P/1 – Marco, boa tarde.
R – Boa tarde.
P/1 – Primeiro, eu gostaria de agradecer de você ter aceitado o convite para essa entrevista e pra gente começar, eu queria que você falasse pra gente seu nome completo, o local e a data do seu nascimento.
R – É Marco Antonio Rafael de Souza, nasci aqui na Ilha em 23 de março de 65.
P/1 – Marco, fala pra gente o nome dos seus pais.
R – Antonio Rafael de Souza, Benedita Emília de Souza.
P/1 – Conta um pouquinho o que você sabe da origem da sua família, né, dos seus avós, da onde que eles vieram…
R – Na verdade, meus avós, eu não conheci, entendeu? Meus pais são daqui mesmo, atrás da ilha, Castelhanos, né, eram de lá. Eu nasci lá também.
P/1 – E o quê que eles faziam, os seus pais?
R – Meus pais trabalhavam na roça, pescavam e cuidavam da vida, da família, normalmente.
P/1 – E você tem irmãos, Marco?
R – Tenho, na verdade, a gente era em dez irmãos, né, já faleceram alguns, agora estamos em seis.
P/1 – Em que lugar que você tá nessa escadinha?
R – Eu sou o penúltimo.
P/1 – Conta pra gente como é que era a sua casa de infância, lá do outro lado da ilha.
R – Era bem simples, bem… era de pau a pique, o chão era batido, terra, era coberta com sapê, bem simples.
P/1 – E como é que era o entorno? O quê que tinha em volta da sua casa?
R – Tinham algumas plantações, assim, tipo, laranja, mandioca, coisa simples.
P/1 – E o que você gostava de brincar quando era menino?
R – Ah, brincar mesmo assim, jogava pião, brincava de barco no riozinho que tinha lá, é isso.
P/1 – E tanto barquinho, quanto pião eram feitos de madeira?
R – De madeira. A gente mesmo que fazia.
P/1 – E como é que se faz um pião ou um barquinho, assim, para brincar?
R – Você tem que ter a madeira, com uma faca, alguma coisa, vai esculpindo e faz.
P/1 – E como é que você aprendeu a mexer, assim, com madeira?
R – Os meus pais, os meus tios sempre faziam e a gente ficava olhando e aprendendo.
P/1 – E o que eles faziam com essas madeiras?
R – Antigamente, lá onde a gente morava, em Castelhanos, eles faziam muito remo, canoas, faziam reformas, então, a gente ficava vendo. E aprendeu através disso, né?
P/1 – E você falou dos seus irmãos, né? Então, a casa era bastante movimentada, né? Conta um pouquinho como é que era o dia a dia, assim, da sua infância, o quê que você se lembra quando lembra daquela casa?
R – Assim, eu me lembro assim, como eu sou um dos mais novos, os mais antigos já tinham casado, assim, acho que antes de eu nascer, já tinham uns que já tinham casado, entendeu? Então, tinha assim, bastante movimento, meus primos… Morava perto dos primos assim, era movimentado. A gente brincava, era muito bom.
P/1 – E como é que era a vila lá em Castelhanos, né, a comunidade ou as casas, o entorno da sua casa? Você falou que tinham algumas plantações, mas como é que era em volta, assim, os vizinhos?
R – Cada 100 metros, assim, tinha uma casa, né? Cada um tinha assim, alguma coisa em torno, plantações, criação, né?
P/1 – E você ajudava em casa?
R – Bastante (risos). Ajudava bastante.
P/1 – Quais eram as atividades que você fazia?
R – Como a gente tinha que ir na roça, a gente tinha que pegar cedo, ir para a roça, tinha que pescar, tudo para poder se manter. Tinha que pescar, ia capinar mandioca, capinar feijão, desde criança, entendeu?
P/1 – E qual dessas atividades você gostava mais de fazer?
R – Eu não gostava de nenhuma (risos), mas tinha que fazer.
P/1 – E como é que era essa pesca?
R – A pesca era a melhor parte, na verdade, porque era mais divertida, assim, pesca de rede, de cerco, né, pescava em cima da costeira, era a melhor parte.
P/1 – E a relação de vocês com o mar ou com a praia, como é que era? Vocês iam bastante? Não iam?
R – Na verdade, minha casa acho que era uns 100 metros da praia, então a gente tava todos os dias na praia, mesmo assim, se não fosse trabalhando, estava lá passeando, sei lá, alguma coisa estava fazendo na praia.
P/1 – E como era esse trabalho da pesca? Como que era para você fazer ou estar junto dos adultos fazendo?
R – Na verdade, lá atrás, eu era pequeno, entendeu? Eu só ajudava, não participava muito, assim, mas era bom, era legal.
P/1 – E conta pra gente como foi quando você começou a ir para a escola, o que você se lembra da escola?
R – Então, eu comecei a ir para a escola lá atrás, né? Eu lembro pouco da escola, lá de trás, eu lembro muito pouco, assim. Fiz até primário lá, acho que só, eu lembro muito pouco. Mas era bem difícil, era bem diferente de hoje, né? Era bem diferente.
P/1 – Era longe?
R – Não, era próximo. Bem perto.
P/1 – E era difícil, por quê?
R – Não é que era difícil, as condições, por exemplo, professor para ir daqui, tinha que ir de barco, era muito complicado.
P/1 – E aí, você saiu de lá e veio pra esse outro lado da ilha?
R – Foi. Aí, os meus pais venderam lá, né, porque eles queriam que a gente melhorasse de vida, né, um pouco, né? E aí, venderam e a gente veio pra cá. Meu pai comprou aqui essa área e tá aqui até hoje.
P/1 – E o que você se lembra dessa mudança, como é que foi sair de lá e vir para cá?
R – Foi diferente para a gente que morava lá atrás, foi bem diferente, mas foi melhor.
P/1 – O que mudou?
R – As condições de vida melhorou, né? Lá é muito difícil. Entendeu?
P/1 – O que tinha aqui de diferente que deu para sentir essa melhora?
R – A maneira de você conseguir as coisas é bem mais fácil do que lá. Trabalho aqui tinha melhor para os meus pais, na época, né? Então, ele conseguiu dar uma vida melhor pra gente. Então foi isso, a grande mudança foi essa.
P/1 – E aí, o seu pai veio trabalhar aqui com o quê?
R – Meu pai já fazia carpintaria, né, então aqui tinha mais serviço para ele. Ele continuou trabalhando de carpinteiro.
P/1 – E o que ele fazia bastante na carpintaria, seu pai?
R – Ele fazia de tudo um pouco, fazia barcos, canoas, fazia telhados.
P/1 – E a escola aqui desse outro lado? O que você se lembra dela aqui?
R – Da escola aqui era bem diferente de lá, né? Tinha mais movimento, mais pessoas, ah, bem dizer assim, eu me lembro do pessoal que eu conheci na escola, entendeu? Pessoas novas, eu me lembro disso.
P/1 – Como que foi para você essa mudança de escola, de um lugar mais calmo, mais… para um mais agitado, com mais gente?
R – No começo, foi meio complicado, né, porque a gente lá de trás, tímido, foi meio difícil, mas depois, foi normal, a gente se enturmou com o pessoal, foi mais divertido.
P/1 – O que tinha na escola que você gostava de fazer?
R – Jogar futebol, tinha uma quadra de futebol, é o que eu mãos gostava.
P/1 – E além da escola, assim, quais eram as outras atividades que você fazia aqui desse outro lado, um pouco mais velho, já?
R – Aí, comecei a trabalhar, né, com um pouco mais de idade, comecei a trabalhar para ajudar. É isso, mas sempre na mesma arte, pescando, ajudando o meu pai na carpintaria, entendeu?
P/1 – Quais foram seus primeiros trabalhos na carpintaria? Você se lembra como que eram?
R – Carpintaria… assim, com o meu pai, eu ajudava ele, fazia tudo que ele pedia para eu ajudar, eu ajudava, né? Então, telhado, os barcos, né, o que eu me lembro é isso.
P/1 – Qual é a atividade na área de carpintaria que é a mais difícil, assim, a mais complicada de fazer? Que você demorou mais para aprender ou que de repente, foi uma super…
R – Na verdade, a carpintaria sempre tá aprendendo, né? É uma atividade que você sempre tá aprendendo. Acho que fazer barcos, assim, foi difícil no começo, mas a gente tá aprendendo cada vez mais.
P/1 – E vocês construíam juntos, trabalhavam juntos? Como é que era a relação de vocês?
R – Sempre que ele precisava de mim no que eu podia ajudar, eu sempre tava ajudando, né? Então, às vezes, como eu tinha que ir para a escola, eu estudava de dia, então, não dava muito, na parte da manhã, sempre que podia eu tava ajudando.
P/1 – E como foi seguir os passos dele, quer dizer, você também ser um carpinteiro e trabalhar com toda essa construção náutica, tudo bem, a canoa não rolou, mas tem os barcos, tem todas as outras…
R – Foi legal assim, na verdade, tinha que ter alguém que seguisse, né, então foi muito bom, foi um aprendizado que eu tive com ele que eu consegui pôr em prática, né? Foi muito bom.
P/1 – O quê que você se lembra dele te ensinando?
R – A principal parte assim, que eu lembro dele é nunca deixar de fazer uma coisa que comecei, tipo, comecei a fazer um serviço, um barco, tem que terminar, entendeu? Mas a parte técnica dele era muito… me ensinava muito assim. Muita coisa.
P/1 – Desde o lugar certo de pregar até?
R – É. Todos os detalhes, assim, para flutuar, tudo ele me ensinou.
P/1 – E o que precisa para o barco flutuar?
R – Precisa você fazer o equilíbrio, da madeira para não ficar muito pesado em cima, tem umas coisas… Não consigo te explicar com palavras, mas fazendo eu consigo te explicar melhor, entendeu?
P/1 – E como é que você percebe o clima, o mar, né, porque você já percebe quando vai mudar o tempo de cara?
R – Sim.
P/1 – Então, conta pra gente como que e essa relação, né, com o mar ou com o tempo.
R – Então, mudança de tempo geralmente, a gente vai aprendendo com pessoal mais antigo, eles comentam assim, eles olham pro céu e veem uma nuvem fora de foco lá, eles já sabem: “Vai ventar” e a gente vai aprendendo com isso, entendeu? A temperatura, o calor, eles sabem quando vai ventar, também. E em relação com o mar, é assim, a gente viveu o tempo todo no mar, então a gente adora estar no mar, né?
P/1 – E tem que respeitar o mar, também?
R – Com certeza. Muito.
P/1 – Quais são os perigos do mar?
R – Na verdade, os perigos são assim, você ir para o mar sem ter conhecimento é muito perigoso, você tem que saber que sempre ir com uma pessoa que conheça, tal, para saber mudança de tempo, lugar que você pode ir, entendeu?
P/1 – E o que mais que você aprendeu com os antigos, né? Você falou de sentir a temperatura, de aprender a olhar para o céu e ver a nuvem, você aprendeu também o ofício do seu pai…
R – Sim. Na verdade, eu aprendi quase tudo, né? Respeito, tudo que eu prendi foi com os antigos, né, com o meu pai, com os meus tios, entendeu? Foi isso que eu aprendi, basicamente isso.
P/1 – Aí, você falou pra mim que você estudou até acabar o colegial?
R – Foi.
P/1 – E aí, quando acabou o colegial, o quê que aconteceu?
R – Aí, não tinha grana para fazer faculdade, né, meu pai não conseguia pagar, aí eu fui trabalhar, comecei a trabalhar com ele, ajudando e fui aprendendo.
P/1 – Sempre aqui na Ilha?
R – É. Sempre aqui na Ilha, mas às vezes, tem serviço para fora, a gente vai, tipo Caraguá [Caraguatatuba] (SP), Guarujá(SP), sempre fazendo alguma coisa.
P/1 – Qual foi o trabalho mais difícil que você fez? Assim, que você olhou no começo e falou assim: “Não sei se vai dar”.
R – Meu primeiro serviço… O mais difícil foi o primeiro serviço, o primeiro barco que eu peguei pra reformar, que o meu pai falou assim: “Vai reformar esse barco”, aí eu fui, foi o mais difícil, porque eu sai de ajudante para seguir a profissão sozinho, então foi mais difícil.
P/1 – E como foi? Assim, o quê que tinha que fazer?
R – Como era reforma, tinha que trocar a madeira do barco e é super difícil. Então aí, no começo, sofri. Mas agora é tranquilo.
P/1 – Como é que faz para fazer essa reforma, né, como é que você acha uma madeira igual ou trabalha a madeira para ela ficar…
R – É, tem que trabalhar a madeira, mas tem toda uma técnica para entortar a madeira, tal. E como a gente tava iniciando, nossa, era difícil. Mas o meu pai ajudava, né? Ensinando.
P/1 – E como é que foi a criação ou a implantação daquele espaço que a gente viu lá embaixo que leva o nome do seu pai? O centro de apoio.
R – Então, ali é de um turista, na verdade, né? Do outro lado da rua e é um espaço que sempre o pessoal usou, o pescador usou, desde que eu era moleque, eu lembro que descarregava os camarões ali, entendeu? Aí depois, começou usar para consertar as redes e aí, o turista, um dia, queria tomar posse ali para fazer alguma coisa para ele. Aí, o pessoal se reuniu e foi na prefeitura e o prefeito deu uma força e fundou aquele espaço ali. E o nome, acho que alguém lá deve ter falado o nome do meu pai, né?
P/1 – O que você sentiu quando viu que aquele espaço que é o centro de apoio ao pescador artesanal leva o nome do seu pai?
R – Eu me senti orgulhoso e com a responsabilidade de manter, de correr atrás, sempre, né?
P/1 – Conta um pouquinho para quem não conhece, para quem não pode entrar lá e ver, como é que é aquele espaço, o quê que acontece lá?
R – É um espaço para os pescadores, para reforma de barcos dos pescadores e conserto da rede. O pessoal puxa o barco ali, a gente que trabalha com carpintaria, faz reparo, o mecânico faz reparo de mecânica e os caras consertam as redes ali.
P/1 – Por quê que é importante para o pescador ou para o barqueiro ter um espaço como aquele?
R – Ali… hoje é um espaço municipal, é um espaço que puxa de graça, né, e uma puxada num estaleiro particular, por exemplo, tem um custo e ali sai de graça. Então, como a vida do pescador é difícil, o cara não ganha suficiente às vezes nem para pagar as despesas, ter um espaço de graça, realmente, ajuda muito.
P/1 – E qual que é a sua atividade lá? Você faz alguma coisa lá ou…?
R – Então, eu faço carpintaria, eu faço reparos, reforma, reparos.
P/1 – E conta pra gente como é que você conheceu a sua esposa.
R – Minha esposa eu conheci quando eu terminei o colegial… Não, conheci na escola, assim que eu terminei, acho que no ano seguinte, eu comecei a…
P/1 – E como é que foi que vocês começaram a namorar?
R – A gente ia nas festas, a gente começou a namorar assim: festa junina, antigamente tinham umas festas legais e aí a gente se conheceu legal e fomos namorar e foi assim, acabamos casando, temos filhos, foi assim.
P/1 – Como é que foi o casamento?
R – Ah, a gente fez uma festinha na casa da minha mãe. Na época, foi legal, foi divertido, foi… tinha bastante conhecido, foi bom.
P/1 – E como foi ser pai pela primeira vez, quando nasceu a primeira filha?
R – Foi muito legal, muito diferente de tudo, né?
P/1 – O que você sentiu?
R – Não sei nem te falar, foi uma emoção, uma coisa bem forte, bem… não sei te explicar, foi muito bom.
P/1 – E aí quando nasceu o menino?
R – Na verdade, quando nasceu a menina, eu queria que fosse menino, o segundo, eu já queria que fosse menina, né? Aí foi bom porque assim, era tudo que eu imaginava, né, só tive que agradecer a Deus por ter sido assim, né?
P/1 – E aí, você teve também a terceira filha? Fala um pouquinho, fala os nomes deles pra gente, dos meninos.
R – Então, Mirela, que é a mais velha, Marcos Junior que é o segundo e Ariela, a terceira. Eles são hiper divertidos, assim, é muito legal. Não sei te explicar, é uma coisa normal assim, mas são muito divertidos.
P/1 – E quando eles eram pequenos, você levou eles para o mar, assim?
R – Ah, levamos. A gente ensinou a mais velha a nadar, jogamos dentro da água assim, ela aprendeu na marra a nadar. E os outros também… Na verdade, no verãozão, a gente tava praticamente todos os dias no mar, né, aqui. Todo fim de tarde, a gente tava no mar.
P/1 – E qual que é a relação deles com o mar?
R – A mais nova veleja, né? Todos têm uma relação assim, a mais velha também tentou velejar, não deu certo, mas os dois têm uma relação legal com o mar. Eles gostam de ir na praia, passear. O menino gosta de pescar, então, tem uma relação legal.
P/1 – E você pretende ensinar o seu trabalho, oficio para algum deles?
R – Na verdade, já tento passar para o meu filho, né? Ele sabe alguma coisa, já, mas sei lá, vai depender dele. Eu gostaria que ele aprendesse. Talvez não para sobreviver assim, desse trabalho, mas para saber.
P/1 – Porque também é uma tradição. né, da ilha?
R – Isso.
P/1 – E aí, qual que é a importância da manutenção dessa tradição?
R – É legal, mas eu tenho meus sobrinhos que trabalham, meus sobrinhos que trabalham bem. Então, na verdade, assim, vi ter uma continuidade, se eles quiserem, vai ter uma continuidade, entendeu?
P/1 – E como que é para você que agora já trabalhou com barcos grandes e tal, já montou do zero um trabalho, voltar e fazer os barquinhos pequenos?
R – Se eu fosse fazer isso? Eu não entendi a pergunta.
P/1 – Você faz também ainda os barquinhos pequenos?
R – Faz tempo que eu não faço, mas eu acho que consigo fazer.
P/1 – Não, é só para saber como é que é…
R – O que eu sentiria se fosse fazer isso?
P/1 – É. Como é que é para você construir, ver que tem umas peças de madeira, assim, e depois de muito trabalho, você consegue ver a transformação, ver pronto.
R – Ah, na verdade, é um quebra-cabeça, né? Mas é muito legal, eu sou apaixonado por trabalhar com madeira, com barco, né? Eu poderia estar fazendo outra coisa, mas realmente, barco é tudo o que eu gosto de fazer.
P/1 – Você tem ideia de quantos barcos você já fez?
R – Fazer assim, do zero, eu não fiz muito, não. Mas reparar, eu não tenho ideia, não.
P/1 – E como foi inaugurar o primeiro barco que você fez do zero? Ver que ele boia, ver que… porque você faz aqui no seco, né?
R – Sim. É complicado, primeiro barco, assim, a gente fica com aquele medo, né? Vai que não dá certo, né? Mas é legal, você se sente realizado, né, você fez um serviço que funcionou, um trabalho que funcionou.
P/1 – Você andou nele?
R – Sim. Tem que fazer o teste (risos), andei sim.
P/1 – E como foi? Andou bem?
R – Funcionou, né? Funcionou legal, só que é assim, a gente vai aperfeiçoando, né, os próximos ficaram melhores, né? Com certeza.
P/1 – Qual que é a parte mais difícil na construção de um barco?
R – Eu acho que a finalização é a pior parte, os detalhes é a pior parte. Toma tempo, tem que estar… que na verdade, é o que vai aparecer, na realidade, né? Acho que essa é a pior parte.
P/1 – E nesses detalhes é onde está a diferença, né, do barco bem feito?
R – Isso, é. Na verdade, o que aparece são os detalhes, né? Então, acho que isso é a parte mais difícil.
P/1 – E são o que, esses detalhes, assim?
R – Madeirinha, lugar certo, os arremates, são os acabamentos, entendeu?
P/1 – E como é que foi ver a família ficando ainda mais comprida com a chegada dos netos?
R – Então, eu só tenho um neto, só. Mas é muito legal. É diferente de filho, né? É completamente diferente de filho, faz a gente… Como que se fala? Voltar no passado, entendeu? É muito… 1não sei te explicar, é muito legal, eu só sei que é muito legal.
P/1 – E como é que é a sua relação com a cidade?
R – Como assim, com as pessoas…?
P/1 – É, com as pessoas, com o centro, com o outro lado da Ilha.
R – Ah, eu vou pouco lá para o outro lado da Ilha, né? Mas quando eu vou lá, eu tenho parentes lá, pessoal, aparentemente, gosta de mim, né? E eu também gosto deles pra caramba. Os meus amigos estão tudo aqui, né? Assim, eu saio assim, à noite, às vezes, com a família, né? Domingão é jogo de futebol, é coisa normal.
P/1 – E o que te fez ficar aqui e não buscar trabalho em outros portos ou em outros lugares também à beira mar, mas que…
R – Na verdade, assim, talvez tenha faltado oportunidade, mas não que isso me deixa chateado, que Ilhabela é o melhor lugar do mundo para morar, é aqui. E a gente tendo oportunidade de trabalhar aqui é muito bom.
P/1 – E por que Ilhabela é o melhor lugar do mundo?
R – Porque… assim, eu conheço pouco, na verdade, mas pelo o que a gente ouve falar, aqui é um paraíso, entendeu?
P/1 – Qual que é o diferencial daqui? O quê que tem aqui que faz ela ser especial?
R – Pra mim, são as pessoas, você não precisa de muita coisa pra viver aqui na Ilha, precisa de pouco para viver, entendeu? Enquanto em outras cidades com mais movimento, você precisa de mais coisas. Acho que esse é a grande diferença.
P/1 – Qual que você imagina que tenha sido o legado do seu pai, assim, que ele deixou para…
R – Para mim, profissionalmente, foi… me ensinou tudo o que eu sei e respeito, né, acho que respeito com as pessoas foi o grande legado que ele deixou. Tem duas coisas que eu lembro que ele me falava que tem que respeitar uma criancinha até um adulto de 80 anos para poder você também ser respeitado, acho que isso foi a grande coisa que ele me ensinou.
P/1 – E quando você vê que outros seguem fazendo as canoas tal como o seu pai fazia, você se lembra dele, como é que é?
R – Com certeza, eu me lembro, assim. Eu vejo, às vezes, as pessoas… vejo eles fazendo da mesma maneira, entendeu? Me recorda bastante, assim.
P/1 – Como é que era ver ele trabalhando?
R – Ah, na verdade, assim, era uma coisa até normal você ver ele trabalhando, mas eu sentia que ele era muito esforçado, entendeu? Ele queria ser perfeito no que ele fazia. Então, eu acho que…eu acho que a coisa que eu mais via nele era tentar ser perfeito.
P/1 – E isso você traz para você?
R – Eu tento em cada serviço que eu faço, no próximo, ser melhor, entendeu? Procuro.
P/1 – E qual que você imagina que vai ser o seu legado, assim, ou o seu…?
R – Que eu vou deixar para os filhos e…?
P/1 – É.
R – Acho que a família, assim. Talvez, a importância da família, né? Do respeito também. Acho que é isso.
P/1 – E quais são as coisas mais importantes para você hoje?
R – Pra mim? Ah, a família é a coisa mais importante que eu tenho, né? Os amigos, acho que é isso.
P/1 – E o que você gosta de fazer quando tem um tempo livre ou nas horas de lazer?
R – Às vezes, eu jogo futebol, quando é verão, a gente vai na praia, vai pescar. É o que a gente faz, na verdade, na Ilhabela, de opção para você se divertir, é curtir a praia, uma cachoeira. O que a gente faz é isso.
P/1 – E você já voltou a fazer o entalho com a faca, assim, que nem os piões que você fazia, você fez para os seus meninos ou para o seu neto?
R – Não, pra eles, eu não me lembro de ter feito, não. Acho que depois que eu comecei a trabalhar com barcos, assim, eu não voltei a fazer esses barquinhos pequenos, não.
P/1 – Mas os que você brincava quando você era pequeno, era você que fazia?
R – Eu fazia para mim e fazia para os meus primos, entendeu? Todos… a maioria das vezes, era eu que fazia para eles.
P/1 – E conta pra gente, assim, quais foram as maiores mudanças pelas quais a Ilha passou, assim, que você se lembra de quando você veio para esse lado, por exemplo, quando era mais velho um pouquinho, não tão pequeno, mas ainda criança para os dias de hoje.
R – Acho que o crescimento da população, totalmente, desordenada. Acho que foi a grande mudança… A grande mudança foi essa, muita gente de maneira desordenada.
P/1 – E como lidar com isso, né?
R – A gente tem que conviver com essa situação, né? Não tem muito o que fazer, porque foi meio que desordenada, então, tem que aceitar e conviver.
P/1 – E o que você sente quando chega o verão e a cidade fica ainda mais cheia?
R – Tem dia que a gente passa nervoso. Movimento, fila pra tudo... A gente fica, a gente não gosta, na verdade, a gente prefere a Ilha vazia. Mas é importante que as pessoas venham para poder trazer dinheiro para ilha, né?
P/1 – Então, quais são os seus sonhos?
R – Meus sonhos? Não tenho muito sonho, não, talvez assim, na família assim, em relação à família, né. Como você falou, meu sonho é deixar alguma coisa não material, né, mas meu sonho é deixar um ensinamento para os meus filhos. Acho que esse é o meu grande sonho.
P/1 – Tem vontade de fazer ou construir alguma outra coisa, um barco maior ou mais difícil?
R – Não. Talvez, se eu tivesse condições de financiar um barco, comprar material, tudo, talvez eu gostaria de construir um barco bem grande, assim, um barco de uns 20 metros, assim, só para ver como que era, entendeu? Mas custa muito caro.
P/1 – Tipo um Saveiro?
R – Isso.
P/1 – Quando você vê esses barcos na água, o quê que você pensa?
R – Os grandes?
P/1 – É.
R – Eu penso no cara que construiu, na verdade. O cara deve ser muito bom.
P/1 – Tem alguma coisa que você gostaria de contar assim, sobre como é fazer um barco? Ou como é trabalhar com madeira?
R – Trabalhar com madeira… na verdade, assim, eu não consigo explicar, mas é muito simples, só que você tem que gostar, você tem que ter o dom, um pouco do dom, mas é bem simples, não tem muita dificuldade. O cara começar a trabalhar, o cara aprende.
P/1 – E como é que é entregar um barco todo reformado para aquele pescador que tava… passou por um aperto no mar por causa de alguma tábua solta ou algum acidente, ou… como que é ver a satisfação e ver o barco navegando?
R – Primeiro que é uma responsabilidade grande, um barco assim, uma reforma vai levar vidas lá, então tem que ser um negócio bem feito, né, mas é muito bom porque o cara que recebe a reforma, ele fica contente, entendeu? A gente sabe que é a ferramenta de trabalho do cara, o cara agradece muito a gente.
P/1 – E aí, como é que é ver ele saindo? Assim, ver o barco no mar, descendo, desceu da carreta e tá na água, e eles estão entrando no mar para uma viagem…
R – Na verdade, a gente fica na torcida que dê tudo certo, né? A gente fica olhando e… mas é uma coisa gratificante, entendeu?
P/1 – Então, eu queria, agora, para encerrar que você deixasse um ensinamento assim, um recado para os que vão assistir esse filme, de repente, seu neto quando tiver maior e tal, assim, em relação a sua profissão, explicando para ele o que é ser carpinteiro, o que é ser carpinteiro náutico e meio convidando ele para aprender o oficio ou conhecer um pouco mais da sua atividade.
R – Ser carpinteiro, eu não sei nem te falar, é uma coisa muito gostosa de fazer, uma coisa legal de fazer e assim, se alguém fosse tentar fazer, tentar fazer com responsabilidade, com carinho, entendeu? Sabendo que é para o mar, tem que saber respeitar o mar. Fazer pensando que vi estar lavando vidas para o mar e tem que respeitar muito o mar.
P/1 – E como é que é para você dar sequência a essa tradição, né, quer dizer, você constrói barcos como você aprendeu com o seu pai, quer dizer, qual que é essa responsabilidade de legado cultural, de fax os barcos com as mesmas… com os mesmos moldes, com a mesma cara?
R – Então, a gente tenta passar para o pessoal que quer aprender, tipo, meu filho, por exemplo, meus sobrinhos, a maneira que faz, entendeu? E tenta passar que tem que ter essa responsabilidade e realmente, o pessoal aprende porque tá ali todo dia, tem o dom e vai aprendendo.
P/1 – E por quê que é importante continuar assim? Continuar aprendendo? Passar essa tradição para frente?
R – Porque é uma coisa da cultura, né, eu acho que seria muito legal daqui um tempo, ainda ter um carpinteiro naval e principalmente, da família. Acho que é isso.
P/1 – Então tá bom, Marco, a gente em nome do Museu da Pessoa e também da prefeitura de Ilhabela, agradece a sua entrevista. Muito obrigada.
R – De nada.
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