P/1 – Barry, você pode falar seu nome completo, o local e data de nascimento?
R – Barry Michael Wolfe, nasci em Glasgow em 12 de julho de 1955.
P/1 – Seus pais são de Glasgow?
R – Sim, os dois nasceram em Glasgow.
P/1 – E seus avós maternos e paternos?
R – Meus avós paternos nasceram na Escócia, minha avó materna nasceu na Escócia, meu avô materno nasceu em Liverpool. Toda minha família, da geração dos meus bisavós...
P/1 – Por parte de pai?
R – Os dois lados. Vieram da Lituânia e acho que Estônia, não sei como chama em português que a cidade é Riga, mais ou menos em 1890, vêm de barco pra Liverpool fugindo dos pogroms, que eram os ataques dos russos contra os judeus na Europa. Acharam que tinham comprado passagem pros Estados Unidos, chegaram em Liverpool, falaram que já era Estados Unidos.
P/1 – E você sabe um pouco como é que foi a vida deles em Liverpool?
R – De Liverpool eles foram diretamente pra Escócia, basicamente. E todos trabalhavam em comércio de moda.
P/1 – Por parte de pai e de mãe?
R – Sim.
P/1 – Mas como é que as famílias se conheceram?
R – Da minha mãe e meu pai?
P/1 – É.
R – A comunidade judaica na Escócia todo mundo se conhecia. O meu bisavô por parte de pai era costureiro da corte, em Riga, começou a costurar e essa parte da família criou uma empresa grande, acabou tendo 500 lojas de moda feminina.
P/1 – Sua avó era costureira e de costureira acabou virando 500 lojas?
R – Não, ela teve seis filhos e os filhos criaram uma empresa grande. Era uma das famílias mais conhecidas, a família da minha mãe começou a fazer sucesso depois e acharam que seria um bom partido.
P/1 – Como era o nome da empresa?
R – O nome da empresa era Morrisons, era uma rede de lojas e em 1960 foi vendida para um dos maiores grupos de varejo britânico. Alguns parentes saíram, outros ficaram como executivos. Meu pai ficou como executivo. E minha avó, a mãe do meu pai, tinha a única loja do grupo que era alta costura, o resto eram roupas populares. Era uma empresa mais ou menos grande.
P/1 – E o dinheiro ficou repartido entre a família.
R – Não, o que aconteceu? Na geração do meu pai tinha muitos filhos, não tinha como a empresa sustentar tanta gente, então, foi vendido e o dinheiro foi partido entre os três homens, e cada homem criou um trust, que é um tipo de entidade fiduciária, pra cuidar da família de uma das irmãs. Os filhos dos homens ficaram com muito dinheiro, os filhos das mulheres tinham que trabalhar (risos).
P/1 – Sacanagem! (risos)
R – Mais ou menos (risos). Só que um dos irmãos comprou um banco. O banco tinha um jato, ele namorava atrizes e ele quebrou. Então, a falida irmã de quem ele cuidava ficou sem nada e os outros ajudaram a família dela. Família grande, meio dinástica.
P/1 – E a família da sua mãe?
R – Uma família menos complicada. Tinha algumas lojas, acho que chegou a ter quatro, cinco, seis lojas. Lá em Glasgow. Da família do meu pai as lojas eram no Reino Unido inteiro.
P/1 – E era loja do quê, da família da sua mãe?
R – Roupas, mas tinha lojas que eram tipo loja de departamento que tinha várias coisas, eletrodomésticos, roupas masculinas, brinquedos, mas a maior parte era de roupas. Tinha uma parte que era de couro e peles.
P/1 – E seu pai fazia o quê?
R – Ele virou vice-presidente da empresa da família, mas não do grupo que comprou. E área dele foi mais em imóveis, porque como a empresa tinha 500 lojas, cada loja tinha um imóvel, então, ele trabalhava muito na parte dos imóveis e trabalhava também com crédito. Criou um sistema pras pessoas comprarem roupas com vários cheques, um pouco similar ao Brasil, mas é adaptado da situação da época. Ele trabalhou muito. Ele não era muito satisfeito no trabalho porque os chefes dele eram os tios, que fizeram da vida dele mais ou menos um inferno. Mas ele viveu muito bem, ele não ganhava muito dinheiro, mas pela empresa tinha motorista, viajava bastante, tinha um Rolls-Royce, tinha todos atributos de viver muito bem.
P/1 – E você sabe exatamente como ele conheceu sua mãe?
R – Sim. Minha mãe casou com 21 anos com um rapaz também da cidade que era bem galã cafajeste, só que o cara era doido. Seis meses depois de casados teve uma briga entre ele e meu avô, ele bateu no meu avô; minha mãe ficou a casa dos pais dela, ele voltou pra casa, enfiou a cabeça num fogão a gás e se matou. Então, minha mãe com 21 anos, seis meses de casada, virou viúva. Dá pra imaginar o que isso fez pra ela. Os pais mandaram ela pra visitar parentes nos Estados Unidos, ela voltou um ou dois anos depois. Ela tinha conhecido meu pai, mas como a família do meu pai era conhecida como muito metida, ela achou ele muito chato. E meu pai também namorava uma moça muito bonita, muito carismática, mas o tio do meu pai, que era o chefe direto dele, que ele era muito mulherengo - eventualmente ele teve que sair da empresa porque ele transava com todas as gerentes das lojas (risos) - Ele não achou ela uma pessoa certa pro meu pai e mais ou menos fez ele terminar o namoro. Os judeus da área de varejo ganharam muito dinheiro durante a guerra, a família do meu pai, provavelmente fazendo uniformes pro exército. E depois da guerra eles viajaram em cruzeiros. Teve um cruzeiro na Europa e a família do meu pai e a família da minha mãe estavam lá e os únicos solteiros eram minha mãe e meu pai. Como eu falei, minha mãe achou meu pai meio esnobe, mas até o fim do cruzeiro eles estavam namorando e logo depois casaram.
P/1 – Eles casaram e seu pai foi morar onde?
R – Eles moravam em Glasgow.
P/1 – Continuou morando lá.
R – Sim, sempre moraram lá.
P/1 – E você nasceu. Você tem outros irmãos?
R – Eu tenho um irmão. Eu nasci depois de um ano.
P/1 – Você é o mais velho?
R – Sim. E tinha um irmão que nasceu três anos depois. Eu tinha babá. Meu pai trabalhava muito, viajava muito. Ele viajava domingo à noite pra visitar as lojas, pra trabalhar nas lojas e em alguma cidade e voltava sexta à noite e viajava de novo domingo à noite. Eu acho que minha mãe, tem certos tipos de mulheres que gostam de homens cafejestes, eu acho que minha mãe é esse tipo de mulher. Então, ela casou com um homem bom, mais suave, que é meu pai, mas depois que eu nasci, aparentemente, minha mãe entrou em algum tipo de depressão, que eu não lembro muito contato físico com ela, era mais com a babá, chamada Kathy, eu era muito apegado com ela. E quando a Kathy foi embora quando eu tinha cinco anos, parece que eu entrei no meu mundo e fiquei retardado.
P/1 – Como era seu pai, o jeito dele, como ele era em casa quando ele estava?
R – Muito suave, muito engraçado, muito leve. Músico, tocava piano e órgão. Estilo romântico, um cara muito tranquilo.
P/1 – E sua mãe?
R – Minha mãe muito sensível, mais dura aparentemente, mas também uma pessoa muito boa. Extremamente sensível aos sentimentos das outras pessoas. Tinham um relacionamento complicado, mas muito unido, compartilhavam tudo.
P/1 – Mas entre eles era complicado por quê?
R – Eu acho que sim, eu acho que tinha uma dinâmica complicada entre eles.
P/1 – E como era a casa da sua infância, quanto tempo você morou lá?
R – Na casa da minha infância, os primeiros nove anos era uma casa chama semi-detached, que são duas casas juntas. A casa era grande, a parte de cima era muito grande, os quartos eram grandes, a parte de baixo tinha uma sala grande, sala de jantar. Tinha um jardim normal, mas no fim do jardim tinha uma floresta pequena, e depois da floresta tinha um campo de golfe. E quem tinha as casas nessa rua, na beira dessa floresta pequena tinha a chave, então, a floresta era tipo um mundo mágico, a gente podia entrar nessa floresta, pra criança era coisa muito mágica.
P/1 – E você brincava com outras crianças lá?
R – Sim. Eu era meio diferente, eu era muito ligado com meu avô, os dois avôs, mas especialmente meu avô paterno. Quando tinha quatro anos eu me vestia de terno com boina, uma barba falsa e andava de bengala na rua com meu cachorro. E tinha uma escola de meninas na frente da minha casa. Todas meninas, que eram tipo de cinco até nove, dez anos, achavam muito bonitinho eu de quatro anos andando de bengala com o velhinho (risos). Eu era bastante teátrico quando pequeno.
P/1 – Você teve alguma educação religiosa ou foi criado na cultura judaica?
R – Fui criado na cultura judaica, mas nunca fui muito ortodoxo, tudo light.
P/1 –Que costumes vocês mantinham na sua casa?
R – Na minha casa, na casa dos meus avós, sempre tinha um jantar de sexta-feira à noite, chama Shabat. De vez em quando ia à sinagoga, mas não muito, a sinagoga era mais nas grandes festas judaicas, mas principalmente o jantar familiar de sexta-feira à noite. Era só isso, não era nada muito sério, mas a estrutura da família do meu pai era bastante rígida, dinástica, a gente tinha que sempre homenagear os tios e bisavós.
P/1 – Liam histórias pra você, você gostava de ler quando era pequeno?
R – Histórias eu não lembro muito, eu inventava. Eu fazia shows. Aos seis anos eu gostava de música escocesa. Na época os judeus nunca andavam de saia escocesa, o kilt, mas eu gostava muito de música escocesa, especialmente um cantor e com cinco, seis anos eu já comecei a fazer uma saia xadrez, feita de um echarpe, então, com seis, sete anos meus pais já me deram todo o traje de kilt. Eu andava de traje escocês e cantava música escocesa. Eu sabia todas as músicas desse cantor, então, quando ia na casa dos meus tios, da minha bisavó em Londres, eu sempre fazia um show pra todo mundo. É, um show, eu não tinha nenhuma timidez em fazer isso, nenhuma.
P/1 – Quais eram suas brincadeiras de infância?
R – De infância? Cowboys, detetive, fazer show. Ah sim, eu queria ser um homem espacial, principalmente.
P/1 – E você brincava com outras crianças?
R – Sim, sim, sim.
P/1 – Como é que era a vizinhança lá?
R – Tinha uns amigos, primos perto, tinha os amigos da escola... eu fui pra um colégio particular bem no bairro até os nove anos. Embora a escola não era escola secular, os judeus eram separados, porque no meu bairro tinha clube de golfe, clube social, clube de tênis, mas os judeus não podiam ser sócios. Então, socialmente, na cidade, nessa época os judeus eram segregados. Era um dos melhores bairros da cidade, mas os judeus não podiam fazer parte de nenhum dos clubes, então, os judeus criaram um clube próprio. Mais ou menos naturalmente meus amigos de brincar ou eram judeus ou eram de um grupo específico de amigos que meus pais tinham, que não eram judeus e tinham filhos da nossa idade. Eu não brincava muito com as pessoas do meu colégio porque aos cinco anos eu entrei no meu mundo, fiquei meio retardado, eu ficava na minha.
P/1 – Quando você fala meio retardado o que é?
R – Eu resolvi não participar de nada. Eu era mais lento de ler, não participava na escola, eu entrei no meu mundo. As pessoas falavam que eu estava no espaço, eu não prestava atenção na escola, eu inventava meu mundo.
P/1 – E por que isso?
R – Eu acho que foi a consequência de perder a babá. Era o vínculo emocional que eu tinha mais próximo, foi quebrado e não tinha esse vínculo...
P/1 – Por que a babá saiu?
R – Não sei, alguma razão que ela pediu demissão, foi embora e entrou au pair, outras babás, mas não tinha essa ligação. Não tinha essa ligação com a minha mãe e eu entrei no meu mundo.
P/1 – Você brincava com seu irmão?
R – Não, eu batia no meu irmão. Ele era menor. Eu era bullied no colégio e a única pessoa que era menor do que eu e que eu podia bater era ele.
P/1 – Com quantos anos você entrou na escola?
R – Cinco. Na escola de infância quatro anos, eu ainda era mais ou menos igual às outras pessoas, com cinco entrei na escola normal.
P – Como que você ia pra escola?
R – Com meu pai ou motorista, o motorista do meu avô sempre buscava na escola.
P/1 – E do que você mais gostava na escola?
R – Nada. Eu nunca gostei da escola. Na hora do recreio, as crianças tinham gangues ou jogavam futebol, eu não gostava de jogar futebol, não gostava de escola.
P/1 – Você disse que sofria bullying na escola?
R – Não tanto na primeira escola, na segunda, sim.
P/1 – Por quê?
R – Porque quando eu fui na segunda escola tinha quatro filas de cada ano, A, B, C e D. Os mais inteligente eram A, os D eram menos inteligentes. Os menos inteligentes normalmente eram mais físicos, faziam rugby, futebol, essas coisas, ginástica. Eu era um dos piores, menos inteligentes e não fazia esportes (risos). Apanhava. E também não achava nada muito interessante, vivia no meu mundo. Eu gostava muito de um programa de televisão chamado Fireball XL5, programa espacial, eu queria muito um robot, que tinha um companheiro, então, eu construí o robot. Eu fazia as coisas que eu gostava, fazia meus shows de música, começou com música escocesa, depois foi mais rock com violão plástico. Eu não estava muito...
P/1 – Você chegou a aprender algum instrumento?
R – Comecei com violino, mas cada vez que eu tocava violino o cachorro chorava, fazia um barulho infernal. Depois fui de violino pra piano, fiz uns três, quatro anos de piano, acho que comecei piano com nove, dez anos, mas eu não gostava muito de praticar e o professor batia na cabeça. E com 12 anos eu já queria tocar bateria, então, quando foi o meu Bar Mitzváh de 13 anos eu ganhei minha primeira bateria. Toda a família do meu pai era musical, muito musical, meu pai já tocava piano e órgão e ele falou que se eu quisesse tocar bateria tudo bem, mas eu tinha que ir pra Academia Real Escocesa de Música, a parte dos jovens que era sábado de manhã pra aprender percussão clássica porque eu não podia ser analfabeto musicalmente, então, tive que aprender a ler partituras, estudar teoria de música. Ele tocava jazz e música latina, eu aprendi bateria acompanhando ele, que tocava bossa nova, chá-chá-chá, samba, swing, pop, tudo isso eu aprendi acompanhando ele.
P/1 – Vocês viajavam?
R – Sim, a gente viajava duas vezes por ano. Entre o Natal e Ano-Novo a gente viajava sempre com turma de amigos deles pra alguma cidade no norte da Escócia, nas highlands, algum hotelzinho onde um monte de família tomava conta de um hotel inteiro. E no verão, sempre duas semanas, acho que no mês de julho. Nos primeiros anos viajava ou pro sul da Inglaterra, pra Bélgica, ou pra Jersey, que é uma das ilhas no Canal da Mancha, e depois pra Espanha, Maiorca, Itália, lugares assim, até que eu comecei a viajar sozinho com 16 anos.
P/1 – Quais eram as comidas na sua casa, o que vocês comiam? Tem alguma comida que te lembra até hoje?
R – A comida típica escocês-judaica, frango, carne com batatas, não era arroz e feijão como aqui. Peixe, de vez em quando salada, nada muito exótico. A gente comia muito em restaurante. Todo sábado meu pai ia pra uma cidade perto pra visitar as lojas, duas ou três cidades, cada uma tinha três, quatro lojas, então, eu ia com ele e a gente sempre ia almoçar em algum restaurante ou hotel. Comemos bastante fora. Um restaurante italiano ou um restaurante de um hotel que ele conhecia. Mas a comida não era muito especial.
P/1 – E o que você fazia na adolescência? O que mudou da sua infância pra adolescência?
R – Até os 16 anos continuei vítima de bullying na escola, retardado, sempre o pior da classe, eu estava desligado, eu lia comics, desenhos, eu nem lia os livros.
P/1 – E seu pai? Ele era chamado na escola? Sua mãe?
R – Não, isso não acontecia.
P/1 – Mas eles notavam esse comportamento?
R – Notavam, mas eu pedi pra sair dessa escola porque era a escola mais cara da cidade, considerada a melhor, mas escola típica inglesa, onde o princípio é que apanhar e ser bullied é bom pro caráter, você tinha que sobreviver. Eu queria muito ir embora quando eu tinha 12 ou 14 anos, tinha um ano que eu rezava todo dia de manhã para eu ficar doente e não precisar ir pra escola, estava apavorado de outra pessoa da classe bater em mim. Totalmente apavorado, horrível. Tocava música, eu sempre fui muito bom de música. E com dez anos as pessoas começavam a namorar e ninguém queria me beijar, era horrível. Eu era muito tímido, o único entre meus amigos que não tinha namoradinha. Não foi uma infância muito feliz.
P/1 – Mas e aí? Na adolescência você trocou de escola?
R – Troquei de escola com nove anos, foi pior ainda. Eu entrei na escola e fui pro pior da classe.
P/1 – Mas na adolescência o que mudou? Você tinha outros programas com seus amigos?
R – Não, eu tinha meus amigos, mas eles eram mais de música, já comecei a tocar em banca de rock clássico, não clássico, era rock da época, Deep Purple, com 14 anos. A minha casa era grande, a sala era enorme, tinha muitos instrumentos musicais e, para meus pais, qualquer coisa sobre música estava permitido. Era anos 60, as pessoas tinham cabelo comprido. Não importava quem entrava na casa, cabeludos, roqueiros, se era pra tocar música ou fazer barulho de música, a casa estava aberta. Isso era legal. Entrava qualquer pessoa com instrumentos, com caixa de som, amplificadores, isso era tudo aberto.
P/1 – E as pessoas iam na sua casa?
R – Sim, sim, sempre ensaiavam na minha casa.
P/1 – Como era o nome da banda?
R – Não lembro o nome da banda, sabe? Não lembro. Tinha uma banda quando eu tinha 15 anos que era música mais light, onde a gente tocava num bar, chamada Peter Keen Trio. Um dos meus amigos que cantava, o nome dele era Peter, ele inventou o nome Peter Keen e a gente tocava domingo à noite num bar de hotel, eu tinha 15 anos. Essa parte era boa.
P/1 – E nessa adolescência você já tinha ideia do que queria ser quando crescesse?
R – Sim, eu queria ser...
P/1 – Você quis ser do espaço.
R – Não, eu queria ser um detetive ou um espião, eu gostava muito de 007, sempre andava armado com aquele negócio, como chama pra colocar? Você tem uma pistola e você põe no... Como chama o negócio que você põe aqui que coloca a arma?
P/1 – Colete?
R – Não colete...
P/1 – Cartucheira?
R – Não cartucheira, negócio que você... porque o James Bond não tinha negócio aqui, ele tinha um negócio que ele colocava embaixo do terno, colocava na arma. E toda sexta-feira à noite a gente ia na casa dos avós ou tios, sempre de terninho. A grande briga é que eu queria ir sempre armado (risos), que era pistola com silenciador. Eu gostava de Sherlock Holmes, eu queria ser um detetive ou um espião. E o chapéu também, andava de chapéu. E quando a gente viajava de verão pra um hotel, esses hotéis eram mais ou menos formais, e, às vezes o tempo não estava muito bom e eu ia sentar na sala do hotel de terno, com 12 anos, com o jornal aberto, com um buraco no chapéu pra espionar os outros hóspedes (risos). E qual a pergunta que você fez?
P/1 – O que você queria seguir...
R – Ah sim, mas em termos práticos não dá pra ser espião ou detetive, então eu queria ser um advogado, eu achei interessante ser um advogado. Advogado de defesa, porque tinha alguns programas na TV de Perry Mason e eu queria ser um advogado. Mas o problema era que Direito e Medicina eram as faculdades mais difíceis para entrar. E como eu estava na classe das pessoas menos inteligentes na escola, eles falavam pra mim que eu estava querendo demais pra ser um advogado, que nunca iria conseguir entrar na faculdade. Meus pais falavam: “Não, você vai conseguir”. Então, mais ou menos na porrada eu tive que... um amigo do meu pai que era professor da faculdade me ensinou como estudar e eu consegui, eventualmente, entrar na faculdade de Direito.
P/1 – Era faculdade pública?
R – Não que era pública, na época tinha cinco faculdades na Escócia, quatro eram faculdades mais antigas, bem antigas, século XV, XIV, não que eram públicas, mas não eram pagas, o Governo pagava tudo. O Governo pagava a matrícula, dependendo do quanto ganhava o seu pai o Governo dava uma bolsa, dava dinheiro pra viver ou, se o pai ganhava acima de um certo montante você só ganhava uma coisa fixa por ano, mas era sempre pago pelo Governo. Isso é uma coisa que mudou não muito tempo atrás. Entrei na faculdade com 18 anos.
P/1 – E como foi essa entrada, o que mudou na sua vida?
R – A primeira coisa da faculdade, primeiro eu estava acostumado a estar na escola mais elitizada da cidade, mas os amigos eram só judeus porque não tinha muitos amigos que não eram judeus, por causa da separação que eu falei. Então, socialmente as únicas meninas que eu conhecia eram meninas judias. Na faculdade, de repente estamos com pessoas de todas as classes sociais e já não tinha essa separação. Na verdade, eu não queria estudar Direito, eu tinha resolvido que queria estudar Filosofia. Meus pais acharam isso porque eu achei que não iria conseguir as notas pra entrar em Direito. Quando eu fiz 17 anos eu passei dois meses em Florença sozinho, eu queria ir embora de tudo, estava prestes a descobrir o Existencialismo.
P/1 – Por que Florença?
R – Porque eu tinha visto um filme sobre Florença e eu quase pirei com 17 anos. Eu vi todos os valores, família dinástica, tudo baseado em dinheiro e status social. Eu achei que eu ia me adaptar nisso, de repente eu percebi que era tudo falso, muita dissimulação. É uma coisa que pelo menos lá, adolescente você passa com 15, 16, 17 anos e começa a perceber as pessoas sendo dissimuladas, falsas, os adultos.
P/1 – Teve algum fato que desencadeou isso?
R – Acho que o fato mais... Não, a gente já tinha percepção que os adultos eram dissimulados, mas o fato mais desencadeador é que eu me apaixonei por uma menina que não queria nada comigo, não arranjava namorada. Eu entrei em crise, um amigo do meu pai, esse professor, veio conversar comigo, me levou pra passear e falou: “Olha, você está com a visão assim, você não entende que você é muito mais inteligente que seus pais, você é muito mais inteligente do que todas as pessoas ao seu redor, você tem uma cabeça muito mais aberta, só quando você for pra faculdade você vai ver que existe um outro mundo”. Ele falou: “Vai embora, fica o verão fora, vai pra Viena”. Eu falei: “Não, mas eu acho Florença mais atraente”. Então fui sozinho, de trem, pra Florença. E quando estava lá saíram os resultados do colégio e meus pais me colocaram no Direito. Eu voltei e comecei a estudar Direito, que era o curso mais elitizado na faculdade de Direito mais elitizada da Escócia. Só que eu comecei a estudar Direito e eu achei chato, as pessoas muito secas e intelectualmente, não era nada interessante, eu achei as pessoas mais falsas ainda. Ah, eu comecei a ler Hermann Hesse, Jean-Paul Sartre, Rollo May, os existencialistas. Eu li um psicólogo existencialista, Viktor Frankl, peguei todos os livros que eu podia. Outra com meus pais, além de música, em termos de livros, cada vez que eu fui pra uma faculdade eu podia ir pra livraria, cada cidade na Inglaterra na época tinha uma livraria grande, e eu podia abrir uma conta na livraria e podia comprar livros sem nenhuma restrição. Eu não tinha carro, não podia gastar em roupas, nada, mas livros eu podia comprar o que eu quisesse de livros, não tinha nenhuma restrição e eu comprava um monte de livros sobre Existencialismo. Eu entrei em depressão, eu achava o curso muito chato, então, o médico da minha família veio falar: “Eu fiz o seu parto, não queria ver você deprimido”. Eu falei: “Mas todo mundo tem uma vida assim, muito falsa”. Ele falou: “Então, acho que você tem que ver um psiquiatra”. Me levaram pro professor do Centro de Psiquiatria da Universidade Edinburgh e fui falar com ele, falei: “Eu sei qual é o meu problema, eu já li nesse livro aqui, eu estou com um vácuo existencial”. E ele começou a rir e falou: “Não, não tem nenhum problema com você”. Mas eu continuei deprimido e uma das executivas da empresa do meu pai tinha um marido que era psiquiatra americano, então, meus pais me levaram pra falar com ele. Ele falou pros meus pais que eu só precisava de um pé na bunda, eu fiquei mais chateado ainda e não passei o meu primeiro ano. E me levaram pra outro psiquiatra que falou que me dava Valium. Como eu não passei o primeiro ano eu consegui voltar pra faculdade pra estudar Filosofia, que eu queria estudar. E nesta época eu estava lendo muito Hermann Hesse, conhece aquele? Só que no começo do próximo ano eu tive aquela doença de jovens, mononucleose e perdi o primeiro semestre, quando voltei no fim do primeiro semestre eu já tinha perdido muita coisa. Um dos meus professores de Filosofia, o nome dele era Frederick Broadie, uma pessoa muito diferenciada, um professor de Filosofia bastante diferenciado na Escócia, era judeu. Ele era um violonista, ganhou uma bolsa pra Oxford sem passar por colégio, era um filósofo brilhante; ele também tinha uma empresa de computadores, fazia trabalhos de pesquisas operacionais bastante sofisticados. Ele me viu, queria conhecer meu pai e me falou que eu não tinha noção da sorte que eu tinha, mas que eu tinha perdido o ano, que eu ia perder esse ano e a empresa que ele tinha queria fazer uma pesquisa, alguém que não tivesse nenhum background de computadores, mas que tivesse um bom intelecto, alguém como eu, ia funcionar num ambiente comercial. Então perguntou pro meu pai se eu podia passar uns meses na empresa dele vendo quais áreas poderiam ser computadorizadas. Meu pai não gostou muito da ideia, mas não tinha muita escolha porque eu já estava perdendo o ano. Eles fizeram uns testes matemáticos comigo pra ver se minha cabeça se adaptaria com essas coisas e eu comecei a fazer esse trabalho com eles, pegando com áreas da empresa da minha família pra ver como podia adaptar à informática. A condição era, quando eu quisesse voltar pra faculdade eu voltaria, mas se isso desse certo eu iria continuar. Eu comecei a olhar a empresa e comecei a enxergar como a empresa funcionava, porque cada coisa que eu olhava na empresa eu reportava pra pessoa que trabalhava com meu professor, eu tive que escrever relatórios. A minha cabeça estava totalmente no ar, eu acho que eu escrevia poética, mas ela me ensinou a escrever, cada frase tinha que ser ligada à frase anterior, não podia fazer nenhuma conclusão senão era totalmente baseado na premissas anteriores. Então, me deu uma disciplina intelectual muito rígida e eu comecei a entender como a empresa funcionava. E eu comecei a ver que a empresa não estava bem gerenciada, estava ganhando muito dinheiro porque a economia estava boa, mas tinha um monte de falhas. E também tinha coisas erradas, não era eficiente. Meu pai teve que puxar muito o saco dos tios dele e os compradores que compravam as roupas eram vinculados a alguns fabricantes que ganhavam salários baixos, mas recebiam propina. E todo mundo sabia, mas isso não era eficiente. Eu comecei a mapear tudo isso e quando eu vi o jeito que estava gerenciando, meu pai não gostava do jeito que eu olhava pra ele, eu vi coisas erradas que ele fazia não por mal ou bem, mas sempre tive que ficar quieto. Eu ficava assim. Ele reclamava pra minha avó que ele não gostava do jeito que eu olhava pra ele. E chegou um momento que eu fiz uma avaliação da empresa e falei: “Se vocês não começarem a colocar estrutura, no momento que a economia apertar a empresa vai quebrar”. Então, meu professor chamou o meu pai e falou isso. Meu pai falou pros tios dele, porque os tios achavam que eu estava lá só de brincadeira. O meu pai assustou, ele não ia falar isso pros meus tios. Meu professor ficou muito bravo com meu pai porque ele tinha entendido que meu pai tinha autoridade de fazer um trabalho sério, mas viu que era o trabalho de dar ao filho complicado uma coisa a fazer. Meu professor brigou com meu pai, estava no começo do próximo ano, que seria meu terceiro ano, e eu vi que eu não podia, eu tive que fazer alguma coisa, então eu falei pro meu professor: “Eu consigo voltar pra faculdade pra fazer o primeiro ano de Direito?”. Foi super complicado porque eu não passei no primeiro ano, voltei pra outro assunto e agora queria voltar pro primeiro, mas esse professor conseguiu me colocar de novo. Só que voltando pra faculdade com esta disciplina intelectual que ele tinha dado eu voei. E na Escócia, na época, você fazia uma formação simples que era de três anos ou uma formação com honors, honras, que era de quatro anos. Honras quis dizer que você não só simplesmente passava, você tinha um grau, tipo Summa Cum Laude, que chama o Classe dos Honras, o melhor de tudo, First Class Honors, que se você tem honras de primeira classe, você é considerado um gênio e pode ir pra qualquer faculdade no mundo. E no terceiro ano eu vi que se eu estudasse só Direito eu seria bem medíocre, mas na minha faculdade você podia fazer especialização na Filosofia do Direito e Criminologia, Criminologia era Sociologia do Crime. Ah, e eu era fascinado pela máfia, meu hobby com 15 anos de idade era a máfia italiana, eu vou voltar pra isso porque é relevante. Então, como eu era natural de Filosofia, Sociologia, se eu fizesse, eu poderia me especializar nesses assuntos sem fazer nada chato do Direito, eu consegui esse First Class Honors e de retardado virei um gênio. Voltando pra máfia, quando eu tinha 15 anos, no colégio, todo mundo tinha que fazer um projeto de classe, e quando eu tinha 15 anos eu li “O Poderoso Chefão”, me mudou a minha cabeça. A ideia do mundo, de máfia italiana, que era um mundo estruturado, com regras, com estrutura, com política, com violência, com sexo, mas o submundo, eu achei fascinante. E depois de ler “O Poderoso Chefão”, não tinha o filme, só tinha o livro, eu li o livro “Conexão França”, que é sobre comércio internacional de heroína. Então, enquanto meus outros amigos da classe faziam apresentação sobre futebol, rock ou carros, eu fazia apresentação sobre a máfia italiana, sobre a estrutura interna da máfia e sobre o comércio internacional de heroína, prostituição e tudo isso, o que chocou os professores. Mas quando na faculdade podia se especializar em crime eu gostei. Nas férias de verão da faculdade, quando comecei a me sair bem, eu consegui trabalhar em um escritório de advocacia criminal. Naquela época, na Escócia, os advogados de defesa não recebiam da promotoria os depoimentos contra o cliente. Os advogados tinham direito a entrevistar todas as testemunhas da polícia, os policiais e todos as testemunhas que seriam contra o acusado, e os advogados tinham estagiários, policiais que faziam isso. Então, eu passava meu verão investigando casos de crime. Eu adorava isso, eu andava por toda a cidade, por todo o país, entrevistando policiais e pessoas que seriam testemunhas. E quando tinha um caso de fraude, que era comércio, como eu tinha esse background de empresa, eu naturalmente entendia como funcionava empresas porque a empresa era grande, eu vi todas as falhas organizacionais. Então tinha um caso de um cliente acusado de fraude, eu comecei a entrevistar as pessoas e vi que não era fraude, era problema de economia, problema de empresa, eu era totalmente natural disso. Eu me formei com a melhor nota da faculdade e parecia que eu ia ter uma carreira acadêmica. Eu não queria trabalhar como advogado porque eu achei que trabalhar como advogado na Escócia era chato, eu queria estudar nos Estados Unidos. Então, eu apliquei pras melhores faculdades pra fazer mestrado: apliquei pra Harvard, Yale, Columbia e Berkeley. Harvard não aceitou, fui aceito por todos os outros; em Yale fui aceito antes das aceitações normais, que era a mais elitista das faculdades de Direito, mais elitista que Harvard. Eu ganhei uma bolsa pra Berkeley, mas como Yale era melhor, eu fui pra Yale. Nas faculdades britânicas, parte da cultura intelectual da Grã Bretanha é pragmática, não existe certo ou errado, não existe uma única solução, então, a pessoa é julgada em todos os níveis acadêmicos não pra falar qual é a solução certa de uma situação, mas você tinha que entender a complexidade de um problema, apresentar complexidade em termos sistemáticos pra poder tomar a melhor decisão no mundo como é. É uma coisa muito prática, usando o intelecto pra analisar o problema mais profundo. Mas quando cheguei em Yale, que era o maior lugar, em 79, que foi a época onde teve a revolução no Irã e tiraram os reféns americanos da embaixada dos Estados Unidos, e quando a Rússia invadiu o Afeganistão. Em Yale tinha professores que estavam dando conselhos pro Governo e cada professor falava na classe sabendo que algum aluno nessa classe podia ser presidente ou secretário de estado, então, era um ambiente muito, muito interessante. Só que depois de trabalhar muito na Escócia eu queria me divertir nos Estados Unidos. Tinha que trabalhar muito e, intelectualmente, diferente da Inglaterra e Escócia, no Yale tinha dois grupos de professores acadêmicos, intelectuais, do Direito. Esse grupo falava: “Nós somos certos, eles estão errados”, aquele grupo falava: “Nós somos certos, eles estão errados”. Eu não entendi nada, intelectualmente, não era o que eu estava esperando, eu estava esperando uma coisa mais profunda, aquilo lá é uma coisa política, Academia nesse nível era uma guerra. E depois de um semestre, eu ligava pro meu professor de Filosofia chorando: “Eu não estou entendendo nada”. Ele falou: “Sai de lá, mas deixa a porta aberta”. E como Yale é um lugar elitista, se você está lá, você sempre pode voltar porque é tão difícil entrar, uma vez que você conseguiu entrar, sempre pode voltar. Só que eu fui embora de Yale e meus pais tiveram um ataque de vergonha porque era a melhor coisa do mundo o filho ir pra Yale. Depois que eu fui embora eles tinham vergonha social, então, eu não queria voltar com o rabo entre as pernas na Escócia, e eu fiquei quatro meses em Nova York, andando pelas ruas de Nova York. Eventualmente acabou o dinheiro, eu voltei em junho, em 1980. Eu tinha que decidir o que eu ia fazer. Eu podia voltar pra Yale, eu podia fazer a pós-graduação em algum outro lugar ou eu podia procurar emprego. Cada faculdade tem uma pessoa que dá conselho sobre carreiras. E na Inglaterra, naquela época, se você tinha esse grau de formação que eu tenho, que é a honras da primeira classe, que você é considerado muito inteligente, e você não sabe o que você quer saber, eles encaminham pro Serviço Secreto, MI5, MI6. MI5 era serviço secreto interno e MI6 era serviço secreto externo. MI6 é tipo CIA, MI5 é tipo FBI. Se a sua família era mais rica eles encaminhavam pra MI6, se você era mais pobre era MI5, porque o MI6 era mais elitista, então, eu fui encaminhado pro MI6. Eu fui entrevistado pro MI6.
P/1 – Isso porque você foi se aconselhar porque você não sabia o que seguir.
R – Eu não podia falar: “Não, eu realmente gostaria de ser um detetive tipo Sherlock Holmes ou um cavalheiro investigando assassinatos e tocando bateria”, não dá pra falar isso, porque iriam me achar um doido, isso que eu achava interessante, investigar crime organizado, não dá pra falar isso. Então, eles mandam pro MI6. Só que o serviço secreto não atrai gente muito boa, você tem que estar disposto a matar pessoas, trair pessoas; o serviço secreto era prático, trabalho sobre extorsão, chantagem, ameaça, enquadrando pessoas falsas. Então, eles olharam pra mim, logo viram que eu não era o tipo. Mas o processo era muito interessante, porque o processo de entrevistar e entender como as pessoas, eu desenvolvi o talento, eu sempre conseguia, onde eu ia eu identificava quem era espião. Então, não sabia o que eu queria fazer, eu pensei, Direito Internacional era a área de Direito mais intelectual. Porque o Direito é chato, mas eu teria que escolher alguma carreira e alguma coisa pra fazer pós-graduação, então pensei em Direito Internacional Público, a área mais intelectual do Direito. Meus professores de Edinburgh falaram que na época o melhor curso de pós-graduação prático em Direito Internacional Público era em Cambridge, o melhor do mundo na época, porque os professores de Cambridge estavam envolvidos em todos os casos maiores que tinha nos tribunais internacionais, nos tribunais arbitrais, eles falam: “Vai lá pro Cambridge, veja quem está lá”. Peguei o trem, fui pra Cambridge, fui pro escritório da Faculdade de Direito e falei: “Os professores aqui, quem está aí?”. Quando você tem o nível de formação que eu tenho, você consegue ter essa cara de pau de simplesmente entrar na faculdade e falar: “Quem está aqui?”. O único professor que estava lá era um professor que era um dos mais importantes advogados internacional do mundo. Eu fui conversar com ele, ele estava lá. Ele olhou pra mim e falou: “Então, o que você está falando é que você precisa readquirir sua confiança, não?” “É, acho que é por aí” “Então acho que você tem que fazer um mestrado aqui em Cambridge”. A faculdade de Cambridge tem 28 colégios independentes, você tem que pedir pra ser aceito na faculdade e em um dos colégios; cada colégio tem sua própria tradição, tem os mais antigos, do século XIV e outros mais modernos, século XX. Ele sugeriu alguns colégios para eu pedir, já era agosto, o ano ia começar no começo de outubro, mas que eu ia entrar não tinha dúvida, era simplesmente o processo de fazer o application, eu fiz na hora. Uma semana depois ele me ligou na casa dos meus pais falando: “O meu colégio está muito cheio, mas tem um colégio pequeno chamado Magdalene, eles têm lugar para você”. E lá tinha um professor de Direito Internacional jovem, que agora virou um juiz do Tribunal Internacional de Haia, eu tinha 25 anos, ele tinha 26. Era um colégio muito antigo, do século XIV, só tinha homens e falou: “Eles vão te aceitar”, então fui pra lá. Era muito interessante esse colégio porque era muito antigo. Só tinha homens, mas ele tinha um dos piores níveis acadêmicos de Cambridge inteiro, porque eram os filhos da aristocracia que não estudavam muito, que bebiam muito, faziam muita farra. E também eles importavam pessoas pra jogarem rúgbi e críquete, essas coisas, que eram bom esportistas e basicamente davam os resultados dos exames pras pessoas terem o nível de esporte, era um lugar muito britânico, muito excêntrico. Eu fui fazer meu mestrado em Cambridge.
P/1 – Largou Yale?
R – Eu não voltei pra Yale. Meus pais queriam que eu voltasse pra Yale e eu não queria, realmente não gostava. Cambridge era o mesmo nível, tinha o mesmo status e o modeling, é o tipo de lugar onde se pode ser excêntrico. Rapidamente eu trouxe as minhas baterias, eu tinha as minhas baterias no meu quarto, eu tinha um quarto e sala, na época se você tinha sorte você tinha quarto e uma sala. Eu era o estudante de pós-graduação mais barulhento do colégio inteiro porque eu fazia banda no meu quarto. Fiz muitas amizades porque as pessoas que estavam fazendo o meu curso eram pessoas muito interessantes, meu melhor amigo era filho do embaixador da Grécia em Moscou e acabei passando várias férias, Natal, Ano-Novo, na embaixada da Grécia em Moscou, na época de Brejnev e Andropov. No verão ia com a família dele pra uma das ilhas gregas. Fiz muitas amizades, minhas notas não foram tão boas, mas fiz muita amizade, me diverti bastante e comecei a me divertir mesmo, acho que pela primeira vez.
P/1 – O que era diversão?
R – Amigos, saindo pra jantar nos vários colégios, curtindo amigos, tocando música. Eu tinha uma banda no meu colégio que era Elvis, Wolfe and the Pack, era bem divertido. Passei dois anos em Cambridge, acabei fazendo o primeiro ano estudando, fazendo a conversão de Direito Escocês pra Direito Inglês, segundo ano foi mestrado em Direito Internacional. E eu tomei a decisão de não me concentrar no trabalho, dar prioridade pra amizades, então, as notas não foram tão boas. Mas eu consegui entrar em um dos melhores escritórios de Direito Internacional de Londres, quando eu fui trabalhar lá eu achei uma chatice. É horrível, muito chato. E eu conheci uma menina espanhola que estava estudando inglês em Cambridge, chamada Clara, que era de Salamanca. Era de família espanhola muito tradicional e eu comecei a namorar ela à distância, então, todas as férias eu ia visitar ela em Salamanca, ficava no hotel.
P/1 – Sua primeira namorada?
R – Não, tive outras namoradas nessa época. A primeira namorada foi em Edinburgh. Mas eu comecei a trabalhar em Londres e já estava namorando a Clara, na Espanha, e pros meus pais isso não era nada bom porque meus pais são de família tradicional judaica e a Clara tinha uma irmã que era freira, o pai era o arquiteto que reformou a Catedral de Salamanca. Mas a gente se dava bem, a família gostava de mim, a família dela conheceu a minha família, ela até foi pra Escócia. Meus pais não gostaram muito dela. Ela foi comigo pra Grécia, pra casa do pai do meu amigo, mas não foi pra frente. Eu odiava trabalhar em Londres, eu gostava de fazer o trabalho de Direito Internacional Público, mas as outras coisas eu achava chatas. Então, na firma eu era conhecido, se eu gostava da coisa eu fazia bem, se eu não gostava, eu não fazia bem, o que não é muito bom pra carreira. Mas tinha um advogado internacional velho, um dos mais famosos do mundo, que estava nesse escritório e cada vez que ele tinha um caso especial eu era tirado da coisa chata pra ser assistente dele, então, essa parte foi maravilhosa, eu tive uma experiência fantástica com ele. Mas depois de dois anos eu queria realmente morar na Espanha, eu adorava a Espanha. A Espanha já fazia parte da Comunidade Europeia, mas advogado inglês não podia trabalhar na Espanha fácil, não era fácil. Depois de dois anos nesse escritório, eram dois anos de estágio integral, eu não fui aceito pra ficar lá. Eu também não queria, eu queria fazer um trabalho internacional. Eu fui nomeado pra um cargo na Haia, que era um tribunal arbitral das disputas entre Irã e Estados Unidos, era pra ser secretário de um dos juízes, que era um juiz neutro.
P/1 – Mas como é que você foi nomeado?
R – Porque eu fui indicado pelo meu chefe, meu professor de Cambridge. Era para começar, mas um mês antes de começar o trabalho foi cortado e eu voltei pro escritório onde eu trabalhava, fazendo os trabalhos chatos que eu odiava, consegui ficar lá, mas estava procurando uma coisa mais interessante pra fazer. Só que tudo o que eu procurava, que eu achava interessante, eu não consegui, as portas fechavam. Como eu era uma pessoa bem diferente no escritório eu não fui muito bem tratado, fui até bastante humilhado, mas eu fazia tudo o que eu tinha que fazer. Mas meu chefe, que era esse advogado famoso, gostava muito de mim. E um dia em 85 eu levei uma bronca do meu chefe, o estagiário sempre ficava na sala do chefe, aí eu achei que minha carreira estava acabada, eu fui no cinema e tinha um filme brasileiro no cinema de arte, que era Gabriela Cravo e Canela, com Marcello Mastroianni e Sonia Braga. Eu vi a sensualidade de Sonia Braga, eu já estava interessado no Brasil porque eu tinha lido vários livros de Jorge Amado em inglês. Eu vi este filme, eu a vi e eu achei incrível, pirou a minha cabeça. Eu não entendia nada sobre o Brasil, gostava da música. Ah sim, a minha namorada espanhola me dava gravações de Toquinho e Vinícius; eu tinha um outro amigo brasileiro que morava em Genebra, então eu estava interessado no Brasil e não sabia de nada. Eu tocava tamborim numa escola de samba, em Londres, e um dia eu falei com meu chefe que naquela noite eu ia tocar tamborim num grupo de samba e ele falou: “Mas por que você não vai pro Brasil? Não deve ter pessoas com a sua formação e se você passa um ano no Brasil e volta pra Londres, você vai ter uma coisa diferente”. E ele foi viajar, foi Natal. Eu achava a ideia interessante, parecia ser mais divertido do que todas as outras alternativas. Eu comecei a ver contatos, eu tinha um amigo que era brasileiro e era banqueiro em Genebra, que era amigo de um amigo de Cambridge, tinha os clientes que tinham contato com a América Latina. E tinha um amigo do meu pai que era um banqueiro que foi conversar com ele, que tinha um amigo que organizava o primeiro fundo de investidores estrangeiros no mercado de capitais brasileiro. Em 86 eu recebi uma ligação desse cara falando: “Eu sou amigo do...”, do cara que é amigo do meu pai, que virou um Sir, “eu estou levando um grupo de investidores pro Brasil daqui três semanas. Vem almoçar comigo, eu fiquei sabendo que você está interessado no Brasil. Vou levar esse grupo de investidores, vai ser liderado por um ex-embaixador, a gente vai business class, vai ficar em hotéis de quatro, cinco estrelas, vamos ter reuniões com ex-ministros, advogados famosos, ex-presidente do Banco Central, vamos visitar empresas grandes, Globo, Abril, Alpargatas, Souza Cruz. Eu consigo uma passagem barata pra você, eu consigo um apartamento pra você ficar no Rio por 50 dólares por semana, vem com a gente. Se tem interesse no Brasil, você nunca vai ver tanta coisa e conhecer tanta gente interessante em pouco tempo”. Eu pedi três semanas de férias não remuneradas do escritório. Um advogado do primeiro ano não tinha um cartão de visitas da empresa, mas eu mandei fazer cartão de visitas com o nome da firma, vim pra cá, passei uma semana com esses investidores, passei duas semanas visitando escritórios de advocacia. Foi 86, o Plano Cruzado começou no dia que eu saí da Inglaterra, no escritório de advocacia acharam louco alguém querendo ir pro Brasil, porque ninguém estava vindo pro Brasil, achavam melhor ir pro Iraque. Passei três semanas, voltei pra Londres. Odiava meu trabalho, não conseguia emprego interessante, só tinha oferta de emprego que eu achava muito chato, fazendo Corporate finance, que é aquisições, essas coisas. E de repente eu recebi oferta de um emprego de um escritório de advocacia do Aldo Raia, que era irmão de Silvano Raia, diretor da Faculdade de Medicina da USP, que fez o primeiro transplante de fígado, oferecendo 500 dólares por mês.
P/1 – Vamos voltar. Você recebeu esse convite e você veio pro Brasil.
R – Sim, eu recebi o convite com o salário baixo e o visto, super baixo, 500 dólares por mês.
P/1 – Mas você não ia pagar suas despesas, eu não entendi. Você não ia ter que pagar o apartamento no Rio?
R – Não, eu fui pro Rio, fiquei três semanas no Brasil.
P/1 – Como é que foi? Quando você chegou aqui qual foi a sua impressão? Qual o primeiro lugar que você viu?
R – Estava no Rio.
P/1 – Chegou direto pro Rio.
R – Pro Rio.
P/1 – Qual foi sua impressão?
R – Calor. Eu estava em Copacabana, você não podia andar em Copacabana sem meninos tentarem jogar coisa suja no seu sapato. Mas cada menina, eu não sabia que eram meninas de programa no Rio, mas cada menina que olhava dava um sorriso. Era incrível, eu pirei com a sensualidade do Brasil. Eu ficava em um apartamento no Leme e a rua, o cheiro da rua, a sensualidade das mulheres passando, era incrível. Eu ia nas reuniões com homens de negócio e depois eu ia pros bares em Copacabana, ficava lá conversando com menina, levava menina e voltava. Não sei se era garota de programa ou não, voltava pro apartamento e nem cobrava nada, eu achei incrível o Brasil. Passei duas semanas no Rio e duas semanas em São Paulo.
P/1 – E São Paulo?
R – Fiquei uma semana. Eu fui duas vezes pra São Paulo, primeiro fui com os investidores, dois dias, depois eu voltei e passei uns quatro dias em São Paulo, visitando.
P/1 – Que impressão você teve de São Paulo?
R – Cidade grande, eu fiquei num hotel chamado Bristol, na Martins Fontes. Me trataram muito bem. Fácil, fui visitando um, passava por outro, fui nos bares, fui nas boates à noite. Eu me senti muito tranquilo.
P/1 – Mas qual foi a impressão que você teve da cidade?
R – Eu gostava do Rio, mas eu senti que São Paulo era um lugar interessante. Eu fui visitar um advogado que falou: “Não, você tem que ir pra noite, você tem que ir pra Rua Henrique Schaumann”, então, fui sozinho pra Henrique Schaumann, um bar que tinha rodamoinho e eu ouvi a música Marina Morena pela primeira vez. Eu gostava de São Paulo, gostava do centro, fui numa loja de fitas, nem falava português e consegui me comunicar, falava um pouquinho de espanhol. O cara na loja entendeu que eu queria música brasileira e ele falou: “Eu vou te dar uma caixa e você compra 15, 16 fitas”. Eu falei: “Eu quero Vinícius, eu quero Gal Costa, eu quero isso, aquilo”. A música do momento que estava lá era Gal Costa com Tim Maia cantando “Um Dia de Domingo”, essa era a música que ficava na minha cabeça essa época. Sei que o cara falou: “Você tem que ter Wando, você precisa de Gilberto Gil, você precisa isso”, ele me orientava o que comprar, então, eu voltei com um monte de música brasileira que o cara me orientou comprar. Eu gostava daqui, eu me senti bem aqui, me senti totalmente em casa, eu me relacionava fácil com as pessoas sem falar a língua, mas eu não pensei que eu ia receber oferta de emprego, mas eu gostava.
P/1 – Foi nesse período que você recebeu a oferta?
R – Não, foi dois meses depois. Eu voltei no fim de março, fiquei na firma. Eu fui nomeado pra um trabalho em Paris, internacional, mas estava demorando pra ter a resposta, quando veio a oferta desse escritório de advocacia no Brasil, com salário baixo, sem pagar nada de expatriado, sem pagar despesa de mudança, só pagava um salário de 500 dólares por mês, em São Paulo, e o visto. Eu gostaria de vir, então, tanto meu professor de Cambridge e meu chefe, os dois falaram comigo, independente: “Olha, a gente não gosta de nenhum dos empregos que estão acontecendo em internacional” porque seriam empregos onde eu seria parte dos advogados representando os países árabes, Líbia, Irã, Iraque, nos casos grandes na época contra as empresas de petróleo americanos. E meus chefes eram advogados que sempre trabalhavam com as empresas de petróleo. “A gente não quer que você trabalhe lá. O escritório de advocacia em Londres não vai ser muito interessante. Se você passa um ano no Brasil e se você for inteligente, pode ser muito mais interessante pra você. O pior que acontece, você volta”, um escritório grande que meu professor me apresentou, que me fez uma oferta, mas eu achei chata, “Veja se eles vão deixar um lugar aberto pra você e fala que você vai pro Brasil”. Então fui lá, perguntei: “Eu vou deixar o lugar aberto pra você”. E depois meu professor falou: “Já que você vai pro Brasil, sai da firma agora e aprende português”. Como dinheiro não era problema, eu saí da empresa e procurei professor de português, em quatro meses eu era fluente em português, então, eu já cheguei aqui falando. Cheguei dia 12 de dezembro de 86.
P/1 – Foi morar onde?
R – O escritório me colocou num flat na Bela Cintra. Só que 500 dólares não dava pra viver nisso. Eles achavam que eu era rico. Eu tinha que viver do meu salário.
P/1 – Seu pai não te mandava mais dinheiro?
R – Eu fui com um pouquinho de dinheiro, eu pedi, mas a ideia não era essa. Pagou passagem, mas a ideia era para eu vir aqui trabalhando sério. Mas o escritório não era muito sério, o dono do escritório queria um advogado inglês pra mostrar pras pessoas. E um mês depois que eu cheguei eu tive um ataque cardíaco, que era negócio de arritmia, que eu não sabia que tinha. Ah, eu sabia que o Kilt era a melhor boate da época, porque eu conheci vários escoceses, kilt é a saia escocesa e a Tânia, que era a dona do Kilt, sempre tratava os escoceses muito bem, todo mundo falava do Kilt, Kilt, Kilt. E uma semana depois de eu chegar ao Brasil veio um cliente, o dono da empresa, o presidente de empresa multinacional, veio de Hong Kong, o chefe levou a gente pra um jantar num lugar muito exclusivo, que era o Honoravel Società, tipo uma boate como o Gallery, mais chique, da época. Eu senti que o cara, o dono da empresa, queria uma coisa mais picante.
P/1 – Como dono da empresa, você não estava no escritório?
R – Eu estava no escritório, mas o dono da empresa é cliente que veio pro Brasil.
P/1 – Ah, cliente do escritório.
R – Sim, como é inglês eu tive que acompanhar ele. Ele estava no Maksoud. Eu voltei com eles pro Maksoud e falei: “Vocês querem sair à noite?” “Queremos”, perguntei pro concierge do Maksoud, eu falei: “O Kilt é o melhor lugar?” “É o melhor lugar”, eu falei pro cliente: “Deixa comigo”. Pedi um táxi, levou a gente pro Kilt. Cheguei na porta, falei pra menina da recepção: “Olha, esse cliente é muito importante, eu sou advogado, sou recém-chegado no Brasil”, eu dei um bom dinheiro na mão dela, “Eu quero ser conhecido da casa e eu quero que a Tânia venha cumprimentar a gente” (risos), eu e dois clientes, o presidente e o executivo. Ela levou pra uma mesa boa, todo mundo falando: “Barry, oi Barry” (risos). A Tânia, que era dona, veio cumprimentar os clientes e falou: “Esse cara é incrível, já está com todo o esquema montado no Brasil”. O dia depois disso eu tive que ir pro Paraguai, para Porto Stroessner, que era Cidade do Leste, pra pegar meu visto. Então, aconteceram duas coisas, primeiro o cliente voltou pra Hong Kong falando pra todo mundo que foi pro Brasil e tinha advogado inglês que sabia de tudo, que levou eles pros melhores lugares, e eu fui pro Paraguai, tive que ficar uns dias pegando meu visto. Eu fiquei pensando em todas as coisas que eu ia arranjar, que eu ia fazer um esquema entre o Kilt e os executivos e tudo isso, fiquei tão excitado que no último dia lá eu tive o problema de arritmia e tive que ir pra clínica de um cardiologista no Paraguai. Que parou o ataque e falou: “Não, é meio perigoso, tem que ficar uns dias aqui”. Lá no escritório em São Paulo (risos), eles perguntavam: “O que está acontecendo?”, então, Silvano Raia, que era esse médico famoso ligou pra esse clínico, explicaram o que era. O cara do consulado brasileiro veio de moto me levar de volta pro meu hotel. Voltei pra São Paulo, falaram que eu tinha que fazer uns testes, que eu achei tudo uma farra, até o dia que eu fui fazer cateterismo. Fui fazer cateterismo no Incor, eu vi que a coisa era séria e comecei a chorar. E tinha um enfermeiro pernambucano lá...
P/1 – Mas seus pais ficaram sabendo?
R – Não, até então não estavam sabendo nada. E...
P/1 - Você foi parar no Incor...
R – Sim. Eu fui embora, naquela noite que eu fiz cateterismo tinha uma festa escocesa no Clube Inglês, só que eu fui embora já tinham roubado meus sapatos, do hospital, então eu tive que ir embora de chinelo, era meio uma aventura. Depois eles falaram: “Não, você vai ter que fazer uma cirurgia”. Uma cirurgia que agora é fácil, mas na época pra fazer essa cirurgia de arritmia tinha que abrir tudo. Eu achei isso interessante porque eu achei o hospital por algumas semanas, com enfermeiras bonitas. E bom, meus pais vinham, então, eu falei pros meus pais, algumas pessoas que eu conhecia aqui ligaram pra eles: “Você vem pro Brasil a gente vai cuidar de você”, todo mundo assustou. Pra mim era tudo uma farra, eu até saí com a enfermeira do cateterismo. Ela falou: “Mas ainda bem que você não tem noção do que vai acontecer com você, porque se você tivesse noção... ainda bem que você não sabe”. Eu tive que procurar hotel pros meus pais, então, eu achei o melhor lugar pra eles na época, com piscina, tudo, era o Ca'd'Oro. Eles chegaram no dia que eu entrei no hospital. Fiquei 7 dias no hospital. Foi um pesadelo. Foi horrível. Lá no hospital, parente não fica no hospital à noite, minha mãe ficou duas noites comigo quando saí da UTI, depois de três dias de UTI, eu não tinha esse contato, eu não sabia o que fazer comigo. Meu médico foi pra um congresso, tinha um médico horrível. Meu médico principal era Fúlvio Pileggi, que era diretor do Incor, mas tinha um cara abaixo dele que não me tratou muito bem. O médico simpático foi pra um congresso e eu fiquei no hospital sozinho à noite sem ninguém me acompanhando. Eu não consegui dormir, me davam mais calmante pra dormir, que acabou tendo efeito contrário. No oitavo andar do Incor eu tinha o meu violão, eu ia de quarto em quarto tocando violão e cantando Bossa Nova (risos). Eventualmente pegaram um enfermeiro formado pra ficar comigo à noite, o seguro que eu tinha pagou tudo isso. Saí do hospital, fiquei mais uma semana no Ca'd'Oro com meus pais, eles foram embora e eu voltei pra realidade, pro escritório. Vi que não tinha trabalho pra fazer, não tinha quase nada pra fazer. O que eu estava ganhando não era suficiente pra viver, doente porque uma cirurgia aberta de coração é pesadíssima, deprimido. Consegui negociar com o escritório que me pagasse o suficiente pra viver. Eu mudei desse flat, quando estava no hospital ele conseguiu pra mim um apartamento de um quarto na Alameda Lorena. E comecei a reconstruir, ou construir, uma vida aqui devagar. Chegou meus bens de fora, que eram basicamente...
P/1 – Que ano que era?
R – 87 agora. Chegaram meus bens, que eram 500 livros, minha bateria. Comecei a fazer amizades, tive uma primeira namoradinha que era uma mineira. Não tinha trabalho, não sabia o que eu ia fazer com a minha carreira porque eu vi que não ia acontecer nada lá.
P/1 – Mas você estava no escritório.
R – Sim, tinha salário, mas não tinha trabalho, cheio de advogados que não faziam absolutamente nada, só esperavam o chefe chamar pras reuniões, pra mostrar que tinha um monte de advogados. Tinha alguns trabalhos, eu tive que viajar pelo mundo com os herdeiros de um cara que morreu, que tinha dinheiro no mundo, e eu comecei a aprender sobre essas ilhas, paraísos fiscais. Como não tinha trabalho tradicional, eu comecei a fazer coisas não tradicionais, que era trabalho com movimentação de dinheiro, procurar dinheiro pelo mundo, litígio fora do Brasil pra brasileiros, porque normalmente escritório de advocacia internacional fazia investimento estrangeiro, eu fiz coisas não tradicionais. Depois de um ano eu vi que eu não ia pra lugar nenhum...
P/1 – Tem algum caso marcante nesse período?
R – Só o caso que eu acompanhei os herdeiros de um rico que deixou pra eles dinheiro nas Bahamas e na Suíça, então, eu tive que viajar com eles. Eu comecei a entender como as pessoas estruturavam empresas nesses paraísos fiscais, foi o caso mais marcante. Só que eu vi que não ia pra frente, então eu queria trabalhar sozinho, mas eu nunca tinha trabalhado sozinho. Só que eu conheci um amigo, colega do meu professor e um outro chefe meu que morava na Ilha de Man, que era um advogado internacional. Fui visitar ele, ele falou: “Não, o que você pode fazer, a gente monta uma empresa pra você, a gente coloca uns diretores que são advogados, que podem te dar apoio e você trabalha no Brasil como diretor dessa empresa internacional de consultoria, isso vai ser sua base de trabalho como advogado internacional”. Fiz isso, consegui uma sala em um outro escritório e comecei a trabalhar sozinho como representante de uma firma internacional de consultoria. Passei um tempo sem trabalho e comecei a escrever. Ah sim, era época de problemas de dívida externa brasileira, tinham coisas, operações bancárias de conversão da dívida em capital de risco na época. Eu comecei a estudar muito esse assunto e comecei a escrever matérias sobre isso. Só que as minhas matérias eram mais sofisticadas de tudo o que estava sendo, e dar palestras, mais sofisticadas do que tudo o que estava sendo escrito aqui. Também publicações, editoras internacionais, eu mandava meus artigos pra The Economist e falava: “Seu livro sobre a conversão da dívida externa está muito bom, mas o capítulo sobre o Brasil está fraco, a situação é mais complicada”. Esses editores começaram a me contratar pra escrever os capítulos, então, eu comecei a publicar matérias e dar palestras sobre este assunto e fiquei mais ou menos conhecido. Não tinha muito trabalho, no começo nenhum trabalho, mas era a maneira de eu fazer nome. Eu entrei na capa de Comércio Britânico, eu vi que o comitê jurídico estava cheio de advogados e eu pensei: “Eu vou no Comitê Econômico”. Consegui entrar no Comitê Econômico, depois o cara que dirigia o Comitê Econômico foi embora e me colocou na presidência do Comitê Econômico da Câmara do Comércio. Eventualmente, eu fui pro Conselho de Câmara do Comércio, então, eu comecei a fazer nome. Tinha uma sociedade escocesa aqui chamada Saint Andrew Society. Entrei no Comitê dessa sociedade, que é beneficente, achei muito chatas as reuniões e fui embora, mas quando a sociedade teve uma crise e precisava de um presidente novo pra dar uma revitalização, pediram para eu ser presidente. Então, em três, quatro anos comecei a ser bastante conhecido, pelo menos entre os estrangeiros e com os bancos estrangeiros. Eu não tinha muito trabalho, estava sobrevivendo, pegando um caso ou outro. Fiz uma operação muito grande pra um banco de investimento britânico, onde era para eu receber uma porcentagem do tamanho da operação, mas o espertinho de lá mentiu sobre o tamanho do negócio, eu ganhei muito menos do que eu deveria. Não tinha trabalho, fui atrás pra remontar qual foi o valor de transação, ameacei processar eles e fui pago, mas eu comecei a aprender como investigar. No começo de 90, que era época do Plano Collor eu montei meu próprio escritório no Paraíso, aluguei uma casa, decorei, tive meu próprio escritório de consultoria em Direito Internacional.
P/1 – Você não vivia mais com o dinheiro dos seus pais.
R – Não, eles me ajudavam quando precisava, me ajudavam. Não era dos meus pais, era dinheiro que era meu, quando precisava eles me ajudavam. Desde que eu cheguei no Brasil eu tive problemas com uma coisa, que acabou fazendo eu brigar com o primeiro escritório e depois outro escritório onde eu fui, que é uma coisa que eu já carrego do passado, já brigava até com meu pai, por causa da ética. Porque eu gostava da coisa transparente, uma coisa minha. E quando comecei a trabalhar no primeiro escritório eles queriam que eu mentisse, que eu fizesse coisas que eu não achava certo. E quando eu recusei, falaram: “Mas o cara acha que é o rei da Inglaterra?”. E muita gente, especialmente judeus, eles vêm pro Brasil não foragidos, mas porque tinham que sair do país onde eles estavam, então, é difícil uma pessoa entender alguém que escolhe vir pro Brasil, quando pode ir pra qualquer lugar. E quando eu falava, quando eu saía com meninas ou pessoas de comunidade judaica, eu falava que eu achava orgulhoso ser correto, eles me achavam burro. Tive uma namorada cujo pai era presidente de uma multinacional, ele era sócio do Gallery, e quando as meninas, as irmãs, os amigos iam pro Gallery, alguém, o namorado, pegava a carteira do pai, usava isso, falava que era o pai. Eu fiz isso uma vez, falei: “Mas, eu não sou disso, eu não preciso disso, eu tenho dinheiro pra ser sócio do Gallery”. Eu falei assim, a gente vai: “Quem é você, sócio?”. Eu pensei que ela fosse achar isso legal, que o pai dela ia achar isso, que eu sou uma pessoa íntegra. Eles achavam que eu era um idiota (risos), eu não me conformava com isso. No primeiro ano, dois, três meses depois que eu saí do hospital, eu escrevi uma matéria sobre a conversão da dívida externa. Eu escrevi no papel timbrado do escritório e assinei embaixo com meu nome, nunca pensei em fazer coisa como se fosse meu, eu estava trabalhando no escritório. Só que tinha um outro advogado lá que era sobrinho do Paulo Maluf. E ele pegou minha matéria, tirou o meu nome, colocou o nome dele em cima (risos) e começou a mandar pras pessoas. Eu fiquei louco, eu não entendi como podia fazer. E ele nem foi mandado embora, nem foi falado nada. “Como pode isso? Simplesmente roubou”. Não só isso, eu estava fazendo o nome do escritório, ele até tirou o nome do escritório. E as outras pessoas: “Não, Barry, o Brasil é assim”. Ninguém entendia porque eu criei caso sobre isso. Então, eu sempre, eu adorava a cultura, fiz amizade, o calor humano aqui, mas isso era um negócio que eu não gostava, então, eu... Não porque eu acho que eu sou melhor, mas eu achei errado fazer coisa errada. Uma coisa que eu sempre fiz.
P/1 – Você vai dar o gancho ou você ia falar do... onde você parou quando a gente começou?
R – Eu estava falando que eu tinha meu próprio escritório, um banco me enganou sobre uma transação, foi tudo errado, eu recusei aceitar e eu descobri qual era o valor da operação e fui atrás dele insistir para que eles pagassem o que eu deveria receber. E aqui acontece uma coisa, pra ser rico rápido no Brasil você tem que ter o rabo preso, você tem que entrar em algum grupo, as pessoas fazem coisas questionáveis, pelo menos. Se você se recusa a fazer isso, você nunca vai crescer rápido, você sempre fica meio por fora. E nenhuma oportunidade que surgiu para eu fazer operações financeiras erradas, ou negócios errados eu aceitei, então, sempre foi muito difícil pegar trabalho. Quando eu não conseguia trabalho, tive que pagar aluguel. Em 2003 eu peguei o caso de uma mulher...
P/1 – Vamos voltar. Você abriu seu escritório no Paraíso.
R – Em 1990.
P/1 – E como é que foi o escritório, quem eram seus clientes?
R – Primeiro escritório foi lindo, era uma casa que parecia um templo mexicano, uma travessa da Rua Tomas Carvalhal, em frente do Doi-Codi, o Dops, era o escritório de dois arquitetos. Atrás do escritório tinha um jardim, um terraço com piscina e dois apartamentos onde os dois moravam. Eles resolveram alugar o escritório. Eu aluguei o escritório e contratei eles pra fazer o interior. Era lindo. Eu sabia exatamente o que eu queria. Eu montei um mini-escritório britânico lá, com biblioteca, com arquivos, tudo certinho. Esperava cliente. Consegui um pouquinho de trabalho de estrangeiros, mas era mais litígio fora do Brasil pra empresas brasileiras, operações financeiras onde o dinheiro entrava, operações legais, porque tinha várias taxas de câmbio, onde conseguia movimentar dinheiro numa taxa de câmbio montada na outra, que chama aqui de bicicleta, mas tudo legal, mas coisas bastante sofisticadas. Eu fiquei especialista nisso. O meu chefe de Londres era o maior especialista do mundo sobre a lei internacional de dinheiro, então eu tive uma visão dessas operações diferenciadas, eu me tornei especialista em trabalhos jurídicos não comuns. Acho que porque eu fui bullied, eu sempre tive uma simpatia pela pessoa mais fraca, então, peguei uns casos de mulheres cujos maridos eram ricos, mas o dinheiro estava escondido no mundo, ou estava no outro país. Como a mulher morava aqui no Brasil, se tivesse uma briga, era impossível um juiz aqui dar uma ordem que iria afetar o dinheiro lá fora, então, as mulheres ficavam reféns dos maridos, que tinham amantes, namoradas. Mas pelo meu conhecimento eu conseguia ou tirar o dinheiro do marido sem ele saber, ou bloquear o dinheiro do marido no outro país a partir daqui, usando técnicas bastante sofisticadas de litígio que ninguém fazia. Então, pegava casos assim, mas sempre com pessoas mais fracas. Eu era bom nisso, só que o maior caso era o caso de divórcio, onde eu consegui sequestrar alguns milhões de dólares de um americano pra mulher dele quando ele estava viajando com a amante. Mas o cara era um cara decente, a mulher era vítima, mas era muito desagradável; o caso durou dois anos e foi hor-rí-vel, xingando um ao outro, ficou no nível pessoal. O marido me odiava, 20 anos depois continua me odiando, mais do que à ex-mulher, porque sabia que se não fosse eu, nenhum outro advogado iria fazer isso, continua me odiando. Eu achei isso muito desgastante. Eu sobrevivia, mas eu não ia muito pra... eu não ganhei dinheiro, não adquiri, eu sobrevivi razoavelmente ok, mas eu andava de MP Lafer, sabe aquele carro antigo? Andava de MP Lafer de capota aberta, de chapéu panamá, por São Paulo. Era conhecido nos hotéis, no Buffet França, era super divertido. Mas eu tomava posições radicais e fui mais ou menos expulso do Conselho da Câmara Britânica porque eu tomei uma posição ética sobre uma coisa que eu não concordava, que ninguém tomava. Foi mandado embora um cara de muitos anos, não foi muito certo o jeito que foi feito, eu e mais uma pessoa que já era aposentada tomamos uma posição forte a favor dele e as outras pessoas ficavam ou contra, ou não queriam assumir uma posição, eu sempre assumia uma posição. Mas até o fim de 2005 um amigo meu falou: “Barry, sua carreira não está indo pra frente. Se não está indo pra frente, você está com 40 anos, tem alguma coisa errada, você não está fazendo o que você quer fazer mesmo”. Eu pensei: “Eu vou procurar mudar”, não sabia o que eu queria fazer. Fechei meu escritório, entrei num escritório familiar de advocacia de dois irmãos judeus que viraram muito amigos, muito, muito boa gente, chamado Zaclis. Eu estava acostumado com meu escritório em mandar, quando o pessoal não fazia o que eu gostava eu gritava. Eu entrei no escritório do Zaclis e eles falaram: “Você não pode tratar as pessoas assim”, eles me...
P/1 – Te ensinaram.
R – Me ensinavam como tratar todo mundo. Era muito, muito, boa gente, continuo amigo deles. E depois tinha um ano, dois, um ano e meio, eu estava fazendo trabalhos lá com eles, mas eu sabia que estava procurando algum outro tipo de negócio. Eu estava em Brasília, na Embaixada Britânica, e conheci dois caras que trabalhavam numa empresa chamada Control Risks, uma empresa britânica de negociação de sequestro. Um era um coronel aposentado do exército americano, o outro era um ex-soldado dos serviços especiais britânicos, aquele de capuz preto, que veio pro Brasil pra montar o escritório dessa empresa britânica de negociação de sequestro, fazer trabalho de segurança. Eu conheci esses caras e falei: “Não, isso aqui é interessante, negociar sequestro deve ser muito interessante”. Porque forças especiais é muito ligada com serviço secreto. São caras muito, muito interessantes. Um era Patrick, que era um inglês, ele tinha participado de umas das operações mais interessantes, era uma lenda. E por que eles abriram escritório no Brasil? Porque brasileiros ricos na época, empresas multinacionais, faziam seguro de sequestro de executivos. E tinha muitos sequestros nos anos 90. Quando tinha sequestro vinha um negociador de fora, fazia parte dos seguros; vem negociador pra negociar sequestro e pra autorizar, a família tinha que pagar resgate, mas o negociador tinha que certificar que o sequestro era verdadeiro para autorizar o reembolso do resgate e também negociava. Esses caras que negociavam eram muito interessantes, eram ex-espiões, de inteligência militar ou policiais mais intelectualizados; eles tinham que ter uma cabeça muito fria porque a família que tinha seguro de um milhão de dólares, já queria pagar um milhão de dólares, mas o negociador sabia que se paga um milhão de dólares logo de cara vai pedir mais. Eles tinham que ser muito frios quando a família está chorando, com o dedo xingando todo esse negócio, mas eram caras muito interessantes. Mas em 96, 97, tinha tantos sequestros no Brasil, que os negociadores estavam entrando e saindo o tempo inteiro, então, abriu um escritório aqui pra dar o apoio pros negociadores. Eram esses caras que estavam aqui, que eram mais práticos, que ficavam com famílias, organizavam.
P/1 – Você abriu um escritório que cuidava disso?
R – Eles abriram um escritório aqui.
P/1 – Ah, eles...
R – Cuidava de organizar segurança pra família, organizar guarda-costas, dar apoio pros negociadores que estavam chegando. Eu conheci eles, que abriram o escritório, depois conheci os negociadores que chegavam. E de repente, como eles tinham vários clientes de multinacionais, eles começaram a ter causa... eles iam visitar uma multinacional e falavam: “A gente recebeu uma denúncia anônima sobre alguém na empresa que alguma coisa está errada”. Só que esses caras de segurança não sabiam o que fazer, não sabiam nem quem usar. Eu era amigo deles: “Barry, tem um caso assim, acho que precisa de um advogado, você quer olhar isso?”. E como eu vim de família de empresa, como era um advogado empresarial, eu consegui entrar na empresa e não olhava... normalmente o investigador brasileiro, ele grampeia telefone e bate nas pessoas até elas confessarem, é assim que funciona. Ou fica seguindo as pessoas, olhando as contas bancárias. Eu não tinha esse background, eu tinha uma outra metodologia e comecei a usar aquilo. Eu já sabia fazer, descobrir como a empresa funciona, qual o cargo da pessoa, a quem ele reporta, como pode ser um desvio ou um pagamento de propina. Eu descobri que naturalmente eu sabia fazer esse trabalho, mas de maneira diferente da que outras pessoas faziam. Eu achei isso super divertido porque eu consegui trazer todo meu conhecimento de Criminologia, de empresas, que vinha desde a minha família, e de Direito, para aconselhar as empresas nessa situação, isso que eu gosto de fazer, então eu pedi pra eles me empregarem. Só que na época eu era muito... era uma empresa de soldados britânicos e usavam ternos Versace, tinham brinco e rabo de cavalo, então, eu não era o tipo de pessoa que eles queriam, só que eu era bom, então, me eles me contrataram como consultor. E começou a entrar casos grandes, tipo empresa multinacional que estava com problema, sendo atacada por outra empresa lá fora que descobriu uma fraude no Brasil, onde o dinheiro foi desviado, usado pra comprar cocaína de crime organizado pra distribuir através de uma rede de prostitutas e depois lavado, então, a empresa não sabia o que fazer porque um escândalo aqui poderia ter dado impacto lá fora. Normalmente os investigadores, mesmo as empresas internacionais de investigação, eles olham e simplesmente veem quem fez o quê, tem prova que a pessoa roubou, eles eram mesmo advogados, ex-policiais ou advogados criminalistas e promotores. Eu vim de um background empresarial e de Direito Internacional Financeiro, então, minha visão pra olhar tudo o que estava acontecendo, mandar levantar e depois sentar com diretoria de empresa, ou no Brasil, ou lá fora e falar: “Olha, a situação é essa, você está sendo atacado lá fora, você não pode ter problema de reputação, você pode descobrir isso, você pode não descobrir aquilo, se você toca aqui pode dar escândalo”, tinha uma outra visão, ninguém fazia isso. A primeira grande empresa que eu fiz um trabalho muito grande, eu chamei a reunião de diretoria da empresa internacional e eles falaram: “Graças a Deus, alguém está falando pra gente fazer”. Eu sabia que eu tinha um trabalho que ninguém fazia, eu queria que esse Control Risks me deixasse desenvolver só isso, mas eles não queriam porque eu era a única pessoa que podia fazer. Então, em 99 comecei a trabalhar sozinho, montei minha própria empresa e comecei a trabalhar sozinho fazendo esse tipo de gerenciamento de crises e de situações especiais de empresas. Fiquei alguns meses sem trabalho, desenvolvendo metodologia e comecei a ser contratado por um banco e depois por um outro banco, fazer um trabalho super interessante, fraude de centenas de milhões de dólares envolvendo a reputação das pessoas, onde o dinheiro envolvido que estava desviado era menos importante do que o problema de reputação da empresa. Fiz isso em 99, 2000. Em 2001 fui contratado como diretor da KPMG, que é uma empresa de auditoria e consultoria que tinha uma divisão de investigação de crime financeiro. Fiquei três anos e depois, em 2004, comecei a trabalhar de novo sozinho. E nesse tempo eu comecei a ter uma massa crítica de investigações de trabalhos grandes e me tornei mais ou menos, acho que não tinha ninguém que tinha trabalhado em tantos casos grandes do nível que eu trabalhei. Em 2003, quando eu estava na KPMG, eu comecei a sair muito na imprensa, uma Isto É Dinheiro me chamou de “Sherlock Holmes da KPMG”, depois não saí mais porque a KPMG não queria. E quando eu fiz alguns trabalhos grandes em 2004, 2005, quando já tinha minha própria empresa, no começo de 2005 comecei a trabalhar no caso do Banco Santos. Eu tive um papel importante no começo porque eu peguei as provas que ajudaram a colocar Edemar Cid Ferreira na cadeia a primeira vez e ajudar muito o caso criminal contra Edemar Cid Ferreira. Até meu nome ficou nas sentenças, só que ele começou a ir atrás de mim, me intimidar. O advogado dele tentou caçar a minha licença pra advogar na Inglaterra e a polícia começou a me acusar de um monte de crimes que eu não tinha nada a ver, dizendo que eu estava extorquindo, ameaçando ele, que eu estava advogando no Brasil ilegalmente, o que eu não estava, coisas que não tinham nada a ver, pra me intimidar. Ao mesmo tempo eu estava trabalhando junto, intermediando o Governo Federal brasileiro e o Governo de Antígua, onde ele tinha um banco, a Polícia Civil de São Paulo estava me acusando de crimes, em tudo fui absolvido. Mas foi uma época muito ruim porque, de repente, eu comecei a trabalhar bem, de repente não tinha dinheiro, não tinha cliente, não tinha absolutamente nada.
P/1 – Depois dessa história do Edemar.
R – Sim. No fim de 2005. Entrei numa fase muito ruim, foi nesse momento que eu comecei a “SOS Dignidade”, a minha ONG.
P/1 – Nesse período?
R – Que eu comecei a SOS Dignidade, a ONG que trabalhava no começo com Direitos Humanos, mas especificamente com travestis e transexuais.
P/1 – Por que você resolveu criar essa ONG?
R – Eu não resolvi criar a ONG. Eu sempre fui fascinado pelo submundo, no meu trabalho de investigação eu olho o submundo de uma empresa, mas desde a época que eu li O Poderoso Chefão, eu achava o mundo de prostituição, o submundo, fascinante porque é um mundo escondido. Eu sempre fiquei muito impressionado com a falsa moralidade, tem uma dupla moralidade sexual brasileira, que as pessoas são muito livres, mas quando eu era diretor da KPMG eu sempre almoçava com os diretores e sócios no Na Mata Café, que fica no Itaim. Em cima do Na Mata Café tinha uma galeria, acho que Paul Mitchell Gallery. E sempre quando tinha uma exposição, tinha a brochura da exposição nas mesas. E a conversa dos homens é quase sempre, e eram só homens os sócios diretores que almoçavam, sempre falando sobre as amantes, sobre putas... eu nunca tive esse tipo de conversa porque eu não casei, ainda. E um dia estava tendo uma exposição de travestis, mas eram travestis nus. A brochura estava na mesa, então, a gente sentou na mesa e viu essa brochura, que pareciam mulheres nuas, você via alguma coisa diferente, mas você não sabia o que era. Você olhava, em inglês chama double take, você olhava o foto, fiz isso, depois lia, eram travestis. Então a conversa na mesa começou... “Ah não, um dia a gente estava na rua, em Higienópolis, procurando prostituta, a gente pegou uma travesti por engano” “Ah, o que você fez?” “Espancamos, é isso que faz, não?”. Eu fiquei muito impressionado com isso. Também o negócio de transexual mexe muito, eu vi, mexe muito com homem, porque é uma coisa que não é homem, que não é mulher. Eu queria entender, eu queria entender como é que os homens brasileiros, os homens, eu já sabia porque eu namorei muito tempo uma médica que falava que o homem cliente de travesti em geral é passivo. Eu tinha reparado nas mulheres uma masculinidade, então, eu achei uma coisa muito... um tipo de androginia dentro desse machismo e a sensualidade brasileira, porque a sensualidade brasileira é muito forte, isso que me atraiu pro Brasil. Então, nessa época que eu não tinha nada eu falei, não tenho nada a perder, e comecei a andar na noite, nessas boates que tinha na época, tipo Love Story, onde as prostitutas iam pra se divertir no fim da noite. Love Story era o primeiro, você tinha prostituta de todo tipo, do mais alto nível até mais baixo nível, sempre reunia nesse lugar, chamava Casa de Todas as Casas. Eu era especialista em lavagem de dinheiro, que é o crime de todos os crimes, porque todo tipo de crime acaba em lavagem de dinheiro. Eu achei o paralelo interessante. Eu namorava nessa época uma part-time garota de programa que era muito, muito legal, acabou casando com um inglês. E ela ia comigo nesses lugares. Eu ia numa boate onde especificamente as travestis iam no fim da noite, eu ficava no bar conversando e comprando bebidas, sozinho, sempre vestido de preto. Eu não achava, mas eu me destacava. Eu fiz amizade com um grupo de travestis do Ceará que ia toda segunda-feira à noite em um forró em Pinheiros chamado Tropical. É um forró onde tinha na época as bandas Calcinha Preta, as bandas famosas. E toda segunda-feira à noite elas iam trabalhar perto da USP, depois iam pra casa trocar e umas três horas da madrugada vêm um grupo de travestis no Tropical. Primeira vez que eu fui no Tropical numa segunda-feira à noite eu estava vestido de terno preto, mais velho que todo mundo. Eu fiquei no bar, as pessoas começavam: “Quem é você? Você é famoso?”, só porque era diferente. E depois chegavam as travestis, eu não sabia que tinha que passar pelo segurança masculina, ser revistado por homens que xingavam elas. Elas iam no banheiro de cabeça pra baixo e voltavam do banheiro assim porque estavam cheirando, e depois veio ficar comigo no bar. Depois quando chegava mais cedo uma travesti veio falar comigo, falou: “Posso ficar com você até as meninas chegarem? Porque se eu estou sozinha as pessoas vão mexer comigo, se eu estou com você ninguém vai mexer comigo”. Eu achei interessante e depois de um tempo eu comecei a ir lá toda segunda-feira à noite e comecei a fazer amizade com esse grupo de travestis. A maioria era do Ceará. E a gente acabou obtendo uma mesa e elas ficavam todas junto comigo. As pessoas iam, um cara veio falar comigo: “Posso dançar com elas?” “Pode, por que não?” “Mas são todos seus? É um harém?” (risos) “Não, não, não” “Você é administrador delas?”. Eu falei: “Não” “Você é um homem, não?”. E quando dava uma briga, às vezes dava uma briga muito rápida, muito violenta lá. E quando isso acontecia, elas faziam uma roda de um segundo e me puxavam pra dentro da roda, me protegiam. Em uma outra ocasião alguém perguntou pra eles o que eu era, se eu era administrador. E um falou: “Não, ele é o nosso padrinho”. Eu não sabia que a cafetina era sempre chamada de madrinha, mas comecei a achar tudo isso muito, muito interessante. Em outubro de 2005 eu fui convidado pra um churrasco numa casa no Butantã onde esse grupo de travestis morava. Eu já estava pensando numa história, num romance, porque eu sabia que nessa casa, quando tinha um aniversário de uma das travestis que elas faziam churrasco. Eu já tinha trabalhado em um caso onde indiretamente um executivo saiu pra almoçar e não voltou, ele foi achado morto. Era óbvio que era queima de arquivo. Eu comecei a inventar uma história, eu pensei numa história... imagina, a travesti está no aniversário dela, está no churrasco, sentada no quintal com árvore, pensando no namorado que morreu? Achei que seria uma história interessante, pensei em escrever uma história baseada no meu trabalho. E de repente eu fui convidado pra um desses churrascos. Eu tinha uma máquina fotográfica que meu pai tinha me dado. Meu pai gostava de fotografia, eu tinha um primo que tinha uma loja de máquinas fotográficas que fechou a loja e quando fechou meu pai comprou uma máquina que ele me deu. Eu nem sabia usar, carreguei a máquina e levei. E quando cheguei na casa eu vi que tinha uma cerimônia, tinha a madrinha, o marido, tinha alguns taxistas, tinhas as travestis lá e tinha duas mulheres, uma era a mulher do churrasqueiro e outra era a mulher que fazia depilação. Tinha uma cerimônia, eu cheguei lá e tinha que ser apresentado pra madrinha. Eu achei isso fascinante, é um submundo que ninguém conhece. E tinha as travestis que moravam na casa e tinha outras travestis que não moravam na casa, mas que eram filhas dessa madrinha. Comecei a tirar fotos das pessoas lá, e quando voltei pra casa, coloquei as fotos no meu Mac, eu olhei as fotos, eu fiquei emocionado. Eu chamei um amigo que era jornalista do The Wall Street Journal e falei: “Olha essas fotos”. Ele achou interessante, falou: “Essas fotos são verdadeiras”, eu não sabia nada de fotografia. Eu coloquei as fotos com música, eu pensei: “Não deve ser música pesada, house, mas as músicas que combinavam com as fotos eram músicas românticas, Bossa Nova”. Ele disse: “Isso é interessante, há alguma emoção aqui”. Uma ou duas semanas depois era festa Halloween nessa mesma boate no centro, na boca do lixo. O segurança da boate veio falar comigo, pegou do lado: “Eu quero falar com o senhor” “Mas o que você quer, cara?”. Ele olhou pra mim e falou: “Eu quero saber se o senhor está contratando chefe de segurança” “Como assim?” “Não, segurança de boate não tem futuro, eu queria me candidatar pra se chefe da sua equipe de segurança”. Eu falei: “Você acha que eu ando com guarda-costas?” “Claro”. O cara achou que eu era um cafetão, indo lá pra tentar fazer, pra entrar no mercado, porque é assim que acontece, tem cafetões e cafetinas, a pessoa nova entra, precisa pegar clientes. Eu falei: “Não, não sou, eu sou fotojornalista”. E comecei a tirar foto das pessoas lá e dava as fotos, revelava as fotos, fotos dos funcionários, dos bofes, dos traficantes, das pessoas que passavam na rua, e dava as fotos porque as pessoas brigavam pelas fotos. Travestis, uma travesti de Belém do Pará estava indo pra Europa, estava sendo mandada pra Europa e falou: “Eu mandei suas fotos pra minha mãe”. Eu vi que minhas fotos eram as únicas fotos delas que mostravam o lado humano. Eu sabia que tinha outros fotógrafos, tipo Nan Goldin, Diane Arbus, que fotografavam transexuais, mas sempre olhavam o lado meio obscuro, meio drogado ou freak, mas minhas fotos eram meio românticas. Isso eu puxei do meu pai porque meu pai era um pianista romântico, todo mundo sabia que o estilo de música dele era marcadamente romântico. Eu não tinha trabalho, não tinha dinheiro, não tinha nada, estava vivendo com dinheiro emprestado de amigos. Eu ia no meu médico homeopata todo mês e falei: “É muito engraçado, tudo está dando errado, a única coisa que eu estou fazendo que fica cada vez melhor, as minhas fotos ficam cada vez mais bonitas”. Eu revelava as fotos num lugar em Itaim que, por acaso, era onde os fotógrafos profissionais da região levavam o trabalho. Eu vi que eles tinham fotos de um tipo passe-partout maior. Só que cobrava 20, 30 reais pra fazer essa montagem. Eu mandei fazer umas fotos assim, ficou legal, falei: “Eu consigo fazer isso sozinho”. Eu ia pras lojas de arte da ESPM que fica na Rua Humberto I na Vila Mariana, loja de papelaria universitária, lugares assim, e mandava cortar passe-partout, papel preto, mandava fazer as fotos maiores e montava. Como lá à noite ninguém sabia falar Barry, eu falava: “Meu nome é Michael”, que é o meu nome do meio, e as pessoas escreviam Maique, m-a-i-q-u-e, mas Michael é fácil falar. Eu assinei as fotos “By Michael”. Minha mãe, o nome dela é Fiodora, ela fazia chocolates, embalagens pra ocasiões especiais e a empresa era By Fiodora. Eu falei, By Michael, e assinava as fotos. Não tinha o que fazer, só fazer fotos e dava de presente. Comecei a fazer um portfólio, não mostrava pra ninguém, mas o assunto me fascinava. Comecei a entender como funciona o mundo de cafetinagem, a economia desse submundo de cafetinos, travestis, trazendo as pessoas vindo do Norte e Nordeste do Brasil vindo pra São Paulo, depois indo pra Europa. No mesmo tempo, como eu não tinha trabalho de investigação, como eu sou advogado inglês, muitos brasileiros estavam tendo o visto recusado pra Inglaterra. Comecei a fazer um trabalho de assessoria de vistos pra Inglaterra, que é uma área de lei inglesa que eu podia fazer porque é tudo na internet. Então, como em lei de imigração é lado inverso de tráfico humano, eu comecei a estudar sobre tráfico humano, e comecei a entender que estava havendo no submundo, em termos de cafetinagem, o tráfico humano. Eu queria pesquisar, mas ao tentar pesquisar eu descobri que tinha uma transexual americana que era uma professora de história, alguma coisa, numa faculdade, que era um dos editores de um jornal, uma enciclopédia LGBT Queer, GLBT, Gay, Lesbian, Bisexual, and Transgender Queer, americano. Então, eu escrevi pra eles pra me colocarem em contato com essa professora, porque eu queria entender mais. Eles falaram: “Não, essa professora transexual, a gente não consegue contatar porque ela não responde, mas por que você não escreve uma matéria pra nós sobre a situação dos transexuais no Brasil e a gente vai publicar”. Então, eu escrevi uma matéria etnográfica, simplesmente descrevendo a realidade das pessoas e os problemas de doenças, de drogas, de tráfico, de cafetinagem. Simplesmente escrevi e mandei pra eles, eles falaram: “Vamos publicar, só manda a bibliografia”. Eu falei: “Não é bibliografia, eu já tenho minhas qualificações de escrever isso, é observação”, eles falaram: “Não, mas nós somos uma publicação acadêmica, preciso de pelo menos uma lista de livros”. Eu pensei: “Não, tenho que ir atrás disso”, então tive duas fontes, uma amiga que é médica e poeta também, que tem muitos amigos que são intelectuais gays. E o outro eu conheci uma ONG, a Barong, que agora faz parte do conselho, que trabalhava com DST-Aids. A Marta McBritton, que trabalhou aqui no Museu da Pessoa, que é presidente da ONG. Eu conheci ela, a gente fez amizade, ela olhou minhas fotos, me apresentou Roseli Tardelli, me apresentou pessoas do programa de Aids do Estado, fui conversar com eles pra pegar informações sobre organizações governamentais e ONGs pra colocar também na matéria. Eles olharam minhas fotos e falaram: “Suas fotos são interessantes na prevenção porque resgata a dignidade dessas pessoas marginalizadas e mostra que são humanos”. Eu pensei: “Ah, já tenho um assunto mais interessante”. Escrevi pra Cultura Inglesa, pensava: “Eu sou britânico, tenho um projeto interessante”, e logo mandaram eu passear (risos). Então eu vi que a coisa era muito marginalizada. Mas eles publicaram a matéria e eu mandei algumas fotos. Tem uma foto que eu fiz na Parada Gay, no fim da Parada Gay 2006, que eram todas meninas dessa casa, no Butantã, era época da Copa de 2006, roupa de seleção. Eu tirei uma foto de um grupo de travestis com roupas da seleção no fim da parada. Eles colocaram a foto junto com a minha matéria e falaram que foi a foto que teve mais cliques durante o mês, então pediu para eu fazer um slide show de fotos para eles publicarem também. E minha família, na Escócia, não sabia nada disso, só sabia que eu estava passando por uma má fase. Eu mandei as fotos e meu pai que acha, muito interessado em fotografia, eles acharam maravilhoso e começou a mostrar pra todos os amigos dele minhas fotos. E nem tinha máquina boa. Eu tinha essa máquina que meu pai tinha me dado, depois peguei emprestado uma máquina um pouquinho melhor, um compacto. No começo de 2007 eu comprei uma máquina melhor, o meu pai deu de presente um Reflex. Não tinha feito nenhuma aula de fotografia, nada assim, mas eu queria fazer uma exposição. E a Roseli Tardelli arranjou na semana antes da Parada Gay de 2007, no Conjunto Nacional, uma área grande, uma exposição de minhas fotos, 34 fotos, com o nome: “Retratos de Uma Cidade Escondida”. Ah, já tinha acontecido uma coisa antes disso.
P/1 – Você já tinha criado a SOS Dignidade?
R – Não.
P/1 – Estava só nas fotos.
R – Estava só tirando as fotos, mas através das fotos uma travesti me falou que... eu fui jantar com uma travesti, acho que foi no Boi na Brasa, chamada Dartilly. E Dartilly falou: “Você sabe que na clínica da minha madrinha tem todas suas fotos na parede?”. Eu falei: “Como assim?” “Ela tem uma casa onde moram os travestis e tem uma outra casa onde moram travestis em estado terminal de Aids. E as travestis que estão ganhando dinheiro dão apoio pra essa casa, então, as fotos delas estão na parede. A maioria das fotos são suas, você não quer visitar minha madrinha que chama Michele?”. E me levou conhecer Michele, foi em novembro de 2006, um ano depois que comecei a fotografar. Eu conheci Michele, que dirige essa casa chamada Lar Somando Forças. E a Roseli Tardelli, da Agência de Notícias de Aids, ela já fazia todo ano um almoço de Natal pras pessoas da Casa Brenda Lee, que era uma casa conhecida de apoio pra pessoas com Aids. Lá o Rubaiyat dava comida que eles levavam na casa. Eu conheci a Michele, eu trouxe a Marta pra conhecer a casa também, Marta achou impressionante e eu liguei pra Tardelli, eu falei: “Roseli, tem uma casa super interessante que ninguém está nem sabendo, vamos fazer um almoço de Natal?” “Sim, eu levo um peru, outra pessoa leva arroz” “Não, isso não vai ser assim”. Um dos meus melhores amigos aqui é um homem chamado Roberto Guttmann, é dono de uma empresa chamada United Medical, que é distribuidor de remédios, farmacêuticos, trabalha com remédios de doenças especiais de sangue, de HIV. Eu tinha mostrado minhas fotos pra ele e ele tirava o sarro de mim com os amigos sobre isso. Ele estava tirando o sarro comigo um dia, em dezembro de 2006, e eu falei: “Pode tirar sarro, Roberto, mas vai te custar. Eu quero que você banque um almoço de Natal pros travestis portadores dessa casa, só que eu quero que seja um almoço num restaurante top, no meio de todo mundo. Eu quero que seus representantes de vendas busquem portadores na casa, levem pro restaurante e fiquem junto”. Que lá na Escócia, quando precisa fazer trabalho beneficente os voluntários fazem parte, buscam em casa e fazem parte. Ele assustou e falou: “Olha, o dinheiro eu vou te dar, mas eu não posso obrigar meus funcionários a fazerem isso, mas vou perguntar pra ver se topam”. Eles toparam. Isso foi uma semana antes do Natal. Eu falei pra Marta: “Marta, eu consegui isso”, porque até então quem viu minhas fotos não entendeu absolutamente nada qual é o meu motivo nisso. Marta falou: “Não, vamos fazer a coisa certa”. Ela convidou Roseli Tardelli, convidou pessoas dos programas municipal, estadual e nacional de Aids pra vir ao almoço. De repente, ficou uma coisa incrível. E a Claudia Wonder, que é cantora, travesti famosa que eu tinha conhecido um ou dois meses antes, foi também. Eu liguei pro Mário Cesar Carvalho na Folha, que era amigo meu, eu era a fonte dele no caso do Banco Santos, ele mandou um repórter lá, me entrevistaram. A matéria não foi publicada porque ele falou que o assunto de travestis ainda era tabu. Mas o repórter da Folha perguntou qual era o meu relacionamento com esse negócio, com esse almoço que foi patrocinado por uma empresa farmacêutica. “Eu sou advogado da empresa” “Mas como assim, advogado, o que tem a ver?”. Eu tinha que pensar numa coisa, nunca tinha pensado nisso e falei: “Eu sou advogado de direitos humanos deles”. Nunca tinha pensado em direitos humanos. “Ah, está bom”, pra ele fazia sentido. “Interessante, direitos humanos, está bom”. Uma semana depois do almoço eu fui visitar a Michele e falei: “Onde estão tal, tal e tal pessoa?” “Estão no Emílio Ribas” “Por quê?” “Porque estão doentes” “Mas quem visita?” “Ninguém visita. Já foram abandonados pela família, ninguém visita” “Posso visitar?” “Ok” “Então, me dá o nome de registro das pessoas”. Eu cheguei lá na portaria do Emílio Ribas e falei: “Eu quero visitar tal, tal, tal e tal pessoa” “Você é parente?” “Não” “Então não pode” “Como assim, não posso? Ninguém visita, parente não quer, estou aqui pra visitar” “Ok”. Eu entrei no Emílio Ribas, a primeira pessoa que eu fui visitar estava amarrada na cama, gritando, sem pijama, com o peito pra fora. Eu falei: “O que é isso? É um hospital, não é prisão”. Eles assustaram, os enfermeiros. Depois eu visitei outra pessoa, tinha um enfermeiro simpático, falando: “Você sabe que ninguém visita essas pessoas? Precisam de chinelos, escovas de dentes, xampu, sabonete, precisam dessas coisas”. Eu voltei de novo, tive que discutir na portaria pra entrar, com chinelos, escova de dente. Eu falei: “Mas está interessante esse negócio, estou gostando de fazer isso”. Tinha um aniversário na casa da outra madrinha no Butantã logo depois, eu falei que estava visitando as travestis com HIV e duas travestis falaram: “A gente quer visitar junto com você”. Eu falei: “Mas agora está interessante. Se eu levo as travestis junto comigo vai mostrar o que vai acontecer se ela não tomar cuidado”. Eu fui num domingo, no começo de 2007, com duas travestis pra entrar no Emílio Ribas e não queriam deixar entrar, disseram que só podia entrar uma pessoa. Eu falei: “De jeito nenhum”. Eu fui entrando. Cheguei dentro da porta do prédio principal e o segurança falou: “Não pode”, eu falei: “Posso sim, você não vai me parar”. Fui lá e visitei três travestis junto com as duas travestis. E quando estava saindo eu encontrei com a assistente social, pedi o nome dela, era Ivanei. Ela começou a olhar estranho, que eu não sabia que eu tinha paquerado ela e namorado a amiga dela anos antes num baile. Mas eu não lembrei que era a mesma pessoa, é outro contexto. Ela me viu lá nessa situação, achou muito engraçado e interessante, ela falou: “Escuta, entendemos o que você está fazendo, está bom, mas você não pode, simplesmente, entrar assim, tem que falar com a Diretora de Assistência Social”. Então, falei com a Diretora de Assistência Social, não foi uma discussão muito fácil, mas primeiro ela falou: “Não, você não pode visitar”, depois falou: “Você tem que fazer curso de voluntário” “Eu não vou fazer curso de voluntário coisa nenhuma, eu sou advogado internacional de direitos humanos, eu tenho direito de visitar as pessoas”. Ela falou: “Venha aqui, vamos conversar”. Então acabei fazendo amizade com ela e comecei a visitar mais as pessoas, e logo depois disso começou a minha primeira exposição que foi no Conjunto Nacional. Eu tive que... Eu tive que comprar vinhos, uns amigos doaram vinho, não tinha patrocínio de ninguém. Roseli Tardelli mandou comprar queijo pra vernissage, veio um pessoal do Governo pra falar discurso, mas ninguém deu dinheiro, uma coisa totalmente, como fala? Alguma coisa que nunca tinha acontecido antes.
P/1 – Inédito.
R – Inédito. E foi muito interessante porque ficou duas semanas lá e passam milhares de pessoas todo dia. Tinha um livro de visitas e a maioria das pessoas falava: “Parabéns pela iniciativa, é legal”. Algumas pessoas falavam: “Não, é contra a bíblia, vai queimar nas chamas do inferno”, mas chamou muita atenção. Eu falando com a Roseli no escritório dela que eu precisava levar isso pra frente. Ela falou: “Não, o que você está fazendo é direitos humanos via arte” “Ah?” “É isso mesmo”. Pois eu falei com outro amigo e falei: “Eu preciso de um nome pra isso”. Ele falou: “Isso é dignity”. É isso, estou resgatando dignidade, está bom. E comecei ir mais no hospital, comecei a passar a noite nos hospitais quando os travestis estavam sendo espancados, estava ficando mais usado como advogado. Mas como não sou advogado brasileiro, ainda tinha os processos de Banco Santos em cima de mim, eu tive que tomar um pouquinho de cuidado. Mas as travestis começavam a pedir apoio em casos jurídicos, quando a polícia prendia, torturava, abuso de poder e discriminação. Eu não podia porque eu sou advogado inglês. No começo de 2008 fui apresentado a uma advogada brasileira chamada Karen, você conhece, Karen Schwach, e a gente começou a defender as pessoas de graça. A gente começou a ficar envolvido com o Comitê Estadual do Enfrentamento de Tráfico Humano, comecei a escrever mais, fiz alguns projetos. E fiz o nosso projeto SOS Dignidade, como uma parte da Barong, a ONG mãe. Assim que eu fiz a primeira exposição e que eu dei o nome de SOS Dignity, o trabalho de investigação começou a voltar. É quase a mão de Deus, a minha vida parou pra eu fazer isso, no momento que começou a engatar, os trabalhos começavam a voltar. Eu pegava os trabalhos que eram mais interessantes. E as duas coisas andavam em paralelo.
P/1 – Vamos voltar (risos). Você oficializou, criou, tem um documento legal da SOS Dignidade?
R – O que a gente fez? Quando eu montei o primeiro website e domínio, pra ter um domínio .org.br tem que ser vinculado com uma ONG, então, eu vinculei o domínio sosdignidade.org.br foi registrado no nome do Barong, então o SOS Dignity virou um projeto do Barong, que é a ONG mãe que tem toda estrutura de ONG. E desde então é um dos vários projetos do Barong.
P/1 – E a Barong capta recursos? Como é que vive?
R – A Barong capta recursos pros outros projetos da Barong que trabalha com saúde reprodutiva, saúde de homem, saúde de mulher. E eles conseguem alguma coisa de papelaria que vai pra SOS Dignidade. A gente tentou licitações pra trabalho da SOS Dignidade, mas não conseguimos. Felizmente, até agora, meu negócio cresceu e eu consegui... a Karen trabalha parte do tempo como voluntária e o resto eu tenho conseguido sustentar. Eu espero que até o ano que vem, que vai ser...
P/1 – Com seu próprio dinheiro?
R – Sim. Porque agora a gente tem uma parceria, a gente faz um plantão jurídico da sede do programa de Aids do Estado, estamos começando um no Hospital das Clínicas agora, tem estagiário. Tem outros projetos que a gente patrocina, pra manter acesso com pessoas a gente faz trabalho jurídico em alguns casos de tráfico humano, de tráfico de crianças. E até agora, porque é um assunto muito tabu, ainda. Eu tenho tido tanto trabalho profissional de advogado, de investigador, nos últimos anos que, infelizmente, eu não tive nem tempo pra fazer um projeto de Relações Públicas pra tentar captar dinheiro. Vamos começar a fazer isso pro ano que vem. Eu já estou colocando minha empresa de relações públicas pra...
P/1 – Mas legalmente o que você faz é defender o direito dos travestis?
R – Defender os direitos humanos, direitos dos travestis e outras vítimas de abuso de direitos humanos. Tipo, tem um caso de uma pessoa que foi traficada e vendida pra um casal holandês como criança, numa rede de tráfico de crianças. Tinha um outro caso que era representando família de um menino que foi executado pela polícia na Zona Leste dois anos atrás. A gente pega alguns outros casos de direitos humanos.
P/1 – Não é só travesti.
R – Não. A maioria dos casos é de travestis, mas a gente trabalha com tráfico humano em geral e com abuso de direitos humanos. São casos que ninguém quer. Tem ONGs tipo Human Rights Watch, Amnesty International, que trabalham com direitos humanos, mas eles trabalham com mídia, com o que eles chamam de advocacy, falando pro governo, escrevendo cartas; a gente faz defesa na linha da frente, o que eu chamo de Street Law.
P/1 – Qual foi o caso mais marcante que você pegou de travesti até hoje?
R – Tem duas. Um é caso de tráfico de crianças do Belém do Pará, que em 2011, numa ação policial, eles prenderam 100 travestis, com suspeito de tráfico de crianças. A gente acabou se envolvendo nesse caso, a Karen virou tutora dos menores de idade.
P/1 – Não entendi, era travesti, criança?
R – Tinha travesti, mas tinha cinco ou seis crianças menores de idade, que tinham sido traficadas de Belém do Pará para São Paulo, o resto era tudo adulto. Só que a ação da polícia foi muito mal pensada na época e surpreenderam um monte de gente, tiraram celular das pessoas... E no começo não foram atrás dos bandidos verdadeiros. Mas de madrugada, no DHPP, tinha cinco ou seis menores de idade que ninguém para representar, não tinham tutor. Mas como a gente estava lá, a Karen virou tutora deles porque a polícia não pensou no que iria acontecer, eles simplesmente prenderam um monte de gente. Foi muito interessante porque a gente chegou lá de madrugada e falamos: “Somos SOS Dignidade, advogados de direitos humanos”. A polícia não sabia como reagir, eles estavam acostumados a advogados que representam bandidos. “Não, somos advogados de direitos humanos e estamos aqui pra ajudar. Estamos fazendo parte do Comitê de Enfrentamento de Tráfico Humano”. Então, a polícia começou a perceber a gente como pessoas que ajudam, que colaboram, e isso foi muito interessante porque a gente criou um papel novo de advocacia nessa área. Outro caso espetacular foi uma travesti bombardeira, aquelas que injetam silicone com seringa de cavalo, silicone líquido, não filtrado, não esterilizado, nas nádegas, no traseiro, pra fazer a bunda e as pernas, que injetou no travesti que morreu. O travesti era portador de Aids e foi acusado de assassinato, de homicídio.
P/1 – Uma fez na outra?
R – Sim. Que morreu.
P/1 – Uma fez na outra e a outra morreu?
R – Sim. Mas tem uma profissão entre os travestis de medicina clandestina chamada bombardeiras. Medicina clandestina que são contratados pra injetar silicone, aqui, aqui e aqui. Essa morreu e a travesti que injetou, eu conhecia as duas, foi acusada de assassinato. E a gente defendeu o caso porque os promotores, juízes, não estão acostumados com advogados de primeira linha defendendo travestis, estão acostumados com defensor público ou advogado de porta de cadeia, não sei como se fala. Mas de repente a gente vai nesses processos, até de falar, quando você ofende o policial, tem palavra pra isso.
P/1 – Desacato.
R – Desacato. E de repente vem equipe de advogados internacionais de primeira linha pra defender a pessoa, o promotor e o juiz começam a levar a sério. Porque se são pessoas mal intencionadas estão com medo de um escândalo; se é pessoa bem intencionada, eles começaram a se tornar mais interessante. A gente defendeu esse caso de homicídio falando, explicando todo o mundo sobre medicina clandestina, todo o submundo, discriminação, pra mostrar que a situação não é culpa da pessoa que injetou, não é justo culpar a pessoa de homicídio. E defendemos o caso com sucesso. Tem sido muito interessante. E a Karen tem feito mais de 350 mudanças de nome, processo de mudança de nome.
P/1 – E você tem planos pra SOS Dignidade?
R – Sim, a gente tem um projeto junto com o Museu da Pessoa. Nós temos planos de trabalhar mais especificamente com a situação de menores de idade que são traficados dentro do Brasil. Que essas pessoas só têm visão, eles não veem além de mudar o corpo e se prostituir, não tem nenhuma visão, nenhuma narrativa, nenhum conceito do mundo além de prostituição. Nós temos também a ideia de entender a mentalidade das pessoas que é muito complexo, pra usar, contar história, drama educacional pra abrir a cabeça dessas pessoas, pra mostrar que tem outras possibilidades de vida, além da prostituição e de mutilar o corpo. O trabalho jurídico está expandindo, tem um lado acadêmico. Porque no Brasil muita gente que a gente faz mudança de nome está numa lista de fazer cirurgia de realinhamento sexual, mas quando muda o nome já desiste, então, a gente está descobrindo que o nome é mais importante do que a cirurgia, que as pessoas são muito complexas, estamos explorando isso em termos acadêmicos. Para marcar dez anos, não da SOS Dignidade, mas dez anos do meu trabalho de fotografia, estamos planejando um livro no ano que vem, que vai contar histórias de vida de algumas pessoas junto com fotos.
P/1 – Olhando sua trajetória deve ter muitas coisas que a gente não deve ter falado. Tem alguma coisa que você queira resgatar, deixar registrado?
R – Sim, a única coisa é que tem uma coerência entre todo meu trabalho de advogado, de investigador e do SOS Dignity. Que todos os casos que eu trabalho, seja do SOS Dignity ou das empresas, de investigação de crime financeiro, eu só trabalho com a vítima, só com a parte mais fraca. Até multinacional no Brasil, que está como a empresa farmacêutica que tem remédios falsificados, tem uma situação que a empresa não pode contar nem com a polícia, nem com o sistema de justiça. Ontem tem uma impunidade, a empresa tem que obedecer às leis, mas o bandido não tem que obedecer à lei, óbvio, então, a empresa está numa situação de desvantagem. Tem que fazer tudo certo, mas a outra parte não faz nada certo, não pode nem contar com as autoridades. Então, eu só trabalho com a vítima, com o pessoal da situação mais fraca, eu acho que isso vem, parte meus pais sempre foram pessoas conhecidas na comunidade judaica, eles gostam de ajudar as pessoas que ninguém queria ajudar, tipo um judeu que foi preso e ninguém quer empregar, o meu dava emprego. Então, eu peguei isso mais forte, talvez porque eu fui bullied na escola, então, eu tenho uma tendência natural de pegar o caso da pessoa mais fraca.
P/1 – Olhando sua trajetória de vida, se você pudesse mudar alguma coisa você mudaria? O que você fez no passado?
R – Sim, eu perdi algumas oportunidades de namorar porque eu era tímido (risos). Várias oportunidades, eu teria sido mais ousado, menos tímido. E levou muito tempo pra... os britânicos são muito fechados, as emoções estão muito pra dentro. E ir pro Brasil, o Brasil é um país onde as pessoas põem as emoções pra fora. Eu teria tentado fazer isso mais rápido, talvez.
P/1 – Quais são seus maiores sonhos ou qual é o seu sonho hoje?
R – Sonhos?
P/1 – É.
R – Meu sonho. Eu tenho 59 anos, eu tenho uma vida boa. Eu queria planejar a aposentadoria e continuar... Cantar, eu canto. Eu estou preparando um show de jazz. E juntar a minha vida com outra pessoa pra não ficar só. E o resto continua.
P/1 – O que você achou de contar sua história para o Museu da Pessoa?
R – Gostei. Foi legal. Acho que eu falei muito, mas não foi planejado, foi espontâneo. E agradeço. É muito bom pra nós, pra SOS Dignidade ter essa parceria com o Museu da Pessoa. Está sendo muito agradável, muito legal.
P/1 – A gente agradece, foi bonita a entrevista.
FINAL DA ENTREVISTA
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