P/1 - Denise, para começar, você pode falar seu nome completo, local e data de nascimento?
R - Meu nome é Denise Grinspum. Eu nasci em São Paulo, em 28 de fevereiro de 1959.
P/1 - E seus pais são aqui de São Paulo também?
R - Meus pais são pernambucanos.
P/1 - O pai e a mãe?
R - Meu pai chegou a Pernambuco com um ano de idade, vindo da Bessarábia com meus avós em 1924, 1926. Meus pais se mudaram para São Paulo em 1952 - desculpe, em 1953.
P/1 - Sua mãe também é de Pernambuco?
R - A minha mãe é nascida em Pernambuco.
P/1 - Você sabe como eles se conheceram? O que eles faziam lá?
R - Eles se conheceram no Clube Israelita, dançando naqueles bailes noturnos. Conheceram-se lá.
P/1 - E qual era a atividade, o que o seu pai fazia?
R - Meu pai era comerciante, porque perdeu o pai dele muito jovem e assumiu a profissão do meu avô, de vendedor.
P/1 - Ele vendia o quê?
R - Ele vendia meias, coisas. Ele ia à casa das pessoas vender lingerie, meias, produtos variados.
P/1 - Como era o nome dele?
R - Meu pai é vivo ainda. Saul Grinspum.
P/1 - E da sua mãe?
R - Frima.
P/1 - Você tem irmãos?
R - Tenho.
P/1 - Eles nasceram lá ou nasceram aqui?
R - Meu irmão nasceu lá e veio com um mês de idade para cá; a minha irmã já nasceu aqui.
P/1 - E porque eles decidiram mudar de lá e vir para São Paulo?
R - Por quê? Para melhorar de vida.
P/1 - Tinha algum parente aqui, uma possibilidade?
R - Não. Meu pai veio assim, como... Feito um migrante que queria se aventurar para uma vida melhor. Veio um pouquinho antes da minha mãe e começou a trabalhar como vendedor aqui. Depois a minha mãe veio.
P/1 - Quando ele chegou aqui, para que bairro ele foi?
R - Bom Retiro.
P/1 - Você nasceu no Bom Retiro?
R - Eu passei os primeiros vinte anos da minha vida no Bom Retiro.
P/1 - E como era a infância lá, a casa da sua família no Bom Retiro? Você se lembra?
R - Lembro muito. O primeiro apartamento...
Continuar leituraP/1 - Denise, para começar, você pode falar seu nome completo, local e data de nascimento?
R - Meu nome é Denise Grinspum. Eu nasci em São Paulo, em 28 de fevereiro de 1959.
P/1 - E seus pais são aqui de São Paulo também?
R - Meus pais são pernambucanos.
P/1 - O pai e a mãe?
R - Meu pai chegou a Pernambuco com um ano de idade, vindo da Bessarábia com meus avós em 1924, 1926. Meus pais se mudaram para São Paulo em 1952 - desculpe, em 1953.
P/1 - Sua mãe também é de Pernambuco?
R - A minha mãe é nascida em Pernambuco.
P/1 - Você sabe como eles se conheceram? O que eles faziam lá?
R - Eles se conheceram no Clube Israelita, dançando naqueles bailes noturnos. Conheceram-se lá.
P/1 - E qual era a atividade, o que o seu pai fazia?
R - Meu pai era comerciante, porque perdeu o pai dele muito jovem e assumiu a profissão do meu avô, de vendedor.
P/1 - Ele vendia o quê?
R - Ele vendia meias, coisas. Ele ia à casa das pessoas vender lingerie, meias, produtos variados.
P/1 - Como era o nome dele?
R - Meu pai é vivo ainda. Saul Grinspum.
P/1 - E da sua mãe?
R - Frima.
P/1 - Você tem irmãos?
R - Tenho.
P/1 - Eles nasceram lá ou nasceram aqui?
R - Meu irmão nasceu lá e veio com um mês de idade para cá; a minha irmã já nasceu aqui.
P/1 - E porque eles decidiram mudar de lá e vir para São Paulo?
R - Por quê? Para melhorar de vida.
P/1 - Tinha algum parente aqui, uma possibilidade?
R - Não. Meu pai veio assim, como... Feito um migrante que queria se aventurar para uma vida melhor. Veio um pouquinho antes da minha mãe e começou a trabalhar como vendedor aqui. Depois a minha mãe veio.
P/1 - Quando ele chegou aqui, para que bairro ele foi?
R - Bom Retiro.
P/1 - Você nasceu no Bom Retiro?
R - Eu passei os primeiros vinte anos da minha vida no Bom Retiro.
P/1 - E como era a infância lá, a casa da sua família no Bom Retiro? Você se lembra?
R - Lembro muito. O primeiro apartamento que os meus pais tinham era na esquina da Rua Três Rios com a Rua Prates. [Era] um prédio pequenininho de cinco andares e inicialmente eles moravam num apartamento de dois dormitórios. Quando eu nasci, eles mudaram no mesmo prédio para um apartamento maior, de três dormitórios - eu sou a caçula. Nesse prédio não tinha playground, mas eu brincava muito nos corredores e nas escadarias com as minhas vizinhas e brincava na rua também. Naquela época dava para brincar na rua.
Quando eu tinha mais ou menos dez anos, meus pais se mudaram para um apartamento bem maior, na Rua dos Bandeirantes. Também não tinha playground, mas tinha um terreno baldio na rua onde a gente brincava, andava de bicicleta e jogava queimada.
P/1 - Como era o Bom Retiro nessa época?
R – Era quase uma vida de cidade de interior. Eu estudava no Scholem, que era uma escola que ficava na mesma rua, Rua Três Rios. Então nos primeiros dez anos eu via a escola pela janela da minha casa.Ia a pé e voltava a pé. Tinha mercearia, tinha uma coisa que eu lembro com muito carinho, que era… Eu tinha uma vizinha de família romena e o pai dela tinha um açougue, fazia embutidos, uma porção de coisas de carnes com padrão europeu; do lado tinha uma padaria, então no fim da tarde eu ia para a casa dela e a gente fazia um lanche com aqueles pães fresquinhos com pastrami, que era uma coisa que não tinha, mas lá ele fazia muito bem.
Tinha essa coisa que era bem interiorana. A gente andava muito a pé, todo mundo se conhecia e os meus colegas moravam em diversos bairros - diversos prédios ali do bairro.
P/1 - Você entrou na escola com quantos anos?
R - Dois.
P/1 - Com dois anos você já ia para a escola?
R - Já. Tenho amigas dessa fase, de dois anos de idade, com quem eu mantenho ainda vínculos muito fortes.
P/1 - É mesmo? Como é o nome dela?
R - Tenho duas grandes amigas, uma é atriz e uma é artista plástica. Uma é a Débora Olivieri, que mora no Rio de Janeiro, e a Sheila Goloborotko, que mora em Nova York.
P/1 – O que mais te marcou nesse período da escola, além dessas amigas que você traz até agora?
R – Muitas coisas, principalmente a relação com as artes. Foi dali que nasceu a minha… Digamos, o meu interesse e o desenvolvimento da minha vida profissional, arte, literatura. A gente tinha aulas fantásticas de literatura, de artes. Acho que foi onde eu aprendi a escrever e a ler com qualidade uma leitura reflexiva.
Aulas de história, esse era o forte da escola, área de humanas. Não era tão forte nas áreas de biológicas e exatas, mas foi crucial para o que aconteceu na minha vida, a experiência que eu tive lá.
P/1 – Você lembra um professor ou de alguma coisa que tenha marcado? Um primeiro aprendizado?
R - Vários. Nós tínhamos uma professora de música, Dona Ilina, que era uma professora que tocava piano e nos ensinava a cantar. Não era um ensino de desenvolvimento de habilidades de música, mas nós tínhamos um contato com um repertório musical infantil brasileiro e judaico, por meio dessa aula.
Eu tive a Ingrid, que foi uma professora de teatro incrível. Eu tive a Dona Márcia, que foi uma professora de português, mas que ensinou muita literatura. Tinha o João, que era o professor de matemática. Tinha o Otacílio, que dava história. Foram vários assim, várias pessoas marcantes.
P/1 - Você gostava de estudar?
R - Eu gostava de estudar. Gostava muito de fazer pesquisam, mais do que… No Scholem era assim que funcionava. Era muito trabalho por projeto, hoje a gente identifica no rol da pedagogia como se chama. Na época eu não sabia como era, mas a gente fazia muito disso. Desenvolvimentos de projetos, de pesquisas. Eu gostava sim.
P/1 - E como era na sua casa? Quem exercia a autoridade, seu pai ou a sua mãe?
R - Depende para que aspecto.
P/1 - Qual era uma aspecto e qual era o outro?
R - Minha mãe acompanhava muito mais a vida escolar da gente. E meu pai acompanhava muito mais os hábitos, digamos hoje, ecológicos, que era apagar a luz, não usar muita água. Hoje, a gente chama assim. Na época, parecia uma coisa chata.
Eu acho que a educação para a ecologia nasce em casa. Não era nem porque meu pai tivesse essa consciência, era porque doía no bolso, então ele fazia esse papel de consumir menos. Ele queria que a gente fosse mais cioso do consumo de tudo, de energia, de água.
P/1 - Você teve alguma formação religiosa?
R - Não. Meus pais eram muito agnósticos. Não tive formação religiosa nenhuma. Não frequentava as sinagogas nem as festas, que é quando a maioria dos judeus vai à sinagoga. Nós não íamos.
P/1 - Mas iam às festas, tipo Pessach? Vocês seguiam?
R - Às vezes, sem nenhum rigor. Porque a gente sempre gostou muito de cultivar o encontro das famílias extensivas. Tanto do lado materno como do lado paterno, nós gostávamos muito dos primos e dos tios, então fazíamos muito mais no sentido de se reunir do que por um sentido religioso.
P/1 - E vocês passeavam ou ficavam meio pelo bairro? Que locais da cidade você frequentava na infância?
R - Meus tios… O irmão do meu pai, o tio Salomão, tinha uma casa na zona norte de São Paulo, perto de Santana, ali perto do Mirante. Era um lugar [em] que eu passava muitos fins de semana, porque meus primos tinham uma idade muito próxima da minha e nós íamos, eu ia muito para lá. Era uma casa térrea, tinha cachorro e a gente brincava no quintal. Eu e meus pais morávamos num apartamento, então eu ia muito para lá, mas nós fizemos muitas viagens para praia: Santos, São Vicente, para o Guarujá, para Cambuquira… Enfim, meu pai dirigia.
P/1 - Gostava de viajar.
R - Meu pai, nem tanto. Minha mãe gostava mais de viajar do que meu pai e ela o forçava. Nós íamos de carro e às vezes íamos com os primos, em dois carros. Duas famílias juntas.
P/1 - E a sua adolescência, Denise? Como foi lá no Bom Retiro? Tinha bailinho, festas? Era mais voltada para o quê?
R - Minha adolescência... Nunca fui baladeira, de ficar muito indo nas festas, não. Eu gostava muito de encontrar os amigos. Nós nos encontrávamos e ficávamos até à noite em casa, até altas horas batendo papo, bebendo, conversando, ouvindo música. Eventualmente ia a uma festa, mas não era muito de ir nesses bailinhos. Muitas pessoas da minha geração não iam a bailinhos.
Nós também não frequentávamos clubes; frequentávamos o [Clube Israelita] Macabi, que era lá no Tremembé, quando eu era menor. Na adolescência eu já não frequentava mais clube; era muito essa coisa de reunir amigos na casa de alguém, de um dos amigos ou na minha, e ficávamos batendo papo e ouvindo música.
P/1 - Você ia ao cinema, ao teatro, museu nessa época?
R - Ia muito.
P/1 - Você lembra a primeira vez que você foi a um museu?
R - Eu lembro. Eu tinha onze anos.
P/1 - Qual foi?
R - O MASP.
P/1 - E como foi?
R - Foi marcante, porque nessa época eu frequentava a escolinha das artes da Fanny Abramovich e eu fui com a Anne, que é uma pessoa… É uma arte educadora incrível, tenho um enorme respeito por ela. Ela era minha professora e nós fomos num grupo visitar. Eu me lembro de ter visto uma exposição do Nelson Leirner, que foi incrível. Eu me lembro muito de ter visto essa exposição, tinha peças da exposição no vão livre do MASP, que eram objetos manipuláveis.
P/1 - Você tinha onze anos. Foi teu pai que te levou?
R - Não, eu fui com a escolinha da Fanny.
P/1 - Você entrou nessa escolinha porque seu pai viu que você tinha um interesse?
R - Minha mãe. A minha mãe que era antenada com esses assuntos.
P/1 - Esse seu gosto veio da sua mãe ou junto da escola?
R - Eu acho que foi uma coisa cultivada da família, mas que tinha um ambiente escolar muito facilitador para isso. Foi um pouco a soma das duas coisas.
P/1 - Com quantos anos você entrou na escolinha?
R - Puxa. Eu não vou lembrar direito, mas acho que nove ou dez. Talvez.
P/1 - E onde ficava?
R - Ficava no Centro Comercial do Bom Retiro, na galeria comercial que ficava na [Rua] Silva Pinto. Um lugar completamente inadequado para ser escolinha de arte. Uma galeria comercial que tinha lojas, não tinha nada a ver. Era no andar de cima, mas foi adaptado. Tinha ateliê de tudo: de pintura, de argila, marcenaria e tudo de artes plásticas. Era um ateliê de artes plásticas. Depois começou a ter uma parte de teatro, mas eu nunca tive nenhum interesse por fazer teatro. Assistia teatro, mas eu não tinha muita vontade de atuar, de fazer jogos dramáticos.
P/1 - Depois você começou a frequentar outros museus e outras instituições?
R - Comecei a frequentar. Lembro-me de ter ido também com a professora de história. Na época que o hoje MAE [Museu de Arqueologia e Etnografia da USP] era o Museu de Pré-história eu me lembro bem de ter feito visita com essa professora de história pelo Scholem. [Ela] também foi uma professora muito legal. Eu não lembro o nome dela, mas ela fez coisas muito legais com a gente.
Depois eu comecei a ir um pouco… Fiquei muito tempo sem ir a museus no período do colégio - no Scholem não tinha colégio. Quando eu saí do Scholem foi uma ruptura na minha vida, porque eu fui para o Colégio Bandeirantes e foi um baque terrível para mim. [O coIégio era] imenso e conteudista, não tinha nada a ver com o que eu tinha vivido. E uma pressão por estudar física, química e matemática. Era chamada uma ‘escola puxada’ e eu passava os fins de semana estudando.
Não me divertia muito, estava muito triste, muito chateada e aí conversei com meus pais, porque o meu irmão fez o Colégio de Aplicação, que também foi uma escola nessa mesma linha do Scholem.
A minha irmã, quando fez o Colégio de Aplicação, ele já estava decadente, então minha irmã saiu do Aplicação e foi para o Equipe. Foi uma fase áurea do Equipe, muito boa. Quando chegou a minha vez, o Equipe também já não estava muito legal, estava entrando num declínio e a gente foi fazer aquelas visitas em vários colégios. Eu fiquei muito fascinada com os laboratórios de ciências do Bandeirantes, então eu que quis ir. Quando eu cheguei lá era classe feminina, classe masculina. A divisão não era nem por áreas de conhecimento humanas, exatas e biológicas, era Engenharia e Medicina. E eu fui para Medicina. Não tinha nada que ver comigo. Depois eu mudei para arquitetura, porque já tinha uma classe mista, mas eu não me identificava nada com as pessoas, com os professores, com os meus colegas, com o estilo da escola.
No terceiro ano eu fui para o Equipe. Quando eu cheguei ao terceiro ano no Equipe, que também tinha toda aquela... Ah, sim. Nesse período eu ia muito aos shows do Equipe. Eu tinha muitos amigos no Equipe e tinha aqueles shows que o Serginho Groisman fazia nos finais de semana que eram incríveis. Eu ia muito a esses shows. Quando eu cheguei ao terceiro ano no Equipe os meus colegas já estavam no pique de vestibular, não tinha o mesmo gosto que os dois primeiros anos tinham de coisas ligadas a humanas. Eu ajudava meus colegas com a química, física porque eu tinha aprendido no Bandeirantes.
Foi pena, porque eu perdi o que tinha de bom no Equipe. O meu estudo do colegial - na época chamava colegial - não foi muito feliz, porque tinha essa coisa que eu tinha que estudar muito.
P/1 - E aí você já estava pensando na sua escolha profissional, porque estava na época de vestibular.
R - Estava na época do vestibular. Pensava talvez em fazer Arquitetura ou Artes Plásticas. No fim, fiz Artes Plásticas. Eu fiz licenciatura em Educação Artística na FAAP e logo já comecei a trabalhar como monitora. Liguei-me as áreas pedagógicas e comecei a dar aula. Enveredei para esse assunto e antes de terminar a FAAP comecei a trabalhar na Pinacoteca. Eu ainda estava estudante.
P/1 - Como foi o curso na FAAP? Você entrou e como era estruturado o curso?
R - O curso era uma licenciatura, não tinha bacharelado naquela época. Era obrigatório fazer licenciatura curta ou plena, eu fiz a plena. Era um curso de artes visuais num modelo bem modernista. Tinha aquelas disciplinas: desenho, pintura, escultura, cerâmica; e tinha as disciplinas de História da Arte, que foram bastante impactantes para mim. Eu tive aula com o [Mario] Zanini. Foi um mundo que se abriu para mim, um mundo novo, que eu nunca tinha me debruçado. Verdade. Eu adorava.
Fui monitora dos professores de História da Arte e depois eu fui para a área. Fiz as disciplinas pedagógicas e comecei a trabalhar de monitora na Pinacoteca em 1980.
P/1 - Como é que foi o convite e como você conseguiu trabalhar lá?
R - Eu fazia aula de litografia com a Daniela Buso que, na época, trabalhava como coordenadora do setor de monitoria da Pinacoteca. Ela me chamou para trabalhar lá, eu fui. O diretor era o Fábio Magalhães e foi uma escola para mim aquilo, porque eu tive que estudar muito sobre o acervo da Pinacoteca. Eu estudei muito a história da arte brasileira naquele momento e o Fábio Magalhães era uma pessoa incrível, que ensinava muito também. [Ele] dava muitos textos interessantes para a gente ler e as técnicas de mediação, que na época a gente nem chamava assim, eram muito intuitivas. Eu não tinha muito acesso a essa bibliografia e tudo se fazia de um jeito meio intuitivo. Aprendia fazendo.
P/1 - Qual era sua função específica lá na Pinacoteca?
R - Era atender o público, atender escolas. Era isso.
P/1 - Você lembra da primeira vez que você atendeu uma escola? Como foi essa experiência?
R - No começo, a gente não fazia isso sozinha, eram duplas. Eu, naquela época… Eu me lembro bem da equipe: era o Gustavo Rezende, que hoje é artista plástico, a Cristina Guarinello, que trabalha hoje no MASP com o Paulo Portela e a Rosita - que é falecida hoje - , que era uma pesquisadora de história da arte.
Nós íamos em duplas para o atendimento. As classes eram de quarenta crianças, quarenta e cinco, às vezes, e nos dividíamos em dois. No começo, a Daniela acompanhava, assistia.
Antes de começar a atender, [eu] assistia e acompanhava muito as visitas feitas por ela ou por outros monitores mais experientes que tinha lá. Maurício Perroni estava lá também. Nós assistíamos e começávamos a fazer pequenas participações na visita, até não sentir que foi uma estreia, porque foi muito gradual. Não tenho essa lembrança da primeira.
P/1 - Quanto tempo você ficou nesse estágio, nessa monitoria?
R - Eu fiquei [por] quase dois anos.
P/1 - Teve alguma exposição que te marcou nesse período, quando você estava lá?
R - A exposição do Leon Ferrari me marcou muito. Era uma época em que tinha todo um trabalho ligado à arte postal.
Acho que a coisa que foi mais marcante para mim não foram tanto as exposições temporárias, houve muitas. O que eu me lembro mesmo, que eu acho que foi definitivo para mim, foi o contato com o acervo. E o acervo, naquele momento, era montado cronologicamente. Você quase criava uma narrativa em torno do acervo.
Mas teve exposição temporária [de] Daniel de Candó, Nelson Felix, Leon Ferrari. Do Leon foi a que mais me marcou, desses artistas contemporâneos. Eu fiquei muito fascinada pela obra do Leon. O Leon não tinha a importância que tem hoje, era um artista muito mais com aquele aspecto de artista pesquisador. Hoje ele tem uma importância mercadológica que não tinha.
P/1 - E depois dessa monitoria você estava no fim da FAAP, como estava?
R - Eu terminei a FAAP. Formei-me e saí da Pinacoteca. Tive um tempo que não tenho muita lembrança do que aconteceu, mas [foi] em 1985.
P/1 - Você já namorava?
R - Ah, sim. Já tinha me casado e me separado.
P/1 - Quando você teve seu primeiro namorado?
R - O meu primeiro namorado foi no Scholem. Foi o Marcelo, no ginásio. Foi um namoro acho que curto, durou um ano, sei lá. Foi o primeiro.
P/1 - Como vocês se conheceram? Foi no colégio?
R - Nós éramos da mesma classe e saíamos muito de fim de semana para ir ao cinema, para ir jantar; passávamos a tarde juntos. Estudava e namorava. Esse foi o meu primeiro namorado.
Depois que eu fui para o Bandeirantes, quando eu saí do Scholem a gente se separou e eu comecei a namorar o David - era o Duda, não era o David que eu conheci na Kindermann, uma colônia de férias que eu frequentei por três anos. Na época, eu [o] chamava de Duda. [Ele] era neto de uma das fundadoras da FIBE, que era uma dessas fundações que mantinha a Kindermann. E tinha uma leva de crianças daqui, dessa geração de judeus progressistas que gostavam que as crianças fossem para a Kindermann, que tinha uma identidade ideológica.
Pegava o ônibus e ia para o Rio de Janeiro. Chegava ao Rio de Janeiro e saía com a turma toda, de vários, três ou quatro ônibus que iam para a Sacra Família. Eu fui três ou quatro vezes e foi assim que eu conheci o Duda. Nós namoramos dos quatorze aos dezesseis, depois nos separamos. Depois eu fui para a FAAP e namorei o Jorge Tomas, que era um artista plástico. Eu me separei do Jorge e namorei o Leonardo, com quem eu me casei. Ele era fotógrafo, dividiu o estúdio com o Bob Wolfenson, que é meu primo por parte de mãe. Namorei o Leo, me casei com ele e separei rapidamente. Durou um ano o nosso casamento.
P/1 - Não teve filhos?
R - Não tive filhos.
P/1 - Isso tudo na época da FAAP?
R - Não, com o Leo eu já tinha acabado a FAAP, estava acabando. Foi quando eu entrei na Pinacoteca, foi meio junto. Na FAAP teve o Jorge e teve o Leo.
P/1 - Aí nesse período você separou e saiu da Pinacoteca.
R - Saí da Pinacoteca e fui para o Museu Lasar Segall. Lá, eu implantei a área educativa do museu.
P/1 - Como você entrou no museu? Você foi convidada?
R - Eu fui convidada pelo Marcelo Araújo, que era o museólogo do Museu Lasar Segall. O Marcelo trabalhava já como estagiário no Museu Lasar Segall; quando o museu foi incorporado ao IPHAN [Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional] em 1985 e se tornou museu público, a família doou aquele acervo para o IPHAN.
Vinte e cinco pessoas foram contratadas; o quadro de funcionários foi montado de uma maneira muito ideal e o Marcelo virou o chefe do Departamento de Museologia. Dentro do Departamento de Museologia tinha a parte educativa, que eu fui chamada para implantar.
Eu tinha conhecido o Marcelo porque tínhamos amigos em comum. O Gustavo, que trabalhava comigo na Pinacoteca, era amigo dele e nós nos conhecemos, aí eu fui e apresentei o projeto para o Maurício Segall. O Maurício me entrevistou e eu comecei a trabalhar lá.
P/1 - Não tinha esse serviço estruturado?
R - Não. Tinha uma coisa muito esporádica de atendimento a escolas. O museu Lasar Segall tinha um funcionamento dos anos 70 até 1984, quando o museu teve uma grande crise. A família já não conseguia sustentar o museu. Ele tinha um horário de funcionamento muito pequeno, abria poucas horas por dia, então tinha muito das escolas irem lá por agendamento, principalmente a escola que ficava em frente, o Basílio Machado. E quem atendia isso era o Érico, que trabalhava lá, que era uma espécie de administrador do museu.
Não tinha um rigor muito estruturado, digamos, nos princípios museológicos. Era uma coisa familiar, que o Maurício fez com muita garra. Ele teve um auxílio muito grande do Luis Hossaka, que trabalhava com o Bardi, que tinha muitas noções de museologia. Quando o Lasar Segall morreu, todo esse trabalho de catalogação foi feito com a Dona Jeni Klabin e o Luiz Hossaka. Fizeram todo o levantamento do acervo e o Maurício foi montando o museu, muito com cara de centro cultural. Tinha uma atividade de fotografia, de cursos de redação.
P/1 - Tem até hoje o curso de redação?
R - Tem até hoje redação, fotografia; tinha um coral e tudo isso fazia com que o museu tivesse uma cara de centro cultural, muito baseado nas experiências dos centros de arte francesas.
Quando o Marcelo entrou lá... O Marcelo entrou junto com a Rosa Esteves e eles vinham do curso de Museologia da Waldisa Rússio, então eles tinham toda uma formação de profissionalização da cadeia do trabalho, da cadeia museológica. Estruturaram tudo aquilo com um trabalho de documentação, conservação, pesquisa, educação. E foi nesse momento, em 1985, que o museu se estruturou dessa maneira.
A biblioteca foi sempre uma área muito importante no museu. Era uma biblioteca por causa da Jeni Klabin, que tinha uma biblioteca de teatro; [isso] acabou sendo a gênese daquela biblioteca. Depois eles receberam uma grande doação e ficou sendo uma biblioteca especializada em arte e espetáculo. Contrataram-se também vários bibliotecários e a biblioteca passou a ter um funcionamento quase que junto com o horário de funcionamento do museu.
P/1 - [O museu] recebe uma verba federal?
R - O museu é da estrutura... Não é mais do IPHAN porque os museus saíram do IPHAN. É do IBRAM [Instituto Brasileiro de Museus], então o museu recebe um orçamento.
P/1 - Então o museu tinha um orçamento?
R - Tinha um orçamento. O Maurício era o diretor do museu, o Carlos Magalhães era o diretor adjunto e o Marcelo era o chefe da Museologia. Depois que o Maurício saiu, o Marcelo e o Carlos viraram diretores. Eu cuidava da parte educativa, do setor educativo.
P/1 - E o que você estruturou naquele momento?
R - Quando eu cheguei em 1985, nós tínhamos... Eu praticamente trabalhava sozinha dentro desse Departamento de Museologia e fazia um planejamento todo de atendimento a escolas. No começo, nós mandávamos cartas para escolas oferecendo aquele serviço. Aquilo foi crescendo e nós começamos a ter que contratar novas pessoas na equipe; estruturamos tanto um atendimento ao acervo como as exposições temporárias.
Nós tínhamos também uma coisa que não era muito comum na época, que era um ateliê agregado à visita. A escola vinha, fazia o trabalho de visita ao acervo ou a exposição temporária e depois ia para o ateliê. Aí foi crescendo e nós fomos contratando outros educadores. Nós tínhamos também um trabalho de capacitar os vigilantes das salas de exposição para poder atender ao público espontâneo, que faz muita pergunta aos vigilantes.
P/1 - É mesmo? O público quer saber?
R - Sim. Porque acontece muito que os visitantes entram na exposição e começam a perguntar. Quando eles sentem necessidade de ter mais informação eles vão aos seguranças perguntar. Os seguranças são uma boa fonte de informação e aprendem muito, porque eles assistem as visitas monitoradas também. Eles ficam interessados, então a gente fez todo um trabalho com um menino que era segurança, o Agnaldo. Ele era segurança, depois fez faculdade de artes e virou um educador. Ele entrou para a equipe da gente.
P/1 - O Agnaldo? Nossa, isso é interessante. Se a gente conseguir achar para dar um depoimento. Ele era segurança e vigia, teve esse treinamento e aí…
R - Começou a estudar. Fez faculdade de artes, virou educador e até mediador. Ele atendia muito as escolas e a gente fez também alguns projetos integrados. Nós fizemos um projeto bacana de integração com quatro museus e atendíamos uma escola de Guarulhos; era uma escola de ensino médio de formação pedagógica e nós tínhamos um grupo - como se fosse um grupo de estudo, mas era um projeto continuado, nós atendíamos aquelas meninas do ensino médio por quatro anos. Era o Museu de Arqueologia e Etnologia, o Museu do Butantã, o Museu da Casa Brasileira e nós, num trabalho integrado bem interessante.
Essa escola era um CEFAM [Centro Específico de Formação e Aperfeiçoamento do Magistério], uma escola de magistério - na época, [era] de ensino médio - que durava quatro anos. Uma diretora de Guarulhos, que era uma pessoa superantenada, sacou que seria legal fazer um projeto nos museus e nós fizemos esse projeto, que foi um projeto piloto interessantíssimo.
Eu tive o privilégio de ter no museu um incentivo muito grande do Maurício Segall e do Marcelo, que era o meu chefe imediato, e aí eu fiz. Eu pedi uma bolsa e fui para a Inglaterra, fiz toda uma observação de museus britânicos; fiquei seis meses lá e participei de cursos na Universidade de Leicester, fiz estágio no Museu Britânico. Eu aprendi muito sobre essa importância de formação de professores: como você tem que fazer cursos para professores, materiais para professores, como é importante essa parceria. Como é importante o professor preparar os alunos em sala de aula, para poder ter melhores condições de aprendizagem no museu. Os programas para as famílias também, foi uma coisa que eu fiz.
P/1 - Você aprendeu lá fora?
R - Eu aprendi lá fora e, sobretudo, tive contato com uma bibliografia que eu não tinha aqui. Nós não tínhamos, na época, uma bibliografia brasileira ou em português. Na Inglaterra eu tomei contato não só com o que eu via na prática, mas com uma literatura sobre museus que foi definitiva para reorganizar o programa do museu de uma maneira menos intuitiva.
P/1 - Você ficou quanto tempo nesse curso na Inglaterra?
R - Eu fiquei seis meses na Inglaterra. Fiquei três meses no museu Britânico e três meses...
P/1 - Mas foi algum tipo de mestrado?
R - Não. Eu aproveitei isso para o meu mestrado, mas não foi no caráter sanduíche. Eu fui com uma bolsa do Conselho Britânico.
P/1 - Você conseguiu um afastamento do trabalho e foi?
R - Fui. Quando eu voltei, eu já estava matriculada no mestrado. Fiz o meu mestrado somando a minha experiência no museu com o que eu tinha visto lá na Inglaterra.
P/1 - Você fez o mestrado na USP?
R - Eu fiz na ECA [Escola de Comunicação e Artes].
P/1 - Nessa área?
R - Nessa área. Na verdade, não tinha muito essa área, não tem essa área. O que eu fiz é o que a gente fala de formação em serviço, porque eu fiz uma soma de coisas. Eu fiz disciplinas na ECA que tinham a ver com isso, com a história da arte, com crítica de arte, com arte e educação.
P/1 - Você foi fazendo a sua grade?
R - Fui fazendo uma colcha de retalhos e montando por mim mesma o que eu queria fazer na minha formação ou na minha especialidade, que era Educação em Museus, que não tinha no Brasil. Então eu fiz cursos fora, depois voltei e fiz o mestrado. Estruturei toda essa coisa de formação de professores lá no Lasar, fizemos uma porção de cursos para professores e depois fiz todo um trabalho, no qual entrei em contato também por meio de professores estrangeiros, sobre teorias da compreensão estética. A gente fazia mediação com as crianças sem entender qual era a teoria que estava por trás disso, como a criança aprende a ver. A gente fazia um pouco intuitivamente e eu fui entrando em contato com isso por meio de autores estrangeiros. A primeira pessoa que eu conheci nesse sentido foi o Robert Ott, trazido pela Ana Mae [Barbosa] no MAC. Fiz esse curso em 1988 e aí eu comecei a buscar autores que trabalhavam com isso. E também entrei em contato com uma autora importante, que é a Abigail Housen; conheci o doutorado dela. E estando ainda no museu eu pedi uma bolsa para [Comissão] Fulbright. Fui para o MoMA [Museum of Modern Art]. Fiz estágio no MoMA e a Abigail Housen fazia essa parte de consultoria teórica lá no MoMA. Ela criou um programa que se chamava Visual Thinking Curriculum - VTC. Foi interessante conhecer, porque eu entendia como é que se aplicava a teoria dela na prática, mas também não achei legal adotar isso. Isso acabou virando um produto de venda, sem que você tenha que adotar a metodologia; você compra o método e aplica como se fosse um ensino estruturado e para mim não servia. Eu achava que podia me basear na teoria e criar meus próprios métodos. E foi um pouco assim que eu fiz.
Depois, eu fiz o doutorado ainda no museu - muito apoiada pela direção, obviamente, porque realmente eu precisei de tempo para isso. O meu doutorado foi bem focado também nessa questão que eu vinha investigando há muitos anos, que era qual a importância da escola na formação de público de museu. Era uma coisa que eu já tinha introduzido na década de 80 lá no museu, essa coisa de investir na capacitação e no apoio que o professor precisava para levar os seus alunos ao museu. Meu doutorado foi baseado nisso. Eu entrevistei os pais das crianças que visitavam o museu, escolhi seis escolas e acabei ficando com três para uma amostragem. Três escolas com perfis econômicos muito diferentes, uma era escola privada de classe média alta.
P/2 - Que escola?
R - Era o Arquidiocesano, que fica bem perto do museu, na Vila Mariana. A outra era a Escola Lasar Segall, que era uma escola estadual que fica também muito perto do museu e que é uma escola de classe média baixa; a outra era uma escola municipal da periferia em Artur Alvim e os pais não tinham acesso a nenhum equipamento cultural, naquela região não tem nada. O espaço de lazer que eles frequentam - na época que eu fiz a pesquisa era 1999 - era um shopping center, eles não tinham acesso a nenhum equipamento cultural. Eu fiz a comparação entrevistando os pais e as crianças e como os pais se sentiam, se os pais se sentiam responsáveis por levar seus filhos ao museu. A conclusão foi que eles não se sentiam responsáveis e foi daí que nasceu a necessidade de criar o projeto para a família nos museus, foi aí que a gente implantou o ‘Arte em família’. Descobrimos que os pais não se sentiam responsáveis, mas muito por ignorância também. Hoje mudou o panorama do que os museus oferecem na cidade de São Paulo, o panorama é muito diferente. Hoje os pais levam crianças aos museus nos fins de semana, mas naquele contexto que eu examinei os pais realmente não davam importância.
P/1 - Das três escolas?
R - Das três escolas. Os pais só levavam os seus filhos ao museu se fosse para acompanhá-los em pesquisa da escola, não como um programa espontâneo ou motivacional ou motivado por interesses próprios. Eles só levavam se fosse para ajudar o filho a fazer pesquisa da escola - a mãe, principalmente. Então a gente criou o ‘Arte em família’, que era um programa que eu tinha observado muito no meu estágio no MoMa e era essa ideia de programa para crianças e seus adultos. Você fazia o programa para criança, mas os adultos acompanhavam e faziam [com] que [eles] participassem também daquelas atividades, muito para colaborar com a criança. Desse jeito os pais também, por meio de entrevistas que nós fazíamos de avaliação no final, acabavam gostando, dizendo que tinham aprendido, que tinha sido bom para eles também. Isso acaba levando o pai a fazer uma mediação. Ajuda o pai a ir ao museu e entender que o museu é um espaço de lazer legal para ele também. Foi por isso que nasceu esse programa ‘Arte em família’.
P/1 - Pioneiro?
R - Foi. Na época que nós implantamos foi. Hoje todos os museus têm, a Pinacoteca tem.
P/1 - Bacana. Você ficou quanto tempo no Lasar?
R - Vinte e três anos fiquei no museu. Fiquei dezoito anos na área educativa e os últimos seis como diretora. Quando o Marcelo foi para Pinacoteca eu assumi a direção do museu. Nesse contexto de direção me afastei da área educativa, porque eu tinha que olhar para o todo.
Questões estruturais de segurança ali batem também naquele momento. Aconteceram muito episódios de segurança em museus brasileiros; nós alertávamos sobre a necessidade de não só de equipar o museu, como de capacitar as pessoas. Eu também me dediquei muito a estudar essas coisas. [Pra ter] segurança não adianta só ter equipamento, se você não tiver cotidianamente uma rotina que ajude a observar as coisas que estão acontecendo no museu.
Fizemos uma grande exposição dos quarenta anos do museu do Segall. Teve uma exposição do Segall na galeria do SESI, que é um lugar no meio da Paulista que tem uma visibilidade enorme. Foram seis anos em que eu tive uma experiência de gestão completamente diferente do que eu tinha em relação ao momento anterior, que eu estava...
P/1 - E como estava a questão dos outros museus no Brasil, em São Paulo? Era um momento que estava criando outro… Estava se desenvolvendo essa cultura de visita a museu. Você acha que aí começou?
R - Quando eu implantei a área educativa do museu.
P/1 - De que ano que a gente está falando?
R - 1985. Eu fui para lá fazer isso. Nesse momento, tinha dois outros museus que estavam fazendo isso também, que era o MAC da USP e o MAE, que é o Museu de Arqueologia e Etnologia da USP também. Nós tínhamos uma rede de contato, de troca que era importante. Fizemos esse trabalho com o CEFAM, que também foi muito rico para trocar as experiências.
Depois essas coisas começaram a crescer. Apareceu o Instituto Tomie Ohtake, que também tem um trabalho educativo importante e a Estela Barbieri. Em 1985, aliás, teve um trabalho importante no educativo da Bienal [de São Paulo], que depois foi interrompido. Depois nós tivemos um crescimento mais estruturado dos museus, como um todo, ligados a esta questão do atendimento, da mediação do setor educativo. O MASP… O Paulo Portela foi para lá nos anos 90, porque também estava muito abandonada essa área educativa do MASP, então isso tudo foi crescendo e se estruturando. A Pinacoteca, na gestão do Emanoel [Araújo], tinha projetos muito pontuais de atendimento; dependendo da exposição tinha projeto educativo, não tinha projeto educativo permanente da Pinacoteca. Tinha atendimento conforme as exposições, tinha contratação de pessoal para aqueles projetos pontuais. Agora não, tem um setor educativo estruturado, com várias linhas de atendimento.
P/1 - Mas isso foi criado tudo depois de 1985 aqui no Brasil?
R - Foi tudo na década de 80, de 1985 em diante. No início dos anos 90 é que isso começou a crescer. Simultaneamente, três museus importantes implantaram [a área educativa]. O MAC também foi muito importante nessa época, porque logo depois a Ana Mae assumiu a direção do MAC e deu muito oxigênio para a área educativa. Muitos projetos educativos foram desenvolvidos ali.
P/1 - Depois você ficou seis anos na gestão total, como diretora do Lasar Segall. Você saiu por quê, término do mandato?
R - Não era o mandato. Eu saí porque eu já estava querendo sair dessa questão de gestão e pedi um afastamento. Eu tenho ainda o meu cargo.
P/1 - Porque você é concursada?
R - Eu não sou concursada, porque quando nós entramos, aquela leva toda, era uma contratação CLT. Depois entrou o regime jurídico único e nós todos ficamos funcionários públicos sem concurso.
Foi a maneira. Era outro sistema de contratação.
P/1 - Você tem o cargo ainda?
R - Eu tenho cargo, mas eu estou afastada. Pedi um licenciamento até agosto desse ano.
P/1 - Você ficou seis anos e em que ano você saiu?
R - Eu saí do museu em 2008.
P/1 - Pediu o afastamento e foi para onde?
R - Eu fui para o Instituto Arte na Escola. Fui ser gerente geral e fiquei dois anos lá, dois anos e meio.
P/1 - É um instituto ou uma ONG?
R - É uma ONG que faz formação de professores de arte, que tem uma rede em várias universidades brasileiras - cerca de vinte universidades públicas e mais umas vinte universidades privadas ou mistas no Brasil todo. É uma rede nacional, praticamente em todos os estados tem um polo de formação de professores. Eu fiquei como gerente desse projeto [por] dois anos e meio, saí e agora estou presidindo o Comitê Brasileiro do ICOM [Internacional Council of Museums].
P/1 - Como aconteceu esse convite?
R - Eu já compunha a diretoria do ICOM, desde 2006 que eu estou compondo essa chapa, digamos. É a mesma equipe que está nessa gestão. O Carlos Roberto Brandão, que era o presidente, se candidatou para entrar no comitê executivo do ICOM, que é um órgão ligado à UNESCO, cuja sede fica em Paris. Como entrou para esse conselho, ele não pode mais exercer a parte de presidência do ICOM. Nós fizemos uma nova eleição, em dezembro passado, e eu fui eleita a presidente. E agora nós estamos num movimento superintenso, porque a Conferência Internacional do ICOM, que é trienal, será no Brasil em 2013, no Rio de Janeiro. Temos feito todo um trabalho de preparação para essa conferência.
P/1 - Qual é o maior desafio do ICOM?
R - O ICOM é uma associação profissional, de profissionais de museus. Tem como a principal missão promover trocas. Tem os comitês internacionais e os comitês nacionais, que são esses como o comitê do Brasil, da França, da Inglaterra, da Argentina. [Tem] os comitês nacionais e os comitês internacionais, que são temáticos, então têm o Comitê de Educação e Ação educativa, o Comitê de Museus de Arte Moderna, Comitê de Conservação. Comitê de Museu Histórico, de Museus de cidades. Tem uma série.
P/1 - Desde quando existe?
R - O ICOM? Desde 1946, é antigo. O ICOM está passando por toda uma discussão de reformulação, de visão estratégica, de mudar um pouco e se modernizar. Tem, por exemplo, o Comitê de Egiptologia; nós temos um membro só aqui filiado a esse comitê no Brasil. O Museu Nacional cuida disso.
P/1 - Os museus se filiam a ele? Como funciona?
R - Existem dois tipos de filiação, a individual e a institucional. Hoje nós estamos com cerca de quinhentos membros institucionais e temos os membros institucionais também, que são os museus que filiam. O museu, se filiando, ele dá direito aos seus funcionários a usufruírem dos benefícios do ICOM.
P/1 - E tem cursos de formação, atualização?
R - Depende muito do que cada comitê quer fazer. Nós fizemos, na última gestão, uma ênfase grande nos cursos de segurança. É uma questão premente. Fizemos seminários, seminários internacionais de segurança. No ano passado fizemos um seminário com dois comitês internacionais - o Comitê de Marketing e Relações Públicas, que é uma área que está se desenvolvendo mais no Brasil porque os museus eram um pouco tímidos nessa questão de entender que precisa ter um RP forte, um marketing forte para sobreviver no mercado de hoje. Os museus não vivem só dos seus próprios orçamentos, eles têm as associações de amigos. Eles captam recursos e para captar recursos têm que competir com esse contexto todo de outros museus e instituições culturais.
P/1 - E você preside. É um mandato?
R - É um mandato, meu mandato vai até 2012. Depois eu poderia me recandidatar por mais uma gestão, aí seria de 2012 a 2015.
P/1 - Seria interessante, pra você pegar…
R - A conferência de 2013.
P/1 - Você é chamada sempre para vários lugares para dar palestras? Como é o seu cotidiano de trabalho hoje?
R - Eu tenho uma gestão muito virtual. A gente recebe muito e-mail, muita comunicação virtual, chamados e pedidos de participação em eventos. Uma das coisas que a nossa gestão faz para fortalecimento do código de ética - porque uma das coisas que o ICOM faz é, digamos, a vigilância de uma ética. O código de ética do ICOM nós reeditamos. Recentemente, em 2009, nós fizemos uma releitura do código de ética baseado na língua original, que é em francês e traduzimos para o português uma nova versão, junto com Portugal; fizemos um código de ética versão lusófona e isso nós temos incentivado, que os sistemas de museus dos estados façam suas próprias edições. Nós fornecemos o miolo da matéria e o estado imprime com o seu logotipo. Temos feito muito isso.
Em junho, por exemplo, eu vou para o Encontro Estadual dos Museus do Rio para o lançamento do código de ética, que vai ser feito no Rio de Janeiro, a Secretaria de Cultura assumiu. Eu vou participar também de uma mesa no Encontro de Estudantes de Museologia na Universidade Federal de Goiás. Aqui em São Paulo vai ter o Encontro Paulista de Museus em junho, estamos lançando duas publicações que fizemos em parceria com a Secretaria Estadual de São Paulo. Nós temos apoiado muitas redes existentes. Os sistemas existentes, sistemas estaduais, municipais. A relação com o IBRAM [Instituto Brasileiro de Museus] também é muito forte. É um papel de promover a troca e a vigilância de uma ética.
P/1 - Nessa Semana de Museus qual reflexão você acha que é importante ser destacada e discutida?
R - A Semana de Museus sempre tem um tema e o tema anda um pouco em paralelo com o tema que o ICOM lança para o mundo. Nesse ano é a questão da memória.
P/1 - Que corroborou com essa questão. Nós trabalhamos com a memória de quem trabalha e faz os museus.
R - Eu acho que o IBRAM tem feito uma coisa interessante, que é uma força-tarefa para fazer com que nessa semana todos os museus ponham uma energia extra na sua visibilidade, na sua maneira de pensar determinados temas. É uma maneira de fazer com que os museus fiquem mais visíveis. É uma maneira também de promover articulação entre os museus.
Quaisquer temas podem ser interessantes. No caso, museu e memória é quase uma redundância porque não existe museu sem memória, mas existem muitos aspectos da memória que precisam ser abordados no museu. E uma das coisas ricas que eu acho que existem na questão da memória é justamente a memória oral. É o fortalecimento. Os museus são muito baseados em documentos físicos, cultura material e memória oral às vezes - exceto nesse museu aqui, porque é a gênese dele, a razão de ser dele. Eu acho que a memória oral muitas vezes fica esquecida. Não tem muitos museus... Os museus precisam saber das suas próprias histórias e isso você recupera por meio de entrevistas com pessoas que ajudaram a formar o museu. Esse é um aspecto que eu acho importante de ser retomado na questão da memória.
P/1 - Denise, qual o seu maior sonho hoje?
R - Eu tenho um sonho de ter uma vida mais harmônica com a natureza. Eu acho que viver em São Paulo é um pouco massacrante. Acho que a gente tem um cotidiano que… Eu ouço muitas pessoas falarem que isso aqui é uma máquina de moer carne, de moer gente. E eu tenho esse sonho de viver de um jeito mais harmônico com a natureza, que tenha que ficar menos horas engarrafada, menos horas gastando tempo com locomoção.
Eu sonho que São Paulo seja um pouco Paris, que tenha um sistema de bicicletas. Que ninguém vai roubar a bicicleta porque é um bem público. E que a gente possa se transportar de um jeito mais livre, que a gente possa ter uma vida assim.
Hoje eu tenho esse sonho, de ter uma vida menos ligada aos mecanismos amarrados que a cidade grande traz. E [isso] traz também um dilema, porque vai para uma cidade menor, mas na cidade menor eu não tenho acesso a todas as coisas incríveis que essa cidade tem.
Eu acho que é um pouco a ideia de tentar humanizar essa vida que se leva nos centros urbanos e nessa cidade onde eu nasci, onde eu me criei, onde eu tenho grandes vínculos. É poder ter uma vida mais digna. Que as pessoas que prestam serviços não fiquem duas horas para se transportar para o trabalho. Que a gente possa ter um ar menos poluído.
A Cidade do México está fazendo um trabalho incrível de melhoria de transporte e descontaminação do ar. Eu acho que a gente investe muito pouco para esse coletivo. Os museus pensam o tempo inteiro nisso, mas eu acho que a gente pensa muito pouco nisso em relação à cidade. E é muito desgastante acabar vivendo numa cidade que vai crescendo e a gente vai ficando sufocada dentro dela. Hoje, meu grande sonho é transformar essa cidade numa cidade mais sociável, mais palatável, mais respirável, mais fácil de se transportar, com mais leveza. Esse é um sonho grande que eu tenho.
P/1 - Denise, como foi a experiência de dar esse depoimento para o Museu da Pessoa?
R - Achei legal. Recuperei essa coisa da memória. Incrível repensar um histórico, o fio condutor de uma vida. Foi legal, gostei.
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