Entrevista de Marcio Teixeira Ferreira
Entrevistada por Luiza Gallo
Comunidade Bela Vista do Jaraqui, RDS Puranga Conquista, Rio Negro, 15/11/2024
Projeto: Mateiros do Brasil
Entrevista número: MAT_HV001
Realizado por Museu da Pessoa
Revisado por Luiza Gallo
P/1 - Primeiro eu quero te agradecer por estar aqui e estar recebendo a gente.
R - Então são agradecimentos dobrados, porque eu também tenho que agradecer. Estou feliz de ter essa oportunidade, de estar aqui recebendo vocês e participar desse projeto. Posso me apresentar aqui?
P/1 - Por favor!
R - Ok, então! Eu me chamo Marcio Teixeira Ferreira. Eu tenho aqui… Vou falar minha idade, todo mundo vai saber minha idade. Eu tenho 46 anos de vida. E eu nasci aqui nessa comunidade, não exatamente nessa casa, mas sim nessa comunidade. Meu pai, ele é do Rio Juruá, meu pai. A minha mãe é do alto, Alto Amazonas. A minha mãe é do Rio Purus. Eles se conheceram de dois afluentes, diferentes. Eles se conheceram aqui na nossa comunidade, e aí eu sou o mais velho da nossa família, dos meus irmãos, dos vivos, porque o primeiro meu irmão, ele morreu. A minha mãe, ela de resguardo, tinha aí, já próximo do mês do bebê nascer, ela se embalando numa rede, ela caiu e o bebê nasceu na sequência, ficou vivo oito dias e morreu. E como não tinha ali, não passou ali por um batismo, alguém, um vizinho mais próximo ali, batizou ele por nome de Manoel. Que Manoel é o nome do meu pai. Aí batizaram ele para enterrar. E depois disso, eu nasci, e aí, já estou aqui com 46 anos..….. Eu sou o mais velho da turma, dos vivos, porque como eu falei, o mais velho morreu. Nós somos oito irmãos vivos, nós temos ali, quatro homens e quatro mulheres, certo. E o meu pai, ele é a primeira pessoa desta comunidade que começou um trabalho turístico, né? Guia de selva, mateiro da floresta. Um belo dia, vocês vão ter o prazer de conhecer o meu pai, fazer essa entrevista. Ele vai contar essa história para vocês,...
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Entrevistada por Luiza Gallo
Comunidade Bela Vista do Jaraqui, RDS Puranga Conquista, Rio Negro, 15/11/2024
Projeto: Mateiros do Brasil
Entrevista número: MAT_HV001
Realizado por Museu da Pessoa
Revisado por Luiza Gallo
P/1 - Primeiro eu quero te agradecer por estar aqui e estar recebendo a gente.
R - Então são agradecimentos dobrados, porque eu também tenho que agradecer. Estou feliz de ter essa oportunidade, de estar aqui recebendo vocês e participar desse projeto. Posso me apresentar aqui?
P/1 - Por favor!
R - Ok, então! Eu me chamo Marcio Teixeira Ferreira. Eu tenho aqui… Vou falar minha idade, todo mundo vai saber minha idade. Eu tenho 46 anos de vida. E eu nasci aqui nessa comunidade, não exatamente nessa casa, mas sim nessa comunidade. Meu pai, ele é do Rio Juruá, meu pai. A minha mãe é do alto, Alto Amazonas. A minha mãe é do Rio Purus. Eles se conheceram de dois afluentes, diferentes. Eles se conheceram aqui na nossa comunidade, e aí eu sou o mais velho da nossa família, dos meus irmãos, dos vivos, porque o primeiro meu irmão, ele morreu. A minha mãe, ela de resguardo, tinha aí, já próximo do mês do bebê nascer, ela se embalando numa rede, ela caiu e o bebê nasceu na sequência, ficou vivo oito dias e morreu. E como não tinha ali, não passou ali por um batismo, alguém, um vizinho mais próximo ali, batizou ele por nome de Manoel. Que Manoel é o nome do meu pai. Aí batizaram ele para enterrar. E depois disso, eu nasci, e aí, já estou aqui com 46 anos..….. Eu sou o mais velho da turma, dos vivos, porque como eu falei, o mais velho morreu. Nós somos oito irmãos vivos, nós temos ali, quatro homens e quatro mulheres, certo. E o meu pai, ele é a primeira pessoa desta comunidade que começou um trabalho turístico, né? Guia de selva, mateiro da floresta. Um belo dia, vocês vão ter o prazer de conhecer o meu pai, fazer essa entrevista. Ele vai contar essa história para vocês, e ele vai contar direitinho como começou. Então, naquela época, tinha duas empresas na cidade de Manaus que trabalhavam com turista, que chamava-se Amazônia Explorer, que ainda existe até hoje, fazendo trabalho turístico, atividade, passeios. E Selvatur. Eram as duas empresa naquela época, nos anos setenta. E aí, desde lá, o papai começou o trabalho com a empresa turística. Quando eu nasci, meu pai já trabalhava com turista. Me criei nesse ramo de turista. Fazendo a atividade, passeio. Pra mim, o ramo turístico… Hoje eu sou funcionário público, graças a Deus! Tenho o meu emprego, sou grato a isso. Mas para mim, o trabalho turístico, ele foi uma escola, assim, de… Porque eu era um cara muito tímido, tinha medo de ver as pessoas, querer quase ir para debaixo da cama. Só para você ter uma ideia. E com o trabalho turístico, esse lado de timidez, eu fui deixando pra trás. Sei receber as pessoas, conversar com as pessoas. Então, hoje eu já não sou um cara tão tímido. E aí com o passar do tempo eu fui me tornando ali, um guia de selva também. Eu acompanhava meu pai nas trilhas, e ia aprendendo algumas coisas com ele. Até que então, um dia, eu fui fazer uma trilha com um grupo de turistas. Eu não lembro a época, nem a idade que eu tinha, mas aproximadamente meus onze anos de idade, era bem bem novo. Eu estava com o grupo de turista, eu acredito que em média de uns seis a oito turistas, e o guia, o intérprete, ele pediu pra me acompanhar porque ele não conhecia a selva. Eu conhecia, mas não tão bem, né?
P/1 - Essa foi a sua primeira trilha?
R - Eu tinha feito outras com o meu pai, acompanhando meu pai, mas sozinho essa era a primeira. E não tive tanto sucesso, porque eu me perdi. A palavra correta é: me perdi, não sabia a direção, e aí nós começamos a rodar, a rodar, nós varamos na beira de um rio, e eu não sabia, na minha cabeça eu imaginava que eu estava super longe. E aí, eu mais o guia, metemos o peito na água, caímos dentro d'água, e aí fomos mais fora, no aberto, e eu consegui lembrar que aquele local ali eu já teria passado com meu pai. “Mas eu já passei por aqui.” Mas eu não sabia mesmo assim onde era esse local. E era tão perto de casa. E aí, a gente voltou, e os turistas tudo agoniado, e já entrando em desespero, a gente já tinha passado do horário de retornar. E aí, de repente eu escuto o grito no meio da floresta, e aquele grito eu reconheci a voz, era do meu pai. E muita das vezes, eu sou um cara muito chorão, às vezes a lágrima vem no olho, em algumas cenas. E aí eu fiquei muito feliz de ouvir a voz do meu pai, e saber que eu estava em segurança naquele momento. E aí ele ficou gritando de um lado, e a gente gritando do outro, até se encontrar. Voltamos, ele levou a gente volta, pro barco. E ele me passou uma lição. Ele disse assim: “Olha, você precisa aprender, quando você estiver na floresta, que você não souber a direção, você retira sua camisa, retirar a camisa, aí você vira ela do lado avesso, aí você veste.” Eu não sei como pode chamar isso, se é crença, se é crendice, se é superstição, eu não sei, de verdade. E aí, uma outra vez eu estava ali, e aconteceu tudo de novo. Chegou ali um grupo de turistas, e as pessoas queriam que eu acompanhasse, como eu não tinha um conhecimento profundo ainda da floresta, tinha um primo meu, que morava comigo. Bom, ele estava passando uns dias com a gente ali, e ele acompanhou a gente. “Bora lá!” Turista, todo mundo animado. Bora! Chegou na mesma mediação, em média… Eu digo: “Olha, aqui eu tenho que parar, porque eu não conheço, aqui a gente volta.” Mas aí, o tempo estava curto ainda, de trilha, o cara disse: “Bora um pouco mais pra frente, a gente consegue, bora um pouco mais.” E nesse um pouco mais, a gente perdeu a direção. E aí eu me lembrei do que o meu pai tinha me falado: “Rapaz, quando você se sentir inseguro, você vai na direção, retira a camisa.” E aí eu inventei uma história para o guia: “Segura o pessoal aqui que eu vou ali em busca de um cipó d'água.” Que é um cipó que tem no meio da floresta, que a gente precisando pode estar utilizando para matar nossa sede. E aí eu disse: “Fica aqui, que eu vou em busca do cipó d`água.” Mas na verdade eu ia tirar a minha camisa, vestir ela ao contrário, fazer o que meu pai tinha me aconselhado. E eu fiz aquilo, tirei a camisa, virei ela do lado avesso, dei o nó que ele me aconselhou. “Vira do lado avesso e dá um nó.” E eu dei esse nó, e logo em seguida, eu andei ali uns quarenta metros, no máximo, uns quarenta metros, e eu varo na trilha, onde era a trilha que eu conhecia. E ao varar naquela trilha, eu deparei com uma cobrazinha, desse tamanho assim, uma cobra, posso dizer que amarronzada, fininha, mas muito rápida. Ela correu rápido, e entrou ali entre as folhas, a bucha, e sumiu da minha vista. Sumiu, sumiu mesmo. Eu já gritei pro povo: “Ó, chega aí e tal.” E lá tinha um cipó d'água mesmo ali, que na mata tem bastante cipó d´água. Inclusive, naquela época, a gente tinha o hábito de fazer trilha com os turistas, e tudo que a gente sabia que… A nossa vida é um aprendizado, a gente nunca sabe de tudo. Vamos morrer e a gente não vai ser capaz de aprender tudo, seja ela na informática, seja ela na construção civil, seja ela na mateiro, no português, na matemática. E a gente não vai conseguir aprender tudo. E a nossa vida é uma troca de informação, eu aprendo com o guia que está ali, o intérprete, o intérprete aprende comigo, eu aprendo com o próprio turista que está vindo, o turista aprende comigo. E naquela época, o nosso prazer de fazer o melhor para o turista era a gente apresentar da forma que a gente achava que era correto. Chegar lá: “Esse daqui é o cipó d 'água.” E cortava o cipó d'água, “thaaa”. Tirava um pedaço pequeno ali, oitenta centímetros, suspendia o cipó, e bebia água, dava para todo mundo beber a água, mostrava o fruto, explicava tudo para eles. Nossa, era um show! Todo mundo tirava foto, registrava. Com isso dava mais mídia, a gente acreditava dessa forma. Chegava ali, encontrava um mata-mata, que é uma árvore que tem na floresta, que a fibra serve para fazer corda, várias utilidades. Descascava tudo, fazia artesanato, fazia pulseira rapidinho ali na hora, para o turista. E a gente achava que aquilo ali tudo era uma maravilha. E aí chegava numa saúva, furava saúva, que é a árvore da borracha, o gomo tique, chiclete do Amazonas, do caboclo. Mostrava ali para o turista, furava a árvore, dava uma facada na árvore, ficava saindo leite, e ia embora. Vinha outro grupo, furava de novo. Com isso, as árvores iam morrendo. O cipó d'água, se eu cortar ele, aquele cipó água, ele morre. Hoje em dia, a gente trabalha completamente diferente. Eu fiz o curso de Agente Ambiental Voluntário, eu tenho certificado. E nesse curso de agente ambiental, a minha mente, ela mudou muito, deu uma clareada na minha mente.
P/1 - Que ano foi isso?
R - Foi em 2004, 2004 que foi feito esse curso de capacitação pela SEMA, aqui no Amazonas, no Rio Negro. Eu participei, eu fui um dos primeiros Agentes Ambiental Voluntário. Na época, nós éramos mais ou menos quinze. Desde lá já teve dois grupos a mais, de agente, já. Como é que eu posso dizer, capacitado, né? Eu não fiz mais a reciclagem, mas naquela época eu tive essa oportunidade, e passei a entender que tudo aquilo que eu fazia não era necessário. Eu só prejudicava a própria natureza. E que eu deveria continuar tendo meus próprios clientes, recebia os cliente, mas de uma forma diferente. Apresentar, mostrar, mas não cortar mais. E isso não vai afetar a nossa, o número de clientes, não vai afetar. Pelo contrário, eu acredito até que melhora, porque muitos deles, eles até agradecem que a gente não corta, não faz mais atividade. Não é necessário. Se a gente cortar nossas árvores lá, algumas delas, elas se regeneram, se recuperam, mas outras não, outras morrem mesmo. E aí morreu, você não vai ter outra história. E o turista, ele fica super feliz, que quando você explica, e que você conta essa história: “Olha, eu não vou poder cortar, eu não vou poder furar, porque se eu furar essa planta vai morrer, e outras pessoas não vão ter a mesma oportunidade que vocês estão tendo.” Eles aplaudem a gente, é gostoso. Entendeu? Então, é falta de conhecimento mesmo, que a gente fazia. Pra mim, eu digo mesmo com sinceridade, eu me sentia o máximo, mostrar da forma que eu fazia. Mas não era a forma correta. A nossa vida no passado… Hoje em dia a gente tem internet, tem luz. A gente tem luz, do programa Luz para Todos, já chegou luz na nossa comunidade, parte do Rio Negro já chegou a luz. Falta muito, vai embora, vem temporal, derruba árvores em cima da rede, da fiação elétrica, fica sem luz. A gente já ficou aqui quatorze dias sem luz, fica horas, fica dois, três dias, sete dias. Mas a gente tem luz e tem internet. E no passado, no passado, tudo era difícil. Hoje a gente tem água, água de poço, poço artesiano. Cara, eu tenho uma história, se eu for passar o tempo de história, a gente nem sai daqui, a gente nem saia daqui. A nossa água, do nosso consumo, era água retirada do rio, do Rio Negro mesmo. Era água pra gente tomar banho, era água para fazer a comida. Aí, a gente usava a água da chuva também, aparada na bica, na calha, aparava no balde. E assim, nem imaginava ter uma água de poço. Para tomar banho, a gente tinha que ir lá no Rio de manhã, a tarde. Para lavar louça, você tinha duas opções, ou você enchia a bacia com louça suja e descia para a beira e lavava e subia com ela com a louça limpa. Ou você descia com um balde, e carregava a água para cima, e lavava a sua louça em cima. Você tinha duas opções. E para tomar banho, para fazer comida, tudo era água carregada na cabeça, na lata. E hoje em dia não, Graças a Deus, a gente já tem essa mudança, né? E uma vez gente, nosso organismo, ele se adapta a cada realidade, a cada clima, a cada… Porque nós seres humanos, nós temos o nosso organismo muito perfeito. Gente, uma vez eu, em busca de alimento, de noite, fatiando. Fatiar é com uma lanterna, pode ser de pilha, pode ser lanterna de bateria, e a gente usa uma canoazinha pequena, que cabe no máximo duas pessoas. Tem que ser pequena mesmo, porque a gente vai andar no Igapó, que é onde a água e a floresta ficam dentro da água. A gente vai lá no cerradinho mesmo, por dentro das águas, então a canoa tem que ser pequena. E aí, a gente vai focado dentro da água, encontrar o peixe. A gente vai zagaiar, com o nosso equipamento, com a ferramenta nossa, que é a zagaia. E os três bicos de ferro, com pedaço de madeira, uma lança. E aí, a gente usa a espingarda também, na canoa, que se de repente se ouvir ali um tatu, ou uma paca, um veado, uma anta, a gente vai matar o animal, que é o nosso alimento. A gente se alimenta de caça, de peixe. E aí, um dia, eu fazendo uma atividade dessa, cara, eu estava ali com muita sede, era verão, e quente a noite, e eu com muita sede, rapidinho, eu espanando aquela água. Porque quando o rio começa a secar, fica muita fuligem em cima da superfície da água. Aí, eu espanei aquela água ali para eu beber. Quando eu espanei aquela água, que eu foquei com a lanterna, eu vi muitas coisinha assim, fervilhando naquela água, assim, bem minusculosinhos, mas muitos. Eu digo: “Eu não vou beber dessa água, não, que tá muito suja”. Aí eu andei um pouco mais, ai eu digo vou beber água aqui agora. Eu abri de novo, limpei tudinho, continuava do mesmo jeito. O certo é, que eu não bebi água nessa noite, enquanto eu estava pescando, quando eu cheguei em casa, que não é exatamente nessa casa, era uma outra casa que eu tinha já com a minha mulher, com a minha família. E aí eu bebi a água. Normal! Lá nessa casa que eu morava na época, eu tinha um motorzinho de luz já, tinha uma bomba sapo, e eu ligava a bomba sapo lá do Rio, e puxava a água para a nossa caixa d'água. Essa experiência aí eu fiz, ninguém me ensinou, mas eu fiz e percebi que o que eu tinha visto lá no Rio durante a noite, a água que eu estava consumindo na minha casa, do Rio, estava cheia daquelas larvinhas lá, que eu tinha visto durante a noite. E aí, eu deitado, num belo dia, eu me lembrei daquilo. Peguei um copo de vidro, com água vindo da minha caixa d'água, que era água do rio, botei no meu copo. E aí, esse copo, eu tinha bebido a água, normal, e sobrou um pouco d'água, e eu deixei esse copo em cima… Posso dizer que na varanda, naquela varanda, o sol ia virando, e a luz do sol chegou aonde estava o meu copo com água. Parece ali um microscópio. Quando eu fiquei olhando para aquele meu copo, que eu já tinha bebido a água, daquela água, lá no meu copinho, com a luz do sol penetrando ali no meu copo, estava cheio de bichinhos. Caraca! Eu estou tomando a água do rio, e essa água, bebi a minha vida toda, e quantos milhares de micros, sei lá, como é que a gente pode dizer. Não sei qual é a palavra correta para esses insetos. Mas o nosso organismo, ribeirinho, caboclo, indígena, não tem esse… Agora, mas se pegar a água lá do rio, botar na luz do sol lá, você vai ver os bichinhos. E no olho cru, normal, você não consegue ver. No limpo, na luz do dia, você não consegue ver. É incrível. Nunca tinha visto. E depois disso eu fiquei um pouco mais de receio. Aí, vem meios de saúde, porque quando a minha mãe ficou grávida de mim, não existia atendimento médico na comunidade. Ela tinha que ir para Manaus, fazer o pré natal. Então, quando ela foi para o pré-natal, ela falou com a enfermeira, e disse: “Não, seu bebê, está tudo bem, e ele vai nascer daqui uns dias, está tudo bem com você”. Ela voltou para casa, e assim que ela voltou, eu nasci. Eu nasci em Manaus. Eu me refiro que nasci aqui mesmo, na minha comunidade, porque nasci lá por acidente. Depois de dois, três dias que eu nasci, ela retornou para nossa casa, onde ela vivia com o meu pai, e daí estou até hoje aqui na nossa comunidade, nunca viajei para uma outra capital, só conheço a cidade de Manaus mesmo. E tive essa experiência. Hoje, depois que eu estou acostumado a beber a água do poço artesiano, eu ainda bebo a água do rio. Mas existe uma grande diferença. Lá no passado, quando meus familiares vinham da cidade para o interior, que a pessoa gosta… Mora numa cidade, mas em uma oportunidade, ele gosta de dar uma visitada no interior, é um ar fresco, é um ar puro. Quem não gosta? Todo mundo gosta de tomar banho no rio, na praia, um banho de cachoeira. E eles vinham. Quando eles bebiam da nossa água, que era do rio. A gente tinha um pote de barro, pote antigo de barro, carregava a água de lá, botava um pano limpo na boca do pote, e jogava a água dentro, e bebia daquela água sempre. E aí, hoje eu estou acostumado a beber água do poço. Se eu for beber água do rio, ainda bebo, mas eu sinto uma diferença. E quando aquela minha família chegava, que bebia água do rio, dizia: “Nossa, essa água é muito ruim, não mata a sede.” Eu dizia: Tudo metido! Tudo mentido! E agora o metido sou eu. Porque eu bebo, eu bebo tranquilo, se eu tiver necessidade eu bebo. Mas existe uma diferença. Parece que a água do rio parece que é grossa, ao descer na garganta da gente, a gente percebe uma diferença. E a água do poço artesiano, parece assim, que ela desce tão macia na nossa garganta, tão gostoso de se beber uma água dessa. Mas hoje eu consigo perceber essa diferença. Mas graças a Deus, hoje já tem água encanada na minha pia, tomo banho de chuveiro. Mas a gente já passou por dificuldades, e isso é bom para o nosso aprendizado. Porque é isso que deixa a gente mais forte, a gente saber cuidar da natureza, saber preservar. Porque se eu vou caçar um animal, tem coisas que… Logo quando eu comecei a atirar de espingarda, para se alimentar, meu pai, que era o homem da casa, meu pai que caçava, e quando eu comecei a caçar, a minha primeira caça, que eu atirei, foi um tatu. Foi um tatu. E aí, gente, esse tatu… O homem, ele é um animal, nós seres humanos, a mulher também, todo mundo é capaz. Ele precisa sobreviver, ele se transforma, vira realmente quem ele precisa ser naquele momento. Então, primeiro a minha caça foi um tatu. Eu atirei nesse tatu, a gente chama aqui pólvora preta, que é a munição que você carrega o cartucho. E quando eu atirei, ficou tudo um fumaceiro só, porque aquela pólvora, ela… fumaça muito. Hoje, você compra o cartucho, ele é um outro tipo de munição, que você só escuta o barulho, mas você não vê fumaça, entende? Então, naquela época, o meu cartucho era carregado com pólvora preta. Quando eu atirei, pow! Eu só escutei o barulho do meu cartucho, e não ouvi barulho de tatu, só vi um fumaceiro. Aí, eu digo: “Eu acho que eu errei”. Aí eu saí andando para lá. Na verdade, eu tinha errado, mesmo, mas eu não sabia que eu tinha errado. Eu pisei em cima de uma palha seca, esse tatu saiu debaixo dessa palha correndo, e eu sai correndo atrás dele. Eu corri, pega aqui, pega acolá. Eu achava que eu tinha baleado esse tatu. E esse tatu correu… Ele não correu tão longe não, ele correu acho que cerca de uns cinquenta metros de distância, e entrou num buraco, muito rápido. Mas assim que ele entrou no buraco, eu também já fui metendo a minha mão, e segurei ele pelo rabo. E segurei ele no rabo, e fui, e fui, e fui, arrastando ele, até que eu consegui arrancar ele. Quando eu arranquei ele do buraco, seguro ele no rabo, eu já girei… De noite isso, gente! Eu já girei, já bati ele assim, tufff! Na árvore, aí ele morreu. Porque eu bati com tanta força, que ele não aguentou e morreu mesmo. E eu cheguei em casa, morto de alegre, que tinha matado um tatu. Mas eu pensava que eu teria baleado esse tatu, mas eu não tinha baleado. Eu matei ele por ter se transformado num animal, num jaguar, numa onça, uma fera ali, em busca de alimento. Entendeu? Porque se eu não tivesse continuado, porque eu sabia que eu precisava, ele teria escapado, teria sobrevivido. E foi uma festa para mim. Eu matei minha primeira caça, um tatu.
P/1 - Esse era o alimento da casa, da noite?
R - Exatamente. De noite. Nossos hábitos de caçar, a gente caça durante o dia e durante a noite. Existem caças que aparecem mais durante o dia, e caças que aparecem mais durante a noite. Por exemplo, as cobras peçonhentas. As peçonhentas que a gente chama, são as venenosas. Elas andam de dia também, mas o hábito delas são noturno. Então, as cobras que andam durante a noite, hábito noturno, normalmente são cobras venenosas. Entende? E aí, por exemplo, a paca. A paca é um animal roedor, que nós temos na nossa região, mas que você pode encontrá-la durante o dia sim, pode encontrar, mas que é um animal noturno, o hábito dele é noturno. O tatu, a gente pode encontrar o tatu durante o dia, mas o hábito dele é noturno. O veado, já é mais fácil de você encontrar durante o dia. O porco, é durante o dia. Nós temos dois tipos de porco, é o caititu, que é um grupo de seis a quinze porcos, em média. E tem o grupo de queixada, que é o… Estou esquecendo aqui. Não sei como seria para vocês. A gente chama de queixada, que é um grupo grande de porco, para nossa região, ele dá aí em média de cinquenta a oitenta porcos, talvez até mais, talvez até cem. Em outras regiões dá muito mais, 150 a trezentos porcos. Para nós não é tanto. Mas é o queixada. Só são hábitos diurnos. Entendeu? Então assim, nós, eu sempre comi qualquer tipo de caça, qualquer tipo de peixe. Eu já comi peixe elétrico.
P/1 - O que?
R - Um peixe elétrico. O peixe elétrico, é o peixe que dá choque. Não sei se você já ouviu falar, mas esse peixe elétrico, ele dá choque mesmo, choque de 110 volts. E ele acende a lâmpada, se você tocar os fios, ele acende a lâmpada. Inclusive, no passado existia o maior hotel da região amazônica, que era o hotel Ariaú Towers, que hoje ele é falido, que já acabou até as estruturas, acabou tudo. Lá nesse hotel, eles tinham um aquário, onde existia um peixe elétrico, onde o turista chegava lá, utilizava os dois cabos, ligando um na cabeça e outro no rabo, e a lâmpada acendia, o peixe elétrico. E esse peixe elétrico, eles, ele dá um choque em você pela sua sombra. É incrível. Você vai na canoa remando, se você vê o peixe elétrico lá, você não faz menção nenhuma, deixa ele passar pela sua canoa, e está tudo bem. Mas se você fizer uma menção de querer cacetar ele com o remo, com algo, você não precisa nem triscar nele. Você já recebe a carga elétrica, e não é fraca não. Eu digo, porque eu já peguei choque do peixe elétrico.
P/1 - Já aconteceu isso?
R - Já aconteceu comigo.
P/1 - Como foi?
R - Uma vez, a gente estava pescando de mergulho, eu e o meu cunhado, o irmão da minha esposa. Em outra comunidade, no leito do igarapé. O rio secou e ficou só o córrego do igarapé, é lá ficam muitos peixes, várias espécies, cará, tucunaré, traíra, arraia. Arraia é perigoso. E aí, a gente… É uma forma da gente pegar o alimento super rápido. A gente usa uma máscara de mergulho, boto aqui só para poder enxergar, com os olhos abertos dentro da água. É como o leito do igarapé, tem partes que dão quarenta centímetros, cinquenta centímetros, um metro, você mergulha rapidamente e também sai rapidamente para respirar. Não é preciso equipamento para respirar, entendeu? E aí você utiliza uma barra de ferro, um vergalhão de ferro, a gente faz um arpão caseiro, usa uma liga, aquelas ligas de soro, que tem nos hospitais, que a gente utiliza para fazer baladeiras, estilingue também, né? Que é para caçar pássaros, etc. A gente usa para fazer um arpão, a gente faz… Pega o vergalhão do ferro, achata ele, faz a lança na ponta do ferro e bota essa liga, que é para poder armar ele, da pressão. E aí, numa mergulhada que eu dei atrás do peixe, lá no fundo, tinha um peixe elétrico embaixo das tronqueira lá, e quando eu mergulhei, ele se defendeu e me deu um choque que eu saí de lá maluquinho. “Filha da mãe, você me deu um choque!” Aí o meu cunhado: “Para aí que eu vou lá!” Foi lá, também pegou o dele. E aí a gente fica um pouco estressado, né? “Nós vamos matar, e nós vamos comer ele”. Aí, nós fomos, tiramos um pau. Se você pegar uma árvore, que ela tem a vida, a árvore, é uma árvore que você cortou ela, ela tinha vida, você cortou. E se você cutucar ele, você vai receber choque. Se você pegar uma árvore, que está morta e que ela não tenha âmago, você consegue mexer com ele, e ele não transmite o choque para você. Entendeu?
P/1 - Qual é a diferença?
R - Aí, você tem que conhecer que é uma árvore morta, já velha, e que não é uma árvore que tenha âmago, que seja uma madeira… A gente chama madeira branca. Que a madeira vermelha, a madeira que tem o centro, que é o âmago, esse daí é mais duro, e através desse âmago. Eu não sei qual é o meio que acontece, que ele transmite esse choque. E nós fomos atrás, saímos atrás de um pau mais fraco, que não teria como ele passar o choque para a gente. E a gente conseguiu acertar esse bicho lá no fundo, e conseguimos matar. Levamos pra casa, fizemos a rodelazinha. É um peixe gostoso, tem bastante espinha, a carne dele é diferenciada, ele tem tipos de carne diferente. Não sei te explicar, mas ele é muito gorduroso, quando se está fritando ele, quanto mais tempo passa na frigideira, aquela carne vai se diminuindo, se você ficar muito tempo lá, não vai ter nada para você comer. E aí, a gente comendo o Poraquê. E aí, gente, eu como de tudo, como jacaré. Jacaré pra mim, ganha de uma galinha. Já teve situação na minha família, eu com a minha esposa e minhas filhas, que a gente não tinha nada para comer, nada mesmo, estava difícil. Às vezes, fica farto, tem muito peixe na nossa região, e às vezes, fica difícil. Normalmente, quando se está, agora, no mês de novembro, vem a água nova. O rio começa a encher, está enchendo agora, já começou. E aí os peixes ficam escassos, e aí fica mais difícil o alimento. E você tem que ter alternativa, tem que conhecer a região para saber como sobreviver. Se você tiver a malhadeira, utensílios, se você for pescar no rio, botar a malhadeira, conseguir pegar o peixe. Se o boto deixar, porque o boto ataca a malhadeira, ele acaba a malhadeira da gente. E aí, um dia, nós não tínhamos nada que comer. Digo: “Vou em busca de jacaré”. Estava alagado, as ilhas estava tudo alagado, super cheio. Vou atrás de jacaré. Fomos lá, matamos três jacarés médios, não tão grandes, com um metro e pouco. O jacaré grande, quatro metros, aqui na região tem, de quatro metros, jacaré, quatro metros e pouquinho, jacaré-açu. Já pode comer um ser humano. Isso é perigoso para a Associação. Então, nós, se a gente ver um bicho desses próximo da nossa região, além de servir de alimento, a gente mata ele pra tirar o risco de ele pegar alguém. E aí não se estraga, porque fica gente querendo, e não tem mais carne pra dar pra ele, porque todo mundo quer. Entendeu? Ninguém vende, todo mundo que um pedaço, todo mundo come. Fui lá, matei o jacaré, a gente tempero, e no outro dia tinha comida suficiente para a gente comer. Da selva, da floresta, eu… Tatu, paca, veado, porco, anta, tudo, tudo, eu como. E é muito gostoso. Macaco, macaco eu tenho uma história para contar para vocês. Macaco, sempre comi macaco.
Meu pai… Começou primeiro pelo meu pai, mas eu tenho certeza que ele vai fazer parte desse projeto, e com certeza ele vai contar essa história, eu vou deixar aqui registrado só o início. O meu pai, ele passou pela mesma experiência que eu. Hoje ele não come mais macaco, porque um belo dia, ele estava caçando alimento também, como todos da região. Tem algumas pessoas, minha filha, por exemplo, a Jasmim, ela não é a mais velha, digamos, a do meio. Tenho cinco filhas, cinco filhas, todas mulher. Hoje já não faço… fui operado, minha mulher também foi operada, já para, já está bom, já de população da nossa família no mundo. Já chega! E aí, meu pai caçando, ele atirou em uma macaca, que é do tipo bugio, pra você, que para nós é a guariba. Viu, essa guariba, dependendo do caçador, é um dos tipos de macaco mais difícil para se matar, que essa espécie, ela tem a ponta do rabo dela, da cauda dela, ela tem a solada de couro, couro sem pêlo, então ela, só a pontinha dela consegue se segurar. Então, os caçadores profissionais mesmo, quando ele topa um bando de guariba, ele espera o momento certo para ele poder atirar. O momento certo é, quando o macaco… dá o ponto certo para ele saltar, de um galho para o outro, na hora do impulso, é a hora de ele apertar o gatilho. Nessa hora ele passa direto e cai. Mas se ele atirar de qualquer um jeito nessa espécie de macaco, muita das vezes ele seca a cartucheira, e não consegue derrubar. Às vezes, ele tem que trepar, para derrubar, porque só a pontinha do rabo dele lá, ela engata, e não cai, vai cair de lá quando estiver se desfazendo, entende? E uma vez, meu pai atirou em uma macaca dessa, e a macaca estava de filhote, e aí, essa macaca, ela pelejou muito para tirar o filhote das costas. Quando ela conseguiu tirar o filhote das costas, e deixou em cima do galho, na árvore, ela se jogou e caiu. E aí, eu vou deixar o restinho da história para o meu pai com certeza, contar. Mas por esse motivo ele parou de comer o macaco.
P/1 - Ele te contou essa história?
R - É! E eu vivia com ele, na época. E aí meu pai foi a primeira pessoa da família a deixar de comer macaco. E eu ainda comia macaco, não comia mais, porque meu pai também não matava mais. Mas depois que passei a ter minha família, eu comia macaco. Então, numa oportunidade eu estava em busca de utensílio para fazer minha casa, mas a minha esposa, a gente era casado, jovem, e aí a gente precisava construir a nossa casa… Ah, tem uma coisa interessante. Eu acho que isso é mundial. Existe um ditado bem popular, que quem casa, quer casa. Pra mim não é diferente de muitos outros casais. Não dá certo você se casar com sua esposa, ou esposo, e morar na residência do pai, ou do esposo, ou da esposa. Não dá certo! As primeiras duas, três semanas, são uma maravilha. Os próximos três meses, não vão dar certo. Você vai ter que… Ou separar, ou do pai, ou da mãe, ou da esposa, ou do esposo. Quem casa, quer casa. Tem que ter o seu. E eu já estava ali na casa do meu pai, da minha mãe, acho que, não tinha um ano não, mas as coisas já estavam ficando bastante complicadas. A convivência não dá certo. Então, eu decidi mais a minha esposa, ir para a floresta. Não tínhamos condições de fazer uma casa grande, fomos para a floresta retirar a madeira e palha, palha de palmeira para fazer o teto. Quando nós estávamos lá tirando a palha, de repente veio um grupo de macaco, e aí é um alimento para nós, caboclo. Aí eu parei rapidinho, fui atrás do bando de macaco, e de repente, passou um, porque não dá para a gente escolher, esse daqui ou aquele, não dá! O primeiro que der certo, a gente aproveita. Então, eu atirei nesse macaco. Era uma macaca fêmea. Quando essa macaca caiu, que eu cheguei lá para juntar ela, eu vi que ela estava com um filhote nas costas. A macaca estava morta, o filhote estava vivo. Eu arranquei o filhote da mãe, quando eu arranquei o filhote da mãe, eu vi algo pendurado na barriguinha dele, assim. Aí chamei minha esposa, nós olhamos, era a tripinha dele que estava de fora. Então, um cartucho comprado de fábrica, ele traz em média vinte baguôs de chumbo. Dependendo da espécie de caça, você compra o cartucho para caça certa. Por exemplo, para matar uma anta, o cartucho que você vai comprar, ele não tem que ter chumbinho, ele tem que ter um balote só, só uma bala, que é uma bala grande, para derrubar a anta. Mas para matar o tatu, a paca, não tem que ser um balote, que esse daí vai acabar com o seu animal que é pequeno. Aí, tem que ser um que tenha vinte ou 24, em média, pequenos balhos, que são os chumbos, que a gente chama. Então um chumbo desse atravessou a mãe e atravessou o filhote. O chumbo entrou no toco do inimigo dele e varou o espinhaço, nas costas do filhote. E aí, rapidinho, eu tirei a casca do mata mata, que é a envira que tem no mato, para fazer como se fosse ali uma atadura, prender aqui. Nós empurramos a tripinha dele de volta para dentro, e aquele cuidado todo, aquele carinho todo. Aí amarrei. Abandonamos o trabalho lá mesmo, no meio da floresta, para o centro da mata e voltamos pra casa. E aí, dá leite daqui, dá alimento, e sobreviveu. A espécie chamada de macaco prego. É uma espécie bastante estressante, ela. Mas passou a ser da família, né? A gente tratava como uma pessoa da família. Essa macaca, como eles são bastante estressados, ágil, rápido, inteligente. Essa espécie de macaco, se você ensinar ele pegar uma faca… Tem até vídeo, você vê na internet. Pegar uma faca e amolar no esmeril, eles são bastante inteligentes. E ela era muito danada. A gente trabalha com turista, recebendo população, então ela pulava em cima da mesa, pegava o pão, pegava… E aí não estava dando certo. Mas eu precisava devolver ela para a natureza, porque eu não queria manter ela presa em uma gaiola, a gente não gosta dessa atividade. Então, eu deveria devolver para a natureza. Quando eu fiz o curso de Agente Ambiental, eu aprendi que a gente retirar o animal do seu habitat, é crime. Mas se você por algum motivo retirou esse animal do seu habitat natural, e se você tem ele em sua casa, então é seguro que você mantenha ele em sua casa, e não devolver para natureza, porque esse animal foi criado de uma forma completamente errada do hábito dele, né! Natural dele. E se você devolve ele para a natureza, ele não tem o hábito natural dele, ele pode morrer de fome, e os outros amigos dele, da mesma espécie, podem matar ele, porque eles estranham. Ao receber o animal da mesma espécie, mas eles estranham e vão bater, bater, que pode correr o risco até de matá-los. Então, o seguro é se você tem, você cuida dele como deve cuidar direitinho. O certo é você não retirar ele de lá, né! Mas como tinha passado por essa experiência, aí eu digo: “Vou tentar devolver ele para a natureza”. Gente, eu andei mais ou menos uma hora de trilha no meio da mata, com ele colado no meu corpo todinho. Ele não sabia que eu iria fazer isso. Lógico, né! Quando eu cheguei lá, muito tempo na mata, eu peguei ele pelo rabo aqui, assim, joguei ele lá em cima, ele grudou na árvore. Quando ele grudou na árvore, eu corri, corri por outro destino, por outro lado de onde eu tinha vindo com ele. Conhecia bem a floresta. Corri, corri, corri. Cheguei em casa, nossa casinha de palha, mais ou menos quatro metros, por três de largura, piso no barro mesmo, no chão. Era lá que era a nossa casa, minha e da minha mulher. Aí, eu bem deitado, na minha redinha lá, se embalando. Quando eu pensei que não, senti o impacto no punho da minha rede, que eu olho, era a minha macaca, chamada Paola. Na época tinha uma novela da Globo, que tinha uma atriz, que tinha esse nome de Paola, e a gente deu o nome da macaca de Paola. Jesus, como é que esse animal conseguiu voltar lá de muito dentro? Voltou de lá. Eu chorei. Chorei, não tem como, não tem como. E aí, começava… Ela saia da nossa casa… Da minha casa para a casa da minha mãe, devia ter uns cinquenta metros, setenta, talvez. E ela ia muito pra casa da mamãe, a mamãe estava com uns clientes lá, e ela ficava se danando, era aquela coisa. E minha irmã, na época, eu não sei, talvez seis anos, talvez, ela sem experiência, pegou a minha macaquinha, que era super mansa, e aí pegou um vaso de um de alumínio, e pegou a minha macaca, botou ali, botou o vaso em cima, tampou a macaquinha, coberta com vaso. Pegou uma pedra, botou em cima do vaso. No dia seguinte, cadê a Paola? Cadê a Paola? Cadê a Paola? E a Paola não aparecia. E aí a minha irmã, ainda bebê, criancinha ainda: “Mano, mano, eu prendi a Paola, eu prendia a Paola.” “Onde está a Paola?” “Tá ai ó, ta ái!” Nós chegamos lá, gente, a Paola estava dura, tinha morrido. Então, essa convivência de animal e ser humano, isso é uma história triste, porque a gente matava. Atirei na mãe, matei a mãe. Mas para mim foi o suficiente, que eu tive outra experiência também, com o macaco também, que não é boa experiência, mas foram essas duas experiências, que o meu pai passou por uma, deixou de matar macaco e comer macaco, e eu passei por essa, do bebê, salvamos o bebê, mas mesmo assim, eu ainda comia macaco. E aí, depois, da mesma espécie, eu atirei, topei um grupo de macaco, atirei em um, caiu, e eu continuei correndo, atirei no outro, ele caiu. Ai, parece uma história de caçador. Nossa, é bom de tiro, né! Aí, eu juntei esse segundo, voltei para o primeiro. Quando eu cheguei no primeiro, esse primeiro, ele estava escalando a árvore, voltando, baleado. Lógico, ele não estava bem. E aí eu cheguei ali, a árvore era fina, cheguei lá na árvore, peguei a árvore, balança, balançava, balançava, até que ele caiu. Quando ele caiu, ele ficou rodeando a árvore, eu correndo atrás dele, para pegar ele. E aí, numa situação, eu peguei um tronco de madeira, que quando ele se deparou comigo, ele se virou e botou a mão na cabeça, assim. Mas eu naquele momento, eu não tive dó. A gente, como eu disse, o ser humano, ele é um animal. E aí eu cacetei ele, queria saber de matar para o meu alimento. Eu levei esse animal para minha casa, eu não comi, porque esse animal, ele passou mais de hora sofrendo, não morria, ele ficava todo tempo ali. E aquilo ali não deu! Aquilo foi a gota d'água, foi o último cartucho que eu gastei num animal, na espécie macaco de qualquer espécie. Não, não atiro mais na mata. Macaco, agora eu posso dizer, que agora, pelo menos o macaco é meu amigo. Os macacos. Não mato mais. Mas é aquela cena que eu… Como é que eu posso dizer? Convivi mesmo com um animal. Dói até contar, entendeu? E deixei de comer mesmo. Então, são essas as coisas que vão mudando a nossa mente. Nosso antepassado. A gente vai aprendendo com os nossos pais, vai passando para os nossos filhos. Mas hoje em dia, a vida de hoje em dia está muito mudada, muito. A internet é algo bom pra gente usar para coisas boas, por exemplo, se comunicar com vocês, resolver nossos negócios, conseguir clientes para nossas atividade turísticas, é bom! Mas se a pessoa pender pro lado errado, vai fazer coisa errada. Vai muitas das vezes se dar mal. O certo é, que é a cultura, a nossa cultura, ela está ficando esquecida, podemos dizer assim. Nossos hábitos estão sendo esquecidos. Que lá no passado, como eu disse pra você, a gente cortava tudo para mostrar para o turista. Eu aprendi que não se deve fazer isso, que eu posso mostrar, que eu posso preservar, que esse é o certo, que esse é o melhor para mim e para o planeta, né! Mas a gente tem que trabalhar com turista, a gente preserva o máximo possível, a gente aprendeu, a gente vendo o lado errado, que era cortar, que a gente aprendeu que é melhor a gente não cortar. Mas existem famílias que sobrevivem com a retirada, extrativismo, que é uma outra realidade, entende? De quem trabalha com atividade, é uma outra realidade, completamente diferente. Tá certo! Mas a gente vai mudando o nosso aprendizado, e a gente muda conforme o que a gente… O que o mundo tem a oferecer para a gente, a gente muda. Eu mudei, não mato mais macaco. Eu mudei, não corto as plantas para mostrar para o turista. Então, a gente muda conforme o que a oportunidade oferece para a gente. Mas as pessoas que sobrevivem do extrativismo, madeireira, eles não pensam dessa forma. Eles pensam em destruir, e destruir, doa a quem doer, prejudique a quem prejudicar.
P/1 - Aqui na comunidade tem esses conflitos?
R - Tem, tem! Eu mesmo, nessa comunidade, eu já tive conflito com um madeireiro, inclusive, fui para agressão física, na floresta, tentando proteger a floresta, proteger a área onde meu pai trabalha com trilha de turismo, que eles destruíram completamente. Nós temos alunos de São Paulo, que vêm todos os anos para fazer atividade, trilha, passeio na floresta, acampamento, dormir na floresta. Mas se a nossa floresta é destruída, nós vamos oferecer o que, entende? E aí, a gente falava com essas pessoas: “Não desmata! É o teu trabalho? Procura outra região, mas não a região que a gente trabalha”. Eles continuaram teimando. E um belo dia, a gente estava com turista, papai estava com turista, e eu fui na trilha, quando cheguei lá, estavam serrando um lado da trilha. Fui conversar com eles. Eles vieram com ignorância, e eu fui com ignorância, no português, brabo, fui para a porrada com os dois. Parece Bruce Lee, né? Lá na face negra. Aí, fui para a porrada com os dois, no meio do mato. Sendo que de lá eu saí com minha mão cheia de espinhos, que eu abracei a árvore de espinhos com as mãos assim. De lá eu saí direto para a casa do papai, e avisei o papai, avisei a minha esposa, avisei minha irmã em Manaus para vir buscar. Fui na delegacia, fui no Corpo Delito, fui na Sema, fui em tudo quanto foi setor, denunciei o desmatamento. Que só conversar não estava mais adiantando. E com isso, você só arranja inimizade, em proteger a floresta, você só arranja inimizade. Mas enquanto nós estamos vivos, a gente continua lutando pela floresta, em pé. Porque é dela que nós precisamos para sobreviver, e para apresentar os nossos trabalhos, entende? Então, se tem alguém que está lá invadindo, nós vamos lutar, a favor de ela estar lá. E esse é o mundo de hoje. Aí vem todas as mudanças, mudanças climáticas. No passado a gente teria, tipo um calendário na cabeça. Esse calendário, esse ano, quase deu certo.
P/1 - Como que é?
R - O rio começa a secar, você diz assim: “Ah, o rio vai encher a partir do dia dois de novembro, em dia de finados”. Esse aí é o calendário dos nossos antepassado, do meu pai, do pai do meu pai. E sempre era assim. Dia dois de novembro, dia de finados, para nós, dá primeiro repiquete, a água começa a subir, voltar, o rio começa a encher. Às vezes, ele subia, subia, subia, ele para, fica ali um tempo, e depois continua subir, até mês de junho, é quando a água começa a voltar. E aí com essas mudanças climáticas, esse calendário que está na mente da população, antiga, não está batendo mais. Nós vamos começar a fazer um pequeno roçado, no mês tal, para plantar mandioca, produzir a sua farinha, porque nessa época tem sol. E aí, podemos botar nossa roça, que depois vai vir a chuva. Agora tome sol, tome sol. Se você botar um roçado e for querer botar fogo, aí mano, aí só Jesus. Aí as pessoas já têm que tomar cuidado, já não fico mais botando roçado. Aí espera. Meu pai, por exemplo, tem um pedaço pequeno, espera chover, chover, para que essa natureza fique úmida lá dentro, e esse fogo não se alastra. Porque nós tivemos muitos focos de incêndio, próximo mesmo, na comunidade mesmo teve também, a gente foi lá ajudar a apagar. Graças a Deus controlamos. Mas na época, aqueles costumes tocavam fogo, não precisava fazer aceiro, porque para nós plantar, nossa mandioca, se a gente plantar na terra crua, não dá. Só se a gente queimar. Nos outros estados, se plantar com a terra crua, dá. Mas porque lá, lá tem maquinário, lá tem trator, lá tem tudo pra regar a terra. E aqui só através do fogo. Mas aí o fogo vai tirar toda a proteína do solo, quando vem a chuva. Mas a roça, se não botar o fogo, não fica uma roça boa. Claro, se tiver o maquinário revirar, com certeza vai dá. Mas aí, esse hábito de botar o fogo lá, não deve continuar, porque antes botava, não ligava, ele morria, entrava dez metros ali do aceiro, já que a floresta estava úmida dentro, já apagava. Agora não! Diferente, né? Aí, o rio começa a encher tudo doido, uma hora ele enche, aí outra hora seca, seca super grande. Sinceramente, quem sabe de tudo é Deus. Quero aqui dizer para vocês, que é minha religião, ela é uma religião católica, mas eu sou um católico que mora em frente a Igreja Católica. A Igreja Católica está a setenta metros longe da minha casa, mas eu nem lá vou. Minha religião católica. Não tenho nada contra nenhuma religião, qualquer religião, desde que não venha falar do inimigo de Deus. Qualquer religião que disser aqui: “Amigo, dá licença. Bom dia! Posso ter dois minutos da palavra aqui de Deus para você?” Seja bem vindo! Na minha casa as portas estão abertas. Então, não tenho nada contra nenhuma religião. Se um dia eu tiver de mudar de religião, que seja pela vontade de Deus. Jamais irei mudar a minha religião, influenciado porque o fulano diz: “Não, essa religião é boa, essa religião que é a boa, ou essa é a que acerta? Não, não sou desse jeito. Então assim, para mim, quem sabe é Deus. Mas eu acredito que no ano que vem a seca deve continuar, e provavelmente repetir vários outros anos, talvez até voltar ao normal. Agora que está certo somos nós, ou os antigos, bem antigos. Porque hoje se você anda na beira do rio, lá no fundão, onde era fundo, e que hoje está de fora, vai estar pedras carimbada pelos indígenas, registros indígenas, que nós no mundo de hoje, se não tivesse essa seca grande de hoje, nós não teríamos o conhecimento que há anos atrás, não sei quantos anos, era seco do mesmo jeito, que lá tem registro dos antigos que viviam naquela época. Não sei quantos anos. Na margem do rio aqui, é cheio de toquinho de árvore, deste tamanho aqui. Segundo a história das pessoas antigas, tudo aquilo ali é registro dos povos antigos que aqui habitaram, e não sei, um esporte, uma brincadeira. E que faziam aquilo ali, são quilômetros de toquinhos de madeira enfiada na superfície da terra, que está no fundo do rio. Quando seca, aparece. E em outros lugares são as pedras que estão carimbadas lá, registradas. Mas e aí? Será que de lá para cá, no início a água era pouca, e depois ela ganhou um grande volume, e ela se manteve lá, e agora ela está voltando de novo. Não sei explicar, não sou essa pessoa, não estudei para isso. Mas o certo é que nós precisamos ver com nossos próprios olhos, se a gente não vê, mas alguém chega lá e registra, e joga na rede social, na mídia, e a gente vai ter o conhecimento de que o mundo que nós estamos vivendo hoje, parte dessa história já aconteceu no passado. Eu acredito que o fogo talvez não, né? Porque hoje em dia parte da floresta foi queimada. Eu não acredito que naquela época lá eles tacavam fogo na floresta, não. De verdade. Mas as coisas aconteciam, né? E hoje está sendo aí mostrado o relato, então para a gente poder entender. Mas eu quero dizer aqui para vocês, que esse ano, no dois de novembro, a água não voltou, mas eu acho que ela voltou, pelo dia três, dia quatro, ela começou a voltar. Então, bem pertinho do que era o calendário antigo. Mês de novembro é o mês que começa a chover, inclusive, agora, nesse áudio, está chovendo aí só os pinguinhos. Então, acreditamos que está quase próximo do normal. Será que no próximo ano o verão vai ser tão forte? Vamos ter que viver para presenciar isso, né? Porque só Deus é que sabe.
P/1 - Posso voltar um pouco. Você conheceu seus avós?
R - Eu conheci a minha avó materna. Meu avô materno, não conheci, ele morreu, a minha mãe tinha quatro anos de idade, picado por uma cobra chamada Surucucu-pico-de-jaca. Eles moravam no Alto Rio Purus, tiravam castanha, leite de seringa pra sobreviver, que era o instrumento do povo antigo, da forma que eles sobreviviam. Leite da seringa da saúva para fazer a borracha e a castanha. Então, no centro ele foi picado por uma cobra, ele não conseguiu chegar em casa e morreu. Minha mãe tinha quatro anos de idade. Esse eu não conheci. Se não me falha a memória, ele era cearense, era da Banda do Ceará, se não me falha a memória. Então o que acontece, a minha avó materna, eu tive o prazer de conhecer, a minha avó materna. Bom, quando a gente morre, a gente é tudo de bom. E a minha avó, hoje em dia, ela já é uma senhora falecida, mas não é porque ela faleceu que ela foi uma mulher boa. Era uma mulher muito carinhosa, eu gostava muito dela, apesar de a gente viver a vida inteira longe, porque ela morava em Manaus, e a gente mora no interior. Então, eu só via ela vez ou outra, e no mês, aliás, no ano de 1996, eu morei em Manaus para estudar, para continuar meus estudos, porque eu só tinha até a quarta série aqui, e aqui não tinha mais aula para continuar os estudos. Eu tinha que me matricular para servir o quartel. E aí eu fui morar com a minha avó. Nossa, ela era uma atenção dobrada para mim. E até isso, gente, vira história, porque meu hábito de morar no interior, a gente cinco, cinco e meia da tarde estava jantando, porque a gente vivia na luz de lamparina, era a diesel. De manhã cedo, o nariz era só fumaça, de estar respirando fumaça da lamparina. Então, o que acontece? Quando eu fui morar em Manaus, em 1996, aí a minha avó, eu saía, eu não tinha emprego fixo, trabalhava ali de ajudante de pedreiro, de carpinteiro, do que pintava eu trabalhava. E às vezes, eu chegava do trabalho, ia para a escola, não tinha… E o que acontece? A minha avó, ela dizia assim para mim…. Bom, como eu estava falando, a minha avó, uma excelente mulher, então eu saía, chegava do trabalho, não dava tempo pra eu jantar, e aí eu tomava o banho rapidinho, já saía para a escola, uma pernada longa. Não pegava ônibus, era na pernada mesmo. Quando eu voltava, já onze horas, chegava em casa onze e meia, aí eu ia jantar. Ela dizia: “Meu filho, eu botei sua janta na geladeira, quer que eu esquente para você?” Para não dar trabalho para ela, “não vovó, não, pode deixar, eu como assim mesmo”. Eu pegava o meu prato de comida na geladeira, parecia uma gelatina, tudo geladinho. E eu comia daquele jeito. E aquilo ali me causou um problema sério, porque eu não tinha o hábito de comer daquele jeito, e aí eu comia, depois de uns trinta minutos eu acordava com uma dor. E aquilo ali gerou por muito tempo isso aí, entendeu? Mas foi essa mudança aí, de eu estar comendo comida gelada, que eu passei por esse problema. Graças a Deus eu não sofro mais disso. Mas ela se preocupava, e eu não queria dar trabalho para ela e não queria também estar mexendo lá no fogão, eu era um pouco tímido, então comia do jeito que estava. Mas não foi legal não. Aí, me alistei no quartel, fiquei esperando ser chamado. Eu queria muito, mas eu queria muito mesmo ter passado no quartel. Porque eu queria, o meu sonho era participar da operação, que chamava Operação Boina. Era meu sonho. Sofrer no meio da mata. Porque essa Operação Boina, segundo os antigos, era uma atividade que passava quatorze dias, na época, eram quatorze dias na floresta, sobrevivendo do que você encontrar. Segundo informações, eles davam uma caixa de fósforo, que era para um grupo de soldados. Parece que era um facão, e não sei mais o que, e tinha que passar esse período. De lá para cá, as leis foram mudando, e foi diminuindo esse prazo. Mas o que eu queria era passar pela sobrevivência, essa sobrevivência, porque eu acho que eu iria aprender muito e iria sofrer bem menos, porque o conhecimento de selva que eu tenho, de campo, iria me ajudar muito, e eu tenho certeza que iria ajudar a minha equipe. Mas eu não tive essa sorte. Eu vou te falar porque, é até uma mágoa, posso dizer. Meu pai, sem eu saber, a minha tia, ela trabalhava para um tenente da polícia, o quartel, que era quartel de selva. E aí meu pai deu o meu nome pra minha tia, pra minha tia falar com o capitão, tenente, sei lá com quem. Pra eu não passar.
P/1 - Por quê?
R - Porque ele não queria que eu passasse, que eu era o filho homem que ajudava ele no campo. E aí eu não sabia de nada disso. Então, esperei todo o período, jurei bandeira e tudo. E quando chegou na hora de receber o certificado, passa ou não passa. “Marcio Teixeira Ferreira, dispensado.” Poxa vida! Dispensado, não posso fazer nada! Então, não passei pra civil, quartel, exército, e não realizei o meu sonho da Operação Boina. Eu queria muito sofrer lá dentro daquele mato, rapaz! Que eu ia aprender muito mais ali, porque os caras são feras, né? Que foram treinados pra isso. Então, com certeza eu iria contribuir, mas eu iria aprender muito mais com eles. E não, não realizei mesmo. E aí sabe o que foi o mais gostoso de tudo isso, pra hoje eu estar aqui? É que essa vida morada um ano na cidade de Manaus, sem emprego fixo, sofrida. E aquele clima da cidade de Manaus, eu não me adaptava. No mês de outubro, eu vim de férias, eu estudei o ano todinho, eu reprovei em duas disciplinas, uma era o português, eu sou péssima em português, palavras escritas. Não gosto de ler. E eu não lembro qual era a outra disciplina. Mas não era matemática. Não que eu seja bom de matemática, eu não sou! Mas não era matemática, não. Que normalmente é português e matemática, né! Mas era outra. Eu esqueci! Que na época lá, se não me falha a memória, eu acho que eram oito disciplinas, se não me falha a memória, era ensino religioso, e um bocado de outras mais. E a minha professora falou assim: “Se você for para a recuperação, você consegue. Eu disse para eles: “Não, eu não quero ir! Eu prefiro repetir de ano. Eu quero repetir de ano, porque eu vou estudar tudo de novo, mas quando eu passar, eu vou passar de cabeça erguida.” Negócio de recuperação, o cara vai só fazer um trabalho, e aí ele pode até errar, mas o professor já dá um ponto a mais para ele, ele já passou, já vai pro próximo. Eu vou recuperar de novo. Eu vou repetir. Aí eu vim de férias. Que quando eu cheguei de férias na casa do meu pai, meu pai tava plantando um roçado, fui para a roça com eles. Olha, naquela época você ficava até onze e meia da manhã, no roçado, quando era uma da tarde, você ia para a roça de novo. Quando você aguentava o calor. Hoje, o calor, você não aguenta mais não esse horário, quando é nove da manhã você está saindo de lá correndo, de tão quente que está. E aí, para você ter uma ideia, o papai estava plantando na roça, a gente ia plantar milho, meu pai botava a gente para plantar milho, a gente plantava no roçado da mandioca. E eu tinha uma preguiça de plantar aquele milho, porque ele botava um litro de milho pra gente plantar, eram três carocinhos em cada cova, a um litro de milho desse assim, contando três carocinhos, rente, rente, rente, que meu Deus do céu! Aí, eu com as minhas irmãs, com preguiça, a gente ia pegar, já enchia a mão e já tacava ali. E quando nasce, vem aquele monte de filhinhos… “Já pai, já acabou o litro de milho, embora para casa.” Vinha embora para casa, mas o prejuízo estava lá. E aí eu fui para o roçado com ele plantar mandioca, e cavando, e ele querendo ir embora para casa. Eu não queria, porque aí eu consigo, hoje eu consigo, eu consegui, eu sou capaz de distinguir a diferença do ar fresco daqui, da natureza, para o ar poluído da cidade de Manaus, isso em 1996. Já tem alguns anos, o clima já está bem pior na cidade, na capital. Então quando eu estava lá, que eu vinha pra cá, por incrível que pareça, quando eu chegava no meu habitat, no meu ambiente, que era a natureza, na casa de meus pai, parecia assim, fazer como o outro. Nunca fui aos céus, espero ir quando morrer, mas eu me sentia no céu, entendeu? Era uma paz espiritual, um ar original. Você sente o ar entrando pelo nariz ou pela boca, por onde… Passando pelo seu pulmão, mas é uma coisa muito gostosa. E eu não tinha isso, porque eu fui, na verdade, um rapaz criado um pouco preso dentro de casa. Meu pai, ele não deixava… Eu não fumo, graças a Deus, e ao meu pai também, não fumo. Não tenho nada contra quem fuma. Hoje eu já tomo uma cervejinha no Natal com a minha esposa, mas também não tenho o hábito de beber, tenho a cara de alguém que bebe, mas não sou esse cara não. E ai o que acontece? Essa, como é que eu posso dizer? Esse rigor do meu pai, não deixava eu sair para a festa, eu tinha dezoito anos, eu não saía pra festa, no vizinho mais próximo, não saia, era preso mesmo, ele não deixava. Não podia. E aí, eu achava que a minha felicidade estaria em Manaus, na cidade. Lá eu ia conhecer todas as mulheres que eu tinha direito, entendeu? Mas é completamente diferente. E eu vou dizer para vocês, deixar registrado aqui, que eu sinto orgulho do que eu vou contar para vocês. Uma vez, já depois dos dezoito anos, numa festinha que teve na comunidade, meu tio, ele chegou para mim e disse assim. Eu digo: “Cara, aquela menina é muito bonita, mas eu não tenho coragem de chegar nela, eu sou tímido.” Meu tio disse assim: “Toma essa cerveja aqui, que tu vai ter coragem.” Eu peguei aquela cerveja, naquela época, botei na boca, só deu gosto de ovo choco. Eu cuspi, e joguei aquela cerveja. “Ih, rapaz, você não quer a cerveja, me dá.” Mas olha, hoje eu já tomo uma latazinha de cerveja. Só que naquela época, se fosse a cerveja de hoje, e eu tivesse tomado, com gosto, fosse lá com a menina lá, conversasse com ela, e ela: “Uh, eu te quero também”. Talvez eu fosse uma pessoa que consumisse bastante álcool. E Graças a Deus, Deus me protegeu, que aquela cerveja, naquele momento, ela não foi nada bom pra mim. Eu nem cheguei a conversar com a menina, era tímido, não conversei. E a cerveja não desceu, não funcionou. E graças a Deus por isso. Quando eu fui para Manaus, para ficar um ano morando em Manaus, e ir para o exército, e ir estudar, eu fui de carona com um barco turista. Meu pai foi para a floresta com turista. E eu fui para a floresta com turista no mesmo dia. Eu já estava com a minha mochilazinha pronta, porque eu tinha que ir para se alistar no quartel e ficar lá. Quando eu estava na floresta, falei com o guia, e disse: “Eu te levo para Manaus”. Tranquilo! E aí, que quando nós voltamos, o meu pai ainda estava na selva, eu já fui embora, já nem me despedi do meu pai, e fui de carona com o cara. Passei por uma outra experiência, que graças a Deus, Deus também me protegeu. Porque o guia que me levou, na época, ele consumia muita maconha, muita maconha mesmo. E quando chegamos na cidade de Manaus, todos aqueles que ele ia comprimentar, ele já cumprimentava com um… Não sei, um valor na mão, e ele já passava ali, cumprimentava o cidadão, o cidadão já pegava o dinheiro, e ele já recebia aquela droga ali, e já botava… E ele ia passando. Ele passou na casa de uns dez, e eu ali do lado dele, sem saber de nada, né? E quando foi mais tarde, que foi escurecendo, foi começando a chegar gente na casa dele, começando a chegar gente. Aí, saiu alguém, foi ali no supermercado, na taberna, sei lá onde. Comprou um maço de cigarrinho, jogaram em cima daquela mesa, esbandalhearam aquele cigarrinho tudinho assim, e pegaram aquele monte de material que eles fizeram, e misturavam tudo junto assim, e fazia um cigarrão dessa grossura, desse tamanho. E aí todo mundo fumava aquele cigarrão de maconha. A polícia não pega porque não quer, porque o fedor fica empestado. Da equipe que estava lá presente nesse dia, só tinha eu e um outro rapaz que não consumiu. Mas oferecer, eles ofereciam. “Vai mano!” “Não mano, obrigada!” Consumiram, tudo ficaram lá, curtiram. No outro dia, ele me botou no ônibus, a minha tia ficou me esperando na parada que ficou de ela me esperar, eu falei com o cobrador, ele me deixou na minha parada, a minha tia estava lá. Daí eu passei um ano. Foi quando eu voltei, que aí eu fui plantar o roçado com o meu pai. E aí fui para uma festa, aí eu já estava mais livre. Fui para uma festa. Aí, o irmão da minha mulher, namorava com a minha irmã. E aí eu cheguei para o meu cunhado, que é hoje. Eu digo: “E aí, mano, tu não tem nenhuma irmã não? “Tem minha irmã e tal.” “Traz aí pra gente conhecer.” Aí, tinha a festa marcada, que era dia quatro de outubro, que é de um rapaz que festeja o dia de São Francisco, quatro de outubro.
P/1- Aqui?
R - É na outra comunidade vizinha, a comunidade do Arará. E aí, ele veio para a festa, e trouxe a irmã dele. Rapaz, só deu nós dois! Colou até hoje. Só que aí a gente começou a se conhecer nessa noite, ela foi embora pra casa dela. E aí passou alguns dias, eu fui lá, visitar ela. Quando cheguei lá, a mãe dela, mulher inteligente, ela disse: “Ó, você precisa falar com o pai dela.” Eu digo: “Eu estou preparado pra falar.” Aí ia ter uma festa no mesmo dia. Quando começou a festa, logo cedo, todos dois tomavam uma, né? O pai, a mãe, tudo bebia. Ela não. Aí, eu fui lá com o meu sogro, que agora é falecido. Cheguei: “Rapaz, eu queria conversar com você.” “Pode sentar aí, vamos conversar.” Aí, conversei, pedi a mão. Eu digo: “Rapaz, eu queria namorar com a sua filha e tal.” Ele disse: “Rapaz, eu não criei minha filha para mim, então você pode ficar namorando com ela. Respeite a minha filha, tudo mais.” Conversa de homem para homem. Eu ainda era um jovem, já tinha dezoito para dezenove, já. Não, já tinha dezenove, que eu fiquei um ano em Manaus, já tinha dezenove. E aí fiquei ali com ela, uma parte da noite, aí eu estava super cansado, o irmão dela também cansado, disse: “Vou dormir!” Ai eu digo: “Rapaz, eu também estou com sono.” Tinha levado minha rede, aí ele armou na casa do vizinho dele lá. Que quando o pai dela procurou ela, ele estava muito bêbado. “Cadê minha filha?” “Tá dormindo com o namorado.” O namorado no caso era eu. Mas não estava não, eu estava dormindo embaixo, e ela… Estava até deitado na minha rede. Rapaz, esse cabra chegou lá, e meteu lhe a mão na rede, pou! E aí ela levantou, e aí ele já pulou pra baixo. E ele era do tipo, eu não sei dizer, qual é a capital dele, eu esqueci agora, mas ele era daqueles que andava com 22, aqui. Não, era o 22 aqui, e a peixeira aqui. E aí, ele ficava lá do lado de fora. “Vem cá, cabra, eu quero ver se tu é macho é agora.” E eu do lado daqui. Eu vou, é porra que eu vou! O cabra com 22 de um lado, e a faca do outro. Tá doido? Vou nada! Aí, cheguei lá com a minha sogra. Ainda não era sogra, né? “Eu tô indo embora.” “Tá bom!” Tudo bebado. Chamei meus colegas de festa. “Bora, se embora, mano!” Aí, viemos embora. E aí, na outra semana, chegou um barco de turista aqui. Aí, o cara disse: “Rapaz, tu não tem alguém para fazer uma atividade lá pra cima.” Eu digo: “Rapaz, eu não tenho não, cara! Mas tem lá a família da minha namorada.” “Bora lá, então!” Eu digo: “Vixe Maria mano, será? Mas eu vou!” Aí, fui com eles, de carona, e apresentar para ver se alguém fazia o serviço lá. Que quando eu cheguei lá, eu digo: “Ê, de casa! Dá licença!” “Pode chegar!” Eu digo: “Rapaz, esse cidadão aqui, ele que uma pessoa para fazer uma atividade na selva com os turistas e tal.” “Rapaz, tem um rapaz ali que sempre trabalha e tal.” “Então, tá! Então eu vou lá com ele.” Aí, o cara foi lá, né! “Dá licença!” Aí, eu subi. “Pode chegar!” Aí, o velhinho já foi todo… “Olha, meu amigo, você me desculpa daquela vez, eu estava bebido, assim, assim…” Rapaz, ele morreu, para mim ele foi um pai. Essa foi a única… Foi a única dificuldade que a gente teve. Bom, não posso… Não, não. Aí, o que acontece? Ele, depois, ele bebia muito, né? Fumava muito. Ele se reuniu, ia para Manaus… E ele sobrevivia da pensão da minha sogra, que o marido dela tinha morrido, ele era funcionário da prefeitura, acho que era motorista, uma coisa assim. Morreu em acidente e a pensão ficou para ela, e sobreviveu disso. Então eles fumavam muito, muito. Rapaz, ela ia para Manaus, comprava tabaco, um pacotão de tabaco. Aí se juntava os dois, e passava o dia tecendo tabaco, eles faziam aquele monte de cigarrinho, um pacotão cheio de cigarrinho. Aí, de vez em quando era…… Quando acabava, eles de novo, e fazia aquele monte. Se reuniu os dois, se reunia assim, aqueles montes. Mas ele era um cara, um carpinteiro nota dez! A ferramenta dele, o serrote dele, era tudo limpinho, tudo mesmo bem organizado, cara. Eu não puxei para ele isso, não puxei. Mas assim, ele me ensinou muito, me ensinou muito mesmo. Aí ele pegou câncer, câncer de estômago, passou mais de ano sofrendo e melhorou. Ficou aparentemente bom, parecia mesmo, ganhou peso e tudo mais. Aí teve uma recaída, dessa recaída, eu não vi mais ele com vida. Mas o que eu posso deixar aqui registrado, que na partida dele, ele visitou eu e a filha dele. Eu não sei se ele queria visitar a filha dele, e lógico, ia ter que me visitar, porque ele estava lá, ou se ele queria visitar os dois. Mas no meu coração ele queria visitar os dois. E aí eu vou deixar registrado essa história como aconteceu, para que vocês possam entender. Então, um certo dia, ele estava para Manaus, hospitalizado. E na verdade ele estava na casa, porque os médicos tinham dado, como é que a gente pode dizer? Desenganado pelo médico. E aí, já estava em casa, esperando mesmo chegar a hora. E aí, gente, essa, desculpa! De repente, chegou um guia turístico, eu fui para o mato, perto, acampar na floresta. Lá nós estávamos acampados, todo mundo dormindo, e me deu a vontade de eu voltar na minha casa, ir lá com a minha mulher. Eu digo: “Rapaz, eu vou!” Tá todo mundo dormindo, eu vou fugir aqui, deixar esse povo aqui nesse mato, eu vou lá em casa com minha mulher. Ai, eu fui em casa! Cheguei lá, “Mô!” Estava dormindo, acordei ela, a gente ficou juntinho, né? Vida de casal. Aí eu dormi! Adormecemos os dois ali, jogados na nossa casa. Já era uma casa de madeira já, não era mais aquela casa de palha. Gente, nessa adormecida… Aí, eu digo para vocês, eu estava realmente dormindo, e eu sentia que nos quatro cantos da casa, cercado de madeira, com tábuas, sem ripa, então tem as brechas. Então, nós estávamos bem na frente da entrada da porta da sala. Ali, eu sentia, eu do lado de dentro, pelo lado de fora, eu sentia, eu dormindo, que vinha entrando uma luz, pelas brechas da casa, vinha entrando aquela luz, vinha entrando, vinha entrando, e ficando mais forte, e aquela luz, ela passava por cima de nós dois. Eu com ela, deitada, no assoalho da casa, era no colchão. E aquela luz foi passando por cima da gente. Ai subiu! Quando a luz subiu aqui, aí eu me despertei. Eu me despertei, eu não falei nada para ela, que eu tinha sentido isso, né? E aí, eu só disse assim: “Amor, eu já vou!” “Já vai?” “Já, eu já vou.” Abri a porta, quando eu abri a porta, para descer a escadinha, que era de dois degraus, a minha escadinha. O telefone da casa do meu pai, tocou. Antes funcionava a Vivo, a empresa Vivo funcionava. Era os famosos tijolão. Antigamente quem tinha um computador, era rico, bem de vida, rico. Aí, começou: “Não, só tenho celular.” É rico, tem dinheiro. Hoje em dia qualquer uma pessoa tem um celular. Quando começou o celular para nós, a gente chamava de tijolão, que era um macetão assim, funcionava a operadora Vivo. Quando eu desci os primeiros degraus, o telefone toca na casa do meu pai….. Minha sogra estava ligando lá de dentro do hospital, dizendo que o meu sogro tinha acabado de falecer. Aí, tu junta, o tempo do minha dormida, e ao despertar, sair e o telefone tocar. Então, pra mim foi ele que passou. Não tem outra explicação. Não tem! Então, é do fundo do coração, ele visitou a gente. Então, são tantas histórias. Não é pouca não. E é isso! Aí, nós continuamos nossa vida, graças a Deus! Eu sendo funcionário público já, eu saí um dia para trabalhar na minha atividade, visitar a população em combate da malária, eu fiz a visita na minha comunidade, num dia, dia muito bonito, bastante sol, trabalhei, produzi bastante, furei bastante dedos, visitei bastante pessoas. E eu queria continuar com a atividade na outra comunidade. Eu falei para minha esposa, eu digo: “Vou lá no Arara, que amanhã pode chover, eu vou logo lá na outra comunidade.” Eu fui! Na minha ida, eu passei por uma balsa carregada de seixo. Seixo são pedrinhas para a construção de casas de alvenaria. Então, essa balsa estava cheia de seixo. Eu passei, dei com a mão, e aí, as pessoas responderam, deram com a mão também. Eu fui, visitei a comunidade. Quando eu voltei, a balsa estava lá no mesmo canto, e as pessoas me chamaram. Quando as pessoas me chamaram, eu fui e encostei na balsa, quando eu encostei na balsa, o cara pulou no bote, que eu estava num bote, motor de popa, canoa de seis metros, mais ou menos, de alumínio, com motor de popa, 15HP. Quando eu encostei na balsa, o cara pulou no meu bote e apontou a arma para mim, e disse: “É um assalto!” Aí, eu não sei te explicar até onde eu fui, porque naquela hora você paralisa tudo. “Entra, entra, entra para cá.” Eu entrei pra lá. Aí, um ficava de frente comigo, apontando a arma pra minha cabeça, e o outro segurando no meu colarinho, me levando, e me botou no camarote da embarcação, que é o empurrador, que é o barco que empurra a balsa. Aí, chego lá. Me amarraram pé e mão, pegaram pesado assim, metia nas minha costelas, e dizia: “Fala onde tá o dinheiro, se não vamos te matar.” Dizia: “Eu não tenho dinheiro!” Não tinha, não tinha nenhum, nem um real. E aí eles me reviraram tudo, meterem a mão na minha roupa, me reviraram tudo. Depois eles me tiraram do camarote de baixo, me levaram para o camarote de cima quando eles chegaram no camarote de cima, que abriram a porta. Eles ainda brincaram comigo, dizendo assim: “Abre a porta.” E eu estava com a mão amarrada. Como que tu pode abrir a porta se tu tá com a mão amarrada, né? Aí, eles abriram a porta, quando eles abriram a porta, tava mais ou menos, eu acho que eram uns seis, uns seis homens, eu acho, e uma mulher, que era o ex-funcionário da embarcação, tudo amarrado, dentro do camarote. Só a mulher que estava desamarrada. Aí me jogaram lá para dentro. Aí eu sentei no beliche que tinha no camarote, eu sentei nessa posição, que eu estava com as mãos amarradas, e as pernas amarradas, mas estava frouxo. Me sentei assim, com as costas… Aí, eu me toquei, Senhor, eles vão me matar de costa, não. Aí, eu virei, virei e fiquei de frente para a porta. Porque se eles fossem matar a gente, atirar na gente, ia me matar de frente. Aí, eles desceram, retiraram tudo, tudo, tudo que tinha na embarcação que eles conseguiram botar… Aí, levaram meu bote, meu motor, e mais o deles, e tudo que eles puderam. Cortaram a tubulação da máquina, fiação, o diesel que não deu para eles levarem, eles furaram. Aí foram embora. Eles foram embora, e aí nós arrombamos a porta do empurrador. Eu vim atrás de ajuda, liguei para a polícia, isso era quatro da tarde, quando aconteceu. A polícia veio chegar, era mais ou menos umas onze da noite, a polícia veio chegar. E quando a polícia chegou, ainda fiquei com mais medo ainda, porque eu reuni uma turma, e saímos atrás desses caras, e nós encontramos. Eu tinha uma espingarda de três tiros, eu atirei no rumo desses caras, meus colegas atiraram. Só que nós estávamos numa distância muito, muito, muito longe. Não tinha como alcançar. Mas nós atiramos assim mesmo. Porque nós estávamos numa diferença de areia, lama, e rio. Eles estavam no rio, e nós estávamos na areia, e nós não tínhamos como atravessar a lama para chegar até eles. E aí, uma outra pessoa, antes da gente, atirou neles. Já estavam fugindo, forçando o motor para fugir. E nós chegamos o mais próximo que pudemos, e saímos atirando. E aí, gente, depois, quando nós voltamos, naquela época que eu fui assaltado, foi no mesmo dia, por tudo que é mais sagrado, se nós tivéssemos continuado a busca, se nós pega eles, que nós tinha como pegar no meio do rio, talvez eu não estivesse dormindo hoje normal, talvez eu fizesse parte da lista dos assassinos, porque eu mesmo teria matado essas pessoas, lá naquela hora. Quando chegamos na nossa embarcação, que estava dando nosso apoio, o piloto disse: “Não, vocês não atiraram não! Nós não vamos…” E ficou com medo. “Não, nós não vamos, não vamos!” “Bora, bora, que nós pega eles no meio do rio.” “Não, nós não vamos!” E as pessoas, da outra comunidade, que é a comunidade Baixote. Que aqui é a comunidade Bela Vista, tem a Arara. O Baixote, mais próximo. Ouviram os bandidos saindo no meio do rio, com telefone, falando: “A casa caiu, a casa caiu, manda reforços”. A população ouviu lá de cima. E logo em seguida, que a gente está ali, chega uma super lancha, em cima da gente, tudo armado de metralhadora. “Mão na cabeça, mão na cabeça, mão na cabeça!” Pelo amor de Deus! Aí, ele pergunta assim: “Quem é a vítima?” Eu digo: “Sou eu!” “Entra pra cá, entra pra cá!” Eu digo: “Minha Nossa Senhora!” Tudo fardado de polícia, mas com um barco diferente. Jesus do céu, será que são os bandidos? Porque eles estavam pedindo reforços. Aí, eu fui pra lá, levei bateria, refletor, tudo o que eu tinha de equipamento. Aí, eles se afastaram, foram me interrogar. Que horas que aconteceu e tal. Eu disse: “Me desculpa, meu amigo, nós só chegamos essa hora porque nós não tínhamos logística.” Logística e o transporte, e o combustível, e tudo. “Nós só estamos aqui, porque nós estamos na lancha do Ziguezague.” Quando ele fala a palavra Ziguezague, aí eu me… “Vocês conhecem o Ziguezague?” “É, essa lancha é do Ziguezague. Ziguezague, era um grande meu parceiro, foi a pessoa…. Tenho que respirar. Foi a pessoa que me deu oportunidade de emprego, em primeiro lugar Deus, entendeu? Agora eu sei que eu estou na mão da polícia, porque antes, até então, eu pensava: Jesus, eu tô na mão dos bandidos, eu não vou conseguir chegar em casa com a minha família. E aí, por esse motivo, que foi esse assaltado na beira do rio, eu saí, que eu morava num terreno, numa praia muito linda, morava isolado, eu poderia gritar o quanto eu quisesse, até secar a garganta, ninguém ia me ouvir. E aí eu decidi vim morar na vila, onde se eu falar um pouquinho mais alto, meu vizinho vai estar me ouvindo, entendeu?
1:34:47 - Morava vocês dois?
R - Estava eu, Jeovania, já tinha a Joice, e a Jennifer, já. Então, minha família, eu sempre fui o homem, e só passava pela minha cabeça, de que se um dia acontecer de eu chegar a minha casa minha mulher estuprada, esfaqueada, filha. Só vinha essas coisas na minha cabeça. E eu tive que sair de onde eu morava, no paraíso, para vir morar aqui. É o paraíso também, né? Mas tem mais movimento, né! Mas lá eu faço, continuo preservando lá, onde eu tava vivendo lá, e fazendo a trilha turística, passeio turístico, pernoite. Preservo só para essa atividade, para o turismo, cultivando o terreno. Não tenho título definitivo da terra. Ah, se eu tivesse título definitivo, eu iria correr atrás do que me pertence. Por exemplo, tem um recurso aí, que é do afro puro, não sei o que, que protege a natureza, e o cara tendo todos os documentos, da entrada, e ganha uma verba por isso. E eu tenho documento da terra, então não vou conseguir essa verba. Iria me ajudar muito. Gás carbônico, como é que chama? Não, tem um nome para isso aí. Agora eu estou esquecido. Que é um projeto grande, quem tem preservação do meio ambiente, tem todos os documentos, ele entra com o projeto, e aí fica ganhando recurso para manter a área. Só me faltam os meus documentos, que eu não tenho, nem consigo, porque nós moramos aqui, numa RDS, né! Aqui é uma área RDS, Reserva de Desenvolvimento Sustentável. Lá atrás, era normal, livre para qualquer um. E aí, passou alguém, por cima de nós, registrando isso daqui como um parque, um parque estadual, setor Sul. Num parque, não se mora ser humano, se mora ser vivo, que são os animais, né! Fica talvez os fiscais. Que são aquelas áreas, protegidas para ninguém mexer, intactas. E aí morava, são várias comunidades, morava aí, muitas famílias na nossa comunidade. Nossa comunidade tem aí em média, quinhentas, quase seiscentas pessoas, em média de 140 famílias. A nossa comunidade, Comunidade Bela Vista. Cada comunidade tem um total de pessoas, total de famílias. E aí criaram o parque, e isso aí gerou… Em 1995 foi descoberto que nós estávamos vivendo em uma área denominada Parque e que nós iríamos ter que ser removidos daqui, ou por bem ou por mal. Aí, vem toda uma guerra, né? Reuniões e mais reuniões. Até que enfim, em 2014, foi mudada a categoria de Parque para RDS. O Parque não poderia ter ninguém, estavam aqui, mas existem as pessoas que tem título definitivo, como papai, tem título definitivo de terra, é dele realmente. E aí… Mas mesmo assim teria que ser retirado. O único que receberia a indenização, eram as pessoas que tinham título definitivo, o restante ia com uma mão na frente e outra atrás, iriam para a cidade. Fazer o que? Sem ensino, sem conhecimento, sem sabedoria, sem escolaridade. Iria só aumentar a prostituição, a marginalidade, só isso. E sofrer! Viver muitos como mendigo, sabe Deus. E aí mudou, em 2014, realmente mudou a categoria. Quando mudou de categoria, ela mudou para RDS, mudou para RDS. O RDS é a Reserva de Desenvolvimento Sustentável. Aí, aqui eu posso viver, eu posso usar os recursos naturais para fazer minha peça de artesanato, eu posso tirar madeira pra fazer minha casa, posso tirar madeira para fazer meu barco. Barco até dezoito metros, acima não é permitido. Fazer minha canoa. Não posso tirar para revender. Mas como eu falei, nessa entrevista, algumas pessoas retiram para revender, da maneira ilegal. Tem muita! E esse é um problema sério, que aí afeta a nossa preservação, a área onde a gente preserva. Tem alguma?
P/1 - Eu tenho! Da sua infância… Como que foi? Que recordações você tem dos seus pais, dos seus irmãos, das brincadeiras? Como você acompanhava o seu pai? O seu pai sempre teve esse trabalho? O que você observava, como era a dinâmica da família? Quem fazia o que na casa?
R - Beleza, beleza! É bom. Sabe porque, assim, se eu for contando a história, ela vai só seguindo da continuação, mas tem coisas que vão ficando pra trás, que é bom ser colocada. Como isso aí. Então, a gente pode começar de novo! Vamos lá! Tranquilo pra mim. Na minha infância, desde adolescente, como eu já falei aqui, escola não tinha, as primeiras pessoas que frequentaram a escola, antes de mim, foram com a minha tia. A minha tia veio do Rio Juruá. Rio Juruá, ela teve a oportunidade de estudar com os padres e freiras, para lá, para o Rio Juruá. Quando ela chegou aqui, ela conhecia um pouco do português, então aquele conhecimento que ela tinha, ela viu a necessidade da população… Que é a minha família quando chegou aqui, já teria duas ou três famílias, localizadas aqui.
P/1 - Só?
R - Só! Aí, depois da minha família, que é a família do meu pai, chegou. Aí, chegou uma outra família, aí essas famílias não tinham aprendizado nenhum. E a minha tia se voluntariou a ensinar essas pessoas. E de repente, passou ali um deputado, um candidato, não sei, pelo município de Novo Airão, viu aquela iniciativa dela, e disse: “Se eu ganhar a eleição, eu vou botar você como professora contratada”. E pra sorte dela, ele ganhou e contratou ela como professora. Aí, começa o aprendizado na nossa comunidade. Começa daí. Bem de baixo, escolinha de madeira. Hoje em dia já tem até ar condicionado, já que conseguiram esse ano na escola, modificaram, já chegou até o ar condicionado. E aí eu me criei… Bom, nossas brincadeiras, a gente brincava muito, sabe, de vários tipos de brincadeira. Hoje esse tempo é utilizado para a tela do celular. Naquela época, era o futebol, que dá pra gente ouvir no fundo da gravação, são as crianças jogando futebol, toda tardezinha elas fazem essa atividade aqui. Aí tinha a Bar Bandeira, que era a brincadeira que a gente brincava muito. Bar Bandeira, deixar registrado aqui para aqueles que não conhecem a palavra, Bar Bandeira era um espaço, como se fosse um campo de futebol, pequeno, uma quadrazinha pequena, e com uma linha dividindo duas partes, como um centro de campo mesmo. E ali, a gente colocava um pedacinho de galho, e deixava ali no centro, e ali a equipe de um lado, a equipe do outro, tinha os protetores de uma equipe e da outra, protegendo aquela Bar Bandeira, e o restante teria que descer pra… Ou seja, no português, roubar aquela bandeira e levar até o outro lado, que é como se fosse a trave do futebol, fazer o gol. Esse nome era Bar Bandeira, essa era uma das atividades que a gente brincava muito. A outra também, que a gente brincava muito, que a minha tia, ela tinha esse potencial de fazer essas atividades e era muito interessante. Dia das crianças a gente brincava ali puxando cabo de guerra, reunidas, criança de um lado, criança do outro. Cabo de guerra, participei muito na minha infância. Fazia também a roda, em círculo, um segurando na mão do outro. Não lembro o nome da brincadeira, mas dava o nome de cabo de aço, era o cabo de aço. Que aí ficava uma pessoa no centro do circo, que era o touro, e aí o touro tinha que dar uma peitada no braço. Dá aqui a sua mão rapidinho. A gente segura aqui, faz um círculo, aí touro tá lá, aí ele escolhe, ele vem de lá e peita aqui. Aí se não aguentar, arrebenta e solta. Aí, ele solta e a moçada tem que correr atrás para prender o touro e colocar ele de volta de novo. A gente brincava, que era a brincadeira, eu acho que o nome, se não me falha memória, era cabo de aço, que era o nome, de mãos dadas. E aí a fogueira também, durante a noite, ela fazia fogueira, para a gente assistir. Televisão, gente, não tinha! Muitos anos depois, tinha a televisão preto e branco, desse tamanhinho, na bateria de 12HP. Ah, era uma luta, essa bateria, descarregava, tinha que remar de canoa para ir carregar, botar carga na bateria em outro canto, chegava lá o cara não estava, não tinha gasolina para funcionar o motorzinho. Mas a gente tinha que assistir a novela. Aí enfraquecia uma bateria, juntava uma na outra para ligar a TV para assistir a novela. Quando terminava a novela, assistida na casa do vizinho, todo mundo de volta para sua casa, de noite. Aí, eu levava as minhas irmãzinhas no tumtum, minhas irmãzinhas meio dormindo, aí levava aquela mijada das minhas irmãs. Não existia fralda descartável. Hoje em dia, gente, hoje em dia todo mundo, graças a Deus, meus filhos usaram. Naquela época não tinha. O cigarro do caboclo, era a planta, o amber, o cipó. Hoje em dia, quem fuma, é o cigarrinho. A minha mãe encomendava… E boa essa história. A minha mãe encomendava a folha do cipó ambé. Poderia ser uma folha de bananeira. Poderia ser, era mais fácil para mim, era mais simples. Mas ela me pedia a folha do cipó ambé. O cipó ambé, é o cipó que é feito, o paneiro, que é a mochila do índio, e o paneiro, é feito de cipó ambé. O cipó é medicina, ele serve para curar hepatite, o líquido do cipó ambé, serve para curar hepatite. O cipó ambé serve para o paneiro. Também pode se fazer a vassoura, pode fazer utensílio para secar a massa da mandioca, e outras atividades. Segundo… Deixa eu só voltar aqui rapidinho. Me perdi aqui… Então, aí a minha mãe me pedia a folha do cipó ambé. O cipó ambé é mais difícil de encontrar, que ele gosta de dar em grandes árvores, lá em cima. Mas aí quando ela está madura, ela cai. E ela me encomendava. Sabe pra quê? Para botar embaixo da rede. Não minha, porque eu já era maior. Dos meus irmãos. E isso, gente, eu aprendi, que é interessante. A técnica dela era, botava a folha embaixo da rede, como não usava fralda descartável, quando fazia xixi, molhava toda a redezinha, e a urina vazava na rede. Que quando caía naquela folha, fazia um barulho estranho, como tivesse caído no alumínio, um negócio qualquer, entendeu? Com esse hábito, aí a criança acorda. Quando a criança se acorda, evita que ela faça o xixi na rede. Ela vai fazer xixi lá fora. Então, esse era o hábito dela, era uma técnica que ela tinha. “Filho, tu vai pro mato? Traz uma folha de ambé pra mim. E quando eu ia assistir a novela na casa da minha avó, que levava a minha irmã aqui, a minha irmã, thum, me mijou, levei um mijo. Mas essa é a nossa história. Jogar futebol, sempre joguei, hoje não jogo mais. Mas graças a Deus… E essa é minha vida. Minha tia fazia roda de histórias. Hoje não tem! Hoje não tem mais.
P/1 - Que história você ouvia?
R - Cara, eu sou ruim de história. Eu sou ruim de gravar história. Deixa eu ver se eu consigo lembrar de uma que ela… Tinha uma, eu acho que ela já é até popular, que ela cantava muito, mas aí eu não sei se é uma história de fato. Era: Lagarta pintada quem foi que te pintou? Ela brincava muito disso. Aí, contava as histórias, do boto, do boto rosa, que pra nós, para a população de hoje em dia, como diz o caboclo, isso aí era o cara que era casado com alguém, que pegava outra pessoa, que não era dele, que engravidava e dizia que era do boto. “Ah, porque é o filho do boto.” Do boto? Ninguém sabe de verdade. Mas ela contava muito essas histórias do boto. História do Saci, ela contava. Mas eu é que sou o cara ruim, eu não decoro. Meu pai tem uma história boa sobre isso. Papai tem. Mas eu não era bom. E ela contava isso. Ela fazia rodas de fogueira. Sabe aquela brincadeira de São João, São Pedro, Santo Antônio, casamento, andar por cima da fogueira, ver a lua, a lua cheia. Não, ter um, como é que chama? E o sol e a lua? Que eles passam um pelo outro, né! Ela tem ali um negócio, que ela botava na lua cheia, botava agulha, agulha de mão. Não tem aquela agulha de mão, agulha de costureira? Botava na bacia, agulha virgem, botava na bacia. Como que uma agulha daquela vai ficar flutuando em cima de uma água. Mas ela fazia a agulha flutuar. Só jogar uma agulha daquela, ela vai para o fundo. Ela flutuava, ela brincava na fogueira junto com essas crianças. Como eu não sei. Não sei! Mas ela fazia.
P/1 - Ela foi sua professora?
R - Ela era nossa professora. Mas ela fazia nas noites de fogueira. Ela fazia aquela encontro, a gente brincava. Andava por cima da fogueira, a fogueira de Santo Antônio, São Pedro, São João. A fogueira acaba, andava por cima da fogueira, só brasa. Eu nunca vou esquecer. Vou não! Pisava assim, passando. Fazia o casamento de compadre, de comadre. Mas tudo isso tinha gente. Hoje não tem mais. Hoje não tem. Hoje se escureceu… Ontem você assistiu a lua pelo celular. Hoje se escureceu, todo mundo vai para a TV, todo mundo vai pro celular, mas esquece de fazer, como o outro. Assistir a beleza que é a natureza. Assistir, por exemplo, o nascer do sol. Nascer do sol é a coisa mais linda que tem, vem o vermelhão. Muito lindo!
P/1 - Vocês tinham esse hábito?
R - Tinha, tinha! E pra isso você tem que acordar no mínimo cinco horas da manhã, no mínimo. E uma casa dessa daqui é show para o cara ver. Vocês terão oportunidade se acordar cedo, aparecer o sol. Para assistir a lua, a lua tem que estar no tempo dela, de luar, e ir pra fora. Só que antigamente, eu não precisava, só sair de casa, que não tinha luz, já estava aí a lua, né! Ver ali o Cruzeiro do Sul, as estrelas, conhecer as estrelas. E tudo isso era possível. Agora, se a gente sair aqui fora, não consegue ver as estrelas. Pra ver as estrelas você tem que sair pra fora. As pessoas das grandes cidades não têm essa oportunidade. Então é isso. Banho. Banho era no rio. Eu apanhei do meu pai, por ir pra escola e ficar brincando com os colegas debaixo de chuva, se rebolando de lama, e chegar fora de hora em casa. Peia. A justiça fala assim: “Não deve bater, se bater vai denunciar para o Conselho Tutelar, para não sei o quê”. Para mim, a peia me ensinou, para mim! Eu acho que uma peia, uma surra de pai para filho, para ensinar o seu filho de forma correta, ela ensina sim. Agora, se o pai bater de forma agressiva, de forma desnecessária, com certeza vai machucar, e também não vai ensinar. Mas eu acho que uma boa surra, um conselho depois, porque você apanhou por isso, por isso e por isso. Eu acho que ainda ensina. A nossa escola… Bom, vamos lá! Então, eu acredito que ensina, porque como eu disse, para mim, ensinou. E como eu disse, tem coisas na minha vida que eu me orgulho, me orgulho mesmo, do que aconteceu comigo, que acontece como ensinamento para mim. Olha, meu pai, ele era o único comerciante da nossa comunidade, a primeira pessoa a trabalhar com turismo, o último comerciante, é uma palavra interessante, comerciante. Parece que é uma coisa assim, grande demais. Mas sabe qual era o tamanho do comércio do meu pai? Deveria ser três metros, por dois e meio mais ou menos, uns três metros por dois e meio. E o que tinha lá no comércio do meu pai? Era guaraná em garrafa, lata de conserva, lata de óleo, esse tipo de utensílio. Não tinha água mineral, não tinha refrigerante gelado, não tinha nada. Na época, até garrafa de cachaça. As pessoas chegavam procurando por água que passarinho não bebe. É lógico que o passarinho não vai beber cachaça. Mas o cara chegava. “Tem água que passarinho não bebe?” Eu ficava perdidinho, que eu não sabia qual era a água, e era a maldita da cachaça. E aí, gente, estava lá o guaraná quente. Eu passei por uma tentação, posso dizer, nós estávamos torrando farinha. Nossa casa de farinha era longe, distante, uns 150 metros mais pra longe mesmo. E aí faltou equipamento para nós trabalhar na farinha. Aí meu pai pediu para eu ir em casa. Quando eu cheguei lá em casa, me deu uma sede, uma vontade tão grande de beber um guaraná, sem pedir do meu pai, ou seja, então é roubado, né? Se eu não pedi para o meu pai, estaria roubando meu pai. Ai eu fui lá naquele guaraná, eu abri aquele guaraná, thumm. Era guaraná em garrafa. Bebi aquele guaraná quente. Olha, pecado não é, porque eu reconheço meu erro e foi um erro feito para corrigir o futuro. Eu sinto o gosto do guaraná, quando eu falo, eu sinto o gosto até hoje daquele erro que eu fiz. Porque eu bebi o guaraná, tão quente, gostoso, docinho, rapaz! E a minha irmã veio fazer outro pedido. Ela viu eu bebendo guaraná. Ela voltou e falou para o meu pai. Meu pai passou o dia todinho, não falou nada. Quando chegou lá, ele foi conferir o guaraná dele. Estava faltando uma. Ele perguntou de mim, perguntou de mim e eu neguei. “Não, não fui eu!” “Como não foi?” Ele já tinha prova de tudo, que era eu. “Vem cá, cabra!” Ele me deu uma surra, mas foi uma surra, que hoje eu agradeço até hoje. Graças a Deus! Lembrando disso, história da minha tia, minha tia contava uma história na escola, que um dia uma mãe e uma criança, passando por uma rua da cidade, lá tinha um prego, e esse prego, a criança diz: “Mamãe, olha o prego, eu vou levar!” E a mãe: “Não!” Aconselhou a não levar. Passado um tempo, esse rapaz que juntou aquele prego que estava jogado ali, se acostumou a pegar o que não era dele e passou a virar um grande assaltante, que quando ele ficou super poderoso no assalto, ele já estava assaltando banco, e um dia ele foi pego. Aí, ele foi jurado de morte, ele ia para a forca. Essa era a história da minha tia. E que antes de morrer, eles teriam direito a um pedido. Essa era a história dela. E aí, o pedido, perguntaram qual era o desejo dele, qual era o último pedido. Ele disse que queria falar com a mãe. E as palavras dele para a mãe, foi: “Minha mãe, se você tivesse me corrigido lá naquele prego, hoje você não ia ver o meu sangue ser derramado”. Ela contava essa história. Pesada, né? Mas tem fundamento, tem fundamento. Então, eu levei a surra do meu pai. E sou grato por isso, que graças a Deus, o que eu tenho é meu, e com muito suor. Graças a Deus! Sou orgulhoso por isso. Tem coisas na vida da gente, que serve como aprendizado, e para nosso bem. Então, às vezes, a gente acaba que faz o erro. Somos feito de carne e osso, acaba errando. Mas o que é bom, é você reconhecer que você errou e que pode melhorar. E aí, eu bebi aquele guaraná, rapaz! Hoje em dia, se eu quero beber um guaraná, eu vou na taberna, compro um guaraná, vou na cidade, compro um guaraná, mato a minha vontade de beber guaraná. Mas se eu não tivesse levado aquela surra, talvez eu não fosse a pessoa que eu sou hoje. Então, pra mim foi um aprendizado. E me sinto orgulhoso disso, de verdade!
P/1 - E a sua mãe?
R - A minha mãe? A minha mãe também, ela foi… Meu pai, ele só batia nos casos mais extremos. Meu pai não era um cara de bater. Se ele estivesse conversando com alguém, e eu passasse aqui conversando, ele só olhava com os olhões desse tamanho, já poderia sair, já estava dado o recado. Mas ele não batia. Só quando o caso era muito sério. Minha mãe, se quebrasse um copo, era uma surra que a gente levava, entendeu? Hoje em dia, minhas filhas quebraram um copo, quebraram um prato… Não adianta mais nós reclamarmos, já quebrou, não tem mais como consertar, é só trabalhar e comprar outro. Mas a minha mãe, ela sempre foi uma mulher guerreira. Meu pai não tinha emprego, começou a vida, não tinha emprego em lugar nenhum, não tinha escola, não tinha nada. Hoje em dia, graças a Deus, tem muitas oportunidades. E aí, meu pai começou a trabalhar na Amazonas Explorer, como eu falei. Amazonas Explorer, pegava, passava, pegava o papai, o papai ia embora no barco, passava uma semana viajando com turista no barco. O pagamento para meu pai, do trabalho, era combustível, diesel, para botar na lamparina, óleo queimado, para botar no topo do esteio, para espantar o cupim, e o resto do rancho, que sobrava da viagem. Esse era o pagamento do meu pai. E a minha mãe ficava o tempo todo conosco. De manhã cedo, ia pra roça, capinar ou plantar, e eu acompanhando, minha irmã mais velha acompanhando. Voltava tal hora, pegava a bacia de louça, descia para a beira, para lavar a louça, enquanto estava lavando a louça ali, saindo o resto de comida, o óleo da frigideira, a a gente juntando o peixe na beira do rio ali, e ela já estava com a varinha dela de pescar. De vez em quando ela botava uma boinha na linha, uma boinha, a boinha ficava, de vez em quando o peixe chegava lá, thuqui! A boinha afundava, ela puxava daqui, e já pegava um peixinho. Quando ela voltava, já voltava com a feirinha de peixe. E muitas das vezes, já vinha já tratadinho, para chegar, só botar na panela e fazer aquela caldeirada. Mas nem sempre foi assim. Nós passamos por muitas dificuldades. Cara, a minha vida com a minha filha, eu dou glória a Deus por isso. Eu digo para minhas filhas: “Minha filhas, vocês nunca souberam o que é carregar uma lata d'água na beira do barranco. Vocês nunca souberam o que é dormir uma noite com fome.” Ah, dormi muita noite com fome, muita.
A minha mãe saía, ela ia lá fora, no quintal pra tirar folha do capim santo. Você conhece o capim santo? Fazia o chá. A folha do abacate, aquela folha seca do abacate. Ela inclusive é medicina, caída lá, ela escolhia aquela mais novinha e aí levava para cozinhar, botava o açúcar, o açúcar ia dar o gosto. E aí, ela fazia, se tivesse farinha, ela molhava a farinha, amassava a farinha molhada, fazia o bolinho, fritava o bolinho, e nós jantávamos, comendo bolinho de farinha feito com o chá do capim santo, até chá da folha do limão, ela fazia. E nós dormíamos com a barriga cheia. Às vezes, ela ia no canteiro, canteirinho de horta, hortaliça, de cebolas, de palha. Ela tirava aquela cebola, ela molhava a farinha d'água, depois ela cortava a cebola tudinho, aí misturava com aquela farinha d'água, depois ela botava na frigideira com um pouquinho de óleo, e fritava aquela cebola d'água com farinha, fazia uma farofona. Nós caiamos dentro! Passamos já por bastante dificuldades. E às vezes, que não tinha, dormia mesmo com fome. Mas o meu pai, quando ele estava em casa, ele sempre gostou de caçar, sempre. Mas não tinha como ficar comprando. Depois que as coisas foram melhorando, foi que ele virou o grande comerciante. Mas a mamãe sempre foi batalhadora, sempre gostou de trabalhar, plantar, plantar mandioca, plantar plantas de flores. É a vida dela. Hoje em dia, minha mãe e meu pai não são mais casados, eles se separaram. Ela vive a vida dela. Ela conseguiu um novo relacionamento, não deu muito certo, o cara bebia muita cachaça, bateu nela, quebrou a munheca dela, ela separou. E aí, agora, atualmente, ela está com outro rapaz, que também é da comunidade, quiseram se juntar, estão juntos. E o papai continua só. Tá só! Amanhã vocês vão ter o prazer de conhecer ele. Tá só. E aí, me pergunta o que você gostaria… A gente pode continuar, eu não tenho hora pra parar não, só para não ficar fugindo muito do assunto.
P/1 - O seu pai era comerciante. E ele também era guia?
R - Era.
P/1 - Ele trabalhava nesses dois empregos, é isso?
R - Na verdade, a gente não usa essa palavra de emprego, porque não é uma coisa fixa. Esse comércio dele, ele começou, depois que ele começou a ter essa renda com o movimento turístico. Mas não era uma coisa fixa. O turista… Hoje, a nossa comunidade, ela é uma comunidade turística, a gente recebe, se a gente olhar bem para os nossos lados, a gente recebe quase todos os dias visitantes turísticos. Não a minha família, mas as outras pessoas. Então, no dia que aquela pessoa não recebe, eu já estou recebendo, aí o outro já está recebendo. E naquela época era muito, eram só duas agências. Hoje, se você entrar num site, pesquisando qual agência de Manaus, eu imagino que é assim: praia… para. Então, o papai não tinha emprego, ele tinha esse trabalho, fazia a plantação de mandioca, do milho, como eu contei a história, e sobrevivia. Naquela época, as pessoas não tinham a preocupação de no final do mês ter que ter o dinheiro em mão, porque tem que pagar a fatura do cartão de crédito, né? Ele tem que tirar uma televisão. A mente deles era mais tranquila, viviam só mesmo… Eu peguei um peixe hoje, eu como, amanhã eu vou e pesco de novo, como de novo. E assim vai. Hoje, não! Hoje, se eu for pescar, eu já quero pescar pra hoje, pra amanhã e pra depois, porque eu já tenho um freezer que vai segurar meu peixe. Aí o tempo que eu iria pescar amanhã, eu já vou fazer outra coisa. Aí, já quero comprar, sei lá, uma TV maior. E eu vou evoluindo, né? E no passado, eu não sei o que atrasava tanto esse povo. Talvez eu acho que o aprendizado mesmo, a alfabetização, né? Que não tinha escola, como é que o cara… Não tinha como arranjar emprego. Ou se ele fosse para a cidade, não sei, talvez estudasse na cidade. E aí ele era realmente o único. Era o único cara que tinha um barco.
P/1 - Seu pai?
R - Nossa família, era para ser uma família, digamos aqui, o maioral, o… Como é que posso dizer? Que tem aquelas… Era o rei. Era para ser o rei. O cara era o primeiro cara que teve o barco, primeiro cara que trabalhou com turismo, o primeiro cara que teve um comércio. To muito para trás. O barco dele, era um barco de dez metros, um barcozinho ______, ele só ia para frente, ele não ia para trás. Para funcionar tinha que botar já na direção e funcionar que ele ia, pra chegar, tinha que parar antes, pra chegar devagarzinho lá onde tinha que encostar. Nossa Senhora! Só vivia melado de óleo. Meu joelho é preto até hoje, de tanto tirar água daquele barco. Mas ele era o único. Agora, não! Graças a Deus, quase todo mundo tem uma rabetinha ou tem motor de popa. As coisas melhoraram muito pra gente, Graças a Deus! A gente corre atrás, mas a vida deles foi sofrida. Papai ainda foi soldado da borracha. Ele tem história, ele vai contar essa história pra vocês. Eu não tive essa experiência, não tive! E dou graças a Deus por não ter tido, porque a vida que eles tiveram, era uma vida, no meu olhar, bem sofrida, bem sofrida mesmo. E eu digo pra vocês, que se eu pudesse escolher o meu ramo de vida, de profissão, eu amo o meu trabalho, porque todo final de mês o meu salário está lá na conta, e a gente paga nossas contas, a gente compra nossas coisinhas. Eu amo meu trabalho! Mas se eu pudesse escolher, eu escolheria o ramo, trabalho com turismo, mateiro na selva, que é o que eu amo. Por que? Por isso que eu tinha tanta vontade de fazer a Operação Boina, a Selva pra mim é tudo. A selva pra mim é tudo. Cara…
P/1 - De onde vem esse gosto?
R - Eu acho que é de pai para filho mesmo, porque meu pai também, ele não troca o interior pela cidade. E meu pai sempre, mas sempre, sempre foi um cara cuidadoso com a natureza. Ele sempre foi esse cara. Esse cara que eu sou hoje, tem a ver com ele, tem a ver com ele, porque ele sempre cuidou. Não sei se foi a oportunidade que ele teve, que foi o turismo que chegou primeiro para ele, que teria que preservar. Mas ele sempre foi assim, desde de pequeno. Ele ia para as trilhas, e eu ia. Se ele ia caçar de canoa, eu ia. Eu lembro de um fato acontecido com ele e eu, de canoa. Nós estávamos numa tardezinha, em busca de alimento. A gente sai de canoazinha, na beira do rio, e ouvindo. E aí onde você ouve o animal pisar, você vai devagarzinho, se aproximar, der certo, você vai conseguir pegar o animal. E aí, eu era muito pequeno, que eu não sou bom de lembrança. Eu esqueço muito fácil as minhas coisas, mas algumas lembranças ficam registradas na minha mente pra sempre. Então, eu me lembro que de repente eu estava ali na boca da canoa, e aí ele puxa a espingardinha dele, e aí ele atirou. Aí, ele me chama, eu estou lá atrás, ele me chama. “Vai lá, meu filho, pegar.” Aí eu saí pra lá, quando eu cheguei lá, era uma cotia, desse tamanho. Que aqui nós temos dois tipos de cotia, que é a cotia grande, e a cotiara, pequena. Rapaz, eu desci de lá morto de alegre com essa cotiazinha, botei na canoa, levei pra casa, mamãe preparou e a gente comeu. Olha, minha mãe, uma mucura, que é o gambá que você conhece. Minha mãe prepara uma mucura, minha Nossa Senhora, uma galinha. Mas eu não como mais. Mas comia com ela. Ela preparava, porque era o que aparecia. Ela sabe preparar. Quem sabe preparar fica gostoso. E eu comia. Hoje mais não, não tem necessidade de comer.
P/1 - E ele te convidava para ir junto?
R - Me convidava.
P/1 - Ou você se metia?
R - Não, me convidava, e depois você cria gosto, você quer ir todas as vezes. A minha pequena, quando eu vou trabalhar, me pergunta logo: “Eu posso ajudar?” A Jaqueline, a Jaqueline é assim. As outras não, mas ela é mais ativa, ela sempre quer estar do meu lado. Sempre da família tem alguém que é mais ligada a atividade ou do pai ou da mãe, né? Alguém vai ficar afastado. Mas ele me convidava, e aí, e isso! Botava roçado junto com ele. Eu sofri muito junto dele. Eu fui um dos filhos… Hoje é difícil eu visitar meu pai, ele mora perto, é difícil, uma vez ou outra eu vou lá. Mas fui um dos filhos que nunca… Só fui um ano, que foi na época do quartel, sempre vivi próximo deles. Mas outros, tem um que mora para outra cidade, os outros moram em Manaus, o mais próximo, que sempre ficou, foi eu. E graças a Deus por isso. Estou feliz!
P/1 - Marcio, esses conhecimentos tradicionais que vocês têm, é de observar, de ensinamento falado, é como?
R - Olha, a gente se pergunta. Como é que foi descoberto que uma planta dessa faz efeito pra tal atividade? Aí eu digo, alguém teve que ter muita fé, e alguém foi a primeira pessoa a experimentar. Eu quero aqui compartilhar, não sei se é fato, por exemplo, ter um tatu. O tatu é uma caça, que é alimento da população. Mas tem gente que diz que o tatu não deve ser consumido com couve, porque se a pessoa comer o tatu com couve, ele vai morrer. E eu não sou essa pessoa que vou experimentar o tatu com couve, entendeu? Mas aí, virando para o outro lado, se alguém disse essa planta aqui, ela é boa pra dor de barriga, aí o cara quer ficar bom, porque não é pra morrer, é pra ficar bom dá dor de barriga, ele toma. Porque na verdade, o que cura é a fé. Se você beber uma dipirona da vida, e vai ter fé que a dipirona vai curar a dor de cabeça, você vai ficar bom da dor de cabeça. Mas eu vou tomar essa dipirona, essa dipirona não vai me servir. Você vai beber um vidro e a dor de cabeça vai continuar lá. Então, eu estudei isso num livro de medicina. Eu li! Eu não gosto de ler, mas eu li um livro de medicina chamado “Onde não há médico.” E lá fala sobre a fé. Um olho de peixe, passado como uma pílula de medicamento, cura o doente que estava acamado, sendo que seria um olho de peixe. Mas que alguém deu como… Eu acho que ainda tenho esse livro. Fala sobre isso, que a fé é o poder de tudo. Então, o que acontece? Nós temos o conhecimento de várias plantas, para várias medicinas. Que inclusive falei aqui da folha de abacate, deixar registrado nesse vídeo. Olha, o caroço do abacate. Lá em São Paulo tem abacate? Tem! Se é da terra, ou não, mas tem o abacate. E se o abacate chega até lá, tem o caroço do abacate. Normalmente o caroço do abacate vai para o lixo. Ninguém sabe que o caroço do abacate serve como medicina. Um paciente que tem anemia, se você vai no médico…. Então, voltando aqui sobre a medicina, se alguém chega com o médico, e aí de repente o diagnóstico é que você é uma pessoa que tem anemia. O seu sangue, as plaquetas estão baixas. Normalmente o médico vai receitar um medicamento para você industrializado, mas ele também vai fazer, na nossa região, alguns fazem assim, eles aconselham a pessoa: “Olha, você precisa tomar, comer alguns alimentos.” Ai ele vai dizer: “Você precisa comer cenoura, você precisa comer bastante beterraba, você precisa beber bastante açaí”. Ele começa a apontar o que pode melhorar a qualidade de vida e curá-lo. E aí o caroço do abacate, é algo que você só come a massa do abacate, faz um abacatada, faz uma vitaminada de abacate, joga o caroço fora. Mas o caroço do abacate ralado, pro paciente que é anêmico, que tem anemia, é uma medicina fortíssima. O caroço do abacate, feito de chá dele, ralado. E a folha simplesmente também, do abacate, é uma medicina que é passado de pai para filho. Olha, eu falei aqui neste registro sobre o cipó ambé para hepatite. O cipó ambé, é uma planta, que é um cipó, que serve para fazer a mochila do índio. Dentro do cipó, quando você corta o cipó, ele existe uma água, não é grande quantidade. Mas você pega, bota uma garrafa, com o cipó dentro da garrafa, e deixa lá, para o dia seguinte, você vai lá, aquela garrafa está com água, e você não bebe qualquer água, bebe água do cipó ambé para curar hepatite. Isso foi fato acontecido na família do meu pai. No meu tio. Meu tio pegou hepatite, que amarela os olhos, tudo né? E aí ensinaram pra ele. Que alguém ensinou para alguém, e vai chegando, vai sendo passado de pessoas para pessoas, de pai para filhos e etc. E aí ensinaram, ele fez, e ficou bom. Nós saía para o rio para pescar pescada, que é um peixe que não é reimoso, por causa dele, que era para comer a pescada porque estava com hepatite, não poderia comer peixe reimoso. E o remédio era a água do cipó ambé.
P/1 - Conta pra gente o que é reimoso?
R - Reimoso, na verdade, tem alguns peixes pra nós, que a gente considera reimoso. Os peixe que tem a galha, que tem a aba dele, mas ele tem uma galha que fura bem aqui assim, a piranha tem. Esses são características de peixes reimoso. O jaraqui tem! Curimatã tem. São características de peixe reimoso. Por exemplo, uma mulher que está de resguardo, a gente não recomenda que essa pessoa coma esses tipos de peixes. O pirarucu, por exemplo, é um peixe reimoso. Mas nas maternidades eles servem o pirarucu. Só que lá na maternidade, o paciente está cheio de medicamento pelo corpo dele, anti-inflamatório, anti não sei mais o quê. Então… Mas na casa do caboclo, a gente não recomenda. Aí, nós temos o jaraqui, nós temos, como eu falei, o pirarucu, ou a piranha, curimataú. E tem outros aí também que a gente prefere evitar. Aí, o peixe bom, são esses peixe, como a pescada, o tucunaré, o jaraqui. Eles falam que o jaraqui da escama fina não é reimoso. Então, varia de pessoa para pessoa. Como eu disse, se a pessoa diz que é reimoso, eu prefiro respeitar. Pra mim, o que vale muito, é o respeito, a consideração, dentro dessa informação. Por que? Se eu estou no meio da floresta, andando, respeito. Estou no meio da floresta, olhei para o meu relógio, cinco minutos para o meio dia. Se nós observarmos, na natureza, meio dia, está tudo em silêncio, tudo silêncio. Nas grandes cidades isso não existe, mas na natureza é tudo silêncio. Então, é regra da natureza, nós temos que obedecê-la. E aí, se eu olhei para o meu relógio, meio dia e cinco, continuam a minha pernada. Eu não fiz… Digo assim… Como é que eu posso dizer? Por abuso! Simplesmente não deu certo. Eu continuo. Mas se eu ver que faltam cinco minutos, opa! Esperar passar esses cinco minutinhos aqui tranquilo. Respeitar a natureza. Não vai me fazer mal nenhum, pelo contrário, vai me fazer é bem, que eu vou descansar cinco minutos de estar caminhando ali. Porque existem relatos na nossa comunidade, fatos verídicos, de pessoas que tomavam muita cachaça e estavam trabalhando ali, hora de meio dia, seis horas, e gritando no meio da natureza, e do nada o cara pega tapa aqui, bum dentro d'água, está na canoa. Vem da natureza. Vou saber explicar? Eu não sei explicar. Mas foi algo inexplicável, que não estava satisfeito com a sua maneira de reagir na natureza. Olha, o meu pai, a gente saía pra mata, para pescar, passava a noite na floresta, e voltava só no outro dia.
P/1 - Só vocês dois?
R - Só nós dois. Tem várias formas de caçar, pescar. Quando nós ia fazer a nossa janta, ele dizia: “Não deixa essa água desse peixe cozinhar. Não deixa a água desse peixe cair, derramar, borbulhar a panela, derramar no fogo.” “Mas por que?” Porque acontece assim, as pessoas, os antigos, os centros que cortavam seringa, castanha. A natureza tem algo que a gente não vai conhecer nunca. Então as pessoas abusavam, fazia por abuso, pegava e jogava lá no fogo. Existe história que o cara estava lá comendo, aí ele grita. Aí alguém responde no meio da natureza. “Bora comer!” Aí, grito vai chegando mais para perto. Aí, vem chegando mais para perto, vem chegando mais para perto. Aí, quando chega palmo a dentro, diz que é um monstrozão grande, uma pessoa, um animalzão grande. Diz: “Quero comer!” Aí, o cara come o que tem lá. Come, come, come. “Quero comer, quero comer. Você me chamou para comer, quero comer!” Se não tiver comido, vou lhe comer. Aí, a história conta que apareceu um outro maior do que aquele que estava lá. “Se você comer ele, eu lhe come?” Aí, já era o anjo da guarda da pessoa que estava lá, que já protegeu ele. Aí, eu vou ficar andando no meio da floresta gritando lá? Vou nada! Vou não! Vou fazer o meu tranquilo, falar o meu normal. Eu vou ficar gritando? Não sei o quê que tem aí nesse meio que eu não conheço. Assim mesmo na água, no rio, não vou ficar batendo na água aí, seis horas da tarde lá no meio do rio, vou nada! Vou respeitar os horários. São sagrados. Nós precisamos respeitar. Eu acho que isso é a base de tudo. Mas aí chega… Tá! Aqui é um grupo de pessoas, o silêncio não vai existir. Uma grande cidade, não vai existir. Mas se eu estou num local que é desse jeito que funciona, então tem que seguir, né? Muitas das vezes o papai falava assim: “Quando você entrar na mata, você deve pedir permissão.” “Ó mãe da mata, vou entrar aqui com a sua permissão, não deixe que nada de ruim aconteça comigo”. Vai entrar no Rio. “Ei, mãe d'Água, não sei o que…” Então, eu não faço essas coisas, mas eu me concentro, não fico abusando, né? Eu prefiro acreditar assim. Eu tinha um tio, já morreu. Existe crenças e crendice, pessoas acreditam em coisas diferentes umas das outras. E eu tinha um tio, que eu não sei o que foi que ele fez, não sei de que forma também, mas segundo informações, ele teria prometido pro Caboclinho da Mata, que chama, Caboclinho da Mata que ele daria o sangue do animal que ele matasse por caboclinho, não sei de que forma. Pra ele virar um caçador de sorte. E eu não sei o que ele fez, que não estava cumprindo com os seus deveres. Uma bela vez ele saiu para caçar com seus filhos e seus cachorros, que ele caçava de cachorro. Já é algo que a própria natureza não aceita muito, a incomodação de cachorro no meio da floresta caçando, natureza não aceita muito. E aí os cachorros estavam ali correndo. E aí, segue o cachorro. O cachorro está seguindo o animal. Segundo o que aconteceu lá... Eu lembro muito bem dessa história ainda. Eu já era bastante crescido. Diz que ele se abaixou para passar embaixo de uma palheira, quando ele foi levantando, por baixo da palha, ele sentiu o tapa, que ele caiu. Aí, ele se levantou, pegou outro tapa de novo, que ele caiu. Aí, lá ele ficou aos gritos, lá os filhos chegaram lá e ele estava doidinho. E ele morreu meio abestado. Ficou velho, meio abestado, ficava só na cachaça. Ficou abestado, desde essa viagem que ele deu no meio do mato. E ele era caçador, era pessoa normal. Andava aí, tinha sorte, matar caça, voltava cheio da caça, porco, veado. Mas era alguma coisa que ele fez com coisa, que eu sei lá da onde, e que não estava cumprindo. E eu vou prometer nada para ninguém que eu conheço. Vou nada, rapaz! Eu prefiro prometer pra quem eu conheço, para quem eu vejo de cara e de corpo. “Mano, amanhã eu te pago.” Amanhã eu vou lá e pago. Vou nada! Não, eu não sou esse cara que dúvido desses negócios não. Aí, tem gente que diz: Tem cobra grande aí, de quatorze, dezoito metros. Deve ter, eu já vi de seis metros, cobra sucuri de seis metros já vi. Já vi porque nós matamos ela. Tinha seis metros. Mas eu nunca vi de quatorze, mas deve ter. Minha vó contava que onde meu avô trabalhava tirando seringa, nele de seringa, que eles chamavam. Tem um nome… O ramal onde eles faziam a trilha para cortar a seringa tinha uma grande árvore no meio do caminho, todas as vezes eles passavam em cima daquela grande árvore. E aí, naquela época, era tabaco em molho, que era da árvore mesmo, tirado da folha. Aí eles prensavam, ficava aqueles molhos do jeito que eles queriam fazer, levavam para o campo, ou seja, para a roça, para onde eles fossem, e chegavam lá, com o facão eles fatiavam ali para fazer o cigarro. Então, minha avó conta que eles eram acostumados a passar em cima daquela árvore, lavrar o seu tabaco em cima daquela árvore, sentar, fazer o cigarro e fumar. E um belo dia, ao passar onde era aquela árvore, a árvore não existia mais. E como que ela não vai existir, se ela estava ali? Por que, o que seria? Entendeu? Então, são coisas assim, que é da natureza realmente. Aí, vão andar seguindo para onde era aquela árvore, quando chega lá para frente, só é um monte de ossada, de caça. Porque ela se alimentava e aí defecava pra lá. Aí, vou descobrir que era uma cobra grande. Porque segundo o relato, existe a sucuri, que é da água, e existe a jiboia, que é da terra firme. Segundo os comentários, a jiboia da terra firme, ela fica maior do que a sucuri, que é do Rio. E a jiboia mora na terra firme, mas quando ela fica fera, quando ela fica demasiado grande ela vai pro rio. E aí a árvore que estava lá, era uma jiboia que estava…
Já pensou? Meu Deus do Céu, mas existe muita diferença de uma cobra para uma árvore. Mas aí se tá lá só… Porque não existe no ditado popular. “Fulano tá lá na casa dele igual uma cobra grande, só captando as mensagem e jogando. Igual cobra grande.” Cobra grande é assim, ela não sai, ela fica só lá quietinha. Aí não consigo falar a palavra. Padroniza o animal, ele fica abestado e fica sem direção. Sei lá, nos olhos dela lá, o bicho fica meio abestado, ele roda, roda, roda, roda, roda, para onde ela está, ela só come. Tem gente que já contou pra mim. Eu não vi! Mas, por exemplo, a história que eu contei, da camisa, quando eu achei o caminho, eu vi uma cobra, e as pessoas contam que existe um cipó chamado jiboia. Eu não conheço. Cipó jiboia, mas existe cobra que hipnotiza a pessoa, ou o animal. Aí, o bicho fica, fica, fica, roda, roda, roda, roda, vai para lá. E tem gente que diz que já viu aqui, com uma jiboia, um quatipuru. Quatipuru, tem uma palavra correta, mas eu não tô lembrando agora. É uma espécie de macaquinho, desse tamanho, que tem um rabo peludinho, que sai pulando nas árvores assim. Eu não estou lembrando o nome dele agora. A gente chama de quatipuru. Doidinho em cima, rodando, rodando, rodando, foi parar na boca da cobra. Tinha hipnotizado o quatipuru, entendeu? E aí a cobra grande está lá, só hipnotizando. Meu sogro assistiu a situação de uma sucuri… A cobra grande, ela tem os seus soldados, que são as cobras pequenas. Elas não saem pra caçar, as pequenas que caçam para elas. Então, as pequenas pegam… Ele conta… Contava, já morreu. Que ele estava na beirada de um lago, e aí de repente ouviu aquele barulho pra lá, dentro da água e tal, que ele foi pra lá. Era uma sucuri, não tão grande, que tinha pegado um veado e ela estava lutando com o veado no fundo, ele ficou observando. Quando ela terminou de matar o veado, ela assobiou. Ele disse que ele assobia, assobia fininho. Ele ficou observando, quando ele prestou atenção, os matos vinham se mexendo no guapo. Ele pegou o beco. Ela mata o animal, avisa a grande, e a grande vem pegar. Agora eu vou falar sincero aqui, ela é muito besta, que ela vai matar pra outra, e ela vai ficar com o vão? Porque grande não vai dividir. Ela mete aqui, sumiu! E aí… Ela é besta! Mas é a lei da natureza.
P/1 - Você tem alguma história que você já viu no meio da floresta?
R - Olha, eu tenho histórias, comigo mesmo. Um dia, eu fiz uma promessa, eu tinha só a Joice. Eu quebrei essa promessa. Eu tinha só a Joice de filha. A nossa história de vida, a gente estava bem baixa, a gente tinha a nossa casa de palha, a gente não tinha quase nada, não tinha emprego, não trabalhava ainda fixo, de vez em quando com turista. Então, eu saía em busca de alimento num dia de domingo. Algumas religiões têm os dias que para na semana. Tem uma religião que para no sábado, e aí continua no domingo. E eu saí pra caçar no domingo. Só que na minha saída, vinha chuva, e eu parei. E eu pensei mentalmente comigo, eu digo: Vou parar no canto de fulano. E aí, quando eu continuei a andar, eu digo: Não, não vou pra lá não, eu vou pra cá. Eu mudei minha rota no meu pensamento, e mudei na prática. Ao chegar no centro da mata, eu estava numa baixada, e tinha sinal de porco, porcos tinham passado por ali. E aí eu saí andando por aquela baixada, olhando pra frente assim, ver se eu via algum porco próximo. E Deus é muito perfeito, Deus existe, é maravilhoso. Gente, eu não sei como, não sei como, mas imagina eu olhando pra lá, na direção da minha frente, por cima, sororocazinha, mato baixo, espécie de bananeiras, baixa, olhando pra lá, alguém… como se alguém tivesse pegado no meu ombro, da licença, e me empurrado assim. E eu do nada, eu pulo pra cá. Pulei! Quando eu viro a minha cabeça, um bolo de cobra, que a gente chama aqui, surucucu pico de jaca. Ela dá aí, em média, aqui na nossa região, ela bem adulta, da em média aí de três metros. Mas ela fica um bolo muito feio, que ela tem a pele dela como a pele de uma jaca, cheia de caroço. E é feia! Essa cobra, dessa espécie, foi a cobra que levou meu avô por parte de mãe a óbito. Segundo a lenda, se o cabra escapar da mordida dela, mas ele fica deficiente. Agora, se eu estava olhando pra lá, porque eu pulei do nada daqui pra cá? Eu não consigo entender, até hoje. Mas o real da história, o real da história, é que eu matei essa cobra. Só fiz virar, que eu vi aquela cobra ali, aí eu atirei nela. Antes disso, eu tinha matado uma cutiarinha para o nosso alimento. Eu estava com ela pendurada aqui no meu lado. Atirei, essa cobra ficou lá, se torcendo, não tinha como sobreviver. As pessoas falam que a espinha, se furar alguém, a espinha da cobra que é venenosa, diz que é o mesmo que a picada dela. Quando eu caçava, eu não queria ir para aquelas bandas, porque eu sabia lá onde é que… Eu sempre caçava descalço. Eu não queria andar naquelas bandas, porque eu poderia estar pisando numa espinha dela, que eu sabia que eu tinha matado ela para lá. Então nem iria por aquelas bandas. Entendeu? Mas o fato é, que logo em seguida, veio a tempestade muito forte, e eu não conseguia fixar minha vista pra baixo, porque na minha vista, eu via assim, um monte de cobra, e eu mantinha minha vista pra cima assim, e saia correndo, correndo, correndo, correndo, até chegar na minha canoa, e chegar em casa. Mas eu só via um monte de cobra na minha vista. E aí, eu cheguei, e disse: “Senhor, nunca mais eu vou caçar dia de domingo”. Que nada! Já menti! Já cacei! Mas isso aconteceu comigo. E um outro fato que aconteceu comigo.
P/1 - Posso fazer uma pergunta? Por que você caça descalço?
R - Na verdade, é o hábito, é o hábito. Meu pai sempre caçou descalço, eu sempre cacei descalço. Para o caçador mesmo, eu acredito, original mesmo, ele vai saber que descalço é melhor. Mas para ele está seguro, calçado é melhor para ele estar seguro. Mas para identificar, para se aproximar, descalço é melhor. Eu descalço, se eu pisar em cima de uma cobra, eu identifico, a minha pele, com a pele dela, eu identifico. Eu identifico se eu pisei em uma raiz, ou um tronco de madeira, tranquilo. Mas se eu pisar em algo diferente, o contato de pele com pele aqui, vai me identificar, e eu automaticamente vou me defender. Calçado… Porque a cobra não morde ninguém porque ela quer, ela só morde por meio de defesa. Calçado, eu vou pisar, e vou continuar pisando. Aí, vem o que? A picada dela. Então, pra mim, eu prefiro estar descalço. Mas não é seguro. Mas o meu meio de contato, minha identificação, descalça é melhor. Aí pra eu me aproximar do animal, eu olhando para ele, com os pés aqui, opa, aqui é um troquinho, eu troco de posição. De tênis, calçado, de bota. Se eu pisei, eu não percebo, e boto meu peso do corpo, eu pisei num galhinho, ele já quebrou, crack. O animal lá já ouviu, e já saiu fora. Então são técnicas. Pra mim, descalço é melhor. Uma vez saí para caçar com meu irmão. Talvez meu pai tenha hoje. Eu e meu irmão de onze anos, caçar durante a noite, na trilha, varridinha as folhas, eu matei dois tatus. E meu irmão deu um tiro, distante, oitenta metros de um para o outro, mais ou menos. Ele atirou. Pow! Ele grita pra mim: “É a bicha!” E aí eu corri para lá pelo meio do mato. Quando cheguei lá, ele tinha atirado numa onça. A onça estava, não chegava a dar três metros de distância pra ele. Ela só não pegou ele, porque existia duas árvores, varinha fina, grossa assim, entre ele e a onça. Ela estava abaixada, nesse tom, que é o tom de impulso, de ataque. Quando ela estava assim, ele atirou, matou ela, a onça. Se não, ela teria matado ele. Estava muito, muito próximo. Ele estava sentado, ouvindo, aí quando escutou só malmente, ele se levantou. É uma vez eu saí para pescar, mas meu pai, lá na casa do meu pai, eu estava mais um pouquinho para lá, que era outra minha casa lá. “Meu filho, de madrugada bora pescar. Bora tarrafear e botar a malhadeira.” Tarrafear é jogar a rede para pegar peixe, a tarrafa. “Botar a malhadeira. Vamos sair às três da manhã.” “Tá!” Fomos! Três da manhã me acordei. “Bora, pa!” “Bora!” Tá! Você desce aqui, pega a canoa, eu vou por terra, para pegar a tarrafa que está lá em cima e descer com as malhadeiras para se encontrar lá embaixo. Encontrar nós dois. Desci, peguei a canoa, saí remando. Foquei na beirada, vi dois olhões. Meu colega, eu olhei aquela andada, muito linda, aquela andada dela. Era uma onça, que era uma monstra. Aí ela saiu, saiu, saiu, entrou de trás da pedra, lá de trás da pedra ela virava assim, aí ela olhava para a lanterna, depois ela se escondia. Ela deu umas três olhadas assim, eu via os olhos dela, aí ela voltava de novo. Eu digo: “Caraca, essa onça aí, o papai está lá em terra. E eu na canoa”. Aí, eu foquei, foquei, não vi mais ela de jeito nenhum, porque enquanto ela está de frente, que ela olha para ti, você vê na luz da lanterna, mas se ela virou de costas, aí adeus, você não vê mais nada, que aquele lombo dela ali, parece que tem uma camuflagem perfeita. E essa bicha sumiu. Aí, eu remei, remei, quando chegou aqui no ponto de encontro. Papai não tava! E ele chegou aqui no ponto de encontro. Eu não estava. Aí ele voltou por onde ele veio, para ir atrás de mim, para ver o que estava acontecendo comigo. Eu estava parado, vendo a onça, quando cheguei aqui ele não estava. Aí subi por aqui, para ir atrás dele, aí ele desceu por lá pra trás de mim. E nós amanhecemos o dia rodando, e a onça sumiu, e nós não pescamos. Só Jesus! Entendeu? Eu já criei. Papai trabalhando com turista, fazendo uma trilha, o último turista da trilha, ele: “Snake, snake”. “Papai, a cobra”. Papai voltou. Ela tinha entrado no buraco do tatu. Entrou no buraco. Aí meteram o pauzinho para lá, ela… igual uma panela de pressão, braba. Aí, gritaram pra mim, eu peguei a canoa, fui para lá. Cheguei lá, rasgamos a terra tudo, arrancamos a bicha. Quatro metros de comprimento, jiboia. Eita, turista tirou foto e tudo. Eu digo: “Eu vou criar essa jiboia. Eu vou criar”. Aí levei ela, tinha uma caixona grande, botei ela lá. Todo dia era turista, turista, turista. Quando foi um dia essa cobra pariu, 31 cobrinhas. Existe cobra que bota ovo, existe cobra que ela pari como mulher mesmo, sai a cobrinha, a jiboia é uma, sai a cobrinha, e sai o… Como é que eles falam, meu Deus? Sai a placenta também. Eu digo, porque eu fiz… Só não fiz o parto, porque quando eu cheguei, ela já tinha parido tudinho. Mas eu fui lavar tudinho. Ela me mordeu ainda, mordeu na minha mão. Aí eu peguei, lavei tudinho, tirei aquela placenta todinha, deixei lá. Aí todo dia era turista, turista. Era muita cobra que tinha. Aí, eu percebi que estava morrendo as cobrinhas. Começava primeiro a ficar cega, por causa do flash. Aí eu digo: “Não, tá errado, eu não estou ganhando um real por causa dessas cobrinhas, os caras tirando foto e tudo”. Está errado! Eu abri minha caixa, a cobra grande foi embora para ali, as cobrinhas ficaram saindo para tudo quanto foi lado. Tinha uma azeitoneira na casa. Azeitona, isso aqui é azeitona, que a gente tem aqui. Tem azeitona verde, aí nós tem azeitona roxa aqui na nossa região. Aí os moradores da comunidade iam pra lá. “Seu Manoel, deixa eu apanhar azeitona?” “Tá! Pode ir.” Aí, subiam na azeitona, quando pensava que não, eles desciam. “A cobra, a cobra.” A jiboia estava trepada lá em cima. Aí eu abandonei a jiboia, nunca mais eu criei. Eu criava jiboia. Colega, ela tem muita força, ela. Então, essas são as coisas que eu já vi assim. Mas no mato, no mato eu nunca tive, assim, de estar vendo visagem. Passou alguma coisa. Não! Graças a Deus! Porque eu sempre, sempre tento respeitar o máximo possível. Porque o medo, o medo é o pior motivo… Visagem daqui, visagem daqui. Aqui na nossa comunidade, o pessoal antigo contava que aparecia uma mulher de branco. Era a história da comunidade, a mulher de branco, a mulher de branco, flutuando. Agora, quando eu era menino, acho que de uns oito anos… Mas a casa do meu pai, eu não sei o que aquela casa tinha, que eu acho que era uma casa, sei lá, meio assombrada. A gente, hora de meio dia, a gente tava deitado, papai lembra dessa história, mamãe lembra dessa história. A gente estava deitado na casa lá e a gente escutava como se roncasse porco. Meu pai criava muito pouco, mas não era. Roncava porco. E aí o meu pai criava uma macaca, da espécie chamada… Meu Deus, esqueci agora. Não é o Bugio, não. É o macaco aranha, para vocês é o macaco aranha, que é uma das maiores espécies que têm. É o quatá, macaco quatá. Meu pai criava uma macaca, fêmea, que ele tinha um ciúme dele, meu amigo, ela era muito apegada com ele. E aí de noite eu me levantei do nosso quarto para ir beber água no pote, que ficava do lado da casa da macaca, da Chica, que era o nome dela. Quando eu bebi a água, que eu soltei o copo para voltar para o quarto, para mim, eu vi um vulto passando assim, de branco, assim. Parecia só uma torona de uma pessoa assim, toda de branco, assim, flutuando assim. É incrível aquilo lá. Entrei para o quarto, não sei se era o medo, o que que era, mas essa parada aí eu vi. Mas na selva, assim, graças a Deus, nunca aconteceu nada comigo. Graças a Deus mesmo.
P/1 - Mas história de medo tem aquela você pequeno liderando o grupo, que você se perdeu.
R - Ah, sim, sim, sim, sim!
P/1 - Deu medo?
R - E muito, e muito! Que quando meu pai gritou, meu amigo, aquilo ali, é uma energia assim que a gente recebe. É uma coisa muito… não tem explicação, porque eu estava com medo de eu sei lá, eu imaginava que eu tinha varado em outro país, em outra estrada, em outro lugar. Eu não tinha noção. Eu estava com um medo ali, total! Que quando eu vi, mas eu digo: “Eu já passei aqui”. E na verdade, não tinha certeza de onde eu estava. Quando eu ouço o grito do meu pai. Nossa, aquilo ali para mim, foi bem como tomar remédio para uma dor e passar a dor. Bom demais! Ouvi a voz de alguém quando você está precisando de ajuda. Estou aqui para te ajudar. Nossa! Mas deixa eu ver se tem mais alguma história aqui. Deixa eu contar um aqui do jacaré. Jacaré de quatro metros e vinte centímetros. Jacaré numa comunidade vizinha, eu mais o meu cunhado, estava fazendo medo para a população. E aí nós fomos atrás desse jacaré para matar. Conseguimos matar esse jacaré, quando nós fomos tratar ele, tirar a pele para da carne pro pessoal e para a gente comer mesmo, esse jacaré tinha boneca, dessas bonecas de criança, de garotinha brincar, que jogava no rio, o jacaré engoliu. Botinho de madeira, desse tamanho, que é feito de madeira para as criancinhas brincar, bota uma varinha na ponta da vara, e fica brincando, dentro do bucho do jacaré. Eu digo: “Meu amigo, se ele pega uma criança dessas daí, ele acabava com ela”. E é isso! Deixa eu ver.
P/1 - Fiquei pensando em você andando descalço, tem que ter um sentido apurado para estar no mato. Tem dias bons de caça, e dias ruins? Você fala: “Hoje não estou bom, eu não posso caçar”. Isso existe?
R - Olha, pra nossa região, tudo depende de muita sorte, tudo depende de muita sorte. Onde é parte de várzea, que é cercada, a floresta cercada por água. Tipo assim, qualquer hora que ele decidir ir caçar, provavelmente ele vai encontrar, na terra firme, que é uma terra firme contínua. Lógico, tem os horário, horário bom para caçar é o horário cedinho, que o bicho passou a noite dormindo, está com fome e quer se alimentar, então ele vai se movimentar. E nessa hora de ele se movimentar, se for da sorte da pessoa, e a não sorte do animal, dos dois se encontrarem, vai dar certo! Mas aí se ele já andou bastante, se alimentou bastante, você vai passar do lado dele, ele vai estar lá só te olhando, que ele já está de barriga cheia mesmo. Então depende muito da sorte. E eu, particularmente, prefiro os horários tanto de manhã cedo, como à tarde. Inclusive, pra a gente apreciar o animal. Eu sozinho andando na mata, posso andar o dia todinho e não ouvir um calango, nada! Sozinho, descalço, nada, nada. Outra vez eu posso sair, trinta minutos, topar um bando de macaco, um bando de porco, entendeu? Isso depende muito, muito da sorte, do tempo. Imagina se eu for um grupo de dez, quinze, oito pessoas, todos calçados, com repelente, com não sei mais o que. Como que o cara vai encontrar? Não encontra não. Eu já topei caça com turista, veado no mato. Papai já matou muito caça com turista mesmo, que ele queria comer caça, já matou. Então, a nossa floresta tem. E assim, de dizer, um dia, “hoje não está bom”. Olha, quando está chovendo, a gente diz: “Eu não vou porque está chovendo. Tá chovendo, tá ruim!” Mas se for da sorte do cara ir e estiver chovendo, ainda é o melhor horário, o melhor momento, porque quando está chovendo, o animal não ouve você. Se você ver o animal lá, você tem como chegar mais próximo do animal. O tatuzinho aqui, um exemplo. Estava ali, o bichinho saiu debaixo de chuva. Se fosse sequinho, ele já tinha corrido e eu não tinha conseguido pegar. Então, debaixo de chuva, não vou, mas não vai porque não querem se molhar. Mas se ele está lá, e se for da sorte dele, vai ser até melhor. Agora no seco, com um solzão, tanto é melhor para a gente ouvir o animal, como também é fácil para o animal ouvir as nossas pegadas. E se o animal ouve, das duas, ele vai fazer uma, ou ele vai paralisar completamente, ou ele vai sair fora, né? Ele vai ficar só quietinho lá, e deixar tu seguir. É uma forma que ele tem.
P/1 - Sons são importantes, né?
R - Sim, sim! Cara, eu gosto muito de ouvir o som da Guariba. É bonito demais. Se a gente… É porque vai ficar cansativo para vocês, dormir no acampamento, na floresta, no caso, na casa coberta. Eu, particularmente, já faz muito tempo que eu não caço, mas eu gosto de caçar, eu acho que esse ano, eu nem sequer cacei. E é até bom para os animais, que é um animal a menos que não morre, né? O que você tem em mente para me perguntar?
2:49:40 - Eu queria saber um dia de trabalho como guia. Você pernoita? Como é?
R - Eu já passei quatro dias na floresta. No passado, o turista, eles vinham, era mais assim, turista esportivo. Ele quer muito aventura, turismo de aventura, quer muito andar na floresta. Eu passei quatro dias. Teve um guia, que se não me falha a memória, foram dezessete dias, se não me falha a memória. Mas era aventura mesmo. Acabou a comida deles, eles tinham que sobreviver, e passar… Aí nós marcamos um encontro com papai, nós fomos, quando nós chegamos no encontro com eles, que eles estavam voltando, e nós fomos para se encontrar. Levar comida para alimentá-los. Eles estavam muito fracos. Que doideira, rapaz! O cara ter que ficar no meio do mato, só pra ficar fraco, querendo morrer. Então eles estavam tão fracos de fome, de vitaminas no corpo, no organismo deles, que eles estavam ouvindo alucinações. Eles ouviam pessoas conversar, pássaro cantar. Estava horrível, eles contavam pra gente, que quando nós chegamos com a comida pra eles, um peixinho, que era um jaraqui frito, que papai levou, meu Deus, eles chuparam os ossinhos. Ta doido! Eu lá quero uma aventura dessas, de ficar com fome lá dentro do mato. Posso até ficar vários dias lá dentro do mato, mas não com fome. E se eu ficar lá sem comida, vou dar um jeito de conseguir. Vou dar um jeito de conseguir a comida. Mas eu mesmo só passei quatro dias, quatro dias e três noites na floresta. E a floresta é isso, se você vai perdendo a vitamina, você começa a ver coisas, a pele do cara muda. O irmão da minha mãe, parece que passou sete dias perdido na mata. Ele chegou, encontraram ele já deformado, todo barbudo, todo… A floresta muda, não sei o que ela tem, que ela muda muito. Irmão da minha mãe, passou por isso, sete dias perdido. Lá por onde eles moravam.
P/1 - Mas normalmente o seu trabalho é fazer… Como que é?
R - O meu trabalho, a gente faz, de mateiro, a gente faz o trabalho da trilha, apresentando as plantas medicinais, meios de sobrevivência, como eu devo utilizar a floresta, que a floresta me oferece tudo. Se eu preciso de um prato, eu posso utilizar uma folha, fazer um prato. Se eu preciso de um copo, eu posso utilizar uma folha, fazer um copo. Se eu preciso de um espeto para assar o meu peixe, que eu pesquei lá no meio da floresta, porque o cara consegue nos pequenos riachos. Eu tenho uma varinha, eu posso. Se eu preciso me comunicar com a minha outra equipe, mas o meu Rádio de Comunicação não funciona, descarregou a bateria, tem árvore que posso transmitir o som batendo, transmitir o som para entrar em contato. Se eu preciso de alguém para ir me ajudar, eu fui picado por uma cobra, quebrei a perna, preciso de ajuda. Estou só eu e Deus. Preciso de ajuda, identifico uma árvore dessa, bato para produzir o som. A pessoa que me ouvir, que nós já fomos, eu e papai, resgatar pessoas através do som, que a pessoa está pedindo ajuda, de noite, fomos lá! Encontramos, ele estava perdido, não sabia. Aí vou explicar, como, por exemplo, se a gente tem, por exemplo, a árvore do açaí, a palheira, eu posso tirar a palheira e fazer o tecido, que é uma pecúnia para escalar uma árvore para apanhar o fruto. Mostra a árvore adequada para utilizar para fazer uma corda, no caso necessário seria amarrar um animal para carregar, amarrar uma rede, se for necessário, que eu não tenha corda, eu tenho como conseguir isso da natureza, entendeu? É esse o tipo de… Como… Mostrar o solo, se o solo é fraco, o nosso solo, que o nosso solo não é um solo rico em vitamina, o nosso solo é fraco, a camada de proteína que tem é quinze centímetros, é o máximo. Porque as raízes não são profundas? Porque o nosso solo é pobre, as raízes estão tudo numa superfície, porque é ali que está toda a proteína, ali estão os animais que morrem, esta folha que seca, os galhos que seca, está tudo ali na camada de quinze centímetros. As raízes vão para a superfície. Então o meu trabalho de mateiro é levar eles, apresentar o que eu tenho de melhor, tentar mantê-lo em segurança e trazê-lo em segurança. A gente diz tentar, porque muita das vezes ainda acontece alguma coisa errada. Graças a Deus… Alguém pegar na palmeira de espinho, por exemplo. Ao entrar na nossa trilha, a gente recomenda: “Gente, eu vou ser o guia de vocês na floresta, nós temos aqui alguns pedidos para fazer para vocês. Pedimos que vocês não fiquem tocando nas plantas, porque essa planta simplesmente pode ser uma planta de espinho, uma palmeira de espinho e você pode triscar sem querer e se machucar. E a gente não quer isso para vocês, para ninguém. Ou pode ser uma árvore que não é uma árvore de espinho, mas que lá pode ter uma aranha, pode ter um escorpião. Então, não toque nas plantas. Eu vou estar na frente. Agora, recente, eu fiz uma trilha. “Eu vou estar na frente, e meus olhos não são de águia, pode ser que eu passe por cima de uma cobra e não veja e que a pessoa que estiver atrás possa ver. Então, olhem aonde vocês vão estar pisando”. São questões de meios de segurança. E aí, gente, agora, semana passada, eu fiz uma trilha, tem até foto da cobra. E é uma surucucu, desse tamanho ela. Aí eu passei e não vi, a terceira ou quarta turista: “A cobra, a cobra!” Que eu voltei, estava lá! Eu digo: “Meu Deus do céu”. Venenosa. “Vem, vem, vem, vem por aqui”. Aí ficou pra lá. E fomos embora. Porque a camuflagem do animal é muito perfeita, se não tiver, vai passar. Então, a gente faz esse alerta. Esse é nosso trabalho de mateiro. E agora, claro, não é mais como era antes. Que antes, nós éramos todos errados. Nós tivemos um problema, que a gente tem uma empresa que está trabalhando com a gente, e aí nós estávamos tendo algumas pessoas que continuavam fazendo as mesmas atividades que eram feitas lá atrás, cortando, furando. Cara, tivemos que chegar com o pessoal que estava trabalhando com a gente, que a gente aluga nosso espaço pra eles. Eles pagam para frequentar o nosso espaço. “A gente fecha parceria, ou vocês não continuam fazendo o que estão fazendo, porque não é pra fazer o que estão fazendo.” Tirei foto tudinho, mandei pra eles.
P/1 - O que eles estavam fazendo?
R - Estavam cortando, furando as árvores. Não, isso não pode acontecer, que vai parar! Não pode, não pode! Botaram uma regra. Eu digo: “Não, se continuar, nós vamos parar a parceria. Não pode, não deve”. Não é assim que funciona. Nós precisamos da floresta limpa e intacta. E como ela é sempre. Se eu preciso realmente tirar uma ____ pra amarrar. Por exemplo, se eu estou no mato, eu achei um jabuti. Um jabuti e a tartaruga da floresta, jabuti. O jabuti… eu não tenho uma mochila, eu não tenho nada. Mas eu tenho uma técnica para prender o jabuti, amarrar ele todinho e fazer uma mochila e botar ele nas minhas costas, e vou embora com ele nas minhas costas, entendeu? Isso tudo está dentro da mata. A gente sabe como utilizar. Mas aí, eu precisei, eu tirei. Eu sei que aquela planta vai se recuperar. Mas toda semana eu estou lá com turista, tirando, tirando. Não vai ficar legal! E a gente aprendeu isso. Pô, é tão bacana, é gostoso demais. Eu fico muito, muito orgulhoso de poder contribuir com meu conhecimento, com os clientes que procuram a gente como mateiro, dormir na floresta. Eu já passei muitas noites nessa floresta aí, sem acampamento, dormindo, só armada a rede nas árvores e de madrugada tome chuva. Só fazia virar a beira da rede assim, ó. Tem uma situação de medo, que graças a Deus, eu só vi essa situação na casa do meu pai, que era aquela imagem branca assim passando, eu menino, mas na floresta a gente chama de pesadelo, né? Eu estava com um cliente na floresta, aí acabamos de fazer o jantar tudinho, cada um se deitou, um pra cá, outro pra ali, se deitou. Eu me deitei na minha rede, e andava comigo um primo meu.
P/1 - Na floresta?
R - Não, na floresta mesmo, tudo espalhado debaixo das árvores lá. Aí tinha ido comigo um primo meu, rapaz, aí eu estava deitado, mas aí eu lembro perfeitamente, que eu não estava dormindo. Como a história do meu sogro, na história do meu sogro eu estava dormindo. E como se fosse um sonho, um negócio assim, que eu não sei explicar. Mas aí, eu sei que eu estava acordado na minha rede, e aí de repente eu senti assim, algo passando na minha rede aqui. Sabe quando você cria um cachorro, que ele vive dentro de casa, se você tiver uma rede, ele vai passar aqui de baixo da sua rede aqui. Eu senti esse movimento embaixo da minha rede, pra lá, e passou para cá. E aí, eu quis falar, chamar o nome do meu primo, que eu chamava ele pelo apelido, que antes era Meio Quilo, o apelido dele, aí aumentou para Quilo. E aí eu só fiquei falando só assim: “Ki ki ki.” Já não saiu mais nada. Então, isso, é o famoso que se fala, pesadelo. Eu já não conseguia mais falar. Aí, o guia: “Chama lá o Marcio na rede.” Ele foi lá e bateu na minha rede, foi quando eu despertei. Então, não sei se passou alguma coisa debaixo da minha rede, o que foi que aconteceu. Eu sei que… Tem uma que eu vou contar para você, eu estava aqui na beira, estava dormindo no nosso barco aqui na beira, um barquinho que a gente tem. Olha como a natureza se defende, a natureza é perfeita, cara! Eu estava com a minha espingarda lá, e aí eu escutei, andava um tatu grande aí, eu levei a espingarda que eu queria matar o tatu. Aí eu escutei fazer zom, zom, zom. “Puxa, é o tatu”. Eu levantei, peguei minha espingarda, fui para a proa do barco, para a beira, foquei, nada! Aí escutei, quando eu olhei era em cima, no tronco da árvore, lá no galho furado, a mucura. Poxa, a gente tinha uma mucurinha aqui, a gente estava criando ela, era tão especial. Acharam a mãe dela morta, eram duas, uma sobreviveu, e a outra sumiu, a gente acha que ela sobreviveu também. Aí, ela já tá grande assim, já. Mas comia tudo.
P/1 - Cobra?
R - Mucura que é o gambá, é o gambá. Ela já estava grande assim, aí ela sumiu, eu acho que ela foi embora de novo para a natureza e não voltou mais. Ela passava um tempo sumida, passava dois, três dias e voltava. Aí não era a mucura que estava puxando folha lá no buraco do pau. Acho que era para ela fazer ninho. E aí eu peguei um galhinho de pau daqui assim e joguei lá no rumo daquela mucura. “Se aquieta!” Aí, eu desci, fui dormir. Quando eu estava dormindo lá, aí me deu esse tal de pesadelo. Eu estava bem dormindo aqui, eu sentia que algo descia pela minha rede assim, mexendo na minha rede, aí eu via passando em cima do meu braço, quando passava em cima do meu braço, eu pegava. Meu Deus do Céu! Eu não sei quantas mucura que eu joguei ali dormindo. Me acordei, meu Deus do Céu, o que eu tinha que jogar o pau lá na mucura que estava quietinha no lugar dela que não vem deixar eu dormir agora. Eu ficava com pesadelo com a mucura. Para acabar. Isso aconteceu comigo, isso aí. Mas dizem que é pesadelo, né? O cara não está dormindo bem. Nunca tinha acontecido. Aconteceu essa vez no mato, isso aí. Eu vou ficar fazendo barulho? Só de jogar o pau lá na mucura eu já estava tendo… E rapaz, tem que respeitar a natureza.
P/1 - E o rio? O Rio Negro, conhecimento fluvial?
R - Rio, eu entro na água perfeitamente, mas por exemplo, toma banho, pula lá naquele meião, lá no meião mesmo. Não é meu não. Eu vou aqui na beirinha e tal. Respeito muito. Sei que lá no Rio tem cobra, tem jacaré, tem tudo. Nós temos o nosso pai, nós temos a nossa mãe. A natureza tem o pai dela, tem a mãe dela. O Rio tem o pai dele, tem a mãe dele. Eu vou ficar teimando lá? Eu ando com o meu barquinho zoando ali, porque é necessário. Mas eu não gosto de ficar lá abusando não. Temos que respeitar, e mesmo que eu chegar na sua casa, tem que: “Com licença, bom dia!” Tem que respeitar, não pode ser bagunçado. Aqui a natureza é nossa, mas nós temos que saber usar, e principalmente respeitar. E isso eu acho que é precioso, nossa.
P/1 - Você já ensinou, tem passado esses conhecimentos…
R - Já, já já! Olha, meu cunhado mesmo… São crias que a gente fala, né? E cria minha, cria. A gente passa o conhecimento. Que a gente só aprende… Eu aprendo se eu for para uma escola, eu aprendo se eu vou fazer o curso. Alguém vai me ensinar. No meu caso, eu aprendi com o meu pai. Eu pretendo ensinar qualquer uma das minhas filhas, porque nem todo mundo tem vocação, mas a Jaqueline, a Jaqueline ela tem. E às vezes eu levo ela. O Jhonatan. Só que nem todo mundo, nem todo grupo, por exemplo, do Seu Israel, maravilha, pode. “Não, mano, levam as crianças.” Então, eles já vão tomando conhecimento. E dali, um dia, quando chegar, que Deus me livre, eu morrer, e eles tiverem o conhecimento, e tiver o próprio negócio nosso de turismo, e continuar, eles podem dar continuidade. Mas tem gente, tem empresa que diz: “Não, eu não quero as crianças”. E eu aprendi como criança, acompanhando meu pai. Então, esse era o meu, e é o meu objetivo, de levar minhas filhas que se sentem… que tem vontade de ir. Jasmin não quer isso, não. Mas a Jaqueline tem. E aí, o tico… o tico hoje em dia, se eu não puder fazer uma trilha, ir para a floresta, ser o mateiro. Eu ligo para ele: “Pô, mano, eu tenho uma missão para fazer na floresta, assim, assim, assim…” “Não, pode deixar comigo!” Aí, tem coisas que ele já faz além do meu conhecimento, porque ele já absorveu mais conhecimento. Porque a nossa vida é assim, é um aprendizado. Eu aprendo com você, você aprende comigo e assim vai. E aí o guia que ele trabalha, ele já pega algo do guia, já aprende, já vai… Natureza é muito, é muito, muito, muito perfeito. E eu posso dizer para vocês que no dia que eu morrer, meu conhecimento eu já deixei nessa terra. Já! E isso é bom. E eu acredito que melhor ainda vai ser com a notícia de todas essas histórias levantadas e registradas, num livro que eu pude ler, e que outras pessoas, futuras nações poderem ler, lá na frente, conhecer as história, histórias verídicas, fatos reais, de como era, como foi um dia, e como está hoje. Que isso é o mundo, sem esse conhecimento nós não somos ninguém, nós não somos capazes de dar um passo pra frente sem conhecer a história do passado. Não somos. É demais.
P/1- E pensando nessas mudanças todas, climáticas e do tempo. Você já precisou ajustar algum conhecimento por conta dessas mudanças do ambiente, de desafios climáticos ou até sociais, de muita gente aqui, achar um novo jeito de viver?
R - Luiza, já! Já sim! Essa mudança mexeu. Eu não sei se a palavra correta seria… Mas até seria mundial. Ela mexeu com a história mundial, e você com certeza, eu, pessoal da região, ou do Amazonas, ou do Brasil, tiveram que mudar algumas coisas, porque mudou mesmo, mudou mesmo. Se você vai plantar uma roça, que a gente plantava ali, vamos dizer que no mês de abril, mês de junho. Você não planta mais, porque não vai mais segurar a temperatura, vai morrer tudo. Então você tem que mudar, né? E dentro da atividade na floresta, de mateiro, a minha mudança, por exemplo, é o horário. Eu tive que falar, porque normalmente, o que acontece, para o cliente, ele vem de uma vida trabalhada, ele guardou financeiramente o recurso pra fazer aquela viagem, e muitos deles querem sim aproveitar ao máximo, mas muitos também querem também dar uma descansada bacana. E aí eles querem, às vezes, sair para a trilha, pra mata, com mateiro, a partir das nove da manhã. Nove da manhã não é horário mais de se entrar para trilha. Não é. Porque a trilha não vai ser mais atrativa, não vai ser mais gostosa de fazer o passeio na floresta, que vai estar quente, você não tem mais paciência, você quer ir e quer voltar. Então, você tem que entrar um horário mais cedo. As opções de ver algum animal ou algum pássaro é maior, porque quando começa a esquentar, já é o período que você está vindo. Então, você absorveu toda informação do mateiro e vai ficar no final. Mas se você for a partir das nove da manhã para fazer a atividade na floresta, você vai gastar o seu tempo, com certeza você vai receber pelo seu trabalho, mas no final você não vai deixar o seu cliente satisfeito. E com isso você não vai ter um retorno de mais clientes. Se você não deixa o seu cliente satisfeito, o retorno não vai ser constante. E se o cliente fica feliz, fica alegre, satisfeito. Lógico que a empresa que estava recebendo isso, vai vir mais turista e você vai ter mais trabalho, como um bom mateiro. Entendeu? Mas eu tive que mudar. Essa mudança aí eu tive que mudar. E as pessoas estão acatando e concordando até, não tem como mesmo, tem que mudar. Nem eu aguento. Os guias falam: “Mano, nem eu aguento também!” Tem que mudar, tem que se adaptar.
P/1 - E em relação à comunidade aqui?
R - A comunidade tem aí cerca de quinhentas a seiscentas pessoas. Ela já passou por vários presidentes. Um dos primeiros presidentes dessa comunidade foi o meu pai também. Ela já passou por acho que uns três títulos de nomes diferentes. Ela teve nome como Comunidade dos Amigos, teve outro nome aí, até chegar no Comunidade Bela Vista, Igarapé do Jaraqui. Então ela tem uma história. E como toda localidade, existe seus altos e baixos, sempre tem alguém que não está feliz com a atividade do outro, ou sempre tem… Todo mundo por uma boa causa, por exemplo, quando tem alguém que está em leito de hospital precisando de ajuda financeira, a comunidade se envolve fazendo evento, como futebol para arrecadar fundo, para mandar uma ajuda financeira para aquela pessoa que está precisando. A gente só fica um pouco triste, eu, Jeovania, a gente, às vezes, reclama, que isso, às vezes, não acontece. Eu já falei isso em reunião da comunidade, que a gente é do tipo… A Jeovania, quando não está bom para nós, a gente fala mesmo, e no meio do público, entendeu? Porque a gente pensa dessa forma. A gente quer que seja… Nada por debaixo do pano não! A gente quer esclarecer. O que acontece? O meu pai quebrou, quebrou não, foi cortado a perna dele, porque ele estava com problema nos dedos, deu diabete, aí foi afetado, foi afetando, tinha que cortar só os pés, depois já teve que cortar a perna. E ele passou muito tempo internado, muito tempo lutando. A comunidade nunca se mexeu para ajudar financeiramente. Entendeu? Aí, a minha mãe quebrou o braço dela, ficou um tempo internada. A comunidade nunca se mexeu para ajudar financeiramente. Ao contrário, que quando acontece algo com qualquer um, sempre nos procuraram para ajudar, tipo para criar aquela cesta básica, um quilo de feijão, um quilo de arroz. Papai, sempre nós estávamos lá para ajudar, contribuir. Um tempo desses eu saí de casa em casa fazendo uma vaquinha. “Mano, tem um cidadão que está precisando, você pode ajudar com dois, cinco, dez reais.” Tá aqui dez reais. Fiz um vídeo, mandei para o cara, arranjamos ali, rapidinho, R$380,00, rapidinho. O cara teve que ir para Manaus. Então, tem esses altos e baixos, entendeu? Mas na nossa situação, mesmo agora, outro dia, nós estávamos com a minha filha na maternidade, e aí a cesárea dela infeccionou, ela ficou mais dias, e a gente ficou. E aí, depois eu fiquei rindo, digo: “Cara, alguém estava passando mal no grupo da comunidade. “Gente, vamos orar pelo fulano de tal, que mora lá em Manaus, está passando mal, está precisando de oração.” Aí, eu olhei para aquele grupo. Digo: “Pô, estou com vontade de botar aqui: Pô gente, a gente passa por tanta situação, e a gente não teve nenhum apoio, nem dessa oração aí que estão pedindo nesse grupo.” Minha filha, outro dia eu coloquei foi no grupo da luz, que é um grupo geral, pedindo ajuda de informação de alguém que tivesse contato de alguém dentro do hospital, que a minha filha não estava tendo o devido acompanhamento, sabe? Deixa lá e… E aí não tive. Graças a Deus que a Jeovania segurou as pontas até que conseguimos vencer. Saiu, parece que com quinze dias. Aí com nossa pequena, nós passamos 23 dias. Eu questionei com o meu pai, questionei. Porque eu estava lá, 23 dias, meu pai e minha mãe, eles não tem internet, mas aqui na minha casa tinha e tem internet. Eu não sei agora se está desligado, mas eu tinha a nossa mesmo. Então, eu questionei com eles, disse o seguinte: “Seu filho, sua nora, sua neta, no hospital”. A Jeovania não saía, nem ela, eu saia, ainda ia na casa do meu irmão. Vocês não tiram um tempo para ir na minha casa, pegar a internet, para dizer: Como é que você está meu filho? Né! Eu não estou precisando de dez reais, vinte, cem reais. Eu preciso de uma palavra de consolo. É isso que a população, o ser humano, o mundo precisa. Claro, todos nós precisamos de uma ajuda financeira. Todos nós precisamos. Mas aquela palavrazinha para aquela pessoa que está lá. “Não, meu amigo, você vai sair dessa, você vai vencer”. Fé em Deus em primeiro lugar. Aí eu chamei a atenção do meu pai. Digo: “Para ir atrás de uma gata aí, o senhor está atrás de internet, pra ir ligar para fulana que você nem conhece, o senhor está atrás de internet. E eu aqui…” Rapaz, joguei no grupo da família. Quando foi mais tarde. “Ah, meu filho, tu sabe que eu não tenho internet.” Ah, já está falando comigo já.” Pois é! Só isso que eu estou precisando, da sua atenção. Então a nossa comunidade é mais ou menos isso, entendeu? Mas sempre que possível, se alguém está precisando, joga lá no grupo: “Gente, tem alguém que está assim, assim, assim. Vamos fazer um evento.” Toma aí! Jeovania faz bolo. Não sei se tu viu ali. Tem um monte de… Faz bolo de aniversário, bolo de casamento. Aí faz o bolo para doação. E é isso. Essa é a nossa comunidade. Altos e baixos, mas nós estamos aqui, e vamos sobrevivendo, até onde der.
P/1 - Uma pausinha?
P/1 - Me fala uma coisa. Como você vê essa profissão? Você acha que ela está sendo ameaçada ou não? Como é isso para você? Como você pensa o futuro dela?
R - Olha, no meu ponto de vista, com toda, com toda, com toda sinceridade, para mim ela não está sendo ameaçada, não. Pelo contrário, está evoluindo muito mais. A epidemia, quando chegou, deixou todo mundo sem, né? Fechou pra todo mundo. E a gente ficava se perguntando, o que vai ser? Vai acabar o planeta? Vai acabar todo mundo? Então, era uma dúvida geral. Pós epidemia, a epidemia, a doença, voltando um pouquinho, a doença era algo para juntar as famílias, e muita das vezes, essa doença, a epidemia, covid separou as famílias. Não pelo motivo de morrer, perder alguém da família. Mas também pelo motivo de discordância, um queria tomar vacina, o outro não queria, e o outro queria curtir a vida, o outro não queria, o outro queria se preservar. E isso gerava conflito dentro da família. Porque gerou dentro da minha família. Eu estava de boa aqui, quando pensei que não, pessoal vindo lá de Manaus, curtindo. “Rapaz, vocês precisam ter mais respeito, teu avô, tua avó, tudo idoso, vocês querem curtir a vida.” Mas pós a epidemia, o movimento turístico pra mim, cara, ele Graças a Deus, ele está ótimo. Está maravilhoso. E a minha visão é que ele só está aumentando mais ainda. Eu não vejo como… Agora sim, claro, se eu não cuidar do meu ambiente, da área que eu trabalho, lógico que eu vou perder minha clientela. Mas isso aí já depende do meu cuidado com a natureza, porque se eu deixo… Como é que eu falo? Os madeireiros destruírem a natureza onde eu trabalho, o que eu vou oferecer para os meus turistas? Como é que eu vou ser o mateiro, como é que eu vou ser o guia? Vou mostrar a floresta destruída? Não tem quem vai querer. Então eu preciso cuidar, é com carinho, com amor, da área onde eu trabalho. Cultivar. Dessa forma meus clientes vão continuar e vai só crescer. E eu pretendo que cresça mais mesmo, porque eu ainda dependo das empresas que me conhecem. Eu não tenho nem o cadastur, eu não tenho nem o cadastur, porque quando está lá no site, passa lá na televisão: “Cadastur o cliente se sente seguro.” Porque ele tem o cadastur. E eu ainda estou caminhando pra mim criar o meu cadastur, pra eu depois criar minha própria pequena empresa, uma MEI, junto com a minha mulher. Pra eu começar a divulgar meu próprio trabalho, começar a ganhar meu próprio cliente. Receber aqui, criar minha estrutura, um quartinho, uma casinha para quando… “Vou passar três dias.” Três dias vai dormir, eu tenho que ter o meu ambiente. Aí se alguém me conhece, entra em contato comigo, mas eu não tenho o meu ambiente, vou ter que passar para outra pessoa que tem. Poxa, eu estou perdendo. Então, eu tenho que ter essa visão de que eu tenho que fazer algo. E eu já estou começando a fazer algo, estou construindo o barco, talvez no futuro a gente vá ter o barco. Aumentando a casa, porque a nossa própria casa, se ela tiver o aconchego, tiver os quartos, se tiver o conhecimento, nós vamos ter os nossos próprios clientes. E é isso que a gente quer. Mas para mim, ele não enfraqueceu, para mim, ele até… Para os outros, que eu vejo, em modo geral, não só para mim, ele cresceu, o movimento cresceu de turista. Porque tem mais gente envolvido, mais grupo chegando, mais barco chegando. Quando começa essa água a subir, vai ser barco entrando de turista pra caramba. Agora, falta nós nos reinventar pra a questão da mudança climática, no caso. Ninguém era acostumado com secas severas, e isso afetou as agências que operam com o turista. E aí a gente tem que criar alguma alternativa pra a gente criar os nossos… Fazer com outro. No período de estiagem, no período de seca, pra que a gente não fique sem essa forma de recurso. Mas aí tem que ser uma coisa que a gente tem que ver algo que possa oferecer, que seja atrativo para o cliente, para a empresa, que todos possam ganhar. O cliente sai feliz, a empresa ganha o dela, nós ganhamos o nosso. Mas eu acho que o turismo está bom e ainda vai melhorar mais. Mas nós já sofremos muito. Eu mais o meu pai, nós já sofremos muito nessa comunidade por causa da atividade turística. Gente, até o mundo de hoje ainda mesmo, a gente ainda sofre. Só para você ter uma ideia, deixar registrado. Existem barcos grandes que vem, são estudantes, cerca de oitenta, 150 estudantes, em média de cinco barcos, no mês de junho que vem pra a gente. Sabe o que a comunidade chama? Chamava. Chama. De bonde caga na água. Caga na água, ou seja, defecar na água, caga na água, literalmente. Os barcos são todos capacitados com uma caixa d'água embaixo, a fezes vão para a caixa, e daí eles vão para o meio do rio, lá para fora, para descartar. Mas os barcos ficam aqui dentro, aí para a população, porque somos nós que trabalhamos com turistas. Aí ficam: “Bando de caga na água, e não sei o quê.” Ficam gritando. Teve uma reunião aqui, que deu problema, que estavam falando mal dos nossos clientes, que vieram para nós trabalharmos. Porque somos nós que trabalhamos com essa atividade. Todo mundo trabalha isoladamente, chega um grupinho hoje, tal, tá. Aí quando chega o mês de abril, maio, junho, julho, que aí vem os estudante de intercâmbio, que vem de fora, do mundo inteiro. E vem os de São Paulo, que é da escola de São Paulo, que eu esqueci o nome agora. Qual é o nome? Colégio Santa Cruz… Aí, ficaram xingando no grupo e tal, porque faz barulho, não sei o quê. Aí foi feito uma reunião na comunidade, aí todo mundo jogando pedra em cima dos nossos clientes. Porque a gente faz esporte de canoa, canoagem, banho de rio, e faz a trilha. “Ah, porque ficam pulando na água no meio do rio, fazendo barulho.” Os filhos de vocês, que moram lá em Manaus e vem passar o final de semana aqui, e vão tomar banho lá no meio do rio, eles ficam com a boca fechada ou eles ficam gritando lá no meio do rio? Nossos clientes, eles vêm se divertir, se você reclamar pra mim, que nossos clientes estão gritando aqui a partir das nove da noite, aí você pode reclamar pra mim, porque aí eu sei que você está com sua razão. Mas se os clientes estão aqui às nove da manhã, dez da manhã, uma da tarde tomando banho no rio, gritando, se divertindo. Ele está dentro do padrão. Agora, me chama atenção se tiver a partir das nove da noite, que aí eu sei que eu vou ter que chamar a atenção deles.” Mas é todo tempo assim. Nós aguentando pressão, porrada, pressão. Aí a gente chama isso aqui, no popular, de inveja, olho gordo. É tudo isso que a gente chama, entendeu? Porque a pessoa não se mete a fazer, não tem, e não quer que ninguém tenha. E é isso. E a gente luta, luta, mas mano, nós aguentamos porrada. Mas bota pra cima, vamos trabalhar, vamos construir. Mas o cliente, Graças a Deus, eu particularmente fico feliz em todas as atividades. Eu vejo o sorriso do turista, eu vejo. Eu meto até a falar o inglês com eles lá. É bom, pô! Eu preciso. Na verdade, eu preciso aprender o inglês. Mas alguma coisa… Outro dia a guia estava, cara, tu manda bem em inglês. Eu digo: “Só very little. Very very very little”. Entendeu? (Risos). Realmente eu não falo. Mas Let's go. Vamos. Be careful. Look. Snake. Né, minha filha? Be careful, be careful.
P/1 - E você, um passarinho me contou, que você é artista. Faz artesanato.
R - Também! Também! E esse passarinho tem nome?
P/1 - Tem! Você conhece. Conhece bem.
R - Olha, o turismo, na minha opinião, não existe turismo sem artesanato, não existe! E o verdadeiro artesão… Eu acredito que a arte é tudo na arte na vida do ser humano. O que nós estamos fazendo aqui é uma arte. Tudo é envolvido na arte. O que você imaginar, é uma arte. Então não existe você dar uma volta no mundo, se não tiver a arte. E o artista é tudo isso aí. E eu não sou um cara, como posso dizer? Profissional. Mas eu sou um cara que o que eu botar na minha cabeça, eu vou lá e faço, entendeu? Mas o que define um grande artista é ele ter acessório, maquinário e conhecimento. Se ele tiver o acessório, maquinário adequado, e o conhecimento, ele não precisa nem ter um conhecimento de loja, ele precisa ter um conhecimento… Como é que eu posso dizer aqui? Da rede social. Mas ele precisa ter um conhecimento. E se ele tem o maquinário, se ele é um grande profissional, um grande artista, acabou. Tá bom. Tá ótimo pra ele. Entendeu? E eu sou um pouco desse artista, mas eu ainda não sou o cara da rede social. Eu já inventei até de ser um… Postar o vídeo por Kawai. Como é que fala? Agora esqueci o nome, como é que fala do cara que posta? Estava bem.
P/1 - Influenciador?
R - Tá vendo! Ser influenciador, rapaz! Eu tô bom de história. Todo dia era história, duas, três, tal. Rapaz, tava aumentando. Eu já tinha aí uns três mil seguidores, ou mais. Agora tá ótimo. Aí, de um dia para o outro. “Rapaz, eu não vou gravar mais não”. Parei, parei! Mas estava indo bem, estava bacana. Então, assim, o turista se a gente faz mostrando a nossa cultura em peças, em artesanal, o turista vem, ele quer conhecer e quer levar algo de lembrança. E claro, ele vai ficar super feliz, e ele nem chora pelo preço que você oferece, que é um preço justo. Ele nem chora, ele paga o preço que você está pedindo, e ele vai levar uma lembrança, ele vai ficar super feliz, e ainda vai deixar o recurso pra mim como artesão, outras pessoas também, que são artesãos. E eu, se eu tivesse, não tivesse na verdade, um emprego, um emprego fixo, eu iria pender direto pra área do artesão, direto. Porque a arte, o artesão, a arte, hoje em dia, se a pessoa souber, ela sim pode gerar uma forma de vida, de recurso financeiro. Se o cabra investir mesmo, uma peçazinha, nós temos tantas árvores que cai aí, depois você vai ver ali, algumas peças que você pode estar aproveitando. Mas aí depende de maquinário. E os maquinários que precisa, não são maquinários baratos, não. Que você precisa, por exemplo, de uma máquina, o torno, uma tupia, original. São coisas originais. E aí a gente está falando de trinta e cinco mil, quarenta mil reais, um equipamento desse. Aí eu não posso, eu vou, entro lá no aplicativo, a mulher entra pra mim, aí compra um, vamos dizer, uma maquete, né? Uma maquete, uma máquina sete um, que tem a serra, tem a furadeira, tem o torno, tem sete funções em uma, mil e oitocentos reais. Mas a partir do momento que você força um pouquinho a madeira, já queimou o motor. Então não vale a pena. O meu já queimou. Mas a gente precisa. Mas devagarzinho a gente vai montando. E eu tenho essa vontade de ter o meu espaço, junto com o espaço da minha esposa, que aí entra também a parte que eu queria. Porque, como eu falei, nós, eu e ela, a gente corre atrás. Se tem um curso, uma capacitação, se a gente pode ir. Vai! Agora, dia dois de dezembro, ela já vai para uma oficina de sementes na UFAM. Três, quatro dias, três dias. Na sequência eu vou atrás, que é para a gente fazer a missão, e aí… E outros, e outros, cosméticos. Quero a Deus, se eu pudesse estar com ela todos os sábados lá na cidade, fazendo cursos. Todos os sábado tem. Fazer perfume de embelezamento, sabonete, shampoo e tudo. Todos os sábado tem, só que é recurso financeiro para nós, que não vale a pena. Mas se a gente puder, a gente tem que se capacitar. Nós… Foi feito aqui um grupo chamado Grupo Jatobá com doze mulheres. Foi um professor de medicina, de raízes, que veio para resgatar a cultura da população, porque tudo é farmácia, tudo é farmácia. Aí fizeram xarope de plantas medicinais, como mangarataia. Aí a planta medicinal, que é o jatobá, que inclusive é o nome do grupo. Que também jatobá, você pode dar uma pesquisada sobre Jatobá, não sei se você já ouviu alguma coisa, mas Jatobá é rico em muitas e muitas outras coisas aí na área da saúde, medicina. Construir isso aí pra gente fazer a palestra com nossos estudantes, que a gente recebe, a gente precisa melhorar. E aí ela vai dar continuidade com o projeto do Grupo Jatobá, porque é um nome forte no mercado. Não tem, inclusive a gente tem que patentear, porque não tem. Mas a partir do momento em que alguém patentear, aí já era. E a gente tem um problema sério, porque eu sou funcionário público, não posso criar uma MEI pra mim. Não sei. São as leis, são as regras. Um funcionário público não pode criar uma MEI. Aí eu não posso criar uma empresa envolvida ao turismo, a floresta. Aí a minha esposa está no defeso, no defeso do pescador. E aí se ela criar a MEI, cancela. E esse ano, a gente vai cancelar o defeso pra gente criar a MEI, porque a gente quer o nosso próprio negócio. Entendeu? Que se a gente ficar… Não, eu preciso do defeso! Que só são quatro meses durante o ano. Acho que em setembro, outubro, novembro, dezembro, não sei! Quatro meses, só no final do ano. Aí acaba. É um salário mínimo por mês e acaba. Eu criando o nosso próprio negócio, com a MEI, se a gente conseguir, nosso contato, movimento, é muito melhor para nós, entendeu? E é isso.
P/1 - Pra gente ir finalizando. Eu queria saber…
R - Ouvi falar de merenda por aí. Mas eu estou bem.
P/1 - (Risos) Como foi se tornar pai?
R - Pai é uma história que pode ser contada e registrada. Se tornar pai, eu andar… (Risos) Da para rir dessa história. Quando eu conheci a Jeovania em quatro de outubro de… Dois mil e o quê, amor? 96, que eu morava em Manaus, quando eu vim. Está registrado essa parte aí. Aí no ano seguinte, foi um ano de seca grande. E para mim ir visitar ela, eu saía daqui, da nossa comunidade, atravessava aqui o igarapezinho, que vocês vão ver, com água no meio da perna, eu andava quatro horas e vinte a pé. Ainda com a mochila, daquelas de mochileiro, cheia de manga, pra levar manga. Só para ir namorar. Quatro horas e vinte a pé. Não teve um caboclo nesse beiradão que fez isso, só eu. Quatro horas e vinte. E aí nós estávamos na fase de namoro, que quando pensou que não… Já estavam até querendo separar nós, já estava querendo separar. Quando pensou que não, chegou o recado da mãe dela para mim: “Olha, é para tu ir lá na na casa da mulher lá, que a mãe dela quer falar contigo, o pai dela quer falar contigo.” Meu Deus do céu, o que está acontecendo? Aí eu fui para lá, cheguei lá, tinha uma festa, nós fomos para lá. Quando chegamos lá, a festa não deu em nada, acabou a festa, não rolou a festa. Ai meus parceiros voltaram. Eu digo: “Rapaz, vou ficar". Ai, eu fiquei, aí o pai dela: “Não, pode armar tua rede aí, dorme aí, amanhã a gente conversa.” “Tá bom!” Dormi! Quando foi de manhã cedo, café da manhã, me chamaram para a roda de conversa: “Olha, a menina tá grávida aí, e nós queremos saber…” Mesmo assim. “Nós queremos saber se você vai assumir ou se você vai sumir.” Eu digo: “Rapaz, eu preciso conversar com ela”. “Tá bom, então”. Eu digo: “Rapaz, e aí, tu vai querer ficar comigo? Eu fico contigo!” “Eu vou querer, eu vou querer”. “Então, tá! Me deu uma semana. Me de uma semana, que eu vou voltar lá em casa, falar com os meus pais, e aí eu venho buscar ela”. Aí com uma semana eu bati lá de volta. Meu pai tinha um rabeta velho, mais preguento, só vivia no prego. Aí eu fui! Quando nós viemos de lá para cá… Mas nós tivemos um negócio bacana na nossa vida, eu com ela. Primeiro passou uma boladinha de chuva, era assim, umas cinco e meia mais ou menos, passamos uma boladinha de chuva. Aquela chuva em cima da gente, pra dá uma boas vindas, né? Aí passou a chuva, apareceu aquele “arcoirizão” bonito no meio do rio. Eu digo: “Pô, que bênção!” Aí, quando a gente anda mais um pouco, a nossa rabeta começa... Aí, a gente vem de lá pra cá. E foi assim que começou a nossa história. A nossa primeira filha é daí, entendeu? Já faz 28, 29 anos. 27, ah é! Ela é boa de matemática. Mas estamos virando, graças a Deus!
P/1 - Muito bom!
R - Essas são as partes boas. A parte ruim a gente deixa debaixo do tapete.
P/1 - E como é o dia a dia de vocês?
R - Rapaz, o dia a dia, uma hora ela está rindo, outra hora ela está de cara feia, uma hora a gente briga, outra hora a gente está se amando. É assim mesmo. É a vida de todo casal. Porque na verdade eu penso assim, esse é meu pensamento. Sinceramente, o ser humano, o parceiro e a parceira, era pra realmente ser os dois felizes, mas eu acho que não existe o mar de rosas. Até porque eu penso o seguinte, que a própria discussão entre casal, pra mim, a discussão é como se ela fosse uma planta que está precisando da água, ou do próprio adubo para ela conseguir sobreviver. Porque se a planta estiver lá largada e não tiver uma água regada, ela vai morrer. O casal, ele tá de boa, mil maravilhas, de repente vira uma discussão, vira a discussão, um fica de cara feia para o outro, vira as costas, e tal. Quando e depois vem o carinho: “Oi amor, desculpa, me perdoa! Vem cá, eu te amo e não sei o quê.” Esse daí é a água, e é o adubo, aí dá aquela fortalecida no relacionamento. Se não existir essa água e o adubo, vai morrer! Mas dizer que mar de rosas, dizer assim: “Ah, eu vivo com meu marido, minha mulher é maravilha, ninguém discute, ninguém…” Então, não está bem não, porque eu acho que sempre tem uma discussãozinha lá. Concorda?
P/1 - E os seus sonhos futuros?
R - Ah, os meus sonhos futuros não são poucos, não. Às vezes, eu penso que, cara, vale a pena sonhar tanto? Não são poucos. Eu tenho muitos sonhos. E pra começar, em melhorar nossa estrutura residencial pra nós termos o nosso próprio negócio, esse é o que nós temos em mente. Ter o nosso próprio negócio, independente. Melhorar… Como é que eu posso dizer aqui? A relação em família, nós já somos adaptados a nossa história. Eu com ela, somos adaptados. Então, melhorar, isso é importante, é bom. Nós melhorarmos, eu melhorar com o meu, ela melhorar com o dela. Isso é bom para o relacionamento. Mas eu tenho um sonho de construir o meu barco grande, trabalhar no ramo turístico, sim! Porque por isso quero construir minha estrutura, para ter espaço para receber. E se eu construir o nosso barco, a gente pretende fazer uma construção no terreno, onde a gente tem. Que se Deus quiser a gente vai chegar lá. Pra gente trabalhar com o público, para eventos, por exemplo, o público evangélico, em retiros, que é uma forma de a gente estar usando a nossa natureza, sem estar degradando ela, e com o que ela tem, que nos oferece, arranjar formas, meio de sobrevivência, de arranjar recurso. Porque se eu tiver o meu barco, e eu tiver uns galpões feitos para atender grupo de pessoas, cinquenta, cem, oitenta evangélicos para fazer cultos no período de carnaval, que eles procuram, eles alugam, dava para a gente trabalhar. Se eu utilizar, fazer lá meu espaço lá, ter lá um espaçozinho para um churrasquinho final de semana, que é tudo é praia na frente, a beira do rio, bonito, á pra eu estar trabalhando com público de final de semana, no espaço que eu tenho lá, é um espaço bom. Eu só tenho que me estruturar. Agora, para se estruturar, tudo precisa de recurso financeiro, ou seja, verba, dinheiro. Quando se tem projetos, que a gente se encaixa… Eu preciso montar uma estrutura tal, qual o valor dessa estrutura? O valor dessa estrutura eu preciso tanto de material. O projeto compra esse material, e eu vou estar trabalhando. Mas só aí, já é um empurrão assim, não é pra baixo, é empurrão pra cima. Isso ajuda muito. E isso a gente não tem tido sorte. Por exemplo, a gente tem os Quelônios, que é um projeto voluntário. Já pelejamos, mas não deu sorte, para ver se tinha como a gente conseguir apoio de alguém, sei lá, de uma ONG, de qualquer coisa financeiramente com combustível. Porque o que se gasta muito é com gasolina, nós gastamos muita gasolina. Eu gasto, em média, cinco litros a seis litros por noite de gasolina, rodando pra gente conseguir. Eu consegui só quatro covas. E nem todos vão nascer. E eu consegui doado pelo órgão de Manaus, da Sema, trinta litros de gasolina. Eu passo três meses fazendo a rota, todos os dias, entendeu? Eu consegui doado trinta litros. O resto tudo é do nosso bolso. A gente se vira pra comprar. Mas por amor à atividade, entendeu? Então, assim, se eu conseguir melhorar tudo isso aqui que eu tenho em mente, que são planos futuros, isso iria me ajudar muito. Mas infelizmente, a gente não tem recurso. Mas a gente tem esperança, a gente tem fé, força. O que eu peço de Deus é saúde. “Deus só me dá saúde, Deus tira essas dores do meu corpo, Deus”, que eu estou igual arroz de terceira, estou todo quebrado, mas continuo de pé. Eu sei que daqui para frente, vai ser só mais dor, e dor pra cá. “Aí, não doía aqui, mas agora está doendo.” É só continuar, que chama-se a velhice, que está chegando. Mas enquanto eu consigo fazer algo, eu vou estar lutando e fazendo enquanto eu consigo, porque vai chegar um momento em que aí eu não consigo mais não, né? E eu quero tentar, porque nós perdemos muito tempo. Como eu falei, meu pai foi a primeira pessoa do turismo dos anos setenta. Era o primeiro comerciante, era o primeiro dono do barco. Nós temos que dá uma corrida, porque ficou parado, né? Então eu acho que sonhos são muitos, muitos, muitos. Mas eu digo com toda sinceridade. Não tenho vontade de morar em Manaus, tenho vontade de ter uma casa em Manaus, mas não tenho vontade de morar. Viajar, então, eu só tinha em mente… Um dia eu quero conhecer a África. Eu tinha essa vontade de conhecer África. Eu acho que eu me… Assim, posso dizer, que eu me encontro com a realidade da África. Eu já trabalhei com muitos turistas africanos, já conversei com muitos turistas africanos, angolenses, Moçambique, fala português. É assim, vendo as novelas, os filmes, o jornal, então se eu chegasse na África, em Moçambique, em Angola, eu iria conseguir sobreviver, porque eu diria: “Cara, eu quero comer, eu estou com fome, eu quero voltar pra casa”. Porque eles iam me entender. A gente até não divulgou, porque outras vezes, não aconteceu comigo uma proposta dessa, não, mas aconteceu com o papai, e não deu certo. Aí foi desviado, foi uma outra pessoa, inclusive da comunidade, aí a gente. “Rapaz, vamos deixar as coisas acontecerem”. Ontem mesmo, meu cunhado estava comigo, e eu contei pra ele. “Vocês vão viajar?” “Vamos!” Agora a gente já pode falar, né? Tava assim, assim… “Ah, o fulano de tal.” Eu digo: “Não, mano, o fulano que vai viajar é outro negócio.” Por esse daí, que é a ONG chamada Ipê, talvez você pesquisar e possa encontrar, que também faz atividade na nossa comunidade. Mas as informações não chegam para nós. Então nós somos esquecidos. E graças a Deus, que alguém conheceu alguém, que esse alguém chegou na gente. Nós estamos muito felizes por isso, né? E a gente não vai desistir não. A gente vai continuar, sempre que tiver uma porta, nós podemos estar lá pra melhor aprendizado, pra passar conhecimento. Nós vamos estar lá. Eu queria, não sei se vai ser possível, tirar um tempo pra fazer um passeio na floresta com vocês. Amanhã ou domingo. Segunda feira, nós vamos resolver essa situação pra voltar vocês pra cidade, porque senão vocês vão ter que ir domingo mesmo e vai ficar corrido. E talvez conversasse com a Jeovania pra tentar, sei lá, fazer alguma coisa, mão na massa com vocês, talvez uma bala de chocolate, talvez um sabonete. Não sei, o que ela poderia botar aí! Mão na massa. E vocês… Entendeu? Porque, cara, não é porque é minha mulher e ela está me ouvindo não, mas aí tem muita coisa que poderia estar ensinando. E a gente já propôs isso pra comunidade. Gente, a minha mulher está aqui, eu estou aqui, eu posso estar ajudando. Eu não sei de nada não, nem mexer… Ela bagunça comigo, nem mexer no telefone. Mas se vocês precisarem, a Jeovania sabe fazer… Eu digo a vocês, a comunidade… Se vocês quiserem também, ela pode fazer. Sabe fazer sabão de óleo utilizado de cozinha, óleo que é descartado fora. A gente chega pra comunidade, comunidade vocês querem aprender a utilizar o óleo que vocês jogam fora? “Ah, nós queremos, nós queremos, nós queremos muito isso!” Se reuni, faz um grupo de mulheres, avisa ela. Nós temos tantas mulheres interessadas. E aí a Jeovania vai dizer: “Eu vou precisar de tantos litros de óleo, de tantos quilos de solda, de tanta não sei o quê”. Reúne o grupo, compra, e eu vou lá quando o material estiver pronto, vou lá, sem vocês me pagarem nem um real, vou lá voluntariamente, mas vocês precisam comprar esse material. Então, forma o grupo. Aí, pronto, as mulheres morrem, não forma o grupo, entendeu? Eu digo: “Então não quer não, mano”. Porque quando a gente quer, a gente luta. E a Jeovania sabe fazer bolo. Jeovania sabe fazer o sabão, sabe fazer o sabonete, sabe fazer a pomada pra massagem, o gel para massagem, aquele que fica lá queimando lá dentro da junta.
P/1 - Você gostaria de contar algo que não tenha te perguntado, alguma passagem, alguma pessoa, alguma história?
R - Olha, no momento eu não estou lembrando, mas com certeza eu teria muito mais, com certeza eu teria muito mais. Lembra de alguma aí amor, que eu poderia contar agora rapidinho? Uma história que eu poderia contar aqui rapidinho? Que eu não contei, que eu deveria contar.
R/2 - Eu não ouvi todas as histórias que tu contou.
R - Pois é! Mas tu lembra de qualquer um assim, é só me dar uma clareada.
P/1 - Ou deixar alguma mensagem.
R - A mensagem que eu tenho a dizer… Hoje é o quê? Quinze, é? Quinze. Quinze de novembro de 2024. A mensagem que eu tenho agora, para esse momento, é dizer que história eu tenho muitas, mas que no momento a gente encerra o dia de hoje, mas com muita felicidade, dessa equipe, da Dona Luiza e o nosso Saulo, estão aqui presentes, [vieram] lá de São Paulo, desde o nosso primeiro contato, nós ficamos… Não tem palavra para dizer, o tamanho da felicidade, porque esse tipo de conversa significa que nosso trabalho é um trabalho reconhecido. É assim que a gente se sente, que alguém gosta do nosso trabalho, que alguém divulgou para mais alguém. Então o recado que eu tenho é só agradecimento mesmo, nós estamos muito felizes pelo convite de participar aqui e poder participar da roda de conversa lá em São Paulo. Então espero que talvez, uma outra vez, possa se repetir e assim que a gente puder contribuir, mesmo estando aqui, tiver qualquer dúvida, pode contar com a gente hoje e sempre, até os últimos dias de nossas vidas. Muito, muito, muito obrigado, do coração.
P/1 - Só para finalizar. Como foi dividir um pouco dessa história com a gente hoje? Lembrar de tudo isso, partilhar.
R - Pra mim… Tem umas situações que emocionalmente, que mexe com o sentimento, mexe com a história. Cheguei até lagrimar. Mas isso não é ruim, não é ruim! Porque eu lagrimo em todos os momentos que eu lembro dessa parte, dessa história. E para mim foi maravilhoso! Eu acho que na vida da gente… Eu tenho um pouco de problema de lembrança, isso não é de hoje, eu esqueço muitas coisas da minha vida. Eu esqueço desde de pequeno mesmo. Tem história de criança que eu não consigo lembrar, minhas irmãs lembram. “Assim, assim”. Eu não lembro. Mas eu acho que assim como no passado as comunidades faziam rodas de conversa, história. Histórias de contos de fadas, de contos, e que isso vai relembrando, e vai renovando, e vai fixando mais e mais e mais. Esses tipos de rodas de conversa deveriam existir em qualquer lugar do mundo, em qualquer… Na minha família, né? Seria importante. Porque se a gente repete as histórias, elas ficam mais vivas na nossa memória e se a gente não rever as histórias, elas vão achando o cantinho do esquecimento. Então eu acho que é tudo, é muita felicidade mesmo de viver. Claro que tem histórias que vão mexer com o sentimento, mas isso é bom. No meu caso, é bom! E eu estou feliz. Estou feliz mesmo de poder participar. Queria eu poder ter mais tempo, e a gente até tem, por mim eu conto mais história, mas…
P/1 - A gente vai contando.
R - Vou contando, o tempo que vocês estiverem disponível. “Marcio eu lembrei disso aqui, podemos fazer?” Podemos! Não tem problema, qualquer hora a gente para, aproveita e a gente continua. Continua mesmo. Tá bom, gente? Brigadão! Obrigado! Que Deus abençoe vocês e a nós todos.
P/1 - A nós todos, por favor.
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