P/1 – Então fala teu nome, local e data de nascimento.
R – Meu nome é Henrique Suster, eu nasci na cidade de São Paulo em 21 de novembro de 1941.
P/1 – Fala um pouco sobre teus pais.
R – Meus pais? Meus pais são imigrantes de origem judaica, da Europa. Meu pai veio da Bessarábia, de uma cidade chamada Brichon e minha mãe veio da Ucrânia de uma cidade chamada Yaruga, como emigrantes.
P/1 – E eles chegaram ao Brasil como?
R – De navio, meu pai veio em 1927 e minha mãe veio por volta dessa data. Eu não me lembro de cabeça.
P/1 – E como eles se conheceram?
R – Eles se conheceram no ônibus da CMTC [Companhia Municipal de Transportes Coletivos] que fazia a linha Largo da Concórdia - Bom Retiro. Meu pai estava com um amigo e entrou minha mãe com o pai dela e houve essa apresentação. Eles se conheceram assim, no ônibus número 82 da CMTC.
P/1 – E o que teu pai fazia?
R – Meu pai, como a maioria dos os imigrantes judeus daquela época, era um tipo de um vendedor ambulante, mas esse conceito de vendedor ambulante é bem diferente do conceito atual. Era um tipo de vendedor que ia de porta em porta vendendo colchas e outros materiais de vestuário. E eles fizeram uma coisa muito interessante que na realidade foram eles que criaram o sistema de crédito; era um tipo de um cartão em que o comprador todo mês pagava uma parte da compra feita.
P/1 – E você sabe a origem do nome da tua família?
R – Bem, eu tenho uma leve ideia, mas eu não sei se eu estou muito certo. Uma grande parte das famílias judaicas daquela região e de outras regiões do mundo, inclusive até depois da época da inquisição, tinham seus nomes ligados às suas profissões. Então, em cada local que a comunidade judaica estava ela adaptava os seus sobrenomes à sua posição e à língua local. Na realidade o sobrenome Suster não é Suster, é Schuster, que em várias línguas quer...
Continuar leituraP/1 – Então fala teu nome, local e data de nascimento.
R – Meu nome é Henrique Suster, eu nasci na cidade de São Paulo em 21 de novembro de 1941.
P/1 – Fala um pouco sobre teus pais.
R – Meus pais? Meus pais são imigrantes de origem judaica, da Europa. Meu pai veio da Bessarábia, de uma cidade chamada Brichon e minha mãe veio da Ucrânia de uma cidade chamada Yaruga, como emigrantes.
P/1 – E eles chegaram ao Brasil como?
R – De navio, meu pai veio em 1927 e minha mãe veio por volta dessa data. Eu não me lembro de cabeça.
P/1 – E como eles se conheceram?
R – Eles se conheceram no ônibus da CMTC [Companhia Municipal de Transportes Coletivos] que fazia a linha Largo da Concórdia - Bom Retiro. Meu pai estava com um amigo e entrou minha mãe com o pai dela e houve essa apresentação. Eles se conheceram assim, no ônibus número 82 da CMTC.
P/1 – E o que teu pai fazia?
R – Meu pai, como a maioria dos os imigrantes judeus daquela época, era um tipo de um vendedor ambulante, mas esse conceito de vendedor ambulante é bem diferente do conceito atual. Era um tipo de vendedor que ia de porta em porta vendendo colchas e outros materiais de vestuário. E eles fizeram uma coisa muito interessante que na realidade foram eles que criaram o sistema de crédito; era um tipo de um cartão em que o comprador todo mês pagava uma parte da compra feita.
P/1 – E você sabe a origem do nome da tua família?
R – Bem, eu tenho uma leve ideia, mas eu não sei se eu estou muito certo. Uma grande parte das famílias judaicas daquela região e de outras regiões do mundo, inclusive até depois da época da inquisição, tinham seus nomes ligados às suas profissões. Então, em cada local que a comunidade judaica estava ela adaptava os seus sobrenomes à sua posição e à língua local. Na realidade o sobrenome Suster não é Suster, é Schuster, que em várias línguas quer dizer sapateiro, em alemão, em tcheco, em hebraico, em ídiche. E esse sobrenome também sofre conforme o local que o individuo habita, ele sofre a influência daquele local. Exemplo: conheci um professor na Columbia University cujo sobrenome era Shoemaker e ele dizia que nós somos xarás de sobrenome; aqui em São Paulo tem o mesmo sobrenome de origem polonesa que quer dizer sapochnik, que quer dizer também sapateiro. Aquele jogador de futebol Schumacher ou como se diz por aqui (Schumachér?) também é o mesmo sobrenome. Então, o sobrenome muda de acordo com a região em que o indivíduo se encontra.
P/1 – E que língua seu pai e sua mãe falavam?
R – Minha mãe na terra dela, na Ucrânia, falava com os pais em ídiche, que é a língua dos judeus da Europa, e também em ucraniano. Meu pai por sua vez falava em ídiche com os pais e também em romeno.
P/1 – O ídiche era o mesmo?
R – O ídiche era o mesmo, porém com sotaques e acentuações diferentes.
P/1 – Você tem um exemplo?
R – Tenho, vamos dizer o judeu da Bessarábia, por exemplo, a palavra matzá, que é o pão asmo. Matzá em hebraico se fala também matza, o judeu da Bessarábia fala (matzo?) e o judeu polonês fala matze, esses são os exemplos.
P/1 – Fala um pouco da tua infância, como era isso?
R – Bom, na minha infância o bairro tradicional judaico de São Paulo que hoje ao que tudo indica não é mais, era o Bom Retiro, tinha alguns prolongamentos que iam para o Brás, pra Mooca, para o Belém. Então nesses bairros situavam-se alguns pequenos guetos judaicos e eu fui pra esse pequeno gueto do Brás, que era uma rua chamada Rua Xavantes, onde quase todas as casas eram nessa rua, principalmente no pedaço em que a gente morava, de famílias de origem judaicas e a nossa infância era entre alguma coisa interessante e ao mesmo tempo criava alguns problemas com os outros membros da comunidade não judaica. Então coisas de briga de moleques, algum tipo de discriminação, mas isso aqui nunca não foi uma coisa que a gente poderia considerar grave, mas existiam tipos de discriminação.
P/1 – Você lembra de algum caso, alguma história?
R – Lembro de... São casos que ficavam mais transparentes, por exemplo, no sábado de aleluia. No sábado de aleluia normalmente aquele que era pendurado era um dos membros da comunidade que, digamos assim, era mais agressivo. Então, penduravam-se aqueles bonecos e se colocavam o nome de uma dessas pessoas da comunidade que os não judeus tinham mais raiva e aí, acho que o resto da história todo mundo conhece.
P/1 – E a escola?
R – A escola... Uma coisa interessante, porque no meu caso eu fiz o primário no chamado nosso tempo Grupo Escolar, que era o Grupo Escolar Eduardo Prado que ficava perto de casa, mas a tarde eu ia pra outra escola que é a escola da comunidade, chamada Escola Israelita Brasileira Luiz Fleitlich, que era na Rua Bresser, uma rua também muito ligada à comunidade judaica da época. Então tinha uma parte do ensino oficial que eu desenvolvia num Grupo Escolar e outro curso, que era considerado como se fosse também um curso primário mais voltado pra cultura da comunidade judaica. Essa escola de manhã também tinha o ensino oficial. Então, tinha gente que ficava de manhã no ensino oficial e a tarde fazia esse chamado complemento, mas eu não, eu estudava no Grupo Escolar e a tarde fazia esse complemento.
P/1 – E você ia a pé pra escola?
R – Às vezes a pé e às vezes no cano da bicicleta do meu irmão. Meu irmão me levava na bicicleta e eu ia no cano. Sabe como que é ir no cano? Aquilo não tinha nem bagageiro, é aquele cano na frente. Bicicleta de homem porque sem cano é bicicleta de mulher, não dá pra levar ninguém.
P/1 – E como era o cotidiano dessa família?
R – O cotidiano da família? Minha mãe era dona de casa, do lar como se diz hoje. No meu tempo chamava-se doméstica, mas aí houve uma mudança porque doméstica ficou a empregada doméstica, aí virou prendas domésticas e agora se diz quando a esposa não trabalha que ela é do lar. Então minha mãe era do lar, fazia todas as atividades de casa, quase não tinha a necessidade de ir ao supermercado, porque era um sistema mais moderno do que o atual, o supermercado vinha até a sua casa com horários definidos. Você já deve saber disso aí talvez por outras entrevistas. Meu pai saia cedo pra trabalhar; em casa ele era responsável pela parte matinal dos afazeres, tipo café, comprar pão, esquentar leite e outros diversos. Nós não éramos uma família religiosa judaica ou ortodoxa, digamos assim, praticante. Nós éramos uma família judaica tradicional como se diz. Então em casa de manhã não tinha todo um ritual judaico que algumas famílias têm, era café da manhã, eu ia com meu irmão pra escola, meu pai ia trabalhar e minha mãe ficava em casa cuidando da preparação do almoço e aquelas coisas de dona de casa.
P/1 – E você ficou na Luiz Fleitlich aprendendo o quê? Você aprendia hebraico, ídiche, o quê?
R – Digamos que é fazer uma comparação, é como se fosse uma escola normal, mas voltada pra cultura judaica. Então você tinha um ensino da língua hebraica, o ensino da língua ídiche, aí você tinha um tipo de matéria que era... Poderia ser traduzida por história do povo judaico que é diferente de outra matéria, que era o estudo ligando o Velho Testamento, então você tinha digamos assim, vocês que são historiados, a história judaica era uma coisa mais científica e que era como se fosse qualquer história que a gente lê num livro, porém em língua hebraica; depois você tinha o estudo da bíblia também em hebraico, você tinha o estudo da gramática hebraica, você tinha o estudo da língua ídiche porque a língua ídiche é a língua que até hoje é muito falada pelos judeus da Europa Ocidental. Então tem toda uma literatura importante e nessa escola a gente estudava também o ídiche.
P/1 – E em casa falava também?
R – Em casa se falava ídiche e minha mãe com a minha avó de vez em quando falava em russo ou ucraniano, que são duas línguas muito próximas. Na realidade, quando eu aprendi o ídiche...
P/1 – Com quantos anos?
P/1 – ______ e aprendi o português, e se minha mãe precisasse falar alguma coisa com a minha avó pra eu não entender o que eles estavam falando, eles falavam em russo. Isso foi ótimo porque eu aprendi um pouquinho de russo pra tentar descobrir o que eles estavam falando que era pra eu não saber. Foi assim que eu aprendi o ídiche, eles falavam o ídiche pra eu não entender. Conhecimentos rudimentares. É bom, porque ajuda sempre.
P/1 – Você disse que os rituais judaicos na sua casa não eram cotidianos, mas as festas judaicas eram preservadas?
R – Em casa, enquanto minha avó estava viva, você tinha uma presença um pouco mais ritualística que é o Sabbat, que é pôr as velas do sábado na sexta-feira à noite, no escurecer da sexta-feira à noite e a ida a sinagoga no Rosh Hashaná e no Yom Kipur e a tradicional festa do Pessach, que é a páscoa judaica, que era uma festa no seio da família na casa mesmo, que reunia mais pessoas além do núcleo central da família, os tios, primos. E se fazia a chamada ceia do Pessach, isso religiosamente era comemorado.
P/1 – E você fez o seu Bar-Mitzvá?
R – Ah! Sim. Estou esquecendo. A primeira atividade religiosa que aconteceu comigo – eu não lembro muito porque eu tinha sete dias – foi a minha circuncisão, que é o batismo, isso eu não lembro, eu lembro do meu Bar-Mitzvá que é com treze anos, que é considerado como se fosse a introdução do homem na vida judaica adulta praticante. Essas são duas atividades que aconteceram na minha família.
P/1 – E a sua juventude, como foi depois do seu Bar-Mitzvá?
R – Entrei num ginásio, num chamado Ginásio do Estado, que depois passou para o nome de Presidente Roosevelt e depois para Colégio Estadual São Paulo e hoje é aquele nome lá ______ não sei o que mais São Paulo. É uma coisa muito interessante, não sei se vocês já tiveram algum desses depoimentos, no tempo dos meus treze anos entrar no Ginásio do Estado era uma atividade como se fosse entrar num... Hoje, sinceramente, acho que é quase uma pós-graduação, nem uma graduação dessas faculdades da periferia eu considero, era o que nós tínhamos aqui em São Paulo, três ou quatro Ginásios do Estado importantes e o nosso, ao que tudo indica, era o mais importante, que era chamado Ginásio do Estado. E eu brinco muito que eu digo que o que eu aprendi na vida foi nesse Ginásio, o que eu aprendi depois foram variações sobre o mesmo tema, porque realmente era um curso de altíssimo nível.
P/1 – E quando que começou a se definir o que você ia fazer da sua vida profissional?
R – Bem, às vezes você pensa teoricamente de uma maneira, mas a tua prática de vida te leva a outro caminho. Eu fiz o ginásio, depois eu fiz o chamado científico, mas eu acho que nessa ocasião eu já tinha feito uma opção que eu deveria ter feito outra, que é o clássico, tinha suas duas grandes definições, poderia ter os dois desvios, as ciências exatas e as ciências humanas; eu sempre fui muito mais voltado pra área das humanas, tanto é que depois eu fiz o curso de Filosofia na PUC [Pontifícia Universidade Católica] e depois o curso de Comunicação na USP [Universidade de São Paulo], mas no meio desse trajeto a prática da minha atividade na Universidade definiu alguns caminhos profissionais que foram diferentes do que eu imaginava quando eu entrei na faculdade, por exemplo.
P/1 – Mas como que você decidiu fazer Filosofia?
R – Olha, eu acho que tem uma relação com as primeiras leituras de Filosofia que eu fiz na época do científico, que embora seja um curso científico você tinha uma matéria de Filosofia que no nosso colégio era dado pelo Casa Nova, que ultimamente não tenho ouvido mais falar dele, mas que era professor de Filosofia da USP e era nosso professor no curso médio, esqueci o primeiro nome dele. Então você tinha leituras, você tinha a leitura de livro normal e eu comecei a ler muito sobre filosofia grega, principalmente que também no nosso tempo de ginásio infelizmente quando eu entrei no primeiro ano o grego tinha caído, mas ainda tinha o latim e são coisas importantes porque são línguas que são as línguas das ciências humanas; embora o grego tivesse caído muita coisa de grego entrava ainda no curso e latim era uma língua obrigatória no ginásio, aliás, como o inglês, o francês e o espanhol. Então eu comecei a gostar sem uma perspectiva profissional, eu sinceramente fiz o curso de Filosofia sem saber o que eu ia fazer profissionalmente, porque eu gostei, primeiro ponto; segundo ponto: eu também acho que um pouco de influência de estudar política através da Filosofia, principalmente porque um texto que eu peguei logo no começo das minhas primeiras leituras em Filosofia foi a República de Platão, então isso fez com que eu enfim me desviasse por esse caminho. A época política depois na faculdade foi uma época muito quente, porque eu entrei na... Eu fiz Filosofia na PUC de São Paulo e eu entrei em 1963, então era uma época de pré-golpe militar. O curso de Filosofia era um curso que dava uma base pra você analisar alguns fenômenos políticos e sociais da época.
P/1 – Mas como que você se definiria politicamente nesse momento que você entrou na PUC?
R – Você diz tipo conceito direita e esquerda?
P/1 – É.
R – Eu acho que eu me definia como indivíduo preocupado com uma série de problemas sociais que embora a gente não vivenciasse ______ uma classe pequeno burguesa, mas a gente já lia jornais, já sabia de uma série de problemas que o país enfrentava de dominação econômica, de má distribuição de renda, enfim, um pouco desse papo que até hoje a gente vê por aí. Tem outro fato muito importante que era uma iniciação feita pelo teatro e, principalmente, pelo Teatro de Arena, dos fundadores do Teatro de Arena; o Boal, o Guarnieri – principalmente o Boal e o Guarnieri – desenvolviam um teatro político na época e o que a gente assistia me levou a uma determinada opção também política e até profissional.
P/1 – Mas isso já na PUC ou antes?
R – Antes da PUC. Estou dizendo assim, quer dizer, houve uma influência na minha escolha, houve essa influência de ler Filosofia e uma influência adquirida politicamente presenciando os espetáculos do Teatro de Arena.
P/1 – E como é que você chegou a ir ao teatro? Quer dizer, seus pais iam ao teatro e te levavam? Seu grupo de amigos?
R – Eu acho que é... Foram os colegas, as namoradas, era o programa de domingo à tarde: pegar na mão da namorada enquanto você se aprofundava politicamente. O Teatro de Arena causava uma sensação muito diferente e eu acho que até hoje – não sei como está hoje, se ele ainda existe –, mas o Teatro de Arena tinha um tipo de relação ator, não posso dizer palco, plateia, porque não tinha palco, era uma pequena arena e a relação do espectador com o ator era mais ou menos como essa nossa aqui, quer dizer, a proximidade e o tamanho pequeno e essa relação pra mim era uma relação muito revolucionária em termos cênicos.
P/1 – Você lembra a primeira vez que você foi lá?
R – Lembro. Estou velho, mas a memória continua boa. O espetáculo era o “Chapetuba Futebol Clube”, parece nome de comédia ligeira (risos), mas na realidade colocavam um problema político já naquela época da peneira. A peneira é como que os... Talvez o pessoal que está atrás da câmera saiba melhor do que nós o que é a peneira, é a maneira como você escolhe e seleciona os profissionais que vão para os times, não é? E já na naquela época havia certo controle e todo o problema das famílias pobres que queriam ascender socialmente através do futebol. Então era esse o problema que era colocado e, enfim, eu lembro de várias outras, principalmente “Eles não usam black-tie”, o famoso espetáculo do Guarnieri que eu assisti acho que umas três vezes e outros espetáculos do mesmo nível.
P/1 – E com quem você ia?
R – Ia com alguns amigos, ia com namoradas, mas era tipo grupo. “Vamos ao teatro?”, como hoje se vai ao cinema. Um pouco depois outro grupo que tem uma origem próxima do Teatro de Arena, o Teatro Oficina, também marcou muito a época nesse chamado novo teatro brasileiro, que colocou uma oposição ao teatro de origem europeia que até o final da década de 1950, 1940 e pouco, é o que existia, que era o TBC [Teatro Brasileiro de Comédia]. E esses dois grupos vieram para, digamos assim, “nacionalizar” um pouco a cultura. Textos brasileiros, textos sociais, textos políticos e isso fez uma certa mudança na maneira como o estudante de colégio e início da faculdade começaram a conhecer.
P/1 – E o público desse teatro pré-1964 você acha que era um público jovem?
R – Pré-1964?
P/1 – É.
R – Só jovem.
P/1 – Era barato?
R – Bem barato. Por incrível que pareça hoje com todos esses estímulos parece que o teatro é mais voltado para uma classe que tem condições de pagar um espetáculo teatral; naquela época, que é antes da ditadura militar e também no começo da ditadura militar, tinha outro tipo de conceito, tinham as chamadas campanhas de popularização teatral, que hoje é um pouco parecido com o que faz a APETESP [Associação dos Produtores de Espetáculos Teatrais do Estado de São Paulo], não é? Mas naquele tempo era assim: o espetáculo era lançado com alguns meses ou com um mês de campanha de popularização, o ingresso era muito barato, ou se não no final da temporada; então eles faziam a temporada e depois o Governo dava um patrocínio, tanto o Governo Estadual como o Governo Federal e Municipal, e o valor do ingresso caia muito. Mas olha, eu não lembro de me preocupar com isso, de ser de uma família de classe média baixa não lembro de ter problema de frequentar teatro. Fora dessas campanhas o teatro era uma coisa acessível como cinema, então não tinha esses problemas. Aliás, o contrário, pra quem não tinha condições, que era uma classe menos favorecida do que a nossa, esse pessoal ia sim às campanhas de popularização.
P/1 – Fala um pouco da PUC quando você entrou, como era?
R – A PUC? (risos) A PUC é... Acho que, vamos dizer pra gente situar melhor isso, a PUC sofre a mesma transformação que a Igreja sofreu quando João XXIII subiu para o papado da Igreja. A PUC, como vocês sabem, uma Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, ou melhor, as pontifícias, elas são ponte entre o céu e a terra, então quem manda nas pontifícias é o sumo pontífice, elas seguem diretrizes de Roma, tanto é que tem algumas Universidades católicas que não são pontifícias. Quando as Universidades católicas não são pontifícias elas são coordenadas pela comunidade, pela Ordem, e quando elas são pontifícias é Roma. A PUC sofreu a mesma mudança que a comunidade católica sofreu quando entrou o Papa João XXIII, que era o quê? Basicamente é você inserir o social como prática diária do militante ou do individuo que processava a atividade religiosa, então digamos assim, a mudança na Igreja foi muito grande, as bases dessa Igreja, das chamadas comunidades eclesiais de base. A Ação Católica, que era uma organização muito importante naquela época, formava então vários grupos dentro de uma postura de atuar no social, não é? Então as chamadas JUC, JEC, JOC. JUC era Juventude Universitária Católica, JEC Juventude Estudantil Católica e JOC Juventude Operária Católica, eram organizações da chamada Ação Católica. E Ação Católica ela vem dessa nova diretriz de João XXIII, que está atual até hoje. Eu peguei há pouco tempo uma fala do Cardeal Arcebispo de São Paulo falando que: “A propriedade tem que ter um fim social”, só que faz quarenta anos que eu ouço que a propriedade vai ter um fim social e até agora, ao que tudo indica, vejo que ela ainda não tem um fim totalmente social, não é? Se não, não teria o que a gente vê nas páginas dos jornais todo dia. É principalmente a encíclica de João XXIII que era a Mater et Magistra, que trata do problema da terra...
P/1 – Isso já estava estruturado em 1963 na PUC? Como?
R – Estava estruturado porque a Igreja tem uma organização piramidal, então digamos assim, ela vem de Roma, vai baixando para as arquidioceses, das arquidioceses chega até as paróquias. Por um lado, a população, por outro lado as instituições. As pontifícias são ligadas a uma área de Roma que trata da educação superior católica, então baixam diretrizes para todas as Universidades, para todas as pontifícias por um lado e, por outro lado, baixam informações para todas as ordens religiosas, todas com a mesma diretriz; então quando você tem uma diretriz acima essa diretriz começa a influenciar mudanças em todas as áreas, então qual era a mudança? É fazer com que o praticante católico começasse a se preocupar com problemas materiais, problemas do mundo material, problema da pobreza, problema do analfabetismo, da fome, baseado em textos das encíclicas do Papa João XXIII. O que a PUC tinha organizado? Tinha organizado essas entidades ligadas à Universidade, principalmente a JUC. Agora o que acontece? A JUC, digamos assim, que há uma confusão histórica desde a ditadura, que acho que a ditadura não conseguiu entender que a JUC não era um movimento político, não era um chamado braço armado da revolução, não é uma coisa assim, é uma coisa muito incrível, quer dizer, o militante católico queria atuar socialmente pra melhorar o país e essa era a visão da JUC. Agora acontece que essa prática era uma pratica no dia-a-dia dele numa prática digamos religiosa. Para fazer frente ou para militar, por coincidência houve uma organização que eu pertenci e que gerava certa confusão, que era a Ação Popular, a chamada AP. Porque você tinha a Ação Católica que então tinha toda essa prática e a Ação Popular era uma organização política que não tinha nada a ver com a Igreja, que era uma organização que tinha uma ideologia socialista, porém não de fundo marxista, de fundo da pessoa humana, cujo líder principal era um filósofo francês chamado Emmanuel Mounier, que lançou as bases do movimento que é um personalismo. Não é um personalismo chamado personalista nesse sentido, o personagem da pessoa humana então – não sei se vale à pena se alongar um pouco nisso –, mas as bases desta filosofia não eram contraditórias a filosofia da Igreja, só que ela era de fundo socialista, então o militante católico que quisesse praticar uma atividade política de esquerda, se ele entrasse digamos num partido comunista, isso era uma contradição porque o partido comunista partia de princípios filosóficos contraditórios ao catolicismo e o personalismo do Emmanuel Mounier partia de princípios filosóficos que não tinham contradição com a doutrina da Igreja. Então o que acontece: o individuo militante cristão católico, quando quisesse ter uma prática política de esquerda, normalmente se engajava na AP. Então o que acontecia na AP? Um percentual muito grande, calculo 60%, 70% eram de militantes da JUC e outros de outras áreas, inclusive materialistas, porque não tinha contradição e eu era um desses. Mas causava uma certa confusão, porque naquele tempo: “Como que ele é judeu e ele está lá na AP?”. Muita gente não entendia isso. Sorte que lá no Rio de Janeiro tinha um outro judeu militante da AP, então sempre trocávamos esse tipo de fenômeno, enfim.
P/1 – E como foi o teu primeiro...
(PAUSA)
R – Digamos assim, você primeiro tem uma relação de amizade com as pessoas, teus colegas de classe, teus colegas da diretoria do centro acadêmico, então você desenvolve amizades numa determinada hora com o desenvolvimento de uma identidade política que você tem com seu amigo, um deles já faz parte, já é parte de um movimento, já é chamado militante do movimento, então convida para uma reunião, a maneira como aconteceu, uma coisa muito interessante, aí fala: “Suster, nós vamos ter uma reunião, vem um companheiro aí falar sobre a AP, você quer participar?”. Numa sala de aula da PUC à noite eu fui introduzido por duas pessoas muito boas e interessantes do movimento; uma é o Egídio Bianchi. O Egídio Bianchi era da FEI [Faculdade de Engenharia Industrial], muito ligado ao pessoal da FEI, cujos expoentes eram Sérgio Motta, que foi Ministro das Comunicações do governo Fernando Henrique, algumas outras pessoas que não tiveram expressão pública grande, mas que eram da FEI. O Egídio no governo do Montoro foi presidente do PRODESP, que é o órgão de Processamento de Dados do Estado [de São Paulo], um organismo importante e no governo do Fernando Henrique ele foi Presidente dos Correios. Naquela época ele era estudante de Engenharia e veio expor pra nós a doutrina da AP e nesse tipo de reunião que é uma reunião, digamos assim, de conteúdo filosófico, político. Já pra estudantes da PUC da área de ciências humanas, quer dizer, já era uma coisa, uma mais profunda porque no meu curso de Filosofia eu tinha que estudar marxismo. Então a gente sempre falava isso, é uma postura diferente do indivíduo que estuda política na sala de aula e ter uma ação política ou de você participar de uma atividade política tendo como base alguma coisa que você tem na sala de aula, é diferente do que um engenheiro da FEI participar de uma atividade política porque ele não tem um conteúdo como a gente tinha na sala de aula.
P/1 – Pois é, mas precisa vir um cara da FEI pra falar pra vocês?
R – Toda regra tem exceção, quer dizer, ele era um indivíduo da FEI que já militava num movimento, isso significa que não existem filósofos que fizeram curso de Engenharia, ele militava na política há certo tempo, tinha conhecimento de toda prática política da PEI [?] e veio expor. Mas não falei que ele era o principal, tem um segundo que é uma pessoa muito interessante que era o Duarte Lago Pacheco; ele é baiano, mas morava aqui em São Paulo, tinha uma atuação política muito grande, tanto é que teve muitos problemas na ditadura, foi exilado, mas ele fez a minha cabeça sim pra entrar na organização.
P/1 – Não, eu acho interessante ter um núcleo forte da PEI na FEI, não é? Uma coisa que a gente não...
R – A FEI tinha um núcleo forte mais pra área da engenharia da coisa do que da teorização, quer dizer, eles eram muito atuantes, tinham um conhecimento teórico relativo não como o nosso. O que eu estou dizendo é que eu lembro de discussões que a gente tinha. Eles achavam que a gente era muito teórico e nós achávamos que eles eram muito práticos; é aquela história de você ter que ter uma relação dialética pra poder os dois grupos se entenderem, mas tinham diferenças mais ou menos como essa que a gente está caracterizando.
P/1 – E isso foi antes do golpe?
R – A Ação Popular tem uma época de esplendor mais ou menos na época do golpe. Estou falando Ação Popular, principalmente ligada a duas áreas que eram a área da política universitária e da política operária, além desses grupos ligados a terra que eu conheço muito pouco, mas eu sei que tinha um movimento muito importante que era do João Baptista Julião, que eram as Ligas Camponesas, que a Ação Popular tinha uma ascensão muito grande. Mas na área estudantil na época do golpe a Ação Popular meio que dominava os organismos principais, a UNE [União Nacional dos Estudantes] era presidida pelo José Serra que também depois virou ministro do governo Fernando Henrique. Aqui em São Paulo a UEE [União Estadual dos Estudantes] também era presidida por um militante importante na época, o (Totta?) que acho que até hoje está no Ministério da Saúde, tendo sido levado pelo Serra e o DCE [Diretório Central dos Estudantes] da USP era o (Chico Rocca?) também da nossa organização, o DCE da PUC um velho amigo meu que é o Antônio da Costa Ciampa e eu era o presidente do centro acadêmico da PUC também, da Filosofia da PUC.
P/1 – E vocês se encontravam? Como era o cronograma e o organograma da AP nos encontros?
R – Olha, nós não tínhamos nenhuma reunião digital, nós não tínhamos nenhuma organização de teleconferências, nós não tínhamos DDD [Discagem direta a distância] automático, nós tínhamos máquina de datilografia não elétrica, nós tínhamos um mimeógrafo a álcool e um outro melhor que só a UEE tinha que era um chamado Gestetner, que era um mimeógrafo tcheco, acho que era tcheco de manivela, cada rodada saia uma folha, depois essa manivela um pouco pra frente quando já estava saindo da universidade foi substituída por um motorzinho, então o braço do japonês que rodava a manivela não ficou mais dolorido e a gente conseguiu em três dias fazer uma greve nacional estudantil, por exemplo.
P/2 – Henrique, como é que era a relação dessas organizações pré-golpe com os partidos? Vocês deviam ser assediados ou tentados, deviam te chamar para participar dos partidos, como que era essa relação?
R – Assim como as organizações políticas você tem que fazer uma separação dos partidos legais e dos partidos ilegais. Eu estou falando isso antes de 1964, porque depois de 1964 virou tudo dois partidos, não é? Era a Arena [Aliança Renovadora Nacional] e o MDB [Movimento Democrático Brasileiro], mas eu estou falando antes. Então digamos assim, os partidos legais eram todos desenvolvidos de uma política burguesa. Partido Progressista Brasileiro liderado pelo Adhemar de Barros, partido dos mineiros, como é que era toda aquela turma mineira parecido com o que hoje é o PFL [Partido da Frente Liberal], estão sempre... PSD, Partido Social Democrático. Estava sempre dentro e sempre fora, mas estava sempre dentro. Tinha um partido forte que era o PDC, Partido Democrata Cristão, que tinha exatamente uma parte do braço do pessoal católico de esquerda, mas tinha o pessoal católico de direita também. Isso que você está perguntando a bem dizer não é uma relação direta, porque a relação era com os partidos ilegais, não é? O Partido Comunista Brasileiro que era ilegal na época, antes de 1964 já era ilegal. Getúlio em 1932 era ilegal, então digamos assim, o Partido Comunista tinha um grupo que às vezes tinha um outro nome, outra sigla, que atuava no movimento estudantil. O PCdoB [Partido Comunista do Brasil] também tinha algumas organizações que atuavam no movimento estudantil tipo a POLOP, por exemplo, Política Operária, não do grupo trotskista, tinha uma relação, aí a Quarta Internacional também tinha um grupo que tinha um outro nome que eu não em lembro agora, que tinha sua representação de militantes na universidade. O PDC tinha então uma parte da AP, mas tinha também grupos da chamada Direita Cristã que eram terríveis, o movimento do Plinio Corrêa de Oliveira, Tradição, Família e Propriedade, por exemplo, que era um movimento inclusive radical de direita da Igreja, então essa relação a gente poderia falar hoje dela, mas não naquele tempo, entendeu? Não tem essa correlação direta. Hoje, o que aconteceu hoje? Hoje desaparecem esses grupos ilegais pra se tornarem todos legais, então você tem uma atuação direta, não é? Quer dizer, o pessoal do PT [Partido dos Trabalhadores] ligado ao Lula, o pessoal do PT ligado ao Stédile, aos radicais, então hoje isso é mais fácil de entender, porque tem uma relação direta com o partido, naquele tempo tinha, mas era um partido que não existia. Quer dizer, se você não tivesse ideia disso na sua cabeça você não entendia, por exemplo, quando eu ouvi ______ o que a Judith perguntou: “Como é que eram as organizações?”. Quando a gente ia, por exemplo, pra um congresso da UNE, eles pegavam um cara da Bahia, pelo discurso que ele fazia nos três primeiros minutos a gente identificava de que grupo que ele era, o que ele vinha defendendo, a posição que ele vinha defendendo, você já matava se ele podia até ser do teu grupo e você não sabia por que, não é? Como eu falei, não tinha reunião digital naquele tempo, mas você tinha uma organização que era uma coisa muito bem organizada que era chamada organização celular. Então digamos assim, a diretoria da UNE tinha cinco ou seis membros principais: diretoria, vice-presidente, secretário, tesoureiro, etc. Cada um era responsável por cinco, seis Estados do Brasil. Então eles baixavam para os estados, quer dizer, o Estado tinha uma UEE, a UEE se encarregava de passar para os DCEs e os DCEs se encarregavam de passar para as universidades. Então, por exemplo, a greve geral do chamado um terço da representação, do um terço dos órgãos de decisão da universidade, em três dias nós fizemos uma greve nacional naquele tempo, e era uma organização que funcionava até melhor do que funciona hoje.
P/1 – E como é que entrou o teatro na PUC?
R – (risos) Essa parte do depoimento vai ser uma parte muito pessoal e muito crítica, mas sou eu que estou dando o depoimento então é meu ponto de vista aberto a discussões posteriores se for o caso. A PUC, eu faço uma historinha digamos assim mágica, de como entrou o teatro na PUC. Estava passeando pela PUC um dia e o Cardeal Arcebispo de São Paulo, o Dom Carlos Carmelo de Vasconcelos Motta, que foi um cardeal importante pra Igreja porque era ligado a doutrina do João XXIII e, portanto a Ação Católica, e olhando o espaço onde atualmente se encontra o TUCA era um espaço vazio, então: “O que nós vamos fazer aqui?”; “Vamos construir aí um auditório”; “Pra quê?”; “Aulas magnas, pra formaturas, vamos construir um auditório”. Eu disse: “E dinheiro pra isso?”; “O dinheiro a gente arrecada na comunidade católica, nas missas, todas as paróquias vão ajudar e um pouco a universidade também colabora”. E começaram a construir. Quando eu entrei na PUC o prédio já estava quase terminando em 1963. Os estudantes eram totalmente contra a construção do prédio, nós chamávamos aquilo lá de elefante branco, porque a mensalidade era alta e a construção do prédio sugava mais ainda as verbas da universidade e na realidade os estudantes é que construíram juntamente com a comunidade católica de São Paulo, que “construiu” um teatro pra cidade de São Paulo. Construíram o teatro, aliás, até hoje sem ter um projeto cultural. Quer dizer, eu sempre digo que se você tem uma universidade assim chamada confessional, uma pontifícia universidade católica, e ela constrói um teatro, não é bem um teatro, o teatro não é um espaço das artes cênicas, é um espaço da cultura e se você não tem um projeto cultural na realidade você construiu um teatro pra nada; aliás, o teatro não chamava-se TUCA [Teatro da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo], ele chamava-se Auditório Tibiriçá, agora com a nova reforma do prédio parece que tiraram o mármore que tinha um indiozinho desenhado lá, desenhado não, em baixo relevo escrito, esse auditório foi construído em homenagem ao primeiro cacique Tibiriçá, por quê? Porque o cacique Tibiriçá, desculpe as historiadoras, é o primeiro cacique que foi batizado na Igreja, por isso ele é badalado na Igreja e por isso deram o nome Tibiriçá para o auditório, porque é um cacique que aceitou a doutrina da Igreja. O que aconteceu? Aconteceram alguns fenômenos, o fenômeno fundamental que aconteceu foi que em 1964 o golpe chegou de modo violento. E qual foi o reflexo disso na universidade? Foi o reflexo disso na universidade o fechamento de todos os organismos estudantis, principalmente os organismos que faziam a política universitária, então os chamados centro acadêmicos em nível de faculdade, os DCEs em nível de universidade, Diretório Central dos Estudantes de universidade, as UEEs e a UNE, então todas essas organizações foram empasteladas. O prédio da UNE que era no Rio, que era um prédio até muito bom, foi queimado. Vocês sabem disso por outras informações, houve um estudante que morreu, estou esquecendo o nome dele, um garoto adolescente que estava no movimento estudantil que estava por lá e, enfim, levou um tiro e todo o movimento lá no Rio por causa disso. Então toda a militância política da PUC ficou digamos “no ar”. No ar que eu quero dizer é sem ter condições de organização. Então eu sempre digo que você tem que se adaptar ao tempo, às situações do tempo. Então o que aconteceu? Não tendo condições de você atuar politicamente, nós pensamos em desenvolver uma atividade política através de um espetáculo teatral, através de uma atividade teatral, talvez baseado no CPC [Centro Popular de Cultura] da UNE, que o CPC da UNE era um chamado Centro de Cultura Popular da UNE, então digamos assim, a UNE funcionava como se fosse um ministério, não é? Um ministério dos estudantes ______ um ministério do Governo, a UNE era um ministério dos estudantes. Então você tinha a parte política, a parte chamada do profissionalismo, quer dizer, a parte técnica era uma organização também nacional assim como tinha a organização política que eram os congressos e tal, tinha as executivas que analisavam o profissionalismo, as atividades profissionais dos formados em Medicina, Engenharia etc. Então tinha como se fosse congressos técnicos, específicos de cada área. Digamos assim, o Ministério da Cultura que não era dirigido pelo Gil, mas ele até tocava uns violõezinhos lá de vez em quando, que era o Centro de Cultura Popular que desenvolvia atividades culturais de música, teatro, principalmente música e teatro. Então digamos assim, um pouco dessa experiência, alguns companheiros daquele tempo nos deram algumas ideias de organizar um grupo de teatro. Por que isso? Porque você perdeu a estrutura da tua organização, então o que aconteceu? Nós imediatamente na PUC criamos uma base pra desenvolver uma atividade cultural que resultasse na montagem de um espetáculo teatral. A mesma coisa depois a gente fez na USP criando o TUSP [Teatro da Universidade de São Paulo] e a mesma coisa fez o Mackenzie criando um grupo também lá chamado TUMA, Teatro da Universidade Mackenzie, alguma coisa assim. Naquele tempo eles já não queriam colocar o nome de TUMA talvez pra não fazer propaganda de um dos membros mais ligado ao Mackenzie do que as outras universidades, então fizeram o TEMA.
O que nós fizemos na PUC então? Nós fizemos logo de cara, nós entramos em contato com alguns profissionais de teatro que também perderam suas posições por causa da ditadura; por exemplo, o Roberto Freire, psicanalista, não confundir com Roberto Freire senador, o Roberto Freire foi presidente do Serviço Nacional de Teatro, que era o antigo órgão do Ministério da Educação que coordenava as atividades teatrais a nível de Ministério, ele trouxe alguns outros profissionais de teatro que era o José Antunes Ferrara, o Silnei Siqueira, pra auxiliar os estudantes ao conteúdo teatral. Como eu era o presidente do Centro Acadêmico e perdi o meu emprego (risos), chegaram pra mim e falaram: “Você vai ser um dos membros, chamado superintendente do grupo de teatro”; “Mas eu não entendo nada de teatro, pra mim teatro é...”; “No mais você vai ficar encarregado disso porque nós vamos desenvolver uma atividade importante”.
Os profissionais indicaram alguns cursos, que seriam cursos de dar uma base teórica pra quem fosse fazer e uma base interpretativa. Bom, é uma coisa muito interessante eu me lembrar dessas coisas agora porque foram os melhores professores de São Paulo, por exemplo, História do Teatro com o professor Alberto D’Aversa. O professor Alberto D’Aversa naquele tempo era um dos melhores teóricos de teatro, a maior sala de aula da PUC se eu não me engano tinha oitenta lugares, duas vezes por dia, uma vez de manhã e uma vez de tarde dando o curso de História do Espetáculo, era o nome do que ele fazia, todos os tipos de espetáculo desde os primórdios do teatro na Grécia Antiga até os teatros da Europa e os grandes grupos de teatros do mundo.
O professor de interpretação era nada mais nada menos do que o professor Eugênio Kusnet, que hoje existe como nome do teatro antigo, Teatro de Arena Eugênio Kusnet. Era um professor que veio da Rússia, era um dos expoentes que já lá na Rússia criou o método Stanislavski, que era um método de interpretação teatral muito usado pelo Teatro de Arena e pelo Teatro Oficina. Não vou dizer agora o que é o método porque há vários livros na praça sobre isso. Mas o método Stanislavski dava uma base de interpretação muito incrível e foi esse o método que nós nos aproximamos e conhecemos pra montar o espetáculo. O que a gente procurou? A gente pesquisou um tipo de espetáculo que talvez respondesse as angústias nossas de estudantes da época. Qual era a angústia da época? A angústia da época era aqui o Sul maravilha e lá em cima o Nordeste subdesenvolvido, é preciso fazer uma diferença, não é? Quer dizer, Norte e Sul têm uma conotação diferente do que tem hoje, ou seja, naquele tempo a miséria era muito mais no Nordeste e muito menos no Sul, hoje parece que grassou de Norte a Sul, mas naquele tempo ainda né? Todo estudante falava em desenvolvimento do Nordeste, porque era o Nordeste, a SUDENE [Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste], a situação de pobreza na caatinga, enfim, várias atividades culturais se reportavam ao Nordeste. Então ela era aquela coisa de Belíndia, Bélgica aqui embaixo e Índia lá em cima por um lado, por outro lado qual era nosso conteúdo político? Nosso conteúdo político era conteúdo fundamentalmente da reforma agrária; o outro conteúdo era o conteúdo do habitante do Nordeste que tinha uma condição de trabalho e de sobrevivência nula, zero. Então se passou a partir disso, nós pesquisando textos, chegamos a um texto que um pouco relatava essas angústias do nordestino que é o “Morte e Vida Severina” de João Cabral de Melo Neto. Parece incrível, só que foi em 1965. A estreia foi em 1965, quantos anos são pra 2003? Trinta e poucos anos? Depois vocês fazem as contas. Então qual era a angústia do estudante? Era reforma agrária e fome. Vem o novo governo e estabelece as duas bandeiras mais importantes dele: Fome Zero e Reforma Agrária. Passou-se trinta e poucos anos e parece que muita pouca coisa foi feita nesse tempo. Então digamos assim, pra que serviu isso? Serviu pra fazer muito as cabeças dos estudantes e dos estudantes secundaristas também. Então agora respondendo a sua pergunta, a PUC constrói uma casa de espetáculos sem projeto, o que nós vamos fazer naquilo lá? A resposta que eles deram era: “Aulas magnas”. Aula magna sabe como é que é? Começa um curso, hoje é semestral, naquela época era anual, aula magna é a primeira aula do ano e ponto final. “Um auditório de formaturas e mais alguma coisa”. Então o que nós fizemos? Nós já temos uma casa, vamos preencher essa casa e a gente com pressão, porque a organização do TUCA não era uma organização oficial da universidade, era uma organização oficial do DCE e dos estudantes. O TUCA começa como uma atividade teatral do DCE exatamente naquela linha que eu falei de fechamentos dos organismos da política universitária, o UEE, a UNE e tal, então o DCE quando se desmembrou criou o TUCA como um órgão deles, do DCE, então não tem vinculação direta com a universidade, tem vinculação com os estudantes. Oficialmente não tinha vinculação e a gente então prepara o espetáculo e estreia dentro do teatro com pressão, aliás, uma pressão relativa porque o TUCA sempre pagou 20% do bruto da bilheteria pra universidade e do primeiro dia da estreia até o último dia. Um ano e meio, dois anos depois, todos os nossos espetáculos eram lotados e a PUC não tinha do que se queixar porque a gente devolveu pra PUC o preço que eles gastaram na construção, via 20% da bilheteria. Pode falar.
P/1 – Bom, aí montaram, vamos diferenciar, o TUCA cultura e o TUCA prédio, certo?
R – Perfeito.
P/1 – O TUCA prédio existe e chama Tibiriçá?
R – Perfeito.
P/1 – Então são duas coisas completamente diferentes, é isso? Como é que o TUCA cultura entra no prédio, quer dizer, a PUC permite isso, ela ajuda, ela impede?
R – Acontece o seguinte, quer dizer, a montagem do espetáculo logo na estreia, ela já dava pra perceber que nós criamos digamos um monstro e que nem nós tínhamos ideia do que nós fizemos. Estética, política e cenicamente, quer dizer, a gente não tinha ideia, nós fizemos isso como uma atividade pra preencher as nossas atividades políticas, você tinha que desenvolver alguma coisa, tanto é que além dos espetáculos a gente ia para as periferias, a gente ia levar o espetáculo na periferia. Muito entendido pela periferia também, porque o espetáculo tinha condições de ser facilmente entendido inclusive porque a periferia tinha muitos Severinos e muitos Severinos viviam a vida que eles vieram imigrando e o Severino é exatamente isso.
Mas é preciso quando você diz: “TUCA auditório Tibiriçá e TUCA movimento dos alunos”. Eu estou chamando de movimento porque eu não acho que o TUCA é uma montagem de um espetáculo teatral, se não eu talvez nem ______ esse trabalho que nós estamos iniciando agora, que é gravar pra uma Instituição como Museu da Pessoa, quer dizer, inserir o TUCA em alguma coisa maior tem relação com a montagem de um espetáculo teatral, tem relação com um determinado movimento da época, centralizado numa fase histórica da Universidade Católica de São Paulo.
Então você diz o Auditório Tibiriçá ficou pequeno, deixou de existir e a PUC “usurpou” o nome do grupo e chama aquilo de TUCA hoje. E eu fui por coincidência por questão há algumas semanas atrás na atividade de cerimônia de inauguração do novo TUCA e o reitor sequer citou o nome do TUCA grupo e sequer citou o nome do “Morte e Vida Severina”. Ele citou sim, dizendo muito en passant que aqui nesse teatro espetáculos como de João Cabral de Melo Neto e Chico Buarque de Holanda foram encenados. Será que isso tem a ver alguma coisa? Será que... Qual é a interpretação desse fato? Eu gostaria que passasse um pouco mais de tempo pra poder responder, mas o movimento desses estudantes deu vida para o teatro e eu acho que agora, passados trinta e poucos anos, a gente percebe que a nossa atividade tinha digamos uma visão no tempo e uma visão que com a preocupação desse governo se percebe que a ideia que os estudantes tinham na época era uma ideia já com certo aprofundamento cultural, político e estético.
P/1 – E dava tempo pra estudar?
R – Bom, no meu caso pessoal, o reitor da PUC que infelizmente ficou muito pouco tempo porque ele faleceu, era o Joel Martins, que era um professor na área de Educação muito incrível, um verdadeiro mestre universitário. Ele dizia que a falência do ensino superior é exemplificada por mim, porque eu me tornei um profissional com as atividades que eu fazia fora da sala de aula e não dentro da sala de aula e que ele achava que essas atividades que se faziam fora da sala de aula já naquele tempo eram tão importantes como as que se faziam na sala de aula. Então ele dizia que o que você faz fora às vezes é mais importante do que as que você faz dentro. Acho que hoje isso é muito mais visível com todo o desenvolvimento da tecnologia da informação e tudo mais. Acho que isso hoje é muito mais visível.
P/1 – E como foi essa estreia?
R – A estreia do espetáculo você diz? Então, é preciso entender o seguinte, se nós não tínhamos uma habilidade cênica muito profunda, nós os membros do TUCA, eram membros que já desenvolviam uma prática da política universitária altamente profunda, então digamos assim, um indivíduo que poderia ser presidente de uma UEE deixou de ser presidente da UEE pra entrar no TUCA e ser um ator. Invés de ele ser um militante político ele entrou como um ator do grupo, ou se não como ator, como eu, como membro que ia, coordenava a produção, a administração, a divulgação, a parte técnica e tudo mais. Então é preciso entender que era uma elite de estudantes que entraram pra organizar uma atividade cultural. Eu acho que isso tem a ver um pouco com o sucesso do grupo, porque a preparação foi feita por esses profissionais de teatro que eu falei. A universidade – quando eu falo universidade não é oficialmente, é oficiosamente – se emprenhou em pelo menos cem a cento e cinquenta pessoas entre alunos e professores pra auxiliar nas nossas pesquisas, então, por exemplo, o pessoal de Psicologia pesquisou várias situações do homem nordestino pra dar um exemplo prático, a psicologia do nordestino é diferente da psicologia do brasileiro do Sul, do gaúcho, por exemplo. Nordestino mais ou menos como o Fabiano de “Vidas Secas”. Nordestino é quieto, acabrunhado, fica naquela posição cócoras ______ descansando. Eu não tenho nenhum cachimbo aqui, mas o Nordestino quando pita um cachimbo ele segura o pito assim, não é? Assim que ele segura.
(PAUSA)
R – Então digamos assim, esse espetáculo sendo montado por esse tipo de estudante e por uma coincidência de ter tido uma organização cênica muito boa, é preciso entender que isso foi assessorado por várias pessoas. A gente... É até gozado dizer assim, você tem os tucanos que são os 30 e poucos que ficavam no palco e tem os tucamelos que são os 150 que ficavam apoiando de fora. Quem eram? Então, eram as áreas principalmente da Filosofia que auxiliavam nessa história de cada um na sua especialidade, de caracterizar várias pesquisas do espetáculo, por exemplo, o cenário da Morte e Vida que é como se fosse um semiárido, ele surgiu na cabeça do Ferrara que foi o cenógrafo, um daqueles profissionais que nós contratamos, aliás, contratamos. O TUCA contratou todos esses profissionais e pagava muito bem, porque o curso que nós fizemos de oitenta alunos de manhã e oitenta alunos de tarde era pago, então isso e a Secretaria Estadual da Cultura deu uma verba inicial muito boa pra gente. Assim como a Psicologia fez isso, a Geografia num dia explicando como é que era a natureza do Nordeste e numa hora que o professor Fauzi passou uma série de slides, naquele tempo eram slides, não é? Não tinha PowerPoint naquele tempo, então apareceu um slide do semiárido que o Ferrara pediu pra parar, pediu esse slide e a partir desse slide foi criado o cenário do Morte e Vida. Então vocês vêem que era um movimento de toda uma organização política e cultural da Universidade, mas feita com que essência da Universidade? A Universidade, principalmente depois da estreia, não conseguiu brecar mais o processo, mas a Universidade toda de modo voluntário participou desse trabalho, a gente até dizia que o TUCA ficou sendo mais importante que a própria Universidade, que no Morte e Vida ficou sendo mais importante. E pra fechar isso com uma “chave de ouro”, que também aconteceu sem nenhum planejamento, eu um dia que tinha uma reunião do TUCA, depois disso eu leio o Estadão e no meio de uma matéria do Estadão tem lá: “Nancy na França está organizando um grande festival de teatro universitário”. Eu olhei aquilo, li e recortei. Pus no bolso. Na reunião da noite eu tirei do bolso o papel e falei: “Pessoal, eu recortei isso”. O Roberto Freire, eu lembro até hoje, olhou assim pra mim com uma cara de espanto, tirou o mesmo papel do bolso e a partir daí nós começamos auxiliados por “n” pessoas no Brasil e, diga-se de passagem, o autor da música, Chico Buarque de Holanda, estava no começo da carreira, mas a maneira como ele organizou a música, a maneira como... Ele tinha um compacto assim, aquele “cdzinho” de duas músicas gravadas, um “cdzinho” não, desculpa, aquele vinilzinho (risos) de duas músicas, era uma música de um lado e uma música do outro. Tinha o Long play que tinha doze, seis de cada lado e esse era um de cada lado, uma era: Olê, olê, olê, olá, e do outro lado era o Pedro Pedreiro, mas assim gravado... E ele preparando essa música do Morte e Vida fez com que o João Cabral, depois que nós ganhamos um prêmio em Nancy, falasse que ele não consegue mais ler o poema dele sem a música do Chico Buarque, porque a música do Chico Buarque colocou em negrito o poema dele.
Então, o que acontece? Nós nos organizamos pra uma necessidade tremenda pra ir porque eram 33 pessoas, por incrível que pareça na própria ditadura nós conseguimos do Itamaraty, desculpe, eu não vou me lembrar se foi a bagatela de três passagens ou a bagatela de sete passagens para um grupo de 33, eu não lembro direito, acho que foram sete e naquele tempo a cada quatro passagens você ganhava uma, então das sete nós fizemos não sei o quê e todos esses artistas que estavam meio no começo vieram fazer shows no TUCA, como o atual Ministro da Cultura, o próprio Chico, Caetano Veloso, Bethânia, enfim. Caymmi, eu lembro que veio dar um show. Nós organizamos a coisa de tal maneira e conseguimos as passagens, a Secretaria do Estado da Cultura, não, não era da cultura, enfim, era uma que fazia as atividades culturais, também colaborou. Alguns pais, por exemplo, deram o valor das passagens dos filhos e eu junto com a Elza Lobo e o Ferrara, nós fomos na frente pra organizar a ida e no dia seguinte o grupo não viajou porque o Manuel, o Mané, que era um dos atores, estava pichando um “abaixo a ditadura” na praça do patriarca e foi preso na véspera da ida. Então atrasou liberar ele da cadeia, da delegacia, sei lá o que, não foi possível e o grupo foi com um dia de atraso pra Nancy. Com isso, perdeu a oportunidade de ensaiar no palco e foi direto pra apresentação e mesmo assim por uma feliz coincidência nós ganhamos o primeiro prêmio no festival. Se vocês tiverem interesse, eu tenho uma fita de sete minutos de palmas que depois de sete minutos a RDF, a Radiodifusão Françoise, cortou porque achou que era muita palma pra... Sete minutos de palma era muita coisa, se vocês ficarem batendo palma um minuto e meio, vocês fiquem três minutos pra vocês verem o que significa sete minutos de palmas.
Então, por isso que eu chamo que o TUCA não é digamos uma montagem de um espetáculo teatral, é uma montagem, é um movimento cultural, político e cultural, porque a nossa orientação sempre foi política, não é? Quer dizer, a estrutura – não posso perder muito tempo nisso –, mas a estrutura do “Morte e Vida Severina” tem a ver com a ideologia da Ação Popular, porque toda a estrutura cênica, toda a concepção cênica, ela é baseada no indivíduo, na pessoa humana, não tem cenário. Isso que eu falei simplesmente é o piso, quer dizer, é o piso do Nordeste brasileiro. Então toda a formatação, por exemplo, tem uma cena importante lá que chama “mulher da janela”, que a janela é feita pelos braços de dois atores e a mulher fica apoiada no braço e dá a fala de cena, quer dizer, isso faz com que vários pontos da ideologia nossa da valorização da pessoa humana fosse encaixada no espetáculo.
P/1 – E essa ida a Nancy, como é que foi recebida aqui no Brasil?
R – Bom, na PUC, nós mandamos um telegrama logo no meio, porque o nosso espetáculo foi no meio do festival. Tinha festival de uma semana, eram trinta e poucos grupos de teatro do mundo inteiro. O nosso foi numa quarta-feira, uma coisa assim, nós mandamos um telegrama pra PUC. Não, desculpe. Quando terminou o festival, nós mandamos um telegrama que nós ganhamos o festival, depois eu vou explicar pra você o porquê dessa minha falha da quarta-feira... A PUC fez feriado, não houve aula naquele dia, eles ampliaram o telegrama, não tinha naquele tempo, não tinha plotter, não dava pra plotar, mas eles fizeram uma fotocópia grande, tipo essas fotocópias de papel vegetal de Engenharia, colocaram na frente do prédio velho da PUC e não houve aula, não me lembro, eu sei que teve uma atividade lá, digamos de homenagem alguma coisa do TUCA, mas não houve aula. O que aconteceu quando nós chegamos no Brasil? Aliás, o espetáculo no domingo a tarde era antes da nossa ida, era muito visto por estudantes secundaristas porque os professores da rede de ensino que assistiam o nosso espetáculo utilizavam o Morte e Vida em Literatura, pra digamos fazer com que as crianças discutam problemas políticos, porque o Morte e Vida é uma coisa muito simples de ser entendido. Então vários professores... Eu me lembro muito de uma professora que utilizava muito teatro na educação que hoje ela é uma pessoa famosa, Maria Alice Vergueiro, que é do Grupo Oficina, ela trazia a escola inteira pra assistir, ônibus e tal paravam na porta. Domingo a tarde era uma grande festa. Quando nós voltamos, estava armado pelo Governo do Estado de a gente ser transportado em carro do corpo de bombeiros. No dia que a gente chegou o governador do Estado, Adhemar de Barros, caiu porque teve uma divergência com o governo da ditadura. Ele caiu, então suspenderam (risos) a atividade oficial porque era toda uma badalação que os caras queriam fazer às nossas custas. É uma troca, não é? Eu lembro de muitos estudantes no Aeroporto de Congonhas atrás de um vidro com bandeirinha, com não sei o que, eles fizeram um tipo de uma coisa de papel escrito TUCA e mais alguma coisa, mas muitos estudantes e nós voltamos, também não teve aula na PUC nesse dia. Numa mesa grande no nosso teatro, então no TUCA, pra várias autoridades, inclusive nós, Chico Buarque, Roberto Freire, Silnei Siqueira, o ______, mais algumas pessoas e eu. Não lembro quem mais. Nós ficamos fazendo... O Roberto abriu e a gente ficou fazendo um tipo de atividade de mais ou menos contar o que aconteceu. Eu tenho até hoje comigo o original de uma carta, por exemplo, do Cardeal Arcebispo, uma carta do governador, uma carta de outras autoridades elogiando o nosso trabalho. Não parou por aí, aí é que começou o trabalho. Nós cumprimos todo um... Bom, na Europa nós passamos também por Portugal e depois por Paris, mas foi consequência do que aconteceu no Festival de Nancy. Depois nós cumprimos praticamente uma agenda nacional de espetáculos. Nós estivemos no Teatro Municipal do Rio de Janeiro dia 1, 2 e 3 de novembro, dia que ninguém gosta de ir ao teatro, não é? Pra comemorar morto. Só um espetáculo chamado Morte e Vida Severina, lotado três dias o Teatro Municipal da cabeça aos pés, no meio de um Finados. Fizemos uma reinauguração das quatro ou cinco reinaugurações que teve o teatro de Manaus. Uma das reinaurações foi 31 de dezembro de 1966 e o teatro também estava lotado. O governador do Estado ofereceu pra gente um Réveillon numa localização nossa lá, em homenagem a... Era um cara muito importante, chamado Arthur Reis, que era um governador muito interessante que tinha lá na Amazônia.
P/1 – E você tem ideia de quantas pessoas viram o “Morte e Vida Severina”?
R – Eu, sinceramente, pra te falar um chute bem chutado, calculo uma média de 800 pessoas por espetáculo e vamos dizer uns 150 ou 200 espetáculos, calculo acho que mais, uma coisa de 40 mil, 50 mil pessoas, uma coisa assim.
P/1 – Teatro, não é?
R – Teatro! Teatro tem uma... É o que eu sempre dizia, o Paulo Autran quando entrou pra fazer o Baldaracci que era o personagem de uma novela, na primeira noite que ele entrou ele ultrapassou em quatro ou cinco vezes toda a carreira teatral dele que ele fez durante sessenta anos, durante cinquenta anos.
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