Infância Edite Veloso Woelke, nascida em 16 de Março de 1933 em Rancharia, Estado de São Paulo, filha de Etelvino Veloso e Maria Divina de Jesus, casou-se com Luiz Woelke em 1954, e teve quatro filhos: Kleber Woelke (1955), Sandra Woelke (1957), Wagner Woelke (1959) e Patrícia Woelke (1972), fal...Continuar leitura
Infância Edite Veloso Woelke, nascida em 16 de Março de 1933 em Rancharia, Estado de São Paulo, filha de Etelvino Veloso e Maria Divina de Jesus, casou-se com Luiz Woelke em 1954, e teve quatro filhos: Kleber Woelke (1955), Sandra Woelke (1957), Wagner Woelke (1959) e Patrícia Woelke (1972), faleceu aos 82 anos de idade, em 22 de Março de 2014, em Bertioga, litoral do Estado de São Paulo. Edite passou a infância na cidade de Suzano, periferia da capital de São Paulo e, devido aos anos duros da 2ª. Guerra Mundial, acabou sendo dirigida por sua mãe a um abrigo de crianças carentes, chamado Batuíra, na vizinha cidade de Poá, onde cresceu, estudou até o ciclo então chamado de Ginasial, havendo ali mesmo obtido qualificação para ser professora do curso primário. Também foi onde conheceu aquele que viria a ser seu esposo, Luiz. Adolescência (Abrigo) Ao que ela contou repetidas vezes, aqueles anos passados no local a que chamava com certo carinho de “abrigo” lhe foram muito benéficos: sendo uma menina negra do início do século XX, de família paupérrima, ainda por cima de pais separados, de mãe analfabeta e guardiã de hábitos herdados do tenebroso período da escravidão, teve ali acesso à educação de qualidade, coisa para uns poucos privilegiados naquela época. Além disso, a convivência com pessoas de caráter, de conduta bastante rígida, dentre os quais alguns professores aos quais ela sempre citava, com especial destaque ao diretor do abrigo, a quem ela se referia como “Seu Louro” (eu o conheci, e ele, de fato, era “louro, aliás, na verdade tinha cabelos avermelhados), sem dúvida contribuiu de forma decisiva para a moldagem de seu próprio caráter, marcado, segundo reconheço, pela retidão e pela busca e manutenção de valores morais rígidos, muito embora a pobreza sempre esteve rondando sua vida, na primeira metade de sua vida. Trabalho duro nas diversas tarefas de um orfanato: limpeza, conservação, cozinha, educação física, jardinagem, lavoura, pescaria, estudos, acabaram por lhe conferir admirável formação geral para ser um pilar de retidão em seu mesmo pequeno círculo de influência, a saber, seus filhos e parentes mais diretos. Também, naqueles anos difíceis, passeios para o litoral, em uma unidade da mesma instituição Batuíra, na ilha de Búzios, lhe deixaram uma espécie de paixão pelo mar, por pescarias, e pela vida na natureza, além de inegável habilidade para lidar com plantas.
Passeios em Búzios (Esta terra não tem “gubêrno!”) Dos vários passeios à longínqua ilha do Estado do Rio de Janeiro, ela contou passagens de sua convivência com os ilhéus, caiçaras simplórios, carentes de escola, saúde, e recursos dos mais básicos, pois a ilha era, naqueles anos da década de 1945 a início de 1950, muito isolada, de difícil acesso, a alimentação local era muito dependente de gêneros locais, já que a visita do pessoal do continente era muito esporádica. Ela narrou que era recorrente o prático típico: um peixe cujo nome não me lembro, muito pescado pelos moradores locais, preparado muitas vezes na própria água salgada, com banha, em folhas de bananeira, assado em fogueiras rústicas e em fogões de lenha coletivos, cujo sabor, nas palavras dela, era “simplesmente horrível”, imaginemos, ainda se considerarmos o preciso paladar de uma garota então adolescente. Passeios locais em barcos rústicos ao derredor da ilha, acompanhando os pescadores em suas rotineiras pescarias por meios rústicos fizeram parte de suas aventuras, inclusive uma que ela considerou o momento em que ela esteve muito próxima da morte: certa vez, sendo uma mocinha atrevida, declarou para os ocupantes do barco de pescaria em que se encontrava que era capaz de pular na água de um lado do barco, mergulhar por baixo do casco dele, e sair do outro lado, empreitada que logo em seguida colocou em prática. Só que, para sua surpresa juvenil, o casco da embarcação se mostrou muito mais largo do que ela imaginara, e logo ela se viu sem fôlego, sem sequer conseguir ver-lhe o outro lado. Afinal, surgiu do outro lado, quase afogada, quando, lembra-se vagamente, foi recolhida pelos companheiros de aventura e reanimada. Ela concluiu a narrativa: “Quando não vi o outro lado do casco do barco, e meu fôlego havia se acabado, engoli água e pensei que ia morrer ali mesmo. Só pude me debater desesperada e finalmente vi novamente a luz do dia, e lembro-me que alguém me puxou com força, talvez um dos pescadores que eram a tripulação... não me lembro de detalhes, só que depois já estava numa casa da ilha, onde a gente ficava “hospedada”, levando muita bronca de uma diretora do abrigo.” Naquela mesma ilha, surgiu-lhe, em outra ocasião que esteve ali visitando, um convite para dar aulas para as crianças do lugarejo, num barracão que faria as vezes de escola. Ficou tentada a aceitar, mas aquilo certamente selaria seu destino, que a deixaria isolada do resto do mundo até o fim de seus dias. Ao invés disso, retornou para a sede do Batuíra, e casou-se com o jovem Luiz Woelke. No mais, ela contou que a notória e recorrente dificuldade geral da vida na ilha fazia com que os moradores ostentassem uma certa revolta com o estado geral de tudo, e a qualquer nova situação mais crítica, bradassem contra o governo. A expressão “Essa terra não tem “guberno”’ era então uma espécie de mantra de uma senhora muito idosa que havia passado a vida inteira no local, que sempre repetia aos gritos esse brado muito sintético de inconformismo com as coisas. Casamento Casamento de pobre, nos anos 1950, era sempre o sinal de que os anos iniciais seriam de muita dificuldade e luta, e não foi diferente com a jovem negra de 22 anos que se uniu ao jovem descendente de alemães de 26 anos, que, com pouco estudo (à época, o marido tinha cursado apenas o chamado “curso primário”) trabalhava em funções como motorista, marceneiro, ajudante geral e coisas assim. Logo veio o filho primogênito, Kleber, em seguida, a filha Sandra, o marido conseguiu um emprego melhor na empresa Elgin Máquinas, em Mogi das Cruzes, cidade também próxima a Poá. Quando nasceu o terceiro filho, Wagner, a família já tinha certa estabilidade econômica, e, quando foi morar no então nascente bairro de Cesar de Souza, um distrito na zona rural de Mogi, viu seu aparelho televisor marca GE, e sua geladeira marca Clímax definhar por algum tempo sem poder funcionar, pois no local não havia energia elétrica!!! Era no início dos anos 1960. Com muito esforço, Luiz conseguiu puxar uma extensão da linha elétrica do local, com a ajuda do pessoal da Cerâmica Vila Suíssa. Assim, com dois “esses”, que era antiga no local. Mas a qualidade da energia era péssima, com muita variação na voltagem e repetidas quedas. Bem, assim eram muitos dos recursos do Brasil daqueles tempos, de muita carência e dificuldade para a população em geral. Um sintoma disso: quando chegou a energia elétrica, eu era muito criança, mas me lembro que ficamos orgulhosos ao perceber que, no bairro, somente duas casas tinham aparelho televisor – casa dos donos da Cerâmica Vila Suíssa, e a nossa! Essa situação durou por muitos anos. Como que um operário conseguiu tal façanha, a de ser um pioneiro na aquisição de bens de consumo tão incomuns para a época? Bem, isso sem dúvida foi fruto da gestão da Edite, muito comedida, zelosa e inteligente com o parcos ganhos do marido, então já um mecânico de manutenção de máquinas na referida Elgin, pois ele, a esta altura da vida, com seus 35 anos, já havia participado de um curso na instituição SENAI. Edite era muito econômica e laboriosa.
Curso Cabeleireira Ainda na primeira metade dos anos 1960, filhos desmamados, Edite, que com seu marido Luiz e os filhos continuavam morando no afastado bairro de César de Souza,partiu para se aprimorar em suas funções. Foi fazer um curso de cabeleireira, em uma escola na Rua Senador Dantas, para o que levava o filho menor, Wagner, que ficava aguardando sentadinho, folheando revistas, pelas horas que duravam cada aula. Os outros filhos, Kleber e Sandra, já iam cada um para suas respectivas aulas na escola do bairro de César de Souza.
Suzano No final de 1965, com as economias do casal, Edite e o esposo Luiz compraram uma casinha de 3 cômodos no Bairro Jardim Santa Helena, no município de Suzano. Para variar na rotina do casal, o local era, à época, muito isolado, a casa era composta de um quarto, mais um outro cômodo que passou a fazer as vezes de quarto dos filhos homens (a filha Sandra dormiu durante anos no quarto do casal, em um cantinho isolado por cortinas. Meu pai mandou construir mais um cômodo, um puxadinho, que acabou se transformando na cozinha da casa. O banheiro era, como em muitas casas daquele tempo, do lado de fora, e os filhos, durante a noite, se viravam em suas necessidades à base de pinicos colocados embaixo das respectivas
camas. Na sua pobreza, no entanto, era notória a dignidade que o casal de origem tão humilde conseguia proporcionar aos filhos. Logo Edite se habilitou em tarefas típicas da função de cabeleireira, e a família toda foi de trem para São Paulo, comprar equipamentos para montar um salão de beleza, na gigantesca Loja Pirani da Rua Celso Garcia, no bairro do Brás. Foram comprados secador de cabelo, lavatório, mesa de manicure, sofá (o primeiro sofá da casa de Edite, de plástico, na cor rosa, sem dúvida, um luxo!). O salão de cabeleireira foi montado a princípio no quarto dos meninos, que foram movidos para a cozinha. Depois foi construído mais um cômodo enorme nos fundos do terreno, e o salão foi mudado para lá. Aulas Concomitantemente, minha mãe dava aulas particulares de reforço para algumas crianças do bairro: matemática, português, que à época eram chamados mais propriamente de “aritmética” e “gramática”. O Adelson, um menino de uns 8 anos à época (estamos no início dos anos 1970) que era um de seus alunos, melhorou significativamente na escola devido às aulas da Dona Edite, que era a forma com que passou a ser conhecida no bairro, agora, já cheio de casas novas e novos vizinhos.
Morte da filha Em 1972, um fato triste e incomum naquele pequeno grupo familiar: a morte da filha de Edite e Luiz, a pequena Patrícia, com apenas uma semana de vida. Edite levantou-se de madrugada para dar de mamar à bebê, e gritou para o marido Luiz: “Ela não está se mexendo!, Ela não está se mexendo!” e pegou o corpo inerte da criança nos braços e começou a andar desesperada de um lado para outro na casa, aos prantos e gritando. O marido Luiz saiu, foi até a funerária da cidade, que ficava no centro da cidade, comprou um caixãozinho branco, que trouxe embaixo dos braços, e
menina foi colocada ali, com velório na sala de casa, e funeral no mesmo dia, cujo féretro saiu de casa às 5 da tarde. O acontecimento inusitado foi de fato muito triste e marcante para Dona Edite, então já uma senhora de 39 anos.
Marido & brigas A partir daí, o casal Luiz e Edite passou por um período de muito desentendimento, muitas brigas, e uma noite, Luiz estava socando Dona Edite, que berrava e chorava muito (esses espancamentos haviam se tornado diários, e praticamente todas as noites o casal chegava às vias de fato), quando os três filhos se reuniram (eram apenas uns jovens de dez ou doze, treze anos de idade), e o filho mais velho, o Kleber, um rapazola, decidiu: iria à casa da mãe de Dona Edite, a Dona Maria Divina de Jesus, que ficava localizado a alguns quilômetros dali, enquanto Sandra e Wagner permaneceriam em casa, do lado de fora. Lá dentro, o pau corria solto, como se diz, a podia-se ouvir o som das batidas a cabeça de Dona Edite na cabeceira da cama e no chão de cimento. Dona Maria Divina de Jesus, uma vez alertada dos fatos pelo neto Kleber, correu para a delegacia de polícia da cidade, e finalmente chegou uma viatura de polícia. O policial parou à porta da cozinha, gritou para o Luiz sair, ao que ele respondeu: “Vocês terão que vir me buscar!”. Dois policiais entraram na casa, e em poucos minutos o Luiz saiu algemado, para dentro da viatura policial, sendo em seguida levado preso para a delegacia. A vizinhança toda se apinhava nos muros e na esquina para assistir a cena. Dona Edite foi socorrida pela sua mãe Maria Divina, que mandou que lhe levassem água quente, com a qual limpava o rosto da filha usando panos. Dona Edite recusou-se a ir a algum hospital ou algo assim. Seu rosto estava incrivelmente inchado, idem o seu nariz, que já era naturalmente do formato de batata, devido à sua ascendência negra, agora estava enorme, parecendo uma bola de ping-pong marrom. Ela censurou os três filhos pela iniciativa que eles tiveram, que redundou na prisão do marido: “Vocês não deviam ter feito isso, agora ele vai ficar pior!”, dizia entre choros e fungadas. A Dona Maria Divina passou a noite ali. No final do dia seguinte, o marido Luiz foi liberado a delegacia, voltou para casa, tomou um banho e foi dormir. No outro dia, foi trabalhar como de costume, e nunca mais encostou um dedo em minha mãe.
Separações Por outro lado, as discussões perduraram, em tom menos dramático. Luiz, que era o meu pai, que até então tinha o vício da bebida, parara de beber (Dona Edite havia levado o nome dele para uma mãe de santo, que fez um “trabalho”neste sentido – ele nunca soube disso), e as discussões ficaram mais razoáveis, embora sem dúvida, com um conteúdo mais intenso e amadurecido. O marido Luiz havia ficado desempregado por um bom tempo, e resolvera que deveria ir visitar seus irmãos que moravam em Bauru, no interior do estado (ele tinha mais de 10 irmãos e irmãs!) O marido Luiz já ficou por lá mesmo, trabalhando em uma pequena empresa de seu irmão mais novo. Ficou ajudando lá por uns 3 meses, e nada de salários. Dona Edite foi ficando injuriada com aquilo, e m dia decidiu: pegou um ônibus a foi a Bauru, invadiu a oficina onde mo marido Luiz trabalhava, e o intimou a retornar ao lar. No dia seguinte o casal chegava em casa, em Suzano. As discussões continuaram, agora com problemas relacionados aos filhos, que lhe faltavam com o respeito devido, e o marido, como se diz, “lavava as mãos”, deixando-a ser desrespeitada, principalmente pelo filho mais velho, o Kleber Resultado: Dona Edite, em um certo momento, viu que a saída era ela mesma sair de casa. Uma noite, em meio a mais um bate boca, ela arrumou as malas e saiu de casa, passando alguns dias sem dar notícias. O marido Luiz “aproveitou” a deixa e enviou os três filhos remanescentes para a casa de seus parentes, aqueles, que moravam em peso na cidade de Bauru. Os filhos lá ficaram por uma semana. Quando retornaram, Dona Edite estava esperando em casa. Ela recebeu os filhos com ar desesperançado. Mais tarde do mesmo dia, ela e o marido Luiz foram à casa da amiga dos tempos do abrigo Batuíra, a Rute, que era para onde a minha mãe se tinha dirigido ao sair do lar, pegaram as malas com suas roupas e retornaram ao lar. Dias depois, Dona Edite revelou aos filhos que o marido Luiz a havia procurado lá em seu “esconderijo” e anunciado a ela que já havia “enviado as crianças para Bauru”. Ela lhes ressaltou a sua decepção com o comportamento dos filhos diante do fato, pois esperava que eles a seguissem. Os filhos, contudo, aparentemente estavam dando razão ao pai, pelo menos neste caso.
Salão em Mogi das Cruzes O ano era 1978, o marido Luiz era chefe de manutenção na empresa Valmet, uma indústria de tratores, uma excelente empresa para trabalhar, e com um salário aparentemente mais do que razoável. Ele comprara seu primeiro carro, ajudado por um dinheiro que seu irmão mais novo havia lhe dado pelo se tempo de dedicação em sua pequena empresa. Dona Edite resolveu entrar em uma empreitada mais ousada: montar um salão na cidade de Mogi das Cruzes. Alugou um salão na Rua Henrique Batalha, no bairro da Vila Rubens, próximo a saída da cidade. O local era muito bom, e ela logo aperfeiçoou sua idéia de negócios: transformaria o salão em uma mercearia, visando, mais tarde, transformá-la em um mercadinho. Alugou a casa ao lado, a família mudou-se para lá, e a casa de Suzano foi colocada para ser alugada. Enquanto preparava-se para migrar o ramo do negócio, outro baque inesperado: marido Luiz adoecera, agora drasticamente atacado por diabetes, uma seqüela das décadas a que havia se entregado ao vício da bebida. Diagnosticado no início daquele ano, em poucos meses definhara, vindo a falecer em no final de novembro.
Morte do marido Na semana em que ele fora internado (de novo!), as portas da mercearia estavam prontas para serem abertas. Era um sábado, dia 28 do mês, Dona Edite saíra muito cedo, antes das 6 da manhã, para ir ao hospital, a Santa Casa de Mogi das Cruzes saber notícias do marido, que fora internado na 3ª. feira anterior queixando-se de muitas dores. Às 7 e pouco da manhã parou uma motocicleta com um policial na porta da casa, foi atendido pelos filhos Sandra e Wagner (O filho mais velho, o Kleber, havia se mudado para a baixada santista, onde se casara e levava sua vida com sua esposa). O diálogo com o policial foi exatamente este: Policial: “É aqui que mora o Sr. Luiz Woelke?” Minha irmã respondeu: ”Sim!”. Policial: ”Vocês são o que dele?” Minha irmã: “Somos filhos dele”. Policial: “Ele faleceu hoje às 4 e 30 da manhã! Vocês devem comparecer à Santa Casa para cuidar da liberação do corpo e do enterro.”. Minha irmã: “Ah, tá. Obrigado pela informação!” Naquele tempo pobre não tinha acesso a telefone, e Sandra e Wagner foram à casada Natalina, muito amiga de minha mãe, para telefonar para o hospital para avisar que a esposa do Sr. Luiz já estava se dirigindo para lá. Sandra entrou na casa da Natalina, que Ra na mesma rua, a uns 200 metros de distância, Wagner ficou parado no portão, do lado de fora. Nisso, estaciona um táxi ali em frente. No banco de trás, está a Dona Edite, chorando muito, que diz: “Wagner, seu pai morreu, Wagner!” (Ela não sabia que o filho Wagner já sabia do fato. Logo sai a filha Sandra da casa da Natalina, vão os 3 para casa, arrumam-se, e vão todos juntos para a Santa Casa de Misericórdia de Mogi das Cruzes, cuidar do enterro do “chefe” da casa, que havia falecido aos 48 anos de idade.
Comércio Marido enterrado, Dona Edite “abre” sua mercearia poucas semanas depois, com a ajuda dos filhos. Dedicam-se ao negócio ela e a filha Sandra. Wagner e Kleber ajudam mais aos Sábados e Domingos, pois os dois trabalhavam em empresas: Kleber na Cosipa, em Santos, e Wagner na Ibar, em Calmon Viana, distrito de Poá. A mercearia se firma como ponto comercial até que, por volta de 1983, Dona Edite vende o ponto para um vizinho, o Moacir, pega o dinheiro arrecadada, dá uma boa reformada na casa de Suzano, que até então passara nas mãos de uns inquilinos, alguns, maus inquilinos, outros, bons inquilinos, e volta, ela e a filha Sandra, a residir em Suzano, vivendo da renda de suas aposentadorias (dela própria e do falecido marido). Logo o filho Kleber, recém divorciado, também se muda para a casa.
Aposentadoria = Passeios Dona Edite vive relativamente bem no local, e envelhece ali. De 1983 a 2009, dedica-se apenas a viver, e a realizar alguns passeios, alternadamente com os filhos, ora para o Rio de Janeiro, ora para Holambra (a visita anual à Festa das Flores de Holambra tornara-se obrigatória), ora para Bauru, ora para Campinas, Jaguariúna (o passeio pelo trem turístico de Campinas a Jaguariúna a deixara muito vem impressionada), Itú, Indaiatuba, Santa Branca, Guararema, Campos do Jordão, vários pontos de São Paulo (feira domingueira da Praça da República, shopping center’s, aeroporto de Guarulhos...) e... Bertioga. Praticamente todo mês havia uma descidinha para Bertioga, onde acostumou-se a comer um espeto de camarão na praia do centro da cidade, acompanhada de um delicioso suco de abacaxi, e idas à Riviera de São Lourenço. Em uma desses passeios para a pequena cidade do litoral, que acabara de se emancipar do município de Santos, decidira-se: mudar para Bertioga. Por que não?
Mudança para Bertioga Colocou a casa de Suzano à venda, e logo a vendeu: o local agora era simplesmente a área central de cidade, e o imóvel era muito valorizado. Com a metade do valor arrecadado com a venda, pois a outra metade foi distribuída para os três filhos, pode adquirir uma excelente casa no bairro do Indaiá, com um terreno enorme, onde ela logo tratou, com a valorosa ajuda da filha Sandra, de construir seu viveiro de plantas, muitas delas colhidas há décadas em seus passeios. O ano era 2010. O mês, Fevereiro. Ostracismo Porém, os anos já lhe haviam caído nas costas e, aos 78 anos de idade, lhe haviam fugido as força das pernas. Sua mobilidade foi profundamente afetada, e ela, para ir à praia, distante apenas a umas centenas de metros de sua casa, dependia de carro. Simplesmente não conseguia ir caminhando por si mesma. Semanalmente, os filhos se revezavam em levá-la para seu passeio, ora no Indaiá, ora na Riviera, ora no centro, mas o sabor e a gordura do espeto de camarão visivelmente não lhe apetecia mais, e era notório que ela se esforçava para aceitar a iguaria somente para não ofender a gentileza de seus filhos, colegas de passeio, ora a Sandra, ora o Wagner, ora o Kleber. Em 2012 e 2013, várias vezes pedira ao filho Wagner, que havia ficado desempregado em São Paulo, que fosse trabalhar em Bertioga, pois a casa dela tinha um quarto sobrando. Ela na verdade queria ficar junto dos filhos (Kleber e Sandra já moravam com ela, o primeiro, muito doente). Em março de 2013, Wagner mudou-se para a casa da mãe em Bertioga, e assim os três filhos estavam novamente reunidos em torna da Dona Edite. Para se somar à mobilidade praticamente zero dela (agora, só saía de casa em cadeira de rodas, usada até para locomover-se (melhor dizendo: para ser locomovida!) nas areias da praia e no calçadão do centro de Bertioga!), a cabeça começou a ficar atrapalhada, e a memória a falhar: sintomas de Ahlzeimer?
AVC –I Desde o final de 2013, toda manhã era uma expectativa na casa de Dona Edite: será que ela vai abrir a porta? Ela estava realmente muito ruim, com incontinência urinária e fecal, e levantar-se da cama lhe era agora uma tarefa árdua e muito demorada. Até que uma manhã, a filha Sandra entra no quarto de Dona Edite pela manhã, e constata que ela está desfalecida, e com a boca torta para um dos lados. Levada ao Hospital de Bertioga, após exames, o diagnóstico apontou para uma isquemia. Foram 55 dias de internação e acompanhamento médico, mais os filhos, até que, por volta das 8 horas da manhã do dia 22 de março, 6 dias após seu aniversário de 82 anos de idade, o filho Wagner, que lha fazia companhia noturna, notou que ela parara de respirar. Chamadas as enfermeiras do plantão, constatado o óbito. Logo chegaria a filha Sandra, que comparecia para seu turno de acompanhamento, no período diurno. Não foi mais necessário.
Morte (Enterro solitário) No dia seguinte, um sábado, o enterro com a presença apenas do filho Wagner e da filha Sandra. Seu corpo foi depositado no jazigo de número 2449, no pequeno cemitério de Bertioga, no litoral de São Paulo. Finda a trajetória de uma pessoa simples, e do bem: nunca foi vista praticando um ato que pudesse ser taxado de desonesto, ou que visasse pegar o que não era seu, ou ainda, que visasse a prejudicar alguém. Como pôde, ajudou alguns, os quais, certamente, lembram-se com carinho, ainda que tardio, de Edite Veloso Woelke.Recolher