Projeto Memória Petrobras
Realização Instituto Museu da Pessoa
Entrevista de Guaraci Corrêa Porto
Entrevistada por Sérgio Ritroz
Rio de Janeiro, 20 de março de 2009.
Código: MPET_TRAB_TM017
Transcrito por Tereza Ruiz
Revisado por Daniela Soares
P/1 – Então, gostaria que você começasse d...Continuar leitura
Projeto Memória Petrobras
Realização Instituto Museu da Pessoa
Entrevista de Guaraci Corrêa Porto
Entrevistada por Sérgio Ritroz
Rio de Janeiro, 20 de março de 2009.
Código: MPET_TRAB_TM017
Transcrito por Tereza Ruiz
Revisado por Daniela Soares
P/1 – Então, gostaria que você começasse dizendo o seu nome completo, local e data de nascimento.
R – Meu nome é Guaraci Corrêa Porto, eu nasci no Rio de Janeiro, é até um local próximo aqui do estúdio, em 1951, mais precisamente no dia 13 de fevereiro de 1951.
P/1 – E você entrou na Petrobras em que ano?
R – Eu entrei na Petrobras... eu fiz o concurso de 1973 e fui admitido na Petrobras no dia 27 de maio de 1974.
P/1 – Em que área?
R – Eu sou engenheiro civil e fui admitido na construção da refinaria de São José dos Campos.
P/1 – E como era o trabalho?
R – No trabalho lá eu fiquei responsável pela parte de terraplanagem, drenagem e pavimentação. Então foi o início da... Foi o início da refinaria, né? A movimentação de terra, a construção de 72 quilômetros de ruas, pavimentadas, e a drenagem, que é bem grande, é uma área muito grande.
P/1 – Depois você foi pra onde?
R – Depois eu fui pra Sergipe para iniciar a fábrica de fertilizantes nitrogenados Laranjeira, a obra também foi bem no início, chegamos lá era uma fazenda, a gente desmontou o pouco que restava da fazenda, a área que havia sido adquirida pela Petrobras. E inclusive havia alguns criadores lá de caranguejo, de peixe... e começamos a construção da fábrica de fertilizantes que tá lá até hoje, no município de Laranjeiras, que fica a 30 quilômetros de Aracaju.
P/1- Qual foi a construção que você fez para a Petrobras que mais te marcou?
R – Todas elas marcaram, porque elas foram diferentes, cada uma tinha as suas peculiaridades, né? Essa de São José dos Campos, a Revap, Refinaria Henrique Lage, ela chama atenção pelo porte muito grande, a área muito grande a terraplanar, foram 14 milhões de metros cúbicos de terra removidos. E essa lá de Sergipe, de Laranjeiras, chamou atenção pelo pioneirismo, fomos colocar uma planta no sertão, praticamente, um lugar inóspito, não havia praticamente nada. Depois de lá eu participei, não mais diretamente na obra, mas na fase de supervisão de obra no Rio Grande do Norte... E novamente em Sergipe. Depois na construção do poliduto Replan [Refinaria de Paulínia], até Brasília. E um pouco antes disso na construção da plataforma de (___________?) dois, nós fizemos o planejamento também, na plataforma de (_____________?) aqui na Bacia de Campos, que foi uma das primeiras plataformas a serem construídas, o que a gente chamava na época de águas profundas. Que era lâmina de 170 metros, hoje a gente considera águas rasas, na época eram águas profundas.
P/1 – Guaraci, quando é que você se interessou pelas questões dos trabalhadores?
R – Eu me interessei na época que eu... Eu fui para São José dos Campos, eu fui para Sergipe, quando eu vim pro Rio eu tomei conhecimento da existência da Aepet [Associação dos Engenheiros da Petrobras] que na época era uma associação bastante combativa e eu conhecia um engenheiro chamado Alexandre Guilherme de Oliveira e Silva. Foi ele quem assinou minha proposta pra Aepet e então comecei a frequentar as reuniões. Nessa época ela era presidida pelo engenheiro Wilson Barbosa de Oliveira. Então comecei a fazer amizade com o pessoal e a me interessar pelas lutas que a Aepet travava, e uma coisa que eu admirava muito ali é que as lutas não eram propriamente... Não eram exclusivamente do ponto de vista salarial e da defesa dos empregados, não. Era a defesa da Petrobras, do monopólio estatal do petróleo que eram ideias que eu tinha, que eu defendia e que o meu pai havia defendido também.
P/1 – Seu pai trabalhava na Petrobras?
R – Não, meu pai nunca trabalhou na Petrobras. Ele era engenheiro também, mas participou ativamente da campanha do “Petróleo é Nosso” na década de 1950 e eu fui criado ouvindo falar nisso. E esse meu engajamento na Aepet foi uma oportunidade de eu participar daquelas lutas que eu já conhecia, né, já conhecia de ouvir falar, de ouvir contar.
P/1 – Quais questões estavam em pauta naquele momento na Aepet?
R – Bom, na época quando... Você sabe que a Aepet foi fundada na década de 1950, por uma questão de respeito ao salário mínimo do engenheiro. Nessa época eu era garoto, eu sei disso por ouvir contar. Quando eu entrei como associado, a Aepet tava defendendo, do ponto de vista, digamos assim, interno, institucional em relação à Petrobras, a questão da chamada “carreira Y”, que foi até o meu primeiro trabalho na Aepet. Foi participar de um grupo de trabalho que tentava apontar uma solução para o dilema que alguns técnicos da Petrobras enfrentavam, quando chegava um determinado ponto e tinham que ir pra área gerencial sem ter vocação pra isso. Então a ideia era que houvesse uma opção em que o técnico pudesse ou ir pra área gerencial, se ele assim desejasse, ou então permanecer como consultor, como especialista. Então eu já havia visto isso em outros países e chamávamos na época de “carreira Y”. A Petrobras implementou esse estudo, só que com uma diferença de 20 anos. Isso foi no começo, ou seja, o estudo que ela implementou no fim da década de 1990 foi praticamente a mesma coisa que nós já defendíamos naquele início da década de 1980, embora com os nomes um pouco diferentes. O que a gente chamava de especialista ela hoje chama de consultor, e ela não chama de “carreira Y”, dá um outro nome que eu não me recordo agora, mas basicamente os princípios foram os mesmos.
P/1 – Aí você foi lá na Aepet...
R – Bom, isso era do ponto de vista interno da Petrobras. Do ponto de vista externo, na época a nossa luta era contra os contratos de risco, porque eles haviam sido implantados e aquilo pra nós era uma afronta, os técnicos da Petrobras naquela época tinham um sentimento muito grande de patriotismo, de... Não apenas em relação a qualidade dos técnicos da Petrobras, não pela sua condição de técnicos, mas pela sua condição de brasileiros. Então a implantação do contrato de risco foi um tapa na cara dos técnicos da Petrobras, e a nossa luta principal na época era acabar com esses contratos, que nunca trouxeram nada de bom, aliás, para o país. Durante todo o tempo, em todos os contratos que foram assinados com empresas estrangeiras, nenhuma delas descobriu sequer uma gota de óleo, enquanto a Petrobras na época continuou fazendo as suas descobertas e aumentando as reservas do país. Então a nossa primeira luta assim foi a questão de acabar com os contratos de risco.
P/1 – E como vocês faziam, se organizavam?
R – Nós organizávamos, em primeiro lugar a gente produzia trabalho, artigos que a gente procurava disseminar entre o corpo técnico e também entre as pessoas. Nessa época, de 1981 até 1986... Eu tô adiantando muito ou já posso começar a falar nessa época? Posso começar, né? Então, nessa época ainda estávamos em plena ditadura militar, né? E havia uma série de restrições à atuação política do pessoal da Petrobras. Inclusive o pessoal que participava disso era visto com certa
desconfiança. Esse amigo meu até hoje, o Alexandre, que foi quem assinou minha proposta para a Petrobras, houve uma época, um pouco antes de 1981, em que chegaram pra ele e disseram: “Ou você deixa de ser o diretor da Aepet, ou você não permanece como chefe de setor”. E ele preferiu ficar como diretor da Aepet. Ou seja, ele renunciou ao seu cargo... É, na época as coisas eram difíceis, a gente relacionava bem com os colegas quando a gente chegava na porta da Petrobras distribuindo um panfleto, alguma coisa que tivesse conotação política, tinha gente que mudava de calçada pra não falar com a gente, de medo de ser visto pegando um panfleto, ou conversando, e de ser punido posteriormente. E todos nós tivemos as nossas carreiras seriamente prejudicadas por essa participação, porque embora as coisas tenham se amainado com o tempo, e não houvesse mais a perseguição política nesse nível, não há dúvida de que as nossas carreiras foram prejudicadas. Era coisa assim: “Não, esse moço aí é da Aepet, ele vai criar caso, ele vai criar problema”. E raros foram aqueles que atingiram posições de... Do ponto de vista técnico não, mas do ponto de vista gerencial, vários daqueles não pegaram chefias de maior nível em função da sua participação política.
P/1 – Guaraci, você viu alguma mudança dentro da diretoria? Assim, alguma diretoria que marcou alguma mudança dentro da Aepet?
R – Diretoria da Petrobras ou da Aepet?
P/1 – Da Aepet.
R – Tá foi uma ótima colocação sua, você perguntou porque você sabe que realmente houve, né? A Aepet vinha nesse embate, né, em que ela tinha que navegar nessa estreita faixa entre a conveniência e a ética, o perigo, e as pessoas participavam disso enfrentando toda a sorte de ameaças, perseguições, etc. Quando houve a eleição que elegeu Tancredo Neves e assumiu depois o presidente Sarney, em que se falou na abertura e que pelo menos oficialmente havia acabado aquele período de perseguição, então um grupo de pessoas sentiu que era hora da Aepet aproveitar o momento... Aproveitar e, digamos assim, colocar mais a cara na frente das câmeras, né? Começar a aparecer e atuar decisivamente nas questões políticas. E então essa diretoria a que você se refere foi eleita em 1986, dirigida por Antônio Santos Maciel Neto, que mais tarde foi presidente da Ford na América Latina, que é um pessoa que tem uma capacidade de liderança incontestável, uma inteligência como poucas que eu já vi. E ele comandou esse processo que tirou a Aepet de um patamar e elevou a outro, de participação política, que havia sido então inédito em toda a história da Petrobras. Ou seja, porque a Aepet passou não só a fazer a cabeça dos técnicos, mas a fazer a cabeça de um grupo político fora da Petrobras e principalmente no Congresso Nacional. Então a Frente Parlamentar Nacionalista que se organizou naquela época, tinha a Aepet na conta de uma assessoria de alto nível, para a qual ela recorria sempre que havia uma questão relativa à parte mineral, principalmente a questão de petróleo. Então várias vezes a gente participou disso no dia a dia, as votações da Frente Parlamentar Nacionalista, a forma como eles decidiam se iam votar desta ou daquela maneira, eram orientadas pela Aepet... A pedido deles. Eu citaria da Frente Parlamentar Nacionalista dessa época o deputado (_________?), o deputado Luiz Alfredo Salomão, é... Aquele lá de São Paulo que é promotor, Hélio Bicudo... Outros mais Paulo Ramos, Vivaldo Barbosa... E uma série de outros deputados que tinham esse contato permanente com a Aepet e que se valiam disso para orientar as suas opiniões, os seus próprios votos. Então essa diretoria que foi eleita em 1986 e reeleita em 1988, ela marcou... Pode-se dizer que existe a Aepet antes dela e depois dela. Eu falo isso, embora um pouco constrangido, porque eu participei dela, mas eu falo isso sem constrangimento, porque se você ler a história da Aepet e a atuação que a Aepet teve, você vai confirmar isso que eu tô falando, existe uma fase antes e outra depois dela.
P/1 – E como foi a campanha da eleição dessa chapa?
R – Bom... Olha, a campanha, naquela época quando a gente concorreu a primeira vez, em 1986, foi chapa única, porque o pessoal tinha muito medo ainda de participar. Então os poucos que achavam que podiam participar disso montaram aquela chapa, etc. Já em 1988 foi diferente, porque em 1988 as coisas já estavam mais calmas, já se respirava um clima de mais liberdade. Então, nós disputamos com uma outra chapa. Essa outra chapa era formada... Era feita sob a orientação da CUT, declaradamente, né, mas a nossa chapa teve 74 por cento dos votos [risos]. Então, ou seja, não havia dúvida do que o técnico da Petrobras realmente queria. E uma das características da nossa chapa era a apartidarização. Então, embora todos nós tivéssemos lá o partido da nossa simpatia, quando se tratava de alguma questão da Aepet o partido ficava em segundo plano. Então às vezes podia até tomar decisões que fossem contra o nosso partido de escolha, digamos assim, mas o que importava era a Aepet. E essa... Essa atuação apartidária ou supra partidária que teve nesse período foi a grande razão, o grande motivo da Aepet ser tão respeitada. Todo esse pessoal a que eu me referi, da Frente Parlamentar Nacionalista, eles eram de partidos diferentes. A maior parte era do PDT, PSB, PT, mas embora estivessem em partidos diferentes eles coincidiam nas questões nacionalistas, nas questões da defesa do interesse nacional e eles sabiam que quando a Aepet decidia, quando fazia um pronunciamento, este pronunciamento não tinha nenhuma conotação partidária, ele era simplesmente a defesa do interesse da Petrobras e em última análise os interesses do Brasil. E foi isso que deu muita força à Aepet.
P/1 – E qual era a pauta de vocês nesse período? Qual era a luta de vocês?
R – Bom, como eu falei, a gente começou em 1981 com a questão do combate aos contratos de risco e etc. Quando foi eleita, em 1986, a Assembléia Nacional Constituinte, a nossa atuação passou a ser muito voltada para ela, no sentido de que a gente deveria, como é que eu vou dizer? Otimizar esses esforços, para levar à constituição que sairia, a futura constituição, aquele pensamento nacionalista que todos nós tínhamos. Então a luta era que o monopólio estatal do petróleo, que foi instituído pela Lei 2.004 de 1953, fosse elevado a preceito constitucional. E nós conseguimos, isso acabou acontecendo. Porque o monopólio estatal do petróleo foi instituído por essa lei, que é de 3 de outubro de 1953. Depois ele foi na Constituição de 1966, de vida curta, e a parte de pesquisa e lavra passou a constar na constituição como monopólio. Agora, o monopólio, como estava na Lei 2.004, só foi elevado a preceito constitucional na Constituição de 1988. Então na época houve uma comissão que funcionava na ABI [Associação Brasileira de Imprensa], presidida pelo doutor Barbosa Lima Sobrinho e pelo senador, filho do senador Afonso Arinos, não tô me lembrando o nome dele agora… é Francisco Arinos. E ele, com a colaboração até do próprio senador... Então quando a constituição... Quando aquele texto ficou pronto, ele foi encaminhado ao Congresso, como uma sugestão dessa comissão, mas já constava nos seus diversos dispositivos aquelas ideias que nós defendíamos. Inclusive, nessa fase, a nossa atuação primeiro foi junto a essa comissão da ABI, depois foi junto aos parlamentares, no sentido de manter aquele texto. E nessa ocasião nós não ficamos sozinhos. É preciso que se diga que na época que nós passamos a defender, junto aos deputados e senadores constituintes, a inclusão desses preceitos na futura constituição, nós tivemos ajuda e a colaboração de colegas de outros setores de atividades como, por exemplo, os colegas das outras estatais, os colegas de Furnas, da Eletrobras, etc. E também a participação decisiva dos oficiais das Forças Armadas, que em várias vezes se reuniram conosco em Brasília e se colocaram à disposição mesmo, pra nos ajudar, e nos ajudaram bastante.
P/1 – Vocês tinham um grupo de trabalho? Era isso?
R – Nós tínhamos... Esse grupo de trabalho praticamente se confundia com a Diretoria da associação. Mas não deixamos de ser um grupo de trabalho e que funcionava, apesar de uma estrutura... A liderança incontestável era do Maciel, né? Mas havia outros líderes também, Ricardo Maranhão, Fernando Siqueira... E essas pessoas que se destacaram nessa atuação felizmente se entendiam muito bem, não havia, assim, grandes divergências internas, então isso ajudou muito também.
P/1 – Tinha outra associação, organização de trabalhadores da Petrobras que ajudaram?
R – Olha, os sindicatos ajudaram sem a menor dúvida, mas os sindicatos sempre tiveram a sua atuação, como não podia deixar de ser, voltada para a defesa dos interesses dos trabalhadores. Então a prioridade deles sempre foi defender as questões salariais, questão de defesa de determinados direitos, embora eles tenham ajudado sim, mas não há dúvida que, perante a opinião pública e perante o congresso, a atuação da Aepet foi muito mais efetiva do que a dos sindicatos. Inclusive, quanto aos sindicatos, na época se eles iam se pronunciar sobre esse assunto eles também consultavam a Aepet.
P/1 – E qual foi o momento que ficou mais difícil a luta da Aepet?
R – Bom, aí... Depende de quando...
P/1 -
Que você vivenciou, assim...
R – Bom, o problema é o seguinte. Com relação à nossa atuação junto a essa comissão, que se reunia na ABI, ela foi muito facilitada pela atuação do grande jornalista Barbosa Lima Sobrinho, que presidia a comissão e presidia a ABI, e que concordava com a gente. E houve um fato aí marcante, porque quando nós havíamos já feito a proposição do artigo, que seria futuramente o artigo 177 da Constituição e que regulamentava o setor do petróleo, ele elevava à condição de preceito constitucional todo aquele texto da Lei 2.004. E participou muito disso o deputado Eusébio Rocha, que foi constituinte de 1946, autor do substitutivo à Lei 2.004 que determinou a criação da Petrobras. Então na época dessa lei, no governo Getúlio Vargas, o governo mandou um projeto de lei ao Congresso criando o monopólio estatal do petróleo. Mas esse projeto de lei era omisso sobre quem iria gerir o monopólio. Então, por que que isso foi feito? Isso foi feito por uma grande... Uma grande... Uma grande visão política do presidente Getúlio Vargas, que contava com uma forte oposição e ele entendeu que se ele definisse tudo que ele queria naquele projeto de lei esse projeto de lei seria bombardeado pela sua oposição, na época representada pela UDN, etc. Então ele jogou de uma maneira que todo o pessoal, vamos dizer assim, mordeu a isca. Ele fez um projeto de lei que tinha aspectos bastante duvidosos, mas já, digamos assim, deliberadamente duvidosos, e articulou com o deputado Eusébio Rocha, um grande brasileiro, pra que ele apresentasse substitutivo corrigindo esses pontos. E um desses pontos foi exatamente quem iria gerir o monopólio, e foi aí que apareceu a ideia do deputado Eusébio Rocha, que a gente poderia considerar como o pai da Petrobras, da criação de uma empresa estatal que iria gerir o monopólio. E essa... Eu tenho a satisfação de dizer que essa história que eu estou contando me foi contada pelo próprio deputado Eusébio Rocha, com quem eu tive a honra e a satisfação de ter amizade. E ele já faleceu há algum tempo, mas ele nos contou todos esses bastidores da luta pela conversão do projeto de lei na Lei 2.004, desse projeto de lei do presidente Getúlio Vargas. Foi ele próprio que nos contou isso aí. E nessa época ele participou e ele nos orientava muito como conduzir, não só com a sua experiência de ex-parlamentar, de ex-constituinte, a influência que ele tinha junto à Frente Parlamentar Nacionalista, mas também com o seu conhecimento no assunto, né? Ele era especialista em questões minerais de forma geral, não apenas petróleo, e ele nos orientou muito quanto a isso. Você vai me permitir que eu faça aqui uma referência de ordem pessoal, embora isso hoje já esteja contado em livro, tudo. O deputado Eusébio Rocha ligou e disse assim: “Olha, esse texto ainda não tá bom, os inimigos da pátria vão achar uma maneira de incluir o contrato de risco, como na constituição anterior já previa o monopólio estatal e ainda assim eles tinham o contrato de risco. Nós temos que ter um texto que proíba, que impeça definitivamente a entrada dos contratos de risco”.
P/1 – Isso em 1988?
R – Isso foi um pouco antes da constituição de 1988. Foi quando esse texto estava saindo da chamada comissão Afonso Arinos. Aí eu disse: “Deputado vamos tentar.”. Aí mandei um texto, eu elaborei esse texto, mandei pra ele, na época não tinha celular, ninguém tinha fax em casa, isso foi ditado por telefone, embora eu tenha esse papel até hoje guardado. E ele disse assim: “Ah, bom, agora não tem jeito, com esse texto aqui não tem jeito.”. Então ele contatou os deputados da Frente Parlamentar Nacionalista, contatou o próprio doutor Barbosa Lima Sobrinho, que presidia a comissão, disse: “Vamos incluir esse parágrafo aqui.”, que seria o parágrafo único desse artigo. Então ele ficou conhecido lá pelo pessoal como a “Emenda Guaraci”. Então ele disse: “Não, agora não tem jeito de fazer contrato de risco.”. Você me perguntou a fase mais difícil, na verdade esse parágrafo foi muito mais combatido do que o próprio texto, porque havia um sentimento muito forte pela manutenção do monopólio estatal do petróleo, o que se discutia era a participação de outras empresas, etc. Então
esse parágrafo que... Que foi incluído quase na última hora na comissão Afonso Arinos e mais tarde fez parte do texto constitucional, ele era muito combatido porque ele realmente impedia que isso ocorresse, a participação de empresas estrangeiras e etc. Então ele dizia o seguinte: “O monopólio descrito no caput do artigo inclui os riscos e os resultados das atividades nele mencionadas, vedada à União ceder ou conceder qualquer espécie de participação em jazidas de petróleo e gás natural “. Isso, embora repetitivo, não tinha brecha. Então o que que aconteceu? O pessoal passou a dizer que isso era uma maneira de não se pagar royalty, coisa que nem se pensou, royalty ia continuar sendo pago. Então foi incluído nele uma coisa dizendo que os royalties estariam fora disso. E a nossa luta foi justamente, muito mais para manter o parágrafo que o próprio texto do caput do artigo, que esse houve um certo consenso. Bom, e mais tarde, já nos governos entreguistas do Collor e do Fernando Henrique, quando finalmente conseguiu-se quebrar o monopólio, o que foi retirado da constituição foi esse parágrafo. O do caput continua lá até hoje, dizendo que é monopólio. Na verdade é um monopólio que não existe, mas se você olhar a constituição aí na redação de hoje ela continua prevendo o monopólio estatal do petróleo. O que realmente fez com que o monopólio fosse quebrado e fosse permitida essa vergonha que existe hoje, da Petrobras descobrir, fazer leilão, foi a retirada desse... Desse parágrafo. Se me permitem a referência da “Emenda Guaraci”.
P/1 – E a situação do engenheiro dentro da Petrobras? Que aqui a gente tem uma informação que você fez parte do grupo da Aepet que elaborou a organização da engenharia da Petrobras.
R -
Foi esse primeiro que eu falei, questão da “carreira Y”, né, logo no início.
P/1 – Entendi. E tinham outras estratégias de luta assim da Petrobras? Como é que se organizava, na relação com o associado da Petrobras, para conscientizar...
P 1 -
Não, o problema é o seguinte, o nosso principal esforço com relação ao associado da Petrobras era mantê-lo informado. Porque o que acontece é que nós temos, aqui no Brasil, uma situação em que a informação tá na mão de grupos, e esses grupos nem sempre... aliás, nem sempre não, esses grupos nunca estão de acordo com o interesse nacional, a não ser em situações bastante episódicas. E a verdade é que as pessoas às vezes têm determinadas ideias, têm determinados preconceitos, ou fazem determinadas considerações em função da sua desinformação, e não propriamente da sua convicção. Então o nosso maior esforço era, tanto com relação ao associado e com relação ao não associado, como com relação aos próprios políticos, era mantê-los informados do que é que tava acontecendo e do que significava cada uma dessas ideias que nós defendíamos. A grande batalha era a da informação, e essa informação era feita produzindo textos, produzindo estudos, não só o nosso pessoal, como pessoas também que colaboravam com a gente e que produziam e
escreviam esses textos. Essa era a nossa grande estratégia, era informar, informar, informar.
P/1 – Então Guaraci, você também falou muito da luta nos anos 1980, né? E os anos 1990, como é que foram para a Aepet?
R – Olha, eu... Eu tenho que falar nisso mesmo?
P/1 – Se sinta livre.
R – Pelo seguinte, eu falei, isso que eu referi a você foi a luta dos anos 1980, que culminou com a elevação a preceito constitucional dessas ideias. Bom, com relação aos anos 1990, a Aepet sofreu um grande golpe com a eleição do senhor Collor de Melo para presidente da república, que representava tudo aquilo que nós combatíamos, ou seja, representava o entreguismo, a entrega das nossas riquezas, o desrespeito pelos valores nacionais. E nessa época o ex-dirigente Antônio dos Santos Maciel Neto aceitou um convite para fazer parte da equipe econômica. E isso foi... eu não sei até que ponto isso, digamos assim, tenha mudado a cabeça dele, o que ele defendia antes e passou a defender depois, isso aí seria um estudo talvez mais para um psicólogo. Agora, isso daí não há a menor dúvida que causou uma... A Aepet foi atingida muito duramente com essa cooptação, sei lá como a gente poderia chamar, porque aquele líder que todos acreditavam, passou a defender posições que nós combatíamos. Então a Aepet passou por uma crise, eu diria existencial, muito grande nessa época. Mas ainda assim ela conseguiu se manter durante algum tempo defendendo aquelas mesmas ideias e a gente pode creditar a figuras como Ricardo Maranhão, Fernando Siqueira, Argemiro Pertence, Conrado, José Conrado, Júlio Diniz, e outras pessoas que defendiam aquelas ideias e que continuaram defendendo, então a situação teve ainda alguma sobrevida, mesmo depois desse baque que teve no início do governo Collor. Isso ainda durou algum tempo. Agora, o que acabou realmente... Eu digo acabou do ponto de vista político, porque a Aepet do ponto de vista institucional existe até hoje, mas o que acabou com a Aepet foi a partidarização. Então, aquela associação que era respeitada porque era apartidária, deixou de sê-lo. E a partir daí... Se você perguntar hoje para algum técnico que ingressa na Petrobras, ele não vai saber dizer pra você sequer o que é a Aepet. Eu já fiz essa experiência. Então eu lamento dizer isso, eu prefiro não citar os nomes dos responsáveis por isso, embora eu os tenha e eu saiba isso de cabeça, mas a maior parte daquele pessoal da Aepet que defendia aquelas ideias, que defendia uma ideologia apartidária, suprapartidária, se afastou. E ela ficou na mão de pessoas que transformaram a associação, infelizmente, numa coisa muito menor.
[troca de fita]
P/1 – Então voltando lá na época em que você tava lá na diretoria, como é que vocês conseguiam lidar com a expectativa do filiado e com a luta que a Aepet tinha que travar? Conciliar essas duas coisas...
R- É, isso houve sim. Havia um certo grupo de associados que entendia que a Aepet deveria ser uma entidade mais voltada para defender os interesses dos associados. Agora, poderia responder de duas maneiras: primeiro que nós, durante o período dessas duas diretorias que eu falei, que foram de 1986 até 1989, nós fizemos uma mudança de estatuto. E por esse estatuto aprovado naquela época, que foi modificado depois, os objetivos da Aepet eram, um, a defesa do monopólio estatal do petróleo, dois, a defesa da Petrobras como sua executora, três, a defesa do corpo técnico. Então, ou seja, essa ordem em que, por inciso, né, isso foi colocado, ela definia o que a gente entendia que era a hierarquização desses objetivos. E isso foi bem aceito e esse estatuto foi aprovado. Inclusive, a mudança da Aepet requeria, na época, um coro que era quase inatingível, e a gente conseguiu atingir o coro, eu não me lembro, mas era uma coisa absurda. E a gente conseguiu atingir esse coro, ou seja, a gente conseguiu essa mudança do estatuto, mas na verdade uma boa parte dos associados da Aepet, que eram os técnicos da Petrobras, na época queriam isso sim. Embora você tem razão na medida em que havia um certo grupo que dizia assim: “Ah, vocês ficam defendendo o monopólio, mas...”, como é que se diz? “E o nosso bolso, né?”. Mas a Aepet teve algumas defesas de interesse dos técnicos, né, que o pessoal se queixava do seguinte, os sindicatos defendiam os interesses do trabalhador em geral, não defendia os interesses dos técnicos. A Aepet teve algumas intervenções nessa época com relação a isso, até bem sucedidas, mas sem dúvida nenhuma a nossa prioridade era a questão do Brasil, era a questão do monopólio, dos interesses nacionais. Essa era, disparado, a nossa prioridade. Até porque a gente achava que se a gente começasse... Não é que a gente não sentisse falta, é claro, obviamente que a gente tava passando o mesmo tipo de dificuldade que todos passavam, mas a gente entendia que se a gente intensificasse muito essa luta por interesses corporativos, embora eles fossem justos, isso iria enfraquecer a nossa posição política: “Eles estão defendendo porque eles querem ganhar mais”. E a gente preferia deixar em segundo plano e defender o que a gente entendia que era melhor pro Brasil.
P/1 – E além dessa participação direta, como em 1988 você participou diretamente na elaboração de um texto. Tinha outras formas de luta além dessa, forma de organização, não sei, manifestações... existia outro tipo de luta da Aepet?
R – Não, como assim? Você se refere além da elaboração de texto? Não, a gente, como eu falei, a gente primeiro procurou atuar junto a essa comissão. Depois, quando os diversos artigos da constituição foram sendo votados, nós tínhamos sempre uma equipe em Brasília e o pessoal fazia isso nas férias e nas folgas, ou seja, não tinha colher de chá não. A gente usava as nossas férias e as nossas folgas para ir para Brasília e fazer um trabalho de convencimento com os constituintes. A gente não tinha nem sala pra ficar, a gente usava emprestada a sala da Frente Parlamentar Nacionalista, mas não tinha secretário, não tinha nada. A gente usava a sala emprestada, a hospedagem era bancada pela Aepet. Nós fizemos nessa época também uma campanha de novos sócios e essa campanha conseguiu quadruplicar o número de associados da Aepet. Então isso aí nos deu um certo respaldo não apenas político, como financeiro também, né? Fizemos várias vezes... Às vezes quando a gente via que não ia dar, falava: “Nós estamos precisando fazer isso, estamos precisando de uma cota extra”. A gente colocava isso no boletim, pedia que esse desconto fosse voluntário, e assim quase 500 associados respondiam favoravelmente, ou seja, a diretoria falava a língua dos (________?) e tinha uma aproximação muito grande com o associado. Tanto que todos os nossos apelos foram atendidos de forma tão expressiva que chegava a ser comovente.
P/1 – E Guaraci, toda essa sua... Esse envolvimento seu nessas lutas interferiu na sua vida pessoal?
R – Olha, na minha vida pessoal não, mas profissional sim. Na minha vida pessoal influiu na medida em que o tempo que eu usava pra isso eu poderia estar, por exemplo, dando aula, que eu gosto bastante, ou dando consultoria e ganhando um pouquinho mais. Ah, felizmente, na época eu tava casado com uma pessoa que entendia muito bem, até me incentivava bastante, então eu não tive uma repercussão negativa séria na minha vida pessoal, a não ser uma redução da chance de melhorar um pouquinho o meu padrão de vida. Agora, na minha vida profissional influiu bastante, em determinadas ocasiões em que... Na Petrobras, na época, havia as chamadas promoções que eram engenheiro um, dois, três e quatro, e os aumentos que eram nas fases intermediárias. Nas fases intermediárias, em que esses aumentos por méritos dependiam das chefias imediatas, eu nunca tive problema. E os chefes diretos que eu tive nunca me questionaram por isso e, pelo contrário, até me incentivaram. Agora, nas promoções em que a coisa tinha que ir para a Diretoria... Eu me aposentei como engenheiro três, eu nunca consegui ir a engenheiro quatro, embora tivesse todas as condições e os requisitos para ir, mas eu nunca consegui, eu e muitos outros. Então a gente... A nossa vida funcional foi decididamente afetada por isso, mas eu não me arrependo não.
P/1 – E quando foi que você se afastou da Aepet?
R – É um assunto que eu não gostaria de falar, mas também não tem porque calar. Eu me afastei quando ela passou a ser dominada por pessoas que eu acho que não tinham condição política, nem intelectual e nem moral de comandar uma associação como a Aepet. Então eu me afastei, escrevi uma carta dizendo porque eu estava me afastando. Esse afastamento se deu em duas etapas. Na primeira eu cuidava do departamento jurídico, então assumiu a… Algumas pessoas lá começaram a ter uma influência grande na Aepet e achavam que não precisava ter departamento jurídico, e começaram a
sabotar internamente, inclusive deram à associação um prejuízo financeiro imenso. Então nessa época eu me afastei do departamento jurídico. Quando essas pessoas assumiram cargos de direção da Aepet, aí eu disse: “Bom, é o fim de tudo”. Aí eu fiz uma carta explicando, dizendo porque é que eu tava saindo, divulguei essa carta o máximo que eu pude e saí e não volto, e não volto. Infelizmente, eu acho que a Aepet perdeu toda a sua condição de existir como entidade. Ela não tem mais recuperação. Hoje em dia, se eu viesse a participar de um outro movimento desse tipo, o movimento teria que ser feito por uma outra entidade. Nunca mais pela Aepet em função dos vícios que ela se deixou entronizar.
P/1 – Guaraci, tem alguma coisa que você gostaria de declarar ainda, falar dessa história algo em particular que te vem em mente?
R – Pra encerrar?
P/1 – Sim.
R – Bom, em primeiro lugar eu gostaria de agradecer a… Eu sinceramente não sei nem a quem...
P/1 – Sérgio...
R – Mas vou agradecer a vocês que estão aqui...
P/1 – Mais ao Museu da Pessoa e ao Projeto Memória Petrobras, né?
R – O que é que tem?
P/1 – Ao Memória Petrobras, ao Museu da Pessoa...
R – Ao Memória Petrobras a oportunidade que me deu de vir aqui hoje dar esse depoimento, e inclusive eu acabei de fazer uma cirurgia e a minha primeira saída depois da cirurgia foi vir aqui, pela importância que eu dei ao convite e o valor que eu dei ao fato de estar aqui conversando com vocês. Bom, é… Agradecer a vocês que estão aqui, a vocês três e as pessoas que estão no apoio, né? Parabenizar vocês pela forma com que vocês conduziram a entrevista, de uma forma natural. De uma forma que me deixou bastante à vontade. Impressionante como eu imagino que isso aqui vá ser ouvido por outras pessoas, a todas as pessoas que tiverem a paciência de me ouvir até o fim, quero dizer o seguinte, que tudo que possa ter me causado aborrecimento, prejuízo, valeu a pena. E eu gostaria de encerrar com uma frase que é o lema do nosso movimento nativista, e que eu gostaria que tivesse na cabeça de todos vocês, principalmente de todos os jovens: “Brasil acima de tudo”.
P/1 – Obrigada Guaraci, obrigada pelo depoimento e pela sua trajetória que é muito bonita, viu? Muito Obrigada.
R – Tá bom, obrigado, obrigado a vocês.
--- FIM DA ENTREVISTA ---Recolher