P/1 – Bom dia dona Maria?
R – Bom dia.
P/1 – Eu queria que a senhora começasse dizendo seu nome completo?
R – O meu apelido é Dona Maria, mas meu nome completo de documento, da identidade, CIC, CPF e tudo é Eurides Fátima Macena de Barros.
P/1 – E que dia, mês e ano a senhora nasceu e onde?
R – Eu nasci em Miranda, eu sou de 1952, do dia 11 de março.
P/1 – E esse apelido Dona Maria, de onde apareceu?
R – Apareceu, porque quando eu tocava pousada no salobra me chamavam de Dona Maria, porque achavam meu nome difícil, então ficou... Todos os caminhoneiros que passam aqui, aqui é ponto de caminhoneiro e o nome de Maria ficou, mas meu nome não é esse não.
P/1 – E o nome dos seus pais?
R – O meu pai é Anacleto Rodrigues de Barros e da mamãe é Antônia Macena de Barros.
P/1 – E o papai e a mamãe trabalhavam onde? O que eles faziam?
R – O meu pai, ele tinha uma fazendinha, uma chácara no (Forraipi?) no Município de Miranda, lá que eu fui nascida, mas sou mirandense é perto de Miranda,
P/1 – E os avós, a senhora lembra?
R – O meu avô é gaúcho do Rio Grande do Sul e a minha avó cuiabana isso do lado da minha mãe. O meu avô do lado do meu pai é pernambucano e a minha avó é paraguaia. É uma misturada é uma farofa, né?
P/1 – E a senhora tem irmãos?
R – Eu tenho.
P/1 – Quantos?
R – Eram quatro irmãos, tem dois falecidos e dois solteiros.
P/1 – E o que eles fazem?
R – O meu irmão... Um está lá perto de Aquidauana, ele trabalha na chacrinha dele.
P/1 – E o nome dele?
R – Anazilde Macena de Barros.
P/1 – E o outro?
R – Ailton Macena de Barros.
P/1 – Eu queria que a senhora voltasse um pouquinho e falasse da sua infância, como é que foi? Onde que a senhora foi criada? Conta pra gente um pouco dessa história?
R – Eu fui criada na fazendinha ali da chácara do meu pai em (Forraipi?)...
Continuar leituraP/1 – Bom dia dona Maria?
R – Bom dia.
P/1 – Eu queria que a senhora começasse dizendo seu nome completo?
R – O meu apelido é Dona Maria, mas meu nome completo de documento, da identidade, CIC, CPF e tudo é Eurides Fátima Macena de Barros.
P/1 – E que dia, mês e ano a senhora nasceu e onde?
R – Eu nasci em Miranda, eu sou de 1952, do dia 11 de março.
P/1 – E esse apelido Dona Maria, de onde apareceu?
R – Apareceu, porque quando eu tocava pousada no salobra me chamavam de Dona Maria, porque achavam meu nome difícil, então ficou... Todos os caminhoneiros que passam aqui, aqui é ponto de caminhoneiro e o nome de Maria ficou, mas meu nome não é esse não.
P/1 – E o nome dos seus pais?
R – O meu pai é Anacleto Rodrigues de Barros e da mamãe é Antônia Macena de Barros.
P/1 – E o papai e a mamãe trabalhavam onde? O que eles faziam?
R – O meu pai, ele tinha uma fazendinha, uma chácara no (Forraipi?) no Município de Miranda, lá que eu fui nascida, mas sou mirandense é perto de Miranda,
P/1 – E os avós, a senhora lembra?
R – O meu avô é gaúcho do Rio Grande do Sul e a minha avó cuiabana isso do lado da minha mãe. O meu avô do lado do meu pai é pernambucano e a minha avó é paraguaia. É uma misturada é uma farofa, né?
P/1 – E a senhora tem irmãos?
R – Eu tenho.
P/1 – Quantos?
R – Eram quatro irmãos, tem dois falecidos e dois solteiros.
P/1 – E o que eles fazem?
R – O meu irmão... Um está lá perto de Aquidauana, ele trabalha na chacrinha dele.
P/1 – E o nome dele?
R – Anazilde Macena de Barros.
P/1 – E o outro?
R – Ailton Macena de Barros.
P/1 – Eu queria que a senhora voltasse um pouquinho e falasse da sua infância, como é que foi? Onde que a senhora foi criada? Conta pra gente um pouco dessa história?
R – Eu fui criada na fazendinha ali da chácara do meu pai em (Forraipi?) ali no Município de Miranda.
P/2 – Descreve um pouco como que era o lugar? Como era o seu dia-a-dia lá quando você era criança?
P/1 – Tinha plantação de alguma coisa?
R – Meu pai plantava lavoura, lutava com boi, com gado e sempre eu e meus irmãos mais pequenos cuidavam dos pastos, assim, para não comer todo o arroz que plantava, entendeu? A gente cuidava do passarinho e ia para o colégio. Eu estudei pouco porque foi tudo por mim; a minha mãe, o meu pai falava: “Vai estudar minha filha, você precisa de estudo”. A gente era caipira, era bobão e a gente era criado assim. Antigamente não era como agora, né? A gente ficava até escondido do pessoal que chegava em casa, a gente era caipira duas vezes.
P/1 – Tinha vergonha?
R – Eu tinha vergonha, o meu pai deu uma criação muito bonita para nós só que a gente ficou meio... Não é como agora, a gente era caipira, se chegasse uma pessoa em casa com meus pais para conversar com minha mãe, você pensa que eu passava no meio dos meus pais? Eu tinha... Meu pai e minha mãe falavam: “Olha os meus filhos que coisa mais feia”. E as pessoas idosas que chegavam na minha casa, podiam não ser seu parente, mas você tinha que chamar de tio e pedir a benção. Era assim a nossa criação. Então eu fui muito educada, só que eu não fui estudada, mas era por culpa da gente, porque a gente era tão bobão que meu pai e minha mãe colocava a gente na cidade, assim, um dia ou dois a gente chorava e fazia escândalo, porque não podia ficar longe deles. E meu pai era professor lá também, ele lecionava lá, mas ele não gostava muito não e o que eu aprendi foi mais com o meu pai mesmo.
P/1 – E que tipo de brincadeira a senhora fazia quando era criança?
R – Ah, eu cortava... A gente era... De primeiro era outro ritmo no mundo da gente, a gente pegava e cortava bastante varinha, fazia casa tudo marcada: “Aqui é a casa de fulano, aqui é a casa de beltrano”. Assim é que era, fazia bastante quadrinhos, aqueles quadrinhos de pau assim. A gente falava: “Aqui é a casa do Adinilson, aqui é casa do Ailton, essa é a casa do Nagibe, a casa da Maria, a casa da Cacilda, da Elza.” E tudo nós ficávamos no nosso cantinho assim: “oh comadre vamos comer” chamava a outra, nós íamos passear na casa da outra. Era assim brincava de boneca, essas boneconas de pano que a minha mãe fazia, era tudo assim antigamente não se compara com agora.
P/1 – O que era assim de brincadeira com a natureza? O contato com a natureza, conta para mim como que era?
R – A natureza toda a vida a gente gostou, meu pai criava bastante cabrito, carneiro e sempre nós brincávamos com esses bichos e os passarinhos mesmo. Toda vida nós tivemos dedicação à natureza, a gente subia nas árvores para ver se os passarinhos estavam querendo voar, tudo isso, a gente era uma coisa assim.
P/2 – Que árvores tinham Dona Maria? A senhora sabe o nome delas? Quais eram as árvores? Eram de frutos?
R – Tinha pé de manga, laranja, goiabeira, tinha todas as árvores que a gente subia pra ver os ninhos dos bichinhos.
P/1 – E o rio vocês brincavam?
R – Só tempo da enchente, não era rio lá era um córrego que passava, tinha um córrego grande que enchia e tinha também onde o gado bebia água, tinha uma represa, mas era funda e quase nós não íamos lá. A minha mãe ia lá com a gente só quando ia lavar roupa. Tudo era sacrificoso não era igual agora assim, de primeiro era tudo modificado, para pegar água era no poço, carregar água na cabeça, no cavalo, era assim que era.
P/1 – Vocês tinham energia elétrica lá?
R – Não tinha, em Miranda mesmo foi ter energia elétrica agora faz uns, espera aí... Quando eu tinha 15 anos, eu estou com 56, quando eu tinha 15 anos a energia elétrica de Miranda era assim: começava às seis da noite e meia noite eles desligavam tudo. Já faz uns 30 anos, uns 35 anos que tem energia assim direto em Miranda mesmo.
P/1 – E como era a vida sem energia? Vocês acordavam cedo? Dormiam cedo? Conta como era um dia da Dona Maria?
R – Era assim, a gente levantava cedo e ia pro curral tirar leite, cuidar dos passarinhos na lavoura, porque os passarinhos iam todos entrar na lavoura.
P/1 – E o que os passarinhos faziam, eles comiam a lavoura?
R – Eles comiam o arroz.
P/1 – E que passarinho que era? A senhora lembra?
R – Boitatá, periquito todos esses bichinhos e a pomba.
P/1 – E como é que vocês espantavam os passarinhos?
R – A gente tocava, a gente soprava, a gente batia lata e eles saiam todos, colocava bandeira branca no meio do arroz pros bichos não entrarem. Antigamente era tudo muito diferente de agora, né?
P/1 – E a noite vocês dormiam cedo?
R – Nós dormíamos cedo.
P/2 – E que horas vocês almoçavam?
R – Nós almoçávamos às 11 horas.
P/2 – Que tipo de comida era boa de comer?
R – A comida nossa mais foi carne, charque, carne de sol que a gente foi criado, de manhã cedo a gente levantava e minha mãe assava carne de sol para nós comermos e leite com pirão de farinha, comia arroz com leite era assim, isso que era nossa comida, fazia pão caseiro e bolo; era assim que era.
P/1 – Vocês tinham assim alguma história, a gente ouviu ontem com o Jean que tinha um negócio do mãozão, tinha uma história dessas?
P/2 – Essas lendas? Histórias...
P/1 – Existia alguma lenda?
P/2 - Você se lembra de alguma história assim que contavam quando você era criança?
R – A minha mãe contava muita história, mas eu já esqueci. Mas história a gente tinha bastante.
P/2 – Não tem nenhuma que a senhora lembre? Assim da mata que dava medo? Algum bicho? Alguma assombração? Qualquer coisa assim?
R – Desse jeito tem sim. Tinha um lugar que a gente passava e tinha uma assombração que aparecia ali, mas o pessoal falava que era do tempo dos... De primeiro há muitos anos que teve aquela guerra do Paraguai que as pessoas enterravam ouro e então aquelas pessoas vinham tentar as pessoas pra esse que tivesse coragem tirava, assim que o pessoal falava. Agora eu não sei se é verdade.
P/1 – E a senhora tinha algum medo? Tinha alguma coisa que a senhora tinha medo quando era criança?
R – Olha, eu vou falar a verdade nunca existiu medo na minha vida, vou falar a verdade francamente pra vocês, porque aqui quando eu vim pra cá... Porque meu marido quando eu casei... Nós fizemos uma casa de isca viva pra vender pra turistas, a gente acampava aqui nesse mundão, aqui era um matão, era um mato terrível, aqui era um matão esse lugar aqui era a mesma coisa de um... Não dava pra entrar uma lagartixa aqui...
P/1 – Então espera um pouco antes da senhora falar do seu marido, fala um pouco dessa moça aí que é a Dona Maria que começou a crescer?
P/2 – Vamos contar um pouco assim da adolescência, Dona Maria era criança e aí como é que foi?
R – Daí eu fiquei com a idade de sete ou oito anos eu fui pro colégio e a professora chamava Magnólia. Nós éramos os mais novos, eu o Ailton e o Adenício... Minha mãe chegava dez horas e já mandava a gente tomar banho e se arrumar pra ir pro colégio. Então era um quilômetro longe assim e nós íamos a pé.
P/1 – Era longe?
R – Era um quilômetro.
P/1 – Nunca teve uma história de pegar um bicho no meio do caminho?
R – No mato, a história que eu tinha era que meus irmãos, nós éramos muito sapecas, nós subíamos em cima da árvore ficávamos lá e não íamos ao colégio, mentia pra minha mãe e chegava na hora do colégio, na hora que as pessoas já vinham nós descíamos e falávamos: “Mãe já fui ao colégio”. “Cadê o seu dever”? Nós fazíamos tanto rabisco que dava nó na professora e ela mandava a gente fazer o dever e nós vínhamos embora. Nós nunca quisemos estudar, nós éramos abestalhados.
P/1 – O que vocês aprontavam com a professora?
R – Falava com a professora que passou dever e nós íamos fazer em casa.
P/1 – E faziam?
R – Nós fazíamos, mas só que não era aquele colégio sério, né? Daí meu pai chegava, meu pai era muito ocupado, meu pai cuidava muito assim do gado, saía muito e daí quando teve um tempo que meus irmãos já estavam todos moços o Nagibe, o Aílton já ficaram tudo grandão assim com idade de 17, 18 anos, aí meu pai teve uma crise. Ele ficou doente, daí ele não pode cuidar das coisas dele e a gente no tempo antigo era um tempo muito difícil, não dá nem pra gente contar, a gente tinha aqueles bois que puxava carro assim de carreta botava uma canga aqui, outra lá e outra lá, assim que era a nossa posição de primeiro.
P/1 – Carro de boi era pra arar a terra?
R – O carro de boi era pra vir pra Miranda pra comprar.
P/1 – Ah, era o meio de transporte?
R – Pra comprar mercadoria trazia nele, era tudo difícil, você vê, era uma história isso aí, eu vou falar pra você era sacrificoso os tempos antigos, eu não gosto nem de lembrar, tem uma música aí que é a mesma coisa que a minha vida. Se tocar ela, eu vou falar que é a mesma coisa que eu passei na minha vida e a música fala. Sempre que toca eu até choro.
P/2 – E a senhora gostava de ir pra cidade?
R – [choro] Sim.
P/1 – Dona Maria eu queria que a senhora falasse um pouquinho da sua juventude, quando a senhora já era mocinha. Conta pra mim dos namoros? Os passeios?
R – A gente não teve oportunidade de passear muito, porque a gente morava na fazenda assim, né? A gente não teve muita oportunidade e meus pais e minha mãe não deixavam a gente sair. Eu acho que eu não tive juventude, foi uma juventude a trabalhar, até hoje.
P/1 – A senhora começou a trabalhar com quantos anos?
R – 15 anos.
P/1 – O que a senhora fazia?
R – Com a idade de 15 anos eu mudei pra... A gente morava na fazenda, aí meu pai comprou um comércio pra mim, com a idade de 15 anos.
P/2 – Um comércio de quê?
R – Uma mercearia.
P/1 – Mas o que vendia lá?
R – Eu vendia de tudo, secos e molhados, com a idade de 15 anos, daí eu comecei a trabalhar.
P/1 – Vendia charque...
R – Vendia de tudo, charque não, eu vendia arroz, feijão de tudo assim. Daí meu pai comprou me deu e falou: “Olha minha filha isso aqui é pra você trabalhar, isso daqui é seu, isso eu vou dar pra você”. Daí eu comecei a trabalhar e toda a vida eu tive minha obrigação, toda vida eu gostei de andar certa com meus compromissos. Mexi com o banco muitas vezes, pode puxar a minha ficha no Banco Itaú, eu tive até cheque cinco estrelas porque eu era comerciante e bem... Se eu fizesse um empréstimo... Toda a vida eu gostei das minhas coisas certinhas, nunca bebi bebida com álcool até hoje e estou muito inteira. Se for pra tomar uma cervejinha eu não gosto, a minha natureza não é essa.
P/1 – Uma pergunta Dona Maria, quando a senhora começou a receber seu dinheirinho, que a senhora começou a trabalhar, o que a senhora comprava pra senhora mesma? Assim, queria um vestido? Uma coisa bonita assim… o que a senhora comprava pra senhora? A senhora lembra?
R – Eu comprava roupa, vestido, sapato e gostava de andar bonitinha.
P/2 – Gostava de quê?
R – Andar bonita.
P/1 – E não tinha uma festa assim na cidade, festa de santo? Alguma coisa? Existia uma festa por aqui?
R – Existia, só que é o seguinte: eu não ia às festas. Olha, eu vou falar a verdade, eu ia em aniversário porque toda a vida eu fui assim, eu não gostava de farra não, de ir a clube. Eu não gostava de juntar com um tipo de gente, porque tem muito tipo de gente no mundo e toda a vida eu fui assim simples e gostava das pessoas que a gente via que dava pra gente conversar ter amizade, eu escolhia minhas amizades, toda vida escolhi.
P/1 – E como é que a senhora se divertia? Apesar da senhora trabalhar, porque a senhora trabalhou bastante mesmo, mas tinha assim um momentinho assim de se divertir, o que a senhora fazia?
R – Divertir coitada de mim, eu nunca tive divertimento nenhum. A diversão era só quando eu ia em aniversário. Ia com meu pai e minha mãe, eles que me levavam, a gente ia. Sozinha eu nunca saí pra passear; eu estava com 18, 19 anos. Sabe com quantos anos eu casei? Eu casei com 26 anos e eu era moça.
P/2 – E como foi que a senhora conheceu esse marido?
R – Esse marido foi um sacrifício que eu peguei no mundo. [risos].
P/1 – Conta pra gente essa história aí?
P/2 – Antes de virar sacrifício, ele deve ter sido um amor, né? Como é que começou isso?
R – Essa foi uma coisa errada que eu peguei no mundo: casar com uma pessoa que não é certo. Meus pais nunca quiseram que eu casasse com esse rapaz, eu fui boba, eu... Foi assim, meu pai me deu essa mercearia, eu estava com 15 anos e daí eu toquei todos esses anos. Eu sei que com 25 anos eu entrei na política de um candidato a prefeito em Miranda, esse Adauto. Eu tinha aquele bar e mercearia e eu fiquei três meses trabalhando naquela política achando que nós íamos ganhar e perdemos. Daí eu era tão bobona, eu era abestalhada fiquei até doente, eu fiquei doente por ter perdido. Eu pensava que ia ganhar; como o povo era falso, falavam que nós íamos ganhar e nós perdemos. E eu fiquei com aquilo na cabeça, né? Fui pra cidade, fui lá pra Aquidauana e o meu irmão veio me buscar, ele falou: “Larga mão disso, perdeu, perdeu”. Mas a gente pensava que ia ganhar, né? E daí eu fui pra Aquidauana e cheguei lá, fui ao médico, o meu irmão me levou ao médico e ele falou: “Descansa aí”. E eu tinha esse bar e mercearia que meu pai tinha me dado, deixei fechado e fui pra Aquidauana pra me esquecer dessa política. Daí que eu arrumei esse marido. Cheguei lá em uma firma assim, e fui almoçar em um restaurante, era da minha sogra, ex-sogra minha. Cheguei lá pra almoçar no restaurante, todo dia eu almoçava no restaurante lá e daí a minha cunhada trabalhava nessa firma e falou assim: “Ah, Eurides vamos pra firma onde eu trabalho e vou colocar você pra trabalhar se você não quiser ir pra Miranda”. Eu falei: “Eu não.” “Então eu vou arrumar um serviço pra você na (Lopêssego?) em Aquidauana. E aí eu fui com ela, fiquei lá com ela trabalhando e daí eu almoçava na casa da minha sogra, nesse restaurante. Daí esse filho dela, que era o caçula, gostou de mim e ficava... A minha sogra e todo mundo apoiava e eu não gostava dele, até casei empurrada. Morei 21 anos com ele, tenho um casal de filhos graças a Deus, meus filhos e três netos, mas já separamos faz dez anos.
P/2 – Qual é o nome dos seus filhos?
R – Maurinei e a Maurinéia, esses dois que eu tenho.
P/1 – A senhora tem quantos netos mesmo?
R – Tenho quatro.
P/1 – E qual é o nome dos netos?
R – Eu tenho uma neta que fez 15 anos agora, ela é filha do meu filho. Quando ele tinha 18 anos, ele engravidou uma menina e daí ela casou com outro. Eu não quis porque meu filho era novo e eu falava que não queria, eu não sabia que ela estava grávida e ela foi embora de Miranda. Ela morava em Aquidauana, ela veio passear e engravidou. Eu não queria que meu filho namorasse com ela. Tem até uma fotografia, não tem uma menina chupando bico sentada numa cama? É filha do meu filho, ela fez 15 anos. Daí depois que a guria pegou três anos, ela mandou a fotografia e falou que era filha do Maurinei, que ela tinha engravidado do Maurinei. Daí ela está lá em Aquidauana, ela mora para aqueles lados lá.
P/1 – Então Dona Maria e aí a senhora tinha aquela mercearia e como é que foi que veio pra cá? A senhora teve outro negócio?
R – Eu vou contar pra senhora, ainda está longe. Daí nós... Onde que eu parei? Eu parei...
P/2 – Você falou da netinha, mas antes de passar, qual é o nome das netinhas?
R – A primeira é a Sabrina, depois a Milene, Yasmim e Wallace e a Estela, a Estela tem 15 anos.
P/2 – Aí a senhora casou com o rapaz lá e ficou 21 anos com ele, e aí?
R – Daí nós nos separamos. Daí eu vim pra cá e nós fizemos esse ponto... Ele acampava aqui, faz 35 anos que ele trabalhava aqui no meio do mato. Pegando isca e levava pra casa de isca, nós tínhamos uma loja de isca em Miranda. E daí faz dez anos que nós separamos. É que eu parei, que ele não vem mais aqui. O tempo que nós abrimos o ponto que fomos do DNF [Demonstrativo de Notas Fiscais] e pedimos, meu marido pediu pra ficar aqui faz 20 anos.
P/1 – Então ele saiu quando se separaram e ele foi embora e a senhora continuou com o negócio?
R – Eu continuei, eu tinha uma pousada no Salobra.
P/1 – Isso a senhora não contou?
P/2 – É, conta isso aí? Quando foi?
R – Eu tive uma pousada no Salobra primeiro antes de separar do meu marido. Eu tinha uma pousada que chamava Pousada Salobra, eu tinha uma pousada ali e daí eu mexia lá e ele ficava aqui pegava isca, vendia isca, vendia salgado aí, o peixe frito era um barraquinho bem... Era tudo cheio de mato aqui. Daí eu conheci o Brutos, conheci o brutos desse tamanhinho, o Brutos que é o Jacaré que fez 18 anos e fez festa aqui. O Brutos, o Jacaré.
P/1 – Como que a senhora conheceu o Brutos?
R – Eu conheci o Brutos quando ele apareceu lá naquele morro ali de terra. Ele era pequenininho, aí eu peguei e trouxe pra casa, daí que teve esse monte de criação de jacaré aqui.
P/1 – A partir do Brutos?
R – A partir do Brutos.
P/1 – E como que foi? A senhora sempre gostou de jacaré? Conta pra gente?
R – Eu sempre amei a natureza, eu sou da natureza, eu amo.
P/1 – Mas como é que foi pra senhora? Quando a senhora pegou ele pequenininh, como é que foi pra cuidar dele? Para alimentar?
R – Eu peguei ele pequenininho, eu coloquei numa caixinha e ali eu jogava comida pra ele. Eu fiz uma roda assim de cimento e deixava ele ali dentro, porque ele não saía. Daí eu fui conversando com ele e foi entendendo igual gente, mesma coisa de uma criança.
P/1 – E ninguém mais fazia isso? Só a senhora?
R – Só eu fiz muitos anos, aí quando ele estava com nove anos, não, com oito anos eu apresentei ele pra televisão, ali pro Globo Rural, eu chamei o Globo Rural pra fazer uma entrevista do Brutos. Aí o mundo inteiro ficou sabendo, eu soltava ele na água e chamava “Brutos vem cá” e aí ele vinha onde eu estava, era só ele. Daí ele maneirou e apareceu uns... Ficou outro jacaré e daí ele maneirou com o outro e ele botou ovo ficou com o outro e ele botou ovo e ele trouxe mais dois e aí começou o Xerife, a Guerreira e o Tafarel. O Tafarel é o mais novo, foi o Guerreira, o Xerife e o Brutus foram esses três. Daí começou a ter uma população de jacaré.
P/1 – Mas tão novinho foi ovo do Brutos?
R – Ele apareceu, não sei de onde que veio e daí ele ficou junto com o Brutus, maneirou.
P/2 – Uma fêmea que cruzou com o Brutos?
R – É.
P/1 – Como é que a senhora sabe se é macho ou fêmea?
R – Pela cabeça dele.
P/1 – E qual é a diferença?
R – A cabeça dele é maior que a outra.
P/2 – Qual do macho ou da fêmea?
R – Do macho é maior e o da fêmea é... O bico dela é mais fino, sei lá, é diferente.
P/1 – E aí conta como que foi criada essa família dos jacarés? Veio primeiro o Brutos, aí depois cruzou com uma fêmea?
R – Aí veio a Guerreira, veio o Felipão, eu sei que são 25 e tudo tem nome, tem o Ruquinho, tem o Flamenguista, tem o Dengo, tem um punhado. E agora tem o Lula, tem até Lula no meio.
P/1 – Ele tem uma barbinha? Falta um dedinho? [risos]
R – Agora tem uma aí que falta um pedaço da mão dele e eu coloquei o nome de Lula, mas ele é pequeno é desse tamanhinho. E é interessante a gente dar o nome deles, a gente chama os jacarés, ensina eles e é mesma coisa de uma pessoa, de um cachorro. Então quando eu fico meio desconfiada assim, eu chamo os meus jacarés e fico aqui, eles ficam aqui de noite.
P/1 – E eles cuidam mesmo da senhora?
R – Cuidam que não pode dar um grito. Se der um grito, eles vêm todos ali. Deus que me cuida, mas os jacarés cuidam bastante.
P/1 – Sabe o que eu queria perguntar? Uma curiosidade, assim: como que é o hábito do jacaré? Porque a senhora convive tanto, então a senhora sabe quando ele está irritado, a senhora sabe tudo isso? Eu queria que a senhora contasse um pouco.
R – O jacaré quando é o tempo do frio, eles são assim, quando vai fazer frio. Ele esturra bastante, quando vai fazer calor, eles esturram cedo.
P/1 – O que é esturrar?
R – É fazer assim: “uh, uh”. É assim que eles fazem, então a gente sabe quando vai chover, quando vai fazer frio. Quando vai chover ele esturra cedo e quando vai fazer frio é a noite. É interessante isso, é coisa muito interessante a pessoa que vive junto com a natureza sabe tudo isso.
P/2 – E como que é o dia-a-dia deles? Ele levanta e sai pra tomar sol? Come que horas?
R – Eles comem mais é a noite, o jacaré bravo, eles comem é a noite e de dia eles ficam todos descansando, assim, deitado numa grama ou na beirada do rio, ou fica dentro d’água agachadinhos dormindo, eles não fazem nada , eles só... À noite você vê um reboliço de jacaré aí.
P/1 – Qual é a diferença desse jacaré seu e um jacaré bravo?
R – A diferença é que ele morde se ele não morder, ele corre e pula pra água e esse não, a gente chama onde ele estiver se ouvir o berrante, eles vêm onde eu estou e sabem o nome deles é mesma coisa de um cachorro.
P/1 – Mas a senhora sempre usou o berrante? Quando que a senhora começou a usar?
R – Eu comecei a usar o berrante agora tem pouco tempo, porque estava cheio o Pantanal aqui esse ano passado. Esse ano, no começo do ano estava cheio, às vezes chegavam dois, três jacarés e ficavam comigo. Eles ficam aqui andando no quintal vai lá e vem cá e os outros somem tudo e onde que está? A hora que eu chamo, eles estão longe e não escutam, então eu chamo eles no berrante, porque a hora que eu chamo no berrante vem todos eles pra comer é interessante, eu ensinei a eles.
P/2 – Quando a senhora começou a cuidar assim dos jacarés, como é que foi isso na cidade? Das pessoas saberem, como é que foi essa história, porque isso é uma surpresa na cidade, né?
R – Foi uma surpresa mesmo.
P/2 – A senhora se lembra disso como foi?
R – Eu lembro. Foi assim, chegou bastante amigas minhas, amigos e perguntaram: “Cadê o jacaré, Dona Maria?” Eu falei: “Eu tenho meu jacaré que é mansinho, que eu estou ensinando”. Não tinha nem jacaré aqui quase, só tinha o Brutos. Daí eu chamei o Brutos pelo nome e eles ficaram admirados de ver. Eu falei: “Vamos lá na beirada do rio”. Daí desci com eles lá em baixo. Uma pessoa de Campo Grande ficou sabendo e o mundo inteiro ficou sabendo, ele contou e ficou admirado e daí já foi pra televisão e daí a televisão mostrou. Vinha ônibus de turista pra ver, porque achava que era uma coisa importante até o padre Antônio Maria já veio aqui, aquele da televisão.
P/1 – Ele abençoou já os bichinhos?
R – Abençoou, ele já veio aqui. Ele ficou de vir fazer uma matéria comigo aqui e ainda não veio, mas ele falou que vai vir.
P/1 – E dona Maria quantos jacarés mesmo a senhora disse que tem?
R – 25 mansos.
P/1 – Quanto que eles comem por dia? Como é que é?
R – Eu compro 60 quilos de pelanca é assim que é.
P/1 – Mas por dia é isso?
R – 60 quilos, eu dou pra eles a metade das pelancas cedinho, umas cinco horas da manhã pra eles não ficarem... Porque aqueles bravos, eles pulam na água catam o peixe e pintam o diacho e o manso coitado fica no barranco, andando de noite é interessante a natureza, é a mesma coisa de cachorro. Daí eu chego às cinco horas da manhã eu levo lá e jogo as coisas e eles comem e aí vão tudo pra água, ficam todos faceiros dentro d’água é coisa muito linda, eu amo essa natureza.
P/1 – E a senhora já teve que apartar alguma briga dos jacarés?
R – Olha, eu vou contar pra vocês o jacaré é interessante, eu comprei um peru, estava cheia a lagoa até ali no barranco. O peru voou daqui e o jacaré bravo, eles fizeram um círculo assim de jacaré, é uma coisa interessante que o jacaré é, ele fez um círculo, tinha bastante e o peru ficou no meio, eu falei: “Agora morreu o peru, não vai ter jeito o jacaré vai pegar”. Você acredita que quando um pegou o peru vieram todos em cima e cada um tirou um pedaço. Eu falo que com gente é a mesma coisa que eles fazem se tentar pegar uma pessoa cada um quer um pedaço, o que ele fez com o peru ali.
P/2 – Nunca aconteceu nenhum acidente aqui com seus jacarés?
R – Não, o jacaré mansinho não e nem com o bravo, porque o bravo fica lá longe, né?
P/2 – Então aqui convivem os mansinhos e os bravos?
R – E os bravos.
P/1 – E eles vão amansando com o tempo? Como é que é isso? Ou se é bravo é bravo e pronto?
R - Bravo é bravo, porque eles não entendem a gente não conversou com eles, mas se pegar pequeno como aqueles que a gente vê ali vai conversando com eles, você não vê que ele vem onde a gente está, agora ele vai crescendo e vai ficando mais, você não viu que eles ficavam todos perto de mim. É uma coisa interessante os grandes, os bravos ficam tudo ali.
P/1 – E dessas pessoas, porque sempre vem muita gente aqui, né? A senhora tem alguma história que a senhora lembra assim de alguma pessoa que saiu correndo? Ou não chegava nem perto? A senhora se lembra disso?
R – Tem. Várias vezes que tem medo do jacaré, que não vai lá perto, eu já coloquei... Vocês não viram um gurizinho montado no jacaré, nenezinho assim que está na fotografia ali?
P/1 – Acho que não.
R – É lá do Rio, eu montei o bebê no jacaré e a dona deixou, ela tem confiança porque ela sabe que eu não ia deixar o jacaré morder o bebê dela e eu sei qual é o manso e qual é o bravo. Daí ela deixou o bebezinho montar no jacaré e outras pessoas têm medo, não chegam perto e falam: “Dona Maria eu tenho medo”. Eu falo: “Vem aqui pegar no rabo do jacaré”. Muita gente já pegou no rabo do jacaré.
P/1 – Eu já passei a mão no rabo dele.
R – Bastante gente já passou.
P/1 – Só pra eu não ficar com uma dúvida, a senhora falou que compra 60 quilos de pelanca e dá a metade pra eles cinco horas da manhã e o resto?
R – E o resto à noite e fora o que a gente dá cabeça de peixe, a gente compra peixe para fritar e a cabeça de pintado, pacu, dourado a gente joga pra eles, mas eles vivem bem, graças a Deus.
P/1 – Desde que a senhora começou a cuidar então dos bichinhos a senhora está morando aqui? Fica com os bichinhos aqui? A senhora não sai daqui?
R – Não saio daqui.
P/1 – E quando a senhora tem que ir pra cidade? Com quem ficam os bichinhos aqui?
R – Meu filho, os empregados meus.
P/1 – E eles já sabem lidar?
R – Sabem, eu já falo do jeito que é, eles jogam a carne lá e chamam eles pelo nome e eles vão tudo comer lá, eles já ficam ensinados é só falar o nome deles e eles já vêm. E se precisar pegam o berrante, dão uma berrada lá e eles vêm tudo.
P/2 – Eu tenho uma curiosidade assim, a senhora disse que tem uma época aqui que alaga tudo, né? Eu queria que a senhora falasse um pouco do clima do Pantanal de um ano inteiro, quando chove e quando faz frio, se faz frio?
R – Tem vez que faz frio, mas eu vou falar: está modificando, modificando muito os anos. É assim: tem vez que um tempo desses estava cheio aqui, quando eu mudei pra cá, aqui não secava, aqui sempre tinha água. Mas de uns anos pra cá é só seca desde que teve esse gasoduto aí, não sei o que aconteceu com o Pantanal. Eu falo que o gasoduto deu algum problema no negócio lá ou desmataram muito, eu sei que fazem uns oito anos que está modificando cada vez mais, num tempo desses estava cheio aqui e agora já não está, só em dezembro que vai estar cheio. Depois daí vai passar para janeiro, depois vai passar pra março e é interessante pois está modificando as datas da enchente, o tempo de frio, nem faz frio mais, dá uma semana de frio e falam que é o frio do ano.
P/1 – E quando costumava fazer frio?
R – Desde abril, maio, junho, julho e em agosto já esquentava.
P/1 – E agora?
R – Agora não tem mais isso.
P/1 – Nada, é quente, quente?
R – Quente. E a chuva também está atrasando.
P/1 – Do tempo que a senhora está aqui, a senhora viu modificar muito aqui o lugar?
R – Modificou.
P/1 – E o que mudou aqui?
R – Mudou o negócio da chuva, de plantação e tudo.
P/1 – A senhora falou de um gasoduto aqui, que gasoduto é esse?
R – É um gasoduto aqui perto, lá naquela mata.
P/1 – É de alguma empresa?
R – É de empresa que vem da Bolívia e vai pro Rio de Janeiro pra esses lugares aí que vai gás. Daí desde que saiu esse gasoduto que começou o Pantanal a ficar desse tipo, porque têm muitos anos que eu moro aqui, eu conheço o Pantanal. Eu conheço o Pantanal, porque toda a vida a gente morou aqui e sabe, tem 35 anos que a gente convive aqui dentro desse Pantanal... 40 anos porque quando meu filho era bebezinho, antes eu já estava aqui e meu filho está com 30, tem uns 40 anos. Mas que a gente abriu o ponto de turismo aqui, que eu fiz esse ponto faz 18 anos.
P/1 – Se a senhora fosse contar pra uma pessoa que nunca viu o Pantanal, como que é o Pantanal, o que a senhora descreveria assim? O que é mais marcante na vida aqui no Pantanal?
R – Assim como você fala marcante?
P/1 – Faça de conta que a senhora vai passear lá em São Paulo e aí a senhora vai contar como é a sua terra, se alguém perguntar “Como é a sua terra”? Como a senhora contaria?
R – Eu ia contar que é bom, eu gosto daqui, não são todos que gostam do Pantanal como a pantaneira aqui gosta.
P/1 – Mas como é a paisagem?
R – A paisagem é verde, tem mosquitos, tem o tempo certo do mosquito pra chupar.
P/2 – Quer dizer que tem tempo certo pro mosquito atacar?
R – Agora é o tempo certo que é o tempo da enchente, o mosquito vai até o Pantanal encher de água até aqui, a hora que tiver água aqui nesse lugar, aí acaba o mosquito é um mês ou dois é mosquito direto.
P/1 – E tem vários tipos de mosquito, né? Que eu já vi, que mosquito que tem aqui?
R – Tem aquele mosquito, aquele mosquitinho fino, tem aquele branco, tem o preto, tem mosca, mas não é muita, agora é tempo de mosca e aqui até não tem, tem outras partes por aí que tem muita mosca por aí, aqui não tem você pode andar por aí que não tem é por causa da limpeza, né? Porque a limpeza manda muito.
P/1 – E Dona Maria... (TROCA DE FITA) Então dona Maria eu queria que a senhora me falasse quais foram os maiores aprendizados pra tua vida que essa tua atividade te trouxe?
R – Aqui nesse lugar que você fala, né? Porque a gente morava no Saloba, eu tocava a pousada lá e depois que meu marido separou da gente e que não deu certo mais, eu vim pra cá e aí eu falei: “o ponto lá eu vou tocar” aí eu vim e criar meu jacaré e eu tenho muito amor na natureza, eu tinha dó, porque eu não podia levar o jacaré lá pra Miranda, o jacaré tinha que ser criado aqui. Então eu fiquei aqui morando aqui e a gente foi vendendo as coisas e era tudo mata e eu fui fazendo o ponto turístico. Daí a televisão filmou o jacaré e aí ficou um ponto turístico que todo para por aqui. E aqui é muito dificultoso, o que eu estou achando ruim aqui eu vou falar a verdade pra você nessa data de agora está muito ruim a água, eu queria a água... Eu precisava de um poço artesiano, eu preciso de orelhão, porque aqui é ponto turístico e a gente usa toda a água mineral, pra cozinhar, pra tudo tem que ser água mineral.
P/2 – Essas são as dificuldades?
R – Está sendo uma dificuldade pra mim e isso aí é muito importante tanto pra mim como para o povo do turismo, a pessoa que chegar ter um lugar pra parar, porque são 134 quilômetros daqui a Corumbá e pra Miranda 100 quilômetros. Então tem que ter mais conforto;
P/2 – Uma curiosidade, quando chegou a televisão aqui pela primeira vez a senhora se lembra disso?
R – Lembro.
P/2 – E qual foi a reação da senhora? Como é que a senhora se sentiu?
R – Senti bem, normal.
P/1 – A senhora não ficou com vergonha não? Aquela pessoa que tinha vergonha de ter visita em casa não ficou com vergonha?
R – Porque eu já tinha... Eu mudei bastante porque eu toquei muito a pousada com o turismo, foi normal pra mim foi, porque eles chegaram aqui que horas? De noite, ao escurecer chegou aquela turma, chegaram mais ou menos umas 20 pessoas num ônibus filmando e falando comigo e tudo, falando: “Dona Maria a senhora tem mesmo um jacaré aí”? Eu falei: “Eu tenho.” Daí eu fui e chamei o jacaré e aí eles falaram: “Então a senhora espera a gente quinta feira que nós viremos almoçar com a senhora, nós vamos fazer uma matéria junto aqui”. Eu falei: “Tá bom.” E eles vieram na quinta feira e daí nós fizemos a matéria de dia, eles acharam muito bonito, eles falaram: “Dona Maria isso não é pela senhora, isso é Deus que mandou a senhora ser assim, porque é impossível um jacaré que é bravo ser igual a um cachorrinho, a senhora chama pelo nome e ele vem, os pássaros a senhora chama pelo nome e eles vêm é por Deus, isso não é pela senhora.” É porque a natureza é de Deus.
P/1 – E dona Maria qual é a principal realização da tua vida hoje, o que a senhora fez que a senhora acha mais importante?
R – Eu acho importante assim como é que você fala?
P/1 – Alguma coisa que a senhora conseguiu realizar assim que encha teu coração de alegria, sabe? Que a senhora lembra e fala: “Poxa eu fiz isso e foi muito bom”?
R – A natureza, eu sinto bem por dentro de mim.
P/1 – O contato, né?
R – É o contato com a natureza, só isso já dá pra mim...
P/2 – E sonho, a senhora tem um sonho?
R – Eu tenho um sonho sim.
P/2 – Que sonho a senhora teria?
R – Meu sonho é de ter aqui nesse lugar mesmo, pra fazer muita coisa que eu precisava ter esse poço artesiano, orelhão pro pessoal atender, o pessoal que vem aí do turismo, caminhoneiro é parada, ponto paradeiro deles. Eu ter um lugar assim, um aterro, um acostamento pra encostar os carros pra pessoa parar e ficar numa boa. Eu fazer qualquer coisinha assim tipo um restaurante melhor para hospedar as pessoas, o meu prazer é atender e mostrar a natureza do Pantanal pro pessoal dar valor pra isso. Isso é muito bonito, eu sinto muito bem. Eu quero deixar essa natureza ainda pra muita gente [chora] que não sabe dar valor a natureza, porque muita gente pega e mata um animal, um bichinho que coitadinho não sabe fazer nada.
P/2 – É cuidar dessa natureza, né?
R – Cuidar dessa natureza, isso eu não quero que acabe, eu quero que essa natureza vá sempre... Porque o dia que eu faltar, que eu ficar velha, porque só Deus que sabe quando a gente vai morrer, porque o dia que faltar eu, eu quero ver, eu tenho muita fé em Deus que meu neto... Eu tenho muita fé em Deus que meus filhos vão tomar conta. Então eu quero mais conforto pra esse lugar é isso que eu quero, eu quero muito conforto pra mim deixar isso aí e mostrar que quando eu chegar e partir pra onde a gente tem que partir, né? Vai mostrar: “Olha aqui a Dona Maria, deixou essa natureza, ela foi uma pessoa que cuidou da natureza e ela deixou os filhos e os netos no lugar dela”. Com fé em Nosso Senhor Jesus Cristo, eu tenho muita fé em Deus, que Deus vai mostrar isso. Então eu tenho esse orgulho por isso, eu adoro essa natureza, eu amo tudo o que for de natureza eu gosto, a única coisa que eu fico meio assim é com cobra, mas o resto dos bichos é onça é tudo. Eu amo a natureza, onça eu fico meio assim, porque onça come a gente, a senhora sabe que a onça mata a gente? Matou quase um moço aí em Corumbá.
P/2 – Ela vem até aqui?
R – No tempo da chuva vem.
P/2 – A senhora já viu de pertinho uma onça?
R – Eu já, ela vinha aqui, lobo grande... Quando aqui era mais mato, não tinha esse mato aqui, era matão aqui o lobo saía daqui, eles vinham aqui cruzar com a cadela.
P/1 – E cobra?
R – Cobra teve muito, mas Deus não deixa cobra encostar aqui, eu tenho muita fé em Deus, em Jesus Cristo, porque ele é que tem o poder.
P/1 – Então Dona Maria, eu queria saber o que a senhora acha assim da gente estar contando essa história, juntando as histórias de todas as pessoas do Brasil pra contar essa história grande como a história da sua vida, o que a senhora está achando desse projeto?
R – É bom, só que tem muita história que a gente na realidade, as pessoas que passam por isso que vivem no Pantanal, tem muita gente que vive no Pantanal igual eu vivo e gosto da natureza, mas vocês não podem... Muitos tipos de pessoas mentem, eu não gosto de mentira. Tem muita gente que chega aqui e não conhece aqui o lugar e chega e conversa com vocês e vem com mentiras pra vocês, vocês não confiam em certo tipo de gente, porque você não conhece o lugar. Então tem muitos tipos de gente que gosta de mentir que mora até 20 anos no Pantanal e tem gente que eu conheço desse tipo, porque sou mirandense, eu conheço os pantaneiros tudinho, né? Eu sei que tem muita gente que mente que eles moram no Pantanal faz muito tempo e não moram coisa nenhuma.
P/1 – Mas a senhora é genuína, pantaneira, né?
R – Pantaneira, mas o mundo inteiro sabe conhece já, sabe que a gente é pantaneira mesmo.
P/1 – E o que a senhora achou de dar essa entrevista?
R – É bom, né?
P/1 – Como que a senhora se sentiu? Apesar de ter ficado muito comovida, porque eu vi.
R – Não o que eu senti assim é de lembrar e assim mesmo não contei a história toda certinha, eu ainda não contei.
P/1 – Não? Tem alguma história que a senhora quer contar que a gente não tenha abordado?
P/2 – Tem algum causo que a senhora deixou passar?
R – Ah, deixa quieto.
P/2 – Conta pra gente?
R – Não, aí eu choro, larga a mão.
P/1 – Ah, conta uma historinha só pra gente fechar?
R – Eu tenho muita história, eu não contei nem a metade se eu pegar pra contar a gente fica o dia inteiro, mas não contei, né? A gente não lembra na hora tudo e depois que a gente vai conversando é que vai lembrando, né?
P/1 – Mas tem uma coisa marcante? Forte que a senhora gostaria de deixar registrado?
P/2 – Talvez uma mensagem para os seus filhos, porque essa fita a senhora vai guardar, né? Pra essa geração futura que está cuidando desse Pantanal grandão aí que precisa cuidar que a senhora falou tão comovida, tão convicta disso?
R – Só isso que eu falo: que eu sou pantaneira, moro aqui nesse lugar já há 20 anos, 35 a gente convive no lugar, mas que a gente mora mesmo faz 30 anos, tem 18 anos que a gente mora que a gente abriu o barraco aqui, que eu mexo com essa natureza assim, eu peço pra Deus e quero que você veja tudo que você manda ele responder, ele responde na hora tudo, tudo que, ele escreve ele faz tudo é inteligente o meu neto, graças a Deus.
P/1 – Como é o nome mesmo?
R – Wallace, eu tenho a fotografia que ele está só de zorbinha, não tem? É ele, ele mora aqui dentro do meu coração o meu neto, todos os netos, tem a Sabrina, a Estela, a Milene e a Yasmin e o Wallace são cinco netos que eu tenho. Então eu sempre falo: “oh Maurinei e Maurinéia, eu quero que meus netos estudem, porque aquele Pantanal o dia que eu faltar, eu quero que meus netos e vocês tomem conta e vocês quando chegar o seu tempo vai ficar os seus filhos.” Aqui essa natureza não é pra acabar, se eu não tivesse morando aqui esse tempo, eu vou falar pra senhora, a senhora pode ir aí no Pantanal e a senhora não vê um jacaré o pessoal só quer saber de matar. Só que eu não posso sair daqui pra ir lá pra Miranda pousar pra lá, você não viu o jacaré machucado? Aquilo foi gente pra matar, querem acabar e eu não quero registrar aqui, eu vou falar só com vocês, eu sei quem está fazendo isso aqui.
P/1 – E como é que a senhora faz para defender os bichinhos? Se alguém chegar pra pegar e machucar o bicho?
R – Olha, eu vou contar pra senhora, teve um pessoal que veio aqui visitar o jacaré e eu estava sozinha em casa e eles desceram aí em baixo da ponte, aí eu ouvi um batido na água e o jacaré tinha pulado pra água e eu vim olhando, eu vi um carro lá, eu vim correndo, o rapaz tinha cortado a pata do jacaré, estava na mão dele e o jacaré já tinha caído na água e eu perguntei por que ele tinha feito aquilo? Ele não podia fazer aquilo, o jacaré é tão mansinho: “Vocês não tem dó da natureza”? Eu acho que já tinha acabado isso tudo, não era pra existir mais não, tem é por causa que eu cuido mesmo, eu olho e fico assim de olho. Aí eu coloquei essa placa “favor me pedir pra entrar pra olhar” porque você acha que eu estando lá a pessoa entra e a gente nem está sabendo ela mata até o jacaré. Vocês não viram cortada a ponta, outro cortado o pé, o jacaré morto até o Globo Rural veio filmar aqui, o jacaré estava morto, um baita jacarezão que dava até dó matado, é só judiação;
P/1 – A senhora já perdeu algum jacaré aí?
R – Já, três jacarés,
P/1 – Mas do que eles morreram?
R – Morreram matados, quando eu fui para Miranda...
P/1 – Invadiram aqui?
R – Eu queria segurança aqui, uma pessoa que me ajudasse porque isso aqui não pode acabar não e se deixar acaba tudo, se eu não tivesse morando aqui, eu vou falar pra senhora, acho que já tinha acabado, não ia ter esses jacarés aí, comigo aqui ainda... Eu podia ter ligado pra Polícia Florestal para falar sobre o jacaré que o pessoal tinha feito isso com o jacaré, tinham cortado, mas no dia o meu telefone estava estragado, por isso que eu quero orelhão aqui, o orelhão pega toda hora, né? Em qualquer parte do mundo. Então eu queria uma força pra criar um orelhão, um aterro, o pessoal fala pra mim que precisa ter um lugar assim pra estacionar os carros, porque se não o pessoal fica implicando, tem que arrumar isso o quanto antes.
P/1 – Tá certo. Eu acho que é isso aí, a gente agradece muito a sua entrevista Dona Maria.
P/2 – A gente ficou muito feliz de ter conhecido a senhora.
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