Hoje tenho 32 anos. Mas sofri de 1 até os 20 anos com epilepsia. Passei por diversos tratamentos com todas as combinações de medicamentos possíveis. Sem sucesso. As crises epilépticas eram diárias e inesperadas mesmo com 2200 mg diárias de medicamentos.
Até que em 2001 uma ressonância magnética interpretada pelo neurocirurgião Eliseu Paglioli, do Hospital São Lucas da PUCRS, mostrou a possibilidade de realizar a cirurgia para a solução da doença. E pelas mãos do próprio Eliseu, em 2 de julho de 2001, estanquei completamente a possibilidade de novas crises epilépticas.
A cirurgia durou sete horas e meia. Ainda hoje sinto os efeitos de tanto tempo sobre a mesa de operação. Como a minha cabeça foi aberta pelo lado direito, fiquei todo esse tempo e os três meses seguintes deitado apenas sobre o ombro esquerdo, o que acarretou em uma hipersensibilidade em praticamente toda a extensão do braço. Uma pontada com uma agulha no ombro, por exemplo, faz todo o braço formigar. Só que é bem mais fácil conviver com um braço formigando do que com perdas de consciência que levam com frequência para o hospital.
A epilepsia fez com que eu sonhasse pouco. Durante esses vinte anos convivendo com a epilepsia eu não via perspectivas de ter família, uma carreira profissional ou outros desejos que uma pessoa sem epilepsia desejava. Não era por depressão, mas sempre que eu projetava o futuro era interrompido pela lembrança de que uma crise epiléptica pudesse atrapalhar. Era aquela coisa: para que inventar se vai atrapalhar? Enfim.
Hoje trabalho, sou valorizado pela minha inteligência e dedicação aos estudos e muito bem casado com uma esposa maravilhosa. Mas até conquistar tudo isso trilhei um caminho difícil. Cinco anos após a cirurgia, com 25 anos, fui diagnosticado com um quadro de depressão.
Simplesmente não conseguia conviver sem a doença. Quer dizer: eu não havia encontrado um objetivo para direcionar a energia que me...
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Hoje tenho 32 anos. Mas sofri de 1 até os 20 anos com epilepsia. Passei por diversos tratamentos com todas as combinações de medicamentos possíveis. Sem sucesso. As crises epilépticas eram diárias e inesperadas mesmo com 2200 mg diárias de medicamentos.
Até que em 2001 uma ressonância magnética interpretada pelo neurocirurgião Eliseu Paglioli, do Hospital São Lucas da PUCRS, mostrou a possibilidade de realizar a cirurgia para a solução da doença. E pelas mãos do próprio Eliseu, em 2 de julho de 2001, estanquei completamente a possibilidade de novas crises epilépticas.
A cirurgia durou sete horas e meia. Ainda hoje sinto os efeitos de tanto tempo sobre a mesa de operação. Como a minha cabeça foi aberta pelo lado direito, fiquei todo esse tempo e os três meses seguintes deitado apenas sobre o ombro esquerdo, o que acarretou em uma hipersensibilidade em praticamente toda a extensão do braço. Uma pontada com uma agulha no ombro, por exemplo, faz todo o braço formigar. Só que é bem mais fácil conviver com um braço formigando do que com perdas de consciência que levam com frequência para o hospital.
A epilepsia fez com que eu sonhasse pouco. Durante esses vinte anos convivendo com a epilepsia eu não via perspectivas de ter família, uma carreira profissional ou outros desejos que uma pessoa sem epilepsia desejava. Não era por depressão, mas sempre que eu projetava o futuro era interrompido pela lembrança de que uma crise epiléptica pudesse atrapalhar. Era aquela coisa: para que inventar se vai atrapalhar? Enfim.
Hoje trabalho, sou valorizado pela minha inteligência e dedicação aos estudos e muito bem casado com uma esposa maravilhosa. Mas até conquistar tudo isso trilhei um caminho difícil. Cinco anos após a cirurgia, com 25 anos, fui diagnosticado com um quadro de depressão.
Simplesmente não conseguia conviver sem a doença. Quer dizer: eu não havia encontrado um objetivo para direcionar a energia que me condicionei a produzir para lidar psicologicamente com a epilepsia.
Por ter um apoio que beirava a irresponsabilidade dos meus pais, sempre "desafiei" a doença mostrando para ela como eu era capaz de fazer qualquer coisa. Pratiquei todos os esportes possíveis e proibidos pelos médicos, dirigia automóvel (algo que também não podia) sem medo, estudava, trabalhava. Fazia tudo. Ao realizar muitas dessas atividades passava por crises epilépticas, claro. A briga era travada 24 horas dentro da minha cabeça e os reflexos físicos dessa briga eram direcionados para o surf, a natação, o basquete, a corrida, o vôlei, o futebol, o skate, a capoeira...
Corria riscos de verdade. Desci uma ladeira a 80 km/h de skate. Nadava em mar aberto mesmo cansado (P.S: para um epiléptico, qualquer tipo de esforço físico pode configurar risco pelo fato do cansaço ser um dos estopins de crises). Era o que eu tinha na época para não me entregar para o isolamento social que a doença muitas vezes acarretava. Com apoio dos meus pais, do meu irmão e dos meus (poucos) amigos que entendiam a situação, conseguia superar os tristes minutos seguintes a uma crise, que levam o epiléptico ao desânimo e vontade de largar tudo de mão. A epilepsia se tornou meu principal inimigo. Enfrentava ela sem medo. O esporte era minha estratégia de confronto.
Concluí, portanto, que eu não precisava de antidepressivos, mas dar sequência a sede por desafios da minha mente que vinham lá da época em que ainda era epiléptico. Algo que alimentei durante 20 anos. Então voltei novamente meus esforços para o esporte, que durante toda a infância, adolescência e começo da fase adulta foi o fator decisivo para eu ter disposição para lidar com qualquer dificuldade. Comecei de leve, correndo, até que em 2008, quando fui morar em São Paulo, comecei a alimentar um desejo antigo.
Desde que cheguei em São Paulo, onde morei entre 2088 e 2012 (sou natural de Novo Hamburgo, no Rio Grande do Sul, onde resido atualmente), por comodidade e paixão por atividades físicas, comecei a praticar corrida com mais intensidade. Já corria antes, mas com o Parque do Ibirapuera a poucas quadras de casa pude dedicar muito mais tempo ao esporte. Até começar a pensar em fazer a inscrição em uma corrida. E aquela energia que não sabia para onde direcionar emergiu novamente. Mas, desta vez, ela veio para mostrar que meu poder de realização é imenso, poderia ir mais longe e fazer o que quisesse. Acreditei nisso e fui em frente: em março de 2010 coloquei na cabeça que queria correr uma ultramaratona. E em agosto eu corri. Em 18 horas, percorri 105 Km.
Foi uma experiência incrível, que me levou para ainda quatro competições de ultramaratona em 2011. Hoje não sou mais ultramaratonista. Por que quero dar mais atenção a minha família. Em 2011 me tornei pai de uma menina. Porém sigo com o espírito aventureiro na cabeça. Graças a epilepsia.
Vivi tudo de trás para a frente. Como nasci com uma doença, quando me curei precisei aprender a viver sem ela. Sem a epilepsia, pude entender como ela ajudou a moldar a minha personalidade e o meu caráter. Minha esposa sempre enfatiza: "A epilepsia te tornou um cara legal, que muita gente gosta, que faz coisas incríveis. Se não fosse ela, para onde você mandaria toda a energia que tem no corpo?"
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