa que já passou por momentos difíceis. A White Martins foi parte da Union Carbide, ela tinha uma divisão de gases do ar, que era Union Carbide Industrial Gases. Aquele acontecimento na Índia, em Bhopal, deve, não sei, assim, a multa que a companhia teve que pagar, as indenizações que ela teve que pagar deve ter dado uma chacoalhada na companhia de maneira muito forte. E aí houve o desmembramento, que eles chamam de "spin off" da companhia, que a Union Carbide era uma série de gases do ar ou não, aí nasceu, se separou o negócio [de] gases do ar e veio-se o nome Praxair. Esse nome, Praxair, não tem 15 anos. Tem menos que 15 anos, não sei se vocês tinham conhecimento. E, de novo, voltando, essa companhia já sobreviveu até a isso, nessa época do acidente de Bhopal. Então é difícil, e num país como o Brasil... Você se formou e muita gente está se formando hoje, e já tem um emprego na sua área de atuação, na sua área de formação. Esse mundo não existia no passado, ele não existia no passado. Então, a companhia passou por isso e não só passou por isso, mas ela manteve a liderança desse mercado, e ela é cada vez mais líder. Então tem que se dar parabéns pra quem administra, pra todas essas pessoas que estiveram na frente da companhia, um deles, que pode ser um dos fatos mais marcantes, foi o Félix de Bulhões, que no momento da privatização das empresas do grupo Siderbrás, CSN [Companhia Siderúrgica Nacional], Cosipa, Usiminas, se ele não tivesse abraçado o projeto de adquirir as plantas de gases do ar dessas empresas; parênteses: o mercado siderúrgico, as empresas de gases do ar nasceram do mercado siderúrgico. A necessidade de oxigênio pra fazer aço fez existir empresas de gases do ar. Então, hoje, no mundo, os grandes produtores de gases do ar estão dentro de empresas siderúrgicas. Nossas plantas estão na Cosipa, na Usiminas, na CSN, na CST [Companhia Siderúrgica de Tubarão], e assim por diante - nós estamos nos grandes. A visão dessa pessoa, desse Félix de Bulhões, naquele momento da privatização; se ele não tivesse pegado quase todos, eu acho que só uma empresa que ele não pegou as plantas de gases do ar, a história poderia ser diferente. Não que a gente não estaria aqui, mas talvez não fôssemos o que somos hoje. Domingos [Bulus] também. Domingos é um cara muito atirado, muito forte, com relação às suas crenças e de crescimento, esse é um cara também que a companhia deve tê-lo com um dos presidentes que mais focou. É isso.
P/1 – Tem mais alguma coisa [a] contar pra gente, da White, que você acha que foi muito marcante pra você? A gente tá chegando aí, no final... A gente falou de tanta coisa. (risos)
R – Olha, eu acho que eu... A gente falou tanta coisa, claro que a gente não entrou a fundo numa série de detalhes como mensagem pra mim de uma maneira muito sucinta, naquilo que eu fiz, assim, a White Martins pro Abílio, que trabalha há 23 anos com ela; ela permitiu, deu condições de um crescimento profissional, deu a chance, deu a oportunidade, e você pega se você quiser, mais ou menos assim. Algumas pessoas já saíram da companhia, outras estão aqui, eu acho que ela, eu sou muito grato a ela por ter me dado essa oportunidade. Não é que alguém chegou assim pra você um dia e falou: “Você como jornalista, você pode pegar tudo”. Ela simplesmente ofereceu, deu condições de trabalhar e se auto desenvolver nessa área - isso pra mim foi maravilhoso, e a companhia dá isso pra todos, dá pra todos. Então isso, pra mim, foi o que mais me marcou na companhia, o resto é consequência, (risos) vem junto.
P/1 – E o que você achou dessa ideia de contar a história da empresa, a tua história, aqui?
R – Então, sem saber desse projeto, eu tinha a maior, plena convicção que a companhia iria fazer um trabalho de cem anos à altura dela, eu não tinha dúvidas. Eu não tinha a menor, eu não cheguei nem a pensar, de longe, que alguma coisa relacionado à contribuição que as pessoas, ou a interface dessas pessoas com a companhia poderia estar ligada a isso. A minha expectativa, antes de conhecer o seu trabalho, antes de saber que ele ia existir, também com a companhia e dos fornecedores, eu não sabia disso, era que fosse feito alguma coisa. Assim, a companhia em 1920, por exemplo, ela era isso e no Brasil estava acontecendo isso, sei lá, em 1925, coisas parecidas, e já vi alguma coisa também, sei lá, uma empresa que colocou uma data de tal e a música “Upa Neguinho” da Elis Regina estava tocando, alguma coisa pras pessoas terem uma... Quando você olha só datas, fica difícil você ter a percepção, mas quando você acaba, quando consegue associar a eventos que fizeram parte da sua vida, você vai se posicionar. Eu estava esperando alguma coisa como isso. Eu achei muito legal e vou te falar a verdade, até surpreso, que eu também não sabia o que eu estaria fazendo aqui hoje. Eu estava pensando que a gente ia bater um papo de 15 minutos, não tinha essa ideia. Eu acho muito legal. Acho que isso, "legal" é uma palavra um pouco vaga. Eu acho que se a, vou falar companhia como uma entidade, ela está querendo mostrar isso, mostrar esse tipo de coisa, um lado emocional que a companhia mostra pra todos que me deixa, assim, feliz, não por eu estar aqui, mesmo se não fosse, eu queria, gostaria de conhecer a história de outras pessoas contadas dessa forma. Muito legal, muito abrangente, e até sentimental, eu diria. Eu acho que é isso.
P/1 – Bom, obrigada, eu gostaria muito de agradecer a tua atenção, a tua disponibilidade de vir aqui, tudo isso que você contou. Obrigada, viu?
R – Obrigado vocês, prazer. Desculpa pela hora, eu acabei de ver, são nove e meia.
P/2 – Obrigada.
P/1 – Imagina. (risos)
[Fim do depoimento]Recolher