IDENTIFICAÇÃO
Meu nome é Guaraci Corrêa Porto, nasci no Rio de Janeiro, no dia 13 de fevereiro de 1951.
INGRESSO NA PETROBRAS
Fiz o concurso de 1973 e fui admitido na Petrobras no dia 27 de maio de 1974. Sou engenheiro civil, fui admitido na construção da refinaria de São José dos Campos. Fiquei responsável pela parte de terraplanagem, drenagem e pavimentação. Foi o início da refinaria: movimentação de terra, construção de 72 quilômetros de ruas pavimentadas e drenagem; é uma área muito grande.
TRAJETÓRIA PROFISSIONAL
Depois fui para Sergipe, para iniciar a fábrica de fertilizantes nitrogenados de Laranjeiras (FAFEN), Também foi bem no início: chegamos lá, era uma fazenda, a gente desmontou o pouco que restava da fazenda, a área que havia sido adquirida pela Petrobras – inclusive, tinha alguns criadores de caranguejo, de peixe –, e começamos a construção da fábrica de fertilizantes que está lá até hoje, no município de Laranjeiras, que fica a 30 quilômetros de Aracaju.
Todas [essas obras] marcaram, porque foram diferentes, cada uma tinha as suas peculiaridades. A de São José dos Campos, a Revap, Refinaria Henrique Lage, chama atenção pelo porte, a área muito grande a terraplanar, foram 14 milhões de metros cúbicos de terra removidos. Essa de Sergipe, de Laranjeiras, chamou atenção pelo pioneirismo: fomos colocar uma planta no sertão, um lugar inóspito, não havia praticamente nada. Depois de lá, participei, não diretamente na obra, mas na fase de supervisão de obra no Rio Grande do Norte e, novamente em Sergipe, da construção do poliduto da Replan até Brasília. E, um pouco antes disso, participei da construção da plataforma de Cherne II. Nós fizemos o planejamento aqui na Bacia de Campos, foi uma das primeiras plataformas a ser construídas no que a gente chamava, na época, de águas profundas; era lâmina de 170 metros, que hoje a gente considera águas rasas.
AEPET
Fui para São José dos Campos e...
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Meu nome é Guaraci Corrêa Porto, nasci no Rio de Janeiro, no dia 13 de fevereiro de 1951.
INGRESSO NA PETROBRAS
Fiz o concurso de 1973 e fui admitido na Petrobras no dia 27 de maio de 1974. Sou engenheiro civil, fui admitido na construção da refinaria de São José dos Campos. Fiquei responsável pela parte de terraplanagem, drenagem e pavimentação. Foi o início da refinaria: movimentação de terra, construção de 72 quilômetros de ruas pavimentadas e drenagem; é uma área muito grande.
TRAJETÓRIA PROFISSIONAL
Depois fui para Sergipe, para iniciar a fábrica de fertilizantes nitrogenados de Laranjeiras (FAFEN), Também foi bem no início: chegamos lá, era uma fazenda, a gente desmontou o pouco que restava da fazenda, a área que havia sido adquirida pela Petrobras – inclusive, tinha alguns criadores de caranguejo, de peixe –, e começamos a construção da fábrica de fertilizantes que está lá até hoje, no município de Laranjeiras, que fica a 30 quilômetros de Aracaju.
Todas [essas obras] marcaram, porque foram diferentes, cada uma tinha as suas peculiaridades. A de São José dos Campos, a Revap, Refinaria Henrique Lage, chama atenção pelo porte, a área muito grande a terraplanar, foram 14 milhões de metros cúbicos de terra removidos. Essa de Sergipe, de Laranjeiras, chamou atenção pelo pioneirismo: fomos colocar uma planta no sertão, um lugar inóspito, não havia praticamente nada. Depois de lá, participei, não diretamente na obra, mas na fase de supervisão de obra no Rio Grande do Norte e, novamente em Sergipe, da construção do poliduto da Replan até Brasília. E, um pouco antes disso, participei da construção da plataforma de Cherne II. Nós fizemos o planejamento aqui na Bacia de Campos, foi uma das primeiras plataformas a ser construídas no que a gente chamava, na época, de águas profundas; era lâmina de 170 metros, que hoje a gente considera águas rasas.
AEPET
Fui para São José dos Campos e para Sergipe; quando vim para o Rio, tomei conhecimento da existência da AEPET [Associação dos Engenheiros da Petrobras], que na época era bastante combativa. Conhecia um engenheiro chamado Alexandre Guilherme de Oliveira e Silva, que assinou minha proposta pra AEPET, comecei a frequentar as reuniões; nessa época, a AEPET era presidida pelo engenheiro Wilson Barbosa de Oliveira. Comecei a fazer amizade com o pessoal e a me interessar pelas lutas que a AEPET travava; uma coisa que admirava muito é que as lutas que ela travava não eram exclusivamente do ponto de vista salarial, do ponto de vista da defesa dos empregados, era a defesa da Petrobras, do monopólio estatal do petróleo, que são idéias que eu defendia e meu pai havia defendido também.
Meu pai nunca trabalhou na Petrobras, mas era engenheiro também e participou ativamente da campanha do “O Petróleo é Nosso”, na década de 50. Fui criado ouvindo falar nisso. Meu engajamento na AEPET foi uma oportunidade de participar daquelas lutas que já conhecia de ouvir falar, de ouvir contar.
PLANOS DE CARREIRA
A AEPET foi fundada na década de 50 por uma questão de respeito de salário-mínimo do engenheiro. Nessa época eu era garoto, sei disso de ouvir contar. Quando entrei como associado, a AEPET estava defendendo, do ponto de vista institucional, em relação à Petrobras, a questão da chamada “carreira Y”. Foi o meu primeiro trabalho na AEPET: participar de um grupo de trabalho que estudava e tentava apontar uma solução para o dilema que alguns técnicos da Petrobras enfrentavam quando chegavam a um determinado ponto de ter que ir para a área gerencial sem ter vocação pra isso. A idéia era que houvesse uma opção em que o técnico pudesse ir para a área gerencial, se ele assim desejasse, ou permanecesse como consultor, como especialista. Isso já havia em outros países e chamávamos de “carreira Y”. A Petrobras implementou esse estudo com uma diferença de 20 anos, no fim da década de 90; foi praticamente a mesma coisa que nós já defendíamos no início da década de 80, embora com os nomes um pouco diferentes. O que a gente chamava de especialista, ela hoje chama de consultor, e ela não chama de “carreira Y”, dá outro nome, mas, basicamente, os princípios foram os mesmos.
CONTRATOS DE RISCO
Do ponto de vista externo, a nossa luta era contra os contratos de risco; eles haviam sido implantados e aquilo para nós era uma afronta. Os técnicos da Petrobras tinham um sentimento muito grande de patriotismo, não apenas em relação à sua condição de técnicos, mas à sua condição de brasileiros. A implantação do contrato de risco foi um tapa na cara dos técnicos da Petrobras e a nossa luta principal era acabar com os contratos de risco, que nunca trouxeram nada de bom para o país. Durante todo o tempo, em todos os contratos que foram assinados com empresas estrangeiras, nenhuma delas descobriu sequer uma gota de óleo, enquanto a Petrobras continuou fazendo as suas descobertas e aumentando as reservas do país. Nossa primeira luta foi a questão de acabar com os contratos de risco.
AEPET E POLÍTICA
Em primeiro lugar, a gente produzia trabalho, artigos que a gente procurava disseminar entre o corpo técnico e também com relação às pessoas. Nessa época, de 1981 até 1986, estávamos em plena ditadura militar, havia uma série de restrições à atuação política do pessoal da Petrobras. O pessoal que participava disso era visto com certa desconfiança. Chegaram para o Alexandre, que foi quem assinou minha proposta para a Petrobras, um pouco antes de 1981, e disseram: “Ou você permanece como chefe de setor, ou deixa de ser o diretor da AEPET”. Ele preferiu ficar como diretor da AEPET e renunciou ao seu cargo. As coisas eram difíceis, a gente se relacionava bem com os colegas, mas quando chegava na porta da Petrobras, distribuindo um panfleto, alguma coisa que tivesse conotação política, tinha gente que mudava de calçada para não falar com a gente, com medo de ser visto pegando um panfleto, ou conversando, e de ser punido posteriormente. Todos nós tivemos nossas carreiras seriamente prejudicadas por essa participação, porque, embora as coisas tenham se amainado com o tempo e não houvesse mais perseguição política nesse nível, não há dúvida de que nossas carreiras foram prejudicadas. Era assim: “Esse moço é da AEPET, vai criar caso, vai criar problema”. Raros foram aqueles que atingiram posições do ponto de vista gerencial; do ponto de vista técnico, não, quase todos, mas do ponto de vista gerencial vários daqueles pegaram chefias de maior nível em função da sua participação política.
A AEPET vinha nesse embate, em que tinha que navegar nessa estreita faixa entre a conveniência e a ética; as pessoas participavam enfrentando toda a sorte de ameaças, perseguições etc. Quando houve a eleição em que se elegeu Tancredo Neves e assumiu depois o presidente Sarney, em que se falou na abertura e que, pelo menos oficialmente, havia acabado aquele período de perseguição, um grupo de pessoas sentiu que era hora da AEPET aproveitar o momento e colocar mais a cara na frente das câmeras. Começar a aparecer e atuar decisivamente nas questões políticas. A diretoria eleita em 1986 foi dirigida por Antônio Santos Maciel Neto, que, mais tarde, foi presidente da Ford na América Latina, e é uma pessoa que tem uma capacidade de liderança incontestável, uma inteligência como poucas que eu já vi. Ele comandou esse processo que elevou a AEPET a um patamar de participação política inédito em toda a história da Petrobras. A AEPET passou não só a fazer a cabeça dos técnicos, mas fazer a cabeça de um grupo político fora da Petrobras, principalmente no Congresso Nacional. A Frente Parlamentar Nacionalista que se organizou naquela época tinha a AEPET na conta de uma assessoria de alto nível para quem recorria sempre que havia uma questão relativa à parte mineral, principalmente a questão de petróleo. Várias vezes, a gente participou disso, no dia-a-dia, as votações da Frente Parlamentar Nacionalista, a forma como decidiam se iam votar desta ou daquela maneira, eram orientadas pela AEPET a pedido deles. Eu citaria da Frente Parlamentar Nacionalista o deputado Cunha, o deputado Luiz Alfredo Salomão, o Hélio Bicudo, o Paulo Ramos, o Vivaldo Barbosa, e uma série de outros deputados que tinham contato permanente com a AEPET e que se valiam disso para orientar as suas opiniões, os seus votos. A diretoria que foi eleita em 1986 e reeleita em 1988, pode-se dizer que existe a AEPET antes e depois dela. Falo isso um pouco constrangido, porque participei dela, mas se você vir a história da AEPET e a atuação que AEPET teve, vai confirmar isso: existe uma fase antes e outra depois dela.
AEPET / DIRETORIA
A campanha, quando a gente concorreu a primeira vez, em 1986, foi chapa única, porque o pessoal tinha muito medo de participar. Os poucos que achavam que podiam participar disso montaram aquela chapa. Já em 1988 foi diferente, as coisas já estavam mais calmas, já se respirava um clima de mais liberdade. Nós disputamos com outra chapa, formada sob a orientação da CUT, declaradamente. A nossa chapa teve 75% dos votos (risos). Não havia dúvida do que o técnico da Petrobras queria. Uma das características da nossa chapa era a apartidarização. Embora todos nós tivéssemos o partido da nossa simpatia, quando se tratava de alguma questão da AEPET, o partido ficava em segundo plano. Às vezes, podia até tomar decisões que fossem contra o nosso partido de escolha, mas o que importava era a AEPET. Essa atuação apartidária ou suprapartidária que a AEPET teve nesse período foi a grande razão de a AEPET ser tão respeitada. Todo esse pessoal a quem eu me referi, da Frente Parlamentar Nacionalista, era de partidos diferentes – a maior parte era do PDT, PSB, PT –, mas coincidiam nas questões nacionalistas, nas questões da defesa do interesse nacional e sabiam que a AEPET quando decidia, quando fazia um pronunciamento, não tinha nenhuma conotação partidária. Era simplesmente a defesa do interesse da Petrobras e, em última análise, dos interesses do Brasil. Isso que deu muita força à AEPET.
CONSTITUIÇÃO DE 1988
Quando foi eleita, em 1986, a Assembléia Nacional Constituinte, nossa atuação passou a ser muito voltada para ela, no sentido de que a gente deveria otimizar esses esforços para de levar à Constituição que sairia aquele pensamento nacionalista que todos nós tínhamos. A luta era para que o monopólio estatal do petróleo, que foi instituído pela lei nº. 2004 de 1953, fosse elevado a preceito constitucional. Nós conseguimos, isso acabou acontecendo. O monopólio estatal do petróleo foi instituído pela lei nº. 2004, que é de três de outubro de 1953; na Constituição de 1966, de vida curta, a parte de pesquisa e lavra passou a constar como monopólio. Agora, o monopólio como estava na lei nº. 2004 só foi elevado a preceito constitucional na Constituição de 1988. Houve uma comissão que funcionava na ABI [Associação Brasileira de Imprensa], presidida pelo doutor Barbosa Lima Sobrinho e pelo Francisco Arinos, filho do senador Afonso Arinos. Quando o texto da Constituição ficou pronto, foi encaminhado ao Congresso, como uma sugestão dessa comissão, mas já constavam nos seus diversos dispositivos aquelas idéias que nós defendíamos. Inclusive, nessa fase, nossa atuação foi, primeiro, junto a essa comissão, depois junto aos parlamentares, no sentido de manter aquele texto. Não ficamos sozinhos. É preciso que se diga que, na época que nós passamos a defender junto aos deputados e senadores constituintes a inclusão na futura constituição desses preceitos, nós tivemos a ajuda e a colaboração de colegas de outros setores de atividades, como, por exemplo, os colegas das outras estatais, de Furnas, da Eletrobrás etc. E também a participação decisiva dos oficiais das forças armadas que, em várias vezes, se reuniram conosco em Brasília e se colocaram à disposição para nos ajudar, e nos ajudaram bastante.
Nós tínhamos um grupo de trabalho que, praticamente, se confundia com a diretoria da associação., mas não deixamos de ser um grupo de trabalho. A liderança incontestável seria do Maciel, mas havia outros líderes: Ricardo Maranhão, Fernando Siqueira. Essas pessoas se destacaram nessa atuação, se entendiam muito bem, não havia grandes divergências internas, isso ajudou muito.
Os sindicatos ajudaram, sem a menor dúvida, mas sempre tiveram a sua atuação, como, aliás, não pode deixar de ser, voltada para a defesa dos interesses dos trabalhadores. A prioridade deles sempre foi defender as questões salariais, questão de defesa de determinados direitos, embora eles tenham ajudado, sim. Mas não há dúvida de que, perante a opinião pública, perante o Congresso, a atuação da AEPET foi muito mais efetiva do que a dos sindicatos. Inclusive, quando os sindicatos iam se pronunciar sobre esse assunto, também consultavam a AEPET.
MONOPÓLIO / CONSTITUIÇÃO
Com relação à atuação nossa junto a essa comissão que se reunia na ABI, ela foi muito facilitada pela atuação do grande jornalista Barbosa Lima Sobrinho, que presidia a comissão, presidia a ABI e concordava com a gente. Houve um fato marcante: quando nós já havíamos feito a proposição do artigo, que seria futuramente o artigo 177 da Constituição, que regulamentava o setor petróleo, ele já elevava à condição de preceito constitucional todo aquele texto da lei nº. 2004. Participou muito disso o deputado Eusébio Rocha, que foi constituinte de 1946, autor do substitutivo à lei nº. 2004, que determinou a criação da Petrobras. Na época da lei nº. 2004, o governo Getúlio Vargas mandou um projeto de lei ao Congresso criando o monopólio estatal do petróleo. Mas esse projeto de lei era omisso quanto a quem iria gerir o monopólio. Por que isso foi feito? Isso foi feito por uma grande visão política do presidente Getúlio Vargas, que contava com uma forte oposição. Ele entendeu que, se definisse tudo que queria naquele projeto de lei, esse projeto seria bombardeado pela sua oposição, na época representada pela UDN etc. Ele jogou de uma maneira que o pessoal mordeu a isca: fez projeto de lei que tinha aspectos bastante duvidosos, deliberadamente duvidosos, e articulou com o deputado Eusébio Rocha, um grande brasileiro, para que ele apresentasse substitutivo corrigindo esses pontos. Um desses pontos foi exatamente quem iria gerir o monopólio; foi aí que apareceu a idéia do deputado Eusébio Rocha, que a gente poderia considerar como o pai da Petrobras, da criação de uma empresa estatal que iria gerir o monopólio. Tenho a satisfação de dizer que essa história me foi contada pelo próprio deputado Eusébio Rocha, que tive a honra e a satisfação de privar da sua amizade; ele já faleceu há algum tempo, mas nos contou todos esses bastidores da luta pela conversão em lei do projeto de lei do presidente Getúlio Vargas. Ele participou e nos orientava muito em como conduzir, não só com a sua experiência de ex-parlamentar, de ex-constituinte, a influência que ele tinha junto à Frente Parlamentar Nacionalista e também com o seu conhecimento no assunto; ele era especialista em questões minerais de forma geral, não apenas petróleo, e nos orientou quanto a isso. O deputado Eusébio Rocha ligou e disse assim: “Esse texto ainda não está bom, os inimigos da pátria vão achar uma maneira de incluir o contrato de risco, como na Constituição anterior já previa o monopólio estatal e ainda assim eles tinham o contrato de risco. Nós temos que ter um texto que impeça definitivamente a entrada dos contratos de risco”.
Isso foi um pouco antes da Constituição de 1988. Foi quando esse texto estava saindo da chamada Comissão Afonso Arinos. Eu disse assim: “Deputado, vamos tentar.” Elaborei esse texto, mandei para ele, na época não tinha celular, ninguém tinha fax em casa, isso foi ditado por telefone, embora eu tenha esse papel até hoje, guardado. Ele disse assim: “Ah bom, agora não tem jeito, com esse texto aqui, não tem jeito” Ele contatou os deputados da Frente Parlamentar Nacionalista, o próprio doutor Barbosa Lima Sobrinho, que presidia a comissão, disse: “Não, vamos incluir esse parágrafo”, que seria o parágrafo único desse artigo. Ficou conhecido pelo pessoal como a “Emenda Guaraci”. Ele disse: “Não, agora não tem jeito de fazer contrato de risco.” Esse parágrafo foi muito mais combatido do que o próprio texto, porque havia um sentimento muito forte pela manutenção do monopólio estatal do petróleo, o que se discutia era a participação de outras empresas. Esse parágrafo, que foi incluído quase que na última hora na Comissão Afonso Arinos e fez parte, mais tarde, do texto constitucional, era muito combatido porque realmente impedia que ocorresse participação de empresas estrangeiras. Dizia o seguinte: “O monopólio descrito no caput do artigo inclui os riscos e os resultados das atividades nele mencionadas, vedada à União ceder ou conceder qualquer espécie de participação em jazidas de petróleo e gás natural.“ Embora repetitivo, não tinha brecha. O que aconteceu? O pessoal passou a dizer que isso era uma maneira de não se pagar royalty, coisa que nem se pensou, royalty ia continuar sendo pago. Foi incluído nele uma coisa dizendo que os royalties estariam fora disso. A nossa luta foi muito mais manter o parágrafo do que o próprio texto do caput do artigo – quanto a esse, houve certo consenso. Mais tarde, já nos governos entreguistas do Collor e do Fernando Henrique, quando finalmente conseguiu se quebrar o monopólio, o que foi retirado da Constituição foi esse parágrafo. O do caput continua lá até hoje, dizendo que é monopólio. Na verdade, é um monopólio que não existe mais, mas se você olhar a Constituição, na redação de hoje, ela continua prevendo o monopólio estatal do petróleo. O que realmente fez com que o monopólio fosse quebrado e fosse permitida essa vergonha que existe hoje, da Petrobras descobrir e fazer leilão, foi a retirada desse parágrafo, se me permitem a referência, da “Emenda Guaraci”.
INFORMAÇÃO COMO ESTRATÉGIA
O nosso principal esforço com relação ao associado da Petrobras era mantê-lo informado, porque o que acontece é o seguinte: nós temos, aqui no Brasil, uma situação em que a informação está na mão de grupos que nunca estão de acordo com o interesse nacional, a não ser situações bastante episódicas. A verdade é que as pessoas, às vezes, têm determinadas idéias, determinados preconceitos, ou fazem determinadas considerações em função da sua desinformação, e não propriamente da sua convicção. O nosso maior esforço era tanto com relação ao associado, como ao não associado e aos próprios políticos; era mantê-los informados do que tava acontecendo e do que significava cada uma dessas idéias que nós defendíamos. A grande batalha era a da informação e essa informação era feita produzindo textos e estudos, não só o nosso pessoal, como pessoas que também colaboravam com a gente. Essa era a nossa grande estratégia: informar.
AEPET / POSICIONAMENTO POLÍTICO
Com relação aos anos 90, a AEPET sofreu um grande golpe com a eleição do senhor Collor de Melo para Presidente da República, que representava tudo aquilo que nós combatíamos: o entreguismo, a entrega das nossas riquezas, o não respeito pelos valores nacionais. Nessa época, o ex-dirigente Antônio dos Santos Maciel Neto aceitou um convite para fazer parte da equipe econômica. Eu não sei até que ponto isso mudou a cabeça dele, o que ele defendia antes e passou a defender depois – isso aí seria um estudo para um psicólogo. A AEPET foi atingida muito duramente com essa cooptação: aquele líder, em que todos acreditavam, passou a defender posições que nós combatíamos. A AEPET passou por uma crise existencial muito grande, mas, ainda assim, ela conseguiu se manter durante algum tempo defendendo aquelas mesmas idéias. E, se conseguiu durante algum tempo, a gente pode creditar a figuras como Ricardo Maranhão, Fernando Siqueira, Argemiro Pertence, José Conrado, Júlio Diniz e outras pessoas que defendiam aquelas idéias e que continuaram defendendo. A situação teve, ainda, alguma sobrevida mesmo depois desse baque que teve no início do governo Collor. A AEPET, do ponto de vista institucional, existe até hoje, mas o que acabou com a AEPET, do ponto de vista político, foi a partidarização. Aquela associação que era respeitada, porque era apartidária, deixou de sê-lo. Se você perguntar hoje para algum técnico que ingressa na Petrobras, ele não vai saber dizer para você, sequer, o que é a AEPET. Eu já fiz essa experiência. Lamento dizer isso, prefiro não citar os nomes dos responsáveis, embora eu os tenha e saiba de cabeça. A maior parte daquele pessoal da AEPET que defendia aquelas idéias, que defendia uma ideologia apartidária, suprapartidária, se afastou. Ela ficou na mão de pessoas que transformaram a associação, infelizmente, numa coisa muito menor.
DEFESA DO BRASIL
Havia um grupo de associados que entendia que a AEPET deveria ser uma entidade mais voltada para defender os interesses dos associados. Durante o período de duas diretorias que foram de 1986 até 1989, fizemos uma mudança de estatuto e por esse estatuto aprovado, que foi modificado depois, os objetivos da AEPET eram: um, a defesa do monopólio estatal do petróleo; dois, a defesa da Petrobras como sua executora; três, a defesa do corpo técnico. Essa ordem, colocada por inciso, definia o que a gente entendia que era a hierarquização desses objetivos. Isso foi bem aceito e esse estatuto foi aprovado. Inclusive, a mudança da AEPET requeria um quorum que era quase inatingível, e a gente conseguiu atingir. A gente conseguiu essa mudança do estatuto, mas, na verdade, boa parte dos associados da AEPET, que eram os técnicos da Petrobras, queria isso. Havia certo grupo que dizia: “Vocês ficam defendendo o monopólio, mas e o nosso bolso?”. A AEPET obteve algumas defesas de interesse dos técnicos, o pessoal se queixava do seguinte: que os sindicatos defendiam os interesses do trabalhador em geral, não defendiam os interesses dos técnicos. A AEPET teve algumas intervenções com relação a isso até bem sucedidas, mas, sem dúvida nenhuma, a nossa prioridade era a questão do Brasil, a questão do monopólio, dos interesses nacionais. Essa era disparada a nossa prioridade. A gente tava passando o mesmo tipo de dificuldade que todos passavam, mas a gente entendia que, se intensificasse muito essa luta por interesses corporativos, embora eles fossem justos, iria enfraquecer a nossa posição política: “Eles estão defendendo porque querem ganhar mais”. E a gente preferia deixar em segundo plano e defender o que a gente entendia que era melhor para o Brasil.
AEPET
A gente procurou, primeiro, atuar junto a essa comissão. Depois, quando os diversos artigos da Constituição foram sendo votados, nós tínhamos sempre uma equipe em Brasília, não tinha colher de chá; a gente usava as nossas férias e as nossas folgas para ir a Brasília e fazer um trabalho de convencimento com os constituintes. A gente não tinha nem sala para ficar, usava emprestada a sala da Frente Parlamentar Nacionalista, mas não tinha secretário, não tinha nada, a hospedagem era bancada pela AEPET. Nós fizemos, nessa época também, uma campanha de novos sócios que conseguiu multiplicar por quatro o número de associados da AEPET. Isso nos deu certo respaldo, não apenas político, como financeiro também. Às vezes, a gente via que não ia dar, falava: “Nós estamos precisando fazer isso, estamos precisando de uma cota extra”. A gente colocava isso no boletim, pedia que esse desconto fosse voluntário; quatro quintos dos associados respondiam favoravelmente; a diretoria falava a língua dos associados e tinha uma aproximação muito grande com o associado. Tanto que todos os nossos apelos foram atendidos de forma tão expressiva que chegava a ser comovente.
MILITÂNCIA X VIDA PESSOAL
Na minha vida pessoal, [a militância] influiu na medida em que o tempo que eu usava para isso poderia estar, por exemplo, dando aula, que gosto bastante, ou dando uma consultoria e ganhando um pouquinho mais. Felizmente, na época, eu tava casado com uma pessoa que entendia muito bem, até me incentivava bastante, não tive uma repercussão negativa séria na minha vida pessoal, a não ser uma redução de chance de melhorar um pouquinho o meu padrão de vida. Agora, na minha vida profissional, influiu bastante: na Petrobras, havia as chamadas promoções, que era engenheiro um, dois, três e quatro, e os aumentos que eram nas fases intermediárias. Esses aumentos por méritos dependiam das chefias imediatas e eu nunca tive problema. Os chefes diretos que eu tive nunca me questionaram por isso e, pelo contrário, até me incentivaram. Agora, nas promoções em que a coisa tinha que ir para a diretoria... Me aposentei como engenheiro três, nunca consegui ir a engenheiro quatro, embora tivesse todas as condições e os requisitos para ir, mas eu nunca consegui, eu e muitos outros. A nossa vida funcional foi decididamente afetada por isso, mas eu não me arrependo, não.
TRAJETÓRIA PROFISSIONAL
É um assunto de que não gostaria de falar, mas também não tem por que calar. Me afastei da AEPET quando ela passou a ser dominada por pessoas que eu acho que não tinham condição política, intelectual e nem moral de comandar uma associação como a AEPET. Esse afastamento se deu em duas etapas: na primeira, eu cuidava do departamento jurídico, algumas pessoas começaram a ter uma influência grande e achavam que a AEPET não precisava ter departamento jurídico; começaram a sabotar internamente e, inclusive, deram à associação um prejuízo financeiro imenso. Nessa época, me afastei do departamento jurídico. Quando essas pessoas assumiram cargos de direção da AEPET, eu disse: “Bom, é o fim de tudo”. Fiz uma carta explicando por que estava saindo, divulguei essa carta o máximo que pude e saí; não volto. Infelizmente, eu acho que a AEPET perdeu toda a sua condição de existir como entidade, não tem mais recuperação. Hoje em dia, se eu viesse a participar de outro movimento desse tipo, o movimento teria que ser feito por outra entidade, nunca mais pela AEPET, em função dos vícios que ela se deixou entronizar.
MEMÓRIA PETROBRAS
Bom, em primeiro lugar gostaria de agradecer ao Memória Petrobras e ao Museu da Pessoa. Ao Memória Petrobras pela oportunidade que me deu de vir aqui hoje e dar esse depoimento. Acabei de fazer uma cirurgia e a minha primeira saída depois da cirurgia foi vir aqui, dada importância que dei ao convite e o valor que dei ao fato de estar aqui conversando com vocês. Parabenizar vocês pela forma com que conduziram a entrevista, de uma forma natural que me deixou bastante à vontade. Como imagino que isso aqui vá ser ouvido por outras pessoas, dizer a todas as pessoas que tiverem a paciência de me ouvir até o fim, que tudo que possa ter me causado de aborrecimento, de prejuízo, valeu a pena. Eu gostaria de encerrar com uma frase que é o lema do nosso movimento nativista e que eu gostaria que tivesse na cabeça de todos vocês, principalmente de todos os jovens: “Brasil acima de tudo”.
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