IDENTIFICAÇÃO
Eu sou Demarco Jorge Epifanio, eu nasci no Rio de Janeiro, filho de pais italianos. Eu nasci no dia 15 de maio de 1957.
FORMAÇÃO
Eu me formei pela Universidade Católica de Petrópolis, em 1979, e entrei na Petrobras em 1980. Eu me formei como engenheiro mecânico, mas assim que eu entrei na Petrobras me tornei engenheiro de petróleo, a partir de um curso de especialização em engenharia de petróleo.
INGRESSO NA PETROBRAS
Assim que eu entrei na Petrobras, em 1980, eu entreguei o meu currículo na antiga Braspetro, área internacional da empresa. Eu sempre tive esse sonho de um dia trabalhar na área internacional. Mas quando entrei na Petrobras, eu fiz o curso de engenharia de petróleo. Naquela época era um curso formatado para seis meses, me tornei engenheiro de petróleo e trabalhei na E&P. Na época, era chamado de Deper – Departamento de Perfuração – depois o departamento veio a se tornar E&P.
TRAJETÓRIA PROFISSIONAL
Eu fiquei no Deper até 1990, quando então aquele meu sonho se realizou. Eu vim para a área internacional em dezembro de 1990.
Quando eu entrei na Petrobras, em 1980, eu tive a sorte de ir para Macaé. Eles distribuíram os 126 candidatos que passaram, pelas diversas unidades da Petrobras. Eu e uns 20 e poucos, viemos para a Bacia de Campos, onde fiquei até 1982. Nesse ano, teve um programa convindo engenheiros para passar seis meses no Rio de Janeiro, para fazer um refreshing: saíamos da área de operação, passávamos pela sede e depois voltávamos para o campo. Me perguntaram se eu queria vir para o Rio, eu trabalhava embarcado – na época eram turnos de 14 x 14 – e eu falei: “tá do tamanho que eu calço, é óbvio que eu quero ir para o Rio”.
TRABALHO EMBARCADO
Eu trabalhei em várias plataformas. A minha primeira plataforma foi a Marlim 7, a SS13, depois eu trabalhei na SS7, Marlim também. Na época, ainda não tinha as águas profundas, ainda eram os campos tradicionais de águas rasas....
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Eu sou Demarco Jorge Epifanio, eu nasci no Rio de Janeiro, filho de pais italianos. Eu nasci no dia 15 de maio de 1957.
FORMAÇÃO
Eu me formei pela Universidade Católica de Petrópolis, em 1979, e entrei na Petrobras em 1980. Eu me formei como engenheiro mecânico, mas assim que eu entrei na Petrobras me tornei engenheiro de petróleo, a partir de um curso de especialização em engenharia de petróleo.
INGRESSO NA PETROBRAS
Assim que eu entrei na Petrobras, em 1980, eu entreguei o meu currículo na antiga Braspetro, área internacional da empresa. Eu sempre tive esse sonho de um dia trabalhar na área internacional. Mas quando entrei na Petrobras, eu fiz o curso de engenharia de petróleo. Naquela época era um curso formatado para seis meses, me tornei engenheiro de petróleo e trabalhei na E&P. Na época, era chamado de Deper – Departamento de Perfuração – depois o departamento veio a se tornar E&P.
TRAJETÓRIA PROFISSIONAL
Eu fiquei no Deper até 1990, quando então aquele meu sonho se realizou. Eu vim para a área internacional em dezembro de 1990.
Quando eu entrei na Petrobras, em 1980, eu tive a sorte de ir para Macaé. Eles distribuíram os 126 candidatos que passaram, pelas diversas unidades da Petrobras. Eu e uns 20 e poucos, viemos para a Bacia de Campos, onde fiquei até 1982. Nesse ano, teve um programa convindo engenheiros para passar seis meses no Rio de Janeiro, para fazer um refreshing: saíamos da área de operação, passávamos pela sede e depois voltávamos para o campo. Me perguntaram se eu queria vir para o Rio, eu trabalhava embarcado – na época eram turnos de 14 x 14 – e eu falei: “tá do tamanho que eu calço, é óbvio que eu quero ir para o Rio”.
TRABALHO EMBARCADO
Eu trabalhei em várias plataformas. A minha primeira plataforma foi a Marlim 7, a SS13, depois eu trabalhei na SS7, Marlim também. Na época, ainda não tinha as águas profundas, ainda eram os campos tradicionais de águas rasas. Aliás, eu até fiz parte do primeiro grupo que embarcou na plataforma que furou o primeiro poço em águas profundas. Mas eu passei pela S7, pela S13, pelo navio-sonda Cyclone, pelo Discovery, o próprio Tainarron, que era o NS4. Eu vim para o Rio para passar esse período, depois de ter esse tempo em Campos.
TRAJATÓRIA PROFISSIONAL
SETOR DE OPERAÇÕES MARÍTIMAS
Os seis meses acabaram virando quase oito anos, porque como eu era do Rio, eu vim trabalhar no setor de operações marítimas, o antigo Seomar, e isso me deu uma visão bem abrangente do que eram aquelas operações offshore, não só na Bacia de Campos, mas no Brasil todo. Então acabei ficando no Seomar, isso me deu uma cancha muito interessante, porque a gente interagia muito com o pessoal da exploração, da produção. Eram projetos que iam desde águas rasas, lá no nordeste, não eram águas profundas ainda, mas as águas até 400 metros na Bacia de Campos.
Em 1987, eu estava no Seomar e me chamaram para ser chefe de setor. Fiquei lá um ano e logo depois me chamaram para ser chefe da divisão. Eu tomava conta do setor de operações marítimas e do setor de operações terrestres. Seis meses depois dessa chefia de divisão, teve aquela transição, saiu o antigo superintendente, assumiu um outro, e fui para a divisão de contratos, quer dizer, saí dessa área operacional, quando teve aquela confusão, na época o diretor da área de perfuração era o Albérico Barroso. Foi um período um pouco nebuloso, decidiram trocar um monte de pessoas e eu estava no meio dessa leva de pessoas trocadas. Então eu deixei uma função gerencial, voltei de novo para a chefia do setor de operações marítimas.
TRAJATÓRIA PROFISSIONAL
BRASPETRO / BRASOIL
No final de 1990, surgiu o convite: eu tinha um grande amigo que estava na Braspetro. Ele estava coordenando um projeto, uma tomada de preços no Irã e estava saindo de férias, ia passar um mês fora e queria alguém com uma certa bagagem para, durante esse período de férias, tomar conta do projeto, e eu fui para passar um mês na Braspetro. Conclusão: fui para a Braspetro para passar um mês e já se vão quase 16 anos. Imagina, aquilo era o meu sonho. Eu fui para uma antiga área de serviços da área internacional. A área internacional tinha uma companhia de óleo a Braspetro e uma companhia de serviço chamada Brasoil. Eu fui para esse braço de serviço da área internacional, a Brasoil. Nós tínhamos sondas, equipamentos que furavam fora do Brasil. Nessa oportunidade, nós tínhamos sondas trabalhando em Angola e na Líbia. Eu me lembro que teve um problema qualquer na Líbia e, normalmente, nós tínhamos três expatriados lá, o gerente geral, o gerente de operações e o gerente financeiro. Teve uma confusão qualquer, problemas de ordem administrativa, e o nosso gerente decidiu trocar todo mundo de uma vez por todas, o que era algo pouco usual. E não sobrou nada. Aliás, sobre não sobrar nada, eu gosto muito de uma história que aprendi com o meu chefe do Seomar. Uma vez, ele pediu para um engenheiro fazer uma minuta de uma carta enquanto ele ia para uma reunião, quando voltou falou: “Deixa eu ver como ficou essa carta”. Ele foi olhando e dizendo: “Isso aqui não está bom, isso eu não gostei, isso eu não gostei, isso eu não gostei”; “Pôxa, Fred dessa carta só sobrou o atenciosamente.” Na Líbia também só sobrou o “atenciosamente” daquela equipe.
Então esse gerente me chamou: “Eu acho que você tem um perfil bom para ir para lá como gerente de operações. Você não quer pensar?” Eu falei: “Onde eu assino?”; “Mas você não quer nem falar com a tua esposa?” Eu falei: “Não, não precisa”. Na minha cabeça, eu estava já viajando. Isso foi nos anos 90, os meus filhos tinham 10, oito e seis anos. Minha esposa é uma pessoa muito, muito legal, mas nunca tinha saído sequer de Botafogo, quanto mais do Brasil. Eu cheguei em casa achando que estava dando uma excelente notícia: nós vamos morar no exterior. E ela: “Nós? Nós, quem? Porque eu e meus filhos não vamos.” Nessa hora, os filhos eram só dela. Eu falei: “Mas é uma oportunidade muito boa”. Passado esse primeiro momento, ela perguntou: “Tá bom, para onde vamos?” Eu falei: “Vamos aliiii”; “Heim? Não entendi.”; “Ali, logo ali na Europa, depois desce, norte da África”; “Heim?” “Líbia, nós vamos para a Líbia.” Ela falou: “Você deve estar de brincadeira?” Bom, obviamente, levou seis meses até o convencimento. Então eu fui para a Líbia em junho e eles chegaram em outubro.
LÍBIA
Imagina: primeira viagem, minha esposa e meus filhos; sem falar nada de inglês nem nada. Por sorte, a companhia, nessa época, nos mandava por Paris. Passamos uma semana lá antes de ir para uma espécie de túnel do tempo. Foram 16 malas, enfim, uma confusão danada. Mas foi bom para os meninos, eles estavam naquela idade em ainda nos acompanham. Lá em Trípoli nós moramos num condomínio, onde tinha muitos estrangeiros e tinha uma escola canadense, então eles foram praticamente alfabetizados em inglês. Para quem não sabia o inglês, tinha uma turma de reforço, e quando o aluno se sentisse mais confiante, ia para a turma normal.
Tudo era novidade. Primeiro você precisa se comunicar, falar com os amigos, então para eles não foi aquela coisa maçante de “where is the book e não sei o quê”, nada disso. Eles tinham que falar, se entender, brincar, então foi rapidinho. E era uma troca, não só eles ensinando português, como recebendo informações... Eu sei que o meu filho voltou da Líbia falando palavrão em uns oito ou nove idiomas diferentes.
Para a minha surpresa, a minha filha mais nova que é bailarina, a Renata – que sempre foi a rainha da casa, sempre adorou criança e sempre teve uma personalidade muito forte – quando chegou lá, deu uma ziquezira, que ela começou a chorar, não queria ficar na escola. Passou um mês e nada. Começamos a ficar preocupados porque ela não queria nem comer. Até que um dia, ela chegou da escola – o horário era de oito às três da tarde, tipo escola americana – chutando a porta, e falou para a Cida, minha esposa: “Eu não quero nem saber, pode falar com meu pai arrumar passagem, eu quero voltar para o Brasil, eu não quero ficar aqui. Nem a minha professora fala comigo, como é que eu posso falar se nem ela está falando comigo?” Não falava com ela no idioma dela. A Cida explicou que não ia dar para voltar por isso, por aquilo e ela pediu: “Tá bom, então se não dá para voltar para o Brasil. E para Paris?” Nós fomos ao médico, porque ela não estava comendo. O médico examinou: “Olha, isso é fase, está aqui um complexo vitamínico e tal.” E foi impressionante, deu click, ela começou a pegar o idioma e em dias, não foi nem questão de semanas, em dias, ela não só voltou a ser a pessoa que era, como passou a dominar os alunos da classe, porque ela tem esse espírito. Realmente, foi a barreira da comunicação que fez com que ela caísse.
A Petrobras tem um esquema para o exterior de dois anos no mínimo, a não ser que surja alguma condição extemporânea, mas normalmente você fica fora um período de dois anos. Então a companhia sempre procura saber se você quer voltar ou continuar. E como tinha sido exclusivamente minha a decisão de ir, eu achei justo perguntar para a minha esposa se ela queria voltar ou permanecer. A Cida decidiu que ficaríamos por mais um ano, porque realmente o ambiente lá era muito legal, demos muita sorte. Nós fomos com duas outras famílias novas para lá para substituir aqueles três do “atenciosamente”, e nós demos sorte de estarmos com pessoas maravilhosas: o Mossoró, que era o nosso gerente-geral, o Eduardo Almeida e o Trigo, o gerente financeiro que foi com a Eliane. Nós tínhamos filhos mais ou menos na mesma idade. Tinham mais duas famílias da Braspetro também com filhos nessa idade, então, tivemos um clima, uma condição de comunidade muito gostosa, muito prazerosa. O grande legado, digamos assim, que eu trouxe da Líbia foi a união da família, principalmente, porque nos dois primeiros anos, dos três que nós passamos lá, não tinha televisão. E é aí que se percebe como a televisão desagrega, como ela afasta.
Com muito orgulho, eu dei uma boa condição de infância para os meus filhos, o que nós tínhamos na nossa época, de ficar na rua brincando. Hoje em dia é computador, aquela coisa egoísta e cada um no seu quarto. Então nós nunca conversamos tanto como lá, porque o que tinha para fazer era a garotada brincar com os amigos, ficar na varanda conversando com as pessoas, porque ninguém entendia árabe e televisão não pegava. Isso foi uma grande herança que nós trouxemos de lá. Sem falar do idioma, meus filhos hoje, graças a Deus, falam perfeitamente o inglês e falam espanhol. A Carolina agora já tem o francês também. Voltamos para o Brasil e eu fiquei na gerência que tomava das unidades fora do Brasil.
LÍBIA / COTIDIANO DE TRABALHO
Eu tomava conta de uma sonda de terra que furava poços até cinco, seis mil metros; era uma sonda muito grande. Nós tínhamos uma equipe de 100 pessoas, era uma equipe multicultural, porque nós tínhamos muita gente ali da África. Tinha gente de Gana, da Mauritânia, da Argélia, da Tunísia, egípcio, líbio, sudanês, enfim, do norte da África todo. Tínhamos também malteses e filipinos trabalhando.
Sobre os filipinos, para mim, foi um choque saber como trabalhavam. Na Bacia de Campos se trabalhava 14 e folgava 14 dias. Lá na Líbia, fazendo a passagem de serviço com o colega que estava saindo, o Emanuel, soube que os filipinos trabalhavam 180 dias no deserto e folgavam 30, e eu falei: “Mas isso é desumano, é um absurdo, cadê os direitos humanos”. Caí na onda de conversar com os filipinos para oferecer algo diferente, dois por um, três por um, mas, muito pelo contrário, eles não queriam; eles queriam passar onze meses, folgar um mês e queriam que a passagem de avião que ganhavam a cada seis meses se transformasse em dinheiro para eles. Por quê? Primeiro, eles estão acostumados a ficar muito tempo fora de casa. Filipinas é um arquipélago, um país que tem um monte de problemas naturais, é raro quem não tem um parente que morreu em erupção de vulcão, em terremoto, ou de não sei o quê, é tudo assim, então eles se mudam constantemente. Eles ganhavam, sei lá, 500 dólares por mês, e bastava passarem um ano fora trabalhando, porque quando eles voltavam tinham juntado uns seis mil dólares e isso era a possibilidade de abrirem um negocinho para botar um filho trabalhando, etc. Então aquilo que para nós era uma coisa desumana, para eles não. Eu comecei a ver que tem o outro lado da moeda também.
Nós trabalhávamos para várias empresas de petróleo. Nós éramos prestadores de serviço. Eu repito que isso foi um grande aprendizado, porque na Petrobras nós somos mais compradores, quer dizer, nós somos de comprar serviços e produtos. Mas o outro lado da mesa te dá uma experiência fantástica, porque você começa a entender um pouco mais do que é ser vendedor, começa a entender como é que funciona essa “química” de atender um cliente, como isso vai acontecer, o que está certo e o que não está. É aquela história, cliente está sempre certo, mas tem maneiras e maneiras; tem um contrato, mas ele pode ser interpretado de várias formas também. Então foi um grande aprendizado ter trabalhado do outro lado do balcão, isto é, prestando serviço. A própria Braspetro foi nossa cliente, alugou a nossa sonda para furar poços para ela.
Eu trabalhava na Brasoil, que era a empresa de serviços. Então, prestávamos serviço para companhias de óleo que precisavam de sonda de perfuração para furar poços no deserto. Essas operações aconteciam em terra.
LÍBIA
E, falando em deserto, o deserto é lindo Se você reparar como é o mapinha da Líbia, tem Trípoli na extremidade oeste e Benghazi do outro lado. São as duas principais cidades da Líbia. 97% do território da Líbia é deserto, só tem algum verde praticamente naquela tripinha do litoral. As nossas áreas de operação eram bem ao sul de Trípoli, a mais ou menos 600 quilômetros. Era uma província que tinha bastante óleo. Quando eu cheguei, já estávamos mais concentrados nesta área perto do Egito. Então pegávamos um carro, e íamos até Benghazi, eram 1200 quilômetros. De Benghazi, descíamos mais uns 300 quilômetros mais ou menos até onde estava a Petrobras. Havia a estrada de Trípoli a Benghazi, mas depois era deserto.
Foi muito interessante, porque toda a minha atividade foi no deserto. Eu tive o primeiro contrato com um cliente para quem ficamos fazendo poços durante um ano, depois fomos trocando, cada contrato era de um, dois poços.
DESERTO DA LÍBIA
Trabalhar no deserto é interessante. O pessoal fala que só tem um tipo de deserto, mas que nada Têm muitos tipos de deserto. Por exemplo, onde ficávamos, era uma areia muito fina que parecia um talco, na hora em que você pisava, levantava aquela poeirinha. Mas, perto da Argélia, do lado da Tunísia, já era um deserto que tinha umas pedras lisinhas, redondinhas, pareciam uns discos, e aquilo para cortar pneu de carro era uma beleza. Quando tínhamos que levar os nossos carros pra lá, botávamos corrente nos pneus para passar. Ah Tinha deserto de um areião que parecia um barro, uma coisa mais grossa. Existem várias cores e matizes, mas, todos eles, sem exceção, são muito quentes.
Eu passei a entender as variações climáticas. Eu me lembro de quando cheguei lá, o pessoal dizia: “Ah, tem que levar roupa de frio.” Eu falei: “Esses caras estão brincando: comprar roupa de frio para o deserto? Isso aí é algum trote, porque eu cheguei agora, estão querendo alguma coisa. Eu vou lá conversar pessoalmente.” Assim que eu cheguei, passei umas duas noites no meio do deserto e senti um frio desgraçado. Aí mandei comprar roupa na Inglaterra. O problema do deserto é exatamente esse: tem uma variação brutal de temperatura ao longo do dia, pode chegar facilmente a 52 graus de dia e de noite cair para zero grau. Então aquela roupa toda, quando está calor, segura a umidade do corpo e, quando faz frio, ela protege. E uma coisa que é ruim: as famosas tempestades de areia. Mas quando você começa a se familiarizar, andar no deserto é um barato Primeiro porque não tem estrada, então são rotas, que de tanto passar carro e caminhão, fica mais ou menos uma trilha. E as estrelas sinalizam o caminho; as estrelas e as bússolas que você tem no carro.
Na época não havia GPS. Mas é impressionante Eu me lembro que nós tínhamos três motoristas fantásticos. Cada viagem demorava 12, 15 horas. Imagine o que é isso andando no deserto Uma vez, fomos a uma locação da Braspetro, era para marcar a locação, e nós levamos 12 horas. De Benghazi, eram 12 horas na areia. Então imagina o que é dirigir com tudo branco em volta, e de vez em quando você vê uma duna.
O deserto tem poucas regras, mas uma delas diz o seguinte: você nunca deve trocar uma rota, por algo que você ache que vá cortar caminho, porque nunca se sabe a hora que uma daquelas dunas, quando descer, pode ser um paredão. Então tem acidentes no deserto, apesar de não ter tráfego, por quê? As pessoas abusam por não conhecerem e batem mesmo O cara vem subindo, às vezes, vêm dois carros e acontece de estarem frente a frente. Você sempre tem que ter água dentro do carro, frutas, porque pode se perder muito facilmente. Porque tudo ali parece igual.
HISTÓRIAS DO DESERTO
Nós perdemos um dia o nosso gerente da sonda, ele foi a três quilômetros do nosso poço, o cara que estava conosco há vários anos Ele foi ao poço de água. Normalmente quando você fura um poço de óleo em terra, tem que furar perto dali um poço de água para abastecer a sonda, porque tem que fabricar lama – você tem que fazer um monte de coisas. Então o poço de água é algo fundamental. E ele foi ao poço de água fazer uma inspeção e ficou perdido por dois dias. Eu acho que a bússola dele não estava funcionando, ou tinham tirado a bússola para reparo e ele não viu que o carro estava sem ela, enfim, ele foi e quase ficou. Ele teve sorte porque conseguimos localizá-lo depois de um tempinho.
O pessoal que trabalha no deserto começa a se acostumar com pequenos sinais, sabe? Então ele está dirigindo de dia e, de repente, ele dá uma guinada, muda a direção em 45 graus e você pergunta: “Ô, Muhamed, o que houve?” “Está vendo aquela fumacinha ali?” Aí você percebe o que só ele tinha visto: “Ah, sim, estou vendo”; “Pois aquilo é uma chaminé de um povoadinho, então agora temos que pegar aquela direção.” E assim, durante o dia, eles vão pegando sinais, mini-sinais, que eles conhecem. Se ele passa por um oásis ou por um acampamento, ele sabe que 32 quilômetros depois tem que dobrar para a esquerda. Então ele tem tudo mapeando na cabeça. De noite, obviamente, quando não tem luz, são as estrelas o que guiam.
Um belo dia, nós estávamos andando de noite e ele parou. Legal. Estar no deserto é uma sensação muito gostosa. Quando pára, parece um exame de audiometria, é como entrar numa câmara à prova de som. A impressão é que o ouvido começa a aumentar de tamanho, porque você não escuta nada. A impressão é exatamente essa, você está tentando escutar alguma coisa que não está disponível. Eu me lembro de que nós paramos nesse dia e eu saí do carro. A sensação nítida era que eu estava escutando o meu coração, porque não se escutava absolutamente nada. Eu comecei a escutar umas pulsações: tum, tum Sabe aquela ausência total de som? Eu estava escutando o meu próprio coração. Aí deitamos um pouquinho para descansar e ficamos olhando para cima, e eu perguntei como era esse negócio de constelação e ele foi mostrando. Eu comecei a ver, depois que ele me deu as dicas, as constelações que orientavam onde estávamos. E é legal porque ele mostra para você: “Nós agora vamos seguir aquelas três estrelas nesse alinhamento, depois de tantos quilômetros vamos dobrar para a direita.” Então isso é algo marcante em termos de experiência.
HISTÓRIAS / CAUSOS/ LEMBRANÇAS
Mais ou menos semelhante, aconteceu quando eu trabalhei na selva amazônica, fazendo um trabalho por três ou quatro meses, indo e vindo. Foi também uma experiência marcante. Lá é o contrário: é um mar verde. Você está voando e vê aquele verde para tudo quanto é lado. Hoje eu até comentei com os indianos que estão aqui em visita, porque tinha uma foto da selva amazônica. Uma característica interessante da selva amazônica é isso: são árvores com um caule bem fininho, bem cumprido, que buscam o sol. Perdemos vários equipamentos, como sondas que eram transportadas por helicópteros. Ás vezes, o piloto tinha que soltar aquele negócio e a selva, sem brincadeira, ela faz isso, abre e fecha, sabe? Cada lugar tem a sua característica.
Então a Líbia, do ponto de vista profissional, foi uma experiência muito boa. Primeiro, pela oportunidade de estar do lado de vender serviço. Segundo, pelo lado do pessoal, porque foi um período muito gostoso. Mas mundo árabe é outra história. Eu sempre digo para a minha mulher e para as minhas filhas que todo dia elas têm que rezar uma Ave-Maria e um Pai-Nosso e pedir para não nascer mulher em mundo árabe na próxima encarnação, porque realmente é complicado, é muito complicado. Tem que passar um tempinho lá para entender essa cultura, a religiosidade e tal.
LÍBIA
A Líbia que nós conhecemos era completamente diferente da Líbia de hoje. Naquela época, eu me lembro, nós víamos na televisão, todo dia, o líder, o Kadhafi, dizendo o seguinte: “Óh Os imperialistas americanos, os cães imperialistas, nós somos os “masters of the universe”, mortes aos cães, e não sei o que mais”. Hoje é amiguinho. Então, eu tive a oportunidade de ver essa mutação; aquilo que antes era “Deus me livre, não quero nem ver pintado”, hoje está aí. Enfim, política é isso mesmo.
Os meus filhos se lembram até hoje e sentem muita saudade da Líbia, talvez pela própria ambiência. Eu acho que nunca comemos tão bem como na Líbia, em termos de disponibilidade de alimentos, de verduras, de coisas frescas e tudo. Frutas maravilhosas O deserto é um terreno muito rico em sais minerais, basta ter água e floresce o que quiser. Eu me lembro que nós tínhamos melancias, maravilhosas, carnudas e com um gosto doce. Os eram pêssegos enormes. Carne fresca Eles matavam o boi, a carne era muito fresca. Tinha alguns probleminhas, não tinha carne de porco e também não tinha bebida alcoólica.
Por outro lado, a Líbia é um país árabe que permite que as mulheres estrangeiras se vistam do jeito ocidental. Agora, tem que tomar alguns cuidados, sempre usar sutiã, roupas mais folgadas, porque na nossa época, principalmente, os mais jovens, que tinham nascido durante o regime, eram muito abusados, gostavam de passar a mão, dar beliscão e não sei o que mais. Então era conveniente que as mulheres andassem em grupo.
O SUK
Eu me lembro de uma historinha interessante da Marli, mulher do gerente-geral da Braspetro, o Almeida. O Almeida e a Marli eram pessoas muito econômicas. No mundo árabe existe o que eles chamam de Suk. É uma grande feira. Imagina: 300 mil barracas e só homem. É um mercado onde você compra tudo. Então imagina um drive-in todo cercado. Eu digo “um drive-in” pela posição, um lugar todo murado, uma porta só, quer dizer, uma porta para entrar e, obviamente, a única porta para sair. Um belo dia, a Cida chega lá em casa e fala: “A Marli, a esposa do Almeida, está convidando as mulheres para ir nesse suk, para comprar legumes e verduras. Parece que é melhor comprar lá porque comprávamos em caixa. Enquanto que na nossa rua, a Gargarij Street, um quilo de maçã custava, sei lá, dois dinares, um dólar, lá poderíamos comprar a caixa por dois dinares.” Aí eu falei para ela: “Você sabe aonde é esse suk?” “Não, mas ela falou que é um mercado grande.”; “Vamos passar lá, você vai ver.” E ela viu o que era aquilo. “Está vendo isso aqui? Na hora em que vocês entrarem aqui, quatro, cinco mulheres nesse lugar...” Então imagina um lugar todo murado, com 380 mil barracas lá dentro, talvez com 550 mil homens e entrarem cinco estrangeiras pra comprar verdura Eu falei: “Qual é a economia que vocês pensam fazer, 10, 15 dólares?” Meti a mão no bolso: “Olha, tá aqui, esquece, isso não é para vocês. E outra coisa: não viemos aqui para fazer esse tipo de economia, se precisar de alguma coisa, eu ou o Almeida, um de nós vai, porque aí tudo bem, é homem.” Então esses cuidados eram fundamentais.
O PERÍODO DO EMBARGO
A estada na Líbia foi interessante. No ano de 1992, estava sendo declarado o embargo aéreo à Líbia por causa daquela confusão da Panam. Eu me lembro que numa sexta-feira, que é o domingo deles, recebemos um telefonema da sede: “Amanhã, mulheres e crianças fora da Líbia” Porque dali a 15 dias ia ser declarado o embargo aéreo. Alguém do Itamarati havia ligado para a Petrobras, dizendo que tinha certa preocupação com as medidas e as conseqüências. Então, para evitar riscos, a companhia achou melhor que as mulheres e crianças saíssem da Líbia e fossem para Malta. Eu fui escalado para levar quatro, das seis famílias, e mais os filhos, fomos para Malta. Elas acabaram ficando lá um mês. Não houve nada, mas a companhia achou melhor elas virem para o Brasil. Então, os homens, durante seis meses – de abril a outubro – nós ficamos sozinhos, mas na Líbia também não tem nada de mais. Então ficamos lá, bebendo, nos divertindo e trabalhando, obviamente. O lazer era na casa de um, na casa de outro.
PRODUÇÃO DE VINHO
Em relação à bebida, como já passou o tempo, não tem problema de falar isso agora, era no mercado negro, Na verdade isso é conhecido. Aliás, há de se frisar o seguinte: nós fazíamos vinho na Líbia. O Almeida, o gerente-geral da Braspetro, esse que era econômico, tinha todo um laboratório em casa, com garrafões etc, e nós tínhamos esse prazer. A cada dois meses, nós íamos com ele ao mercado para comprar uva. Escolhíamos uma sexta-feira para ir com a família, amassávamos as uvas e deixávamos nos garrafões; aquilo ia fermentando, passando de garrafa para garrafa, e depois de uns dois, três meses, nós tínhamos uns 30 litros de vinho. Era um vinho tinto, obviamente, mas um vinho... Imagina, num lugar em que você não tinha nada para beber. Então, dividíamos os custos, a produção, e cada um tinha a sua cota de vinho. Até batizávamos o vinho Então tinha de tudo, Château Almeidá, Château Passion, Château de tudo quanto era jeito. E era muito bom.
PRESUNTO
O meu filho gosta muito de presunto e não tinha carne de porco na Líbia. Cada vez que a saíamos da Líbia de férias, ou vinha para o Brasil, como aconteceu no período do embargo aéreo, tinha que sair por terra, porque a viagem de barco era complicada, eram 12 horas para chegar a Malta, então saíamos pela Tunísia. Eu me lembro como se fosse hoje, que quando chegamos ao hotel na Tunísia – que permitia carne de porco –, no café da manhã ele pediu: “Pai, posso comer presunto?” E eu: “Claro, meu filho, aqui pode.” Ele colocava uma torre de presunto no prato dele. Então aquilo era a redenção, exatamente, dos “n” meses que ele tinha passado sem nada. Mas a Líbia foi um período muito agradável, tanto profissionalmente, como na integração da família. Foi um momento muito importante, tanto que, apesar de tudo, a Cida decidiu por ficar mais um ano. E não nos arrependemos.
TRAJETÓRIA PROFISSIONAL
Voltei para o Brasil, onde fiquei uns cinco anos ou mais. Nós ficamos na Líbia de 1991 a 1994. Em 1997, eu estava um pouco... Eu sou taurino, então tenho um nível de ansiedade. Eu estava gerenciando essa atividade há uns cinco anos, e aí falei com meu chefe: “Eu gostaria de ser candidato a outros desafios. Não vim pedir nada, só queria que me considerasse para outros tipos de trabalho.” Aí, papai-do-céu, um belo dia, fez com que me chamassem: “Assinamos um contrato em Cuba e você tem o perfil para ser o gerente-geral da unidade.” Já não era mais a empresa de serviços [Brasoil], era para ser gerente de uma unidade de E&P da Petrobras nessa atividade em Cuba. Como eu tinha tomado sozinho aquela decisão anterior [da Líbia], e coincidentemente nesse mesmo período tinha surgido também um convite para trabalhar fora da Petrobras – as coisas aconteceram quase que simultaneamente, quer dizer, eu poderia dizer “sim” para cá e “sim” pra lá – eu falei: “Não, tem que ter um conselho de família, porque essa decisão agora não é só minha. Na votação familiar, Cuba ganhou por três a dois – nós somos cinco – e nós fomos para lá.
CUBA
Em Cuba, foi um pouco diferente, porque nós chegamos lá em 2000. Eu já tinha ido em 1999, ido e vindo, e eles foram em 2000. A Carolina tinha 19 anos, o Flávio 17 e a Renata 15. A Carolina já estava fazendo a faculdade de turismo, e lá não tinha. A Carolina fez Turismo, o Flávio está fazendo Marketing e a Renatinha é bailarina. A Carolina não conseguiu achar uma faculdade de turismo lá, então ela só ficou por seis meses e voltou para seguir a faculdade aqui. O Flávio e a Renata foram conosco. Eles foram para uma escola internacional e, obviamente, aprimoraram o espanhol. A Cida, realmente, pagou o pato, porque apesar de já não ter tanta a barreira da língua, mas em Cuba o “buraco é mais embaixo”. Cuba é algo muito difícil.
Muitas pessoas me procuram quando vão porque como eu já morei lá: “Ah, me dá umas dicas”. Otimo Olha só: você vai visitar um país muito bonito, o Caribe em si é muito bonito. Se fechar os olhos e escolher qualquer lugar no Caribe, você vai ver que não está perdendo muita coisa trocando um pelo o outro. Tem um mar maravilhoso, azul turquesa, com águas morninhas, as areias são finas, brancas. O Caribe é uma região bonita. Eu digo o seguinte: Cuba é um lugar que vale a pena conhecer, se estiver naquela região, é um lugar que vale a pena passar uma semana. Tem aquele lado da história, da revolução, o Che, o Fidel e tal. Eu acho que para algumas pessoas toca mais do que em outras, mas é um lugar interessante. Além disso, tem os sítios em Cuba – na verdade é um arquipélago, são mais de quatro mil ilhas e pequenos cayos. O que são “cayos”? Cayos são ilhazinhas pequetitinhas de 150, 200 metros. Como essas ilhas são muito próximas umas das outras, eles fazem uns pontilhões, porque a água é rasinha, e se colocam uns blocos de calcário, fazendo uma pavimentação por cima e tal. Então tem sítios como Varadero, que é um postal Tem um outro local no meio da ilha, chamado Jardines del Rey, onde tem Cayo Coco, Cayo Guilhermo. São lugares também muito bonitos, é o segundo pólo turístico de Cuba.
Para quem gosta de mergulhar, na frente de Cuba está a segunda maior barreira coralina do mundo. A primeira está na Austrália e a segunda está ali. Então, para quem gosta de ver corais, é algo realmente inesquecível. Você faz um cursinho rápido, mergulha e vai lá ver aquilo. Então, é um lugar que apresenta, digamos assim, uma vantagem em relação a outros sítios do Caribe. É muito mais barato do que outros locais. Bom, mas como você vai para lá passar uma semana, você não vai ver prateleira de supermercado; vai tomar seu banho todo dia com sabonete bonitinho no seu banheiro de hotel, com a toalha para se enxugar, com um café da manhã maravilhoso. Vai para os restaurantes, vai escutar a Yolanda, vai escutar não sei o quê toda hora, entendeu? Vai dançar a salsa... E, passou uma semana, você pensa: “Isso aqui é a solução para o Brasil, porque o cubano é alegre, tem estudo, tem isso e aquilo”. Mas, na verdade, por trás dos panos, a realidade é bastante diferente, principalmente dificuldades econômicas.
É um país que não tem petróleo, que não tem muita agricultura, porque foi baseado na cana-de-açúcar, então não produz muita coisa. Ele depende muito de dinheiro do turismo, que é uma indústria relativamente nova lá, de 1991 para cá. Então, o pouco dinheiro que eles ganham, eles reinvestem em turismo, para girar a economia do país. Tem também os charutos. Então, obviamente, as coisas têm que ser sacrificadas para os cubanos, mas não para os estrangeiros que estão lá. Lá você vai ao mercado e não acha os produtos, não acha material. É o que eu sempre digo para os meus amigos: “Você não sabe o que é ter dinheiro para ir ao mercado e não ter o que comprar”. Então o custo desse negócio é infinito, porque não é questão de ter ou não dinheiro. Eu me lembro – esse era o grande problema de Cuba – você tinha que ir ao mercado todo santo dia. Em Cuba já teve uma grande separação. Enquanto que do lado profissional e pessoal na Líbia, as coisas eram interessantes, legais, em Cuba, o lado profissional teve algumas mazelas por causa das dificuldades.
CUBA/ COTIDIANO DE TRABALHO
Eu era o gerente. A Petrobras havia assinado um contrato para a exploração de um bloco offshore, no litoral norte da ilha, para furar um poço. Era um contrato de risco. Então nós tínhamos nove meses para perfurar um poço, que no nosso jargão era “um poço de alto risco e alto prêmio”. Quer dizer, a chance de achar petróleo era muito pequena, mas se achasse seria algo muito bom. Então, na carteira de negócio de qualquer companhia petroleira existe aquela “poupancinha”, digamos assim, todo dia dá um negocinho, e tem também o risco, mas é aí que você alavanca seus negócios. Cuba reunia essas condições.
Então a companhia assinou esse contrato e eu fui indicado para ser o gerente-geral da Petrobras em Cuba, onde nosso trabalho era reunir todas as condições técnicas operacionais de logística para viabilizar a perfuração deste poço no offshore. Então nós preparamos tudo durante nove, 10 meses, perfuramos o poço em quatro meses e meio, mas infelizmente – nós tínhamos 8 % de chance de achar petróleo – prevaleceram os outros 92% de chance. Depois nós fechamos as atividades e voltamos para o Brasil. Mas viver lá era muito complicado até no aspecto profissional.
CADÊ AS BROCAS?
Eu vou contar alguns casos verídicos. A questão de Cuba, para quem vai lá, fica uma semana e vem embora, não vai aparecer. Por exemplo, eu cheguei uma vez para o meu motorista e falei: “Chirino – Chirino era o nome dele – eu queria comprar uma máquina de furar”. Eu tinha alugado uma casa do Estado – porque lá tudo é do Estado –, depois eu conto essa história. Mas depois de pronta a casa, depois de três meses do famoso “inferno socialista”, eu falei: “eu queria comprar uma máquina de furar para botar uns quadros nas paredes, tá bom?” “Ah, tá bom.” Demorou uma, duas semanas, eu perguntei: “Chirino, cadê a furadeira?”; “Ah, tá demorando, mas...” Eu falei: “Mas não tem uma loja de ferragem?” Eu não sabia, não tinha loja de ferragem lá. “Não, mas estou quase conseguindo uma.” Não sei como ele estava conseguindo. Aí ele me aparece com a caixa da máquina de perfurar: “Finalmente” Eu abri: “Chirino, cadê as brocas?”; “Ah, aqui não tem broca.” Eu falei: “Chirino, o que eu vou fazer com uma máquina de furar sem a broca?” “Olha, eu também achei muito estranho quando você pediu uma máquina de furar, porque todo mundo sabe que em Cuba não tem as brocas.”; “Ah, então eu estou com algo que não me serve.” Só para dar um exemplo de como eram as coisas. Tive que ligar para o Brasil e pedir para botarem as broquinhas no malote para mandar para lá.
VIDA EM CUBA
A Cida, minha mulher, “chutava o pau da barraca”, todo o santo dia. Ela precisava comprar toalhas e achou uma loja depois de rodar uma semana. Porque é aquela história, como tudo é do Estado, as lojas todas são do Estado, se não tem em uma, não adianta ir à outra porque não vai achar. Mas achou. Alguém falou para ela de uma loja no centro, e ela foi lá. Tinha uma prateleira cheia de toalha de banho; todas da mesma cor. Ela falou: “Eu quero três toalhas, por favor.” Aí a atendente que se vender ou se não vai ganhar os mesmos 10 dólares por mês, então na verdade ela tem uma vontade de te atender “muuuito grande”. Você está ali atrapalhando o dia, o descanso dela. E ela respondeu “Ah, senhora, não podemos vender a toalha hoje.”; “Mas por que não pode?”; “Porque nós estamos fazendo inventário.”; “E qual o problema de fazer inventário?”; “Senhora, inventário aqui nesse país é uma coisa muito séria.” Aí ela começou a dar uma aula sobre inventário e a Cida falou: “Minha filha, eu quero três toalhas; então, tá aqui 30 dólares, você me dá as três toalhas e escreve aí: onde tinha três toalhas você põe esse recibo de 30 dólares, o cara no caixa vai ver os 30 dólares”; “Não, em Cuba, o inventário é feito com muito controle.” Claro, todo mundo rouba, porque todo mundo acha que é dono daquilo também, todo mundo leva alguma coisa, então tem que ter inventário todo santo dia, não é verdade? Aí você entra numa discussão que não vai levar a lugar algum e as três toalhas que precisava, você não vai levar. Ela não levou a toalha naquele dia, obviamente.
Qual é a hora que você sai para comprar pão de manhã cedo? Às sete horas da manhã, eu saía para comprar um pãozinho fresco. Aí eu vou à padaria – tinha uma rede francesa, que funcionava 24 horas – e chegava todo dia às sete horas da manhã, tinha uma fila enorme: “Eles devem fazer muito sucesso, né?” Mas a fila era pelo seguinte: eles trocavam a turma às sete horas da manhã. Então, a turma que saía tinha que contar o dinheiro do caixa, e a turma que entrava também tinha que contar o dinheiro. Então, essa confusão acabava às oito e meia da manhã. Na hora em todo mundo quer comprar pão, os desgraçados fazem o caixa. Aí eu falava: “Minha filha, porque você não pode fazer às cinco e meia da manhã, troca o turno às nove ou às 10, a hora que for, mas às sete da manhã está todo mundo aqui fora... Então você acaba se acostumando com esse tipo de situação.
UMA LONGA ESPERA
O lance da pintura da casa, que o pessoal até teatralizou na Braspetro, aconteceu de verdade. Eu estava numa casa, que era o nosso escritório, e não estava conseguindo casa para morar. Arrumei um escritório, falei: “Aqui é o nosso escritório, mas dá para ser minha casa”. Era uma casa de dois andares, dois salões grandes embaixo e, em cima, quatro quartos e os dois banheiros. Tinha um jardim bacana na frente e um outro jardim atrás. Tá bom Mas tudo lá é do Estado: você aluga a casa do Estado, e tem a administradora que presta serviço para você. Eu falei: “Eu queria pintar a casa, porque minha família vai vir para cá.” Tá bom Aí apareceu uma brigada – porque tudo lá é brigada – de quinze pessoas. “Vamos pintar”. Eu falei: “Vão pintar essa casa aqui num dia”. Eu passava lá de manhã e de tarde. Chegava de manhã, os caras estavam sentados: “Escuta, por que não tem trabalho?”; “É porque a tinta não chegou, a tinta vinha para cá, teve que ir para outra obra, nós estamos esperando a tinta”; “Ah, tá bom” Aí passava de tarde a tinta não tinha chegado. No outro dia, estavam os caras, estava a tinta: “Amigo, o que houve hoje?”; “É por causa da escada pra pintar o segundo andar, a escada estava ontem aqui, mas teve que ir para uma outra obra.”; “Tá bom.” No terceiro dia, tinha a tinta, a escada, mas não estavam os homens. E eu: “Motorista, cadê os homens?”; “Hoje vai ter um discurso e todo mundo é convocado para participar.” Então a pintura durou três meses.
Enquanto isso, eu ficava em um hotel com a minha família, pagando 185 dólares por dia. Toda sexta-feira, eu fazia um relatório da atividade e mandava uma cópia para o Ministro de Estado, porque em Cuba são mil olhos e mil ouvidos. Eu mandava uma cópia do relatório para o Ministro de Minas e Energia de Cuba, mandava para o diretor da Cuba Petróleo, mandava para o nosso embaixador, mandava para a sede da Petrobras no Rio de Janeiro. Como eu aprendi, Cuba é um grande Big Brother, todo mundo sabe o que está acontecendo lá, todo mundo vigia todo mundo. Era então a maneira que eu tinha de registrar numa só folhinha o que estava acontecendo, as ações que faltavam, as coisas que tinham vencido, para manter eles a par.
Em Cuba, eles querem que você cumpra com o cronograma, com o seu orçamento e que diga o que está acontecendo; é isso que eles querem de qualquer empresa que vá para lá trabalhar. Se fizer isso você está de bem com o Estado. Eu fazia isso, primeiro porque a Petrobras sempre age assim, segundo porque era um canal que eu tinha para fazer chegar aos caras coisas como essa da pintura da casa, por exemplo. E, toda sexta-feira, eu botava lá: aguardando a conclusão da pintura da casa do gerente-geral. Entre outras coisas, eu botava isso. Até que um belo dia o Ministro mandou me chamar: “Você precisa escrever isso no seu relatório toda sexta-feira?”. Eu falei: “Claro que preciso. Em que país do mundo se leva três meses, Ministro, para pintar uma casa? A minha sede acha que eu estou de brincadeira, ficando num hotel, pagando 165 dólares por dia, ao invés de ficar na minha casa. Então tenho dois problemas. Um: o palhaço sou eu, para a minha empresa, eu sou o vilão da história. E dois: esse dinheiro que estamos gastando, eu não recupero nunca mais e a empresa não precisava estar gastando isso.” E o Ministro: “Você consegue resolver isso?” Eu falei: “Perfeitamente, o Senhor fecha os seus olhos para o que vou fazer, mas eu resolvo em uma semana.”; “ Então não me diga nada, mas pode fazer.” E fiz. Peguei mil dólares do caixa da empresa, cheguei para aquela brigada e falei: “Preciso pintar essa casa em uma semana.” O que aconteceu. Aí tinha as tintas, tinha a escada, tinha todo mundo trabalhando. O verbo que mais se usa em Cuba é resolver. As pessoas aprendem a resolver as suas coisas.
COTIDIANO DE TRABALHO
No trabalho é ainda pior, vou dar um exemplo: nós tínhamos alugado um lugar no píer, então nós tínhamos uma embarcação que vinha para pegar material e levar para a sonda. Nós estávamos reparando a demorava do fiscal para liberar o barco. Nós pagávamos por este barco – sei lá – oito ou nove mil por dia, e demorava dois dias para o cara liberar o barco, apesar de ser uma coisa rápida. Falei: “Tenho que ir lá conversar com esse cara para saber qual é o problema.”; “Doutor, é o seguinte, eu não tenho carro, a minha bicicleta quebrou, então para ir ao porto, eu tenho que vir da minha casa andando.”; “Ah é? E se eu deixar um carro e um telefone celular com você?”; “Aí eu libero em 10 minutos.” Então, passou a ser muito mais prático e econômico dar um celular para esse camarada e um carro alugado – que pagávamos 100 dólares por dia – do que gastar oito mil dólares com o barco que estava lá esperando que o cara saísse. Então, não é má vontade, porque o cara diz: “Eu não vou me mexer daqui porque não vou Agora, eu vou levar tempo e tudo.” Então isso era cotidianamente.
A HISTÓRIA DO JOELHO
Em Cuba tem muita informalidade, tem muito mercado negro. Ah, tem a história de um maldito joelho Eu tinha comprado uma máquina de lavar roupa e faltava, para instalar a maldita máquina, um joelho de pvc de 1,5 polegadas. Eu passei 20 dias procurando o tal joelho de 1,5 polegadas. Eu já estava pedindo para o Rio de Janeiro mandar e as pessoas rindo da minha cara, eu falei: “Gente, vocês não sabem” Imagina o que é chegar todo dia na sua casa, e a sua mulher estar com aquela cara que você conhece, bem “zen”, como se dissesse “É para esta merda que você me trouxe? Eu continuo lavando a roupa na mão, viu?”; “Calma, eu estou quase conseguindo a peça. Até que um belo dia, eu estou chegando ao trabalho, tinha um bombeiro fazendo uma obra: “Meu irmão, onde é que eu consigo um joelho de 1,5 polegadas?” Ele falou: “Eu sei onde tem.” Falei: “Ôpa, entra aqui no carro.” Ele entrou. “Vamos para Havana Vieja”. Aí fomos para a parte antiga da cidade, entramos num labirinto de casas e ele falou: “Pára aqui.” Ele entrou numa casa, ficou uns 15 minutos, e voltou com uma caixinha. Na hora em que ele abriu aquela caixinha, eu estava a uns 15 centímetros de distância do maldito joelho de 1,5 polegadas de pvc. Aquilo, para mim, era um – sei lá – um Oscar. Ele falou: “10 dólares está bom?” Eu falei: “Está caro, mas está bom”. O que ele pedisse, eu pagava. Então, são essas coisas...
Eu contei que a minha mulher estava nervosa, mas um belo dia, eu cheguei em casa e ela estava rindo. Pôxa, finalmente alguma coisa boa Eu falei: “O que houve?”; “Chegou creme de leite no mercado.” Eu falei: “Meu deus, você está satisfeita porque chegou creme de leite no mercado?” Ela falou: “Há mais de 15 dias que não tinha creme de leite”. Aí eu abri a estante, céus Ela tinha comprado as 24 latinhas de creme de leite. E tinha falado para todas as outras amigas e tal. Então, Cuba é esse exercício freqüente, de ter que ir ao mercado todo dia.
A minha professora de espanhol, também professora da Cida, era uma senhora. Um dia – eu acho que me provocaram de tal maneira, porque eu sou muito paciente, tenho “o pavio muito longo” – eu explodi Cheguei em casa falando com a minha esposa e com a professora: “Vocês venceram Não dá mais, eu achava que estava fazendo o melhor que posso e agora esse negócio. Eu não agüento mais Vocês conseguiram me transformar, eu fiquei verde está vendo, eu tô verde de raiva”. Aí a professora, que ouvia caladinha, falou: “Você já acabou?” Eu: “Já, só queria botar pra fora, mas já terminei.”; “Posso dar uma sugestão, posso te dar um conselho?” Eu falei: “Pode.”; “Compre mais.” Eu falei: “O quê?”; “Paciência. Porque isso é que o cubano faz todo santo dia. Ele compra mais paciência, entendeu?” Então, para eles também é difícil, e só por causa do respeito que eles têm pelo Fidel. Não parece, mas eles também sofrem muito. Imagina: nós sofremos um pouquinho tendo dinheiro, para eles ainda é pior.
HISTÓRIAS/ CAUSOS/ LEMBRANÇAS
Então, em Cuba, foi um pouco mais sacrificado, por causa das condições locais, mas para a garotada... O meu filho namorou a sobrinha-neta do Raul Castro. O meu filho é “fogo” Ele tinha conhecido uma garota na escola internacional. Eu estou vendo que o namoro está complicado, os pais não queriam que ela fosse lá em casa, então eu falei: “Flávio, convida os pais para virem aqui em casa porque, tão achando que eu sou o quê, um bandido, um mau elemento?” Então os pais vieram, começamos a ficar amigos e o namoro decolou. Eu achei que era uma menina como outra qualquer, até que um belo dia, eu estava regando meu jardinzinho, minha roseira amarela – porque eu tinha o meu jardim – e o Flávio perguntou: “Ô, pai, o Fidel tem um irmão?” Falei: “Tem.”; “Como é que é o nome dele?”; “Raul”; “Ah, acabei de falar com ele no telefone.” Eu falei: “Peraí, Flávio, como é o negócio?”; “A mãe da Mônica é da família da esposa do Raul.” Eu falei: “Raul Castro?” A Mônica tinha 13 anos, mas era um mulherão. E o meu filho com 17 anos; imagina E os dois naquele namoro, aquela coisa toda. “Meu filho, em qualquer lugar do mundo uma menina de 13 anos é problema, em Cuba, uma menina de 13 anos, sendo quem ela é... Vai devagar, segura a onda um pouquinho, entendeu? Se você precisar de alguma coisa, vai pensar em alguma solução, mas, pelo amor de Deus, não faça nada, para o bem estar da sua família e do seu pai aqui em Cuba, tá entendendo?” Mas o namoro deles foi ótimo. Obviamente, quando viemos embora, com a distância, o namoro acabou. Eles são grandes amigos, já nos vimos outras vezes. Isso foi em 2001, e eu voltei neste mesmo ano.
TRAJETÓRIA PROFISSIONAL
Eu fiquei dois anos no E&P, que me chamou para uma atividade, onde eu fiquei, mas voltou de novo alguma coisinha com Cuba. A área internacional estava precisando de gente, eu também não estava muito satisfeito, eu não gosto muito de rotina. E achei que estava precisando um pouquinho mais de ação. A área Internacional me chamou de novo e voltei prá lá. Quer dizer, desses 16 anos com a área internacional, tem dois anos de E&P. Voltei pra lá desde 2003, exatamente. Entre 2001 e 2003, eu fiquei na E&P. Em 2005, o meu chefe me chamou: “Estamos crescendo muito, tem muita atividade para a área no norte da África, para o Oriente Médio, para a Ásia, e estamos pensando em botar alguém na Inglaterra, para ficar olhando isso, sendo um ponto de apoio na Europa. Quero saber o que você acha?” Eu só precisei de uns dois segundos para pensar se me interessava: “Eu vou”; “Mas, sabe como é, esse negócio vai ter muita viagem.” Eu falei: “Viajar é uma cachaça, eu adoro esse negócio.” Eu gosto mesmo, mas tem aquela história, hoje a Carolina está com 25 anos, o Flávio com 23 e a Renata com 21, então eles já não podiam ir porque trabalham, estudam, e a mãe não quis deixar as crianças sozinhas.
Então, eu estou desde 2005 na Inglaterra e todo mês, sempre tenho algo para fazer no Rio ou a cada 30, 40 dias eu venho, passo um fim de semana ou quando sou chamado para alguma reunião. E a cada três meses, mais ou menos, a minha esposa fica lá duas ou três semanas. A garotada vai quando pode, quando tem uma brecha. Agora mesmo eles estiveram de férias, então uma foi na frente, passou três semanas, voltou. Depois o outro foi e tal. A Renata inclusive encontrou um amigo da época de Cuba, o pai dele é o embaixador da República Tcheca e está em Dublin, na Irlanda. Então, ele esteve lá em casa, foi a maior festa, parece que eles estão “ficando”, entendeu? Mas enfim... A minha missão termina agora em setembro e estou muito satisfeito, porque é um trabalho que associa coisas que eu gosto muito: viajar, conhecer novos países, novas culturas. Nos últimos dois anos, já estive na Mongólia, estivemos agora na Jordânia.
INGLATERRA
A área de desenvolvimento de negócio da área internacional busca oportunidades no exterior; busca oportunidades tanto no segmento de perfuração, de exploração, que chamamos de “upstream”, como o de gás, como de refino. Então o nosso chefe me falou: “Você vai trabalhar debaixo da coordenação do pessoal daqui da sede, mas vocês têm liberdade, eu e um rapaz que está lá comigo, o Bassim Djahjah. Aliás, ele vai gostar de ser chamado de rapaz, porque ele já tem 61 anos, mas é uma pessoa jovem de espírito, eu gosto muito dele. Eu e o Bassim Djahjah estamos aproveitando um espaço no escritório da área do abastecimento, que faz trading na Inglaterra. Então estamos ocupando uma salinha, nós estamos dividindo os custos e tal.
Qual é a idéia? Nós trabalhamos debaixo da supervisão da sede, quer dizer, somos ativados por eles. Sempre que eles precisam, nós vamos a algum lugar buscar oportunidades, conversar com alguém, participar de um evento ou ter uma reunião com alguma empresa. Mas, também, temos a liberdade de buscar novas oportunidades. Londres é uma cidade muito interessante. Primeiro, porque o centro financeiro do mundo está lá, todas as empresas de petróleo têm sede lá, todas as empresas de consultoria técnica têm gente lá. Londres é um “hub”; saem de Londres todo dia 600 aviões para tudo quanto é lugar do mundo. E o Brasil é longe, quer dizer, se você pensa em Oriente Médio e Ásia. Só para qualquer lugar da Europa são 11, 12 horas. Então imagina o que é ir para uma reunião em Deli. Você vai tirar alguém do Rio para passar dois dias no avião, fazer uma reunião de um dia e voltar? Quer dizer, o cara fica quatro dias no avião, para ficar quatro horas numa reunião? É complicado.
ÁREA INTERNACIONAL
Quando entrei, só tínhamos operação em Angola e nos Estados Unidos. Hoje estamos em 22 países. Eu acho que tinha operação na Líbia, em Angola, na Inglaterra e nos Estados Unidos. Eram quatro unidades, hoje estamos em 22 países. Eu não tenho dúvida que a Companhia tomou a decisão muito certa de se internacionalizar. É impressionante Hoje mesmo eu estive com uma delegação indiana no Cenpes e até comentei com uns colegas como é prazeroso, como ficamos muito orgulhosos, por exemplo, eu chego à Mongólia, e o cara fala: “Ouvimos falar muito da Petrobras.” Dá vontade de chorar “Meu Deus” Porque uma coisa é “eu sou brasileiro” e o cara: “Ah, o Pelé, o futebol...” e outra coisa é isso, né? Os caras falam de Petrobras, então a fama nos precede.
Eu acho que a internacionalização da companhia é um fato, apesar dela não ser boa em marketing – isso eu estou fazendo uma autocrítica, né? É o que precisamos trabalhar, estamos trabalhando muito pra isso, fora do Brasil. Veja bem: nós somos uma empresa fantástica em termos operacionais, em termos de tecnologia, isso ninguém questiona, ninguém discute. Mas a galinha cacareja; a pata também bota ovo e só porque não cacareja o pessoal acha que a pata não bota ovo, mas bota também, tá entendendo? Só que a galinha cacareja. Você tem que botar o ovo e tem que cacarejar, senão não adianta. Eu acho pouca a divulgação da Petrobras fora do Brasil. Já avançamos muito, mas ainda tem um grande espaço para percorrer. É o seguinte: é empreender, é fazer marketing no sentido de buscar, capturar o máximo de valor nas coisas que fazemos, ou seja, não é só porque a se exporta que está bom. Eu posso fazer algo mais, eu posso buscar alguma outra oportunidade? E isso que já fazemos pode alavancar uma outra oportunidade?
PROJETO DO XISTO
Vou dar um exemplo: o projeto do xisto que estamos trabalhando agora junto a um grupo de valorosos colegas da Abast e da Área Internacional. Por que valorosos? O Brasil produz esse óleo de xisto, no Paraná, em São Mateus do Sul, há mais de 20 anos. Esse negócio estava lá meio parado. Teve um momento em que produzir petróleo era nossa missão, só depois que se descobriu petróleo no mar, a escala ficou diferente. Economicamente, era muito melhor no mar, do que tirar petróleo de rocha na superfície. Mas com o óleo chegando a 60, 70 dólares o barril, várias empresas de vários países vieram a Petrobras: “Vocês têm algo que nos interessa, vocês são a única empresa no mundo que produz óleo comercialmente dessa formação do óleo cheio, há 20 anos, e gostaríamos de usar essa tecnologia lá: Jordânia, Marrocos, Mongólia, China e Estados Unidos.” Então, os caras vieram aqui, sabiam tudo o que fazemos, não porque se alardeava, mas porque esse negócio interessava a eles. Estamos aproveitando essa oportunidade e, graças a deus, a coisa está avançando, quer dizer, estamos levando.
Estamos aproveitando esse conhecimento, essa história do nosso sucesso, da produção. Nós desenvolvemos uma tecnologia, um equipamento, que se chama “retorta”, para retirar da rocha o óleo impregnado que dá na superfície. Você coloca uma rocha de certo tamanho dentro desse “forninho”, vamos chamar assim, com temperatura alta e tira o óleo que está na rocha. E isso passou a ter um valor tremendo. Assinamos agora um memorando com a Jordânia, estamos assinando com Marrocos. Nos Estados Unidos, participamos de um seminário no ano passado, e o departamento de Estado falava: “Como vocês não divulgam esse negócio?” Então temos um diamante bruto na mão. Só para citar um exemplo. Eu sinceramente acho que poderíamos – num momento desses de crescimento da empresa, e pelo fato de já termos um reconhecimento mundial – buscar mais negócios. Eu estou num grupo de desenvolvimento de negócios e cada vez que eu chego a um lugar e digo que sou Petrobras é impressionante a quantidade de abordagens: “Vem cá, eu quero álcool”; “E o negócio do biodiesel?” E não sei mais o quê. Então, basta ter alguém lá, né? Vamos porque nos interessa abrir novas fronteiras. É esse o trabalho que nós fazemos.
É aquela história, você tem que ir lá, bater na porta e falar. Você precisa comprar uma enciclopédia, você vai buscar ou o cara vai bater na sua portinha? Já têm vindo empresas para cá, mas precisamos dar um pouco mais de valor estratégico à questão do empreender, de fazer o marketing. Claro, buscando sempre negócio, porque estamos num momento de crescimento. O momento é esse; vamos aproveitar esse negócio Nós somos a quinta ou sexta empresa de petróleo do mundo, então por que não? Nós temos uma composição interessante, porque nós somos estatal, mas dois terços do capital da empresa está nas mãos de investidores. Nós temos dois chapéus. Quando me interessa eu sou estatal, porque para uma ONGC – a estatal indiana Oil and National Gas Corporational – fazer negócio com uma outra empresa estatal é bom. Agora, quando não me interessa ou quando não agrega nenhum valor dizer que somos uma estatal: “Está aqui, nós temos ação na bolsa de valores.” O que mostra que trabalhamos também em cima de lucratividade. Então, é saber usar isso.
INDIA
O álcool também é um mercado que vai crescer muito, bem como o metanol, biodiesel, biocombustíveis. Temos sido muito procurados principalmente por aquelas bandas da Índia. Por exemplo, estamos agora com essas conversas com a Índia sobre biocombustível e álcool. Todo mundo sabe da questão do álcool, do plano que o Brasil desenvolveu há vários anos, mas às vezes falta o que as pessoas querem saber: “Com quem da Petrobras eu falo?”
Eu estou trabalhando com a Índia desde 2005. Nós estávamos buscando oportunidades na Índia, acabou antecipando um pouquinho, eles entraram em blocos no Brasil e a Petrobras passou a ser sócia deles. Eles abriram oportunidades para nós na Índia. Eles vieram agora para analisar algumas oportunidades aqui, e nós vamos analisar oportunidades, blocos que pertencem à empresa estatal da Índia ONGC – Oil and National Gas Corporational. Vamos entrar de sócios, provavelmente. Eles vieram também ouvir as ofertas que Petrobras está fazendo. Então pode ser que sejamos sócios deles lá, e eles aprofundem ainda mais essa sociedade com a Petrobras no Brasil.
IDENTIDADE PETROBRAS
Eu gosto muito de colecionar pensamentos e frases. Tem um que ouvi de um amigo, eu recebi um prêmio há pouco tempo, que eu uso muito. Eu tenho 27 anos de Petrobras, e também estou há 27 anos com minha esposa. Ela diz assim: “Você é casado com a Petrobras, eu sou sua amante” Eu digo: “Então não reclame, porque não se trata melhor as amantes do que as esposas? Até agora você está em vantagem” Eu acho que no dia em que entramos para a Petrobras, fazemos um outro casamento; passamos a estar casado também com ela, sabe? Eu acho que o nosso grande desafio é o de conciliar essas coisas; quer dizer, eu me considero uma pessoa muito obcecada pelo que eu faço, mas também sou muito apaixonado pela minha família. Eu acho que o meu grande exercício é conciliar os dois lados, mas o saldo tem sido positivo.
PROJETO MEMÓRIA PETROBRAS
Eu fico muito satisfeito de poder de alguma maneira colaborar. Eu lamentava muito, porque tem tantos momentos que atravessamos na vida profissional, da empresa, ainda mais com essas oportunidades. De repente você está fora e acontecem fatos curiosos, pitorescos e tudo, e era uma pena porque não tínhamos os instrumentos para tentar de alguma maneira capturar, guardar, armazenar isso. Graças a deus, eu fico muito feliz de ver que de alguma maneira estamos tentando preservar um pouco dessa história de sucesso. Eu fico muito feliz de estar fazendo parte dela também.
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